Untitled

Transcrição

Untitled
FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA
Avenida Porto Velho, 401, Bairro João XXIII
CEP 60510-040 – Fortaleza – CE
Telefone: (85) 3299 9900 – fax: (85) 3496 4384
[email protected] – www.fgf.edu.br
Mantenedora: Centro de Educação Universitária e
Desenvolvimento Profissional - CEUDESP
Diretor Administrativo e Financeiro: Eng. José Liberato Barrozo Filho
Diretor de Infra-estrutura: Eng. Julio Pinto Neto
Diretor Expansão: Eng. Adolfo Marinho
Mantida: Faculdade Integrada de Grande Fortaleza
Diretor Geral - Eng. José Liberato Barrozo Filho
Diretor Acadêmico: Prof. Msc. Paulo Roberto Melo de Castro Nogueira
Diretor FGFTV: Jonasluis DA SILVA, de Icapui
Diretora de Marketing: Marina A. Barrozo
Comissão Organizadora
Prof. Damião Carlos Nobre Jucá - Profa. Flávia Roldan
Profa. Sabrina Pinto
Comissão Científica
Profa. Andréia Turollo (UFC) - Prof. Antenor Teixeira Junior (FGF)
Profa. Flávia Roldan (FGF)
Comissão de Apoio
Jaddy Santos de Souza - Wellingtania Bastos Cruz
Eulaia Pereira de Souza - Ana Cristina Freitas Magalhães
Ana Maria Pereira da Costa - July de Sousa Santos
Catalogação na fonte: Maria Daci Silva Lopes
Bibliotecária CRBB -3/951
Ficha catalográfica
JUCÁ, Damião Carlos Nobre, (orgs.) & SILVA, Andreia Turolo da (orgs)
Anais do II SILLE: Seminário Interdisciplinar Linguística, Literatura e
Educação da FGF - Fortaleza: Faculdade da Grande Fortaleza/FGF, 2009/2010
1.
Educação. 2. Linguística. 3. Literatura. 4. Linguística
Aplicada.
ISSN 1984-7173
CDD - 410
2
APRESENTAÇÃO
Ao assumirmos a presidência do SILLE, tivemos
a difícil incumbência de substituir à altura o trabalho até
então tão bem realizado pela professora Andréia Turollo,
a quem de público agradecemos pela idéia do evento e
pelo apoio, sempre incondicional, a ele dado. Esta edição
dupla, onde o leitor encontrará os trabalhos apresentados,
enviados e aprovados para a publicação nos eventos de
2009 e 2010, nasce deste intuito.
A presente edição dos anais do SILLE vem para
consolidar este importante evento regional que congrega
os estudiosos das áreas da Linguística, Literatura e
Educação, oferecendo-lhes um espaço para a discussão
acadêmica e para a divulgação de suas pesquisas através
de sua publicação.
A partir deste número, pretendemos que esta
publicação seja anual, com o objetivo de acompanhar o
desenvolvimento das mais diversas pesquisas em
Linguística, Literatura e Educação desenvolvidas no
Estado do Ceará.
Esperamos que o SILLE tenha uma longa e
profícua vida, contribuindo para o debate e a discussão
sobre problemas referentes às áreas de Linguística,
Literatura e Educação, e fomentando a pesquisa nestas
áreas, tanto no âmbito da instituição que o promove, a
Faculdade Integrada da Grande Fortaleza, quanto no
regional.
Damião Carlos Nobre Jucá
Presidente do Sille
Coordenador do Curso de Letras da FGF
3
4
ÍNDICE
LINGUÍSTICA _______________________________9
ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA: UMA REFLEXÃO
TEÓRICO METODOLÓGICA PARA PESQUISA.
Nádia Marques Gadelha Pinheiro
Universidade Federal do Ceará
Faculdade Integrada da Grande Fortaleza _______________11
QUESTÕES DE LETRAMENTO E INTERAÇÃO
SOCIAL.
ALVES, Benedito Francisco
Universidade Estadual do Ceará – PósLA ______________31
LITERATURA ______________________________51
ALMA EXTERIOR X ALMA INTERIOR: UMA
METÁFORA DA SOCIEDADE.
SILVA, Maria Eliene Fernandes
(Universidade Estadual do Ceará – UECE)______________53
A FRAGMENTAÇÃO DO SUJEITO NA LITERATURA
DE SALMAN RUSHDIE.
LOPES, Vanusa Benício (UECE) - CMLA-UECE _______ 62
FRAGMENTOS E EPIFANIAS: A VOZ DE UM
ESCRITOR EM FORMA DE MISSIVAS, ESTUDO DA
CORRESPONDÊNCIA DE CAIO FERNANDO ABREU.
CARNEIRO, Andreia da Silva - Universidade Federal do
Ceará - UFC______________________________________81
OS SAPOS, DE BANDEIRA: UM POEMA MEDIEVAL E
MODERNO.
5
COSTA, Marília Pereira da
Universidade Federal do Ceará ______________________101
RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E CINEMA.
SILVA, Rodolfo Pereira da
Universidade Federal do Ceará – UFC ________________110
EDUCAÇÃO _______________________________139
AS CONTRIBUIÇÕES DOS JOGOS MATEMÁTICOS
PARA A APRENDIZAGEM DAS OPERAÇÕES
FUNDAMENTAIS DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL.
FERREIRA, Leonardo Alves
Universidade Estadual do Ceará – UECE ______________141
A IMPORTÂNCIA DAS CRENÇAS SOBRE O USO DO
TEXTO
LITERÁRIO
NA
FORMAÇÃO
DE
PROFESSORES DE E/LE.
SILVA, Girlene Moreira
(Curso de Mestrado em Lingüística Aplicada - UECE)
RODRIGUES, Verônica Lima B.
(Curso de Mestrado em Lingüística Aplicada – UECE)___151
ANÁLISE DE ATIVIDADES DE LEITURA: LIVRO
EXPANSIÓN.
ARAGÃO, Cleudene de Oliveira
Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada – UECE
SOUSA, Neyla Denize
Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada – UECE__165
CRENÇAS SOBRE O USO DO TEXTO LITERÁRIO
NAS AULAS DE ESPANHOL NO ENSINO MEDIO.
SILVA, Girlene Moreira da
6
Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN
ARAGÃO, Cleudene de Oliveira
Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PosLA)
– UECE ________________________________________178
ERA UMA VEZ... MALAS QUE CONTAM HISTÓRIAS.
A LÍNGUA DE SINAIS NA CONSTRUÇÃO DOS
SENTIDOS EM RELAÇÃO AO DESENVOLVIMENTO
DA LINGUAGEM.
VIANA, Flávia Roldan
FGF- Faculdade Integrada da Grande Fortaleza _________194
ESTUDO DA INTERAÇÃO EM BLOGS DE ALUNOS
DE LÍNGUA INGLESA.
Núbia Costa de Almeida BRAGA.
Faculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF ________214
PRÁTICA DE ENSINO E TRANSFORMAÇÃO DAS
CRENÇAS.
FARIAS, Aline Leontina Gonçalves
UECE – Universidade Estadual do Ceará ______________232
PROMOVENDO A SAÚDE NO ENSINO DE CIÊNCIAS
PARA ALUNOS SURDOS: POSSIBILIDADES PARA A
PRÁTICA PEDAGÓGICA.
VIANA, Flávia Roldan ____________________________253
flá[email protected]
UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO E APRENDIZAGEM
DA ESCRITA EM LÍNGUA INGLESA POR MEIO DE
BLOGS.
Autora: Adriana Regina Dantas Martins. FGF. _________277
7
USO DO TEXTO LITERÁRIO SOB UMA ABORDAGEM
SÓCIO-CULTURAL NO ENSINO DE ESPANHOL
COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA.
SABOIA, Andressa Luna
ARAGÃO, Cleudene de Oliveira (Mestrado Acadêmico em
Linguística Aplicada - UECE) _______________________293
8
Linguística
9
10
ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA: UMA
REFLEXÃO TEÓRICO METODOLÓGICA PARA
PESQUISA
Nádia Marques Gadelha Pineheiro¹,²
¹Universidade Federal do Ceará
²Faculdade Integrada da Grande Fortaleza
RESUMO
Este artigo descreve a proposta teórico
metodológica transdisciplinar da Análise do Discurso
Critica - ADC. Trata-se de uma abordagem teórica e por
isso não contém dados de pesquisa empírica, e sim
contribuo com uma breve reflexão epistemológica como
forma de suscitar para pesquisadores em ADC o que
considero relevante no empreendimento investigativo em
pesquisas da lingüística contemporânea, que cada vez
mais se aproxima da sociedade como interlocutora das
angústias sociais. Essa interlocução deve ser aberta a
instâncias epistemológicas e metodológicas que também
têm em comum discutir problemas sociais e refletir sobre
processos de mudanças.
Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica, reflexão
epistemológica, linguística contemporânea.
INTRODUÇÃO
O principal objetivo desse trabalho é apresentar
uma breve reflexão sobre a necessidade do aporte teórico
metodológico transdisciplinar da Análise de Discurso
11
Crítica e sua relevância para o estudo de temas
problemáticos da vida social contemporânea. Análise de
Discurso Crítica (ADC) uma abordagem transdisciplinar
da linguagem na vida social que se situa na interface
entre a Ciência Social Crítica
(CSC) e a Linguística Sistêmica Funcional (LSF) como
aporte teórico – metodológico aberta à interlocução
transdisciplinar com epistêmes contemporâneas. O
rompimento das fronteiras disciplinares traz à Lingüística
a ancoragem em perspectivas teóricas acerca da estrutura
e da ação sociais, e propicia para as Ciências Sociais um
arcabouço para análise textual. (RESENDE 2006)
Proponho desenvolver uma discussão teórica da
linguística que não se limite às dimensões micro textual
discursiva, e contemple um diálogo transdisciplinar
epistemológico com as Ciências Sociais, tendo no
Realismo Crítico contribuições para o esclarecimento de
mecanismos sobre questões problemáticas da vida social
no contexto da pós modernidade (FAIRCLOUGH, 2006,
RESENDE, 2006,2009).
Essa é uma questão fundamental apontada: a necessidade
de interlocução da ADC com as CSC e o RC
considerando que o embasamento desse aporte teórico
transdisciplinar, torna explícito o conhecimento de
estruturas e mecanismos (visíveis ou invisíveis) que
existem e operam no mundo mediado linguisticamente e
operacionalizam práticas sociais
complexas e
problemáticas.
A compreensão da estratificação do mundo social
como característica ontológica da realidade social, de que
nem tudo o que poderia acontecer em função das
estruturas internas dos objetos sociais, acontece de fato,
12
desvela mecanismos causais geradores dos eventos
empíricos, numa realidade estruturada e diferenciada
(FAIRCLOUGH, 2006).
Refletindo sobre os pressupostos ontológicos e teóricos,
identifico a ADC constituída de uma heterogeneidade de
abordagens que compartilham princípios comuns, sobre
os quais esclarece seu foco, dentre essas diversas versões,
que, apesar de diferentes propostas teórico e
metodológicas, guardam características
em comum estabelecendo um elo de coerência científica.
Tais características são apontadas como um campo
disciplinar heterogêneo e aberto configurando-se em
pressupostos epistemológicos específicos que atendem às
características de cada objeto de pesquisa a ser
empreendido pelos pesquisadores em ADC.
Este trabalho não tem o objetivo de apresentar dados de
pesquisa empírica restringindo-se a uma discussão
teórica. A próxima seção será dedicada à ADC e o
diálogo com outras perspectivas teóricas. Na terceira
seção abordo a etnografia na pesquisa como possibilidade
metodológica aberta a identificar aspectos da realidade
social que não seriam explicados no interior de uma
única vertente metodológica, e sim trianguladas e
multimodais. Na quarta seção discuto a ética em
pesquisa.
ADC
DIALOGANDO
PERSPECTIVAS TEÓRICAS
COM
OUTRAS
ADC pode ser definida como um programa de estudos
que toma o texto como unidade de análise centrada nos
conceitos de discurso, poder e ideologia (MAGALHÃES
13
& RAJAGOPALAN, 2005; WODAK,2003). E na
interface desses constructos epistemológicos as práticas
sociais mediadas linguisticamente se apresentam no
contexto sócio discursivo historicamente situados.
Explicar e interpretar questões sociais são esforços que
envolvem tantos os aspectos textuais, como os de cunho
sociológico. O diálogo da linguística com a sociedade é
estabelecido pelo viés crítico através de um esforço
epistemológico aberto, portanto não reducionista a
campos hegemônicos do conhecimento.
O aspecto crítico é solo teórico herdado das lições da
Escola de Frankfourt que atravessa o século XXI
redimensionando-se cada vez mais no cenário
contemporâneo, marcado pelo deslocamento de antigas
verdades e lições do conhecimento.
A ADC é constituída de uma heterogeneidade de
abordagens teóricas que compartilham princípios
comuns, sobre os quais esclarece seu foco. Diversas
versões
guardam
características
em
comum
estabelecendo um elo de coerência científica. Tais
características são apontadas como um campo disciplinar
heterogêneo e aberto configurando-se em pressupostos
epistemológicos
específicos
que
atendem
às
características de cada objeto de pesquisa a ser
empreendido pelos pesquisadores em ADC.
Escolhi para atender aos meus objetivos a Abordagem
Dialético- Relacional (ADR) – proposta por Fairclough
(1999), por compreender que o mundo social e suas
estruturas ontológicas não são imediatamente acessíveis,
e faz-se necessária uma abordagem multimetodológica e
multidimensional capaz de acessar a relação entre
práticas, eventos, discursos identidades e relações sociais.
14
Chouliaraki e Fairclough (1999) sugerem um arcabouço
teórico transdisciplinar em pesquisa na ADC com base
nos estudos das diferentes narrativas sobre a
modernidade posterior. Questões estabelecidas de análise
social estão sendo desmontadas e renovadas para se
adaptarem ao discurso que agora gira em torno do eixo
da modernidade posterior, pós modernidade ou
modernidade reflexiva, sobre a qual se questionam as
metanarrativas éticas, científicas, estéticas e filosóficas
que balizaram o modo de ser do homem e do
conhecimento.
Giddens (1997) sugere uma agenda da ciência social que
diz respeito a uma profunda reflexão sobre as ações
cotidianas individuais no cenário contemporâneo, sob o
qual identidades e individualidades são imersas num
processo de desterritorialização, destradição e muitas
rupturas simbólicas, que afetam cada individuo e suas
identidades, coletivas ou individuais. Entender nosso
contexto situado (nesse espaço simbólico de intensas
mobilidades) é um evento epistemológico fundamental
para o esclarecimento de práticas sociais no mundo
contemporâneo (Ulrich Beck, Anthony Giddens, Sccot
Lash, 1997).
O Realismo Critico é um movimento na filosofia e nas
ciências sociais associado ao trabalho do filósofo
britânico Roy Bhaskar que pressupõe a dúvida em
relação ao que conhecemos e admite a possibilidade da
realidade não ser tal
e qual como nos aparece em virtude de elementos do
sujeito que interferem no conhecimento.“A pesquisa ao
estabelecer relações interdisciplinares voltadas para o
Realismo Crítico contemplará reflexões acerca da relação
15
entre linguagem e sociedade que não poderiam ser
logradas no interior das fronteiras da Linguística”
(RESENDE. p. 8. 2009).
O Realismo Crítico concentra seus esforços na
demonstração de que podemos ter um conhecimento
objetivo da realidade. No caso da realidade social, o RC
sustenta enfaticamente que o conhecimento objetivo é um
pressuposto para a emancipação humana de estruturas
sociais
opressivas,
desiguais,
indesejáveis
e
desnecessárias.
O Realismo Crítico tem servido de base para a reflexão
teórica e metodológica de um grande número de
cientistas sociais, especialmente britânicos. É possível
ainda encontrar convergências importantes entre as
concepções de atividade social desenvolvidas por
realistas críticos e, de maneira independente, por autores
como Anthony Giddens e Pierre Bourdieu (HAMLIN,
2000).
A questão mais fundamental a todos os tipos de realismo
se refere à realidade independente do ser, à dimensão
ontológica da ciência ou àquilo que Bhaskar se refere
como dimensão intransitiva do conhecimento. No
entanto, Bhaskar reconhece que a realidade só pode ser
expressa por intermédio do pensamento e da linguagem,
e que estes apresentam, como bem demonstrou Kuhn,
uma dimensão social inevitável.
Ao domínio intransitivo (ontológico) do conhecimento,
Bhaskar (1989) relaciona então um domínio transitivo
(epistemológico), isto é, social e historicamente
contingente; existem critérios racionais para se optar
entre teorias conflitantes. Este último critério caracteriza
seu relativismo como de tipo epistemológico, e não
16
ontológico. Nesse sentido, o realismo transcendental de
Bhaskar combina realismo ontológico, relativismo
epistemológico e racionalidade de julgamento
(BHASKAR, 1989).
É nesse contexto das práticas sociais nas fronteiras da
Linguística e sua relação com a Teoria Social Crítica, que
surge como fundamental para a compreensão da ADC
sua configuração como prática teórica crítica. Constituirse de caráter responsivo às demandas científicas e
metodológicas tanto na abordagem crítica dos problemas
sociais, como propostas de contribuição para a superação
e emancipação de sujeitos envolvidos. Essa é uma
questão fundamental apontada: da necessidade de
interlocução da ADC com o Realismo Crítico,
considerando que o embasamento desse aporte teórico,
torna explícito um conhecimento apenas implícito, torna
claros conceitos dados de forma confusa e pouco clara de
estruturas e mecanismos (visíveis ou invisíveis) que
existem e operam no mundo (RESENDE, 2009)
Nesse sentido, a pesquisa poderá trazer contribuições
teóricas que confirmem a importância da ADC e sua
recontextualização com a Lingüística Sistêmico
Funcional - LSF, e a conexão com o Realismo Crítico,
pois o papel da pesquisa relaciona compreensão
ontológica da sociedade, do discurso, e LSF para que as
propostas de reflexão epistemológicas favoreçam o
processo de transformação e mudanças de aspectos
constitutivos do discurso médico, procurando discernir as
conexões entre linguagem e outros elementos da vida
social que são opacas, tais como o papel da linguagem
nas relações de poder e dominação, o trabalho ideológico
do texto, a negociação de identidades pessoais e sociais
17
em seus aspectos semióticos e
lingüísticos
(FAIRCLOUGH,
2003,
MAGALHÃES
2004,
REZENDE, 2009). Em Analysing discourse, Fairclough
(2003) cumpre a tarefa de ampliação do diálogo teórico
entre a ADC e a LSF. Para tanto, ele propõe uma
articulação entre as macrofunções de Halliday e os
conceitos de gênero, discurso e estilo, sugerindo, no lugar
das funções da linguagem, três principais tipos de
significado: o significado acional, o significado
representacional e o significado identificacional. De
acordo com Fairclough(2003) citado por (RESENDE &
RAMALHO, 2006.p.61): a análise de discurso deve ser
simultaneamente à análise de como os três tipos de
significados são realizados em traços lingüísticos dos
textos e da conexão entre o evento social e práticas
sociais, verificando-se quais gêneros, discursos e estilos
são utilizados e como são articulados nos textos.
Fairclough operou essa articulação tendo como ponto de
partida não as macrofunções tal como propostas por
Halliday (as funções ideacional, interpessoal e textual),
mas a sua própria modificação anterior da teoria, ou seja,
as funções relacional, ideacional e identitária (RESENDE
& RAMALHO,2006).
Com base no Realismo Crítico, Resende, (2009) discute
alguns preceitos básicos sobre a realidade social e sobre a
relação entre estrutura e ação social e focaliza as
influências da ontologia no RC para a ADC, tal com
propõem Fairclough, Jessop & Sayer, (2002), Fairclough
(2003) apoiado nos estudos de Bhaskar (1989) e deixa
claro qual a perspectiva social que se baseia a ADC: Uma
compreensão da estratificação do mundo social que tem
como característica ontológica da realidade social de que
18
nem tudo o que poderia acontecer em função das
estruturas internas dos objetos sociais acontece de fato,
tanto numa quanto noutra, o propósito é descobrir os
mecanismos causais geradores dos eventos empíricos,
numa realidade estruturada e diferenciada (RESENDE,
p.30. 2009).
A formulação teórica da realidade quer sejam científicas
ou filosóficas, quer sejam até mitológicas, não esgotam o
que é “real” para os membros de uma sociedade
(BERGER & LUCKMAN.1996). Realidade essa que
deve ser tratada como uma construção social e como tal,
específica em seus modos de compreender e validar
aspectos particulares da vida, da saúde, da doença, do
trabalho, de gênero, da sexualidade, da raça, da pobreza,
da economia, da educação e da moral.
Na seção seguinte, quero destacar três pontos: (a) a
contextualização do estudo etnográfico e os processos
sociais locais; e (b) a necessidade de contemplar, no
debate, a questão da ética.
A
EXPERIÊNCIA
ETNOGRÁFICA
PÓS
MODERNA E OS PROCESSOS SOCIAIS LOCAIS
Com relação ao item (a), cabe observar que a
investigação etnográfica qualitativa pós moderna irá
contemplar o conhecimento o mais possível holístico da
cultura local e com esta, a produção espiritual, simbólica,
étnica, gênero social, crenças e demais aspectos da
realidade social, incluindo as questões da pobreza,
acessibilidades aos bens e serviços. Enfim, a realidade,
interação e o conhecimento da vida cotidiana. Esclareço
que quando refiro o conceito de realidade este é
19
compreendido como um fenômeno sociológico
complexo, sobre o qual identificarei o máximo possível
da cultura local, entendido como um processo dialético
cujas implicações vão muito além do seu campo
específico.
No contexto contemporâneo o lugar da etnografia não é
mais marcado pela etnografia clássica como um projeto
de dominação e colonização eurocêntrica, e o
pesquisador etnógrafo pós moderno é um estudioso e um
cidadão, e também um observador participante. ”Antigas
tradições e objetivos da etnografia, incluindo
especialmente a busca por generalizações válidas e
conclusões reais, são temporariamente desprezadas em
nome das descrições densas” (GEERTZ, 1973.) as quais,
por sua vez, propiciarão interpretações densas –
combinando a etnografia à biografia e à experiência
vivida, (DENZIN, 1989,p.32-34) Prossegue Denzin: ” O
método etnográfico apropriado pra o contexto da pós
modernidade, é aquele dedicado a compreender como
esse momento histórico universaliza-se na vida de
indivíduos”.
Uma reflexão importante cabe ao papel do pesquisador:
quais os pontos de vistas podem originar as observações
etnográficas? Quais idéias o motiva para o
empreendimento de pesquisa?
Por isso ir ao campo é reconhecer criticamente o mais
possível os interesses pessoais e institucionais, políticos,
e epistemológicos. Essa situação poderá estabelecer a
forma de compreensão atravessada pelos preconceitos
pessoais, idéias cristalizadas acerca de valorizações, e
demais juízos morais condicionados sob visões
científicas inclusive. “Os etnógrafos podem encontrar a
20
compreensão social e cultural somente se estiverem
cientes das fontes das idéias que as motivam e dispostos
a confrontá-las – com tudo o que envolve um confronto
como esses” (VIDICH & LIMAN.2006.p.51).
O interesse etnográfico responde sobre questões do local
em todas as suas faces as mais implícitas e invisíveis
possíveis. Como forma de conhecimento colabora na
interpretação da “realidade” em contextos sociais
específicos e que terão de ser incluída numa correta
análise discursiva crítica. Como tais “realidades” são
validadas, admitidas, valoradas, negadas, negociadas?
Quais aspectos desse contexto local aferem significação
às questões de gênero, raça, status profissional,
letramentos, identidades de homens, mulheres,
homosexuais e negros? É óbvio que muitas outras
perguntas o local ainda deverá motivar o
empreendimento investigativo. O conhecimento local
valida significados que devem ser tratados pela pesquisa
e pesquisador como dados em “realidades” dotadas da
valorização local, evidentemente sob modelos cognitivos
de
processamento
de
práticas
discursivas
ideologicamente situadas e ativadas.(VAN DIJK,2003).
O empreendimento etnográfico é um aporte
metodológico e teórico que enfrenta o local no mais
possível de suas facetas linguisticamente discursivas,
sempre aberto às problematizações, às inquietações do
pesquisador, que não se convence de dados únicos de
pesquisa, e que para validá-los deverão ser triangulados
multimetodológicamente, quer através da observação,
dos artefatos, das notas de campo, de entrevistas e do
dialogo teórico com a ADC e o RC. Defendo que esse
diálogo é o processo triangular que incide um
21
compromisso ético posicionado e epistemologicamente
aberto à reflexão crítica.
A pesquisa etnográfica e sua interlocução dialógica
transdisciplinar com a ADC e o Realismo Crítico é um
aspecto importante da imersão e triangulação no campo
epistemológico, pois como afirma Geertz (1973,p. 21): o
estabelecimento de relacionamentos com pessoas, e
conhecimentos ligados de arquivo e com uma visão
global da realidade, ou seja, historiadores, filósofos,
sociólogos, etc. é parte importante do processo de
imersão no campo epistemológico.
A etnografia contemporânea como pensam (CLIFFORD
2008), e (GEERTZ 1973) é algo mais do que uma
“reconstituição tão fiel quanto possível da vida dos
grupos estudados” (GLIFFORD. J.2008. p. 9)Para
Geertz, (1973, p. 15) a etnografia é uma atividade
eminentemente interpretativa, uma descrição densa,
voltada para a busca de estruturas de significação.Não
existe um processo de compreensão único, mas processos
de compreensão que variam de acordo com diferentes
situações, de diferentes usuários da língua, de diferentes
tipos de discursos.(VAN DIJK, 2003.p.21).
Para Gonçalves (2008.p.9) James Clifford propõe
entender a diversidade mesma dos processos de
construção dos textos etnográficos, visualizando-os como
empreendimentos textuais situados em circunstâncias
históricas e culturais específicas. James Clifford (2008)
comentando obre a experiência da etnografia como
escrita afirma que: a própria prática de textualização
torna o centro da descrição etnográfica independente do
que mais faz a etnografia; ela traduz experiências em
texto. Pode-se apresentar essa textualização como
22
resultada da observação, da interpretação, do diálogo.
Pode-se construir uma etnografia composta por diálogos.
Pode-se apresentar múltiplas vozes, ou uma única voz.
Pode-se retratar o outro como um todo estável e
essencial, ou se pode mostrá-lo como sendo produto de
uma narrativa de descoberta, em circunstâncias históricas
específicas. (CLIFFORD, J. 2008.p. 243). A experiência
etnográfica contemporânea cabe outro foco de estudo,
que rompe com o paradigma clássico que é o estudo das
culturas exóticas, “primitivas”, colonizadas. “Se antes a
etnografia definia o trabalho em campo e o significado de
ir ao campo com essenciais à pesquisa etnográfica, James
Clifford (2008,p. 243, 244) afirma: Trabalho de campo é
uma prática espacial de pesquisa interativa intensa,
organizada em torno de uma ficção que é o “campo”, não
tanto como um lugar, mas como um conjunto de práticas
institucionais. O campo agora é o lugar de cruzamento
criativo, assim como de disciplinarização dessas
fronteiras.
Outra questão sociológica importante a ser refletida no
trabalho de campo é o problema relativo ao poder e a
assimetria de grupos em sua diferença; se supõe um
poder estabilizado do discurso médico em relação as
pessoas em condições de vulnerabilidade social(doentes,
acompanhantes), pouco responsivas, intimidadas, com
baixa escolarização). Essa situação é comum ocorrer em
vários contextos sociais quando o discurso da interação
médico paciente é analisado. (MAGALHÃES, 2000, e
VAN DIJK, 2008). E quando os grupos exercem seu
poder , seja sobre os indivíduos, seja sobre outros grupos,
eles operam com outros fatores complexos nos processos
23
de interação e articulação que podem eventualmente
fortalecer a assimetria social.
A ÉTICA EM PESQUISA
A respeito da ética em pesquisa item b) é fundamental
refletir sobre práticas de pesquisa, legitimando
pesquisador como ente dotado do poder sobre os
participantes da pesquisa, sobre os quais fala, suscita
inquietações éticas das quais aponto as seguintes
questões: no interior de toda a linguagem habita a
violência potencial de excluir aqueles que não falam, mas
em cujo nome, contudo, se fala; de modo específico, isso
vale para a linguagem do pesquisador: pretende falar em
nome da universalidade da ciência e fala para todos os
cidadãos, porém, não fala propriamente em nome dos que
foram ou são excluídos do processo. Como é possível
encontrar uma linguagem em pesquisa que não faça calar
as vozes da diferença?
Para Magalhães (2004; 1998; 2006) essa questão precisa
ser debatida dialogando teorias, métodos, práticas e ética
em pesquisa, que concebam alteridades e não
desconsiderar a constituição ética das pessoas em face de
suas identidades à pretensa defesa do ideal científico, não
reconhecendo o significado específico da proteção moral
das pessoas em sua identidade concreta. Falar sobre o
outro, lançando o outro à posição de objetividade de suas
identidades destacada e autônoma (negação de suas
raízes, crenças, território geográfico e simbólico) a partir
das quais o outro, com sua visão de mundo, seu modo de
pensar e se auto-reapresentar, podem ser observados,
examinados e criticados.
24
Falar sobre os outros implica num compromisso ético do
pesquisador da linguística para validar seus dados de
pesquisa.
O debate segundo Magalhães (2006, p, 77) “não poderá
deixar de questionar a situação de pesquisa, a identidade
do pesquisador, e como representar diferentes vozes da
pesquisa, de forma a não contribuir para a exclusão social
dos participantes.”
Pretendo discutir o conflito e crítica à pretensão de uma
neutralidade objetiva, e repensar a reconceitualização da
pessoa apreendida como proteção das identidades
particulares concretas, portanto diferenciadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho examinou pontos que considero
importantes para estudar questões problemáticas da vida
social ancorado num arcabouço teórico metodológico
transdisciplinar da ADC, aberta ao diálogo com o aporte
epistemológico do RC, a CSC, a LSF, a pesquisa
etnográfica e a ética em pesquisa.
O diálogo proporciona uma interação epistemológica e
teórica fundamental para a compreensão mais abrangente
possível do discurso e suas práticas sociais.
Os diversos aportes teóricos aqui apresentados apesar de
seguirem diferentes perspectivas quanto ao objetivo e à
prática em questões metodológicas e epistemológicas,
encontram um fio comum nessa arena: inquietações sobre
práticas sociais que colaboram com mecanismos
opressores e injustos.
A contribuição transdisciplinar da ADC enfatiza a
necessidade de analisar os discursos com bases
25
epistemológicas e ontológicas e possam favorecer
mudanças nos panoramas sociais opacificados e até
invisíveis da ação humana. Nesse aspecto é importante
identificar com profundidade estas estruturas densas, às
vezes naturalizadas, não confrontadas criticamente como
reais, mas consolidadas nas estruturas sociais
materializadas nos discursos.
A pesquisa etnográfica favorece a geração e a
interpretação de dados locais para solucionar dúvidas
quanto aos significados que pessoas em sua instância
cultural e social assumem, fazem dizem e inquietam ao
pesquisador. Essa situação inquietante retorna para o
campo teórico da ADC que se constitui como um
processo dialético entre prática e teoria ligadas em um
processo contínuo de reflexão crítica e de transformação.
Desse modo, a investigação em ADC deve ser
multiteórica, multimetodológica, crítica e autocrítica,
merecendo destaque a ética em pesquisa, tanto
relacionada a própria pesquisa em si, como o papel do
pesquisador, que deve assumir seu compromisso
explícito em defesa dos interesses das pessoas sobre os
quais fala.
REFERENCIAS
BHASKAR, R. The possibility of Naturalism: a
philosophical critique of
the contemporary Human Sciences. Hemel Hempstead :
Harvester
Wheatsheaf.1989.
BERGER, P. T., LUCKMANN, T. A construção social
da realidade.
26
ed.Petrópolis : Vozes, 1995.
BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S. Modernização
reflexiva: política,
tradição
e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP,
1997.
CLIFFORD, James. A Experiência etnográfica:
antropologia e literatura no século XX./James Clifford;
organizado por José Reginaldo do Santos Gonçalves. E.
Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2008.
CLIFFORD, James, MARCUS, George. Writing
Cultures – The Poetics
and Politics of Ethnography. Berkeley/LA/London:
University of
California Press, 1986,
CHOULURIAKI,
Lilie;
FAIRCLOUGH,
Norman.Discourse in Late
Modernity:
rethinking
Critical
Discourse
Analysys.Edinbourg:
Edinbourg University, 1999.
DENZIN,N.K.Interpretive
interactionism.Newbury
park, CA; Sage.
1989
DIJK, T. A. V. Discurso e poder; Judith Hoffnagel,
Karina Falcone,
organização. – São Paulo: Contexto, 2008.
_____ Cognição, discurso e interação.Organização de
Ingedore Villaça, Kochh.Editora Contexto. São
Paulo.2010.
_____. Ideología y Discurso Una Introducción
27
multidisciplinaria. Resumen de un curso dictado en la
Universitat
Oberta de Catalunya (UOC), en 2001Universitat Pompeu
Fabra,
Barcelona. Ariel, Barcelona 2003.
FAIRCLOUGH, N. Language and globalization.
London,
Routledge.2006
_____. Analysing discourse. Textual analysis for social
research.
London: Routledge.2003
FAIRCLOUGH, N.; JESSOP, B.; SAYER, A. (2002)
‘Critical Realism and semiosis’, Journal of Critical
Realism (incorporating Alethia), 5 (1): 2-10
FAIRCLOUGH, N ‘Linguistic and intertextual analysis
within discourse analysis’, en: A. Jaworski, & N.
Coupland (orgs.) The discourse reader,pp. 183-211.
London: Routledge.1999
HAMLIN, Cynthia Lins. Realismo crítico: um programa
de pesquisa para as Ciências Sociais. Dados [online].
2000, vol.43, n.2, pp. 00-00. ISSN 0011-5258. doi:
10.1590/S0011-52582000000200006.
GERRTZ, Clifford, The Interpretation of cultures.
Nova York: Basic Books., 1973.
_____Obras e Vidas: o antropólogo como autor; Trad.
Vera Ribeiro. 3. Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRG, 2009
GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo:
Martins Fontes, 1989.
GIDDENS, A. A vida em uma sociedade pós-tradicional.
In: BECK, U.; GIDDENS,
28
A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição
e estética na ordemsocial moderna. São Paulo: UNESP,
1997.
GONÇALVES, R. in A Experiência etnográfica:
antropologia e literatura no século XX./James Clifford;
organizado por José Reginaldo do Santos Gonçalves. E.
Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
MAGALHÃES, I. Eu e Tu: a construção do sujeito no
discurso médico. Brasília: Editora Thesaurus, 2000.
_____ (2005) “Critical discourse analysis and the
semiotic
construction of gender identities.” D.E.L.T.A., 21:
Especial: 179-205. Org.
Magalhães, I. & Rajagopalan, K.
_____2004.”Teoria Crítica do Discurso e Texto”.
Linguagem em Discurso, 4:Especial: 113-131.Org.
Figueiredo, D. de C & Caldas – Coulthard, CR.
_____MAGALHÃES,I.CORACIN.M.J,GRICOLETTO,
M,(org.)Práticas identitárias: língua e discurso.São
Paulo.Claraluz, 2006
MAGALHÃES, Izabel .Intertextualidade e letramento: o
"outro" nodiscurso da educação; LETRAS. UFSM; 1997;
1; ; ; 83; 106;Português; ; Impresso; ; Periódico com
corpo editorial (publicado em 1998).
RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane.
Análise de Discurso Crítica. São Paulo: Contexto, 2006.
RESENDE V.DE MELO.Análise de Discurso Crítica e
Realismo Crítico:implicações interdisciplinares. São
Paulo. Pontes, 2009.
VIDICH, A,J, & LIMAN,S,M, Métodos qualitativos: sua
história na sociologia e na antropologia, in
29
DENZIN,N,K. & LINCOLN,Y, S. O Planejamento da
pesquisa qualitativa teorias e abordagens.
Trad. Sandra Regina Nertz. Porto Alegre. Artmed
Bookman, 2006.
WODAK, R. De que trata a análise de discurso
crítica(ADC). Resumo de sua historia, conceitos
fundamentais e sua importância. In: R. Wodak & M.
Meyer (orgs.). Revista Linguagem e discurso,
V.4,Número especial, 2004.
30
QUESTÕES DE LETRAMENTO E INTERAÇÃO
SOCIAL
ALVES, Benedito Francisco
Universidade Estadual do Ceará – PósLA
RESUMO
Este trabalho apresenta reflexões acerca do(s)
letramento(s) como fator constitutivo de cidadania nas
sociedades modernas. Ele busca uma melhor
compreensão acerca de idéias que naturalizam a relação
entre letramento e sucesso escolar/profissional e que
atribuem o insucesso escolar à ausência de uma aptidão
particular ou pura falta de interesse para aprender o que é
válido e interessante para a sociedade. O material é
constituído de registros escritos de cunho memorialista
colhidos em ambiente doméstico durante conversas com
uma senhora do município de Morada Nova - interior do
Ceará. Como resultado, desta pesquisa, é perceptível que
as práticas sociais com as quais podemos entrar em
contato devem ser vistas como sistemas de signos,
inclusive as práticas de letramento, que se organizam
segundo um tempo e espaço específicos, por isso,
diferente de outros organismos vivos, nós seres humanos
refletimos nossa própria realidade material e
contingencial e freqüentemente projetamos ações futuras
baseadas em nosso presente e nosso passado. Ao não
alcançar os padrões vigentes na sociedade, a ação do
indivíduo analisado sobre sua realidade e a interação com
outras pessoas se torna apenas parcial e se assemelha à
relação dos índios com os portugueses a partir do século
31
dezesseis. Naquela época, o colonizador lusitano se valeu
de seus maiores recursos tecnológicos para, mascarados
por falsos ideais religiosos e salvíficos e uma pretensa
superioridade
cultural,
dominar
e
aculturar
implacavelmente os índios. Faz-se necessário uma
profunda reflexão acerca das condições históricas, sociais
e econômicas que engendraram o analfabetismo, mas não
são citadas pela mídia, e uma discussão da idéia que
associa cidadania à união entre educação sistematizada e
escrita
Palavras-chave: Letramento, práticas sociais, identidade.
INTRODUÇÃO
Quando comecei a estudar questões que
envolviam o letramento, percebi que questões levantadas
por minha mãe em nosso ambiente doméstico ao longo
dos anos se correspondiam com conceitos pesquisados
por vários autores interessados em analisar e
compreender as possíveis relações entre letramento,
identidade e poder/ideologia em situações concretas de
interação. E se Piaget e Halliday observaram seus filhos
para nortear suas pesquisas, é possível perceber uma
situação análoga quando me baseio em observações
domésticas, que agora corporifico em texto material,
sobre o pensamento de uma sertaneja a respeito do que o
acesso à escola – com sua educação formal e
institucionalizada – e ao mundo da leitura/escrita
representam.
Especialmente para quem possa estar influenciado
pela postura racionalista do iluminismo francês que vê a
32
ciência como algo neutro que está dentro de uma
“bolha”, no dizer da professora Claudiana Alencar do
mestrado em Lingüística Aplicada da UECE, causará
espanto o fato de que por vezes apresentarei minha
identidade na primeira pessoa do singular ou do plural,
dependendo de minhas expectativas em afirmar algo e/ou
em convidar o leitor a participar de uma linha de
raciocínio,
respectivamente
(ARAÚJO,
2005).
Porventura, usarei o termo “minha mãe” ou o termo
“sujeito”.
Antes que eu teça alguma consideração sobre a
relação do sujeito deste artigo com práticas de
letramento, é importante caracterizá-lo sociologicamente
– uma vez que não é sob a lógica de um possível
determinismo genético que a pessoa humana e as
sociedades se constituíram – para que percebamos que “é
a história social do sujeito que determina o seu lugar na
sociedade e a sua relação com a linguagem” (RATTO,
1995:288).
As práticas sociais com as quais podemos entrar
em contato devem ser vistas como sistemas de signos
(LOPES, 2000: 15-16), inclusive as práticas de
letramento, que se organizam segundo um tempo e
espaço específicos, por isso, diferente de outros
organismos vivos, nós seres humanos refletimos nossa
própria realidade material e contingencial e
freqüentemente projetamos ações futuras baseadas em
nosso presente e nosso passado.
É essa capacidade de refletir e raciocinar que
orienta nossa ação humana a despeito de certas atitudes
historicamente comprovadas como ilógicas, imediatistas
e inumanas que tanto nos prejudicaram em tempos de
33
conflitos armados e/ou ideológicos. Concordo com
OLIVEIRA (1995: 159) que “Uma compreensão mais
aprofundada (das) relações entre práticas sociais e modos
de funcionamento cognitivo (...) contribuirá para uma
construção mais elaborada de uma psicologia do
desenvolvimento que contemple o ser humano adulto em
sua condição cultural específica.”.
A METÁFORA DA LIBERTAÇÃO
Minha mãe, o sujeito deste trabalho, é de uma
comunidade distrital chamada “Figueiredo” que se
encontra a nove quilômetros da sede de Jaguaruana, uma
cidade do interior do Ceará. Nascida em 1952, ela foi a
quinta criança de uma família de doze filhos vivos e,
desde sua tenra infância, começou a ajudar nos afazeres
domésticos, em trabalhos da agricultura familiar de
subsistência durante os meses da estação chuvosa e em
trabalhos artesanais com palha de carnaúba, árvore
espinhosa e de grande tronco característica da região.
A educação escolar, segundo ela sempre foi
tratada por sua família como algo secundário diante de
necessidades mais básicas como moradia, comida e
saúde. Isso resumiu seus primeiros anos escolares a uma
incipiente alfabetização marcada por uma pedagogia
descontextualizada e despolitizada – “ação política,
entendida como militância em sentido amplo, cria as
condições para uma prática discursiva que favorece a
constituição do letramento” (RATTO, 1995: 289) –
sintetizada numa “cartilha de ABC”. Apenas depois de
casar-se aos dezessete anos com um outro agricultor, três
anos mais velho e apenas alfabetizado como ela, e migrar
34
para um município vizinho é que ela chegou a cursar em
turmas noturnas para adultos as séries iniciais do antigo
primeiro grau chegando tão somente à quarta série.
Minha mãe costuma sempre lembrar que casou
para se libertar, “que antes não tinha vida” (sic). Tal
idéia, que regularmente vem à tona em seu discurso,
associa sem dificuldade a noção de liberdade à de
casamento por meio de uma metáfora (ARAÚJO, 2005:
118), já que “o sistema conceitual humano é em grande
parte organizado metaforicamente”. Uma possível
origem para essa associação estaria em duas questões de
cunho social e econômico comuns ao contexto sóciocultural de Morada Nova e Jaguaruana :
 a visão tradicional do homem como
mantenedor econômico da família
patriarcal.
 a noção de que o que alguém produz
enquanto solteiro pertence à família,
enquanto coletividade governada por um
patriarca.
Ao casar ela celebrou uma espécie de contrato
social em que seu esposo prover-lhe-ia os meios de sua
subsistência. O que eles conseguissem materialmente
seria primordialmente para eles. A minha mãe restaria o
papel de dona-de-casa. Alijada de outras perspectivas de
inserção social em seu contexto por um total
estranhamento a uma nova cidade e pelo “pouco estudo”
(sic) ela resignou-se a um papel de coadjuvante na
escolha de seu papel social não tanto pela insuficiência
de conhecimentos técnico-científico-educacionais para
agir na sociedade moderna que se desenhava no Brasil da
segunda metade do século XX, mas pela conjunção de
35
modelos tradicionais e opressores de construção de sua
identidade.
Há uma série de identidades sociais
(MAGALHÃES, 1995:213) construídas em torno do
sujeito deste artigo. “O que está em discussão é o ‘jogo
de identidades’ e suas conseqüências políticas” (HALL,
1992: 20). Mulher, negra, pobre e semi-alfabetizada, ela
conta com uma indisfarçável melancolia que teve ao
deixar seus estudos após a sexta gravidez num espaço de
dez anos para seguir a orientação machista de meu pai
para dedicar-se exclusivamente a cuidar da casa e dos
filhos. Como as primeiras cinco crianças foram abortadas
naturalmente ou morreram logo após nascerem pela total
ausência de atendimento pré e pós-natal, como que
temendo um castigo divino e baseada nos exemplos de
inúmeras vizinhas, que reproduziam a mesma
organização social e familiar, minha mãe abdicou de
qualquer trabalho fora de casa e de seus estudos.
A Libertação pretendida por minha mãe, não
aconteceu como ela gostaria, exceto pela construção de
uma família própria. Mas decorridos os anos, percebo
que a despeito de certas dificuldades próprias de quem
não passou pela educação escolar regular socialmente
válida, ela não deixou de fazer as leituras possíveis sobre
sua própria realidade nem deixou de interagir com as
pessoas ao seu redor de acordo com a situação. Tal como
Patativa do Assaré em seu tempo e espaço, minha mãe
buscou compreender seu mundo, embora não o tenha
modificado, criou uma família e relativizou suas perdas
pelo fato de não ter estudado. Afinal, como ela mesma
diz, “certas coisas que gente estudada faz, eu não faço
não”.
36
A QUEBRA DE UM PARADIGMA
Para completar o quadro descritivo do sujeito em
questão é importante considerar:
 o papel da religião na formação de sua
noção de mundo e dos movimentos de
leigos na igreja.
 a chegada do jornal escrito à sua rotina e o
crescimento de seus filhos.
 a migração para a capital do Ceará –
Fortaleza.
Além da instituição família, a instituição igreja
(católica, apostólica, romana) influenciou algumas das
escolhas de minha mãe ao orientar-lhe sobre o que era
bom e o que não era pecado. A mesma igreja que
contribuiu para reforçar certos aspectos como a noção de
família eminentemente monogâmica e patriarcal, hoje
serve como um vetor de integração de minha mãe em
práticas letradas com as quais ela não tinha contato.
A dedicação exclusiva ao lar e á família, sempre
foi um paradigma para muitas mulheres que não tiveram
oportunidade de desempenharem outros papéis sociais e
profissionais além do espaço doméstico privado. Minha
mãe não teve que enfrentar o dilema de se dividir entre
ser mãe/dona-de-casa e ser uma profissional do mercado
de trabalho como exemplificou a professora Irandé
Antunes do mestrado em Lingüística Aplicada da UECE
que comentou em seminário na UECE que um trabalho
externo às vezes pode diminuir o tempo disponível para
os filhos.
37
Com o crescimento dos filhos, o engajamento em
movimentos leigos da igreja, o acesso diário a um jornal
de grande circulação no estado do Ceará e a fixação de
residência em Fortaleza, minha mãe aumentou e
melhorou seu nível de leitura e escrita. Observei que a
quebra do paradigma que norteou toda uma fase de sua
vida permitiu que ela ampliasse habilidades que não são
genéticas, mas resultantes de um efetivo e constante
acesso a elas.
Embora o sujeito deste artigo
 se sinta um tanto desconfortável em usar o
sistema de transporte coletivo da cidade de
Fortaleza,
 manuseie um caixa eletrônico apenas se
for orientado por outrem,
 tenha dificuldades em escrever e ler
algumas palavras por causa de limitações
em seu vocabulário e conhecimento
enciclopédico e
 demonstre
outras
dificuldades
relacionadas às limitações que lhe foram
impostas por não ter aprendido a
ler/escrever mais eficientemente pelos
padrões sócio-culturais vigentes,
seu novo contexto sócio-histórico pode lhe ajudar a se
apropriar de novos recursos discursivos bem como pode
reformular sua fala e escrita através de um movimento
dialético de mútua influência (TERZI, 1995; 114) e
organizar novas formas de pensamento mais
descontextualizadas e livres da experiência concreta do
sujeito (OLIVEIRA, 1995: 148-150).
38
Não raras vezes ela proferiu como seria “triste”
(sic) não saber ler/escrever por pouco que fosse. “É, pois,
inegável que há um exercício institucional da diferença.
E parece também inegável que os analfabetos percebem o
estigma e se autodestituem por força dessa imposição.”
(RATTO,1995: 273). Já com mais de cinqüenta anos e
menos presa a tarefas domésticas e a cuidados com a
família, a influência da educação escolar a que seus
filhos tiveram acesso veio modificar sua relação com o
universo da escrita.
Ao introduzir hábitos simples como registrar por
escrito as tarefas e os acontecimentos diários em um
caderno, minha mãe passou a valorizar o pouco
aprendizado escolar que conseguiu no passado e a
admirar sua caligrafia tão carente do exercício e da rotina
no passado. Ao sentar para ler o jornal ou os livros e
periódicos que orientam suas atividades leigo-religiosas,
aspectos de leitura, prosódia e entonação melhoraram.
Essa quebra de paradigma atenuou o sentimento de
inferioridade que se afixou a ela e privou-lhe da condição
de cidadã plena de direitos.
AS COMPARAÇÕES ENTRE O LETRADO E O
ILETRADO NUMA SOCIEDADE DE CONSUMO
Antes que alguém possa pensar que eu
supervalorizo a população letrada diante da iletrada, o
que quero é mostrar que comparações entre ambos
ocorrem sob a tutela de um referencial letrado. Daí o
letrado ser colocado em vantagem sobre pessoas iletradas
total ou parcialmente como minha mãe que considera
“tudo difícil hoje em dia” (sic).
39
O acesso à tecnologia e ao conhecimento na
modernidade tardia (HALL, 1992) ocorre segundo a
lógica do mercado capitalista. Quem tem maior recurso
para consumir, acaba criando padrões que são
naturalizados. Como Minha mãe não sabe utilizar um
smartphone ou um mp4, não tem um orkut, um cartão de
crédito ou uma intensa movimentação financeira, menos
correspondência comercial chega as suas mãos, menos
uso ela faz de novas tecnologias e menos recursos
midiáticos – que estão estreitamente vinculados a
capacidade de consumo das pessoas – lhe são acessíveis
nas tarefas e vivências de seu cotidiano.
Quem não pode pagar por um provedor de
internet, comprar pelo menos um chip de telefonia móvel
ou adquirir outro recurso tecnológico moderno, não
entrará efetivamente em contato como as várias
alterações da globalização (HALL, 1992) e
possivelmente perceberá/compreenderá com mais
dificuldades a presença de hábitos e palavras
estrangeiras, especialmente as inglesas.
É um circulo vicioso: quanto mais letrada é a
pessoa, mais contatos ela estabelece com o universo de
consumo e vice-versa. Quanto menos letrada é a pessoa,
menos acesso ao consumo e vice-versa. Um exemplo é a
aquisição de livros pelos universitários. Por causa do
custo de aquisição, uma indústria da fotocópia têm
proliferado no entorno de faculdades tanto de Fortaleza Ceará, como de Limoeiro do Norte - Ceará, duas
realidades que conheço particularmente. Poderia citar
outros exemplos, mas esse já é suficiente para mostrar
que há alguma relação entre o letramento e o consumo.
Pessoas que – como minha mãe, por exemplo –
40
consomem pouco, não viajam de avião, e não pagam suas
contas com cartão de crédito acabam sendo esquecidas
pela população letrada que não se esforça em prol de uma
forma mais igualitária e ao mesmo tempo plural para usar
os recursos lingüísticos e sócio-econômicos e culturais
disponíveis.
E no âmbito do Estado-nação liberal
republicano, essa igualdade é algo a ser
conquistado individualmente por cada
falante por meio do letramento escolar: por
meio da escolarização, todos podem
apropriar-se das formas e funções
valorizadas pelo estado e demais instituições
e, assim, conquistar a igualdade de
condições na comunicação social. Mas como
esse é um objetivo sempre postergado para a
maioria, inclusive os escolarizados, acaba
funcionando como uma espécie de álibi que
vai sempre justificar a diferença congênita
irredutível que desqualifica a maioria dos
falantes enquanto falantes autorizados e,
conseqüentemente, enquanto interlocutores,
agentes, cidadãos, etc. (Signorini, 2006: 172)
Ao não alcançar os padrões vigentes na
sociedade, a ação de minha mãe sobre sua realidade e a
interação com outras pessoas se torna apenas parcial e se
assemelha à relação dos índios com os portugueses a
partir do século dezesseis. Naquela época, o colonizador
lusitano se valeu de seus maiores recursos tecnológicos
para, mascarados por falsos ideais religiosos e salvíficos
e uma pretensa superioridade cultural, dominar e
41
aculturar implacavelmente os índios. Aos índios, restaria
a resignação de silenciarem e censurarem (MATÊNCIO,
1995: 260) sua identidade para se acomodarem às
“práticas sociais e culturais hegemônicas” (op. cit.: 262) .
O ideal seria um convívio harmonioso na
diversidade, algo que ainda não foi alcançado plenamente
na sociedade brasileira. O ideal seria uma profunda
reflexão acerca das condições históricas, sociais e
econômicas que engendraram o analfabetismo, mas não
são citadas pela mídia, e uma discussão da idéia que
associa cidadania à união entre educação sistematizada e
escrita (op. cit: 248-249)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fica a impressão que ainda temos que trabalhar
muito para que a venda imposta pelo “Estado-nação
liberal republicano” (Signorini, 2006: 172) sob a parcela
dominada de sua população seja retirada.
Tanto eu
como você, leitor, temos a obrigação ética de buscar uma
compreensão acerca de idéias que naturalizam a relação
entre letramento e sucesso escolar/profissional e que
atribuem o insucesso escolar à ausência de uma aptidão
particular ou pura falta de interesse para aprender o que é
válido e interessante para a sociedade.
Devemos perguntar quem é essa sociedade e se
fazemos parte dela. Devemos perguntar por que culturas
que não dominavam a língua escrita (como nossas várias
nações indígenas) desenvolveram uma cultura tão rica e
diversificada. Devemos questionar o motivo de tantas
pessoas não conseguirem se adaptar às regras
padronizadas por sua própria sociedade. Devemos nos
42
perguntar quais questões político-ideológicas regem essa
padronização. Devemos perceber o papel preponderante
da linguagem como forma de ação sobre a realidade e de
representação da mesma, a força performativa da
linguagem no dizer de Ferreira (2007: 22). E neste ponto
a Lingüística Aplicada poderá ajudar já que ela busca
“criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a
linguagem tem um papel central” (MOITA LOPES,
2006: 14)
Tais questões são amplas e merecem outras
discussões. A partir de uma consciência metateorética
sobre o assunto poderemos pensar em mudanças nas
relações entre as instituições sociais e o indivíduo que
priorizem este e não aquelas.
Não estou eximindo o indivíduo de procurar ser
agente de sua transformação ao afirmar explicitamente
que há elementos sócio-históricos maiores por trás
daquilo que ele se acostumou a ver como natural. Estou
problematizando questões que devem ser averiguadas
especialmente pelos que estão à margem do processo de
construção de uma sociedade. Porque ser apenas um
consumidor passivo e/ou alienado numa sociedade liberal
é uma opção, mas ser cidadão crítico e ativo,
independente do acesso à escolarização, é uma
necessidade da qual ninguém deve eximir-se.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Antônia D. Identidade e Subjetividade no
Discurso
Acadêmico:
Explorando
Práticas
Discursivas. in Lima, Paula L. C. & Araújo, Antônia D.
43
Questões de Lingüística Aplicada/Miscelânea. Fortaleza,
EdUECE, 2005 (11-30).
FERREIRA, Ruberval. Guerra na Língua: Mídia,
Poder e Terrorismo. Fortaleza, EdUECE, 2007.
HALL, Stwart. A identidade Cultural na Pósmodernidade. RJ, DP&A, 11ª ed, 2006
KLEIMAN, Ângela B. Apresentação. in KLEIMAN,
Ângela B. (org) Os Significados do Letramento: Uma
Nova Perspectiva sobre a Práticas Social da Escrita.
Campinas – SP, Mercado de Letras, 1995, Col.
Letramento Educação e Sociedade, 10ª reimpressão,
2008. (07-11)
LIMA, Paula L. C. Metáfora e Ensino/aprendizagem
de Língua Estrangeira. in Lima, Paula L. C. & Araújo,
Antônia
D.
(org)
Questões
de
Lingüística
Aplicada/Miscelânea. Fortaleza, EdUECE, 2005. (97123)
LOPES, Edward. Fundamentos da Lingüística
Contemporânea. 17ª ed,. São Paulo, Cultrix, 2000.
MAGALHÃES, Izabel. Práticas Discursivas de
Letramento: a Construção de Identidades em Relatos
de Mulheres. in KLEIMAN, Ângela B. (org) Os
Significados do Letramento: Uma Nova Perspectiva
sobre a Práticas Social da Escrita. Campinas – SP,
Mercado de Letras, 1995, Col. Letramento Educação e
Sociedade, 10ª reimpressão, 2008. (201-235)
44
MATÊNCIO, Maria de L. M. Analfabetismo na Mídia:
Conceitos e Imagens sobre o Letramento. in
KLEIMAN, Ângela B. (org) Os Significados do
Letramento: Uma Nova Perspectiva sobre a Práticas
Social da Escrita. Campinas – SP, Mercado de Letras,
1995, Col. Letramento Educação e Sociedade, 10ª
reimpressão, 2008. (239-266)
MOITA LOPES, L. P. Uma lingüística Aplicada
Mestiça e Ideológca: Interrogando o Campo como
Lingüista Aplicado. in MOITA LOPES, L. P. (org) Por
uma Lingüística Aplicada Indisciplinar. São Paulo,
Parábola Editorial, 2006. Col. Lingua(gem); 19. (11-44)
OLIVEIRA, Marta K. Letramento, Cultura e
Modalidades de Pensamento. in KLEIMAN, Ângela B.
(org) Os Significados do Letramento: Uma Nova
Perspectiva sobre a Práticas Social da Escrita.
Campinas – SP, Mercado de Letras, 1995, Col.
Letramento Educação e Sociedade, 10ª reimpressão,
2008. (147-160)
RATTO, Ivani. Ação Política: Fator de Constituição
do Letramento do Analfabeto Adulto. in KLEIMAN,
Ângela B. (org) Os Significados do Letramento: Uma
Nova Perspectiva sobre a Práticas Social da Escrita.
Campinas – SP, Mercado de Letras, 1995, Col.
Letramento Educação e Sociedade, 10ª reimpressão,
2008. (267-290)
SIGNORINI, I. A Questão da Língua Legítima na
Sociedade Democrática: Um Desafio Para a
45
Lingüística Aplicada Contemporânea. in MOITA
LOPES, L. P. (org) Por uma Lingüística Aplicada
Indisciplinar. São Paulo, Parábola Editorial, 2006. Col.
Lingua(gem); 19. (169-190)
ANEXO
ENTREVISTA COM UM ANALFABETO
As falas a seguir representam a forma como foram
pronunciadas pelo sujeito.
01. Você freqüentou a escola?
Só a alfabetização. Aprendi o “be-a-bá” numa cartilha.
Naquele tempo, ou a gente aprendia ou dizia purquê.
02. Sabe ler e escrever?
Sei um pôco, mas minha letra é muito feia. Tem muita
palavra errada no queu’screvo.
03. Qual a sua maior dificuldade?
É ter que depender dos outro pra corrigí o que eu’screvo.
04. O que você costuma ler?
A Bíblia, os livros da igreja, o jornal...
05. O que você costuma escrever?
As coisas que eu faço durante o dia.
06. Alguém tem acesso ao que você lê e/ou escreve?
Minha filha que quando chega corre pra olha o que
eu’screvi. Eu leio pro povo da igreja.
46
07. Você se considera analfabeto?
Não, mas eu tenho vergonha de mostrá minha letra e de
não lê bonito como quem é formado.Avi Maria se eu
precisasse butar o dedo pra’ssinar um documento.
08. O que você sente que já perdeu por não ter estudado?
Eu pudia ser professora, tê meu ganho e hoje pudia
tá’pusentada.
09. Seu esposo e filhos estudaram? Até que série?
O meu marido só quis termina o sigundo grau. Mas,
graças a meu Deus, se eu morrer hoje, dêxo dois filho
formadu. Todus’dois são professores. Nunca ficaram
nem de recuperação. Um é professor do estadu. A ôtra é
coordenadora pedagógica de faculdadi. Hoji,eles que me
criam.
10. Como era sua relação com a escola?
Eu brincava muitu às vezis. Faltava a aula praí pru circu
com meu marido e com os colega. Uma vez fiquei com
nota vermelha no boletim mas no ôtro bimestre mi
recuperei.. Eu tinha uma professora, ainda hoje ela é
muinha amiga, que quando tava grávida, eu cunversava
era muito cum ela. Aí o tempo passava e aula acabava.
11. Por que você não terminou os estudos? Fale um
pouco sobre sua história.
Purquê meu marido era do tempo do “carrancismo”, do
“caneco de sola”. O que ele dizia, pronto. Quando peguei
minha sexta gravidêis, ele me disse papará e cuida do
nenê. Aí, sem incentivu, parei e fiqueis só em casa. Antes
47
de terminar o resguardo ingravidei di novu Aí num teve
jeito. Ainda faltava quatro dias pro mais velhu completá
onze meses e nasceu a mais nova. Como eu já tinha
perdido cinco filhus e com pouco tempo a mais nova
pegou pneumonia, fiquei cuidandu da casa, do marido e
dos filhos. Mas eu venci. Meu marido já foi muito
danado, mas eu venci. Como disse São Paulo, “combati o
bom combate, guardei a fé”.
12. Você sabe manusear as informações em aparelhos
celulares, computador, internet, caixa eletrônico ou
outros recursos tecnológicos ao seu alcance?
Sei ligar e desligar o celular.
DISCUSSÃO DA SITUAÇÃO DO ENTREVISTADO
O sujeito entrevistado é uma mulher de cinqüenta
e seis anos completos, nascida no interior do Ceará e
atualmente residindo em Fortaleza. Ela mora com o
marido e uma filha adulta. Sua maior forma de inserção
social fora da instituição familiar é em grupos de oração
de sua igreja As seis primeiras perguntas são mais
técnicas, pois elas se referem a questões que ensejam
respostas mais diretas que procuram expor um quadro
geral da entrevistada a partir de seus primeiros anos de
contato escolar.
O pouco contato que a entrevistada teve com a
escola e a proibição imposta pelo marido (resposta 11)
impediram-na de ingressar no mercado de trabalho e
contribuíram para que ela tivesse apenas um papel
secundário
numa
sociedade
“androcêntrica
e
48
grafocêntrica” (MAGALHÃES, 1995: 203) que
cristalizou uma identidade fixa e subalterna de mulher.
Soares (1987, apud MAGALHÃES, 1995: 202)
alerta para o fato de que:
o fracasso escolar particularmente na
alfabetização (é na primeira série, cujo
objetivo principal é a aquisição da leitura e
da escrita, que são, como se sabe, mais altas
as taxas de repetência e evasão) tornou-se
tão evidente e ameaçador para as legítimas
aspirações de uma democratização do saber
e da cultura, que acompanhe a
democratização do acesso à escola, que não
há como reconhecer, hoje, na alfabetização,
o problema básico do sistema educacional
brasileiro.
A escola não cumpriu seu papel com
disseminadora de criticidade e autonomia. .Ela atuou
como veículo de repetição passiva de conteúdos (resposta
11) que não ajudaram a entrevistada a questionar sua
estrutura social, seu contexto histórico-cultural e a forma
como se constituiu sua identidade dentro de sua família e
perante uma sociedade fundada na escrita e leitura. A
conseqüência foi o estabelecimento na cabeça da
entrevistada de que os outros sabem mais e melhor do
que ela que não é “formada” (sic) o que a desmotivou de
procurar acompanhar a evolução tecnológica e midiática
do final do século XX e começo do XXI.(respostas 11 e
12).
49
Kleiman (1995: 07) nos ensina que em sociedades
tecnológicas, industrializadas, a escrita é onipresente” e
algumas atividades, comuns para um sujeito letrado,
requerem, portanto grandes esforços de
concentração ou interpretação, representam
verdadeiros obstáculos para os grandes
grupos de brasileiros não escolarizados, que
não tiveram acesso à escola, ou foram
prematuramente expulsos dela.
A situação da entrevistada se enquadra dentro da
assertiva acima e quando ela diz sentir vergonha de sua
caligrafia e leitura, ela mostra que seu referencial de
qualidade está nas pessoas que fazem uso constante da
escrita – como seus filhos e o marido que tiveram acesso
a mais anos de estudo (resposta 09) e por conseguinte
conseguiram empregar-se, o que ela não conseguiu
(resposta 08). A ela restou a resignação e o consolo da
frase bíblica de São Paulo que fala sobre o crepúsculo da
vida, numa clara influência de sua formação religiosa e
tradicional.
50
Literatura
51
52
ALMA EXTERIOR X ALMA INTERIOR: UMA
METÁFORA DA SOCIEDADE
SILVA, Maria Eliene Fernandes da
(Universidade Estadual do Ceará – UECE)
RESUMO
Introdução - o conto O espelho de Machado de
Assis traz uma reflexão acerca da alma humana dividida
entre a aparência e a essência do ser frente às imposições
sociais. Para essa análise, utilizaremos a terceira
submodalidade da espacialização icônica. De acordo com
Santaella, na terceira submodalidade da espacialização, a
narrativa é ambientada em um espaço que tem por
finalidade cumprir uma função simbólica. O espaço da
história, que a narração põem em cena, não é um espaço
qualquer, mas um símbolo do conteúdo a ser narrado.
Uma característica simbólica está no raio de ressonâncias
históricas e culturais que emite. Objetivo - analisar o
conto O espelho à luz da Semiótica na perspectiva da
espacialização simbólica. Metodologia – o método usado
em nossa análise foi à descrição detalhada dos elementos
que compõem a espacialização simbólica na construção da
trama. Resultados no conto O espelho de Machado de
Assis, temos uma narrativa que se desenrola em um
espaço restrito: “ a casa ficava no morro de Santa Tereza ,
a sala era pequena, alumiada a velas cuja luz fundia-se
misteriosamente com o luar que vinha de fora”. Esse
espaço e sua localização nos remetem a uma simbologia:
o conhecimento das pessoas e suas discussões devem ser
restritas e pouco claras quanto espaço onde se desenvolve
53
a conversa. Esse fato nos remete a definição de
espacialização simbólica supra citada. Conclusão – no
tocante à espacialização simbólica e a rede metafórica que
se forma na construção do tecido textual, pudemos
observar como o espaço “casa”, “espelho”, “farda”
tiveram fundamental importância na composição da
trama, revelando as sutilezas das relações de aparências.
Palavras-chave:
simbólica.
alma
humana
e
espacialização
O presente trabalho procura analisar o conto “O
espelho” de Machado de Assis à luz da Semiótica, para
isso tomamos como base teórica os estudos de Santaella
acerca da Matriz verbal e suas modalidades no que
concerne a narração espacial, bem como as relações
icônicas metafóricas do signo.
Conforme SANTAELLA a narração pode ser dividida
em três modalidades: espacial, consecutiva e causal e
cada modalidade em três submodalidades. No caso da
modalidade espacial temos as submodalidades:
espacialização icônica, espacialização indicial e
espacialização simbólica as quais se enquadram na
tipologia dos signos de Peirce.
Para o nosso trabalho, no que concerne à modalidade
espacial e suas submodalidades, enfocaremos a terceira:
espacialização simbólica. De acordo com Santaella
p.331:
54
Na terceira submodalidade da espacialização, a narrativa
é ambientada em um espaço que tem por finalidade
cumprir uma função simbólica. O espaço da história, que
a narração põe em cena, não é um espaço qualquer, mas
um símbolo do conteúdo a ser narrado. Uma
característica do símbolo está no raio de ressonâncias
históricas e culturais que ele emite.
Em relação, a divisão icônica dos signos feita por
Peirce, eles se dividem em três níveis: imagem, diagrama
e metáfora. Para o nosso trabalho, enfocaremos o signo
icônico metafórico, uma vez que ele representa seu
objeto por similaridade no significado do representante e
do representado.
No conto “O espelho” de Machado de Assis, temos
uma narrativa que se desenrola em um espaço restrito: “
a casa ficava no morro de Santa Teresa , a sala era
pequena, alumiada a
velas, cuja luz fundia-se
misteriosamente com o luar que vinha de fora”. Esse
espaço e sua localização nos remetem a uma simbologia:
o conhecimento das pessoas e suas discussões devem ser
tão restritas e pouco claras quanto aquele espaço onde se
desenvolve a conversa. Esse fato nos remete a definição
de espacialização simbólica supracitada.
Naquele espaço, temos pessoas que discutem assuntos
relacionados à metafísica, mas não há uma
fundamentação no que dizem, há sim, pelo que podemos
entrever, uma discussão relativamente vazia cujo
objetivo seja conjeturações. “Quatro ou cinco cavaleiros
debatiam, uma noite, varias questões de alta
55
transcendência, sem que a disparidade trouxesse a menor
alteração aos espíritos.”
Desse modo, percebemos que a discussão era algo que
não acrescentava nada de importante àqueles espíritos,
mas que servi de pano de fundo para eles próprios
existencializarem suas presenças e importâncias no
grupo e naquele espaço tão simples, tanto é que Jacobina
“um dos participantes”,nega-se a entrar naquela
discussão: “... dizendo que a discussão é a forma polida
do instinto batalhador, que jazz no homem, como uma
herança bestial; e acrescenta que os serafins e os
querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram
perfeição espiritual e eterna”.
De certa forma Jacobina, mesmo sem nessa parte do
conto haver a discussão apenas menção a ela, afirma-nos
o teor mínimo da discussão e da importância dessa. A
partir desse ponto, Jacobina vai provar-lhes o que já
havíamos mencionado anteriormente: o que cada ser
quer, na realidade, é ser importante e existir como tal.
Para isso ele propõe a teoria de que: “cada criatura
humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro
para fora, outra que olha de fora para dentro... “(alma
interior x alma exterior).
Essa teoria vai servir de embasamento para provar
suas conjecturas acerca da alma humana. Para isso ele
explica que a alma interior é alimentada pela exterior e
que a exterior pode ser um botão de camisa, um tesouro
ou simplesmente a opinião da sociedade que nos cerca.
Desse ponto em diante, Jacobina nos conta algo que
56
aconteceu com ele quando tinha vinte e cinco anos e fora
nomeado alferes da guarda municipal:
Minha mãe ficou orgulhosa! Tão contente! Chamavame seu alferes. Primos e tias foi uma alegria pura e
sincera. Na vila, note-se bem, houve alguns despeitados;
choro e ranger de dentes como na Escritura; (...) Em
compensação, tive muitas pessoas que ficaram satisfeitas
com a nomeação; e a prova é que todo o fardamento foi
dado por amigos...”
A partir do momento que a alma exterior de Jacobina
começa a despertar interesse, começa também a causalhe disputas e invejas. Enquanto a família e “amigos” o
elogiam e presenteiam, outros vão desprezá-lo, pois o
posto ao qual ascendeu era de grande cobiça.
Tia Marcobina, viúva do capitão Peçanha, convida
Jacobina para visitá-la. Quando ele chega ao sítio dela,
ela diz que ele vai ficar lá por algum tempo e ali a alma
exterior de Jacobina é coberta de afagos e ternura de
modo que até o espelho da sala, peça rara naquela época,
fora colocado no quarto do alferes.
Parece-nos que essa atitude da tia é uma forma de
também dar voz a sua alma exterior, visto que morava
em um sítio distante e que fora viúva de um capitão.
Certamente, durante o tempo em que estivera casada, sua
alma exterior alimentara-se da alma exterior de Peçanha.
Agora ela via uma forma de voltar a existir, novamente
na dependência de outro. Ela não tinha uma alma
exterior realizada por si mesma. Nessa convivência,
57
Jacobina confessou que em pouco o alferes eliminara o
homem e a alma exterior cada vez mais alimentava a
interior.
No entanto a tia teve que visitar uma filha doente,
deixou o alferes com os escravos, estes o cobriram de
mimos e cuidados, mas no dia seguinte haviam fugido e
Jacobina ficara na mais completa solidão. Nesse
momento, a alma exterior começa a incomodá-lo, ele não
se olha sequer no espelho. Já bastante inquieto e solitário
resolveu olhar-se no espelho, para o espanto dele: ... deume na veneta olhar para o espelho com o fim justamente
de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia
conjurado com o resto do universo; não me estampou a
figura nítida inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra
de sombra.(...)
Ele teve medo de enlouquecer diante da realidade. Nem
o espelho estampava a imagem dele, a solidão
aumentava, sequer uma pessoa para visitar o alferes
aparecia. De repente, ele tivera um estalo: vestir a farda
de alferes e”... o vidro reproduziu então a figura
integral... o alferes que achava enfim a alma exterior...”.
Após esse momento, resgatara a alma exterior que havia
sumido com as pessoas e conseguiu ficar mais seis dias
sem sentir falta dos elogios, pois no momento em que
vestia-se o alferes resgatava e era contemplado ou
contemplava-se no espelho resgatava os elogios que
tanto alimentavam a alma exterior quanto a interior.
Desse modo, o personagem-narrador nos prova a teoria
de que o ser humano é movido por tudo que o cerca
58
externamente;que isso colabora com a imagem interior
que criamos de nós mesmos e que as nossas discussões
nada mais são de que uma forma de existirmos perante
nós mesmos e dos outros.
Diante disso, percebemos que a discussão iniciada
naquele espaço entre eles é um símbolo do conteúdo a
ser narrado, pois o diálogo que eles iniciam não é algo
profundo ou que possa servir de modificação espiritual,
mas algo que os põe em cena e quando cada um fala vai
tentando elevar a alma exterior.
A comprovação de que eles querem apenas mostrar-se
importantes é que Jacobina não entra na discussão e diz
ser esta uma herança bestial que cada ser carrega em si,
mas é instigado a participar, pois os outros querem prova
do que ele está afirmando e como humano, ele também
traz em si a herança bestial.
Passa então a narrá-los o que aconteceu consigo mesmo
quando era jovem e desse modo vai colaborando com a
teia que se forma a partir das discussões e se funde com
a comprovação de que naquele espaço há seres humanos
querendo erguer suas almas exteriores e interiores estas
movidas pela vaidade do que aquela possa ser alvo.
Desse modo, fecha - se o círculo em torno do ambiente símbolo da sociedade pequena, um pouco obscura e
fechada que nos cerca, e seres-símbolo que se formam e
deformam nesse ambiente onde o ter suplanta o ser.
Os símbolos que, ao longo do texto, vão colaborando
com a metáfora da sociedade como algo pequeno e
59
insignificante, movida por interesses fúteis vão pouco a
pouco sendo posto a prova: a farda de alferes que dá a
Jacobina o direito de existir perante a sociedade. Essa
existência começa a ser valorizada na família, quando a
mãe chama o “meu alferes”, e continua desempenhando
papel significante de inclusão quando ele recebe os
mimos da tia. Essa mesma farda servirá de objeto para
livrá-lo da solidão.
Outro ponto de fundamental importância no
desenvolvimento da trama é a presença do espelho como
algo que retrata apenas o que é conveniente. Nesse
ponto, podemos sugerir que o espelho é uma metáfora da
sociedade a qual é incapaz de valorizar as pessoas por
sua índole ou bons modos, mas centra-se na maneira de
vestir e no que essa pessoa tem para visualizá-la e
respeitá-la.
No caso do alferes, sem farda diante do espelho apenas
representava traços imperceptíveis, mas com a farda
resgata suas feições e personalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho procuramos, à luz dos estudos
emióticos, analisar o conto O espelho,no que concerne à
espacialização simbólica e a rede metafórica que se
forma na construção do tecido textual. Pudemos observar
como o espaço “casa”, “o espelho” e a “farda” tiveram
fundamental importância na composição da trama que
nos apresentou de forma metafórica uma sociedade
movida por interesses materiais, despida de qualquer
60
senso de humanidade e respeito de um ser para com o
outro.
Essa sociedade faz de cada ser um brinquedo e brinca
com ele sem que, muitas vezes ele perceba-se usado;
afinal por que queremos tanto discutir, mostrar que
nossas opiniões estão certas? Talvez seja uma forma de
existirmos.
Vamos desfilando, defronte do espelho (sociedade),
nossas fardas (conquistas) e buscando que este espelho
não se mostre opaco ou desinteressado, pois é essa a
forma de alimentarmos a nossa alma interior.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Machado de. A cartomante e outros contos. São
Paulo, moderna, 1988.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo:
Pioneira Thompson Learning, 2002.
_____. Matrizes da linguagem e pensamentos: sonoro,
visual, verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo:
Iluminuras: FAPESP, 2005.
61
A
FRAGMENTAÇÃO
DO
SUJEITO
NA
LITERATURA DE SALMAN RUSHDIE
LOPES, Vanusa Benício (UECE)
CMLA-UECE
RESUMO: Diante do contexto sócio-cultural em que
vivemos no qual o mundo está constantemente passando
por diversas transformações e isso podemos perceber
claramente através do processo da globalização, estamos
diante de um sujeito fragmentado, ou seja, as pessoas
estão constantemente mudando de identidades e
posicionando-se de acordo com o contexto em que estão
inseridas. Segundo Hall (1997), a questão da identidade
está sendo extensamente discutida na teoria social. As
velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas
identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até
aqui visto como um sujeito unificado. Objetivamos
entender, através do estudo dos processos de produção de
sentidos para os conceitos clássicos de Identidade e
Cultura, como se dá a política de identidades no discurso
literário pós-colonial e como tal política defende uma
concepção de linguagem baseada na ética da diferença.
Especificamente, investigamos de que modo o ensaio
“Imaginary Homelands”, de Salman Rushdie traz à tona a
relação entre a construção das identidades nacionais e as
políticas de representação que as sustentam. A partir da
utilização de um programa de estudos lingüísticos
críticos, cuja ênfase está na inter-relação entre linguagem
e identidade (FAIRCLOUGH, 1992; RAJAGOPALAN,
2003). Como resultado, percebemos que o texto de
62
Rushdie, através dos processos semântico-discursivos,
constrói uma espécie de memória cultural fragmentada
através de uma política de representação característica da
personalidade da maioria dos cidadãos indianos póscoloniais, na qual duas nações - a colonizada Índia e a
colonizadora Inglaterra - colidem entre si, traduzindo-se
em várias identidades que são constantemente afirmadas
e reivindicadas.Concluímos, portanto, que o indivíduo
após sair de sua terra natal e passar a conviver com outra
cultura, estará constantemente passando por um processo
de transformação cultural.
Palavras-chave: Identidade. Salman Rushdie. Póscolonial.
INTRODUÇÃO:
Este trabalho apresenta um estudo do discurso
pós-colonial de Salman Rushdie, no qual podemos
perceber que a linguagem é um local de luta no discurso
pós-colonial, como também podemos comprovar a
afirmação dos teóricos das políticas identitárias (HALL,
1997), de que as identidades estão sendo constantemente
fragmentadas.
Pelo impacto do discurso literário de Salman
Rushdie, cujo estilo narrativo mescla o mito e a fantasia
com a vida real, delimitamos uma de suas obras para
nossa análise do discurso literário pós-colonial. Mais
especificamente, analisaremos o ensaio Imaginary
Homelands que abre a sua obra: Imaginary Homelands:
Essays and Criticism (1992).
63
A questão da identidade assume um grande
destaque na obra “Imaginary Homelands” de Salman
Rushdie ao derivar da condição da migração, pois vai
além das influências geradas por fenômenos como a
globalização, formando-se no diálogo constante entre a
cultura de origem do colonizado e a cultura do país do
colonizador. Assim, a identidade cultural na obra de
Rushdie torna-se uma identidade híbrida, em
conseqüência do processo de transculturação, ou seja,
acontecendo o processo de tradução cultural.
1- A FRAGMENTAÇÃO DAS IDENTIDADES NA
MODERNIDADE TARDIA
Diante de uma realidade em constantes
transformações sociais, numa esfera global, cada vez
mais os efeitos da globalização e os acontecimentos neste
mundo pós-moderno estão presentes no nosso dia-a-dia,
provocando “crises de identidade”.
Segundo Hall (1997), as reflexões sobre
identidade estão sendo amplamente discutidas na teoria
social. As antigas identidades, que estabilizaram o mundo
social, estão em decadência, surgindo novas identidades e
fragmentando o sujeito moderno, que antes era visto
como um sujeito unificado. Surge, assim, a “crise de
identidade” que é considerada como parte de um
processo mais amplo de mudança, processo este que está
deslocando as estruturas e processos centrais das
sociedades modernas e abalando os quadros de referência
que davam aos indivíduos uma posição estável no mundo
social.
64
O autor apresenta três concepções de identidades
para ilustrar o fenômeno da fragmentação do sujeito:
a) sujeito do Iluminismo
b) sujeito sociológico
c) sujeito pós-moderno
O sujeito do Iluminismo baseava-se na concepção
de um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado
das capacidades de razão. Assim, o sujeito nascia e se
desenvolvia, permanecendo “idêntico” a ele - ao longo da
existência.
A segunda concepção é a do sujeito sociológico,
nessa concepção, a identidade do sujeito é formada na
“interação” entre o eu e a sociedade, embora o sujeito
ainda tenha um núcleo ou essência interior, mas, este
será formado e modificado num diálogo contínuo com
os mundos culturais “exteriores”, ou seja, o “eu” vai
interagir com outras pessoas. A terceira concepção de
sujeito apresentada por Hall (1997) é a do sujeito pósmoderno, que não possui mais uma identidade fixa ou
permanente. A identidade torna-se uma “celebração
móvel”, podendo ser transformada continuamente, ou
seja, o indivíduo estará em constantes transformações a
partir do contexto em que estiver inserido.
Segundo o autor, a identidade plenamente
unificada, completa e segura é uma ilusão, pois “à
medida que os sistemas de significação e representação
cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades
possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar ao menos temporariamente”. (HALL, 1997,
p.14)
65
A partir dessas concepções de sujeito
apresentadas por Hall, podemos perceber as mudanças de
visão de sujeito nas sociedades tradicionais e como
vemos os sujeitos nas sociedades modernas. O sujeito
que tinha identidade fixa e estável está hoje diante de um
contexto de tantas transformações que é obrigado a estar
mudando de identidades e se posicionando de acordo
com a situação e com o local onde estiver inserido.
Para o autor, a questão da identidade está
relacionada com o caráter de constantes mudanças na
modernidade tardia; em particular, com o processo de
mudança conhecido como “globalização” e seu impacto
sobre a identidade cultural.
Podemos
argumentar,
portanto,
que
a
fragmentação do sujeito é um reflexo das “sociedades
modernas”. Nesse sentido, Giddens (1990) nos apresenta
a principal distinção entre as sociedades “tradicionais” e
as “modernas” e argumenta:
Nas sociedades tradicionais, o passado é
venerado e os símbolos são valorizados
porque contêm e perpetuam a experiência de
gerações. A tradição é um meio de lidar com
o tempo e o espaço, inserindo qualquer
atividade ou experiência particular na
continuidade do passado, presente e futuro, os
quais, por sua vez, são estruturados por
praticas sociais recorrentes (GIDDENS, 1990,
Apud HALL 1997, p. 15)
66
David Harvey (1989, apud HALL 1997), referese à modernidade significando não apenas “um
rompimento impiedoso com toda e qualquer condição
precedente”, mas como “caracterizada por um processo
sem-fim de rupturas e fragmentações internas no seu
próprio interior”.
Para explicar a modernidade tardia, Ernest
Laclau(1990) usa o conceito de “deslocamento”. Uma
estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado e
substituído por “uma pluralidade de centros de poder”.
As sociedades da modernidade tardia, segundo ele, são
caracterizadas pela “diferença” e produzem uma
variedade de diferentes “posições de sujeitos”, ou seja,
gera novas identidades.
Para o autor, não seria correto ver a mudança
contextual como simples e inevitavelmente promotor da
fragmentação do eu, pois quanto mais acontece sua
desintegração em “eus múltiplos” essa diversidade
também pode, em algumas circunstâncias promover uma
integração do eu. Uma pessoa pode fazer uso da
diversidade a fim de criar uma 1autoidentidade distinta
que incorpore positivamente elementos de diferentes
ambientes numa narrativa integrada. (GIDDENS 2002, p.
176) Podemos ver que Giddens, Harvey e Laclau,
apresentam leituras diferentes acerca da modernidade,
mas suas teorias pautadas na descontinuidade, na
fragmentação, na ruptura e no deslocamento nos levam a
um ponto em comum, o impacto das transformações da
pós-modernidade provocada pela globalização.
1
Giddens define autoidentidade como o eu entendido reflexivamente pelo
individuo em termos de sua biografia (p.221)
67
Segundo o crítico Kobena Mercer, “a identidade
somente se torna uma questão quando está em crise,
quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é
deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza.”
(MERCER apud Hall, 1997, p.9).
A partir da visão desses teóricos, podemos dizer que é
uma ilusão acreditar numa identidade unificada, completa
e coerente, pois estamos diante de um contexto social em
constantes
transformações,
em
que
somos
constantemente confrontados por uma multiplicidade de
identidades possíveis, com as quais poderíamos nos
identificar em momentos diferentes.
2- A LITERATURA PÓS-COLONIAL
Para falarmos sobre Literatura pós-colonial, é
importante mencionar a origem do termo e a maneira
como ele se destacou, tornando-se uma vertente de
estudos acadêmicos. O prefixo “pós” em “Póscolonialismo” pressupõe, o que ocorreu, ou ocorre, após
o colonialismo.
O termo pós-colonial se refere de certo modo ao
processo de descolonização que marcou, mesmo que de
formas muito diferentes, tanto os países colonizados com
aqueles que foram os colonizadores. Ou seja, o termo
quer enfatizar que a colonização nunca foi um fato
“externo” às metrópoles imperiais, estando inscrita nas
suas próprias culturas - assim como as culturas imperiais
também se inscreveram nas culturas dos colonizados.
68
Pensar nessa ambivalência posta pelo encontro
colonial implica, assim, em deslocar uma série de noções
como centro/ periferia, nós/eles, dentro/fora, rompendo
com essas oposições binárias para pensar as relações
sociais de modo mais complexo, múltiplo e transversal.
(CANTARINO, 2007)
Para Carreira (2006), o “pós-colonialismo” se
refere a uma série de estudos voltados para os efeitos da
colonização sobre as culturas e sociedades colonizadas,
que podem ser interpretados como parte da teoria pósmodernista, procurando trazer à tona as vozes das
culturas e dos segmentos sociais periféricos, sendo
portanto, uma tentativa de “ouvir” as “margens”, como
as minorias raciais, as mulheres e os homossexuais.
É, a partir do testemunho colonial dos países do
Terceiro Mundo e do discurso das “minorias” dentro das
divisões geopolíticas de Leste e Oeste, Norte e Sul que
surgem as perspectivas pós-coloniais, intervindo nos
discursos ideológicos da modernidade que tentam dar
uma “normalidade” preponderante ao desenvolvimento
irregular e às histórias diferenciadas das nações, raças,
comunidades e povos.
Os estudos culturais, baseados nas idéias de
globalização, a partir dos anos 80 e 90 passaram a ocupar
nos estudos acadêmicos, em âmbito internacional, o
espaço das discussões teóricas sobre temas pós-coloniais.
69
Segundo Bhabha (2005), as teorias pós-coloniais
formulam suas revisões críticas em torno de questões de
diferença cultural, autoridade social e discriminação
política a fim de revelar os momentos antagônicos e
ambivalentes no interior das “racionalizações” da
modernidade. Nesse contexto, podemos dizer que uma
série de teorias críticas sugere que é através do
testemunho daqueles que sofreram o sentenciamento da
história, como subjugação, dominação, diáspora e
deslocamento, que aprendemos nossas lições de vida e
podemos fazer reflexões sobre esses acontecimentos.
Reis (1999 p. 15) argumenta que a chamada
literatura pós-colonial não consegue escapar ao
neocolonialismo. Para a autora críticas mais recentes têm
demonstrado o prefixo ‘pós’ de pós-colonialismo não
significa o fim do colonialismo, mas a inserção num
contexto de internacionalização do mercado – inclusive
do mercado de bens culturais. Sendo ela, depois do
processo de globalização iniciado pelo imperialismo, não
há como separar a história das antigas metrópoles das
histórias dos povos colonizados e nem como manter o
antigo conceito de Estado- Nação. O “Sistema-Mundo”
atual caracteriza-se por fluxos internacionais e
transnacionais, a consequência, segundo Octavio Ianni
(apud Reis,1999, p.15), é que “as nações transformam-se
em espaços, territórios ou elos da sociedade global.(...)
Na medida em que se desenvolve, a globalização confere
novos significados à sociedade nacional, com um todo e
em suas partes.”
70
A perspectiva pós-colonial, como vem sendo
desenvolvida por historiadores culturais e teóricos da
literatura, tenta revisar aquelas pedagogias nacionalistas
ou “nativistas” que estabelecem a relação do Terceiro
Mundo com o Primeiro Mundo em uma estrutura binária
de oposição, resistindo à busca de formas holísticas de
explicação social. Ela força um reconhecimento das
fronteiras culturais e políticas mais complexas que
existem
no
vértice
dessas
esferas
políticas
frequentemente opostas. Segundo Bhabha (idem), os
discursos pós-coloniais exigem formas de pensamento
dialético que não recusem ou neguem a alteridade que
constitui o domínio simbólico das identificações
psíquicas e sociais.
Bhabha (2005) analisa a narrativa subalterna
situando-a no plano das identidades coletivas, porém
vinculando sempre sua manifestação aos processos de
representação e de significação, tanto na sua dimensão
semiótica quanto na sua dimensão psíquica. Para o autor,
na perspectiva pós-colonial, a questão não é apenas a voz
nativa, como a do outro diferente, mas o reconhecimento
das condições históricas e políticas de construção de
alteridades submetidas a um regime colonial de
subalternidade.
Quanto às características da literatura póscolonial, segundo os autores Ashcroft, Griffith e Tiffin
(1989), “O que cada uma destas literaturas tem em
comum além das características regionais, é que elas
emergiram no presente fora da experiência de
colonização e se afirmaram através do tempo com o
poder imperial e enfatizando as suas diferenças. É isto
que os faz distintivamente pós-coloniais.”
71
Estes autores argumentam também que o
desenvolvimento dos estudos pós-coloniais passou por
várias fases, todas elas referentes à percepção de que era
preciso fazer a diferença do grande centro. A ligação ao
centro do poder colonial fazia com que os escritores
coloniais escrevessem em inglês e não na sua língua
materna, privilegiavam o centro e não muitos aspectos
específicos da região que talvez reportassem melhor a
realidade do país.
A partir de tantas características próprias de
países e regiões hoje pós-coloniais, não restam dúvidas
de que tanto a sua cultura como a sua literatura adquirem
características diferentes de um país colonizador. Assim,
o estudo dos países e regiões pós-coloniais torna-se
necessário para o entendimento de uma cultura diferente.
Cultura esta que não pode estar dissociada da literatura
que é imprescindível para a caracterização da História de
qualquer país. É por razões como estas que se faz
necessária a existência de Estudos Pós-Coloniais.
Os “estudos pós-coloniais” focalizam, portanto, as
manifestações culturais, entre elas a expressão literária
das nações que conquistaram sua independência após um
longo período de dominação política e cultural. Mas, se
examinarmos a história recente dos países que sofreram o
processo de colonização, chegaremos à conclusão de que
, em muitos deles, a colonização ainda não terminou.
Pelo contrário, ela continua e não só nesses países, mas
persiste também na proposta de globalização, cuja forma
de domínio se esconde sob a idéia de uma aparente
igualdade. (CARREIRA, 2006).
72
3- A FRAGMENTAÇÃO DO SUJEITO EM
“IMAGINARY HOMELANDS” DE SALMAN
RUSHDIE
Tendo crescido em Mumbai (antiga Bombaim) e
estudado na Inglaterra onde se formou “com honra” na
Universidade de Cambridge, Salman Rushdie tem
provocado, graças a sua literatura de ensaio e ficção uma
série de controvérsias no mundo (RAJAGOPALAN,
1996).
Considerado como uma instituição discursiva, a
literatura é aqui vista como ocupando uma posição social,
portanto, anunciando e reproduzindo sentidos deste lugar.
O discurso literário sobre a identidade e sobre o
sentimento de pertença em Imaginary Homelands é visto,
pois, como uma prática discursiva literária, constituindose em uma prática social.
Embora para Spivak (1993) o sujeito subalterno
não exista enquanto categoria que tem voz própria e por
isso não pode ser ouvido no discurso dominante, além de
não ter nenhum espaço a partir do qual possa falar,
Salman Rushdie, como outros autores do pós-colonial,
passaram a problematizar, em sua literatura, sua condição
de subalterno.
Rushdie afirma, no ensaio referido, que os
escritores indianos na Inglaterra têm acesso a uma
segunda tradição totalmente apartada da sua própria
história “racial”, reivindicando o mesmo lugar de direito
que o ocupado pelo colonizador.
73
Sua herança e sua porta de acesso é a história
política e cultural do fenômeno da migração, do
deslocamento, da vida de uma minoria de pessoas
expatriadas. Ele diz: “O passado do qual fazemos parte é
um passado inglês, a história da Inglaterra Imigrante2”
(RUSHDIE, 1992, p. 20, tradução minha).
Bhabha (2005) analisa a narrativa subalterna
situando-a no plano das identidades coletivas, porém
vinculando sempre sua manifestação aos processos de
representação e de significação, tanto na sua dimensão
semiótica quanto na sua dimensão psíquica. Na
perspectiva de Rushdie, a questão não é apenas a voz
nativa, como a do outro diferente, mas o reconhecimento
das condições históricas e políticas de construção de
alteridades submetidas a um regime colonial de
subalternidade. Vejamos: “Mas, em todo o caso, o (a)
escritor (a) indo-britânico(a) simplesmente não tem a
opção de rejeitar o inglês. As crianças dele, as crianças
dela crescerão falando o inglês, provavelmente como
uma primeira língua”.3(RUSHDIE,1992, p. 17, tradução
minha)
Desse modo, podemos perceber que a linguagem
é um local de luta no discurso pós-colonial, pois o
processo de colonização e também o de descolonização
começa primordialmente através da linguagem, das
2
“The past to which we belong is an English past, the history of
immigrant Britain”.
3
“But the British Indian writer simply does not have option of rejecting
English, anyway. His children, her children, will grow up speaking it,
probably as a first language;”
74
práticas discursivas. O controle exercido sobre a
linguagem pelo poder colonial – quer através do
apagamento
das línguas
nativas,
quer
pelo
estabelecimento da linguagem colonial como “padrão”
pelo qual se medem possibilidades de ascensão pessoal e
profissional – permanece sendo o mais poderoso
instrumento de controle cultural. É essa condição
lingüístico-histórica que Rushdie reconhece.
Em “Imaginary Homelands” comprovamos a
afirmação dos teóricos das políticas identitárias (HALL,
1997) de que as identidades estão sendo fragmentadas, de
que o que aconteceu à concepção do sujeito moderno, na
modernidade tardia, não foi simplesmente sua
desagregação, mas, seu deslocamento. Como podemos
ler: "Nós somos hindus que cruzaram a água preta; nós
somos muçulmanos que comem carne de porco. (…) Nós
somos agora em parte do Oeste. Nossa identidade é
imediatamente plural e parcial" "Nós somos hindus que
cruzaram a água preta; nós somos muçulmanos que
comem carne de porco. (…) Agora, nós somos, em parte,
do Oeste. Nossa identidade é imediatamente plural e
parcial" 4(RUSHDIE, 1992, p. 17, tradução minha). O
sujeito de que nos fala Rushdie demonstrará que a
concepção de identidade fixa e estável do iluminismo é
uma ilusão. Em Rushdie, percebemos que o sujeito
descentrado da diáspora é um sujeito traduzido, cujas
identidades são abertas, contraditórias, inacabadas,
identidades fragmentadas, próprias do sujeito moderno.
4
“We are Hindus who have crossed the black water; we are Muslims
who eat pork. (…) We are now partly of the West. Our identity is at
once plural and partial”.
75
Essa fragmentação identitária não é exclusiva desses
intelectuais, mas a condição desses escritores marcada
por um sentimento sem fim de dispersão e de não
pertencer a nenhum lugar, intensifica essa visão
fragmentada do “eu”, como percebemos no seguinte
trecho: “Pode-se afirmar que o passado é um país de
onde todos nós temos emigrado, que sua perda é parte de
nossa humanidade comum. (...); mas eu sugiro que o
escritor que está fora do seu país e fora do seu idioma
pode experimentar esta perda de uma forma mais
intensificada” 5 (RUSHDIE, 1992, p. 12, tradução
minha). Fiel ao espírito da condição pós-moderna, o texto
de Rushdie constrói uma espécie de memória cultural
fragmentada através de uma política de representação
característica da personalidade da maioria dos cidadãos
indianos pós-coloniais na qual duas nações - a colonizada
Índia e a colonizadora Inglaterra - colidem entre si,
traduzindo-se em várias identidades que são
constantemente afirmadas e reivindicadas: “Pode ser que
quando o escritor indiano que escreve fora da Índia tentar
refletir sobre aquele mundo, será obrigado a negociar
com espelhos quebrados, dos quais alguns fragmentos
foram irreparavelmente perdidos”6 (RUSHDIE, 1992, p.
11, tradução minha).
5
“It may be argued that the past is a country from which we have all
emigrated, that its loss is part of our common humanity. (... ); but I
suggest that the writer who is out-of-country and even out-oflanguage may experience this loss in an intensified form”.
6
“It may be that when the Indian writer who writes from outside India
tries to reflect that world, he is obliged to deal in broken mirrors, some
of whose fragments have been irretrievably lost.”
76
As imagens dos deslocamentos e das
fragmentações da memória e do sujeito moderno são
apresentadas na forma de figuras de linguagem como
”espelhos quebrados”, uma constante no texto de
Rushdie: “Os potes quebrados”, ”vidros quebrados”
(RUSHDIE, 1992, p.12). São imagens que sugerem a
natureza fragmentada da memória presente na guerra
cultural que se estabelece para a maioria dos cidadãos
britânicos do pós-império. Para eles, como diz
Rajagopalan, “a Índia pós-colonial e a Grã-Bretanha pósimperial – constituem, por assim dizer, câmaras mútuas
de ressonância sentimental e emocional”, ou como diz o
próprio Rushdie: “Pátrias imaginárias, Índias da nossa
mente (RUSHDIE, 1992, p. 10)”.
Para Rajagopalan (1996) Inglaterra e Índia –
constituem, do ponto de vista psicológico, o par de
opostos absolutos que ocupa o centro da esquizofrenia
cultural, que é, em última análise, o próprio romance de
Rushdie.
Na prática literária de Rushdie, não apenas a Índia é
representada como uma ficção, uma pátria imaginada
através de uma memória fragmentada cuja tessitura rica
vai costurando as memórias da infância na busca
emocional de uma raiz, de uma origem por aqueles que
foram deslocados dela (“criaremos ficções, não cidades
ou aldeias reais, mas invisíveis, pátrias imaginárias,
Índias da Mente”)7, como também a Inglaterra é
denunciada como uma nação imaginada, construída pelos
7
“create fictions, not actual cities or villages, but invisibles ones,
imaginary homelands, Índias of Mind).
77
trabalhos da memória colonialista como a perpetuação de
uma herança cultural canônica a ser resguardada
(RUSHDIE, 1992, p. 10).
CONCLUSÃO:
Concluímos, portanto que todo o texto de Rushdie, nas
construções discursivas literárias de “Imaginary
Homelands”, sua prática discursiva como sua prática
social e política representa uma desconstrução da noção
de comunidade nacional como uma identidade
unificadora como nos diz o trecho “(…) A Inglaterra
sonhada não passa de um sonho” 8 (idem, p.18, tradução
minha). É nesse sentido que para Seligmann-Silva (2005,
p. 206) o discurso pós-colonial pensa na literatura como a
impossibilidade de representação de uma “essência” de
significado, como uma impossibilidade de retratar uma
memória meramente designativa, como representação fiel
e crua do fato sem ligação alguma com a emoção de não
mais se encontrar enraizado, de ter sido deslocado e
subjugado pelas forças da colonização. Mas, ao mesmo
tempo, essa literatura procura respeitar as ambivalências
culturais reivindicadas pelas nossas identidades atuais
que surgem mediante a resistência ao contexto da
globalização e a todas as formas de imperialismo;
Ambivalências e dilemas na integração cultural dos
imigrantes, na representação de identidades nacionais e
culturais fragmentadas, na apresentação de um indiano
não - indiano, um eterno estrangeiro entre duas pátrias.
8
"The dream-England is no more than a dream".
78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ASHCROFT, B., GRIFFITHS,G.,TIFFIN,H., The
Empire Writers Back:Theory and practice in PostColonial Studies. Londres, Nova York: Routledge,1989.
CANTARINO, C. Literatura: Ficção Pós-colonial
retrata conflitos contemporâneos. Ciência e Cultura.
V.59 n.2 São Paulo abr./jun.2007. Disponível em
<http://cienciae cultura.bvs.br/scielo.php>acesso em 03
de abril de 2008.
CARREIRA, S.S.G. A reinvenção dos símbolos: um
olhar crítico sobre as relações entre o Oriente e o
Ocidente na era do Pós Colonialismo. Revista
Eletrônica do Instituto de Humanidades da
Universidade de UNIGRANRIO, volume V, número
XVIII,
julho-set.2006.
Disponível
em
<www.unigranrio.br> acesso em 20 de Janeiro de 2008.
BHABHA, H. K.: O local da cultura, BH, Editora da
UFMG, 2005.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade,
Rio de Janeiro: DP&A Ed.,1997.
FAIRCLOUGH, N.,
Discourse and social change.
Cambridge, Polity,1992.
GIDDENS,A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2002.
RAJAGOPALAN, K., Por uma lingüística crítica:
linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo.
Parábola Editorial, 2003.
RAJAGOPALAN,
K;
FERREIRA,D.M.M.(orgs)
Políticas em Linguagem: Perspectivas identitárias. São
Paulo: Mackenzie, 2006.
79
______. Quando o humor azeda: o episódio Rushdie em
retrospectiva. Estud. av., São Paulo, v. 10, n. 27,
1996. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php
REIS, E.L.L. Pós-Colonialismo, Identidade e
Mestiçagem Cultural: A Literatura de Wole Soyinka. Rio
de Janeiro: Relume-Dumará, 1999.
RUSHDIE, S., Imaginary Homelands: Essays and
Criticism, London: Granta Books, 1992.
SELIGMANN-SILVA, M., O local da diferença.
Ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. São
Paulo: Ed.34, 2005.
SPIVAK, G., Can the subaltern speak? In: WILLIAMS,
Patrick; CHRISMAN, Laura (Ed.). Colonial Discourse
and Post-colonial Theory: A Reader. Hemel Hemsptead:
Harvester Wheatsheaf, 1993.
80
FRAGMENTOS E EPIFANIAS: A VOZ DE UM
ESCRITOR EM FORMA DE MISSIVAS, ESTUDO
DA CORRESPONDÊNCIA DE CAIO FERNANDO
ABREU.
CARNEIRO, Andreia da Silva9
Universidade Federal do Ceará – UFC
RESUMO: Caio Fernando Abreu (1948 – 1996)
desenvolve sua produção ficcional em torno de temas que
retratam os embates e a problemática do homem
contemporâneo. Contista, romancista, dramaturgo, poeta
e jornalista, premiado com o prêmio Jabuti, em 1984 e
1989, Caio é considerado por alguns críticos, o autor que
se tornou o retrato 3x4 da classe média da última metade
do século XX que correu o mundo, libertou-se dos
condicionamentos e exaltou a vida com alta dose de
erotismo e politização. Desta forma, a sua obra pode ser
também ser compreendida como uma das expressões de
pensamento, conduta e expressão de um período
extremamente importante para o nosso país, uma vez que
a sua ficção representa um Brasil na década basicamente
compreendido entre os anos 70 e 80. Esta comunicação
propõe-se analisar o conjunto de sua correspondência
reunida no volume intitulado Cartas, organizado por
Italo Moricone (2002). O objetivo maior de nosso
trabalho será realizar um breve panorama da vida e obra
9
Andreia da Silva Carneiro é graduada em Letras pela Universidade Federal
do Ceará e mestranda em Literatura Brasileira pela mesma instituição.
81
de Caio Fernando Abreu através de sua intensa troca de
missivas com amigos e parentes ao longo de sua vida.
Não podemos deixar de destacar que esta coletânea é
extremamente rica e importante para aqueles que
admiram a obra de Caio Fernando, assim como não
podemos deixar de pontuar que estas cartas
proporcionam uma aproximação e um melhor
entendimento em relação ao seu processo criativo.
Podemos conferir comentários do autor em relação a
muitas obras, seu gosto pela arte, opiniões em relação aos
mais variados assuntos, assim como o medo e a
descoberta de ser um portador do vírus HIV.
Palavras-chave: Caio Fernando Abreu; Cartas; Processo
criativo.
Caio Fernando Abreu (CFA) - (1948 – 1996)
desenvolve sua produção ficcional em torno de temas que
retratam os embates e a problemática do homem
contemporâneo. Estes temas podem ser descritos e
classificados como a crise do sujeito moderno em face de
uma sociedade massificada, dominada pelo consumo e
pela falta ou mesmo perda de identidade. Como um dos
aspectos marcantes e recorrentes em sua obra, podemos
ainda destacar pontos que evidenciam a fragmentação do
sujeito moderno, e consequentemente considerá-los como
base da crise da contemporaneidade, como por exemplo,
a dificuldade de interação social, a solidão e as crises
existenciais de sujeitos em busca da própria identidade,
entre outros aspectos.
82
Contista, romancista, dramaturgo, poeta e
jornalista, premiado com o prêmio Jabuti, em 1984 e
1989, Caio é considerado por alguns críticos, o autor que
se tornou o retrato 3x4 da classe média da última metade
do século XX que correu o mundo, libertou-se dos
condicionamentos e exaltou a vida com alta dose de
erotismo e politização. Desta forma, podemos assinalar
cada vez mais a crescente atenção de leitores ávidos pela
escrita do “escritor da paixão” nos tempos atuais.
Muitas vezes, o autor é mais lembrado por sua
ficção intimista e por sua abordagem homoerótica. E
talvez, em um primeiro momento, a associação do autor e
sua vida pessoal levem a crer que Caio Fernando Abreu
desenvolva, em sua totalidade, narrativas cujo conteúdo
envolva a relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo.
No entanto, Jaime Ginzburg10 reconhece que Caio
Fernando Abreu “ainda está por ser compreendido em
um de seus lados mais fortes, a política”. Desta forma, a
sua obra pode também ser compreendida como uma das
expressões de pensamento, conduta e expressão de um
período extremamente importante para o nosso país, uma
vez que a sua ficção representa um Brasil basicamente
compreendido entre os anos 70 e 80.
Neste período, a sociedade brasileira vivia a
época do ‘Desbunde’ e da ‘Contracultura’. O olhar
10
Ginzburg, Jaime. Exílio, Memória e História: notas sobre “Lixo e
purpurina” e “Os sobreviventes” de Caio Fernando Abreu. In Literatura e
Sociedade/ Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada/
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/ Universidade de São
Paulo – n.1 (1996). São Paulo.
83
sensível de CFA mostra-se sempre conectado com o
‘auto-olhar’ de quem percebe de maneira peculiar o
mundo que se movimenta ao seu redor.
De maneira geral, a sua escrita revela, aos poucos,
uma perspectiva melancólica permeando, assim, o
cotidiano de suas personagens, além de pautar, muitas
vezes, através de sentimentos como a perda, a dor, a
solidão e a incerteza, uma possível tensão vivenciada
pelas personagens e as relações de cunho temporal. Deste
modo, mesmo que estas relações entre indivíduo e seu
tempo não estejam explicitamente nas narrativas de Caio,
nota-se uma possível inquietação em relação ao passado
marcado principalmente por momentos de total repressão
ou falta de liberdade oriundos do período militar; certa
inadequação
em
relação
ao
presente
e,
consequentemente, a falta ou perda quase total de
expectativas em relação ao futuro.
Este trabalho propõe-se a realizar uma breve
análise do conjunto de sua correspondência reunida no
volume intitulado Cartas, organizado por Italo Moriconi
em 2002. O objetivo maior de nosso estudo consiste em
percorrer alguns aspectos importantes da vida do autor,
assim como de sua produção ficcional através da intensa
troca de missivas entre amigos e parentes ao longo de sua
vida. É necessário destacar ainda que esta coletânea
torna-se extremamente rica e instigante para aqueles que
admiram e/ ou estudam a obra de Caio Fernando Abreu
por consistirem um registro importante e explícito de
suas percepções, desejos, angustias e preocupações com
os mais diversos assuntos, entre os quais podemos
destacar: a situação econômica e política do Brasil:
84
Creio que Tancredo Neves
morre entre hoje e amanhã.
Acho essa história de uma
ironia e de uma crueldade
raras. Tudo muito nefasto (...)
teremos que engolir Sarney e
outro governo tipo Figueiredo
– e mais inflação, e mais
desemprego, e mais terceiro
mundismo, e mais solidão e
desencontro
entre
as
pessoas...¹¹
Caio de uma maneira ou de outra sempre se
preocupou em pontuar como o componente históricosocial poderia fazer parte de suas narrativas. Assim, em
entrevista realizada em 1984 pelo correspondente Celso
Araújo, intitulada Sem amor, só a loucura 11, Caio deixa
um pouco mais evidente a sua preocupação em relação a
difícil situação política e social enfrentada pelo país:
Somos hoje um país que
perdeu a identidade, o
brasileiro não tem mais face e
a tarefa do escritor pode ser,
de repente, tentar ajudar na
reconstituição. Escrevo sobre
11
In. Abreu, Caio Fernando. Caio 3D: O essencial da década de 80.
Rio de Janeiro. Agir, 2005.
85
coisas que estão se passando a
todo momento (...) ando muito
só e assustado com tudo isso.
Toda vez que desço a cidade,
vejo
as
pessoas
ruins
emocionalmente, a crise não é
apenas econômica, as pessoas
estão com o coração escuro, a
rapaziada se drogando mais do
que nunca.
Ítalo Moriconi destaca ainda que a trajetória de
vida de Caio Fernando oferece ao leitor “ um bom retrato
da conspiração permanente operada pela sociedade
brasileira no sentido de impedir ou dificultar a
profissionalização do escritor-artista” 12. A escrita para
CFA era um processo intenso de elaboração artística por
meio da palavra, além de ser um dos melhores meios de
expressão. Talvez, o seu maior ato foi ter colocado em
forma de prosa o relato de uma personalidade forte, mas
ao mesmo tempo sensível e atenta ao seu tempo, muitas
vezes preocupado com um futuro pouco promissor, como
por exemplo, em relação à crise ambiental e doenças
como a AIDS. Ao escrever para o amigo Luis Arthur
Nunes em 1984, Caio indaga:
Como anda a história da AIDS
por aí? Aqui acalmou, mas
ocorrem uns horrores vez
12
Idem.
86
enquando, há duas semanas foi
um amigo-de-um-amigo, quer
dizer, foi-se. Vez enquando
faço
fantasias
paranóicadepressivas, andei promiscuo
demais. Ah, que ânsia de
pureza e meeeeeeeeeeeedo da
marca de Caim. 13
Escrever aos amigos, aos companheiros era algo
essencial e constante em sua rotina quanto cumprir as
tarefas cotidianas. Em suas cartas, Caio Fernando releva
a percepção pessoal de um universo marcado pelo apreço
à palavra, além de momentos de extrema solidão e
desencanto em oposição à constante procura de amor, em
carta ao dramaturgo Luciano Alabarse, Caio revela que:
“sinto falta de abraço e beijo ma boca e mão na mão de
namorado. Choro às vezes e durmo pesado”. Moriconi
nos mostra que as missivas de Caio, na verdade, são
“uma pequena amostra de um universo que ainda está
para ser revelado na sua completude, na sua provável
vastidão”.
O tom confessional e a mistura com os fatos reais
reforçam cada vez mais a possível hibridez do gênero
epistolar. O aprofundamento de tal fenômeno ainda
requer estudo e uma análise mais detalhada o que
ultrapassa, infelizmente, os objetivos deste trabalho. No
entanto, desejamos ressaltar que as cartas de CFA
13
Idem. p. 89
87
revelam, junto com o seu conjunto ficcional, um
importante panorama no que diz respeito à história tanto
de nosso país, assim como de nossa literatura. Maria
Lúcia de Barros Camargo aponta que:
O teor das cartas pessoais,
escritas por um sujeito
concreto e dirigidas a um
destinatário específico [...]
ancora-se no real e nas
circunstâncias e quase sempre
trata da intimidade, tendo, por
isso mesmo, um cunho íntimo
e, até, confessional [...]a carta
assume
também
função
documental: sua inserção na
história, aliada ao caráter de
‘sinceridade’ das confissões,
assim a legitimam. 14
É importante ressaltar que esta reunião de suas
epístolas procura, basicamente, englobar a vida de Caio
Fernando Abreu sob dois aspectos e a inversão
cronológica intencional, proposta por Moriconi em
Cartas pode ser lida como “o romance fragmentado de
uma vida”.
14
In LOURENÇO, Camila. Gênero, memórias e narrativas. UFSC. P.
02
88
Um deles estaria voltado para um Caio já escritor
e inserido no meio jornalístico e artístico de uma
metrópole. Podemos mesmo inferir que esta sensação de
inadaptação vivida por CFA na grande pauliceia torna-se
recorrente tanto em suas missivas, assim como em sua
obra. Neste momento, percebemos que a ambientação de
muitas das suas narrativas tem como ambientação a
grande metrópole desvairada que entorpece e padece
aquele que se sente mais fraco, justamente por ser o
avesso do avesso do avesso. Outras vezes, a menção é
explicita como no caso da novela Pela Noite cujas duas
personagens trafegam por ruas e avenidas bastante
populares da cidade de São Paulo.
A segunda parte refere-se ao início como escritor
e as angústias de um jovem em busca de sua própria voz,
além da rica, e não por menos enigmática
correspondência trocada com a escritora Hilda Hilst
(1930 – 2004). Neste momento, as cartas de Caio
Fernando revelam um pouco mais do seu universo como
ficcionista ainda no início do processo da escrita, além da
influência e admiração pela escrita da autora de A
obscena senhora D.
As primeiras cartas mostram ainda um garoto
angustiado com a saída de sua cidade pequena para a
grande metrópole, neste caso Porto Alegre. Caio escreve
aos pais apelos para que volte à cidade natal para poder
enfim sentir-se mais aliviado e sereno. Em carta dirigida
aos pais, em especial a sua mãe Nair Abreu, em março de
1965, o autor revela que:
89
Há várias noites que quase não
durmo e tenho pesadelos
horríveis. Acho que até
emagreci, ando sempre com
olheiras e não como nada.
Sinto uma falta imensa de
todos daí, principalmente da
senhora. A coisa que mais
desejo é ir embora daqui. Sei
que a senhora vai ficar triste
quando ler isso; imagine então
como não ando eu!
Percebe-se também, neste momento, o início da
amizade entre Caio Fernando Abreu e a escritora Hilda
Hilst. Esta amizade será marcante para o escritor, uma
vez que sente grande admiração pela produção literária e
escrita da amiga, como também irá participar de
“experiências transcendentais” bem típicas a época.
Neste conjunto encontraremos boa parte da opinião e,
principalmente, admiração do autor em relação às
narrativas de Hilda, principalmente ao livro FluxoFloema, onde não raro podemos encontrar comentários
pessoais em relação à obra.
Este relato encontra-se na missiva que também
faz parte do volume Caderno de Literatura Brasileira
dedicado à escritora. Nesta carta Caio analisa com
verdadeira adoração o processo de escrita e criação de
Hilda, não poupando elogios, como certas opiniões
pessoais em relação à narrativa. Compara a escritora com
Dalton Trevisan, Clarice Lispector e Guimarães Rosa,
90
Lygia Fagundes Telles e Lúcio Cardoso considerados,
segundo o autor, ainda fechados, limitados até em relação
às temáticas e a própria constituição da escrita.
Caio impõe a Hilda certo teor vanguardista no que
se refere à inovação da escrita, assim como a “mistura”
entre o humor e o que é considerado insólito. Para Caio, a
escrita ‘descontraída’ de Hilda seria:
Sem barreiras morais, políticas,
religiosas, sem preocupação de
tempo ou espaço. A liberdade
total, mas não a liberdade
porra-louca que conduz, no
máximo, ao vazio, mas a
liberdade que diz coisas que
podem-ser,
podem-não-ser,
que dá a noção ao homem de
estar-solto no mundo.
Outra coletânea que reúne também cartas de Caio
intitula-se Para sempre teu, Caio F. (2009), da jornalista,
e grande amiga do autor, Paula Dip. A autora aponta que
o autor queria “deixar um testamento de seu tempo como
um apóstolo do novo mundo cujo amor à escrita foi uma
chama que iluminou nossa geração”. Segundo Paula,
antes de ser uma biografia, o livro é a expressão de uma
sincera e forte amizade que perdurou durante anos, além
do registro de uma geração de vivenciou de perto os anos
de chumbo, a luz, a sombra, o amor, assim como o
desamor.
91
Como já citamos no início deste trabalho,
percebemos que entre os aspectos recorrentes na
correspondência de Caio Fernando encontramos também
sua relação conflituosa e, por vezes, amorosa com a
cidade de São Paulo. Tal fenômeno, muitas vezes, nos
permite
concebê-lo
como
um
dos
autores
contemporâneos que também percebe e reflete os
problemas do espaço urbano de uma maneira bastante
peculiar.
O autor muitas vezes não expõe claramente o que
quer dizer, assim proporciona ao leitor diversas pistas
para que, ao longo de toda a leitura, se possa configurar
em nosso imaginário o retrato de uma metrópole prestes a
entrar em colapso. E justamente no meio deste caos que
as personagens de Caio Fernando tentam reorganizar-se
após períodos de grande turbulência, seja no aspecto
pessoal, seja no que diz respeito ao teor social, também.
Nas palavras de Graça Paulino, em prefácio
alusivo ao livro “Caio Fernando Abreu – a metrópole e a
paixão pelo estrangeiro: contos, identidade e sexualidade
em trânsito” (2002), admite que “a metrópole
contemporânea se reconstitui como um mundo de caos
necessariamente em movimento” 15. Tão logo se percebe
que o ambiente retratado pelo autor “são cenas dos anos
70, e a recriação dos questionamentos da época faz
também mover-se de novo a história de jovens sem
15
Paulino. Graça. De cenas a seqüências: lendo contos, fazendo crítica
literária. In Caio Fernando Abreu, a metrópole e a paixão pelo estrangeiro:
contos, identidade e sexualidade em trânsito/ Bruno Souza Leal. São Paulo:
Annablume, 2002. (p.07)
92
destino, de delírios ácidos, de blues for rock’en roll, de
sexo liberado para amor algum16. Desta maneira, Graça
Paulino nos esclarece que:
A urbe tresloucada por onde se
movem os sujeitos, grupos,
vozes, objetos do progresso
que ferveu e empolgou as
pessoas num encontro de
multidões, a metrópole se
define como o lugar próprio –
aliás, um deslugar, já que não
permite ao sujeito enraizar-se,
instalar-se – para acontecer o
inusitado, o estranhamento do
mundo, do outro e de si. 17
A grande pauliceia é sempre caracterizada pela
cor cinza, sentido este que pode muito bem ser
comparado ao ar plúmbeo característico da cidade, como
sendo uma metáfora do indivíduo na frieza de suas
relações sociais. Na ficção de CFA, a cidade de São
Paulo é retratada como o centro das grandes
contradições, dos desencontros, da centralidade do poder,
da desigualdade social, entre outras características. Como
exemplo, podemos apontar o conto “Depois de Agosto”
16
Souza Leal. B. Idem p.08
17
Idem
93
18
que apresenta um espaço ambientado não muito longe
da agitação da Avenida Paulista:
Tentado não ver os túmulos,
mas sim para a vida louca dos
túneis e viadutos desaguando
na Paulista, experimentava um
riso novo. Pé ante pé, um
pouco para não assustar os
amigos, um pouco por que não
deixava de ser engraçado estar
de volta à vertigem metálica
daquela cidade à qual, há mais
de mês, deixara de pertencer.
(ABREU, 2002)
Para Jaime Ginzburg a vertigem metálica, seria a
“imagem que associa o desnorteamento humano e a
presença da tecnologia avançada, contextualiza o
encontro do protagonista com uma fissura no tempo” 19.
Assim, Caio aos poucos nos revela: “Estou
escrevendo na redação. Esta máquina é pesadíssima. Um
dia cinza. Há quase um mês estamos dentro de dias cinza,
de ar muito sujo (...). Tenho andado muito de ônibus.
18
Abreu, Caio Fernando. Ovelhas Negras. Porto Alegre: L&PM Editores,
2002.
19
Ginzburg, Jaime. Tempo de destruição em Caio Fernando Abreu. In
Palavra e imagem: memória e escritura/ Márcio Seligmann Silva. Org.
Chapecó: Argos, 2006.
94
Sento na janela e fico olhando o povo: é tristíssimo”
(p.99). Em outro momento, escreve que “qualquer grande
avenida de grande cidade é exatamente como um pátio de
hospício. Pior, você sabe, porque mais violenta – e
porque não há nenhuma viagem interior sendo feita. É
pura ansiedade, sofreguidão, fragmentação”. (p.221)
Suas referências culturais são recorrentes em suas
cartas, seus autores preferidos como Ana Cristina Cesar,
Sylvia Plath, Clarice Lispector, John Fante, Salinger,
entre outros. Livros, filmes e peças teatrais estavam
sempre no roteiro de suas atividades preferidas. Tais
informações compõem um quadro o qual vislumbramos o
interior sensível e aguçado do autor. A descrição de seus
dias, as dificuldades financeiras sempre presentes, a
procura de um lugar para morar, a dificuldade de um
emprego estável, assim como a angustia do trabalho
jornalístico são elementos essenciais que ajudam o leitor
a desvendar um pouco mais do que vem a ser o universo
caiofernandiano. Outro ponto de destaque é o relato
constante em relação ao seu processo de criação de sua
ficção.
É importante destacar o medo e a
descoberta de também ser portador do vírus HIV, “meu
Deus, a tal doença parece que existe mesmo” (p.106).
Neste caso, evidenciamos que a presença da AIDS
constitui-se um fator recorrente ao longo de sua produção
ficcional. A primeira revelação veio por carta enviada a
uma de suas maiores amigas, Maria Lídia Magliane em
16 de agosto de 1994:
95
Pois é, amiga. Aconteceu –
estou com AIDS – ou pelo
menos sou HIV positivo (o que
parece mais chique...), te
escrevo de minha suíte no
hospital Emílio Ribas, onde
estou internado há uma
semana...
Alguns dias depois, em 21 de agosto de 1994,
Caio Fernando Abreu anunciou a má notícia a seu
público leitor na coluna que mantinha regularmente no
jornal O Estado de São Paulo. A crônica intitula-se
Carta para além dos muros e encontra-se atualmente
publicada no livro Pequenas Epifanias, lançado em 1996,
organizado pelo amigo e secretário Gil França Veloso.
Caio Fernando encontrava em sua correspondência uma
outra forma de expressão. Aqui, o autor explicitamente
expõe seu universo pessoal e artístico. Moriconi
complementa que esta reunião de cartas “é
provavelmente uma pequena amostra de um universo que
ainda está para ser revelado em sua completude, na sua
provável vastidão” (2002).
Também não podemos deixar de assinalar que
estas missivas proporcionam uma aproximação e um
entendimento mais conciso em relação ao processo
criativo de suas narrativas, ou seja, podemos encontrar
releituras e impressões sobre reedições de seus livros; a
criação de algumas de suas próprias peças teatrais - uma
verdadeira paixão – e inúmeros convites para adaptações
de seus textos, assim como trabalhos para a televisão.
96
Caio comenta seus textos com amigos, revelando, assim,
uma preocupação constante com o processo da escrita e
composição de sua obra. Nota-se a Em carta para Paula
Dip em 1º de janeiro de 1980, Caio Fernando comenta
um pouco sobre o nascimento de Morangos Mofados
(1982).
Quero terminar, ou pelo menos
avançar este novo livro. Estou
seletivo, exigente: ele está
praticamente
pronto,
ou
estava, por que eliminei todos
os textos que me pareciam
“bons”.
Deixei os que
considero excelente e que é
apenas um terço. Quatro
textos: “Os companheiros”,
“Fotografias”, “ Sargento
Garcia”
e
“Morangos
Mofados”, que talvez seja o
titulo geral . O conto
“Fotografias” está inacabado,
quero pega-lo em seguida.
Devagar. Afinal, acho que não
há
ninguém
esperando
ansiosamente pelo meu livro e
eu o quero forte, claro,
límpido, sólido, fundo. Leva
tempo? Leva tempo. (DIP,
2009, p. 46)
97
Ou seja, nesta antologia também podemos
encontrar comentários sinceros do autor em relação a
muitas de suas obras, assim como a produção ficcional de
alguns de seus amigos escritores. Nestas cartas,
encontramos a admiração e a influência decisiva na vida
e na ficção do autor de Morangos Mofados, uma vez que
estas correspondências fornecem um poderoso
documento do começo da voz real e ficcional do autor.
Dentre os destinatários, volume reúne a sua
correspondência para familiares, amigos íntimos como
Luciano Alabarse, Marcos Breda, José Mário Penido,
Déa Martins, Maria Lídia Magliane, Paula Dip,
Jacqueline Cantatore e escritores, artistas queridos como
Maria Adelaide Amaral, Adriana Calcanhotto, Regina
Duarte, Bruna Lombardi, Mário Prata, entre outros.
Ao lermos as suas cartas, adentramos em uma
zona aparentemente inconfessável. No entanto, Caio
Fernando nos permite entender e olhar mais atentamente
o seu processo narrativo. Pois, compreender o porquê da
escrita com tanta intensidade sobre temas tão comuns ao
nosso cotidiano nos deixa bastante instigados, e ao
mesmo tempo confortáveis para o estudo um pouco mais
aprofundado de sua obra.
Porém,
o
que
podemos
apontar
ao
compartilharmos suas confidências é justamente a forma
como estas se desenvolvem e a linguagem em estado de
urgência constante. O autor parece substituir os padrões
convencionais e podemos perceber novas formas de
elaboração e composição nas suas narrativas. Seu tom
chega a ser enérgico propondo uma reflexão profunda e
98
crítica sobre as questões sociais e existenciais pautadas
no cenário dos anos 70 e início dos anos 80.
Segundo Clotilde Pereira de Sousa Favalli20, em
artigo publicado na série Autores Gaúchos (1988), ao
analisar obras como Morangos Mofados e Os Dragões
não conhecem o paraíso, aponta que “os antigos
perdedores como que renascem: à brutalidade da
realidade brasileira do presente eles respondem aos
privilégios com os valores do amor, sejam que tipo for
das emoções, da autonomia individual, valores
humanistas enfim”.
Referências Bibliográficas
ABREU, Caio Fernando. Caio 3D: O essencial da década
de 1980. Rio de Janeiro: Agir, 2005.
_____. Cartas. MORICONI, Italo (Org.). Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2002.
CAMARGO, Maria Lúcia de Barros. Atrás dos olhos
pardos: uma leitura da poesia de Ana Cristina Cesar. In:
LOURENÇO, Camila. Gênero, memória e narrativas.
UFSC.
DIP, Paula. Para sempre teu, Caio F. – cartas, memórias,
conversas de Caio Fernando Abreu. Rio de Janeiro:
Record, 2009.
20
Favalli, Clotilde Pereira de Sousa. Inventário de uma geração. In
Caio Fernando Abreu. Autores gaúchos, vol. 19. Porto Alegre.
Instituto Estadual do Livro, 1988, p.18.
99
FAVALLI, Clotilde Pereira de Sousa. Inventário de uma
geração. In Caio Fernando Abreu. Autores gaúchos, vol.
19. Porto Alegre. Instituto Estadual do Livro, 1988.
GINZBURG, Jaime. Exílio, Memória e História: notas
sobre Lixo e purpurina e Os sobreviventes de Caio
Fernando Abreu. In Literatura e Sociedade/
Departamento de Teoria Literária e Literatura
Comparada/ Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas/ Universidade de São Paulo – n.1 (1996). São
Paulo.
MORICONI, Ítalo. Introdução. In: ABREU, Caio
Fernando. Cartas. MORICONI, Ítalo (Org.). Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2002.
SOUSA LEAL, Bruno. Caio Fernando Abreu, a metrópole e
a paixão pelo estrangeiro: contos, identidade e
sexualidade em trânsito/ Bruno Souza Leal. São Paulo:
Annablume, 2002.
100
OS SAPOS, DE BANDEIRA: UM POEMA
MEDIEVAL E MODERNO.
COSTA, Marília Pereira da
Universidade Federal do Ceará
RESUMO
Com base nas considerações inicias do
Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Colocci - Brancuti),
onde está inserida a Arte de Trobar, também conhecida
como Poética Fragmentária, textos complementares de
cultura medieval da teoria e dos estudos de mentalidade,
far-se-á uma análise parcial do livro Libertinagem, onde
se encontram o poema em estudo: “Os sapos”.
Fazendo-se um estudo comparativo entre as
cantigas dos trovadores medievais, especificamente do
século XII ao XIV, e as cantigas em estudo, do escritor
Manuel Bandeira, se comprovará a hibridação cultural,
no que diz respeito à linguagem empregada e
versificação medieval usada pelo autoracontemporâneo.
Os resultados das análises sugerem haver
semelhanças tanto entre os conteúdos citados, quanto na
forma pela qual se apresentam. É do conhecimento
daqueles que estudam a cultura medieval que a literatura
desse período tem merecido muitos estudos, mas estes
não são suficientes, por conta de sua complexidade. Nos
períodos subseqüentes ao medievo, a poesia medieval
contribuiu de maneira significativa na literatura.
O estudo da literatura medieval se faz necessário
e deve ser mais explorado, dado sua importância na
compreensão da arte literária do presente.
101
Palavras-chave: Residualiade; Mentalidade; Cultura
Medieval; Hibridação Cultural.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por finalidade estudar a arte de
trobar na poesia de Manuel bandeira. Com base nas
considerações inicias do Cancioneiro da Biblioteca
Nacional (Collocci-Brancuti), onde está inserida a Arte
de Trobar, também conhecida como Poética
Fragmentária, textos complementares de cultura
medieval e residualidade21 far -se - á uma analise parcial
do livro Libertinagem, onde se encontram o poema em
estudo: “Os sapos”.
A hibridação cultural se
comprovará no que diz respeito à linguagem empregada e
à versificação medieval usada pelo autor contemporâneo.
1. DESENVOLVIMENTO
No poema “Os sapos”, inserido no livro
Carnaval, de 1917; de Manuel Bandeira, nota-se a
influência da língua galego-portuguesa, que demonstra a
hibridação cultural lingüística existente entre Portugal e
Brasil.
Manuel utiliza elementos culturais e de
pensamentos inseridos no cotidiano que permanece
durante muito tempo a ponto de não serem percebidos –
mentalidade. A residualidade está presente, pois as
21
Conceito de autoria do professor Roberto Pontes. Poeta, critico, ensaísta.
Doutor em Literatura pela PUC-Rio. Professor do Departamento de
Literatura e do Mestrado em letras da UFC.
102
características da poesia do escritor têm formação do
passado, mas como elemento efetivo do presente.
A arte de trobar inserido no Cancioneiro da
Biblioteca Nacional começa pólo quarto capítulo, pois os
primeiros capítulos dessa poética se perderam. O capítulo
IV refere-se à classificação das cantigas dialogadas que
são subdivididas em dois grupos: Cantiga de amor e
Cantiga de amigo. O capítulo VI é dedicado à cantiga de
maldizer, que compõe o modo satírico.
Cabe-nos comparar com as cantigas de escárnio e
de maldizer trovadorescas, nas quais os travadores
realizavam versos para criticar diretamente ou
indiretamente alguém ou algo. Por definição, no livro
História da Literatura Portuguesa 22, de Antonio Saraiva
há:
“Quanto às cantigas de escárnio e
maldizer, são, é claro, de assunto satírico,
e chamam-se de escárnio se o poeta se
exprime ironicamente, sugerindo uma
apreciação oposta à que parece fazer, ou
simplesmente se abstém de nomear o
satirizado; de maldizer, se o poeta aponta
ou acusa direta e nomeadamente.”
No livro A Literatura Portuguesa, de Massaud Moissés;
há um maior esclarecimento quanto às definições que há
22
SARAIVA, Antônio José. História da Literatura portuguesa Porto: Cit.
Editora Porto; 1979, p 15
103
na Poética Fragmentária, que precede ao antigo Colocci
– Brancuti.
Uma das formas de versificação mais espontânea
foi o redondilho, utilizado na literatura peninsular; o
metro correspondente à melodia natural das línguas
hispânicas. O verso de seis sílabas, mais duros e menos
ajustados às demasias musicais, ele se presta nas variadas
possibilidades de acentuação.
Quanto à musicalidade, há uma forte marcação
em todo o poema de Bandeira como também existe na
produção literária trovadoresca. Como sabemos as
cantigas implicam estreita aliança entre a poesia, a
música, o canto e a dança. Para tanto, havia
acompanhamento musical de sopro, corda e percussão.
Na produção poética de Manuel Bandeira há uma
grande marca de musicalidade, na qual está inserida a
versos livres tipicamente modernos. No poema em
questão sobressaem as quadras, que é uma forma de
versar tipicamente trovadoresca. São treze estrofes
(quadras) compostas por quatro versos.
Com a utilização das quadras, uma maneira
tipicamente comum aos trovadores, Bandeira remete-nos
ao popular, uma das formas mais usadas na literatura de
língua portuguesas. Popularmente, para melhor realizar a
rima, o autor fez cada verso com uma numeração que
facilitasse o ritmo. Sabe-se que os versos de 5 e 7 sílabas
poéticas são os mais ajustados as musicalidade.
Afirmação esta que podemos observar no poema:
Cantiga de maldizer
Os sapos
Nenhuma molher cantou
Enfunando os papos,
104
cantiga de maldizer
mas meu ódio é tan grande
tan feroz e assassino
que maldigo sempre o dia
em que amei teu sorriso
o teu falso juramento.
Filho dalgo desprezível!
Molher nenhuma cantou
cantiga de maldizer
mas imenso é seu ódio
raiva que queima recintos
e aos poucos apaga o
tempo
em que louvei teu sorriso
a palavra mentirosa.
Filho dalgo desprezível!
Cantar ninguém me escuta
cantiga de maldizer
mas o ódio tem o brilho
do ferro que esgota o
sangue
e se foste meu amado
se sonhei com teu sorriso
hoje já não es mais nada
Filho dalgo desprezível!
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— "Meu pai foi à guerra!"
— "Não foi!" — "Foi!" —
"Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos!
O meu verso é bom
Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
105
Mas há artes poéticas . . ."
Urra o sapo-boi:
— "Meu pai foi rei" —
"Foi!"
— "Não foi!" — "Foi!" —
"Não foi!"
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— "Sei!" — "Não sabe!" —
"Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
106
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio
Os dísticos como estrofe, é resultado da repetição
da poesia primitiva (paralelismo), na sua forma nativa. O
canto primitivo, que é a repetição, está ligado ao mundo
emotivo. 23
É importante salientar, que nas cantigas de amor o
trovador confessa a cota, o impulso erótico na raiz das
suplicas. O trovador coloca o seu amor em um plano de
contemplação platônica, de idealização enquanto na
cantiga de maldizer, a sátira é realizada diretamente, com
agressividade.
A idéia fixa, angustiante que o trovador sente,
encontra-se expresso no estribilho retomado em cada
estrofe; pois seu imenso desespero faz com que não
encontre a diversidade expressivamente.
A repetição do estribilho a cada estrofe, atesta a
sua derivação da dança, fazendo que a poesia torne-se
mais musical e melódica.
Os refrões interjetivos costumam colocar-se entre
as unidades rítmicas, fato que se pode comprovar a partir
das poesias citadas. O verso sem rima, introduzido em
cada estrofe corresponde à poesia galego-portuguesa.
23
SPINA, SEGISMUNDO. Na madrugada das formas poéticas. Rio de
Janeiro : Editora Ática; 2002, p 44
107
Ao que diz respeito ao sentimento poético, o
trovador mantinha-se inalterado em todas as estrofes,
recorria às mesmas expressões, usando apenas utilizando
sinônimos, temos o paralelismo.
Há resquícios da Literatura Medieval, como
também outras escolas: Parnasianismo, Simbolismo e a
Primeira Fase Moderna brasileira. As sílabas poéticas
contribuem para a musicalidade; poemas típicos da Idade
Média.
A linguagem oral se faz presente como em
versos: Que soluças tu,/Transido de frio,/Sapo-cururu/Da
beira do rio. Estes versos pertencem a uma quadra
popular; em que Bandeira coloca em seu poema sem
perder o caráter erudito.
CONCLUSÃO
Sabendo da necessidade de propagar a boa poesia
tem-se em mente a importância do presente trabalho, ora
apresentado; de grande significado na literatura
produzida atualmente e nas produções poéticas
posteriores.
Para os períodos subseqüentes, a poesia medieval
contribuiu de maneira significativa na literatura. Muitas
temáticas e características formais podem ser comparadas
não só na poesia de Manuel Bandeira, mas na literatura
portuguesa como Fernando Pessoa e Cecília Meireles na
literatura brasileira, dentre outros. A essência dessa
poesia resiste através dos séculos, do período medieval a
atualidade, e continua viva, além de importante para a
compreensão do poema moderno por ser o ponto inicial
da literatura de língua portuguesa.
108
O estudo da literatura medieval se faz necessário
e deve ser mais explorado por sua importância na
compreensão da arte literária presente.
BIBLIOGRAFIA
BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa de
Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar,
1986.
Cancioneiro da Biblioteca Nacional
DIMAS; Antônio. Historias da literatura: teoria, temas e
autores. Porto Alegre: Editora Mercado Aberto, 2003.
MOISÉS, Massaund. Dicionário de termos literários. 7ª
ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
PONTES, Roberto. Mentalidade e residualidade na
língua Camoniana. Fortaleza 1998.
SARAIVA, Antônio José. História da literatura
portuguesa. Porto: Cit. Editora Porto; 1979.
MOISÉS, Massaund. A literatura portuguesa. São Paulo:
Cultrix, 2004.
SPINA, SEGISMUNDO. Na madrugada das formas
poéticas. Rio de Janeiro: Editora Ática; 2002.
SPINA, SEGISMUNDO. Manual de versificação
romântica medieval. Rio de Janeiro: Editora Ateliê;
2003.
SPINA, SEGISMUNDO. A cultura literária medieval.
São Paulo: Editora Ateliê; 1997.
VANDERLEI, Kalina. Dicionário de conceitos
históricos. São Paulo: Editora Contexto; 2005.
109
RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E CINEMA
SILVA, Rodolfo Pereira da24
Universidade Federal do Ceará – UFC
RESUMO
Desde o advento da chamada Sétima Arte, no final do
século XIX, as relações entre Literatura e Cinema se
estabeleceram de diversas formas. É possível apresentar
um panorama dessas relações desde o reconhecimento da
narrativa pré-cinematográfica de alguns romances, à
construção da narrativa do cinema clássico de D. W.
Griffith, até a questão das adaptações fílmicas de obras
literárias, como também, da ideia de romance
cinematográfico e os conceitos de Literatura Comparada
e de Tradução Intersemiótica. Apresentaremos as
principais formas de relações entre Cinema e Literatura
do ponto ed vista da construção das narrativas literária e
cinematográfica; e descreveremos os processos de
hibridização das duas linguagens artísticas. O presente
trabalho constitui-se, primeiramente, de levantamento
bibliográfico acerca das relações entre Cinema e
Literatura, tendo como ponto de partida dados
historiográficos. A seguir, foram realizados estudos de
Teoria Literária e Teoria Cinematográfica. Por fim, a
partir de breves análises de obras literárias e fílmicas,
24
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras/ UFC, bolsista
CAPES-REUNI.
110
procurou-se identificar as principais formas de
aproximação entre Literatura e Cinema. O conceito de
“Visibilidade”, de Italo Calvino estabelece a relação
entre Literatura e Cinema desde os processos mentais de
criação de imagens. Por outro lado, Vera Bastazin analisa
como as narrativas – literária e cinematográfica –
constituem formas de contar histórias. Na Literatura
Brasileira é possível reconhecer a influência da
linguagem e da técnica cinematográfica desde o PréModernismo. No caso do Cinema, adaptações fílmicas
têm gerado expressões estéticas inovadoras e
significativas. É possível perceber, em boa parte das
produções contemporâneas de filmes e livros, processos
de hibridizações dos gêneros e das linguagens artísticas.
Desta constatação, conclui-se que o estudo das relações
entre Cinema e Literatura possibilita a análise de
narrativas modernas e contemporâneas, produzidas nnas
duas linguagens, seja através de estudos de Literatura
Comparada, seja através de estudos intesemióticos.
Palavras-chave:
Intersemiótica.
Cinema,
Literatura,
Tradução
INTRODUÇÃO
Há, na atual produção artística, uma tendência à
hibridização de linguagens artísticas. Nesse sentido, a
linguagem cinematográfica tem sido um vetor de
convergência das linguagens nas artes contemporâneas.
No Brasil, podemos relacionar, por exemplo, a peça
111
Filme Noir25 (2004), da Cia PeQuod de Teatro de
Animação; o CD Cinema (2009), da banda gaúcha
Cachorro Grande; o livro de poemas Cinemateca, de
Eucanaã Ferraz e o primeiro romance de Ronaldo Correia
de Brito, Galiléia26, ambos de 2008.
A obra de arte produz significados a partir dos
signos e dos símbolos engendrados pelos artistas. Através
de construções poéticas e miméticas, as expressões
artísticas são, em si mesmas, produtoras de semioses. Por
semiose, entendemos o processo ligado à geração de
sentido, à interpretação dada pelo receptor ou intérprete
de uma obra de arte (livro, filme, pintura, escultura, etc.),
conforme atesta-nos Winfried Nöth:
A interpretação de um signo é, assim, um
processo dinâmico na mente do receptor.
Peirce introduziu o termo semiose para
caracterizar tal processo, referido como “a
ação do signo”. Também conceituou semiose
como “o processo no qual o signo tem um
efeito cognitivo sobre o intérprete”. (NÖTH,
2008, p. 66).
25
Conforme release do espetáculo: “adapta para o teatro de bonecos o
estilo genuinamente cinematográfico que lhe dá nome”. Disponível em
<http://www.pequod.com.br/e_filmnoir2.htm>. Acesso em 26/07/2009.
26
Antonio G. Filho afirma, na contracapa do livro, que “Seu modo de
construção é cinematográfico.”.
112
E, segundo Vítor Manuel de Aguiar e Silva, todo
processo de criação artística, inclusive literário, apresenta
a chamada heterogeneidade da semiose estética, já que
“toda linguagem artística [...] resulta da combinação, da
interação sistêmica de múltiplos códigos.” (SILVA,
2007, p. 80-81). Desse modo, compreendemos que as
diversas linguagens artísticas mantém entre si um
permanente e dinâmico diálogo intertextual e
intersemiótico. Concordamos, ainda, com Robert Stam
quando, referindo-se ao problema de representação
mimética do processo artístico, diz que o artista não imita
a natureza, mas sim outros textos. Pinta-se, escreve-se ou
faz-se filmes porque viu-se pinturas, leu-se romances, ou
assistiu-se a filmes. A arte, neste sentido, não é uma
janela para o mundo, mas um diálogo intertextual entre
artistas. As referências intertextuais podem ser explícitas
ou implícitas, conscientes ou inconscientes, diretas e
locais ou amplas e difusas. (STAM, 2008, p. 44).
1 Literatura e Cinema: aproximações intersemióticas
Podemos exemplificar a problemática em relação
à mímesis artística, a partir das formas de apresentação
da personagem Fräulein, na literatura e no cinema
(Figura 3), observando que o narrador de Amar, verbo
intransitivo descreve-a a partir de referência a quadros de
Rembrandt27 (Figuras 1 e 2): “Senão fosse a luz
excessiva, diríamos a Betsabê, de Rembrandt. Não a do
banho que traz bracelete e colar, a outra, a da Toilette,
mais magrinha, traços mais regulares.” (ANDRADE,
2008, p.30).
27
Rembrandt van Rijn (1606-1669), pintor holandês.
113
Figura 1
Bathsheba no banho (1654)
Figura 2
Toilette de Bathsheba (1642)
Figura 3
Toalete de Fräulein, Lição
de amor
As “descrições” de Fräulein são, em suas
relações icônicas28 e, portanto, intersemióticas, como
28
O signo icônico seria, para C. S. Peirce, “aquele signo que, na relação
signo-objeto, indica uma qualidade ou propriedade que designa a um
objeto ao reproduzi-lo ou imitá-lo, por ter certos traços (pelo menos um)
em comum com o referido objeto” (EPSTEIN, 1986, p. 75).
114
espelhos uma da outra. Por outro lado, a mímesis literária
marioandradiana sobrepõe-se à pictórica, criada por
Rembrandt em seus quadros, que, por sua vez, mimetizou
a personagem Bathseba do relato bíblico. O fluxo sígnico
– intextextual e intersemiótico – gerado constitui-se,
assim, uma semiose através de mise-en-abyme, que seria
todo fragmento textual que mantenha uma relação de
semelhança com a obra que o contém. Todo tipo de miseen-abyme funciona como um reflexo, um espelhamento
da obra que o inclui, porém, esse reflexo dado pelo
fragmento incluído não tem sempre o mesmo grau de
analogia com a obra que o inclui. (ARAÚJO, 2009, p.
138).
Destarte, a partir dessa perspectiva, pontuamos
que, em nosso estudo, trabalharemos com, pelo menos,
três linguagens artísticas: Literatura, Cinema e Pintura. E,
permeando todo o desenvolvimento de nossos
argumentos, elegemos o Expressionismo alemão como a
estética que permitirá, através das obras aqui
mencionadas e analisadas, realizar uma abordagem
intersemiótica.
Roman Jakobson, no texto Aspectos lingüísticos
da tradução, definiu três formas de interpretar um signo
verbal: tradução intralingual, tradução interlingual e
tradução intersemiótica. No primeiro caso, temos a
reformulação – que “consiste na interpretação dos
signos verbais por meio de outros signos da mesma
língua” –; no segundo, a tradução propriamente dita, que
envolve duas línguas diferentes e, por fim, a
transmutação, que trata de interpretações do signo verbal
por signos não-verbais (cf. JAKOBSON, 2007, p. 64).
115
A mútua influência entre estas artes pode ser
datada desde o advento da chamada sétima arte. É
provável que o Cinema seja a única arte com “registro de
nascimento”.
Afinal,
o
começo
da
história
cinematográfica deu-se no dia 28 de dezembro de 1895,
“quando os irmãos Lumière fizeram, no subsolo do
Grand Café, em Paris, a primeira sessão pública do
invento que chamaram de “cinematógrafo”.”
(MERTEN, 2007, p. 15).
Daí em diante, até o surgimento da “narrativa
clássica” do cinema, houve muitas experimentações e
descobertas de procedimentos tecnológicos, narrativos e
de produção de sentido através das imagens em
movimento. As experiências com trucagens de Georges
Méliès (1861-1938) e a construção da “gramática do
cinema clássico” nos filmes de D. W. Griffith (18751948) podem ser consideradas duas vertentes do cinema
ficcional que se consolidariam décadas mais tarde, em
termos de suas características fantásticas e realistas,
respectivamente. Os dois cineastas produziram algumas
das primeiras adaptações de obras literárias, como, por
exemplo, Viagem à lua (1902), de Méliès, adaptada do
livro homônimo de Julio Verne e O nascimento de uma
nação (1915), de Griffith, baseada no livro The
clansmen, de Thomas Dixon, sobre a Ku Klux Klan.
Segundo João Batista de Brito, o catalisador das relações
entre literatura e cinema tinha que ser mesmo a
adaptação, ponto nevrálgico em que as duas modalidades
de arte se tocam ou se repelem, se acasalam ou se
agridem. Conforme é sabido, na história do cinema o
número de adaptações ultrapassa de muito a quantidade
de filmes com roteiros originais e, no entanto, este
116
procedimento nunca foi pacífico, nem no âmbito da
emissão, nem no da recepção, quanto mais junto aos
literatos. (BRITO, 2006 apud LINS, 2007, p. 122)
Mas foi na União Soviética, entre as décadas de
1910 e 1920, que Lev Kulechov, Dziga Vertov e Sergei
Eisenstein exploraram as possibilidades das associações
entre imagens, na construção de significado da obra
cinematográfica, e abriram caminho para a teoria da
montagem, conforme atesta-nos Gardnier (2006, p. 26).
Eisenstein, por exemplo, estudou as formas de montagem
na literatura e nos ideogramas japoneses e observou que
“do choque de dois conceitos formados pela justaposição
de dois ideogramas se formava um terceiro, diverso dos
dois que o geraram – uma boca e um pássaro = cantar.”
(BALOGH, 2009, p. 32).
Entretanto, o artista russo não restringiu a
montagem ao cinema e à literatura. Sua teoria aplicava-se
a artes como a pintura e o teatro, “percebendo sua
atuação em manifestações tão diversas quanto a poesia
de Milton e Púchkin, a prosa de Dickens e Maupassant, a
pintura de Leonardo” (CARONE, 1974, p 14). O que,
em última análise enriquecia a própria linguagem
cinematográfica, configurando-a como uma arte
“impura”, sinestésica e híbrida. Todavia, de certa forma,
é exatamente a montagem que daria especificidade ao
cinema enquanto arte e linguagem. É o que sugere Luiz
Carlos Merten (2007), de forma resumida, ao citar o
diretor Stanley Kubrick:
117
no cinema, as imagens vêm da
fotografia, a interpretação do
teatro e o roteiro da literatura. Por
isso mesmo, [Kubrick] achava
que cinema, mesmo, é a
montagem, que organiza todos
esses elementos sob a forma de
movimento, para atuar no
espírito
do
espectador.
(MERTEN, 2007, p. 53)
Nu descendo escada (1912)
Figura 4
Outro aspecto importante da
relação entre Cinema e Literatura
é o movimento inverso que se dá
quando a linguagem cinematográfica começa a
influenciar escritores e poetas em suas escritas. Parecenos claro, porém, que não é somente a Literatura que
participa desse diálogo com o Cinema. Os movimentos
vanguardistas europeus no início do século XX
demonstram vários processos de hibridização entre as
artes. Podemos citar, por exemplo, o artista francês
Marcel Duchamp (1887-1968) que, em certo sentido,
trouxe o cinema e a fotografia para a pintura no quadro
Nu descendo a escada (Figura 4), através da
sobreposição de fotogramas de um homem nu descendo
uma escada, conforme os estudos de movimento
realizados por Eadweard Muybridge (1830-1904), no
final do século XIX (Figura 5):
118
Estudo de
“Locomoção
humana”, de E.
Muybridge - Figura 5
No referido quadro, questões como a
fragmentação, o movimento e a simultaneidade estão
presentes como elementos constitutivos da obra de arte.
Tais características representam o crescente grau de
complexificação da obra de arte moderna.
No Brasil, entrementes, é possível perceber os
primeiros diálogos entre Literatura e Cinema, no início
do século XX. Flora Süssekind investigou a produção
literária de escritores e poetas, desde o fim do século XIX
até os momentos que antecederam o Modernismo
brasileiro, para descrever como a literatura se apropriou
“de procedimentos característicos à fotografia, ao
cinema, ao cartaz” (SÜSSEKIND, 1987, p. 15) para
transformar a própria técnica de escrita literária. A autora
encontra, em autores como João do Rio, Lima Barreto e
Léo Vaz, “referências rápidas, de passagem, ao
cinematógrafo que mostram como a nova técnica, nos
anos 10-20, já fora incorporada ao cotidiano.” (idem, p,
45).
Mas, é com o advento da prosa modernista em
escritores como Alcântara Machado, Mário de Andrade e
Oswald de Andrade, que, definitivamente, as técnicas de
119
construção narrativa apropriam-se de “montagens e
cortes”, estabelecendo uma literatura-de-corte
Na qual, já incorporados os sustos, dialoga-se
maliciosamente com as novas técnicas e
formas de percepção. E que não cita a todo
momento o cinema. Mas se apropria e
redefine, via escrita, o que dele lhe interessa.
(ibidem, p. 48).
Por outro lado, na história da cinematografia
brasileira, desde seus primórdios, a adaptação literária
tem sido um mote controverso. Livros do cânone literário
foram os primeiros a receberem adaptações fílmicas,
como as obras de José de Alencar Iracema, em 1918,
193129, e O guarani, em 1911, 1916, 1920 e 1926, e
Inocência, de Visconde de Taunay, em 1915. Importante
ressaltar que boa parte desses filmes foram produzidos
por imigrantes italianos, como Vittorio Capellaro, que
estavam um pouco atrás de ascensão social e a
ideologia que inspira seus filmes é sem dúvida
pequeno-burguesa.
Por
outro
lado,
esforçavam-se em se integrar na nova
sociedade em que viviam, de modo que eles
29
As datas foram encontradas em BERNARDET, 2009, p. 42, 312, 313 e no
endereço eletrônico: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema_do_Brasil>,
acesso em: 20/05/2010.
120
vão buscar temas na literatura e na História do
Brasil. (BERNARDET, 2009, p. 42).
Desse modo, enquanto a produção literária abria
caminhos de experimentação e construção de novas
formas narrativas, o cinema com temática nacional
optava pelo conservadorismo.
O cenário exposto acima apresenta-nos, afinal,
questões que possibilitam estabelecer relações de ordem
intersemiótica entre as obras de arte literárias e
cinematográficas, seja no que refere-se aos processos de
produção de significado (semiose), seja nos
procedimentos poéticos do fazer artístico (mímesis), ou
mesmo nos diálogos intertextuais entre as diversas
linguagens artísticas.
2. CINEMA E LITERATURA: DA IMAGINAÇÃO À
PRODUÇÃO DE IMAGENS
A cultura contemporânea tem-se caracterizado
pela proliferação de imagens. Nas últimas décadas, o
desenvolvimento e a popularização de tecnologias e
mídias digitais e da internet parecem congestionar e
embotar a capacidade de criação de narrativas,
confundindo os sentidos, a percepção e a memória. O
cinema, a televisão e, enfim, as produções audiovisuais
concorrem nesse sentido. Segundo Italo Calvino,
Hoje somos bombardeados por uma tal
quantidade de imagens a ponto de não
podermos distinguir mais a experiência direta
daquilo que vimos há poucos segundos na
121
televisão. Em nossa memória se depositam,
por estratos sucessivos, mil estilhaços de
imagens, semelhantes a um depósito de lixo,
onde é cada vez menos provável que uma
delas adquira relevo. (CALVINO, 2006, p.
107)
Entretanto, a experiência humana com a imagem
– e, por conseguinte, com a imaginação, com a ilusão,
com o mágico – confunde-se com a própria história da
humanidade. Machado (2008) afirma que a busca pelo
primeiro ancestral do cinema remete os historiadores até
os mitos e ritos primevos. Para ele, a eleição de qualquer
marco cronológico para a origem da sétima arte seria
arbitrária, já que o desejo e a procura do cinema estariam
presentes desde o início da civilização humana.
Semelhantemente, Morin (1970) diz que a necessidade
fundamental e instintiva do ser humano de criar imagens
e viver a sua realidade viria de Adão.
No livro O cinema ou o homem imaginário, o
pensador francês apresenta-nos um estudo de natureza
antropológica acerca do cinema. Ele parte,
primeiramente, do fascínio que o feérico, o mágico,
produz no ser humano. As imagens fotográficas e
cinematográficas possuiriam a força mágica do duplo,
que emerge do reflexo da água ou do espelho:
A universal magia do espelho, [...] outra não é
senão a do duplo: ainda hoje numerosas
superstições o testemunham: espelhos
quebrados [...], espelhos tapados [...], etc. Para
nós, habituados aos nossos espelhos e
122
rodeados por eles, a sua estranheza é
embaciada pelo uso cotidiano, tal como a
presença do duplo também se apagou da nossa
vida. (MORIN, 1970, p. 38)
Novamente, de forma implícita, encontramos uma
crítica à modernidade em relação à profusão de imagens
e o respectivo embotamento perceptivo.
Embora problemáticas e atuais, as questões em
torno da imagem e suas relações com o Cinema
permitem-nos uma aproximação investigativa com outras
artes, especialmente a Literatura, em função do que já
discutimos no tópico anterior a respeito das relações
intersemióticas entre as linguagens artísticas. A semiose
de uma obra de arte é fruto da imaginação dos artistas.
Calvino (2006) informa-nos que a mente do poeta
funcionaria a partir de um processo de associação de
imagens. O escritor italiano perscrutou, através da
Literatura, o valor da imaginação na criação artística,
quando, em 1985, na Universidade de Harvard,
apresentou cinco das seis lições americanas sobre
“alguns valores ou qualidades ou especificidades da
literatura [...] buscando situá-los na perspectiva do novo
milênio” 30, o qual iniciar-se-ia em quinze anos. Ele
advertiu sobre o perigo da perda da faculdade humana de
pensar por imagens. Nesse sentido, a Literatura teria um
papel fundamental no que chamou de “pedagogia da
30
CALVINO, 2006, p. 11.
123
imaginação”. Na lição chamada Visibilidade31, Calvino
analisou a Divina Comédia, de Dante Alighieri, e
comparou as visões do Purgatório a um écran:
Dante está falando das visões que se
apresentam a ele (ao personagem Dante)
quase como projeções cinematográficas ou
recepções televisivas num visor separado
daquela que para ele é a realidade objetiva de
sua viagem ultraterrena. [grifo nosso]
(CALVINO, 2006, p. 99).
A principal preocupação do autor, na referida
lição, foi investigar as origens da imaginação ou mesmo
da capacidade de produção de imagens. Em sua pesquisa,
chegou à distinção de “dois tipos de processos
imaginativos: o que parte da palavra para chegar à
imagem visiva e o que parte da imagem visiva para
chegar à expressão verbal” (idem). Parece-nos, desse
modo, inevitável aproximar tais processos imaginativos
das relações historicamente estabelecidas entre Literatura
e Cinema, principalmente quando pensamos na questão
das adaptações fílmicas de obras literárias e da influência
da linguagem cinematográfica na construção de
narrativas. Estaríamos, assim, lidando com duas artes em
permanente confronto no que se refere às possibilidades
de hidridizações de suas poéticas específicas, literária e
cinematográfica, respectivamente. No artigo “Palavra,
imagem e construção poética”, Vera Bastazin, ao estudar
31
As lições foram: Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade e
Multiplicidade. A sexta lição, que teria o título Consistência., não foi
apresentada em função do falecimento do escritor, em setembro de 1985.
124
as especificidades da Literatura e do Cinema na
construção da narrativa, observou que elas
constituem linguagens
não
marcadas,
predominantemente, por informações, mas
por formas imagéticas de dizer. Assim como
o filme não se faz apenas com palavras, mas,
prioritariamente,
com
imagens
em
movimento, a literatura, cujo objeto é a
própria
palavra,
transveste-as
de
potencialidade imagética, qualidade essa que
contém em si os traços fundamentais da
poética. É certo que, na literatura, a imagem
não se identifica diretamente com a
visualidade, mas estende-se à imagem sonora,
olfativa ou, mesmo, de forma mais ampla, à
imagem sensorial. O que também é válido
para o cinema. [grifo nosso] (BASTAZIN,
2007, p. 286)
As características que a Literatura e o Cinema
têm de produzir imagens por meio de seus processos
narratológicos e imagéticos, específicos a cada
linguagem, interessam-nos como parte de nossa reflexão.
Ao tomarmos, por exemplo, a estética do Expressionismo
alemão, podemos constatar a força imagética nas obras
de artistas como Fritz Bleyl, na pintura, Georg Trakl, na
poesia, Alfred Döblin, na prosa, e Robert Wiene, no
cinema, através do experimentalismo e das inovações
técnicas utilizadas. O recorte “estético” apresentado neste
trabalho justifica-se pela prodigalidade de questões
acerca de processos e tendências artísticas advindas do
125
Expressionismo, como um todo, e que têm influenciado
significativamente artistas e movimentos na cultura e no
pensamento, por todo o século XX e na
contemporaneidade. Tal proposição poderia ser inferida
a partir das lições americanas de Italo Calvino acerca de
uma pedagogia que medeie o resgate da capacidade
humana de “pensar por imagens”.
3. LITERATURA, CINEMA:
EXPERIMENTALISMO E HIBRIDIZAÇÃO
Como afirmamos anteriormente, Literatura e
Cinema têm estabelecido diversas formas de mútua
influência em termos de linguagem, em entrelaçamentos
semióticos e textuais, enfim, imagéticos. A historiografia
literária demonstra que, em determinados momentos,
convergem algumas questões estético-criativas que
possibilitam mudanças nas formas tradicionais de
produzir arte e literatura. Um dos exemplos mais férteis
na História da Arte foi o surgimento das vanguardas
artísticas europeias no início do século XX. O contexto
social e cultural da Europa foi berço dos principais
movimentos modernistas (Futurismo, Expressionismo,
Cubismo e Dadaísmo) que buscavam renovação no modo
de produzir e perceber a arte.
De um modo geral, todos esses movimentos
estavam sob o signo da desorganização do
universo artístico de sua época. A diferença é
que uns, como o futurismo e o dadaísmo,
queriam a destruição do passado e a negação
total dos valores estéticos presentes; e outros,
126
como o expressionismo e o cubismo, viam na
destruição a possibilidade de construção de
uma nova ordem superior. (TELES, 2005, p.
29)
Os artistas buscavam novos caminhos de
expressão. Com o advento da fotografia, a pintura
figurativa libertara-se e experimentava o abstracionismo.
O cinema construía sua linguagem a partir da narrativa
do romance burguês, possibilitando aos escritores, por
outro lado, encontrar novas formas de contar histórias.
As inovações técnicas da pintura expressionista, por
exemplo, evitavam conscientemente a prática acadêmica.
Os membros do grupo Die Brücke, entre eles Fritz Bleyl
(1880-1966), possuíam um ateliê onde, em sessões de
quinze minutos, “retratavam” uma jovem modelo nua em
poses informais (Figuras 6 e 7). Bleyl intencionava
distanciar-se dos estudos formais, “pois utilizava um
contorno rápido e áreas tonais quase rabiscadas, que
capturavam a aparência transitória e inesperada das
poses” (BEHR, 2001, p.21).
Figura 6
Nu feminino32
(1905 -6)
32
BEHR, 2001, p. 20.
127
Nu feminino 33
(1905-6) Stehender Viertelstundenakt
im Atelier 34 (1905) Figura 7
Esboçar um painel do que foi
a literatura expressionista é
um
desafio
complexo,
inclusive, para os críticos
mais
habilitados.
Nosso
objetivo aqui é exemplificá-la
através de dois de seus
expoentes, Georg Trakl e
Alfred Döblin, naquilo que
temos procurado entender
como experimentalismo (uma
busca de inovações formais) e
hibridização (a mistura de linguagens diferentes no
mesmo produto artístico). Apesar das dificuldades,
Marion Fleischer enumerou as características da prosa e
da poesia expressionistas nos seguintes termos:
A negação crítica da realidade presente,
entendida ora como um vazio despojado de
sentido, ora como uma força ameaçadora; o
33
BEHR, 2001, p. 20.
34
Disponível em: <http://stiftung-moritzburg.de/sammlungen/grafik/>.
Acesso em: 22/05/2010.
128
repúdio dos padrões clássicos, da estética e
dos valores burgueses, ou seja, a demolição de
tradições e convenções tanto éticas como
estéticas, e a denúncia de uma realidade “real”
alheada, aflitiva, caótica. (FLEISCHER, 2002,
p. 146).
Ao analisar a poesia de Georg Trakl (1887-1914),
Carone (1974) considera que a obra do poeta austríaco
deve ser entendida a partir da teoria eisensteiniana de
montagem, “como um processo que leva o poeta a
constituir o seu produto na base de junção de imagens
descontínuas” (CARONE, 1974, p. 15). A poética
trakliana evidenciar-se-ia no papel do autor como
construtor do poema. De tal experimentalismo emergia
certa visualidade – que poderíamos considerar, mutatis
mutandis, como a visibilidade sugerida por Calvino
(2006). Ademais,
Para Ludwig Dietz, “Trakl é, em primeiro
lugar, um poeta que olha, não um poeta que
pensa”. Não é de surpreender-se, portanto,
que o seu poema se proponha à leitura como
uma “imagem”, nem que suas metáforas
tenham um caráter eminentemente “visual”.
(CARONE, 1974, p. 69).
O que pode
“Humanidade” 35
35
ser
observado
no
poema
CARONE, 1974, p. 156.
129
Humanidade colocada diante de abismos de fogo,
Um rufar de tambores, frontes de escuros
guerreiros,
Passos pela névoa de sangue; retine o negro
ferro,
Desespero, noite em cérebros tristes:
Aqui a sombra de Eva, caça e rubro dinheiro.
Nuvens, que a luz atravessa, a ceia.
Habita no pão e vinho um suave silêncio
E aqueles estão reunidos em número de doze.
À noite eles gritam no sono sob ramos de
oliveira;
São Tomé mergulha a mão na chaga.
O poema é dividido em duas metades, antitéticas,
de cinco versos cada uma. As “imagens” são constituídas
através da “junção de pormenores imagéticos”. A
primeira parte, iniciada e anunciada pelo verso
“Humanidade colocada diante de abismos de fogo” abre
uma sequência de “frases nominais” justapostas sem
conectivos, cuja montagem remete a significados
apocalípticos de escuridão, desespero e tristeza. O
segundo quadro, construído com o mesmo recurso
estilístico, traz a cena da Santa Ceia, através da luz e de
certa promessa de paz (cf. CARONE, 1974, p. 156-159).
A prosa expressionista objetivava também
libertar-se dos elementos obsoletos do conservadorismo
da narrativa burguesa. Processos de livre associação e
justaposição de elementos heterogêneos buscavam
refletir a fragmentação e a ausência de sentido da
realidade. Configurava-se, assim, o que Wassily
Kandinsky nomeou de “estética da dissonância”, em que
130
“A harmonia é abolida em favor da dissonância e, em
seu lugar, predomina a fascinação pelo insólito, pelo
incomum e pelo enigmático.” (FLEISCHER, 2002, p.
146).
Mesmo não sendo possível identificar um
programa abrangente para a prosa expressionista, capaz
de enquadrar a pluralidade de motivos, temas e princípios
formais, reconhecemos na obra de Alfred Döblin (18781957) elementos que dialogam com os processos
experimentais e de hibridização e que poderiam apontar
um paradigma comum a escritores e suas narrativas. O
autor de Berlin Alexanderplatz, através de seu Kinostil –
estilo cinematográfico –, anuncia que nos romances e nos
contos, como nas projeções cinematográficas, as cenas se
sucedem em sequências ininterruptas, registrando
“apenas os fatos, sem analisar as forças ou causas que
os produzem, a vida interior das personagens aflora em
gestos e atos, mas também em diálogos e monólogos
interiores indiretos.” (idem, p 148).
Objetividade rigorosa e vigor expressivo-formal
buscavam, portanto, eliminar o subjetivismo e, por
conseguinte, o narrador onisciente da narrativa
tradicional. Desse modo, a corrente antipsicológica
expressionista preconizava a “óptica da psiquiatria”,
única ciência que seria capaz de ocupar-se da totalidade
da psique humana.
No capítulo O Expressionismo e o Cinema, Luiz
Narário (2002), ao discorrer extensamente sobre o
cinema expressionista, reconhece que foi da “síntese de
diversas manifestações artísticas [Artes Plásticas,
Literatura, Teatro] que nasceu a imagem expressionista
em movimento” (NAZÁRIO, 2002, p. 509). No mesmo
131
texto, o ensaísta apresenta a atriz dinamarquesa, Asta
Nielsen (1881-1972), como uma das primeiras musas do
cinema mudo. Suas performances de exuberante
sensualidade foram classificadas de “espiritualizado
erotismo” e “luxúria indefinível” (Figuras 8 e 9) por Béla
Balász e Guillaume Apollinaire, respectivamente. Sua
importância, para nós, verifica-se naquilo que pode ser
chamado de filme “quase expressionista”, através da
força dos gestos e expressões singulares da atriz, os quais
teriam levado Guido Seeber, diretor de fotografia, a
inventar o primeiro plano para que o rosto de Asta
ocupasse a tela inteira.
Cena de dança sensual em
Afgrunden (1910) figura 8
Asta Nielsen em Hamlet (1921)
Figura 9
De acordo com Nazário
(2002), para que um filme seja
inteiramente expressionista, sua
cenografia deve ser delirante. Nesse contexto, escadas,
espelhos e livros, presentes na diegese36 fílmica, devem
36
Em Cinema e outras linguagens audiovisuais, diz-se que algo é diegético
quando ocorre dentro da ação narrativa ficcional do próprio filme. Por
132
desempenhar um papel importante na trama, pois
segundo o princípio da objetivação simbólica do mundo
“As coisas não são, para o Expressionismo, como elas
aparecem ao olhar ingênuo, mas como o visionário as
decifra; mesmo os objetos mais comuns têm alma, e essa
pode ser medonha”. (NAZÁRIO, 2002, p. 516). Já o
roteiro expressionista “deve projetar-se, quando lido, na
imaginação do ouvinte” (idem), pois, através do rigor na
escrita, a palavra escolhida deve produzir uma impressão
visual determinada, afinal palavra e imagem precisam
coincidir. Por fim, numa gramática da imagem
expressionista em movimento, atores e cenários devem
integrar-se como partes móveis da arquitetura.
No filme O gabinete do Dr. Caligari (1919), de
Robert Wiene, encontramos os componentes do cinema
expressionista alemão. Em umas das cenas no início da
película, assistimos à chegada do dr. Caligari a
Holstewall (Figura 10). Pode-se observar alguns dos
elementos diegéticos do enquadramento que, segundo
Nazário (2002) evidenciavam o ambiente expressionista:
ao fundo, a cenografia delirante no desenho da cidade;
personagem e cenário integram-se na composição; a
escada, por onde o dr. Caligari entra em cena; e,
finalmente, o livro, debaixo do braço esquerdo do dr.
Caligari.
exemplo, uma música de trilha sonora incidental que acompanha uma cena
faz parte do filme mas é externa à diegese, pois não está inserida no
contexto da ação. Já a música que toca se um personagem está
escutandorádio é diegética, pois está dentro do contexto ficcional.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Diegese>. Acesso em:
24/05/2010.
133
Ao apresentar esse breve cenário expressionista –
na Pintura, na Literatura e no Cinema –, avaliamos que é
possível perceber a força imagética dessa estética. Além
disso, através da busca por renovação, os artistas, não
somente no Expressionismo, criaram e estabeleceram
diálogos entre as linguagens, hibridizando-as. Desse
modo, o que era meramente modernista, ganhou status de
moderno – ou mesmo, contemporâneo –, já que rompeu
as fronteiras do tempo e da cultura, durante todo o século
XX.
Cena de O
gabinete do
Dr. Caligari
(1919), de
Robert Wiene
Figura 10
CONCLUSÃO
O constante diálogo intersemiótico entre Cinema
e Literatura aponta para a hibridização mútua entre as
linguagens artísticas. Além disso, é possível estabelecer
caminhos interpretativos das obras literárias e
cinematográficas a partir de características comuns às
duas artes, em função de seus potenciais de criação de
imagens.
134
O breve estudo das relações entre Literatura e
Cinema através da estética do Expressionismo alemão
configura elementos importantes para análise de
fenômenos contemporâneos de diálogos intersemióticos
entre as artes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário de. Amar, verbo intransitivo: idílio.
Estabelecimento do texto Marlene Gomes Mendes. Rio
de Janeiro: Agir, 2008.
ARAÚJO, Rodrigo da Costa. Pelos labirintos
hipertextuais: Jorge Luis Borges e Escher. Revista
Artefactum, ano II, n. 3, jul. 2009. Disponível em:
<http://189.50.200.208/seer/index.php/localdatacenter/art
icle/viewFile/84/72>. Acesso em: 19 mai. 2010.
BALOGH, Anna Maria. Cine-olho e cine-cabeçalinguagem, metalinguagem e cinema. In: DROGUETT,
Juan; ANDRADE, Flavio (Org). O feitiço do cinema:
ensaios de Griffe sobre a sétima arte. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 27-37.
BASTAZIN, Vera. Palavra, imagem e construção
poética. Revista Brasileira de Literatura Comparada,
São Paulo, v. 1, n. 10, p. 285-304, 2007.
BEHR, Shulamith. Expressionismo. Tradução de
Rodrigo Lacerda. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
135
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro:
propostas para uma história. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo
milênio: lições americanas. Tradução de Ivo Barroso. 3.
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
CARONE, Modesto. Metáfora e montagem: um estudo
sobre a poesia de Georg Trakl. São Paulo: Perspectiva,
1974.
EPSTEIN, Isaac. O signo. Série Princípios. 2. ed. São
Paulo: Ática, 1986.
FERREIRA, Ermelinda Maria Araújo. A ecfrase como
técnica de transcriação intersemiótica. Disponível em:
<http://www.abralic.org/anais/cong2008/AnaisOnline/si
mposios/pdf/complemento/
ERMELINDA_FERREIRA.pdf>. Acesso em: 12 jun.
2010.
FLEISCHER, Marion. A realidade precisa ser criada pó
nós: rumos da prosa expressionista alemã. In:
GUINSBURG, J. (Org.). O Expressionismo. São Paulo:
Perspectiva, 2002, p. 145-156.
GARDNIER, Ruy. Breve histórico das concepções da
montagem no cinema. In: PUPPO, Eugênio (Org.). A
montagem no cinema. São Paulo: Heco Produções
Ltda., 2006, p. 25-27.
136
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação.
Tradução de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. 19.ed.
São Paulo: Editora Cultrix, 2007.
LINS, Arthur. Perspectiva narrativa e processos de
adaptação no filme O invasor, de Beto Brant. Revista
Graphos, v. 9, n. 1, 2007. Disponível em:
<http://www.revistagraphos.com.br/images/stories/pdfv9
n1/artigo12.pdf>. Acesso em: 24 set. 2009.
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. 5.
ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2008.
MERTEN, Luiz Carlos. Cinema: entre a realidade e o
artifício. 2. ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2007.
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário.
Tradução de Antônio-Pedro Vasconcelos. Lisboa:
Moraes Editores, 1970.
NAZÁRIO, Luiz. O expressionismo e o cinema. In:
GUINSBURG, J. (Org.). O Expressionismo. São Paulo:
Perspectiva, 2002, p. 505-541.
NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a
Peirce. 4. ed. São Paulo: Annablume, 2008.
PUPPO, Eugênio (Org.). A montagem no cinema. São
Paulo: Heco Produções Ltda, 2006.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da
Literatura. 8. ed. Coimbra: Edições Almedina, 2007.
137
STAM, Robert. A literatura através do cinema:
realismo, magia e a arte da adaptação. Tradução de
Marie-Anne Kremer e Gláucia Renate Gonçalves. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2008.
SÜSSEKIND, Flora. Cinematógrafo de letras:
literatura, técnica e modernização no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
Modernismo brasileiro: apresentação dos principais
poemas,
manifestos,
prefácios
e
conferências
vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis: Vozes,
2005.
138
Educação
139
140
AS CONTRIBUIÇÕES DOS JOGOS
MATEMÁTICOS PARA A APRENDIZAGEM DAS
OPERAÇÕES FUNDAMENTAIS DE ALUNOS
COM DEFICIÊNCIA VISUAL
FERREIRA, Leonardo Alves
Universidade Estadual do Ceará - UECE
RESUMO: O ensino de matemática para deficientes
visuais requer a utilização de jogos como fator de
aprendizagem para o educando. Partindo desse princípio,
o presente artigo apresenta os resultados prévios de uma
investigação sobre as possibilidades de aprendizagem das
operações fundamentais por meio de jogos para alunos
com necessidades visuais. Este trabalho teve o intuito de
conhecer alguns jogos adaptados e as potencialidades
desses jogos para aprendizagem dos conteúdos
matemáticos e compreender a aplicabilidade dos jogos na
ação pedagógica. O presente trabalho é de natureza
qualitativa e teve como subsídios: a análise de
documentos nacionais, tais como a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB, nº 9394-96), os
Parâmetros
Curriculares
Nacionais
(PCN);
o
levantamento de literaturas publicadas sob formas de
livros, revistas e publicações avulsas, sites e artigos
científicos para fornecer um caráter científico ao tema
proposto. Como resultados prévios, constatamos que a
utilização de jogos matemáticos, apropriados ou
adaptados para o ensino de alunos com deficiência visual,
pode contribuir para uma aprendizagem mais
significativa e incentivar a integração da criança com o
meio.
141
Palavras-chave: deficiência visual; jogos matemáticos;
operações fundamentais
INTRODUÇÃO
A inclusão de alunos com necessidades especiais
na escola é uma das discussões mais importantes no
cenário educacional brasileiro. Isso porque o panorama
da educação brasileira na atualidade ainda retrata as
dificuldades que os deficientes, em especial, os visuais,
têm em estudar com todos os recursos que lhes são
assegurados pelos dispositivos legais.
No caso dos deficientes visuais, tanto os cegos
como os que têm uma visão subnormal, percebe-se que
há dificuldades em planejar e aplicar atividades
adequadas para a aprendizagem deles porque não existe
investimento suficiente para a aquisição de materiais
adequados. Isso provoca uma limitação das ações das
escolas para fornecer um ensino qualificado.
Mesmo com essas adversidades, alguns
educadores conseguem criar instrumentos apropriados ou
adaptados de recursos usados nas escolas regulares
convencionais, proporcionando mais possibilidades de
aprendizagem por parte dos educandos. Dentre esses
instrumentos, os jogos representam um dos meios de
aquisição do conhecimento que mais são aceitos na
educação, pela amplitude de assuntos que podem ser
trabalhados em sala de aula, inclusive os conteúdos
matemáticos.
Ao contextualizar esse panorama, tomo a
iniciativa de discorrer acerca das possibilidades que os
jogos podem proporcionar para a aprendizagem das
142
operações fundamentais por alunos com deficiência
visual (cegueira ou visão subnormal).
O interesse partiu de conversas informais com
alunos cegos sobre suas dificuldades e prazeres em
aprender matemática. Esses depoimentos foram
transformados em problemática e serão trazidos na
monografia do curso de Especialização em Ensino de
Matemática da Universidade Estadual do Ceará – UECE,
artigo este que foi desenvolvido em paralelo com as
pesquisas para o trabalho de conclusão de curso.
O presente trabalho é de natureza qualitativa e
teve como subsídios: a análise de documentos nacionais,
o levantamento de literaturas publicadas sob formas de
livros, revistas e publicações avulsas, sites e artigos
científicos para fornecer um caráter científico ao tema
proposto.
1.
O
DEFICIENTE
VISUAL
NA
ESCOLA
REGULAR.
Antes de comentarmos sobre a inclusão de alunos
com deficiência visual ao mundo do conhecimento,
vejamos algumas considerações acerca do significado de
inclusão e deficiência visual.
Os graus de visão abrangem um amplo espectro
de possibilidades: desde a cegueira total, até a visão
perfeita, também total. A expressão ‘deficiência visual’
se refere ao espectro que vai da cegueira até a visão
subnormal.
143
Chama-se visão subnormal (ou baixa visão,
como preferem alguns especialistas) à
alteração da capacidade funcional decorrente
de fatores como rebaixamento significativo da
acuidade visual, redução importante do campo
visual e da sensibilidade aos contrastes e
limitação de outras capacidades. [...] A
cegueira, ou perda total da visão, pode ser
adquirida, ou congênita (desde o nascimento).
O indivíduo que nasce com o sentido da visão,
perdendo-o mais tarde, guarda memórias
visuais, consegue se lembrar das imagens,
luzes e cores que conheceu, e isso é muito útil
para sua readaptação. Quem nasce sem a
capacidade da visão, por outro lado, jamais
pode formar uma memória visual, possuir
lembranças visuais.
Gil (2000, p. 06 e 08)
Levando em consideração o contexto educacional,
Masi (2002, s.p) conceitua a criança deficiente visual
como aquela que difere da média a tal ponto que irá
necessitar de professores especializados, adaptações
curriculares e ou materiais adicionais de ensino, para
ajudá-la a atingir um nível de desenvolvimento
proporcional às suas capacidades.
Por essas necessidades colocadas, é que o portador
de deficiência visual é sujeito de uma educação que deve
incluí-lo na escola regular e com todos os recursos
necessários.
A educação inclusiva constitui um paradigma
educacional fundamentado na concepção de direitos
humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores
144
indissociáveis, e que avança em relação à idéia de
eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias
históricas da produção da exclusão dentro e fora da
escola.
Para atender a demanda de pessoas com
necessidades especiais, foram criados dispositivos legais
que enfatizam o direito à educação básica para todas as
crianças e adolescentes. Tanto a Constituição Federal de
1988, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, nº 9394-96 (LDB), atentam para a promoção da
educação regular para educandos especiais. Dentre essas
normas, podemos citar o inciso III, do artigo 4º da LDB nº
9394-96 (BRASIL, 2009, s.p), na qual consta que é um
dos deveres do Estado com a educação escolar o
“atendimento educacional especializado gratuito aos
educandos com necessidades especiais, preferencialmente
na rede regular de ensino”.
Contudo, acreditamos que o compromisso com a
formação do cidadão com deficiência visual exige uma
prática educacional voltada à compreensão da realidade
social, dos direitos e das responsabilidades em relação à
sua vida pessoal e comunitária.
2.
A
IMPORTÂNCIA
DOS
JOGOS
NA
CONSTRUÇÃO DO RACIOCÍNIO MATEMÁTICO.
É coerente afirmar que os jogos, como recursos
didáticos, introduzem a experimentação de vivências
importantes para a aquisição de conhecimentos,
subsidiando a prática docente. É partindo desse
145
pressuposto que muitos educadores valorizam a aplicação
de jogos nas diversas áreas do conhecimento,
principalmente nas séries iniciais da educação básica.
Orlick (1990, apud MURCIA, 2005, p. 12) afirma
que jogar é um meio ideal para uma aprendizagem social
positiva, pois é natural, ativo e muito motivador para
maior parte das crianças. Assim, a aprendizagem
necessária para alcançar o desenvolvimento completo está
presente tanto na escola como na vida. Aprender jogando
torna-se mais significativo para a criança. No que se
refere ao ensino de matemática, os jogos e as brincadeiras
são instrumentos importantes para que elas conheçam a si
mesmas, os outros e o seu ambiente social, de acordo com
os objetivos traçados para cada jogo ou brincadeira.
Bittar e Freitas (2005, p. 37) afirmam que o “jogo
em sala de aula pode ser eficaz para aumentar a
concentração e a atividade mental e assim contribuir para
o envolvimento das crianças em atividades matemáticas”.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s)
de matemática apontam os jogos como um dos caminhos
para facilitar a aprendizagem em sala de aula. De acordo
com o PCN: (BRASIL, 2001, p. 48)
Por meio dos jogos as crianças não apenas
vivenciam situações que se repetem, mas
aprendem a lidar com símbolos e a pensar por
analogia (jogos simbólicos): os significados
das coisas passam a ser imaginados por elas.
Ao criarem essas analogias, tornam-se
produtoras de linguagens, criadoras de
convenções,
capacitando-se
para
se
submeterem a regras e dar explicações.
146
Portanto, os jogos como recurso de aprendizagem
do raciocínio matemático podem ser plenamente
utilizados, considerando a heterogeneidade dos alunos, a
faixa etária, a interação com o conteúdo a ser estudado e,
principalmente, as potencialidades que esses jogos podem
promover na aquisição do interesse e no prazer de
explorar os conhecimentos matemáticos e cultivar nos
educandos a aplicação desses conhecimentos no cotidiano.
3. JOGOS MATEMÁTICOS PARA ALUNOS COM
DEFICIÊNCIA VISUAL.
Alguns dos mais significativos conteúdos, se não o
fundamental, da matemática são as operações
fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão).
Esses conhecimentos as crianças devem aprender logo nos
primeiros anos de escolarização, para que possam ter mais
facilidade em compreender conteúdos mais complexos.
Um dos objetivos apontados pelo PCN de
matemática para o primeiro ciclo do ensino fundamental é
“resolver situações-problema e construir, a partir delas, os
significados das operações fundamentais, buscando
reconhecer que uma mesma operação está relacionada a
problemas diferentes e um mesmo problema pode ser
resolvido pelo uso de diferentes operações”. (BRASIL,
2001, p. 43).
Percebe-se que os jogos matemáticos para alunos
com deficiência visual proporcionam um entendimento
mais prático dos conteúdos propostos pelo educador e o
interesse dos alunos pelas aulas aumentam, possibilitando
também a integração entre a turma.
147
As possibilidades de jogos adaptados ou criados
especialmente para alunos com necessidades visuais são
múltiplas. Podemos criar situações didáticas onde podem
ser integradas várias vertentes do conhecimento. Brandão
(2006, p. 15) parte do princípio de que “o conhecimento
aprendido pelos alunos deficientes visuais de atividades
cotidianas como andar, desviar de um obstáculo, entre
outros, pode servir para inserir conceitos matemáticos”.
Complementando Brandão, tais conceitos podem ser
apresentados de forma implícita, caracterizando o que é
denominado interdisciplinaridade.
Além dos jogos matemáticos tendo como objeto o
próprio corpo, variados jogos feitos com sucata ou
industrializados que envolvem habilidades numéricas, de
medidas e espaciais podem transformar-se em um
excelente recurso e estratégia nas aulas de Matemática.
No caso específico dos deficientes visuais, a
interação
com
jogos
também
promove
um
desenvolvimento da percepção tátil por parte desses
alunos, tanto na prática da leitura e escrita Braille, como
na manipulação de materiais concretos utilizados nos
jogos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer das pesquisas, observamos que a
prática de jogos no ensino das operações fundamentais
para alunos com deficiência visual promove um
entendimento melhor do conteúdo, incentiva a integração
entre os alunos e o professor e facilita a interpretação das
operações no cotidiano do aluno.
148
As investigações trouxeram a afirmação de que os
jogos proporcionam o desenvolvimento do raciocínio
lógico-matemático de qualquer aluno. No caso dos
alunos com baixa visão ou cegueira, os jogos acarretam
no desenvolvimento de mais habilidades, tais como a
coordenação motora fina, a abstração dos cálculos, o
aperfeiçoamento do tato e da audição, fatores que
facilitam a compreensão dos conteúdos vistos por meio
de jogos.
Além disso, a aplicação de jogos matemáticos
para esses alunos propicia o fortalecimento de
competências como a participação, cooperação,
concentração e a socialização dos conhecimentos
adquiridos.
Vale ressaltar também que essas experiências
vividas pelo educando em sala podem ser fundamentais
para a convivência do aluno em sua comunidade e o
preparam para o mercado de trabalho e as
responsabilidades da vida adulta.
Contudo, essas considerações são baseadas em
pesquisas bibliográficas e documentais, pois esperamos
que essas investigações instiguem o leitor a aprofundar
essa temática tão importante para a educação e para a
sociedade.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Jorge. Matemática e deficiência visual.
São Paulo: Scortecci, 2006;
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional: nº 93944-96. Disponível em:
149
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm.
Acesso em 23 nov. 2009;
_______.
Parâmetros
curriculares
matemática. 3. ed. Brasília: MEC, 2001;
nacionais:
BITTAR, Marilena; FREITAS, José Luiz Magalhães de.
Fundamentos e metodologia de Matemática para os
ciclos iniciais do ensino fundamental. 2. ed. Campo
Grande, MS: Ed. UFMS, 2005;
GIL, Marta. Deficiência visual. In Cadernos da TV
escola. Vol. 1. Brasília: Mec. Secretaria de Educação a
Distancia, 2000;
MASI, Ivete De. Deficiente visual: educação e
reabilitação.
Disponível
em:
intervox.nce.ufrj.br/~abedev/Apostila-DV.doc. Acesso
em 15 out. 2009;
MURCIA, Juan Antonio. Aprendizagem através do jogo.
Porto Alegre: Artmed, 2005;
150
A IMPORTÂNCIA DAS CRENÇAS SOBRE O USO
DO TEXTO LITERÁRIO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE E/LE
SILVA, Girlene Moreira da
(Curso de Mestrado em Linguística Aplicada - UECE)
RODRIGUES, Verônica Lima B.
(Curso de Mestrado em Linguística Aplicada – UECE)
RESUMO
O ensino de Espanhol como língua estrangeira (E/LE) no
Brasil cresceu nos últimos anos e solidificou-se com a
aprovação da Lei Nº 11161, de 5 de agosto de 2005, que
obriga a oferta do espanhol nos currículos do ensino
médio. Com isso, há uma maior quantidade de
professores de espanhol em formação nas universidades.
Consciente da importância da preparação para o uso do
texto literário nas aulas de E/LE desses futuros
professores é que traremos algumas reflexões sobre a
interferência das crenças na sua formação. É importante
que os professores reflitam sobre suas atitudes e crenças
e como elas interferem nas suas aulas. Segundo
ALVAREZ (2007), a noção de crença é relevante na hora
de interpretar e analisar as ações do professor, pois eles
interpretam uma situação de ensino a partir das suas
crenças sobre o que seja a aprendizagem e ensino de LE.
Dentro desse contexto, esse artigo pretende apresentar
uma pequena revisão da literatura em Linguística
Aplicada acerca das crenças sobre ensino e aprendizagem
de língua espanhola com o uso do TL, mostrando as
151
principais discussões e as diferentes definições, além de
sugerir aspectos que ainda merecem ser investigados.
Fizemos uma revisão bibliográfica das pesquisas sobre
crenças, apresentando os diversos conceitos e quais as
interferências na formação do professor e na sua maneira
de abordar o TL nas aulas de E/LE, finalizando com
sugestões de futuras pesquisas. Constatamos que o
pensamento do professor é influenciado não só por suas
crenças, mas também pelo conhecimento que ele possui
sobre a matéria e o ensino de uma forma geral. Para a
constante formação do professor, é importante que ele
adote uma abordagem reflexiva sobre si mesmo e suas
ações, buscando uma relação entre suas crenças e a
prática em sala de aula.
Palavras-chave: crenças, formação de professores,
ensino de E/LE.
INTRODUÇÃO
O ensino de Espanhol como língua estrangeira (E/LE) no
Brasil cresceu nos últimos anos e solidificou-se com a
aprovação da Lei Nº 11161, de 5 de agosto de 2005, que
obriga a oferta do espanhol nos currículos do ensino
médio. Com isso, há uma maior quantidade de
professores de espanhol em formação nas universidades e
cresceu o número de pesquisas com o objetivo de
investigar temas relacionados aos diversos contextos de
ensino/aprendizagem de língua estrangeira (doravante
LE), tanto no Brasil quanto no exterior.
A relevância do estudo de crenças se deve,
principalmente, ao fato de que elas interferem, de uma
152
maneira geral, nas ações dos professores e na sua
metodologia utilizada na sala de aula, conforme afirma
Mendoza (1998):
La concepción lingüística que posea el profesor
condiciona su enfoque y su metodología, lo que se
entiende por lengua depende evidentemente de las teorías
lingüísticas, ya que cada teoría lingüística puede
considerarse como un sistema de hipótesis sobre la forma
de las lenguas. (MENDOZA, 1998, p.243)
Durante a formação do professor, suas crenças podem ser
reafirmadas ou desmistificadas e suas atitudes e crenças
também refletem no aluno, que vai construindo suas
próprias concepções e estratégias durante o aprendizado.
La competencia docente hace referencia al conjunto de
saberes, habilidades y conductas del docente que parecen
motivar un mejor rendimiento del alumno. Es difícil
concretar los rasgos o cualidades específicos que
conforman dicha competencia. La competencia
profesional del profesor está determinada por la
formación específica que ha recibido y por la forma en
qué ésta haya sido asimilada y matizada según la propia
capacidad de autoformación (creencias). Es evidente que,
por encima de otros factores como los planteamientos
metodológicos, los recursos, los materiales e, incluso, el
contexto escolar, la actividad del profesor es
determinante en el éxito o fracaso del aprendizaje.
(MENDOZA, 1998, p. 241)
153
Esse artigo apresenta uma pequena revisão da literatura
em Lingüística Aplicada acerca das crenças sobre ensino
e aprendizagem e quais as interferências na formação do
professor, apresentando um pouco das principais
discussões e as diferentes definições e alertando para a
falta de pesquisas com relação à abordagem do TL nas
aulas de E/LE,
1. EM BUSCA DE UM CONCEITO DE CRENÇA
Conceituar o termo crença não é uma tarefa simples, uma
vez que há vários conceitos de estudiosos de diversas
áreas. A pesquisa a respeito de crenças sobre
aprendizagem de línguas em Lingüística Aplicada (LA)
teve início em meados dos anos 80 no exterior e em
meados dos anos 90 no Brasil (BARCELOS, 2004).
Almeida Filho (1993) foi um dos primeiros
pesquisadores no Brasil, introduzindo o termo cultura de
aprender. No exterior, Richards e Lockhart (1996)
afirmaram que as crenças e os valores dos professores
formam sua cultura de ensino. Além deles, há outras
nomenclaturas e várias definições. A tabela 1 nos mostra
alguns dos vários termos e definições já usados em
pesquisas brasileiras para se referir às crenças sobre
aprendizagem de línguas.
Tabela 1 - Diferentes Termos e Definições para Crenças
sobre Aprendizagem de Línguas.
Abordagem ou cultura de aprender (Almeida Filho,
1993)_“Maneiras de estudar e de se preparar para o uso
da língua-alvo consideradas como 'normais' pelo aluno e
154
típicas de sua região, etnia classe social e grupo familiar,
restrito em alguns casos, transmitidas como tradição,
através do tempo de uma forma naturalizada
subconsciente, e implícita” (p. 13).__Cultura de
Aprender Línguas (1995)_“O conhecimento intuitivo
implícito (ou explícito) dos aprendizes constituído de
crenças, mitos, pressupostos culturais e ideais sobre
como aprender línguas. Esse conhecimento compatível
com sua idade e nível sócio-econômico, é baseado na sua
experiência educacional anterior, leituras prévias e
contatos com pessoas influentes”
(p. 40).__Crenças (André, 1996)_“Crenças são
entendidas como posicionamentos e comportamentos
embasados em reflexões, avaliações e em julgamentos
que servem como base para ações subsequentes” (p.
48).__Crenças (Félix, 1998)_“Opinião adotada com fé e
convicção baseada em pressuposições e elementos
afetivos que se mostram influências importantes para o
modo como os indivíduos aprendem com as experiências
e caracterizam a tarefa de aprendizagem (do aluno, no
caso do professor)” (p. 26).__Crenças (Pagano et al.,
2000)_“Todos os pressupostos a partir do qual o aprendiz
constrói uma visão do que seja aprender e adquirir
conhecimento”
(p.
9).__Crenças
(Barcelos,
2001)_“Idéias, opiniões e pressupostos que alunos e
professores têm a respeito dos processos de
ensino/aprendizagem de línguas e que os mesmos
formulam
a
partir
de
suas
próprias
experiências”.__Crenças (Mastrella, 2002)_“Crenças são
interpretações da realidade socialmente definidas que
servem de base para uma ação subseqüente”(p.
33).__Crenças (Perina, 2003)_“As crenças (...) são
155
“verdades pessoais, individuais, baseadas na experiência,
que guiam a ação e podem influenciar a crença de
outros” (p. 10-11).__Crenças (Barcelos, 2004a)_As
crenças têm suas origens nas experiências e são pessoais,
intuitivas e na maioria das vezes implícitas. Dessa forma,
as crenças não são apenas conceitos cognitivos, mas são
“socialmente construídas” sobre “experiências e
problemas, de nossa interação com o contexto e da nossa
capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca” (p.
132).__Crenças (Barcelos, 2004b)_Assim, as crenças não
seriam somente um conceito cognitivo, antes “construtos
sociais nascidos de nossas experiências e de nossos
problemas (...) de nossa interação com o contexto e de
nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos
cerca” ( p.20).__Crenças (Lima, 2005)_“Filtro pelo qual
passa todo e qualquer conhecimento e como algo que não
está disponível de forma sistematizada para todas as
pessoas, como está o conhecimento, mas existe a
dimensão individual como na social e pode ser
questionado e rejeitado por outras pessoas que não
compartilham do mesmo sistema de crenças. (...) A
crença não deixa instantaneamente de ser verdadeira para
o indivíduo que a possui, mas se modifica na medida em
que novas crenças são incorporadas no sistema de
crenças de um indivíduo e essas novas crenças são
incorporadas no sistema de crenças de um indivíduo e
essas novas crenças, podem vir a substituir a anterior ou
não” (p. 22).__Mitos (Carvalho, 2000)_“Os mitos
costumam ser frutos de concepções errôneas e
estereotipadas, às vezes veiculadas pela mídia e passadas
de geração para geração sem que as pessoas parem para
refletir ou mesmo buscar na literatura especializada
156
elementos que justifiquem ou não esses mitos” (p.
85)__Imaginário (Cardoso, 2002)_“O conjunto de
imagens que nos guiam para entender o processo de
ensinar”, no caso do professor, “e de aprender”, no caso
do aluno. “É o universo, a constelação de imagens que
surgem, algumas formadas conforme o explicitado pela
teoria e muitas conforme a intuição, a teoria informal e as
teorias passadas”. Nesse imaginário, situa-se, conforme
bem enfatizado por Cardoso (2002, p. 20), “a raiz do
implícito, lugar recôndito que guarda as crenças, as
sensações, as intuições sobre o processo de aprender e de
ensinar que nos orientam e nos levam a agir como aluno
e como professor”. O imaginário é, pois, constituído ao
longo de nossa vida pessoal e profissional (20).__Fonte:
Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na
Lingüística Aplicada: um panorama histórico dos estudos
realizados no contexto brasileiro, disponível em _
HYPERLINK
"http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pdf"
_http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pdf
Conforme exposto, observamos que não há uma
definição única para crenças, no entanto há muitas idéias
em comum. Corroboramos, pois, com a definição de
ALVAREZ (2007), que nos pareceu englobar todas as
idéias e, portanto, ser mais completa.
A crença constitui uma firme convicção, opinião e/ou
idéia que têm o indivíduo com relação a algo. Essa
convicção está ligada a intuições que têm como base as
experiências vivenciadas, o tipo de personalidade e a
influência de terceiros, pois elas são construídas
157
socialmente e repercutem nas suas intenções, ações,
comportamento, atitude, motivações e expectativas para
atingir determinado objetivo. Elas podem ser modificadas
com o tempo, atendendo às necessidades do individuo e a
redefinição de seus conceitos, se convencido de que tal
modificação lhe trará benefícios. (ALVAREZ, 2007, p.
200)
2. ESTUDOS ATUAIS SOBRE CRENÇAS
Apresentamos, agora, alguns dados, bem como nossas
reflexões, com base nos conceitos expostos em duas
pesquisas realizadas, respectivamente, por Barcelos
(2007) e Alvarez (2007), que tratam sobre crenças indo
além de sua simples definição, contemplando também
suas múltiplas segmentações dentro de uma abordagem
lingüística. A partir desses estudos pode-se falar sobre,
como a autora Barcelos (2007) define, em crenças
específicas, aqui denominadas linhas de atuação e que
descrevem as crenças subjacentes a um determinado
aspecto relacionado ao ensino-aprendizagem de uma
língua estrangeira.
Em sua pesquisa, Barcelos (2007) apresenta a evolução
do estudo sobre crenças, no campo da lingüística, em três
períodos: Período inicial (1990-1995), período de
desenvolvimento (1996-2001) e período de expansão
(2002 até o presente), sendo nesse último que
se
detecta o estudo das crenças específicas a partir do qual
se centra em uma determinada crença o que confere a tais
pesquisas características bem peculiares.
Alvarez não explicita essa definição de crença específica,
mas termina por abordar a mesma temática quando
158
delimita seu campo de estudo ao que também poderia ser
denominado como tal. O que difere as duas escritoras é
que enquanto Barcelos (2007) aborda o tema dentro do
contexto de escolas públicas, particulares e de ensino de
línguas, o que de nenhum modo invalida suas
contribuições às reflexões que aqui se propõe fazer,
Alvarez (2007) delimita seu corpus ao contexto
acadêmico, especificamente a alunos do curso de
graduação de letras/espanhol de uma famosa
universidade da região centro-oeste do país.
É interessante perceber que embora haja contextos
diferentes de pesquisa, os dados colhidos apontam para
os reflexos culturais, que permeiam as crenças,
caracterizando-os, muitas vezes, como semelhantes,
ainda que em diferentes esferas, o que deixa transparecer
a influência do que pensamos nas mais diversas fases da
nossa vida, fato este comprovado pelas similaridades
entre os resultados de pesquisas com objetivos em parte
diferentes, sobretudo quanto aos informantes.
Buscando-se traçar um paralelo entre os resultados
apontados por ambas as pesquisadoras mencionadas, é
possível apontar alguns dados relevantes em relação às
crenças que norteiam um aspecto particular do entorno
do ensino-aprendizagem de uma língua, não restringindo
essa análise ao contexto da língua espanhola, embora seja
o objeto desse artigo, por considerar tais abordagens
completamente adaptáveis a realidade que permeia o
ensino desse idioma.
As crenças específicas mais comuns e apontadas pelos
estudos de Barcelos (2007) e com menor, porém não
menos importante, ênfase por Alvarez (2007), são às
relacionadas ao contexto em que se pode, ou não
159
aprender uma língua estrangeira, as características do
aluno e professor ideais e sobre as metodologias de
ensino e avaliação.
Como dito anteriormente, Barcelos (2007) define como
seu corpus, alunos, professores, pais e diretores de
escolas públicas, particulares e de idiomas. Mesmo com
informantes tão diversos a autora conclui que as crenças
em relação aos aspectos analisados são bem semelhantes.
A maioria deles acredita que a escola, principalmente a
pública, não é, de nenhum modo o lugar adequado para
se aprender uma LE e muito ainda que isso nem mesmo é
possível e apontam as escolas de idiomas como o lugar
mais apropriado para tal prática. Grande parte desses
informantes também acredita que é mais fácil de se
aprender uma LE em séries iniciais e quando se tem
menos idade, desacreditando que é possível a uma pessoa
de terceira idade, por exemplo, obter êxito no processo de
aquisição de uma LE. Atribuem como característica
fundamental de um bom professor a boa proficiência oral
e ainda que sejam características desse profissional o ser
dinâmico, criativo e amigo de seus alunos, apontando tais
elementos como determinantes no despertar do interesse,
por parte dos aprendizes, pela língua a ser estudada.
Percebe-se também a manutenção de um círculo vicioso
alimentado por crenças advindas tanto de professores
como de alunos no que concerne às dificuldades
apresentadas pela língua. Muitos alunos acreditam que é
fácil aprender um idioma, no caso dos dados apontados
por Barcelos (2007) o inglês, porque são submetidos a
atividades bastante elementares por parte de seus
professores porque estes, por sua vez, acreditam que os
alunos não seriam capazes de solucionar problemas de
160
maior complexidade no contexto de aprendizagem de um
LE. Também comprova-se que segue sendo bastante
acreditado que aprender uma LE é dominar sua gramática
e ter um bom vocabulário, conferindo à leitura o papel de
instrumento de prática desses aspectos. Todos esses
dados nos remetem à visão tradicional do processo de
ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras.
Alvarez (2007) aponta dados relevantes no contexto
acadêmico, destacando-se as crenças de alunos
pertencentes a semestres a partir do 3º período e que
foram submetidos a um questionário com perguntas
subjetivas como instrumento de pesquisa.
As
informações coletadas revelam que os alunos do curso de
letras/espanhol o veem como fraco, pouco motivador,
cansativo e bem diferente das expectativas que tinham
antes de seu ingresso a universidade. Esses alunos
acreditam também que aprender uma LE significa
conhecer aspectos culturais de seu entorno e ser capaz de
se comunicar fluentemente com falantes nativos e
relacionam a aprendizagem de uma LE ao de sua LM.
Para muitos dos informantes a melhor e, em alguns casos
a única, forma de se aprender uma LE é viajando ou
morando em um país no qual a mesma seja o idioma
oficial. A pesquisa aponta, ainda, dados sobre como os
alunos universitários compreendem o papel do professor
idealizando-o como modelo a ser seguido, tanto no
contexto pessoal como no intelectual, e determinante em
sua formação como ser humano, contribuindo, inclusive,
na formação de suas crenças. Boa parte desses alunos
também acredita que as universidades não os prepara, de
forma satisfatória para seu futuro trabalho no contexto de
sala de aula, o que os faz, muitas vezes, sentirem-se
161
inseguros,
e
que
devem
buscar
aprimorar,
constantemente, seus conhecimentos.
Entendemos, pois, que o ato de ensinar está ligado
diretamente às crenças, tanto do aluno quanto do
professor e conscientes da importância do uso do TL nas
aulas de E/LE, consideramos importante que a realização
de novas pesquisas que investiguem as crenças do
professor com relação ao uso do TL nas suas aulas, uma
vez que conforme apontamos, as pesquisas estão
avançando, porém as que exploram o uso do TL ainda
estão carentes de reflexões e contribuições.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há duas conclusões que podem ser feitas com base nas
exposições acima. A primeira delas é de que muitas das
crenças, nelas reveladas, necessitam, através de
intervenções práticas e eficientes orientadas por tais
resultados, ser desmistificadas a fim de se ter um melhor
desempenho por todos os envolvidos na prática de
ensino-aprendizagem de uma LE, uma vez que
acreditamos que as crenças influenciam diretamente,
positiva ou negativamente, em nossas ações. A segunda é
que, embora o número de pesquisas sobre crenças tenha
aumentado ao longo dos anos, segue como lacuna a
investigação sobre as crenças que permeiam o ensino de
E/LE e principalmente sobre as crenças específicas em
torno do uso do discurso literário nas aulas de E/LE.
Este estudo é apenas o início de uma reflexão do que se
passa dentro da sala de aula, onde futuramente
poderemos pesquisar os fatores de influência, os
professores e seus conflitos com relação ao uso do TL em
162
suas aulas de E/LE em um contexto
ensino/aprendizagem a ser definido posteriormente.
de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA FILHO, J.C.P. Dimensões comunicativas no
ensino de línguas. Campinas, SP: Pontes Editores, 1993.
BARCELOS, A.M.F. “Crenças sobre ensino e
aprendizagem de línguas: reflexões de uma década de
pesquisa no Brasil.” in ALVAREZ, M. L. O.; SILVA,
K.A.(org.)Linguística
Aplicada:
múltiplos
olhares.Campinas: Pontes Editores, 2007. pp.27-69.
_____. Crenças sobre aprendizagem de línguas,
linguística aplicada e ensino de línguas. Linguagem &
Ensino. Pelotas, v. 7, n. 1, p. 123-156, 2004.
ALVAREZ, M.L.O. “Crenças, motivações e expectativas
de alunos de um curso de formação Letras/Espanhol.” in
ALVAREZ, M. L. O.; SILVA, K.A.(org.)Linguística
Aplicada:múltiplos olhares.Campinas: Pontes Editores,
2007. pp.191-231.
MENDOZA, Antonio Fillola. Marco para una Didáctica
de la lengua y la literatura en la formación de profesores.
In DIDÁCTICA (LENGUA Y LITERATURA), nº 10.
Madrid: Universidad Complutense de Madrid. pp. 233270, 1998.
163
RICHARDS, J.C. & LOCKHART, C.
Reflective
Teaching in Second Language Classrooms. New York:
Cambridge University Press, 1996.
SILVA, Kleber Aparecido da. Crenças sobre o ensino e
aprendizagem de línguas na Lingüística Aplicada: um
panorama histórico dos estudos realizados no contexto
brasileiro,
disponível
em
_
HYPERLINK
"http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pdf"
__http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pd
f_, acesso em 21/02/2009.
164
ANÁLISE DE ATIVIDADES DE LEITURA: LIVRO
EXPANSIÓN
ARAGÃO, Cleudene de Oliveira
Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada – UECE
SOUSA, Neyla Denize de
Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada – UECE
RESUMO
Nas últimas décadas a leitura vem ganhando bastante
destaque. Inúmeros projetos são desenvolvidos em
várias instituições de ensino com o objetivo de estimular
ou criar o hábito da leitura. As mudanças ocorridas nas
aulas de leitura em língua portuguesa acabaram
repercutindo nas aulas de línguas estrangeiras. Dessa
forma, a abordagem tradicional, focalizada na gramática
e no léxico, começa a dar lugar a um tratamento mais
pragmático da língua meta. Tendo em vista essas
mudanças ocorridas nas aulas de leitura, o presente artigo
pretende analisar seis atividades de leitura do livro
didático Espanhol Expansión. A escolha deste livro se
deu primeiro pelo fato de esse material já existir há
algum tempo no mercado e segundo por ser adotado em
muitas escolas. O livro possui vinte e quatro unidades,
mas como se trata de um volume único, os alunos
utilizam oito unidades em cada um das séries do ensino
médio. Devido à brevidade do nosso estudo, optamos por
analisar apenas os dois primeiros capítulos do livro para
cada uma das séries. Os aspectos observados nas
atividades foram: as estratégias de leitura exigidas pelas
atividades, a variedade de atividades propostas e o
165
ordenamento das atividades. Após a análise das seis
atividades constatamos que o livro apresenta de forma
bastante coerente o ordenamento de suas atividades,
sempre partindo do mais simples para o mais complexo.
Observamos ainda que o material didático não diversifica
os modelos de atividades propostas e que prioriza o uso
da estratégia de seleção. Em nenhuma das atividades o
aluno é estimulado a fazer uso de outras estratégias de
leitura como predição ou inferência.
Palavras-chave: atividades de leitura – estratégias de
leitura – espanhol
INTRODUÇÃO
Durante muitos anos, a escola tratou a língua
como um sistema autônomo e imutável. Os alunos foram
orientados a ver a língua como um conjunto de regras a
serem “aprendidas”. A focalização nos aspectos
ortográficos e gramaticais da língua afastou e,
infelizmente, ainda afasta muitos usuários da língua do
contato mais prazeroso com a língua escrita.
Nas últimas décadas, no entanto, a leitura vem
ganhando destaque especialmente no âmbito escolar.
Projetos e campanhas são desenvolvidos em várias
instituições de ensino com o objetivo de estimular, ou em
muitos casos, criar o hábito da leitura. Um dos motivos
dessa mudança é a nova visão do conceito de língua
apresentado pelos linguistas. Abaurre e Pontara (2006:3),
por exemplo, entendem a língua como um “sistema de
representação socialmente construído, constituído de
signos lingüísticos”. Segundo o conceito apresentado
166
pelas autoras a língua só existe mediante a negociação do
significado entre os falantes. A partir dessa nova
perspectiva foi que muitos professores orientados por
estudos realizados na área da leitura e da escrita
começaram a incorporar a sala de aula atividades que
revelassem o caráter social da língua. Como
conseqüência disso o texto começou a ser amplamente
valorizado e utilizado na sala de aula como um objeto de
estudo e de análise.
As mudanças ocorridas nas aulas de leitura em
língua portuguesa influenciaram o ensino/aprendizagem
de línguas estrangeiras como apontam Gelabert, Bueso e
Benítez (2002) “a leitura foi sendo incorporada no
processo de ensino/aprendizagem do espanhol como uma
habilidade a mais que deve ser desenvolvida no aluno
estrangeiro desde os níveis iniciais até os de
aperfeiçoamento” (grifo nosso). Dessa forma, a
abordagem tradicional, focalizada na gramática e no
léxico, começa a dar lugar a um tratamento mais
pragmático da língua.
Levando em consideração que essas mudanças
implicaram, ou deveriam implicar, num amadurecimento
do tratamento dado aos textos nas atividades de leitura
em língua estrangeira, objetivamos, com o presente
artigo, analisar as atividades de leitura em um material
impresso de língua espanhola amplamente usado em
muitas escolas de Fortaleza.
167
1.
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NAS
AULAS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Ler é sem dúvida uma atividade importante em
todas as esferas da vida, mas quando se trata de estudar
uma língua estrangeira a leitura torna-se uma ferramenta
fundamental, pois através dela é possível obter
informações de ordem lingüística, cultural e etc. As aulas
de língua estrangeira, portanto, não podem abrir mão
desse recurso que, em muitos casos, é o único de que os
aprendizes dispõem para ampliar seus conhecimentos
sobre a língua estudada.
Ler não é um processo passivo como já
anunciaram muitos estudiosos do assunto. Ao tentar
compreender um texto, o leitor faz predições e relaciona
seu conhecimento de mundo com as informações
presentes no texto. As atividades de compreensão leitora
em língua estrangeira não são diferentes. Ao ler um texto
em língua estrangeira o aluno aciona seus conhecimentos
sintáticos, semânticos, culturais e etc para tentar atribuir
um significado ao que está expresso. Esse processo, no
entanto, não é tão simples como parece e por isso se faz
necessário ajudar os aprendizes a desenvolver estratégias
e técnicas que os ajude a entender o conteúdo dos textos.
Sobre esse ponto Gelabert, Bueso e Benítez (2002)
afirmam:
Dado que as estratégias são condutas
suscetíveis de serem aprendidas, os
professores de E/LE devem intervir no seu
desenvolvimento para que os estudantes
“descodifiquem” as mensagens escritas com
maior eficácia, contribuindo assim ao
168
processo geral de sua aprendizagem de
espanhol. (tradução nossa)
O ato de ler envolve o uso de diversas estratégias.
Segundo Goodman (1987) estratégia é “um amplo
esquema para obter, avaliar e utilizar informação”. A
partir desse conceito, esse mesmo autor lista pelo menos
três estratégias básicas amplamente usadas pelos leitores.
A primeira delas é a seleção que consiste na escolha dos
índices mais relevantes e úteis para o processo de
compreensão leitora. A segunda é a predição que pode
ser definida como a capacidade de antecipar o que virá
no texto e qual será seu significado. Por último têm-se a
inferência que é a habilidade de enxergar o que não está
explícito no texto.
Com relação ao uso e ao
desenvolvimento das estratégias Goodman (1987) afirma,
ainda, que “se usam estratégias na leitura, mas também
essas estratégias se desenvolvem e se modificam durante
a leitura. Com efeito, não há maneira de desenvolver
estratégias de leitura a não ser através da própria
leitura.”
Com base no que foi exposto acima é que serão
avaliadas as atividades de leitura no que diz respeito às
estratégias de leitura exigidas em cada uma das
atividades nas seis unidades escolhidas.
2. ATIVIDADES DE COMPREENSÃO
LEITORA
As atividades de compreensão leitora devem ter
um objetivo concreto. Além disso, é preciso variar os
tipos de atividades para que os aprendizes possam
169
trabalhar diversas estratégias e assim desenvolver melhor
suas habilidades de leitura.
Gelabert, Bueso e Benítez (2002) listam alguns
tipos de atividades que podem ser realizadas com textos
em aulas de compreensão leitora em língua estrangeira.
Reproduzimos a seguir a lista na íntegra dada a sua
pequena extensão.
- para obter a idéia geral do texto, formular perguntas de
compreensão extensiva
- resumir o texto completo
- organizar um texto desordenado
- unir idéias do texto colocadas em colunas
- dar outro título ao texto
- resumir por parágrafos
- resumir as idéias ou opiniões
- para obter informação sobre pontos concretos, formular
perguntas de compreensão intensiva
- inventar um princípio
- inventar um final
- introduzir um personagem e reescrever o texto
- criar um texto similar, trabalhando o estilo o formato
- trabalhar o léxico
É com base nessa lista que analisaremos a
variedade de atividades propostas nas atividades de
leitura do material selecionado.
3. ORDENAMENTO DAS ATIVIDADES DE
LEITURA
Segundo Leffa (2003), os dois critérios básicos
para o ordenamento das atividades são: a facilidade e a
170
necessidade. É muito comum começar com atividades
mais simples para depois solicitar atividades mais
complexas. Pelo segundo critério o ideal é começar pelo
que é mais útil para o aluno. Daí a importância de se
inserir materiais autênticos apropriadamente selecionados
a fim de que o aluno não fique com aquela sensação de
ter adquirido um conhecimento inútil como sugere Leffa
(2003):
Quando se fala de produção de materiais,
tem-se privilegiado o ensino baseado na
tarefa. Nesse caso, há uma preocupação
maior com o mundo real e o uso de dados
lingüísticos autênticos. (...) Muitas vezes os
alunos têm dificuldade de transferir para o
mundo real aquilo que aprendem na escola.
Não vendo aplicação prática para o
conhecimento adquirido, acham-se muitas
vezes donos de um conhecimento inútil. O
uso do material autêntico pode ser uma
maneira de facilitar essa transferência de
aprendizagem.
A idéia de que o aluno não deve terminar um
curso sem conhecer como é a língua em seu uso corrente
e real tem levado muitos autores de matérias didáticos a
inserirem materiais autênticos em seus livros. Acontece
que devido ao grande volume e a enorme diversidade de
materiais a seleção nem sempre parece uma tarefa fácil.
Sobre esse ponto Gelabert, Bueso e Benítez
(2002) afirmam:
171
Em qualquer caso, a seleção de textos para
realizar as atividades de compreensão leitora
não é tarefa fácil já que é preciso considerar
numerosos fatores como o nível de língua do
estudante a que se destina o texto, a
dificuldade lingüística, o tamanho e o
formato. Todos esses fatores determinarão a
motivação do aluno e do professor e ao
mesmo tempo garantirão o sucesso nos
resultados pretendidos por ambos.
4. MATERIAL DIDÁTICO SELECIONADO
Para a realização desse trabalho, escolhemos o
livro Espanhol Expansión. Primeiro pelo fato de esse
material já existir há algum tempo no mercado, sendo,
por isso, bastante conhecido e segundo por ser adotado
em muitas escolas que já oferecem o espanhol no ensino
médio. O livro possui vinte e quatro unidades, mas como
se trata de um volume único, os alunos utilizam oito
unidades em cada um das séries do ensino médio de tal
forma que, ao final do 3ºano, já terão visto todo o livro.
Devido à brevidade do nosso estudo, optamos por
analisar apenas os dois primeiros capítulos do livro para
cada uma das séries37.
37
As atividades de leitura analisadas foram as correspondentes as unidade 1
e 2 (usadas na primeira série do ensino médio), 9 e 10 (usadas na segunda
série) e as unidades 17 e 18 (usadas na terceira série). Todas as atividades
analisadas, bem como seus respectivos textos, encontram-se em anexo.
172
5. ANÁLISE DAS UNIDADES DO MATERIAL
DIDÁTICO
Os tópicos que serão analisados nas atividades de leitura
do material escolhido são: as estratégias de leitura
exigidas pelas atividades, a variedade de atividades
propostas e o ordenamento das atividades.
5.1. ESTRATÉGIAS DE LEITURA EXIGIDAS
PELAS ATIVIDADES
Cerca de oitenta por cento das atividades solicita
apenas que o aluno utilize a estratégia de seleção. Como
todas as questões são abertas, o aluno tem tão somente
que identificar o ponto que é pedido na questão e
transcrevê-lo, muitas vezes, sem nenhuma alteração. A
atividade de leitura acaba sendo, portanto, uma atividade
de cópia de fragmentos do texto.
Além disso, a maioria das perguntas solicita
apenas informações explícitas, inclusive nos níveis mais
elevados. Em nenhuma das atividades o aluno é
estimulado a fazer predição ou inferência.
5.2. VARIEDADE DE ATIVIDADES PROPOSTAS
Na maioria das atividades é solicitado aos alunos
que respondam a perguntas subjetivas sobre o texto.
Constata-se, portanto que os autores preferiram não
diversificar o tipo de exercício de leitura. Esse formato
não está totalmente inadequado, mas pode tornar as aulas
de leitura repetitivas e desinteressantes. Talvez, uma
maneira mais criativa seria trabalhar a compreensão dos
173
textos utilizando vários tipos de atividades a fim de atrair
a atenção e o interesse do aluno para o conteúdo do texto.
Outro ponto que deve ser considerado é o fato de
o aluno se adaptar a esse tipo de atividade até o ponto de
sentir dificuldades de desenvolver alguma atividade que
exija um pouco mais de atenção ou até mesmo de
criatividade como, por exemplo, resumir o texto
completo ou criar um novo final para a história.
Vale ressaltar que embora predominem as
perguntas de compreensão extensiva, em algumas
unidades há a presença de perguntas de outro tipo.
Algumas, inclusive, muito interessantes como é o caso da
pergunta cinco da unidade nove que solicita que o aluno
analise a dieta de três pessoas com base nas informações
presentes no texto. Essa atividade, porém, é uma das
poucas que foge ao padrão geral de identificar
informações específicas dos textos.
5.3. ORDENAMENTO DAS ATIVIDADES
Com relação ao ordenamento das atividades,
percebemos que os autores - como é muito comum iniciaram com perguntas simples nas unidades iniciais e
foram aumentando gradativamente o grau de dificuldade
nas unidades seguintes correspondentes às séries mais
avançadas. Nessas últimas, porém, os autores alternaram
perguntas simples que exigem que o aluno simplesmente
transcreva um fragmento do texto com perguntas mais
complexas como, por exemplo, a análise de alguns casos
com base nas informações lidas no texto. Nota-se
também o acréscimo de perguntas em que se pede a
opinião pessoal do aluno sobre algum aspecto do texto o
174
que é bastante positivo, pois estimula o estudante a
refletir criticamente sobre o conteúdo do texto lido.
Um outro ponto positivo é a presença de materiais
autênticos extraídos de sites, livros de literatura e etc.
Esses textos, bem como suas respectivas atividades,
foram adequadamente incluídos no livro considerando o
nível dos alunos. Os autores tiveram, ainda, o cuidado de
adaptar o texto, como é o caso do texto da unidade dois –
Os espanhóis – ou inserir um vocabulário bastante
esclarecedor como é o caso da unidade 10 – Cem anos de
Solidão. Esses recursos são importantes e podem auxiliar
o aluno na resolução das atividades propostas.
CONCLUSÃO
Embora o livro Espanhol Expansión apresente de
forma bastante coerente o ordenamento de suas
atividades, sempre partindo do mais simples para o mais
complexo ou procurando mesclar os dois, observamos, a
partir da análise das atividades, que o material peca por
não diversificar os modelos de atividades propostas.
Como já mencionamos anteriormente, a maioria das
questões exige que o aluno apenas localize o ponto
específico solicitado e transcreva a passagem do texto
onde se encontram a respostas. Além de ser
desestimulante, esse formato não requer que o aluno use
e desenvolva outras estratégias de leitura a fim de tornarse um leitor mais proficiente.
Tendo em vista o caráter breve desse estudo,
optamos por encerrar nesse ponto nossas considerações,
não sem antes propor sugestões para se trabalhar de
175
maneira mais profunda os textos a fim de desenvolver a
habilidade de compreensão leitora dos alunos.
Logo abaixo listamos algumas propostas:
 Antes de ler o texto fazer predições sobre o seu
conteúdo a partir do título e das imagens.
 Estimular os alunos a expressarem verbalmente o
seu conhecimento prévio sobre o tema do texto.
 Criar outras perguntas sobre o texto lido na
unidade que exijam o uso de outras estratégias de
leitura.
 Após a resolução das atividades de leitura
propostas solicitar que os alunos façam um outro
tipo de atividade com o mesmo texto como por
exemplo:
- inventar um princípio
- inventar um final
- introduzir um personagem e reescrever o texto
- criar um texto similar, trabalhando o estilo o formato
BIBLIOGRAFIA
GELABERT, Maria José, BUESO, Isabel e BENÍTEZ,
Pedro. Producción de materiales para la enseñanza de
español. Madrid: Arco Libros S. L., 2002.
GOODMAN, Kenneth S. O processo de leitura:
considerações a respeito das línguas e do
desenvolvimento. In: FERREIRO, Emilia e PALACIO,
Margarita Gomes. Os processos de leitura e escrita. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1987.
176
LEFFA, Vilson J. Como produzir materiais para o
ensino de línguas. In: LEFFA, Vilson J. (org.) Produção
de materiais de ensino: teoria e prática. Pelotas: Educat,
20003.
MELO, Wellington de. Conceitos básicos de linguística.
2009. Disponível em
<http://wellingtondemelo.com.br/site/2009/02/conceitosbasicos-de-linguistica/>. Acesso em 06/07/09
ROMANOS, Henrique & CARVALHO, Jacira Paes.
Espanhol expansión. Volume único. São Paulo: FTD,
2004.
177
CRENÇAS SOBRE O USO DO TEXTO
LITERÁRIO NAS AULAS DE ESPANHOL NO
ENSINO MÉDIO
SILVA, Girlene Moreira da
Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN
ARAGÃO, Cleudene de Oliveira
Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada
(PosLA) - UECE
RESUMO: Conscientes da realidade do ensino público
do nosso Estado, principalmente com relação à reduzida
carga horária destinada ao ensino da língua estrangeira,
sabemos que dificilmente o professor conseguirá ensinar
as quatro habilidades comunicativas aos seus alunos.
Entretanto, defendemos a viabilidade de desenvolver,
pelo menos, a competência leitora dos alunos nesse
contexto de ensino, seguindo as orientações dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e, para isso, o
texto literário (TL) entra como forte aliado, uma vez que
entre tantos suportes de ensino, a literatura se destaca,
principalmente, por seu valor autêntico, cultural,
pragmático e sociolinguístico, sendo um veículo de
divulgação e transmissão da história e dos valores
culturais da sociedade. Nossa pesquisa objetivou
investigar as crenças de um professor sobre o uso ou não
do TL como ferramenta para o ensino/aprendizagem de
Espanhol no Ensino Médio de uma Escola Pública de
Fortaleza e a relação entre suas crenças e sua prática
docente. Durante a coleta de dados, aplicamos
questionário e observamos dois dias de aulas do
178
professor em cada série do Ensino Médio. Os resultados
obtidos, após coleta e análise dos dados, nos mostraram
que nem sempre o que o professor diz, conforme suas
crenças, está de acordo com o que ele faz. Concluímos
que as possíveis origens dessas crenças estão,
principalmente, ligadas a três fatores: (1) Crença sobre
como ensinar, que muitas vezes está ligada à abordagem
apenas gramatical do conteúdo; (2) Formação Inicial, que
não a preparou para o uso do TL na aula de língua
estrangeira, gerando a falta do conhecimento para utilizálo como recurso para uma aula de língua e, por fim (3) a
extensa carga horária da professora, que pode ser um dos
principais fatores para a falta de planejamento de aulas e,
com isso, a não utilização do TL nas aulas de E/LE.
Palavras-chave: Crenças. Texto literário. Ensino de
Espanhol.
INTRODUÇÃO
Esse artigo é parte de uma pesquisa, ainda em
andamento, desenvolvida no Programa de Pós-graduação
em Lingüística Aplicada da Universidade Estadual do
Ceará (UECE) intitulada, atualmente, como “O uso do
texto literário nas aulas de Espanhol no ensino médio de
Escolas Públicas de Fortaleza: relação entre as crenças e
a prática docente de egressos da UECE”, que está sendo
realizada com professores, egressos da UECE, de
Espanhol como língua estrangeira (E/LE) do ensino
médio de escolas públicas em Fortaleza.
Conscientes da realidade do ensino público do
nosso Estado, principalmente com relação à reduzida
179
carga horária destinada ao ensino da língua estrangeira,
sabemos que dificilmente o professor conseguirá ensinar
as quatro habilidades comunicativas aos seus alunos.
Entretanto, defendemos a viabilidade de desenvolver,
pelo menos, a competência leitora dos alunos nesse
contexto de ensino, seguindo as orientações dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que defendem
a priorização do trabalho com a competência leitora
afirmando que: “O foco na leitura pode ser justificado
pela função social das línguas estrangeiras no país e
também pelos objetivos realizáveis tendo em vista as
condições existentes.” (PCN, 1998, p.21). E para isso, o
texto literário entra como forte aliado, uma vez que entre
tantos suportes de ensino, a literatura se destaca,
principalmente, por seu valor autêntico, cultural,
pragmático e sociolinguístico, sendo um veículo de
divulgação e transmissão da história e dos valores
culturais da sociedade.
Nossa pesquisa objetivou investigar as crenças de
um professor sobre o uso ou não do TL como ferramenta
para o ensino/aprendizagem de Espanhol no Ensino
Médio de uma Escola Pública de Fortaleza e a relação
entre suas crenças e sua prática docente. Com este
estudo-piloto, pretendemos não só investigar se o egresso
formado pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)
sabe ou não utilizar o TL nas suas aulas de Espanhol
como língua estrangeira (E/LE), mas também identificar
alguns fatores que contribuem nesse processo.
1. A IMPORTÂNCIA DO USO DO TEXTO
LITERÁRIO NO ENSINO DE E/LE
180
Os textos literários oferecem inúmeras
possibilidades de serem trabalhados, variando de acordo
com o objetivo e a formação que pretendemos alcançar.
Nos próprios PCN voltados para o Ensino Médio (2000,
p.8), há o reconhecimento da importância do estudo dos
gêneros discursivos e dos modos como se articulam, uma
vez que proporcionam uma visão ampla das
possibilidades de usos da linguagem, incluindo-se aí o
texto literário.
Widdowson (1984) defende a eficácia do uso de
textos literários nas aulas de língua estrangeira,
afirmando que o professor não deve dar, diretamente, a
sua interpretação do texto. Ao contrário, deve estimular o
aluno para que ele mesmo interprete-o. Segundo
Mendoza (2007, p.68), quando utilizado na sala de aula,
o texto literário é um material selecionado para que o
aprendiz observe, infira e sistematize diferentes
referências normativas, pragmáticas, modalidades
discursivas, além dos recursos poéticos.
Segundo Zilberman (2008), a literatura provoca
um efeito duplo no leitor, uma vez que além de acionar a
sua fantasia, suscita também um posicionamento
intelectual do leitor, já que o mundo representado no
texto, mesmo que seja afastado no tempo ou diferenciado
como um invenção, leva-o a refletir sobre sua rotina e a
incorporar novas experiências.
Hoje, com o ensino de língua estrangeira em crise
nas escolas, a literatura aparece como uma necessidade
básica para o estudante, auxiliando-o no processo de
aquisição da nova língua estudada. Segundo Mendoza
(2007), atualmente, a presença da literatura no ensino de
LE já não é uma questão de prestígio, mas sim de
181
funcionalidade para a aprendizagem. Trata-se de
apresentar o texto literário como recurso didático de
grande função formativa, servindo de apoio para
atividades específicas de aprendizagem, dentro ou fora da
sala de aula.
Quando aparece na sala de aula de língua
estrangeira, ainda segundo Mendoza (2007), o texto
literário é um material autêntico que, selecionado
segundo os objetivos concretos de aprendizagem, traz
diferentes tipos de input, sobretudo linguístico, para a
aprendizagem. A escolha de textos autênticos para a
atividade de ensino de leitura é defendido por Leffa
(1988) que diz que o material utilizado no aprendizado da
língua estrangeira deve ser original.
É Importante ressaltarmos que tratamos TL no
nosso estudo, não como objeto de estudo, para análises
literárias, mas como recurso para formação leitora na
aula de língua estrangeira, por entendermos que o
professor pode explorar o potencial linguístico e didático
do TL, permitindo que o aluno possa interpretá-lo, de
acordo com interesses específicos, de maneira
significativa e contextualizada. No entanto, ao trabalhar a
leitura com a utilização do TL, o professor transmitirá
também algum conhecimento literário, assim como
cultural, social, etc.
Nesse sentindo, o professor tem papel essencial
no processo de aquisição da LE, uma vez que é o
responsável por não só motivar o aluno para a leitura,
bem como estimular a ativação do seu conhecimento
prévio, conforme afirma Kleiman (2004):
182
A compreensão é um processo altamente
subjetivo, pois cada leitor traz à tarefa sua
carga experiencial que determinará uma
leitura para cada leitor, num mesmo momento
e uma leitura diferente para o mesmo leitor,
em momentos diversos. Como podemos
unificar e homogeneizar aquilo que é por
natureza heterogêneo, idiossincrático? Não
podemos, é claro. Mas ensinar a ler com
compreensão não implica impor uma leitura
única, a do professor ou especialista, como a
leitura do texto. Ensinar a ler é criar uma
atitude de expectativa prévia com relação ao
conteúdo
referencial
do
texto
(...)
(KLEIMAN, 2004, p.151)
Entretanto, o que observamos, em estudo
preliminar, é que em muitos contextos de
ensino/aprendizagem de línguas, principalmente nas
Escolas Públicas, a criatividade dos alunos não é
estimulada o suficiente. Segundo Duff e Maley (2003), as
atividades desenvolvidas pelos professores para o uso do
TL, devem apresentar oportunidades para que os alunos
contribuam com suas próprias experiências, percepções e
opiniões, ou seja, que desperte o conhecimento prévio do
aluno, uma vez que a própria natureza do texto literário já
permite que o aluno traga as suas experiências para a
leitura.
183
2. O ESTUDO DAS CRENÇAS
Atualmente, cresce o número de pesquisas sobre o
estudo de crenças e isso se deve, principalmente, a sua
relevância na hora de analisar as ações do professor, bem
como sua formação, pois durante a sua formação, suas
crenças podem ser reafirmadas ou desmistificadas. Essas
atitudes e crenças do professor também refletem no
aluno, que vai construindo suas próprias concepções e
estratégias durante o aprendizado.
Várias são as definições surgidas a respeito do
termo crenças. Barcelos (2001, p. 71) reflete que a
complexidade dessa área se deve à existência de
diferentes termos usados para se referir às crenças.
Quando falamos de crenças no contexto de ensino e de
aprendizagem de línguas, consideramos que a definição
utilizada pela autora, nos parece a mais pertinente quando
afirma que crenças “podem ser definidas como opiniões e
ideias que os alunos e professores têm a respeito dos
processos de ensino e aprendizagem de línguas”
(BARCELOS, 2001, p.72).
Destacamos, ainda, a importância das crenças na
formação do professor, uma vez que podem funcionar
como forças operantes na forma de ensinar do professor
de LE, conforme proposto por Almeida Filho (1993).
Embora não haja um único conceito para crença, a
maioria dos autores concorda em que “as crenças dos
professores são convicções a respeito dos assuntos que
estão relacionados ao processo de ensino/aprendizagem”
(ALVAREZ, 2007). Com isso, as crenças interferem, de
uma maneira geral, nas ações dos professores e na sua
184
metodologia utilizada na sala de aula, conforme afirma
MENDOZA (1998) sobre o professor de línguas:
A concepção linguística que o professor
possui determina a sua abordagem e a sua
metodologia, o que se entende por língua
depende, obviamente, das teorias linguísticas,
já que cada teoria linguística pode ser
considerada como um sistema de suposições
sobre a forma das línguas. (MENDOZA,
1998, p.243)
A competência docente refere-se ao conjunto de
conhecimentos, habilidades e comportamentos que
parecem motivar um melhor rendimento dos alunos. É
difícil identificar os traços ou qualidades específicos que
envolvem essa competência. A competência profissional
do professor é determinada pela formação específica
recebida e pela forma como ela foi assimilada e fixada
segundo a própria capacidade de autoformação (crenças).
É evidente que, acima de outros fatores tais como as
abordagens metodológicas, os recursos, os materiais e,
até mesmo, o contexto escolar, a atividade do professor é
fundamental para o sucesso ou fracasso da aprendizagem.
(MENDOZA, 1998, p. 241)
No entanto, apesar do grande avanço nas
pesquisas sobre crenças, pouco se explorou sobre a
crença dos professores com relação ao uso do TL nas
aulas de E/LE e com isso justificamos, em parte, a
relevância dessa pesquisa. Esperamos que após as
observações das aulas e respostas do questionário pelo
professor de espanhol, egresso da UECE, possamos
185
descobrir quais as crenças e diretrizes que o norteiam e o
conduz durante o uso do TL nas suas aulas e, com isso,
despertar o olhar reflexivo desse professor para sua
própria prática.
Barcelos (2004) justifica a importância de se
estudar crenças pela forte influência que ela exerce na
formação de professores. Como “as crenças podem atuar
como lentes através das quais os alunos interpretam
as
novas informações
recebidas
durante
sua
formação”, os professores precisam conhecer e refletir
sobre suas próprias crenças, sejam elas positivas ou
negativas, e suas ações em sala de aula, para, com isso,
influenciar positivamente os seus alunos, e também tentar
promover a aprendizagem da língua estrangeira da
melhor forma possível.
Pretendemos, portanto, nesta pesquisa, verificar
se egressos do curso de letras da Universidade Estadual
do Ceará (UECE) conseguem fazer uso do TL como
ferramenta para o ensino/aprendizagem nas aulas de
E/LE, considerando que “o que fazer com ou do texto
literário em sala de aula funda-se, ou devia fundar-se, em
uma concepção de literatura muitas vezes deixada de
lado em discussões pedagógicas” (LAJOLO, 2002, p.11).
3. A PESQUISA
O Estudo piloto foi realizado em uma escola
pública estadual de Fortaleza que oferece 2h/a (de 50
minutos cada) de espanhol por semana em todas as séries
do ensino médio. Antes da realização das observações,
fizemos uma visita à escola para pedirmos autorização à
direção, à coordenação e à professora para coletar os
186
dados e, ainda, conhecer os alunos antes das observações,
visando o mínimo de interferências no cotidiano deles
durante esse período.
Para a professora, resolvemos aplicar o
questionário somente depois das observações, bem como
não detalhar muito a pesquisa, para não sugestioná-la a
agir de acordo com o objetivo do estudo. Foi explicado a
ela somente de qual mestrado fazia parte, quem era a
minha orientadora e que eu estava tentando realizar um
estudo com os professores de espanhol egressos da
UECE.
Depois disso, combinamos dois dias de
observação das 12 h/a e informei-lhe que ao final pedirlhe-ia que respondesse a um questionário e me
apresentasse considerações ou dúvidas sobre as questões
presentes no instrumento. O questionário do professor era
composto por trinta e oito questões divididas em seis
blocos: dados pessoais, formação acadêmica, experiência
docente em escola pública, experiência leitora, texto
literário e ensino de línguas e, por fim, uso do texto
literário no ensino de espanhol.
Após as observações de aulas e de acordo com as
respostas da professora, percebemos que, conforme
exposto no Quadro 1, a seguir, o que a professora diz,
conforme suas crenças, nem sempre está de acordo com o
que ela faz. Nesse quadro, fizemos uma separação entre
as questões referentes às crenças e à prática docente
respondidas no questionário (o que a professora diz) e de
acordo com as observações (o que a professora faz),
apresentamos as possíveis origens dessas crenças,
detalhando-as em seguida.
187
Informamos, ainda, que esse quadro faz parte dos
instrumentos da nossa pesquisa com o nome de “Tabela
sobre a relação entre crenças e prática docente e suas
possíveis origens” e foi adaptado de (NONEMACHER,
2004).
Diz Faz Possíveis origens
CRENÇAS:
1. Sente-se preparado
para utilizar o texto
literário no ensino de
E/LE
x
2. O TL pode ser usado
em aula exclusivamente
de leitura
x
3. O TL é um importante
recurso para as aulas de
gramática
x
4. Para se aprender a ler
em LE, é necessário
desenvolver as
habilidades de leitura
x
5. Sempre utiliza algum
texto literário nas suas
aulas de espanhol
x
Formação Inicial
Crença sobre como
ensinar
Crença sobre como
ensinar
Formação Inicial /
Falta de
conhecimento
Formação Inicial /
Falta de
conhecimento
PRÁTICA DOCENTE:
O material adotado
6. Utiliza o texto literário
nos 1º e 2º anos
em todas as séries do
não contém texto
Ensino Médio
x
literário
188
7. Não pede opinião dos
alunos na hora de
escolher o texto literário
8. Quando leva um texto
para a aula, realiza
atividades relacionadas
com:
a) temas gramaticais
b) discussão sobre o tema
central do texto
c) comentários gerais
sobre o autor e a obra
d) Resumo das ideias
principais do texto
e) Trabalho com os
significados de todas as
palavras desconhecidas
9. Finalidade do uso do
texto literário nas aulas de
E/LE
a) desenvolver produção
escrita
b) desenvolver
compreensão leitora
c) exercitar ponto
gramatical
d) ampliar conhecimento
lexical
e) dar acesso a conteúdos
culturais
x
x
Extensa carga
horária diária
x
Crença sobre como
ensinar
Crença sobre como
ensinar
Crença sobre como
ensinar
Crença sobre como
ensinar
x
Crença sobre como
ensinar
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Crença sobre como
ensinar
Crença sobre como
ensinar
Crença sobre como
ensinar
Crença sobre como
ensinar
Crença sobre como
ensinar
189
10. Ensina o que são as
estratégias de leitura
x
Formação Inicial /
Falta de
conhecimento
Após a visualização do Quadro 1, concluímos que
as possíveis origens das crenças da professora estão,
principalmente, ligadas a três fatores: (1) abordagem de
ensinar, que muitas vezes está ligada à abordagem apenas
gramatical do conteúdo; (2) Formação Acadêmica, que
não a preparou para o uso do TL na aula de língua
estrangeira, gerando a falta do conhecimento para utilizálo como recurso para uma aula de língua e, por fim (3) a
extensa carga horária da professora, que pode ser um dos
principais fatores para a falta de planejamento de aulas e
autoreciclagem teórico e prática do professor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos,
através
dessas
observações
preliminares, que identificar e entender as crenças dos
professores é um trabalho complexo, uma vez que cada
um constrói suas crenças de maneira única. No entanto, é
necessário conhecê-las, pois algumas dessas crenças
podem ser prejudiciais ao processo de ensinoaprendizagem de uma língua estrangeira.
Acreditamos que muitos desses egressos, quando
se formam, perdem o contato com a universidade e, com
isso, esses professores não encontram oportunidades para
refletirem sobre o que fazem dentro das suas salas de
aula e, em função de vários fatores, precisam geralmente
ocupar grande parte do seu tempo com uma carga horária
exaustiva, entram no automatismo, investem pouco no
190
autodesenvolvimento e deixam de identificar o que é
melhor ou pior dentro das suas próprias ações. Nesse
contexto, os professores, mesmo dispondo dos
instrumentos, não atuam como investigadores de suas
próprias aulas.
O estudo piloto nos mostrou, também, a
relevância e a necessidade da realização dessa pesquisa
para apresentar, inclusive, a alguns professores, a falta de
coerência entre suas crenças e sua prática com relação ao
uso do texto literário como recurso para o ensino de
línguas e para outros, o quanto o TL poderá ajudá-lo na
aula de E/LE no contexto do ensino médio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA FILHO, J.C.P. O ensino de línguas no
Brasil de 1978. E agora? In: Revista Brasileira de
Lingüística Aplicada, vol. 1, n. 1. Belo Horizonte: FALE,
2001. p. 15-29.
ALVAREZ, M.L.O. “Crenças, motivações e expectativas
de alunos de um curso de formação Letras/Espanhol.” in
ALVAREZ, M. L. O.; SILVA, K.A.(orgs.). Linguística
Aplicada:múltiplos olhares.Campinas: Pontes Editores,
2007. pp.191-231.
BARCELOS, Ana Maria Ferreira. Crenças sobre a
aprendizagem de línguas, Lingüística Aplicada e ensino
de línguas. Linguagem e Ensino, v.7, n.1, 2004. pp. 23156.
191
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN Ensino Médio. Parte II:
Linguagens, códigos e suas tecnologias; Brasília, DF:
MEC/SEMTEC, 2000.
DUFF, A & MALEY, A. Literature. Resource books
for teachers. Oxford University Press, 2003.
KLEIMAN, A. Leitura: ensino e pesquisa. 2ª. Ed.
Campinas, SP: Pontes, 2004.
LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do
mundo. São Paulo: Ática, 2002.
LEFFA, V. J. Metodologia do ensino de línguas. In
BOHN, H. I.; VANDRESEN, P. Tópicos em linguística
aplicada: O ensino de línguas estrangeiras.
Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988. p. 211-236.
MENDOZA, Antonio Fillola. Materiales literarios en el
aprendizaje de lengua extranjera. In Cuadernos de
Educación 55. Barcelona: Horsori Editorial, S.L., 2007.
_____. Marco para una Didáctica de la lengua y la
literatura en la formación de profesores. In Didáctica
(Lengua y Literatura), nº 10. Madrid: Universidad
Complutense de Madrid. pp. 233-270, 1998.
NONEMACHER, T. M. Formação de professores de
espanhol como língua estrangeira. In ROTTAVA,
Lucia; LIMA, Maria dos Santos. (orgs.) Linguística
192
aplicada – Relacionando teoria e prática no ensino de
línguas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. pp. 75-109.
WIDDOWSON, H. G. Explorations in applied
linguistics 2. Oxford: Oxford University Press, 1984.
ZILBERMAN, R. Sim, a literatura educa. In:
ZILBERMAN, R.; SILVA, E.T. Literatura e
pedagogia: ponto & contraponto. 2 ª ed. São Paulo:
Global, 2008. p. 17-24.
193
ERA UMA VEZ... MALAS QUE CONTAM
HISTÓRIAS. A LÍNGUA DE SINAIS NA
CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS EM RELAÇÃO
AO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM.
VIANA, Flávia Roldan
FGF- Faculdade Integrada da Grande Fortaleza
RESUMO: Introdução: Considerando ser possível
promover o processo educativo do desenvolvimento da
linguagem para crianças surdas, sob uma perspectiva
bilíngue, permeada pela língua de sinais, como primeira
língua, e a língua portuguesa, como segunda língua, o
relato de histórias e a produção de literatura infantil em
sinais se tornam recursos importantes para serem usados
em sala de aula. Objetivo: Contribuir para que o
processo de desenvolvimento de linguagem se dê de
forma global, respeitando a diferença lingüística e
sociocultural das crianças surdas. Metodologia: O
método utilizado foi à pesquisa exploratória, um trabalho
preliminar com crianças surdas em acompanhamento
fonoaudiológico no CAS, com o propósito de diversificar
e familiarizar as crianças dentro da literatura infantil.
Resultados: As crianças tornaram-se mais curiosas e
reflexivas sobre seus pensamentos, palavras e ações antes
não exploradas. Nas últimas sessões da pesquisa,
observou-se um amadurecimento na sua capacidade
lógica cognitiva, dotado de considerável progresso.
Conclusão: Os resultados são satisfatórios, porque houve
progressão na compreensão das histórias, criatividade,
raciocínio, motivação e educabilidade, em que a
194
ludicidade da exploração do desenvolvimento da
linguagem, caracterizam a aprendizagem, e contribui
assim, para a remoção de barreiras lingüísticas que são
tão arraigadas. As crianças podem estabelecer relações,
amadurecer sua capacidade lógica cognitiva para
aprender uma segunda língua e a organizar seu
pensamento, além de aprenderem a encontrar significado
em sinalizar, falar, ler e escrever. Somente assim, haverá
uma transformação no ensino e na aprendizagem, em que
a linguagem é o principal instrumento de intermediação
do conhecimento com vistas ao desenvolvimento do
pensamento abstrato.
Palavras chave: Surdez, Linguagem, Lúdico
INTRODUÇÃO
As políticas educacionais no Brasil, ao longo do
tempo cristalizaram uma concepção de direitos à
educação bastante limitada. O acesso desigual da
população a esses serviços tem origem na desigualdade
da distribuição de renda e na tendência neoliberal que
reforça estigmas e concepções errôneas a respeito da
surdez e dos surdos (MAGALHÃES, 2002; MACHADO,
2008).
A educação formal é hoje como instrumento
importante para a emancipação política, social e
econômica da sociedade. É com a educação, sob o ponto
de vista do crescimento econômico, que os indivíduos
tornam-se capazes de enfrentar a competitividade do
mercado de trabalho formando o chamado capital
humano. Durante todo o processo histórico educacional
195
percebe-se que a política educacional proposta pelo
Estado “não se limita apenas ao âmbito das escolas, mas
está difusa por todos os lugares, envolvendo as pessoas e
os grupos sociais de maneira global” (GARCIA, 1979, p.
94).
Porém, apesar de todas as mudanças positivas em
relação às políticas educacionais, que a partir da década
de 60 configuraram um novo quadro para a educação, no
qual ficou estabelecida a fixação da escolaridade básica
para todos, incluindo as pessoas com necessidades
educativas especiais, o que se observa hodiernamente é
que a situação educacional brasileira que se vive é algo
distante da realidade, um investimento a longo prazo,
tendo em vista a ocorrência da inclusão de maneira
inflexível, sem buscar compreender e respeitar as
necessidades individuais de cada criança; educadores
ainda despreparados, inseguros, e propostas políticas
generalizadas centradas no indivíduo com deficiência e
não como um sujeito que possui uma experiência, uma
língua, uma peculiaridade (MACHADO, 2008).
Conforme o pensamento de Silva (2006, p.15),
no início deste século, os debates no campo
educacional assumem os discursos da
inclusão social, colocando-se em pauta a
problematização desse tema com vistas, entre
outras coisas, a se propor uma escola que
acolha a todos em suas diferenças. A
educação, enquanto ciência precisa investigar
o significado desses discursos e suas
conseqüências no contexto educacional. Caso
contrário,
interpretações
tendenciosas
196
poderão apagar a luta histórica de vários
grupos sociais que vêm resistindo à
subserviência ideológica de dominação.
A questão educacional dos surdos não é diferente:
a que se considerar que quando a criança apresenta uma
perda auditiva, todo o seu desenvolvimento também
sofrerá prejuízos e seu comportamento será influenciado
por esta perda, seja leve ou profunda, bem como sua
linguagem. De acordo com Góes (2000), por falta de
percepção acústica, a percepção do indivíduo surdo tende
à subjetividade, o que acarreta uma coleta maior de
dados visuais. O surdo fixa melhor os acontecimentos
que os conceitos. Há ainda que se lembrar que o jogo
vocal da criança surda é diferente, pois “é pobre,
monótono, sem harmonia e amiúde, se extingue, por falta
da denominada retroalimentação auditiva” (CANONGIA,
1981, p. 07).
Entretanto, de uma forma geral, a linguagem não
aparece e não se desenvolve da mesma forma a todas as
crianças, sejam elas ouvintes ou surdas, assim como não
ocorre exatamente na mesma época. E essa variação se
deve a fatores hereditários, condições orgânicas
individuais, influências ambientais (CANONGIA, 1981).
Dessa forma, as atividades de aquisição e
estimulação da linguagem, para crianças surdas, devem
ter o caráter lúdico, com propostas que viabilizem uma
educação bilíngue, onde as duas línguas, Libras - Língua
Brasileira de Sinais e a língua portuguesa coexistam no
espaço educacional, sem negligenciarmos os aspectos
sócio-políticos, culturais, psicológicos, lingüísticos e
197
antropológicos que envolvem a proposta de educação
bilíngue para surdos.
Não defino a educação bilíngue para surdos
como desenvolvimento de habilidades
lingüísticas em duas ou mais línguas, como é
comum definir-se quando se fala de crianças
e adultos ouvintes... A educação bilíngue para
surdos... não deve reproduzir a idéia errada e
perigosa de que saber e/ou utilizar
corretamente a língua oficial é indispensável
para o surdo ser como os demais – ouvintes -,
como a norma – ouvinte (SKLIAR, 2001, p.
92).
1. O UNIVERSO DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS.
Contar histórias é uma arte milenar e desde a
antiguidade, desempenha papel importante nas mais
diferentes culturas; era através da contação que os
homens narravam suas viagens e caçadas, e com o passar
dos tempos foram recriando e transformando o mundo à
sua volta. Passaram a dramatizar, a colocar emoção,
vivacidade, através dos movimentos do corpo e dos
gestos; e a recorrer à imaginação e a fantasia, dando fala
aos bichos, visitando reinos distantes e mágicos, criando
seres fantásticos. O valor e encantamento provocado
pelas histórias contadas e interpretadas por contadores de
histórias alimentam o imaginário infantil e enriquece seu
mundo interior (ABRAMOVICH, 2001).
198
Ao narrar um conto se concede ao ouvinte a
possibilidade de criar o seu cenário, a sua
música, e as suas cores. O conto é mesmo
uma das formas de expressão artística mais
democráticas, pois através dele cada pessoa
constrói a sua história, de comum acordo com
os seus referenciais, e o que eles possam
significar para si (BUSATTO, 2003, p. 18).
Para a criança surda não é diferente. O universo
da contação de histórias traz imaginação, interatividade,
prazer, uma enormidade de possibilidades que se abre ao
educador para explorar a capacidade expressiva e
compreensiva do aluno surdo. “A produção de
contadores de histórias naturais, de histórias espontâneas
e de contos que passam de geração em geração são
exemplos de literatura em sinais que precisam fazer parte
do processo de alfabetização de crianças surdas”
(QUADROS, SCHMIEDT, 2004, p. 25).
Na comunidade surda o teatro, um exemplo de
forma artística de se contar histórias, faz parte das
manifestações culturais das pessoas com surdez, onde
não está presente a língua falada. O surdo, possuidor de
um código linguístico visual-espacial, que atribui às
expressões faciais um valor gramatical, a língua de
sinais, possui grande habilidade para as dramatizações,
devido à desenvoltura natural de comunicar-se com as
mãos, com o corpo e com as expressões faciais.
Mas como narrar histórias para crianças surdas?
Narrar demanda um trabalho investigativo, estudo e
muito treino. As imagens corporais são fortes aliadas na
narração de histórias para o surdo, “esta é uma das
199
características mais marcantes do conto: ter seu texto
sustentado por imagens que estimulam o imaginário, o
qual vai construindo todo um contexto, a partir das
formas, cores, sons e sensações presentes no seu corpo”
(BUSATTO, 2003, p. 55).
Porém, não é suficiente conhecer a língua de
sinais para poder atuar de forma positiva com o alunado
surdo. É preciso considerar os sinais, as histórias, os
hábitos que fazem a formação visual-espacial, tudo que
pertence à cultura surda. “O surdo tem sua própria
experiência visual, por mais distantes que os professores
estejam por serem de experiência oral-auditiva é
importante prover de sentimentos, aceitação e aos poucos
ir incorporando no seu saber viver Surdo” (VILHALVA,
2008, p. 03).
A história não é um relato, não é só mera
criação sem consequências, mas fruto de um
conjunto de saberes que faz com que ela seja
bem aceita, se perpetue, funcione como um
veículo de comunicação entre o adulto e a
criança e que causa um impacto capaz de
obter reações deste público (DOHME, 2003,
p. 28).
Sendo assim, as proposições apresentadas
instigam novos olhares diante do recurso pedagógico de
contar histórias. Pensar em diferentes formas de ensinar e
estimular a linguagem na criança surda provoca novas
concepções sobre a didática utilizada e sugere a
organização de uma metodologia visual, que tragam aos
alunos surdos concepções através da subjetividade e
200
objetividade com as “experiências visuais” (PERLIN,
2000).
2. ERA UMA VEZ... MALAS QUE CONTAM
HISTÓRIAS.
A linguagem é o principal instrumento de
intermediação do conhecimento e à medida que
correspondem ao desenvolvimento de uma linguagem
interna, as atividades de fala, escrita e leitura ganham
maior importância na escola. Porém, como ressalta
Botelho (2002), quando a metodologia de ensino é
pautada no ensino de palavras, descontextualizadas,
pensando a linguagem como um aglomerado de
vocábulos e baseadas na percepção auditiva, levando em
conta que as perdas auditivas impedem o indivíduo de
adquirir e desenvolver a sua linguagem expressiva de
uma maneira natural, as dificuldades de abstração
aparecem e estão, quase sempre, relacionadas a
experiências lingüísticas e escolares insatisfatórias. E
“quando o surdo apresenta dificuldade para ler, escrever
ou não se oraliza como o esperado, recorre-se à
explicação de concretude de seu pensamento”
(BOTELHO, 2002, p. 53).
Fundamentalmente,
meus
questionamentos
vieram de minhas experiências vividas no trabalho com
crianças surdas desde 1996, último ano do curso de
fonoaudiologia, nos campos de estágio. Como
fonoaudióloga, sempre trabalhei em núcleos de
atendimentos educacionais especializados para alunos
com necessidades educativas especiais, o que me
possibilitou análises quanto à construção do
201
conhecimento e do aprender de crianças surdas e às
implicações da utilização de modelos clínicos na
educação. Como professora, trabalho ensinando ciências
para crianças surdas do ensino fundamental II, em escola
pública especial para surdos. Esta experiência me coloca
diante dos percalços e desafios impostos a alunos e
professores e, ainda, me leva a perceber que as crianças
surdas por si só não atingirão formas bem elaboradas do
pensamento abstrato e por isso a escola deve fazer todo o
esforço para estimulá-las nessa direção, para desenvolver
nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio
desenvolvimento.
O que venho observando é que o ensino não pode
ser baseado somente no concreto, eliminando tudo o que
está associado ao pensamento abstrato, pois a
metodologia do concreto falha em ajudar crianças surdas
a superarem suas deficiências inatas, reforçando e
acostumando esses alunos apenas ao pensamento
concreto, negando qualquer pensamento abstrato que elas
possam ter.
A língua brasileira de sinais- Libras e a língua
portuguesa são as línguas que permeiam a educação de
surdos e viabilizam as condições de comunicação que
garantam, de forma consciente, a promoção do processo
educativo de crianças surdas, já que lhes dá outras
condições de pensar (QUADROS; SCHMIEDT, 2006).
Os sinais da Libras, além de imagens sensoriais,
apresentam significado cultural e se configuram como
símbolo linguístico sofisticado, assim como as palavras
faladas e escritas, que ajudam a construir o pensamento, a
abstração e outras atividades cognitivas (STROBEL,
2008).
202
“Uma outra consideração quanto à abstração
é que os símbolos se ordenam em categorias,
constituídas por suas características comuns.
E são as línguas – orais, escritas e de sinais –
sistemas lingüísticos que organizam com
sofisticação
as
várias
categorias”
(BOTELHO, 2002, p. 56).
Diante deste pressuposto,
considerando o ensino da língua portuguesa
escrita para crianças surdas, há dois recursos
muito importantes a serem usados em sala de
aula: o relato de histórias e a produção de
literatura infantil em sinais. O relato de
histórias inclui a produção espontânea das
crianças e a do professor, bem como a
produção de histórias existentes; portanto, de
literatura infantil (QUADROS; SCHMIEDT,
2006, p. 25).
Nesse contexto, um possível modo de promover o
processo educativo do desenvolvimento da linguagem
para crianças surdas, sob uma perspectiva bilíngue,
permeada pela língua de sinais, como primeira língua, e a
língua portuguesa, como segunda língua, são as malas de
contação de histórias, para que o processo de
desenvolvimento da linguagem se dê de uma forma
global, respeitando a diferença lingüística e sociocultural
das crianças surdas.
203
Para contar uma história podem-se usar
alguns recursos auxiliares que irão enriquecêla, aumentar o interesse das crianças, além de
colocá-las em contato com diversos tipos de
manifestações
artísticas,
usando
de
representação dos personagens em pequenos
teatros, como no uso de fantoches, dedoches,
marionetes ou sombras ou bonecos, como os
“bocões”, que são bonecos grandes
manuseados pelo contador ou ao contrário,
pequenos bonecos que vivem a história em
maquetes (DOHME, 2003, p. 46).
As malas de contação são direcionadas a cada
história a ser trabalhada, onde cada uma possui sua mala;
e dentro delas a criança encontra paisagens, objetos e
personagens que fazem parte da história, que vão sendo
retirados à medida que ocorre o desenrolar do conto,
ocorrendo à interação das mesmas com a história
contada. As malas trabalham com “imagens”, recursos
visuais que despertam a curiosidade e estimulam o gosto
pela leitura, associando à dimensão lúdica a dimensão
educativa. A leitura da imagem visual possibilita aos
alunos surdos um acesso compreensível à leitura e à
escrita, pois é um recurso cultural natural dentro das
comunidades surdas que, segundo Reily (2003) “permeia
todos os campos de conhecimento e que traz consigo uma
estrutura capaz de instrumentalizar o pensamento”
(LEBEDEFF, 2005, p. 135).
Segundo Hughes (1998), o letramento visual
possibilitaria diferentes funções, como, por
204
exemplo, ler imagens do entorno; ler imagens
de livros ilustrados; usar imagens como apoio
para leitura de texto simples; ler sinais,
símbolos e figuras no ambiente escolar com o
objetivo de promover a alfabetização; criar
imagens
significativas
para
registrar
compreensão de tarefas; usar figuras em
textos de não-ficção como apoio da
aprendizagem de conteúdo escolar; e
finalmente, ler a página – ou seja, diferentes
maneiras de apresentar o texto e as figuras
(apud LEBEDEF, 2005, p. 135).
Assim, diante de todas essas colocações e
experiências do exposto, podemos considerar que a
prática educativa com as malas envolve os seguintes
aspectos: desenvolver as potencialidades expressivas;
aperfeiçoar a memória e a cognição; estimular a
formação de conceitos mentais através da narração
sinalizada das histórias e da interação da criança com a
história através desse recurso. É por meio dessa interação
que a criança progressivamente descentra-se, isto é, ela
passa a desenvolver pensamento abstrato, pois o concreto
se torna meio, e não fim em si mesmo, e, gradualmente, a
desenvolver todas as nuances da linguagem.
O uso de objetos na narrativa é outro recurso
estimulante nesta abordagem de contar
histórias. Não quero dizer com isso que se
deva usar os objetos descritos pelo conto.
Você até poderá se munir de alguns objetos
comuns como caixa de fósforos, palitos, lápis
205
e borracha e fazer deles os personagens de
uma história (BUSATTO, 2003, p.77).
Mas, que história contar?! A escolha das histórias
das malas seguiu um critério que teve como propósito de
diversificar e de familiarizar as crianças dentro da
literatura infantil, onde foram contadas e trabalhadas com
elas um clássico bastante conhecido, “Chapeuzinho
Vermelho”, e outras encaradas como novidade em seu
repertório que não fazem parte dos clássicos da literatura
infantil que foram: “A casa sonolenta” de Audrey Wood
e a “A Árvore e a Aranha” de Rubens Alves. E é nesse
instigante universo da contação de histórias que busquei
favorecer e ampliar o desenvolvimento da linguagem
dessas crianças.
O momento de escolher uma história pra
contar é muito importante. Critério
indispensável é o que leva em conta a
qualidade literária (o trabalho com a
linguagem escrita) do texto que vai ser
contado. Então, abrir espaço para o lúdico,
para o humor, sem deixar de observar a força
e coerência dos personagens, atentar para a
magia e a fantasia ou o real entremeando os
diálogos fluidos e ricos. É sempre bem vinda
a sugestão poética perpassando o texto e
tocando a sensibilidade do ouvinte (SISTO,
2005, p. 22).
Durante o período de agosto a novembro de 2008,
no setor de fonoaudiologia do CAS - Centro de formação
206
de profissionais da educação e de Atendimento às
pessoas com Surdez, foi realizado o acompanhamento do
desenvolvimento da linguagem de quatro alunos surdos,
que apresentavam domínio razoável da Libras, estavam
na faixa etária de 12 a 16 anos, cursando entre o 6º e o 7º
ano do ensino fundamental II de uma escola especial.
Esses alunos foram escolhidos para participar da pesquisa
com as malas de contação por manifestarem entusiasmo
pela contação de histórias. E a partir desse interesse a
atenção voltou-se para o processo de desenvolvimento da
linguagem do alunado em questão. O foco escolhido das
relações entre a contação de histórias e o
desenvolvimento da linguagem vem suscitando
contribuições importantes no sentido de ampliar a
compreensão em relação a esse desenvolvimento em
casos de surdez.
A proposta foi tornar rica e lúdica a exploração do
desenvolvimento da linguagem, envolvendo tanto a
língua de sinais quanto a língua portuguesa, oral e
escrita; ajudando alunos surdos a estabelecer relações,
amadurecer sua capacidade lógica cognitiva para
aprender uma segunda língua e a organizar o
pensamento, onde se procurou analisar essas experiências
a partir da pesquisa-ação e de uma abordagem teórica
sócio-histórico-cultural, levando em consideração a
participação da Libras e da língua portuguesa nesses
processos, e da fundamental importância da linguagem
na construção de um ser crítico e criativo, procurando
enfocar a linguagem em situações comunicativas dentro
do contexto imaginário, como meio de favorecer as
trocas interpessoais, tendo em vista que essas possuem
papel estruturante nas interações humanas.
207
É importante ressaltar que a leitura de histórias
em língua de sinais deve ser entendida como uma das
práticas de letramento cujas atividades envolvidas são de
fundamental importância para que a criança surda tenha
acesso ao mundo letrado. A leitura e a escrita devem
estar inseridas dentro de um contexto, sendo relevantes à
vida, tendo significado e função social (LEBEDEFF,
2005).
O trabalho de Williams e McLean (1997)
mostra que crianças surdas acostumadas com
leituras de livros de história em língua de
sinais realizam comentários espontâneos e
perguntas que demonstram respostas
emocionais e intelectuais às idéias e
sentimentos expressos nos livros; por
exemplo, descrevem os sentimentos dos
personagens baseados no texto e na
ilustração, predizem futuras ações dos
personagens, explicam razões para o
comportamento e julgam as ações dos
personagens (LEBEDEFF, 2005, p. 134 135).
CONCLUSÃO
As malas de contação são uma maneira diferente
de se contar histórias, que possuem o forte elemento de
expressões e de interatividade, instigando a imaginação e
permitindo uma maior versatilidade nas histórias
contadas. Além de estimular o gosto pela leitura com as
histórias enriquecidas por essa atividade lúdica educativa,
208
as crianças que participaram tiveram a oportunidade de
desenvolver a expressividade, a criatividade, o raciocínio,
a atenção, a concentração, a linguagem escrita, a
sequência lógica.
“Atividades lúdicas educativas representam, hoje,
uma forma moderna de ensinar em sala de aula. São um
instrumento de apoio, divertido e alegre, dirigido ao
professor e, indiretamente, ao aluno” (KRAEMER, 2007,
p.13).
De fato, baseado na literatura pesquisada e na
experiência vivida com as malas, “o lúdico parece ser
esfera propícia para a compreensão sobre o papel da
língua de sinais na relação entre cognição, linguagem e
imaginação” (SILVA, 2002, p. 109).
Os resultados foram satisfatórios, porque houve
progressão na compreensão das histórias, criatividade,
raciocínio, motivação e educabilidade, em que a
ludicidade da exploração do desenvolvimento da
linguagem, caracterizou a aprendizagem, e contribuiu
assim, para a remoção de barreiras lingüísticas que são
tão arraigadas. As crianças foram capazes de estabelecer
relações, amadurecer sua capacidade lógica cognitiva
para aprender uma segunda língua e a organizar seu
pensamento, além de aprenderem a encontrar significado
em sinalizar, falar, ler e escrever. Acredito que somente
assim, com atividades comunicativas, criativas, haverá
uma transformação no ensino e na aprendizagem, em que
a linguagem é o principal instrumento de intermediação
do conhecimento com vistas ao desenvolvimento do
pensamento abstrato.
Os atuais contextos educacionais envolvendo
surdos, nos mostram claramente que a língua de sinais
209
torna significativos os conceitos antes abstratos,
proporcionando um efetivo desenvolvimento da
linguagem, para que esse se dê de forma global,
respeitando a diferença sociolingüística e sociocultural
das crianças surdas.
Com essa
visão,
entendemos que o
acompanhamento fonoaudiológico de crianças surdas
deve propor uma metodologia baseada no visual,
considerando a língua de sinais fundamental para o
desenvolvimento dessas crianças, pois imagens visuais e
aprendizagem são dois aspectos intrinsecamente
relacionados na análise da experiência da surdez. É
preciso reconhecer as peculiaridades lingüísticas do
indivíduo surdo e respeitar seus modos de construção e
apropriação da linguagem, contribuindo assim para a
remoção de barreiras comunicativas que são tão
arraigadas.
Por fim, foi possível observar que, através de
recursos visuais criativos as crianças surdas podem
estabelecer a autoconfiança em si mesma para que se
perceba
como
pessoas
inteligentes,
criativas,
participativas, capazes de superar obstáculos, tendo em
vista que as malas proporcionaram um contexto
interativo e cultural aos alunos surdos, que passaram a se
interessar pelos livros de histórias, favorecendo o
aumento de seus repertórios lingüísticos.
É, no entanto, importante avançar no sentido de
uma melhor compreensão conceitual sobre a educação de
surdos. A estratégia pedagógica, lúdica, de interação e
estimulação da linguagem que foi utilizada, se coloca
como uma alternativa e foi aqui apresentada como
constatação importante surgida ao longo do processo de
210
realização da vivência. Com esse enfoque, descobertas e
reflexões foram compartilhadas na tentativa de incentivar
outros profissionais da educação e de áreas afins, a
proporem ações similares na educação de surdos, para
aumentar o desejo de a criança aprender, criando
condições e motivos que desencadeiem tais
aprendizagens, tendo em vista que a aprendizagem é um
processo dinâmico e multidimensional, em constante
evolução e transformação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVICH,
Fanny.
Literatura
infantil:
gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 2001.
BOTELHO, Paula. Linguagem e letramento na
educação dos surdos – Ideologias e práticas
pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
BUSATTO, Cléo. Contar e encantar: Pequenos
segredos da narrativa. Petrópolis (RJ): Vozes, 2003.
CANONGIA, Marly Bezerra. Manual de terapia da
palavra. Anatomia, fisiologia, semiologia e o estudo da
articulação dos fonemas. Rio de Janeiro: Atheneu, 1981.
DOHME, Vânia. Atividades lúdicas na educação: o
caminho de tijolos amarelos do aprendizado.
Petrópolis (RJ): Vozes, 2003.
GARCIA, Fernando Coutinho. Partidos políticos e
teoria da organização. São Paulo: Cortez, 1979.
GÓES, Maria Cecília Rafael. Com quem as crianças
dialogam? In: Surdez: processos educativos e
subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000.
KRAEMER, Maria Luiza. Lendo, brincando e
aprendendo. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
211
LEBEDEFF, Tatiana Bolivar. Práticas de letramento na
pré-escola de surdos: reflexões sobre a importância de
contar histórias. In: A invenção da surdez: Cultura,
alteridade, identidade e diferença no campo da
educação. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, p. 128 –
142.
MACHADO, Paulo Cesar. A política educacional de
integração/inclusão: um olhar do egresso surdo.
Florianópolis: UFSC, 2008
MAGALHÃES, Rita de Cássia Paiva; LAGE, Ana Maria
Vieira Lage... [et all]. Reflexões sobre a diferença: uma
introdução à educação especial. Fortaleza: Edições
Demócrito Rocha, 2002.
PERLIN, Gladis Teresinha Taschetto. Identidade Surda e
Currículo. In: Surdez: Processos educativos e
subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000, p. 23-28.
QUADROS, Ronice Muller de; KARNOPP, Lodenir
Becker. Língua de Sinais Brasileira: Estudos
lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
_____; SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar
português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP,
2006.
SILVA, Daniele Nunes Henrique. Como brincam as
crianças surdas. São Paulo: Plexus Editora, 2002.
SILVA, Vilmar, Educação de Surdos: Uma releitura da
primeira escola pública para surdos em Paris e do
Congresso de Milão em 1880. Estudos surdos I.
Petrópolis (RJ): Arara Azul, 2006, p. 14 – 37.
SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de
contar histórias. 2. ed. Curitiba: Positivo, 2005.
212
SKLIAR, Carlos. (org.). Educação e ExclusãoAbordagens Sócioantropológicas em Educação
Especial. 3. ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2001.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a
cultura surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.
VILHALVA, Shirley. Pedagogia Surda. Disponível em
www.editora-arara-azul.com.br. Acessado em 10/01/09.
213
ESTUDO DA INTERAÇÃO EM BLOGS DE
ALUNOS DE LÍINGUA INGLESA
Núbia Costa de Almeida BRAGA.
Faculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF
RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise das interações de
alunos e professores em construção em blogs
educacionais criados para fins de aprendizagem de
inglês, com base na teoria de alguns estudiosos como
Vygotsky (1933), Campos (2008), Efimova e de Moor
(2005 apud Primo e Smaniotto 2005), entre outros. Nossa
pesquisa tem como objetivo principal analisar como
ocorre a interação em blogs criados para tal fim, como se
dá a aprendizagem dos alunos que interagem nesses
espaços e como o professor pode contribuir para as
interações. O trabalho apresenta a análise pormenorizada
de todos elementos principais dessas interações
selecionadas, fazendo uma analogia com as teorias que
serviram de embasamento. Os resultados dessa análise
mostraram que é primordial a presença do professor para
a promoção de uma interação colaborativa. E que apesar
das tecnologias terem avançado substancialmente, há
muitas pessoas que são consideradas excluídas
“digitalmente” e que necessitam de um auxílio para
efetuarem qualquer procedimento principalmente
interacional.
Palavras chave: Interação, blog e ensino de línguas.
214
INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste em um estudo sobre a
interação em blogs educacionais criados para fins de
aprendizagem de inglês. Para tal, inicialmente, fizemos
um levantamento bibliográfico sobre as teorias
apresentadas por alguns estudiosos como Vygotsky
(1933), Campos (2008), Braga (2007), PCNs (2006),
Primo e Smaniotto (2005), e Efimova e de Moor (2005
apud Primo e Smaniotto 2005).
Para Efimova e de Moor (2005, apud Primo e
Smaniotto, 2005) diversos fenômenos facilitam as
interações mediadas por blogs. Primeiramente, o caráter
público dos blogs e de seus escritos em posts; a
disponibilidade de diversos links para outros blogs, sites,
entre outros; a presença de janelas para comentários; e as
ferramentas de busca voltadas especificamente para
blogs.
O nosso objetivo principal é verificar a importância
da interação para o processo de ensino e aprendizagem,
principalmente a interação com os recursos da Internet,
no caso o blog, para mostrarmos que a promoção do
conhecimento é viável excepcionalmente pelas trocas
colaborativas; pelas discussões concordantes ou
discordantes, cada qual defendendo seu ponto de vista e
relatos de experiências envolvendo o conhecimento de
mundo. A interatividade é algo extremamente importante
para a aquisição do conhecimento pelo individuo.
O presente estudo justifica-se pelo fato de ser
crescente o uso de blog na Internet pelos jovens e
adolescentes e as suas possibilidades de interação. A
prática de estágio supervisionado contribuiu para que
215
assumíssemos a responsabilidade de pesquisar sobre as
novas tecnologias. Com isso, pode-se aproveitar esta
ferramenta a favor da educação para uma aprendizagem
significativa. Apesar do uso crescente do blog na
educação, muitos professores ainda estão descobrindo os
benefícios deste recurso para uma prática de interação
colaborativa e favorável para o processo de ensino e
aprendizagem. Por isso faz-se importante analisar a
interação nesta ferramenta e observarmos a eficácia de
suas possibilidades. É nesse sentido que desejamos
contribuir e esperamos que este trabalho beneficie as
áreas de ensino de línguas e as novas tecnologias na
educação.
1 - NOVAS TECNOLOGIAS E O ENSINO DE
LÍNGUAS
Um dos aspectos mais visíveis atualmente em
nossa sociedade é o crescimento das tecnologias
avivando cada vez mais a distribuição da informação e as
possibilidades de interação pelas diversas culturas.
De acordo com Chaves (1998, p. 21), tecnologia é:
Todo artefato ou técnica que o
homem inventa para estender e
aumentar seus poderes, facilitar
seu trabalho ou sua vida, ou
simplesmente lhe trazer maior
satisfação e prazer.
O crescimento das tecnologias define uma nova
época na qual a informação é expandida de forma rápida
216
e dinâmica se caracterizando pela era da informação.
Entre os recursos tecnológicos disponíveis, a televisão, o
rádio, o telefone, e mais recentemente o computador,
apresentam várias ferramentas que favorecem a
promoção de uma comunicação e interação dinâmica.
Este último está ganhando cada vez mais espaço no meio
social. De acordo com o Instituto Tamis 38 (1997), isso se
deu pelo fato de o computador ser um ótimo processador
de símbolos (tais como letras e números), elementos
essenciais para a representação da informação, além de
ter excelente memória com capacidade para armazenar
quase que infinitas informações. O computador, muitas
vezes tem substituído alguns recursos tais como, o
telefone, o rádio, o DVD, entre outros. Além disso, os
seus preços estão cada vez menores deixando de ser um
artigo de luxo, para transformar-se em um item de
consumo mais acessível às classes sociais.
Uma das ferramentas existente no computador é a
internet. De acordo com a enciclopédia livre Wikipédia 39,
a internet é um conglomerado de redes em escala
mundial de milhões de computadores interligados pelo
Protocolo de Internet que permite o acesso a informações
e todo tipo de transferência de dados. Ou seja, é uma rede
mundial que interliga ou conecta milhões de
computadores entre si. Ela proporciona notícias
importantes através de jornais que circulam no ambiente
38
O instituto Tamis é uma instituição que tem parceria com a rede
nacional de ensino e pesquisa (RNP). A RNP foi criada em 1989
pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com o objetivo de
construir uma infra-estrutura de rede com Internet nacional para a
comunidade acadêmica.
39
http://pt.wikipedia.org/wiki/Internet < acesso em 26 de março de
2009>
217
virtual, jogos, músicas, compra e venda de produtos para
consumo, acesso a contas bancárias, interação entre as
diversas culturas através de e-mails, mensagens ou salas
de bate-papo, informações através de livros, resumos,
artigos, imagens, sons, entre outros recursos.
Orientar o uso das tecnologias para o ensino de
línguas estrangeiras é algo que permeia os PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacionais) de Ensino Médio de
língua estrangeira.
De acordo com a Introdução dos PCNs (2006):
As orientações curriculares para
Línguas Estrangeiras têm como
objetivo: (...) sentimento de
inclusão frequentemente aliado ao
conhecimento
de
línguas
estrangeiras;introduzir as teorias
sobre a linguagem e as novas
tecnologia
(letramento,multiletramento,
multimodalidade, hipertexto) e
dar sugestões sobre a prática do
ensino de Línguas estrangeiras
por meio destas.
Os PCNs evidenciam que se devem explorar as
tecnologias para que se obtenham as habilidades para que
se garanta a cidadania plena, que são: o letramento, a
multimodalidade, o multiletramento.
O letramento é capacitar o aluno a se comunicar em
contextos comunicativos diferenciados onde se
constroem diversos gêneros textuais que se relacionam as
218
comunidades de fala e suas especificidades. Portanto, vai
além do conceito de alfabetizar. Já a multimodalidade
está relacionada a práticas comunicativas que se refere a
linguagens e códigos: sejam auditivos, sejam espaciais,
corporais ou visuais e que envolvam textos verbais e não
verbais.
O multiletramento surgiu como um conceito que
reúne as diversas práticas de letramento e a utilização dos
suportes tecnológicos necessários para que se construam
práticas discursivas. Ou seja, é a variedade linguística e
cultural existente entre todos. Isso inclui a variação da
escrita evidente em meio aos recursos de comunicação na
internet.
Desse modo, pode-se compreender que os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio de
conhecimentos de línguas estrangeiras fomentam o uso
das tecnologias para o reconhecimento da diversidade
cultural presente na sociedade, o aprimoramento de
práticas discursivas distintas e cada situação de uso de
linguagens.
2 - O HIPERTEXTO
Este termo foi criado em 1965 por Theodor H.
Nelson em uma comunicação apresentada à Conferência
Nacional da Association for Computing Machinery, nos
Estados Unidos. Ele afirma que hipertexto “é um sistema
de organização de dados e um modo de pensar.” 40
40
http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/H/hipertexto.htm
em 15 de Janeiro de 2009.
<acesso
219
Para Braga (2003 apud Gomes 2007, p. 26)
O hipertexto é uma modalidade
linguística que utiliza formas
alternativas de construção textual
que
buscam contornar
as
dificuldades impostas à leitura do
texto na tela e também explorar
os recursos oferecido pelo meio
digital.
De acordo com os PCNs Ensino Médio de
conhecimentos de língua estrangeiras (2006, p. 106) o
hipertexto é:
A conexão estabelecida pelos
programadores do site, ou de uma
página de um site,entre paginas
aparentemente não seqüenciais ou
não direta ou explicitamente
conectadas,sendo essa conexão
feita por meio de um link sobre o
qual se clica, levando o leitor á
nova página escolhida por ele.
Assim, o hipertexto é algo que transforma a leitura
de textos que se encontram na internet e tudo passa a ser
algo seletivo, dependendo do propósito do usuário. Com
isso, ele poderá alternar páginas na web conectadas por
links selecionados por ele.
Concordando com Xavier (2002), percebemos
nitidamente que o hipertexto é uma nova forma de
apresentar, representar, articular e trabalhar os dados
multiformes dispostos nas telas dos computadores.
220
3 - O BLOG
O uso crescente de blogs se caracteriza como algo
destacável na internet atualmente. Blog é uma abreviação
da palavra inglesa weblog, que pode ser traduzida como
“diário na rede”. De acordo com Komesu (2004) os blogs
surgiram em 1999 com a utilização do software Blogger,
da empresa do norte-americano Evan Williams. O
software foi criado como uma opção a mais para a
publicação de textos online. Eles se caracterizam pela
simplicidade na edição, atualização e manutenção diária
dos textos na rede. Estas qualidades fazem desta
ferramenta algo muito utilizado na internet, pois qualquer
pessoa pode construí-lo e evidenciá-lo de acordo com
seus objetivos e necessidades não sendo imprescindível o
conhecimento aprofundado em informática e nem de um
especialista na área. Além disso, pode-se inserir os mais
distintos textos e animações com vídeos, imagens,
figuras, fotos, músicas, etc.
4 - A INTERAÇÃO
POSSIBILIDADES.
NO
BLOG
E
SUAS
Com o surgimento das novas tecnologias, novos
recursos midiáticos emergiram e conseqüentemente
novas formas de interação que envolvem uma
diversidade de gêneros textuais, tais como:
o chat, o e-mail, os fóruns de discussão, o blog, que é
objeto de estudo deste trabalho, entre outros. A interação
através da internet salienta muitos desafios aos
professores e estudantes para sua construção e
administração contínua, já que se tratam de novos
221
gêneros praticados na atualidade, e que ainda não são
totalmente compartilhados pelos membros da sociedade.
Campos (2008, p. 93) define interação como:
Um processo em que os
participantes alternam seus papéis,
sendo, em um determinado
momento, destinadores e em
outros, destinatários.
A interação pode ser síncrona ou assíncrona. A
interação síncrona acontece quando é possível o encontro
dos interagentes, de modo face a face, ou pelo telefone,
ou seja, no mesmo tempo. A interação assíncrona
acontece por meio de textos, principalmente, quando os
interagentes não se encontram no mesmo tempo, como o
autor ou leitor.
Do ponto de vista da aprendizagem, acreditamos
que é na interação colaborativa que a aprendizagem se
realiza, ou seja, é interagindo com o professor, com os
colegas ou com os materiais, que os alunos podem
aprender.
Segundo Vygotsky (1987, p. 17, apud Mantovani,
2006, p.333) “a colaboração entre pares ajuda a
desenvolver estratégias e habilidades gerais de solução de
problemas pelo processo cognitivo implícito na interação
e na comunicação”. Conforme o estudioso, o uso da
linguagem é primordial na organização do pensamento,
fazendo-se importante para demonstrar o conhecimento
interno do indivíduo e para se tentar compreender o
pensamento de todos os envolvidos no processo de
interação.
222
Partindo desses conceitos e transferindo-os para
espaços virtuais como o blog, compreende-se
visivelmente o papel de destaque da interação.
As interações realizadas em blogs se caracterizam
essencialmente pela centralidade da escrita de forma
assíncrona, ou seja, os participantes do espaço acessam
este recurso em momentos distintos. O blog se
caracteriza por ser um tipo de publicação online e tem
como base as anotações e comentários através de
determinados caminhos percorridos pelos espaços
virtuais.
Com base no estudo empírico de uma conversação
realizado por Efimova e de Moor (2005, apud Primo e
Smaniotto, 2005) salientamos que eles encontraram três
fenômenos que caracterizam a conversação dentro do
blog, tais como: linkagem como cola conversacional,
conversações tangenciais e conversação com o self e
conversação com os outros.
O primeiro fenômeno faz referência a utilização de
links, trackbacks e notificações que conectam os blogs
entre si por meio da difusão da conversação. Para estes
estudiosos esse exercício atua com uma cola que une a
conversação. O segundo fenômeno salientado pelos
autores evidencia a capacidades dos blogs em
proporcionar conversações tangenciais, ou seja, além das
interações realizadas entre blogs, existem outras
conversações “locais”, por meio dos comentários unidos
a post. o terceiro fenômeno é que o blog além de ser um
espaço para interação com o outro, possibilita
conversação com o self, ou seja, consigo mesmo, que se
caracteriza pela exposição do pensamento pessoal sobre
223
um determinado assunto, sem requerer resposta ou reação
de outros interagentes.
5 - O BLOG COMO UM GÊNERO TEXTUAL.
O Blog representa a transformação dos diários
tradicionais e trazem consigo diversas características
destes, porém com inovações. O blog e os diários têm em
comum a inserção de figuras, desenhos e imagens, porém
com funções distintas como afirma Heine (2005). Ela diz
que nos diários comuns, as imagens têm como objetivo
primordial “enfeitar” o texto, tornando o ambiente mais
agradável para o seu autor. Já nos diários virtuais, a
presença de imagens tem como função representar
principalmente emoções e sentimentos.
Já para Komesu (2004, p.112):
A aproximação dos blogs ao
gênero dos diários pode ser
justificada pela projeção de uma
imagem estereotipada daquele
que se ocupa de escritos pessoais.
Quem escreve sobre si, para
narrar acontecimentos íntimos,
insere-se na prática diarista. O
aparecimento dos blogs é ainda
bastante recente; como atividade
humana, apóia-se em gêneros
“relativamente
estáveis”,
já
consagrados,
para
sua
composição. Pode-se, assim,
224
identificar traços do gênero diário
na constituição dos blogs.
Segundo a autora o blog reflete o diário tradicional
pelo seu caráter intimista e cotidiano, já que sua
formação consiste na inserção diária de conteúdos a
serem visualizados pelos “blogueiros”, como ocorre do
diário tradicional, assim, o que difere então o diário
tradicional do blog é que no diário tradicional, o autor
não revela seus escritos para as outras pessoas lerem e no
blog, o autor escreve com o objetivo de que os seus
amigos, conhecidos ou mesmo desconhecidos visualizem
e interajam também.
6 – ANALISE DOS DADOS.
Blog do grupo 4 - http://kidsfgf.blogspot.com
Texto 1 - The Simpsons
The Simpsons is an American animated sitcom created
by Matt Groening for the Fox Broadcasting Company.
The series is a satirical parody of a middle class
American lifestyle epitomized by its eponymous family,
which consists of Homer, Marge, Bart, Lisa, and Maggie.
The show is set in the fictional town of Springfield, and
lampoons American culture, society and television, and
many
aspects
of
the
human
condition.
what do you think about Simpsons's family?
Aluno 4E disse...
Esta postagem foi removida pelo autor.
Aluno 4I disse...
225
I think they so cool. They are so funny. I watch them
every days of week!
Aluno 4K disse...
The Simpsons is a family so diferent. In my opium, it
isn´t good to all family.
Aluno 4H disse...
I think it's more or less the reality of being displayed in a
family and fun, which for most problems that have
always united.
P1 disse...
The simpsons family is different and interesting,because
they portray the day-to-day life of a typical American
family.
P1 disse...
Aluno 4I and Aluno 4K do you think the simpsons can be
compared with the Brazilian families?
Aluno 4I disse...
There are many things happens to some families. So, I
think can be compared with heppening of day after day.
But there are things can't be compared the real life.
Example: I can go in a friend's house and his house be
destroied by a missile. This is impossible. But this is the
context of Simpsons. Things impossibles to happen and
happens.
Aluno 4K
I have a position above The Simpsons...
This is a bad cartun, because show a family deregulate.
In Brazil, many familys are as The Simpsons.
Aluno 4L disse...
I think the Simpsons family very crazy.
Aluno 4L disse...
226
P1, what do you think about the role of Homer Simpson
as a representative of the family simpsons?
P1 disse...
Esta postagem foi removida pelo autor.
P1 disse...
This is a good question aluno 4L !
Well, I think the Homer simpson isn’t good
representative of the family. First, because he commit
many mistakes in their work, this leaves the city in
danger because he is inspector at the Springfield Nuclear
Power Plant. I think the Homer simpson is crude,
incompetent,clumsy, and lazy. At home, he is the boorish
father. I think too, that he has little intelligence, and he is
always in trouble. But with all these faults, he is a funny
man.
P1disse...
The Simpsons site:
http://www.thesimpsons.com/bios/bios_family_homer.ht
m
aluno 4L, this site shows all the Simpsons characters, It's
very good and it's all in English.
P1 disse...
I agree aluno 4K,many brazilian families are similar to
the simpsons !!!!
Este blog é o exemplo eficaz de interação
colaborativa entre pares. Os alunos 4I, 4K e 4H
responderam coerentemente a pergunta que estava abaixo
do texto, demonstrando o que pensam sobre o assunto. A
P1 também apresenta a sua resposta sobre a pergunta do
texto “The simpsons family is different and
interesting,because they portray the day-to-day life of a
227
typical American family.” Estes comentários
são
exemplos de conversação com o outro, no caso, com
grupo que postou o texto. Posteriormente a P1 lança uma
pergunta para os alunos 4I e 4K com o intuito de fazê-los
refletir não somente sobre a proposta do texto, mas
também refletir sobre o seu processo de aprendizagem
envolvendo o conhecimento de mundo.“Aluno 4I and
Aluno 4K do you think the simpsons can be compared
with the Brazilian families?”. Os dois alunos 4I e 4K
responderam a pergunta de acordo com seus
conhecimentos e conceitos sobre o assunto.
Em seguida, o aluno 4L também apresenta sua
opinião sobre o tema “I think the Simpsons family very
crazy.”, além disso, em outro post, ele faz uma pergunta
para a P1 “P1, what do you think about the role of
Homer Simpson as a representative of the family
simpsons?”. Ao elaborar uma pergunta para a P1, o aluno
4L tentou manter uma dialogicidade e uma aproximação,
assim podemos inferir que ele se mostrou empenhado em
manter um vínculo com a P1. Em devolutiva, a P1 elogia
a pergunta desse aluno seguido de sua resposta “This is a
good question aluno 4L ! Well, I think the Homer
simpson isn’t good representative of the family. First,
because he commit many mistakes in their work, this
leaves the city in danger because he is inspector at the
Springfield Nuclear Power Plant. I think the Homer
simpson is crude, incompetent,clumsy, and lazy. At home,
he is the boorish father. I think too, that he has little
intelligence, and he is always in trouble. But with all
these faults, he is a funny man.” Assim essas interações
são típicas de uma conversação com o outro como
pressupõe Efimova e de Moor (2005).
228
A linkagem como cola conversacional é uma das
características apresentadas por Efimova e de Moor (op.
cit.) e que pode ser observada em outro post da P1, na
qual ela apresenta um link de um site dos Simpson para o
aluno 4L, com o objetivo de apresentá-lo uma leitura em
língua inglesa de todas as características dos personagens
dessa
série
animada.
“The
Simpsons
site:
http://www.thesimpsons.com/bios/bios_family_homer.ht
m , aluno 4L, this site shows all the Simpsons characters,
It's very good and it's all in English”. Esse link é
caracterizado como uma cola que une a conversação.
Finalizando a interação desse blog, é perceptível
mais uma vez a P1 realiza uma conversação com o outro
ao concordar com o aluno 4K “I agree aluno 4K, many
brazilian families are similar to the simpsons!!!!”
A respeito da interação nesse blog, podemos
concluir que os participantes realmente desenvolveram
uma ação interior de construção que o conduziram a
compartilhar idéias e construir novas interações.
Assim, com estes últimos exemplos de análise de
blog, podemos inferir que os alunos realmente
necessitavam de um estímulo rijo para efetuarem as
interações. Verificamos que era necessário que as
professoras ajudassem sempre, bem como mostrando
como deve ser o processo de interação e estimular com
freqüência as participações colaborativas. Dessa forma,
os alunos se motivaram e salientaram o pensamento pela
compreensão das idéias do outro mediante a troca de
informações como pressupôs Vygotsky (1933).
229
7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Ao término deste estudo, de acordo com a pesquisa
realizada e com as teorias que nos direcionaram,
podemos concluir que houve a necessidade da professora
estar presente nas interações, auxiliando os alunos quanto
aos procedimentos a serem realizados nos blogs. Essa
necessidade se exemplifica principalmente pela mudança
de comportamento dos alunos quando as professoras
participaram mais intensamente, auxiliando nas
elaborações de texto e apresentando como deve ser a
interação colaborativa. A interação com as professoras
ocorreu com maior freqüência por que elas foram as
principais levantadoras de questionamentos na interação
dialógica. Assim, podemos concluir que, mesmo que a
professora utilize recursos tecnológicos que podem
promover a autonomia e dialogicidade do aluno, elas
foram o centro, que levantou questionamentos e orientou
os alunos quanto a tudo que deve ser feito. Com essa
dependência dos alunos, podemos inferir que é
indispensável que os professores que desejem utilizar as
tecnologias sejam capacitados para lidar com as diversas
situações. Como consideração geral deste trabalho,
podemos então confirmar que a interação é um processo
dialógico que colabora significativamente para a
aprendizagem. Vale ressaltar que em realização de
trabalhos sobre interação, principalmente com jovens, é
indispensável à presença do professor, orientando,
estimulando, apresentando como deve ser a relação
interativa. Assim, proponho que se realizem mais estudos
sobre interações em blogs educacionais, pois está
230
ferramenta pode ser
significativa
benéfica para aprendizagem
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAGA, Denise Bértoli. Práticas letradas digitais:
considerações sobre possibilidades de ensino e de
reflexão social crítica. In ARAÚJO, Júlio César. (Org.).
Internet e ensino: novos gêneros e novos desafios, Rio de
Janeiro, Ed. Lucerna, 2007.
BRASIL. MEC. Parâmetros curriculares nacionais:
Língua estrangeira / ensino médio. Brasília: MEC/SEF,
2006.
231
PRÁTICA DE ENSINO E TRANSFORMAÇÃO DAS
CRENÇAS
FARIAS, Aline Leontina Gonçalves41
UECE – Universidade Estadual do Ceará
RESUMO: Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais
ampla sobre o papel da graduação na formação reflexiva
do professor de Francês, realizada com alunos de uma
universidade pública do Ceará. Investigamos as crenças
dos futuros professores sobre os aspectos políticos que
envolvem o ensino-aprendizagem do francês em
comparação ao de outras línguas estrangeiras. Nosso
objetivo foi verificar as diferenças de concepção
relacionadas ao tempo de curso e à experiência da prática
de ensino dos alunos. Para isso, aplicamos um
questionário aberto a dois grupos de alunos – iniciantes e
concludentes. A elaboração das perguntas-base para
coleta de dados foi motivada pela assertiva de Vilson J.
Leffa (2001, p. 344) de que “há muitas diferenças entre
estudar uma língua multinacional e uma língua
estrangeira nacional”. Neste sentido, buscamos
compreender como alunos iniciantes e alunos mais
experientes percebem essas diferenças. Guardamos
evidentemente as devidas ressalvas sobre o fato de o
francês ser também uma língua multinacional, mas cujo
ensino no Brasil não atinge as mesmas proporções do
ensino de inglês e de espanhol. Nossa fundamentação
41
Mestranda do curso de Mestrado Acadêmico em Linguística
Aplicada da Universidade Estadual do Ceará, bolsista FUNCAP.
232
teórica sustentou-se em trabalhos desenvolvidos sobre
crenças (BARCELOS, 2001; e FREUDENBERGER e
ROTTAWA, 2004), formação crítica (LIBERALI, 2006)
e sobre ensino de línguas (LEFFA, 2001; CELANI 2001
e 2004), que forneceram a base para a análise
interpretativa dos dados. As principais diferenças
apontadas pelos alunos se referiram aos aspectos da
obrigatoriedade versus deslumbramento e da motivação
instrumental versus motivação integrativa. Os dados da
pesquisa mostraram que os alunos iniciantes em geral
embasam suas opiniões na experiência de aluno, por isso
suas percepções enfocam o ponto de vista do aprendiz de
línguas. Já os alunos formandos tenderam a emitir
opiniões da posição de professor de línguas, o que nos
leva a concluir sobre a influência do curso e
principalmente da experiência de ensino na
transformação de suas crenças.
Palavras-chave: Prática de Ensino. Crenças. Ensino de
francês língua estrangeira.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa
mais ampla sobre a formação reflexiva de professores de
línguas. Em um primeiro momento, constituiu nosso
interesse investigar se e como a universidade em nível
inicial de formação, isto é, na graduação, tem despertado
no futuro professor uma atitude reflexiva diante de sua
atuação. Para isso, fundamentamos nossa investigação no
estudo de crenças por entendermos como Halton e Smith
apud Castro (2006, p. 100) que a reflexão compreende
233
“um processo cognitivo deliberado, que envolve
sequências de ideias interconectadas que levam em conta
as crenças e os conhecimentos subjacentes”. Aplicamos
um questionário aberto a dois grupos de estudantes de
Letras-Francês. O primeiro grupo foi constituído de
alunos de segundo semestre e o segundo grupo, de alunos
formandos. Verificamos ao final a ocorrência de
mudança de crenças comparando as respostas dos alunos
iniciantes no curso com as dos alunos formandos. A
análise dos dados confirmou nossa hipótese inicial de que
os alunos de semestres mais avançados e com
experiência de ensino apresentam percepções diferentes
daquelas dos alunos em início de curso devido ao insumo
de teorias que adquiriram ao longo da graduação e à
possibilidade que tiveram de confrontar tais teorias com a
prática em sala de aula.
Nesse momento, nosso objetivo é estender a
discussão dos dados da pesquisa a partir da assertiva 42 de
Vilson J. Leffa (2001, p. 344) de que “há muitas
diferenças entre estudar uma língua multinacional e uma
língua estrangeira nacional. Neste sentido, buscamos
compreender como alunos iniciantes e alunos mais
experientes percebem essas diferenças. Guardamos
evidentemente as devidas ressalvas sobre o fato de o
francês ser também uma língua multinacional, mas cujo
ensino no Brasil não atinge as mesmas proporções do
ensino de inglês e de espanhol.
42
Essa assertiva guiou a coleta e análise dos comentários dos alunos no que
se referem às diferenças, percebidas pelos dois grupos – alunos de segundo
semestre e alunos formandos, entre estudar o francês e estudar uma língua
multinacional como o inglês.
234
Assim, para alcançar nosso intento, abordamos
primeiramente o conceito de crenças, relacionado-o a
discussões sobre a formação reflexiva de professores de
línguas. Em seguida, apresentamos e analisamos dos
dados da pesquisa a partir da discussão de Leffa (2001)
sobre as diferenças entre estudar/ensinar uma língua
multinacional e uma língua estrangeira nacional.
1. CRENÇAS E FORMAÇÃO REFLEXIVA
Adotamos nesta pesquisa o conceito de crenças de
Barcelos (2001, p. 72) para quem crenças são “opiniões e
ideias que alunos (e professores) têm a respeito dos
processos de aprendizagem de línguas” e que influenciam
na forma como eles organizam e definem suas ações.
As crenças são fatores individuais que
influenciam grandemente a forma como o professor
interpreta suas experiências e as teorias que lhes são
apresentadas. Portanto, elas constituem “uma parte
legítima e valorizada do insumo do processo de
educação.” (FREUDENBERGER e ROTTAWA, 2004,
p. 35).
Uma vez que são socialmente construídas, as
crenças estão sujeitas a mudanças. Assim, defendemos
que os primeiros indícios da formação reflexiva do
professor podem ser observados na transformação de
suas crenças.
A formação reflexiva rompe com o conceito de
treinamento, que de acordo com Leffa (2001, p. 334) tem
sido tradicionalmente definido como “o ensino de
técnicas e estratégias de ensino que o professor deve
dominar e reproduzir mecanicamente, sem qualquer
235
preocupação com sua fundamentação teórica”. Já a
formação, ainda segundo o mesmo autor, compreende
“uma preparação mais complexa do professor
envolvendo a fusão do conhecimento recebido com o
conhecimento experimental e uma reflexão sobre esses
dois tipos de conhecimento” (p. 335).
Para Leffa (2001), o treinamento caracteriza-se
por ter um começo, um meio e um fim, já a formação
pressupõe uma situação contínua e inacabável, que pode
ser representada por um movimento circular entre três
pontos: teoria, prática e reflexão. Esse processo, contudo,
pode ser iniciado em qualquer um dos pontos sem que
chegue a um fim, pois a reflexão realimenta a teoria,
iniciando um novo ciclo. Enquanto o treinamento tem
fim na própria prática, na formação, a prática dá ensejo à
reflexão, momento decisivo para o nascimento de
conhecimentos novos e contextualizados, isto é, de
teorias mais adequadas à situação. Nessa noção circular
da formação, o conceito de conhecimento rompe com a
visão tradicional de ensino como transmissão de
conteúdos e passa a englobar a habilidade de lidar com
esses conhecimentos. “O conhecimento não é apenas o
armazenamento de fatos, mas também a reflexão de
como esses fatos podem ser obtidos, avaliados e
atualizados.” (LEFFA, 2001, p. 337)
Em outros termos, Celani (2001) afirma ser
fundamental, para a área do ensino de LE (língua
estrangeira), se fazer a distinção entre aprender e ser
treinado. À expressão “ser treinado” subjaz a visão
positivista de que o professor deve ser dotado de técnicas
de aplicação universal, que se acredita serem compatíveis
a qualquer contexto de ensino-aprendizagem. Já aprender
236
corresponde à visão reflexiva da educação, construída na
prática com o incentivo à racionalidade e à autonomia do
professor.
Freudenberg e Rottawa (2004) alertam para o
perigoso distanciamento que se costuma verificar entre o
conhecimento disciplinar apresentado no curso de
graduação e a realidade efetiva do ensino de línguas. As
autoras afirmam que esse conhecimento dificilmente
chega à sala de aula, por negar a complexidade da
interação humana, tornando-se um saber disfuncional.
Cavalcanti e Moita Lopes apud Freudenberg e
Rottawa (2004) afirmam que mesmo a Prática de Ensino,
disciplina que deveria propiciar a articulação entre teoria
e prática, deixa de lado a urgente e necessária tarefa de
instigar a reflexão sobre a prática. Contudo, como
demonstraram citadas autoras, é incontestável o papel do
curso de graduação na transformação das crenças de
professores. O que se propõe, então, é o planejamento de
um programa que dê condições aos professores (em
situações de troca de ideias e de discussão) de
desenvolver suas próprias teorias a partir da integração
entre suas percepções dos conhecimentos teórico e
experimental. O desenvolvimento dessa habilidade daria
aos professores maior versatilidade e segurança para agir
e decidir sobre sua ação.
Para Gimenez (2005) é realmente fundamental
que a prática seja pensada a partir de todas as disciplinas
do currículo, não apenas nas de licenciatura. Também
não se deve continuar relegando a reflexão da prática às
disciplinas de Prática de Ensino. A autora defende a
inclusão da disciplina de Linguística Aplicada em cursos
de formação de professores de línguas, pois ela se ocupa
237
de questões práticas e reconhece o caráter social da
língua. Essa preocupação em pensar a língua e seu ensino
de forma contextualizada ajudaria os professores a
construírem uma visão crítica quanto ao papel social do
profissional do ensino de línguas.
Concordamos com Moser (2006, p. 112), que para
se formar profissionais de LE mais comprometidos com a
prática pedagógica e com uma postura auto-reflexiva é
preciso que se supere a visão de formação como
treinamento, o que ainda persiste em muitos cursos de
Letras. Por esse motivo, Castro (2006, p. 105) alerta para
a necessidade dos próprios formadores adotarem a prática
reflexiva sobre suas ações para que possam construir
junto com os futuros professores “formas conjuntas de
olhar para e de desenvolver o processo de aprender e de
ensinar a LE como forma de contribuir para o
desenvolvimento de uma atitude reflexiva”.
2. DIFERENÇAS ENTRE ENSINAR UMA LÍNGUA
MULTINACIONAL
E
UMA
LÍNGUA
ESTRANGEIRA NACIONAL
Segundo Leffa (2001, p.344), as diferenças entre
estudar uma língua estrangeira multinacional e uma
língua estrangeira nacional envolvem diversos aspectos
como a questão da obrigatoriedade x deslumbramento e
da motivação instrumental x motivação integrativa. O
autor explica que os fatores que levam um aluno
brasileiro a escolher estudar uma língua estrangeira como
o francês ou o italiano, por exemplo, geralmente são de
ordem pessoal envolvendo questões afetivas. Já as
hipóteses de motivação para se estudar o inglês
238
normalmente são de ordem instrumental, como a
imposição do mercado de trabalho. Diante desse quadro,
o autor defende que a formação do professor de línguas
deve atentar para a preparação do futuro professor para as
diferenças entre ensinar uma língua multinacional e uma
não multinacional.
Tomando de exemplo o inglês para falar sobre o
ensino de uma língua multinacional, Leffa (idem)
comenta que esse tipo de língua não se atrela a uma única
cultura. Pois o inglês é falado em diversos países e em
nenhum deles o inglês é igual ao falado nos outros. Para
o autor, tornar-se uma língua multinacional tem um
preço: a perda da identidade. E argumenta que para
estudar um língua não multinacional o aluno deve ter
interesse no país daquela língua. O que não ocorre com o
inglês, já que se pode muito bem estudar inglês sem estar
interessado em um determinado país.
Assim, Leffa (2001, p.349) conclui que “a
determinação do foco de interesse tem implicações
metodológicas para seu ensino, e consequentemente para
a formação de professores.” Quando se trata de ensinar
uma língua multinacional, que não tem uma identidade
nacional definida, é preciso um novo paradigma que dê
conta dessa natureza multinacional. É preciso haver uma
mudança de prioridades no ensino da língua. Essas
prioridades podem ser, por exemplo, o ensino da
variedade local da língua ou o ensino da língua para
objetivos específicos.
A partir dessa breve apresentação, passemos à
discussão dos dados da pesquisa para em seguida analisálos à luz dessa diferenciação apresentada por Leffa.
239
3. CRENÇAS DE FUTUROS PROFESSORES
SOBRE APRENDER/ENSINAR FRANCÊS.
Nortearam nossa pesquisa as seguintes perguntas:
1) Quais são as crenças sobre o papel do
ensino/aprendizagem de língua estrangeira de estudantes
de letras-francês com experiência de ensino em
contraposição às crenças de alunos sem experiência de
ensino? Em que medida as crenças dos alunos com
experiência de ensino diferem das crenças daqueles sem
nenhuma experiência? 2) Qual a influência do curso de
graduação na modificação das crenças? Qual o papel das
disciplinas específicas e práticas na reflexão e na
formação de uma consciência sobre o papel social da LE?
Quais os momentos do curso de graduação são mais
significativos para a mudança (se houver) do sistema de
crenças desses alunos?
Os sujeitos da pesquisa são dez estudantes de
graduação em Letras-Francês de uma universidade
pública de Fortaleza-CE. Divididos em dois grupos de
cinco alunos cada. O primeiro grupo é formado por
estudantes do segundo semestre e sem experiência de
ensino da língua francesa. Eles são denominados nesta
pesquisa de SII1, SII2, SII3, SII4 e SII5. O segundo
grupo é todo composto por alunas na condição de
formandas e com experiência de ensino. Estas, por sua
vez, são denominadas de F1, F2, F3, F4 e F5.
Como a análise de todos os dados foi objeto de
pesquisa mais ampla sobre o papel da graduação na
transformação das crenças, vamos nos deter nesse
momento no aprofundamento da discussão das crenças
sobre o ensino do francês em particular, relacionando-as
240
às impressões sobre a contribuição do curso para a
formação da opinião sobre ensino-aprendizagem de LE.
Objetivamos com isso mostrar como a experiência da
prática de ensino marca o início de uma mudança
significativa das crenças sobre ensino.
3.1 ENSINAR FRANCÊS X ENSINAR OUTRAS
LÍNGUAS
Perguntamos aos alunos as opiniões deles acerca
da finalidade do ensino-aprendizagem da língua francesa.
Com isso intentamos obter dados que indicassem se os
alunos percebiam um papel ou uma contribuição social
do ensino-aprendizagem do francês e se viam uma
diferença entre ensinar francês e ensinar outra língua.
Os alunos de segundo semestre acreditam que o
francês é “uma língua pouco falada”, que “não é uma
exigência do mercado como o inglês e o espanhol”
(SII1). Essa crença aparece como uma preocupação
expressa pela maioria dos alunos de segundo semestre.
SII2, inclusive, faz uma crítica à “sociedade leiga” que
“pensa que seu aprendizado é inútil e perda de tempo”,
pois não atende aos interesses do mercado e em especial,
aos do turismo.
O comentário de que o francês é “uma língua
pouco falada” remete ao desconhecimento da
francofonia. Na verdade, a língua francesa é falada em
muitos países seja como primeira ou como segunda
língua. Contudo, embora a língua francesa seja
multinacional, o fato da francofonia ainda começa a ser
difundido e não alcança proporções globais como é o
caso do inglês. Assim, os alunos expressam uma espécie
241
de indignação ao fato de o ensino do francês não ser
procurado pelo aspecto da obrigatoriedade. Para esses
alunos, esse fator torna o francês menos prestigiado e
gera uma dificuldade para o profissional de língua
francesa encontrar espaço no mercado de trabalho.
Para SII2, o menosprezo do conhecimento da
língua francesa leva ao equívoco de se pensar que “o
ensino do francês não traz nenhum benefício ao
estudante”. SII1, embora demonstre participar dessa
preocupação, expressa sua visão mais romantizada do
ensino do francês, cujo atrativo para o aluno é o fato de
ser “uma língua belíssima”, que pode torná-lo “mais
culto”.
Nos comentários do aluno SII1 percebemos o
aspecto do deslumbramento descrito por Leffa (2001).
Para esse aluno, como para muitos, a decisão de estudar a
língua francesa está muito ligada a fatores afetivos. A
visão que se tem da língua mistura-se à visão cultural que
se tem do país França. Com isso, os alunos vêem outros
tipos de benefícios que o ensino do francês oferece,
muito além do interesse de mercado. No entanto, esses
benefícios aos olhos da sociedade capitalista não são
vistos como prioridades.
Em geral, os alunos destacam como contribuição
para os estudantes a ampliação de seus conhecimentos, o
contato com outra cultura e o domínio de uma língua
diferente da materna, o que pode significar melhores
oportunidades profissionais. Esse último comentário
expresso torna-se de certa forma contraditório em relação
aos comentários anteriores que apresentam o francês
mais pelo aspecto do deslumbramento que pelo da
obrigatoriedade. Essa visão de ampliação das
242
oportunidades profissionais parece estar mais ligada a
uma motivação instrumental do que a uma motivação
integrativa, que parece ser o caso do francês, baseandose na maioria das opiniões.
As formandas, em sua maioria, expressam como
contribuição do francês o enriquecimento cultural e a
transformação do pensamento e da visão de mundo do
aluno. Apenas uma das formandas expressa a mesma
crença de alguns dos alunos de segundo semestre, de que
o francês traz o benefício de melhorar o currículo
profissional e acadêmico do aluno, podendo trazer
algumas vantagens de ordem financeira.
As formandas também acreditam que o francês
“desenvolve o raciocínio” (F1) e “a capacidade de
reflexão” (F4). Além disso, transforma o modo de ver do
aluno: “proporciona uma visão mais ampla do mundo”
(F1), “amplia a visão de mundo” (F2), “abre a mente para
novas formas de olhar o mundo” (F5).
Assim, podemos perceber que a maioria das
formandas também expressa a motivação integrativa e o
deslumbramento como fatores da procura pela língua
francesa. Apenas uma mostrando uma motivação
instrumental. Em todo caso, apesar da motivação
instrumental ter sido relacionada à língua francesa por
alguns alunos, o fator obrigatoriedade não é citado por
nenhum deles.
3.2 O curso de graduação e a prática de ensino na
transformação das crenças
Depois de questionar os alunos a respeito de suas
opiniões sobre ensino-aprendizagem de LE, perguntamos
243
se alguma disciplina ou momento do curso de graduação
contribuiu para a formação de seu pensamento sobre os
assuntos abordados nas questões anteriores. Todos os
alunos com exceção de dois do segundo semestre
reconhecem a importância do curso para que eles
formassem suas opiniões sobre ensino-aprendizagem de
LE e do francês, particularmente. Mesmo um dos alunos
que negou a contribuição do curso (SII3) afirma que a
graduação ao menos “confirmou e reforçou” (SII3) a
visão que ela já tinha. E SII5 diz que a graduação não
contribui para sua opinião devido ao pouco tempo de
curso.
Os oito alunos que confirmaram a contribuição do
curso indicaram disciplinas específicas da licenciatura
e/ou específicas do francês. Os alunos de segundo
semestre, cuja única disciplina de francês cursada no
primeiro semestre foi Estrutura e Uso do Francês I,
indicaram-na como a mais importante para formar suas
opiniões. E um deles afirma que todas as disciplinas
foram importantes. As formandas foram unânimes em
atestar a contribuição do curso. A disciplina mais
indicada por elas foi a Prática de Ensino. Foram ainda
citadas as disciplinas de Estrutura e Funcionamento do
Ensino Fundamental e Médio, Teoria do Ensino em
Língua Francesa e Didática. Em relação a um momento
específico da graduação, uma aluna indicou os estágios
que fez no Curso de Línguas da Universidade (que são
uma extensão acadêmica do Curso de Letras e se
destinam à prática de ensino dos alunos da graduação).
Quanto à experiência de ensino, os alunos de
segundo semestre não a têm. Este foi, inclusive, um dos
critérios da pesquisa para que pudéssemos observar a
244
influência da prática na transformação das crenças dos
alunos. Todas as formandas têm experiência de ensino,
que varia de 2 meses à 5 anos.
Por fim, perguntamos aos alunos se eles
conheciam ou já tinham ouvido falar dos PCN-LE
(Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Estrangeira) e do CECR (Cadre européen commun de
références pour les langues). Incluímos esta pergunta no
questionário
de
pesquisa
por
consideramos
imprescindível para a formação dos futuros professores,
não só a apresentação, mas a compreensão e a discussão
das questões e dos temas que envolvem estes dois
documentos, para que os futuros profissionais de LE
conheçam os aspectos políticos e as concepções teóricas
que envolvem e regem o ensino de LE (e o de FLE) em
nosso país e para que desenvolvam um posicionamento
crítico e político em relação aos diversos aspectos de sua
profissão.
Os alunos de segundo semestre em sua totalidade
desconhecem tanto o PCN-LE como o CECR. Apenas
SII1 afirma ter ouvido falar dos dois documentos. Todas
as formandas disseram conhecer ambos os documentos e
citam como intermédio de seu conhecimento as
disciplinas de Prática de Ensino (F1 e F3), aula na
faculdade (F2 e F) e ainda professores e livro didático
(F4).
Pudemos perceber ao longo da discussão dos
dados uma série de diferenças entre as crenças esboçadas
pelos alunos de segundo semestre e aquelas sugeridas
pelas alunas formandas. O que nos leva a observar como
as crenças dos alunos são re-elaboradas ao longo da
graduação, transformadas tanto pelos insumos teóricos
245
recebidos como pelos conhecimentos experimentais
adquiridos na circunstância da prática de ensino.
Abaixo apresentamos dois quadros-resumo, o
primeiro apresenta sucintamente as divergências entre as
crenças dos alunos do segundo semestre em comparação
com aquelas dos formandos e o segundo é o resumo das
impressões dos alunos sobre a contribuição do curso de
graduação para a formação de suas opiniões.
Crenças sobre
Alunos de 2º
semestre
Ensino
como
transmissão
de
conhecimento e
aprendizagem
como ampliação
do conhecimento.
Alunos
formandos
Compreensão de
Ensinoensino
e
aprendizagem
aprendizagem
de LE
envolvendo
diversos saberes
incluindo
o
linguístico, mas
enfatizando
o
saber
sóciocultural;
reconhecimento
das motivações e
necessidades dos
alunos
e
das
metodologias de
ensino.
os Desenvolver
a
Finalidade do Aumentar
conhecimentos;
habilidade
ensino de LE
dar acesso a outra comunicativa; dar
cultura; e ser um acesso a outras
246
diferencial
currículo
profissional.
no culturas;
e
contribuir para a
formação
da
cidadania.
Papel
do Ser ponte ou Trabalhar numa
perspectiva
professor de intermediador
entre o aluno e o comunicativa
LE
conhecimento;
(desenvolvendo as
apresentar
a quatro
literatura e a competências); ser
gramática da LE; mediador entre a
despertar
a cultura do aluno e
curiosidade dos a cultura dos
alunos; e facilitar povos da línguaa aprendizagem.
alvo; proporcionar
interação
e
atividades
de
simulação;
facilitar
a
aprendizagem.
os Ampliar a visão
Papel
do Ampliar
de
mundo;
ensino
de conhecimentos;
dar
acesso
a desenvolver
o
Francês
outras culturas; raciocínio e a
melhorar
as reflexão; abrir a
oportunidades
mente para novas
profissionais.
formas de olhar o
mundo.
Quadro 01 – Divergências entre as crenças dos alunos do
segundo semestre e as das alunas formandas.
Alunos de 2º
Alunos
247
semestre
formandos
Impressões
Três
alunos Todas as alunas
sobre
a indicaram
a formandas
contribuição da única disciplina confirmaram
a
graduação para específica
de contribuição da
a formação das francês
no graduação
e
crenças
sobre primeiro
indicaram
ensinosemestre como disciplinas
de
aprendizagem de importante
licenciatura
LE
formadora
de (Didática, Teoria
opinião.
Dois do
Ensino
e
alunos negam a principalmente a
contribuição da Prática de Ensino)
graduação
e e
o
estágio
afirmam
já supervisionado
terem
esses como importantes
pensamentos
para a formação
sobre ensino de de suas opiniões
LE antes de sobre ensino de
suas entradas no LE.
curso.
Quadro 02 – Impressões sobre o papel da graduação para
a formação das opiniões sobre ensino de LE.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados da pesquisa nos revela a
recorrência, no início da graduação, de uma visão acrítica
e por vezes “romantizada” dos alunos acerca do ensino
do francês, o que se deve a uma crença informada apenas
pelo senso comum. É preciso ao longo do curso embasar
teoricamente o futuro professor incentivando sua reflexão
248
e seu posicionamento crítico a respeito do ensinoaprendizagem de LE. Defendemos não a negação da
beleza e das contribuições culturais que o ensino da LE
possa trazer que o liga aos fatores da motivação
integrativa e do deslumbramento. Esses fatores podem
tornar a aprendizagem muito mais eficiente na medida
em que despertem no aluno o encantamento e gerem uma
motivação mais envolvente.
Contudo, pelos próprios comentários expressos
pelos alunos, vimos que esses fatores não estão sendo
suficientes para levar a uma busca significativa pelo
francês. E isso traz dificuldades para quem adentra a
profissão professor de francês. É, portanto, preciso ir
além. Por exemplo, tornar conhecido o fato da
francofonia, que pode ser usado a favor da promoção do
ensino do francês e principalmente, de um ensino voltado
para o plurilinguismo. O que propomos é uma mudança
de foco, colocando como centro do ensino a formação
cidadã do sujeito-aprendiz, proposta apresentada tanto
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Estrangeira (PCN-LE) como pelo Cadre européen
commun de références pour les langues (CECR).
O senso comum que informa o saber do estudante
de Letras recém-chegado é carregado pelo peso da
tradição que informa as crenças construídas em suas
experiências de aluno (FREUDENBERGER e
ROTTAWA, 2004). O curso de graduação, então, tem o
importante papel de transformar essas crenças,
apresentando ao futuro professor as teorias e os aspectos
políticos que envolvem sua área e conscientizando-o
acerca das mudanças do mundo contemporâneo que
249
requerem a aplicação de novos modelos e propostas mais
condizentes com a nova realidade (CELANI, 2004).
Os alunos formandos, com alguma experiência de
prática de ensino da língua, já mostram um pouco dessa
visão mais social do ensino da língua. Contudo, é preciso
haver um investimento maior na conscientização dos
aspectos políticos do ensino de línguas. Esse é um dos
papéis do curso de formação de professores: preparar os
futuros professores para a realidade do ensino de línguas
estrangeiras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARCELOS, A. M. F. Metodologia de pesquisa das
crenças sobre aprendizagem de línguas: estado da arte.
Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v.1, n.1, p.
71-92, 2001.
CASTRO, S. T. R. Reflexão e formação docente,
reflexão e formação lingüística: Os desafios dos
formadores de professores de língua estrangeira. In:
OLIVEIRA, Sheila Elias e SANTOS, Josalba Fabiana.
(Org.). Mosaico de linguagens. Campinas: Pontes, 2006.
p. 99-107.
CELANI, M. A. A. Ensino de línguas estrangeiras:
ocupação ou profissão. In: LEFFA, V. J. O professor de
línguas: construindo a profissão. Pelotas, RS:
EDUCAT, 2001. p. 21-39.
CELANI,
M.
A.
contemporaneidade e
A.
Linguística
aplicada,
formação de professores.
250
Investigações: Linguística e Teoria Literária, v.17,
n.2, p. 97-113, jul 2004.
FREUDENBERGER, F.; ROTTAWA, L. A formação
das crenças de ensinar de professores: a influência do
curso de graudação. In: ROTTAWA, L.; LIMA, M. dos
S. (Org.). Linguística aplicada: relacionando teoria e
prática no ensino de línguas. Injuí, RS: Editora Unijuí,
2004. p. 29-55.
GIMENEZ, T. Desafios contemporâneos na formação de
professores de línguas: contribuições da Linguística
Aplicada. In: FREIRE, M. M.; ABRAHÃO, M. H. V.;
BARCELOS, A. M. F. (Org.). Linguistica Aplicada e
Contemporaneidade. Campinas, SP: Pontes Editores,
2005. p. 183-201.
GIMENEZ, T. Desafios na formação reflexiva de
professores de línguas estrangeiras. In: OLIVEIRA, S.
E.; SANTOS, J. F. (Org.). Mosaico de Linguagens.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2006. p. 79-89.
LEFFA, V. J. Aspectos políticos da formação do
professor de línguas estrangeiras. In: LEFFA, V. J. O
professor de línguas: construindo a profissão. Pelotas,
RS: EDUCAT, 2001. p. 333-355.
LIBERALI, F. C. A formação crítica do educador na
perspectiva da linguística aplicada (LA). In: ROTTAWA,
L.; SANTOS, S. S. (Org.). Ensino e aprendizagem de
línguas: língua estrangeira. Ijuí, RS: Editora Unijuí,
2006. p. 15-33.
251
MOSER, S. M. C. S. Um olhar sobre o desenvolvimento
da autonomia na prática pedagógica de aluno /professor
sob o ponto de vista da abordagem reflexiva. In:
OLIVEIRA, S. E.; SANTOS, J. F. (Org.). Mosaico em
linguagens. Campinas, SP: Pontes Editores, 2006. p.
107-114.
252
PROMOVENDO A SAÚDE NO ENSINO DE
CIÊNCIAS PARA ALUNOS SURDOS:
POSSIBILIDADES PARA A PRÁTICA
PEDAGÓGICA.
VIANA, Flávia Roldan
flá[email protected]
RESUMO: INTRODUÇÃO: A preocupação com o
ensino de Ciências para alunos surdos não está na
simples superação da mera descrição de teorias e
experiências científicas, nem somente na visão de que o
conhecimento é algo que se constrói. Neste sentido, as
propostas mais adequadas para um ensino de Ciências
coerente com tal direcionamento devem favorecer uma
aprendizagem que valorizem as experiências visuais, que
produzem subjetividade marcada pela presença da
imagem e pelos discursos viso-espaciais (com o uso da
língua de sinais) provocando novas formas de
aprendizagem. Esta proposta se alicerça sobre as bases da
linguagem imagética, ou seja, tem no signo visual o
ponto forte no processo de ensinar e aprender. Objetivo:
Sistematizar ações pedagógicas atreladas às perspectivas
culturais e visuais de uma pedagogia visual, em suas
interfaces com a educação de crianças surdas,
apresentando possibilidades de promover a saúde no
ensino de ciências para alunos surdos. Metodologia: A
pesquisa tem característica exploratória e qualitativa. O
plano amostral compreende uma população de 62 alunos,
na faixa de 12 a 16 anos, de 6º e 7º ano, do Instituto
Cearense de Educação de Surdos – ICES, em Fortaleza,
253
Ceará. Resultados: Observamos que com a utilização de
imagens visuais na educação de surdos, foi possível
facilitar o processo de ensino e aprendizagem,
verificando um aumento do envolvimento destes com o
conhecimento apresentado. Conclusão: Os resultados são
satisfatórios, tendo em vista que o uso de recursos visuais
propõe uma “mudança significativa na prática dos
educadores” que pretendem, de fato, ensinar ciências
para alunos surdos, pois investe na percepção visual,
imprescindível para a aprendizagem de surdos. Houve
progressão na compreensão dos conceitos científicos, no
raciocínio, na motivação e educabilidade, em que a
ludicidade da exploração do desenvolvimento da
linguagem, caracterizam a aprendizagem, e contribui
assim, para a remoção de barreiras lingüísticas que são
tão arraigadas. As crianças podem estabelecer relações,
amadurecer sua capacidade lógica cognitiva para
aprender uma segunda língua e a organizar seu
pensamento, além de aprenderem a encontrar significado
em sinalizar, falar, ler e escrever. Somente assim, haverá
uma transformação no ensino e na aprendizagem, em que
a linguagem é o principal instrumento de intermediação
do conhecimento com vistas ao desenvolvimento do
pensamento abstrato.
Palavras chave: Surdez, Ensino, Experiências Visuais.
INTRODUÇÃO
As políticas educacionais no Brasil, ao longo do
tempo cristalizaram uma concepção de direitos à
educação bastante limitada. O acesso desigual da
254
população a esses serviços tem origem na desigualdade
da distribuição de renda e na tendência neoliberal que
reforça estigmas e concepções errôneas a respeito da
surdez e dos surdos (MAGALHÃES, 2002; MACHADO,
2008).
Apesar dos resultados positivos, como por
exemplo, às políticas educacionais referentes à Educação
Especial, que nos dias atuais já faz parte do quadro da
educação básica (Resolução Nº 02/2001) e do
reconhecimento da língua de sinais como meio legal de
comunicação e expressão das comunidades surdas (Lei
N° 10.436/02), ainda se observa hodiernamente que a
situação educacional brasileira, principalmente no que
diz respeito à educação de surdos, é algo distante da
realidade, visto que constitui um investimento a longo
prazo, tendo em vista a ocorrência da inclusão de
maneira inflexível, sem buscar compreender e respeitar
as necessidades individuais de cada criança e/ou
adolescente; educadores ainda com formação inadequada
às necessidades específicas desse alunado, aliada às
propostas políticas generalizadas com foco no indivíduo
portador de deficiência43 e não como sujeito que possui
uma experiência, uma língua, uma peculiaridade.
Conforme o pensamento de Silva (2006, p.14),
43
Sassaki (2003, p. 160 – 165) coloca que o termo não é mera
questão semântica ou sem importância; a terminologia correta é
especialmente
importante
quando
abordamos
assuntos
tradicionalmente eivados de preconceitos, estigmas e estereótipos. O
uso do termo acima coloca que essas pessoas portam deficiência,
como se fossem coisas que às vezes portamos e às vezes não.
255
No início deste século, os debates
no campo educacional assumem
os discursos da inclusão social,
colocando-se
em
pauta
a
problematização desse tema com
vistas, entre outras coisas, a se
propor uma escola que acolha a
todos em suas diferenças. A
educação,
enquanto
ciência
precisa investigar o significado
desses
discursos
e
suas
conseqüências
no
contexto
educacional. Caso contrário,
interpretações
tendenciosas
poderão apagar a luta histórica de
vários grupos sociais que vêm
resistindo
à
subserviência
ideológica de dominação.
Tratando-se de pessoas surdas há de considerar
que, durante muitos anos, a oralização foi à base da
educação desses alunos, não considerando a criança que
apresenta perda auditiva como também o seu
desenvolvimento integral e ainda influenciando sua
aprendizagem em virtude dessa perda, sendo leve ou
profunda. De acordo com GÓES (2000), por falta da
percepção acústica, a percepção do indivíduo surdo tende
à subjetividade, o que acarreta uma coleta maior de
“dados visuais”. O surdo fixa melhor os acontecimentos
que os conceitos isolados e descontextualizados. Há
ainda que se lembrar que o jogo vocal da criança surda é
diferente, pois, “é pobre, monótono, sem harmonia e
256
amiúde, se extingue, por falta da denominada
retroalimentação auditiva” (CANONGIA, 1981, p. 07).
Dessa forma, a Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS é a língua que permeia a educação de surdos e
viabiliza as condições de comunicação que garantam, de
forma consciente, a promoção do processo educativo de
crianças com surdez, já que lhes dá outras condições de
pensar. Os sinais da LIBRAS, além de imagens
sensoriais, apresentam significado cultural e se
configuram como sistema lingüístico sofisticado, assim
como as palavras faladas para os ouvintes, que ajudam a
construir o pensamento, a abstração e outras atividades
cognitivas.
Para
BOTELHO
(2006,
p.56),
“outra
consideração quanto à abstração é que os símbolos se
ordenam em categorias, constituídas por suas
características comuns. E são as línguas – orais, escritas e
de sinais – sistemas lingüísticos que organizam com
sofisticação as várias categorias”.
Diante deste pressuposto, considerando o ensino
de ciências para alunos surdos, vale ressaltar que as
propostas mais adequadas para um ensino de Ciências
coerente com tal direcionamento devem favorecer uma
aprendizagem que valorizem as experiências visuais, que
produzem subjetividade marcada pela presença da
imagem e pelos discursos viso-espaciais (com o uso da
língua de sinais) provocando novas formas de
aprendizagem. Esta proposta se alicerça sobre as bases da
linguagem imagética, ou seja, tem no signo visual o
257
ponto forte no processo de ensinar e aprender. As
imagens visuais e as atividades lúdicas consistem em
ferramentas pedagógicas repletas de possibilidades de
vivências sensoriais e perceptivas, tornando-se recursos
importantes para uso em sala de aula. O ensino com
vistas ao desenvolvimento do conhecimento é importante
e precisa estar marcado dentro de situações que
privilegiem recursos visuais, experiências singulares e a
interação entre docentes e discentes em detrimento de
uma metodologia marcada por filosofias oralistas
(QUADROS; SCHMIEDT, 2006).
Cumpre mencionar que incorporar ações
pedagógicas à prática exige mudanças conceituais e
estruturais, de todos os envolvidos, o que ainda constitui
um desafio a ser enfrentado. “Todos devem aprender
ciência como parte de sua formação cidadã, que
possibilite a atuação social responsável e com
discernimento diante de um mundo cada vez mais
complexo.” (BIZZO, 2004, p.157).
Por esse viés, as práticas pedagógicas de ensino
de ciências, envolvendo o aluno surdo, devem assumir
concepções e ideologias sócio-antropológicas de
educação, levando em consideração o ensino bilíngüe e a
criatividade, já que, “... é preciso trabalhar a criatividade
desde cedo para ampliar sua ação no pensamento
humano” (HAETINGER, 2005, p. 15). É fundamental
favorecer, nos ambientes educacionais, o ato criativo do
aluno, “... a mobilização do potencial criativo em todas
as disciplinas e
258
assuntos, dando valor ao pensamento produtivo, uma vez
que a criatividade estará presente em várias situações e
diversidades
de
assuntos”
(NOVAES
apud
HAETINGER, 2005, p. 130).
Para que o potencial intelectual e criativo de todas
as crianças, sejam elas ouvintes ou surdas, se desenvolva
satisfatoriamente é necessário que elas recebam
estímulos. E são a quantidade e a periodicidade desses
estímulos que vão determinar o quanto as capacidades de
um ser humano pode atingir.
Organizar ações pedagógicas atreladas às
perspectivas culturais e visuais de uma pedagogia visual,
em suas interfaces com a educação de crianças surdas,
são excelentes agentes facilitadores no desenvolvimento
do pensamento, sendo instrumentos eficazes no processo
de aprendizagem, desenvolvimento e socialização. Assim
sendo, o uso de imagens visuais se apresenta como uma
mudança significativa nos processos de ensino e
aprendizagem, que vai de encontro a essa busca
permitindo alterar o modelo tradicional do ensino
(PERLIN, 2006).
Dessa forma, para se utilizar dessa estratégia, o
educador deve ser sensível e conhecer as necessidades
dos alunos do ponto de vista lúdico e, sobretudo saber
orientar suas tarefas para alcançar os seus objetivos de
aprendizagem.
É preciso estar aberto a novos modos de atuar,
baseado nos conhecimentos teóricos, produzindo
259
situações que favoreçam a elaboração de novos
conhecimentos, atuando junto ao aluno surdo de forma
competente e com bases teóricas sólidas, propiciando que
este se constitua sujeito com, na e pela ação, respeitando
seus modos de construção e apropriação do
conhecimento.
APRENDENDO E ENSINANDO CIÊNCIAS PARA
ALUNOS SURDOS
A discussão acerca da educação de surdos e da
forma como crianças surdas aprendem e captam
informações exteriores é antiga, mas não exaustiva, e
ainda há muito que se pesquisar, se revelando um desafio
constante. Durante os 10 anos de vivência na educação
de surdos, sendo os dois últimos como professora de
ciências na modalidade de ensino Fundamental II, foi
possível perceber e comprovar as teorias na literatura
dessa temática sobre a riqueza das experiências vividas
por esses alunos, que quando desenvolvidas lhe trazem
possibilidades de novas descobertas. As interações com
os alunos surdos em sala de aula levam a uma
constatação premente e cheia de significados: o ensino de
ciências para alunos surdos não pode desconhecer a
natureza da língua natural para os surdos, que é a
LIBRAS, e nem como se dá o processo de aquisição do
conhecimento por esses alunos.
O objetivo desse estudo incide em sistematizar
ações pedagógicas atreladas às perspectivas culturais e
visuais de uma pedagogia visual, em suas interfaces com
a educação de crianças surdas, apresentando
260
possibilidades de promover a saúde no ensino de ciências
para alunos surdos, favorecendo por meio de aulas
prazerosas, criativas, lúdicas, contextualizadas, e que
respondam as necessidades específicas dos aprendizes,
com o fim de investigar os significados das experiências
visuais na medida em que estes se efetivam na linguagem
e em outras práticas de significação, destacando o uso de
imagens visuais.
As experiências visuais são as
que perpassam a visão. O que é
importante ver, estabelecer as
relações de olhar (que começam
na relação que os pais surdos
estabelecem com os bebês), usar
a direção do olhar para marcar as
relações gramaticais, ou seja, as
relações entre as partes que
formam os discursos. O visual é o
que
importa
[...]
Como
consequência é possível dizer que
a cultura é visual (QUADROS,
2003, p.93).
Não se trata de ensinar conteúdos aos alunos, mas
sim de investir no trabalho de construção da
compreensão dos mesmos, promovido com o uso de
recursos visuais, dando-lhes oportunidade para que
descubram novidades e participem com autonomia de
atividades estimuladoras.
A disciplina de Ciências traz naturalmente em sua
composição recursos visuais que chamam a atenção e
261
aguça a curiosidade, fundamental aos alunos surdos que
possuem como meio de comunicação primordial a língua
de sinais, língua esta que se utiliza do canal espaçovisual, ou seja, a realização da língua de sinais não é
estabelecida por meio do canal oral-auditivo, mas através
da visão e da utilização do espaço. Não é pantomima,
nem apenas "gestos". É uma LÍNGUA! Tem status
lingüístico completo, podendo, então, expressar não só
conceitos concretos, mas também abstratos, assim como
qualquer outro idioma (QUADROS; KARNOPP, 2004).
A utilização de imagens visuais consiste num
aliado para a educação e a aprendizagem em muitas áreas
do conhecimento, embora, muitas vezes, não sejam
explorados adequadamente pelo professor. Representam
ainda, um convite a expressão de necessidades,
questionamentos e desenvolvimento de potencialidades
dos alunos. Nas situações lúdicas não há o medo de errar,
a obrigação de saber e nem há melhores ou piores; e sim,
aprendizagem, baseada na vivência e nos recursos
visuais.
Karin Strobel (2008) comenta que o primeiro
artefato da cultura surda é a experiência visual no qual as
pessoas com surdez percebem o mundo de maneira
diferente. Perlin e Miranda coadunam com esse
pensamento quando afirmam que a “experiência visual
significa a utilização da visão, em substituição total à
audição, como meio de comunicação” (2003, p.218).
Essas percepções visuais devem ser estimuladas através
da língua de sinais e também de outros recursos que
tragam essa possibilidade.
262
Então é significativo que o professor proporcione
ambientes de aprendizagem de modo a favorecer
condições, como o conhecimento cultural e linguístico;
interações sociais positivas e envolvimento ativo com
outros indivíduos, valorizando a diferença e estimulando
as experiências visuais, ofertando uma pedagogia visual.
Nessa perspectiva, a Pedagogia Visual direciona
as práticas docentes para o uso de imagens visuais que
privilegiem a experiência visual da pessoa surda no
processo de ensino e aprendizagem revelando um novo
olhar sobre o processo de ensino e de aprendizagem de
alunos surdos, ressignificando a idéia de que esse
alunado apresenta dificuldades na assimilação de
conceitos “abstratos”, na organização da linguagem e na
fixação do vocabulário dado. “Nota-se que a grande
maioria das pessoas, inclusive no meio educacional, faz
uma imagem da pessoa surda considerando certas
características intrínsecas à surdez, e não como
conseqüência de uma falha ou um fracasso do método
utilizado na sua educação” (SILVA, 2003, p. 96).
Os estudos linguísticos sobre a educação de
surdos demonstram que as experiências visuais é fator
primordial para o desenvolvimento do alunado com
surdez. O ensino de ciências precisa, portanto, valorizar
tais condutas transformando-a em atividades que façam
parte do desenvolvimento cognitivo dos surdos.
De acordo com Perlin (2006), a Pedagogia Visual
propõe pensar o surdo como sujeito de sua própria
263
história. Essa pedagogia traz alguns elementos
pedagógicos fundamentais para a discussão de seu lugar
na educação dos surdos. Esses elementos não esgotam a
discussão, mas dão o pontapé inicial: i) enfatizar o fato
de “ser surdo”; ii) conservar a identidade como povo
surdo; iii) exaltar a língua de sinais; iv) transmitir valores
culturais; v) constituir a interculturalidade.
Quadros (2003), ressalta a relevância das
experiências visuais características das comunidades
surdas ao colocar que:
As experiências visuais são as
que perpassam a visão. O que é
importante ver, estabelecer as
relações de olhar (que começam
na relação que os pais surdos
estabelecem com os bebês), usar
a direção do olhar para marcar as
relações gramaticais, ou seja, as
relações entre as partes que
formam os discursos. O visual é o
que
importa
[...]
Como
consequência é possível dizer que
a cultura é visual (p.93).
As experiências visuais fazem parte da cultura
surda e é através de uma língua visual-espacial, a língua
de sinais, que o surdo constitui-se enquanto sujeito, ao
desenvolver a linguagem e o pensamento, sendo esta
adquirida naturalmente e com rapidez pelos surdos,
possibilitando a essas pessoas um desenvolvimento
264
cognitivo e social muito mais adequado e compatível
com sua idade, além de uma comunicação eficiente e
completa (PERLIN; MIRANDA, 2003).
O ensino de ciências deve estimular o interesse
do aluno, que é a força motora de todo o processo de
ensino-aprendizagem. Sabemos que uma inteligência
jamais é estimulada isoladamente, mas existem linhas de
estimulação que devem ser reforçadas em cada
inteligência. No caso da Inteligência Naturalista,
associada à disciplina de ciências, as linhas de
estimulação propostas por Celso Antunes (2002) são:
curiosidade, exploração, descoberta, interação, para
quebrar com a visão do ensino meramente conteudístico.
Dentro dessa filosofia, dada a especificidade da
surdez, na educação é importante que a criança surda
tenha oportunidade de interagir no ambiente educacional
com a utilização de imagens e recursos visuais em seus
aspectos lúdicos. “Crianças surdas em contato inicial
com a língua de sinais necessitam de referências da
linguagem visual com as quais tenham possibilidade de
interagir, para construir significado” (CAMPELLO,
2007, p.16), facilitando todo o processo de
aprendizagem. Os recursos visuais ganham espaço como
instrumento
motivador
para aprendizagem de
conhecimentos na área de ciências, já que propõe
estímulos ao interesse do aluno, ajudando-o a construir
novas descobertas. Além de levar o professor a condição
de condutor, mediador, estimulador e avaliador da
aprendizagem.
265
Com o propósito de contribuir para a
compreensão desse cenário de novas possibilidades e
tendo como pressuposto teórico as formulações da
corrente histórico-cultural e as contribuições conceituais
de Perlin (2006), Perlin; Miranda (2003), Reily (2003),
Campello (2007), foi realizado uma pesquisa-ação com
alunos surdos de 6º e 7º ano do ensino fundamental II de
uma escola especial. A pesquisa abrange um estudo
longitudinal, em que houve a inclusão de recursos visuais
(jogos, Slides PowerPoint, experiências científicas,
cartazes, fotos) como ferramenta pedagógica para a
construção da aprendizagem e interação desses alunos na
sala de aula, fazendo parte da rotina didática.
OS CAMINHOS DESSE PERCURSO
A pesquisa tem característica exploratória e
qualitativa, uma vez que se pretende buscar dados sobre
os resultados da ação pedagógica docente no espaço da
sala de aula, que o auxiliem a avaliar a aprendizagem do
ensino de ciências. Como também avaliar se os recursos
visuais utilizados são capazes de provocar mudanças
conceituais nos alunos surdos, em relação aos conceitos
trabalhados. E ainda, investigar possíveis mudanças nas
concepções prévias dos alunos a partir da utilização
desses recursos, confirmando ou não, a influência destes
no processo de ensino-aprendizagem. A pesquisa visa dar
subsídios aos professores de alunos surdos do ensino
Fundamental e/ou Médio que utilizam ou pretendem
utilizar novas estratégias como recurso didáticopedagógico em sala de aula.
266
O plano amostral foi definido a partir de uma
população composta por 62 alunos surdos, com idades
entre 12 e 16 anos, de 6º e 7º ano do ensino fundamental
II, do Instituto Cearense de Educação de Surdos – ICES,
localizado em Fortaleza, Ceará. A pesquisa de campo foi
realizada no período de fevereiro a junho de 2009.
Os recursos visuais foram apresentados aos
alunos em conformidade com o plano de aula e os
conteúdos definidos para o período. A opção pelo
envolvimento de todos os alunos nesse estudo se deu pelo
fato de vivenciarmos a aplicação dos jogos, dos slides,
dos cartazes, fotos, dentro do planejamento. Esses
materiais foram elaborados com base na literatura dessa
temática sobre imagens e recursos visuais, e outros foram
criados pela professora, com conteúdos específicos
como: Célula Animal e Vegetal, Organelas
Citoplasmáticas, Acidentes Domésticos, Organização e
Classificação dos Seres Vivos e Genética.
O plano de aula é importante tanto para o
professor quanto para os alunos, pois facilita o
andamento dos estudos em direção ao objetivo proposto e
otimiza o tempo, além de indicar as estratégias a serem
utilizadas para a abordagem dos temas. A contribuição
dessa proposta de trabalho é tornar prática cotidiana o
ensino despertado pelo interesse do aluno, valorizando
mais experiências e descobertas e que o professor seja o
mediador. Nesse sentido, o interesse do aluno passa “a
ser força que comanda o processo de aprendizagem, suas
experiências e descobertas, o motor de seu progresso e o
267
professor um gerador de situações e estimuladoras e
eficazes” (ANTUNES, 1998, p.36).
Vale ressaltar que, na experiência lúdica com
jogos (um dos recursos visuais utilizados), constatou-se
que apesar de suas possibilidades de promoção da
aprendizagem e de ser uma atividade comum ao ser
humano e habitual em crianças e adolescentes, estes
foram percebidos inicialmente pelos alunos surdos com
estranheza e sentimento de inutilidade, como atividade
supérflua.
Esse fato pode ser compreendido em virtude da
mudança de ação pedagógica tradicional e habitual para o
ensino de ação e participação efetiva não ser simples nem
ocorrer de forma linear.
Dependeu sobretudo da
consistência e persistência das atividades. Assim sendo,
os educadores precisam estar atentos para que as
estratégias
educativas
sejam
adequadas
e
contextualizadas, garantindo no cotidiano da sala de aula,
o exercício da participação dos alunos que permitam a
iniciativa e o interesse, assegurando-lhes um saber com
real significado. É preciso proporcionar-lhes outras
experiências, trocar pontos de vista sobre um
determinado assunto. “Quando se tira da criança a
possibilidade de conhecer este ou aquele aspecto da
realidade, na verdade está alienando-a da sua capacidade
de construir seu conhecimento” (FREIRE, 1982, p.15).
Os jogos aplicados nas turmas de 6º e 7º ano
foram criados pela professora e também utilizados de
outras fontes, como por exemplo, no 7º ano o jogo
268
“Célula”, abordando a estrutura celular animal e vegetal,
idealizado por CHEIDA, 2002; o “Dominó das
Organelas”, envolvendo o conteúdo, Organelas
Citoplasmáticas, que consiste em um dominó de
associação entre organelas e funções; e “Arrumando os
Reinos”, que explora os conteúdos de organização e
classificação dos seres vivos, onde os alunos recebem
várias imagens de plantas, animais, fungos, bactérias,
protozoários e deverão organizá-los dentro dos reinos
estudados. No 6º ano o jogo utilizado foi: “Cotidiano”,
que aborda o assunto sobre acidentes domésticos.
Após a conclusão da fase de aplicação dos jogos
ocorreram avaliações individuais e argüições em
LIBRAS44 onde evidenciou os efeitos práticos dos
mesmos na ação discente. Da mesma forma, percebeuse que os alunos aprendem com mais eficácia por meio
de jogos em grupo do que individuais através de lições e
folhas digitadas onde predomina o trabalho mecânico e a
memorização, tornando evidente que o jogo é mais
adequado no ato de aprender.
Os jogos mencionados e utilizados na sala de aula
como alternativa didático-pedagógica visavam estimular
e despertar interesse nos alunos nas aulas de ciências, em
virtude das grandes dificuldades dos alunos em aprender
os conteúdos, por falta de uma metodologia de ensino
mais adequada.
44
As argüições em LIBRAS decorrem da necessidade de
entendimento do surdo sobre o contexto e consistem em diálogos
interativos na sua língua materna, que é a língua de sinais.
269
Além dos jogos, foi utilizado em cada aula slides
carregados de imagens (fotos), vídeos (curtas), gráficos,
SmartArt e observamos que com a utilização de imagens
visuais na educação de surdos, foi possível facilitar o
processo de ensino e aprendizagem, verificando um
aumento do envolvimento destes com o conhecimento
apresentado.
CONCLUSÃO
O recurso visual é uma estratégia importante para
o ensino e a aprendizagem de conceitos abstratos e
complexos, fornecendo a motivação interna, o raciocínio,
à argumentação, a interação entre alunos e entre
professores e alunos, por aliar os aspectos lúdicos ou
cognitivos. Esse recurso desenvolve no aluno surdo além
da cognição, isto é, a construção de representações
mentais, a afetividade, as funções sensório-motoras e a
área social, ou seja, as relações entre os alunos.
Vale ressaltar, que é preciso considerar que a
imagem, a experiência visual tem papel fundamental no
processo educacional, permitindo a criança surda
compreender, intervir e reagir no meio, tendo um efeito
facilitador na educação do surdo, função de instrumento
mediador de aprendizagem para esses alunos. A imagem
visual tem o potencial de ser aproveitada como recurso
de transmissão de conhecimento e no desenvolvimento
do raciocínio (REILY, 2003). A dica desenvolvida ao
redor de uma imagem visual permanece mais tempo na
cognição, do que um discurso extenso sobre pontos
teóricos, podendo ser utilizada como uma estratégia
270
inicial, para ser retirado depois, ou como auxílio
contínuo. As dicas visuais mantêm a atenção do aprendiz
por mais tempo comparadas às dicas verbais,
melhorando, por consequência, o seu aprendizado
(SINGER, 1980).
É preciso revelar um novo olhar sobre o processo
de ensino e de aprendizagem de alunos surdos,
resignificando as propostas para o trabalho educacional
com o aluno surdo, incluindo a utilização de imagens
visuais, como enfatiza Lacerda (2000, p. 81): “é
fundamental que a condição linguística do sujeito surdo
seja contemplada, se pretende que ele apreenda
conteúdos e desenvolva conhecimentos. Se a escola não
faz concessões metodológicas e curriculares... às suas
necessidades... sua escolaridade, deixa a desejar”.
Por meio desse estudo constatou-se que o uso de
imagens visuais traz a possibilidade de novas práticas
pedagógicas, e com o apoio da mediação através da
língua de sinais, com perguntas, narrações, explicações,
exposição da imagem, o aluno surdo entra em contato
com um pensar não literal, criando conceitos novos e
compreendendo diferentes sentidos das representações,
elaborando relações entre elas (NERY; BATISTA,
2004).
O ensino muda para ser coerente com o mundo
dinâmico no qual vivemos e cujas transformações fazem
expandir o âmbito da sala de aula. Como sujeitos ativos e
participativos, os alunos precisam ser desafiados a
construir os conceitos e elaborá-los de acordo com sua
271
vivência. O estímulo observado entre os alunos que
participaram da aplicação das atividades é significativo e
a avaliação do aprendizado e do crescimento das
atividades coletivas soa facilmente constatáveis entre
eles. Observou-se também que, imagens visuais e
aprendizagem são dois aspectos intrinsecamente
relacionados na análise da experiência da surdez. Em
relação aos jogos, não há dúvida de que eles despertam
curiosidade e interesse. Vinculado a essa percepção, é
possível afirmar ainda que propicia uma riqueza de
expressividade, estabelecida pelo movimento e
desenvoltura dos alunos na relação com os jogos. Para
SMOLE (2007, p.12): “todo jogo por natureza desafia,
encanta, traz movimento, barulho e uma certa alegria
para o espaço no qual normalmente entram apenas o
livro, o caderno e o lápis.”
A Pedagogia Visual torna-se, então, uma proposta
educacional correlacionada com as necessidades
educativas dos alunos surdos, que cria condições para
que esse alunado experimente suas descobertas,
desenvolvam a confiança na própria capacidade de
aprender e tomar decisões, serem autônomos.
Este trabalho não está concluído, pois necessita de
mais pesquisas e depoimentos dos professores sobre os
resultados. Na confiança de estar no caminho certo,
devido às respostas recebidas, esse trabalho fortalece a
parceria buscada pelas instituições de ensino na tentativa
de assegurar a aprendizagem do aluno. Além de
fortalecer a auto-estima dos surdos para que se percebam
como pessoas inteligentes, participativas, capazes de
272
superar dificuldades. Espera-se que essa experiência
contribua para a apropriação de conhecimento, e também
para sensibilizar os professores sobre a importância
desses materiais, motivando-os à aplicação e elaboração
desses recursos. Para sua permanência é necessário
mudanças de estratégias de ensino, tendo em vista que o
propósito não é transmitir conteúdos descontextualizados
para serem memorizados; mas criar situações
estimuladoras,
lúdicas,
que
provoquem
o
desenvolvimento.
Ensinar não é transmitir conhecimento; ensinar é
troca, é desenvolvimento de competências, onde o aluno
é agente ativo dessa aprendizagem; “não existe ensino
sem que ocorra a aprendizagem, e esta não acontece
senão pela transformação, pela ação facilitadora do
professor, do processo de busca do conhecimento, que
deve sempre partir do aluno”. (ANTUNES, 1998, p.36).
REFERÊNCIAS
ANTUNES, C. Jogos para a estimulação das múltiplas
inteligências. Petrópolis (RJ): Vozes, 1998.
BIZZO, N. Ciências biológicas. In: DPEM/SEB/MEC.
Orientações Curriculares do Ensino Médio. Brasília:
MEC/SEB, 2004.
BOTELHO, P. Linguagem e letramento na educação
dos surdos – Ideologias e práticas pedagógicas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.
273
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Especial. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002.
Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
BRASIL. CNE/CEB N º 2, DE 11 DE FEVEREIRO DE
2001.
CANONGIA, M. B. Manual de terapia da palavra.
Anatomia, fisiologia, semiologia e o estudo da
articulação dos fonemas. Rio de Janeiro: Atheneu, 1981.
CHEIDA, L. E. Biologia Integrada. São Paulo: FTD,
2002 (Coleção biologia integrada).
FREIRE, M. A paixão de conhecer o mundo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982
GÓES, M.C.R. Com quem as crianças dialogam? In:
GÓES, M. C. R.; LACERDA, C. B. F. de (Org.). Surdez:
processos educativos e subjetividade. São Paulo:
Lovise, 2000.
HAETINGER, M. G. O universo criativo da criança na
educação. 2 ed. Porto Alegre: Instituto Criar, 2005
LACERDA, C. B. F. O intérprete de Língua de Sinais no
contexto de uma sala de aula de alunos ouvintes:
problematizando a questão. In: LACERDA, C.B.F.;
GÓES, M. C.R. Surdez: processos educativos e
subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000.
274
MACHADO, P. C. A política educacional de
integração/inclusão: um olhar do egresso surdo.
Florianópolis: UFSC, 2008
MAGALHÃES, R. de C. P.; LAGE, A. M. V. L. ... [et
all]. Reflexões sobre a diferença: uma introdução à
educação especial. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha,
2002.
NERY, C. A; BATISTA, C. G. Imagens Visuais como
recursos pedagógicos na educação de uma adolescente
surda: um estudo de caso. Ribeirão Preto/USP: Revista
Paidéia: cadernos de Psicologia e Educação, Volume 14,
Nº 29, 2004, p. 287-299.
PERLIN, G. Surdos e Pedagogia. In: Seminário
Brasileiro de Estudos Culturais e Educação, 2, 2006,
Canoas. Anais eletrônico do 2º Seminário Brasileiro de
Estudos Culturais e Educação: educação e cultura
contemporânea. Canoas: Editora: ULBRA, 2006.
QUADROS, R. M. de. Situando as diferenças
implicadas na educação de surdos: Inclusão/Exclusão.
Revista Ponto de Vista, N.5. NUP.UFSC, Florianópolis,
2003.
QUADROS, R. M. de; KARNOPP, L. B. Língua de
Sinais Brasileira: Estudos lingüísticos. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
_____; SCHMIEDT, M. L. P. Idéias para ensinar
português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP,
2006.
275
SASSAKI, R. K. Terminologia sobre deficiência na
era
da
inclusão.
http://sentidos.
vol.com.br/anais/matéria.asp?codpaz=83228.canal=opini
ão-54k.
SILVA, A. B. de P. Surdez, inteligência e afetividade. In:
SILVA, I. R.; KAUCHAKJE, S.; GESULI, Z. M. (Org.),
Cidadania, Surdez e Linguagem, São Paulo: Plexus
Editora, 2003.
SILVA, V., Educação de Surdos: Uma releitura da
prime9ra escola pública para surdos em Paris e do
Congresso de Milão em 1880. QUADROS, Ronice
Muller de (Org.). Estudos surdos I. Petrópolis (RJ):
Arara Azul, 2006.
SINGER, R.N. Motor learning and human
performance: an application to motor skills and
movement behaviors. 3ª.ed. New York: MacMillan
Publishing Co., 1980.
SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I.; CÂNDIDO P. Jogos de
matemática de 6º a 9º ano. Porto Alegre: Artmed, 2007.
STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura
surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.
276
UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO E
APRENDIZAGEM DA ESCRITA EM LÍNGUA
INGLESA POR MEIO DE BLOGS.
Autora: Adriana Regina Dantas Martins. FGF.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A contribuição das novas tecnologias no processo
de ensino-aprendizagem foi uma das motivações para
este trabalho.
Podemos pensar que a sociedade, em termos
gerais, mudou e tem mudado desde o surgimento da
internet e, em termos de língua, o inglês, ainda parece ser
predominante nos meios digitais. As práticas sociais e
educacionais têm tomado uma nova postura e a escola
não podia ficar alheia a esta “avalanche digital”.
Dentro
do
“hibridismo”
(Marcuschi) 45
característico nos novos gêneros emergentes é que a
relação ensino-aprendizagem tem se reestruturado com
uma nova face, e também tem contribuído para a
reconstrução e resignificação do conhecimento.
Em termos práticos podemos perceber o
surgimento de novos gêneros textuais, que, neste caso,
podemos classificar como e–gêneros (Araújo, 2007),
como o blog que foi o foco de nossa pesquisa.
Pesquisamos a escrita em LI por meio de blogs,
com o objetivo de trazer a pesquisa-ação realizada na
45
www.proead.unit.br/professor/linguaportuguesa/arquivos/textos/Ge
neros_textuias_definicoes_funcionalidade.rtf. Acesso em 4/3/2009.
277
prática de ensino de inglês por meio de blogs, o
letramento digital e a produção textual baseada no
modelo de Hayes e Flower (Kato1999).
Nos apoiamos também em Araújo(2007), Braga
(2007), Roth (2007), Caiado (2007), Kato (1999), entre
outros, para o estudo do blog enquanto gênero e nas
etapas de escrita segundo a perspectiva de Hayes e
Flower (Kato, 1999) para os nossos encaminhamentos
pedagógicos para a produção escrita, como demonstra o
quadro anterior.
A pesquisa aconteceu em dois momentos. O
primeiro momento foi marcado pelo intenso processo de
“Letramento Digital”, em que mediamos a utilização das
ferramentas digitais para a construção do blog.
O segundo momento foi a etapa de intervenção:
com base no modelo, o foco intenso na produção escrita
para que os alunos mantivessem o blog.
278
METODOLOGIA
A metodologia desta pesquisa tem natureza
qualitativa e é caracterizada como pesquisa-ação, já que
os dados serão coletados no campo de atuação da
professora-pesquisadora que investiga as suas ações,
busca entender os problemas e propõe intervenções
(Erickson, 1986).
A
pesquisa-ação
é
um
instrumento valioso, ao qual os
professores podem recorrer com o
intuito de melhorarem o processo
de ensino-aprendizagem, pelo
menos no ambiente em que
atuam. O benefício da pesquisaação está no fornecimento de
subsídios para o ensino: ela
apresenta ao professor subsídios
razoáveis para a tomada de
decisões, embora, muitas vezes,
de caráter provisório. 46
A decisão de investigar a ação na pesquisa-ação é
ter também a finalidade de refletir seu sentido, suas
46
. Disponível em:
<http://www.educaremrevista.ufpr.br/arquivos_16/irineu_engel.pdf>
. Acesso em 19/03/2009.
279
configurações e compreender os processos que
estruturam a prática didática (Franco, 2005) 47.
Consideramos a pesquisa-ação um processo
interativo entre o pesquisador e o objeto de pesquisa, e a
possibilidade de cada reflexão remete a uma nova ação.
A constante análise da ação e os reflexos desta é uma
postura que consideramos imprescindível nesse processo
cíclico coletivo e capaz de garantir a formação de
professores pesquisadores.
O contexto pesquisado foi uma sala de aula
equipada com quadro branco, televisor de vinte e nove
polegadas interligado a um computador conectado à
internet, entre outros recursos multimídia funcionando
adequadamente. Além do cenário da sala de aula, um
laboratório de informática também foi cenário da
pesquisa, com aproximadamente vinte e cinco
computadores conectados à internet para os alunos, e
para o professor um computador com internet ligado a
um televisor de vinte e nove polegadas e um quadro
branco. A aula no laboratório contava com a presença de
um técnico em informática para assessorar os usuários e
resolver possíveis problemas.
As aulas foram ministradas em uma faculdade
particular da cidade de Fortaleza dentro de um projeto
denominado: “Curso de Línguas para a Comunidade”,
que acontecia aos sábados no horário de 08h00min as
47
Disponível em:
<http://www.unicentro.br/extensao/pde/cursos/abordagens/curso_pde
_pesquisa_a%C3%A7%C3%A3o.pdf >. Acesso em 19/03/2009.
280
11h30min, com carga horária de 40 horas em sala de
aula.
Os participantes docentes foram duas alunasprofessoras do curso de Letras que desenvolviam sua
prática de estágio supervisionado em Língua Inglesa. A
primeira professora (doravante P1), é a professorapesquisadora, e a segunda professora (doravante P2)
compunha o grupo de prática de ensino em estágio
supervisionado.
Dos participantes discentes, foram trinta e cinco
alunos na faixa etária predominante entre 16 e 26 anos
(vinte e cinco alunos). Porém, havia três alunos na faixa
etária entre 8 e 11 anos, e três alunos na faixa etária entre
31 a 49 anos. No total eram quatorze homens e vinte e
uma mulheres.
Concernente ao grau de instrução treze eram
alunos do ensino médio e oito já o haviam concluído,
cinco eram alunos do Fundamental II e nove cursavam o
ensino superior. Sobre o perfil familiar, podemos dizer
que quase todos tinham pelo menos um genitor que havia
concluído o Ensino Médio.
Embora a heterogeneidade da turma, essa variante
não foi levada em conta nesse trabalho, mas pode ser
pesquisada em outro momento por nós ou por outro
pesquisador.
Os dados foram coletados pela observação da
prática na sala de aula, considerando o plano de aula e
registros por meio de diários reflexivos da P1. Além dos
diários, algumas aulas foram filmadas e sessões de
visionamento também contribuíram para a montagem do
corpus de dados. Também utilizados o registro da
produção escrita dos alunos nos blogs.
281
ANÁLISE DOS DADOS
A análise dos dados consiste de dois momentos:
um inicial e uma intervenção. No momento inicial que
traremos a seguir, descrevemos como foi o trabalho de
sala de aula para que os alunos construíssem os blogs. A
partir daí, foi possível verificar as dificuldades e
necessidades dos alunos para, então, elaborar um plano
estratégico, com base no modelo de produção textual
(Kato, 1999) e, assim, intervir no processo conforme os
pressupostos teóricos da pesquisa-ação.
1º MOMENTO: A CONSTRUÇÃO DO BLOGLEITURA E LETRAMENTO DIGITAL
Para a análise do momento inicial, apoiamo-nos
nos dados provenientes dos seguintes instrumentos: o
plano de aula, o diário da professora-pesquisadora (P1), e
o registro da produção escrita dos alunos nos blogs.
A aula estava planejada da seguinte maneira:
como tema, trouxemos para a discussão “as mudanças
sociais e educacionais” e “a introdução ao e-gênero
blog”. Os objetivos eram possibilitar incentivar a
criticidade do aluno a partir do tema “mudanças” e a
compreensão da estrutura gramatical “used to” quanto a
sua função comunicativa. Além disso, outros objetivos da
aula eram o de identificação da estrutura textual do
gênero blog e a construção de um blog com finalidades
educacionais. Coerentemente, os conteúdos selecionados
foram o gênero blog e as etapas de sua construção;
alguns falsos cognatos e a estrutura “used to”. Quanto a
metodologia, a aula foi planejada em dois momentos: no
282
primeiro momento, na sala de aula presencial equipada
com um computador usado pela professora,
questionamos os alunos com as seguintes perguntas:
“Quem sabe o que é um blog?; Quem tem um?; Alguém
interage através de blogs?; Vocês sabem criar um blog?”
Após os questionamentos, o suporte gramatical
seria dado a partir de um diálogo em forma de vídeo
disponibilizado em um blog educacional. Queríamos
priorizar a função gramatical em detrimento da forma. Os
alunos receberiam um texto de uma situação do cotidiano
que contivesse a estrutura gramatical proposta e eles
identificariam os “falsos cognatos” e o “used to” na
situação de uso. Para isso, planejamos dividir o grupo em
equipes, seguindo critérios como faixa etária, afinidade
pessoal ou nível de conhecimento, para contribuir com as
postagens nos blogs. Fundamentado em alguns temas
transversais contidos nos PCNs, cada equipe escolheria
um assunto para postar um texto em seu blog relacionado
a “mudanças” que poderiam ser: meio ambiente;
comportamento dos diversos povos; família; moda; arte;
variação linguística, entre outros.
No segundo momento, no laboratório, os alunos
iriam pesquisar alguns tipos de blogs, para identificar as
características mais recorrentes deste gênero e, assim,
cada grupo iniciaria a construção do seu blog e depois
fariam uma pesquisa para postagem do texto.
Como proposto no plano de aula, iniciamos com
as discussões e reflexões sobre “blogs”, suas
características, também discutimos com os alunos sobre o
tema “mudanças”, nesta perspectiva oferecemos um
insumo de língua (gramatical) que utilizamos quando
falamos de práticas diárias ou do que aconteceu no
283
passado e hoje não acontece mais (used to); e também de
que nem tudo é o que parece (falsos cognatos). O assunto
era próximo do contexto diário dos alunos e estava
inserido dentro da aula o que tornou este momento
motivador, pois além da contextualização da vida deles,
as tecnologias participaram como suporte para
aprendizagem de forma significativa e lúdica.
Considerando o número de trinta e cinco alunos
formamos seis equipes.
No segundo momento no laboratório de
informática, iniciamos abrindo alguns tipos de blogs, a
fim de que eles conhecessem a estrutura, a disposição das
postagens e dos links. Explicamos como é o processo
interativo neste gênero e como a escrita se configura ali,
também esclarecemos algumas palavras do vocabulário
pertinente a este e-gênero como: administrador,
colaborador, seguidor, post, link, entre outros.
Orientamos que cada grupo elegesse um
“administrador”, de preferência que este já possuísse um
email Google (gmail, hotmail, Yahoo, Orkut).
Iniciamos navegando pelo site de busca e
abrimos o link da blogspot, para criar um blog gratuito, o
aluno preencheu o espaço de email e senha e iniciou as
etapas de construção. Esta etapa foi simples, e criamos
cinco blogs, mas o sexto blog não foi efetivado, pois dos
componentes da equipe (8 -12 anos), dois não possuíam
email e o aluno administrador não possuía uma conta
Google. Neste caso orientamos criar um email, para que
na próxima aula construíssemos o blog.
Podemos dizer positivamente que a construção foi
um intenso processo de “Letramento Digital”, levando
em consideração que entre vinte e nove alunos, que eram
284
os presentes nesta aula em questão, aproximadamente
vinte e dois possuíam email e nenhum sabia criar um
blog, podemos citar também que os alunos estavam
motivados, por estarem aprendendo manusear as
ferramentas virtuais. De forma prática percebíamos que
durante as atividades os alunos esboçavam confiança,
autonomia e satisfação na resolução das etapas.
Confirmamos estas atitudes dos alunos, por
exemplo, quando alguns grupos passarem a postar
imagens, clips e textos encontrados por eles na internet, o
que pode demonstrar autonomia na busca e na escolha, já
que as professoras não interferiram neste contexto, porém
percebendo a dificuldade que eles demonstraram para
interagir nos blogs, resolvemos propor uma aula, a fim de
intervir na produção escrita deles, e descreveremos a
seguir.
ENSINO DE PRODUÇÃO ESCRITA EM LÍNGUA
INGLESA
Para a análise do segundo momento, apoiamo-nos
nos dados provenientes dos seguintes instrumentos: o
plano de aula, o diário da professora-pesquisadora (P1), a
filmagem e o registro da produção escrita dos alunos.
A aula deste segundo momento foi planejada de
acordo com as etapas de produção escrita proposta por
Hayes e Flower (Kato, 1999).
O tema da aula era “A violência na sociedade e
seu impacto nas relações sociais”. Os objetivos eram de
identificar os elementos da narrativa (situação inicial,
ação- problema–reação, busca por solução, situação
final); identificar os tempos verbais no passado simples
285
em inglês, tanto regulares como irregulares; identificar os
marcadores temporais e seu papel na estrutura narrativa;
e produzir narrativas em língua inglesa. Os conteúdos
eram a estrutura narrativa em um texto jornalístico e em
um texto literário; verbos no passado; tabela de verbos
irregulares; e marcadores temporais.
A metodologia planejada para a aula era
desenvolver todas as atividades propostas no laboratório
de informática e todo material utilizado para esta aula
seria proveniente do ambiente virtual com sites préselecionados e disponibilizados em “interesting links” no
blog das professoras (interenglishteacher.blogspot.com).
A partir da figura selecionada no link:
(<http://aldoadv.files.wordpress.com/2007/02/violenciamedo.jpg>), os alunos discutiriam o comportamento
humano face à violência e as reações que esboçamos ou
não, por causa do medo, como a omissão de socorro e a
passividade. Esta atividade corresponde à primeira etapa
do modelo de Hayes e Flower que é o resgate do
conhecimento prévio do aluno e o processamento,
geração e organização das idéias (brainstorm).
Feito isto, o aluno deveria abrir o link:
(<http://www.teensay.co.uk/showbiz/angelina-jolie-andbrad-pitt-robbed_197.html>), ler e comentar a
reportagem e mostrar a estrutura narrativa, a construção
gramatical do “simple past” e identificar e marcadores
temporais. Nos links:
(<http://www.englishpage.com/verbpage/simplepast.html
>,<http://www.brasilescola.com/ingles/simple-past.htm>)
os alunos iriam apresentar a estrutura gramatical do
passado e a formação nos verbos regulares e irregulares.
A partir do link:
286
(< http://en.wikipedia.org/wiki/Cinderella>), mostrar a
construção da narrativa no texto literário Cinderela em
inglês, e pedir que eles identificassem, durante a leitura,
as construções do passado e como se constitui a narrativa
associando aos marcadores temporais: Qual a situação
inicial? (once, in one afternoon); Qual o problema/ação?
(after, then, suddenly); Qual a reação/tentativas de
solução? (After, so); Qual a situação final? (finally, in the
end) e, finalmente, como suporte para leitura e escrita os
links dos dicionários Michaellis e Longman
(<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.p
hp?lingua=portuguesportugues&palavra=supersti%E7%E3o>,
<http://www.ldoceonline.com/>).
O processo citado acima corresponde ao
“contexto da tarefa” do modelo Hayes e Flowers, que são
as instruções e os elementos necessários para uma
produção significativa.
Cada equipe teria que escrever uma narrativa
contando uma situação inusitada causada por medo da
violência ou um episódio de assalto que tenha acontecido
com ele ou com algum conhecido. Eles poderiam eleger a
melhor narrativa do grupo, e então, escrever em
português utilizando o editor de textos do “word” no
idioma português e depois traduzir para o inglês
configurando a página no idioma inglês. Faríamos um
rodízio entre as equipes para que cada uma corrigisse a
produção textual de outra equipe, e depois voltaríamos os
grupos para a finalização do texto e para postagem no
blog. Este processo é o “tradutor”, pois é o momento em
que o aluno materializa no papel o texto constituído em
sua mente e seguidamente o “Revisor”, já que o aluno
287
precisa ler e corrigir o texto produzido. Podemos dizer
que todas as etapas são constantemente fiscalizadas pelo
seu “monitor”, que planeja, estabelece as metas e faz a
editoração do texto.
No laboratório, a partir dos links no blog das
professoras, iniciamos as discussões a partir da leitura da
imagem, refletindo o impacto da violência sobre o
comportamento humano.
Através da interação passamos a resgatar o
conhecimento prévio dos alunos e também incentivamos
o processamento das idéias, já que este é um constante
processo de interação entre a geração e a organização das
mesmas.
Partindo do gênero para o estrutural e trabalhando
a estrutura da narrativa e da gramática dentro do contexto
jornalístico e literário, lemos a notícia que falava de um
roubo de fotos de uma famosa atriz americana, durante a
leitura pontuamos as formações de “simple past” e
marcadores temporais. Depois abrimos os links de
suporte gramatical e mostramos aos alunos a constituição
dos verbos regulares e irregulares neste tempo verbal.
Iniciamos a leitura do texto “Cinderela”, pedimos
que os alunos identificassem em cada linha as formações
do “simple past” e eles prontamente identificaram tanto
dos verbos regulares como dos irregulares.
A prática de incentivar os alunos a identificarem a
gramática dentro dos gêneros textuais é uma atividade
significativa, pois o suporte estrutural da língua é visto
pela sua função e percebemos que os alunos conseguiram
identificar tanto os verbos regulares quanto os
irregulares. Podemos dizer que isso é positivo, pois
compreende a etapa do contexto da tarefa, com as
288
instruções necessárias para que o aluno consiga
desenvolver sua produção textual.
Orientamos que cada equipe abrisse o editor de
textos do “Word”, selecionassem a narrativa mais
representativa do grupo e escrevessem em português.
Depois pedimos que transcrevessem em inglês. Para este
processo a maioria dos grupos utilizou o tradutor de
textos do Google.
Percebemos que no momento da escrita em
português os alunos não tiveram dificuldades em acionar
o “tradutor”, que foi o momento de passar para o papel as
idéias que estavam na mente, talvez pelo motivo de que a
atividade foi próxima a realidade deles.
No momento de transcrever o texto para o inglês a
utilização do tradutor automático do Google foi uma
estratégia que os alunos utilizaram, mas no momento da
revisão do texto eles compreenderam que algumas
palavras não são muito usuais na fala, então a partir desta
atitude podemos identificar que o “revisor” foi acionado,
interagindo com seu conhecimento prévio, já que ele
percebeu que o tradutor automático pode ser uma
ferramenta de auxilio para a LI, mas é necessário a
compreensão lingüística do idioma.
Podemos perceber que a ação de revisar acontece
pelas etapas de leitura e correção e o “monitor” está
presente em todas as etapas através de uma constante
interação com todas as outras etapas.
Dois grupos utilizaram o tradutor e perceberam
que algumas palavras ficaram sem sentido; dois grupos
não utilizaram o tradutor automático e tentavam traduzir
palavra por palavra. Para isso, buscavam tanto o auxilio
do dicionário como do seu próprio conhecimento. Estes
289
alunos contaram também em alguns momentos com o
auxílio das professoras, mas demonstraram autonomia
durante todo o processo; um grupo utilizou o tradutor
automático e não achou necessário fazer alterações em
seu texto e um grupo não conseguiu desenvolver a
atividade sozinho, necessitando ajuda da professora
durante todo o processo. Este caso, em especial, podemos
dizer que este aluno tem 8 anos e estava sozinho em seu
grupo, pois os outros componentes haviam faltado.
Constatamos que as etapas de escrita propostas
por Hayes e Flower auxiliou significativamente no
desenvolvimento da atividade proposta. Percebemos que
o tipo de proposta textual é muito importante para que o
aluno consiga efetivar a tarefa. Por exemplo, a atividade
proposta preparou o aluno para executá-la, delimitando
os objetivos e leitor alvo, já que seria postado no blog.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos perceber que durante a pesquisa-ação os
objetivos foram contemplados.
Os PCNSEM (2006) orientam que é papel da
escola e do professor contribuírem com a inclusão social,
possibilitando ao aluno a habilidade de interagir através
das ferramentas virtuais. Neste sentido acreditamos que
cumprimos nosso papel enquanto professoras nesta
prática, já que todos os alunos aprenderam a construir um
blog e interagir através das ferramentas digitais neste
ambiente.
No tocante a produção escrita de acordo com o
modelo de Hayes e Flower (Kato, 1999), podemos dizer
que auxiliou na produção escrita na Língua Materna, já
290
em Língua Inglesa os alunos recorreram ao tradutor
automático para executar a tarefa. Este procedimento foi
autônomo e alguns alunos perceberam que o tradutor
automático pode deixar algumas partes do texto sem
sentido.
Então podemos concluir dizendo que durante todo
o processo foi fundamental a intervenção do professor
para que a atividade fosse concluída, por isso é
importante que o professor saiba interagir através das
ferramentas virtuais de forma significativa com o perfil
de cada turma e assim contribuir com o processo de
ensino-aprendizagem.
Podemos ainda citar o que diz Vygotsky
(1930/1984) que o sujeito não é apenas ativo, mas
interativo no processo de aprendizagem e se constitui a
partir das relações pessoais e intrapessoais e que tudo o
que foi proposto e desenvolvido contribuiu para que o
aluno se percebesse não como mero consumidor, mas
também produtor desta linguagem, o que ao nosso ver é
muito importante.
Afirmamos que há muito ainda a ser pesquisado
na área de produção escrita em língua inglesa. Nesta
etapa priorizamos algumas interpretações, mas
acreditamos que ainda possamos contribuir, voltando o
nosso olhar para alguns outros pontos que ainda não
foram tratados nesta pesquisa. Fica aqui, portanto a
proposta para uma nova caminhada ou observação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Júlio César. Internet e Ensino: Novos
Gêneros, Outros Desafios. IN: ARAÚJO. (Org.) Internet
291
& Ensino: Novos gêneros, outros desafios. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2007.
BRAGA, Denise Bértoli. Práticas Letradas Digitais:
Considerações sobre Possibilidades de Ensino e de
Reflexão Social Crítica. IN: ARAÚJO. (Org.) Internet &
Ensino: Novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2007.
CAIADO, Roberta Varginha Ramos. A Ortografia no
Gênero Weblog: Entre a Escrita Digital e a Escrita
Escolar. IN: ARAÚJO. (Org.) Internet & Ensino: Novos
gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
ERICKSON, F. Qualitative Methods in Research on
Teaching. In: WITTROCK, M. C. Handbook of Research
on Teaching: Project of the American Education
Research Association. New York: MacMillan, 1986.
KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva
psicolingüística. 7ª Ed. São Paulo: Ática, 1999.
PCNs EM - Parâmetros Curriculares Nacionais.
Linguagens Códigos e suas Tecnologias. Brasília:
Secretaria de Educação Básica, 2006.
ROTH, Désirée Motta; et.al. O Gênero Página Pessoal e
o Ensino de Produção Textual em Inglês. IN: ARAÚJO.
(Org.) Internet & Ensino: Novos gêneros, outros
desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
292
USO DO TEXTO LITERÁRIO SOB UMA
ABORDAGEM SÓCIO-CULTURAL NO ENSINO
DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
SABOIA, Andressa Luna48
ARAGÃO, Cleudene de Oliveira49
(Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada - UECE)
RESUMO
Conscientes de que as crenças dos professores podem
influenciar
bastante
sua
prática
docente
e,
consequentemente, a formação de seus alunos,
preocupou-nos o destaque dado por muitos professores
de Espanhol como Língua Estrangeira (E/LE) em
formação, atuantes no Núcleo de Línguas Estrangeiras de
nossa universidade (UECE), a tudo o que provém da
Espanha. Constatamos, através da aplicação de
questionários em pesquisa anteriormente realizada, a
existência de um excesso de prestígio atribuído à
variedade diatópica peninsular (vulgo: espanhol da
Espanha) e, por conseguinte, à cultura de modo geral
deste país, em detrimento do que procede da HispanoAmérica. Ou seja: por crenças e motivos variados, muitos
48
Licenciada em Letras (Português/Espanhol) e mestranda (bolsista
CAPES) do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada
(PosLA) pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail:
[email protected]
49
Professora (orientadora) do Programa de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará
(UECE). E-mail: [email protected]
293
desses professores não transmitem ou restringem as
informações dadas aos seus educandos sobre a riqueza
linguística, cultural etc. desse universo hispânico,
limitando o conhecimento por mero prestígio ou
preconceito linguístico, cultural etc. No entanto, foi
possível constatar uma relevante crença desses mesmos
sujeitos: a de que os alunos precisam ter consciência da
pluralidade linguística, cultural etc. que engloba dito
universo. Observando, pois, estes resultados e
conclusões, fez-se jus uma nova pesquisa, ora de ordem
bibliográfica, a fim de buscar um novo caminho para a
abordagem de tais questões em sala de aula de E/LE no
que tange, sobretudo, à abordagem sócio-cultural, tendo
em vista a relevância de uma formação pluralista.
Através dessa pesquisa bibliográfica, sobre o uso do texto
literário (TL) na aprendizagem de língua estrangeira,
enxergamos nele um excelente recurso didático para o
fim proposto e, evidentemente, para muitos outros no que
se refere ao ensino de línguas (no caso, E/LE). Sendo
assim, tomando por base, principalmente, os estudos de
Mendoza Fillola (2002, 2004, 2007), analisamos
diferentes meios de se enriquecer as aulas de E/LE por
meio do uso do TL, abordando as crenças desses
professores e objetivando a transformação positiva das
mesmas.
Palavras-chave: Texto literário. Abordagem sóciocultural. Ensino de E/LE.
294
INTRODUÇÃO
Embora os estudos sobre crenças no Brasil
venham sendo largamente realizados e discutidos não só
sob o aspecto dos aprendizes, mas também dos
professores, ainda não havíamos encontrado, quando da
efetivação da pesquisa que originou, no semestre letivo
2009.1, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) desta
mestranda – Licenciada em Letras Português/Espanhol
pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) –, nenhum
que tratasse especificamente sobre as crenças dos
professores de Espanhol como Língua Estrangeira
(doravante E/LE) a respeito das variedades diatópicas do
idioma e suas abordagens em sala de aula.
Deste modo, a pesquisa acima referida foi
realizada a fim de revelar as crenças dos professores em
formação do Curso de Letras/Espanhol da (UECE) –
atuantes no Núcleo de Línguas Estrangeiras50 – com
relação às variedades diatópicas da língua espanhola e o
tratamento dado por eles, em sala de aula, para o ensino
destas.
A motivação para esse estudo deveu-se,
especialmente, ao pensamento de que as crenças dos
professores podem influenciar bastante sua prática
docente e, consequentemente, a formação de seus alunos.
Para García Murga (2007), muitos professores destacam
as variedades diatópicas peninsulares em detrimento das
50
O Núcleo de Línguas Estrangeiras é um Projeto de Extensão
subordinado à Faculdade de Letras e objetiva proporcionar estágios
de docência aos alunos desse curso de licenciatura da Universidade
Estadual do Ceará.
295
hispano-americanas, por crenças e motivos variados, não
transmitindo aos educandos a riqueza da língua, ou
restringindo o conhecimento por motivos de prestígio ou
preconceito linguístico.
Assim, partindo do pensamento anteriormente
citado, preocupou-nos o destaque dado por muitos desses
professores de E/LE em formação, atuantes no Núcleo de
Línguas Estrangeiras da UECE, a tudo o que provém da
Espanha. Constatamos, através da aplicação de
questionários, a existência de um excesso de prestígio
atribuído à variedade diatópica peninsular (vulgo:
espanhol da Espanha) e, por conseguinte, à cultura de
modo geral deste país, em detrimento do que procede da
Hispano-América. Ou seja: por crenças e motivos
variados, muitos desses professores não transmitem ou
restringem as informações dadas aos seus educandos
sobre a riqueza linguística, cultural etc. desse universo
hispânico, limitando o conhecimento por mero prestígio
ou preconceito linguístico, cultural etc.
No entanto, foi possível constatar uma relevante
crença desses mesmos sujeitos: a de que os alunos
precisam ter consciência da pluralidade linguística,
cultural etc. que engloba dito universo. Observando, pois,
estes resultados e conclusões, fez-se jus uma nova
pesquisa, ora de ordem bibliográfica, a fim de buscar um
novo caminho para a abordagem de tais questões em sala
de aula de E/LE no que tange, sobretudo, à abordagem
sócio-cultural, tendo em vista a relevância de uma
formação pluralista. Através dessa pesquisa bibliográfica,
sobre o uso do texto literário (TL) na aprendizagem de
língua estrangeira, enxergamos nele um excelente recurso
didático para o fim proposto e, evidentemente, para
296
muitos outros no que se refere ao ensino de línguas (no
caso, E/LE). Sendo assim, tomando por base,
principalmente, os estudos de Mendoza Fillola (2002,
2004, 2007), analisamos diferentes meios de se
enriquecer as aulas de E/LE por meio do uso do TL,
abordando as crenças desses professores e objetivando a
transformação positiva das mesmas.
1 O USO DO TEXTO LITERÁRIO NO ENSINO DE
E/LE
Mendoza (2002) afirma que o TL é, muitas vezes,
esquecido no contexto de ensino de línguas por ser
considerado
complexo
e
bastante
elaborado,
linguisticamente falando. Logo, a não utilização ou a
subutilização desse recurso em sala de aula de língua
estrangeira (LE) deve-se a essas e outras crenças,
sobretudo por parte dos professores, os quais ainda
duvidam da concreta funcionalidade desses materiais e da
possibilidade de inúmeros tratamentos didáticos a partir
deles.
Hoje, há uma grande problemática em torno da
utilização do TL no contexto de ensino-aprendizagem de
LE, mas isso nem sempre foi assim, ou seja, o TL já teve
seu lugar de destaque no aprendizado de uma LE. Isso
nos mostra Albaladejo (2007) em seu resumo
retrospectivo acerca da presença e uso do TL nos
diferentes enfoques metodológicos, desde os anos 50,
quando da existência do método tradicional ou gramatical
– o qual fazia amplo uso da literatura em sua proposta de
ensino baseada apenas na tradução, memorização de
regras gramaticais e imitação de mostras “elevadas” de
297
língua –, até a chegada, nos anos 80, do método
comunicativo, cuja ênfase recai totalmente na língua
falada e na aquisição da competência comunicativa por
parte do aluno.
Em síntese, a subutilização de outrora do TL pelo
método tradicional foi, ao longo dos anos, substituída
pela não utilização desse recurso e, com o advento do
método comunicativo, uma nova subutilização surgiu por
crenças dentre as quais a mais recorrente é a de que o TL
possui uma linguagem muito rebuscada e, por essa razão,
dificulta ou impossibilita a compreensão por parte dos
aprendizes. Assim, estes últimos passam a ter crenças
semelhantes às de seus professores e acabam por resistir
a qualquer tentativa de aplicação desse recurso.
Em se tratando dos manuais de ensino de línguas,
quando estes não ignoram por completo o TL,
restringem-no a atividades meramente gramaticais ou
lexicais, muitas vezes sem qualquer conexão com a
proposta geral da unidade, sendo um mero apêndice,
passível de ser aplicado. E, infelizmente, a grande
maioria dos professores segue exatamente o que lhes
recomendam esses manuais, não observando suas
incompletudes e restrições, reforçando a subutilização
desses gêneros tão ricos em contribuições não só
linguísticas, mas também culturais, estéticas e sóciopragmáticas.
Mendoza Fillola (2002, 2004, 2007) é um dos
grandes defensores do uso do TL no contexto de ensino
de línguas, afirmando que nas aulas de LE o TL é um
expoente linguístico para as atividades de ensinoaprendizagem, já que é um documento autêntico, bastante
indicado para a realização das mais diversas atividades
298
em sala de aula, e também um recurso importantíssimo
para desenvolver uma série de competências não só no
aprendiz de E/LE, mas de qualquer outra LE ou mesmo
de LM.
Nesse ínterim, retomamos o objetivo deste estudo
bibliográfico, que é, através desse “novo” recurso,
revelar um novo caminho para se trabalhar questões de
ordem sócio-cultural em sala de aula de E/LE, haja vista
a importância de uma formação pluralista. Vejamos, pois,
a seguir, a defesa do uso do TL no ensino-aprendizagem
de E/LE para esse fim proposto.
2 O TL SOB UMA ABORDAGEM SÓCIOCULTURAL EM E/LE
Segundo Mendoza (2007), costuma-se considerar
a literatura como o mais sugestivo encaixe entre língua e
cultura, sendo estas últimas indissociáveis. Assim sendo,
os TLs são uma excelente alternativa para complementar
a formação dos aprendizes de E/LE (ou de qualquer outra
LE), posto que são, além de linguísticos, materiais
culturais.
Falta-lhes, no entanto, aos professores, a devida
formação (no que tange ao uso desses gêneros) e, como
destacamos na introdução deste artigo, o revelar de suas
crenças, a fim de fortalecer as que são positivas e
transformar as negativas (ou ao menos desvendá-las, com
o propósito de refletir sobre as mesmas), haja vista sua
influência nos alunos.
Destarte, na área de ensino de E/LE, nosso foco
aqui, faz-se jus o desenvolvimento de leituras e
atividades que suscitem nos alunos uma consciência
299
sócio-cultural mais ampla, mais pluralista. Para García
Murga (2007), o espanhol peninsular e, por conseguinte,
os aspectos sócio-culturais atrelados a ele, contam com
certo prestígio. Há uma hierarquização superior da
Espanha em comparação à América Hispânica, posto que
os professores sentem dificuldades de passar uma visão
mais aberta, livre de impressões estereotipadas sobre esse
universo linguístico e cultural do mundo hispânico.
García Murga (2007) defende, pois, a necessidade
de se abordar em sala a unidade e diversidade da língua,
objetivando mostrar a não homogeneidade desta. No
entanto, falantes de uma variedade específica do idioma
(no caso, uma peninsular) tornam-se referências a ser
seguidas no âmbito de ensino-aprendizagem do espanhol,
o que, geralmente, tem relação com as crenças dos
professores. E mesmo aqueles que se dizem preocupados
em mostrar aos alunos a pluralidade linguística e sóciocultural da língua espanhola encontram uma série de
dificuldades, que, como já vimos, vão desde o material
didático adotado até a sua própria formação docente.
Para Bugel (2000), no contexto brasileiro de
ensino de E/LE, em geral, deixa-se passar a oportunidade
de oferecer aos alunos elementos linguísticos e culturais
que assegurem sua comunicação efetiva com os nossos
vizinhos hispano-falantes. Afirma ainda que as
variedades linguísticas e culturais latino-americanas do
espanhol são tratadas como meros atrativos
complementares
do
próprio
material
didático
(predominantemente produzido por editoras espanholas).
Corroboramos, pois, o pensamento de Mendoza
(2007) quanto à indissociabilidade de língua e cultura e,
obviamente, quanto à visão do TL como um recurso
300
eficaz para o ensino-aprendizagem de ambos os aspectos.
As contribuições da literatura nesse processo são
evidentes. O autor afirma, ainda, que, durante a leitura de
um TL, o aprendiz entra em contato com uma mostra real
de língua riquíssima em informações de ordem funcional,
cultural, pragmática e linguística.
Assim, defendemos o TL como excelente recurso
didático para se levar à sala de aula de E/LE (ou qualquer
outra) uma abordagem sócio-cultural, com a finalidade
de expandir a visão dos alunos, evitando preconceitos e
favorecendo uma formação mais rica, mais pluralista,
através do estudo de aspectos sócio-culturais não só para
o conhecimento da língua e da cultura do outro, mas para
o respeito a estas e à própria língua e cultura do aprendiz.
Essas trocas culturais são um aspecto didático
muito importante no aprendizado de línguas e devem
estimular o aluno a uma integração da língua materna
(LM) com a LE. Ele busca o novo e isso é favorável na
hora de trazer aspectos sócio-culturais para a sala de aula,
mas o professor deve estar atento para evitar um
tratamento
estereotipado
destes.
Obviamente,
comparações serão inevitáveis, cabendo ao educador
saber direcionar as percepções, colocações e curiosidades
dos alunos, a fim de favorecer um intercambio cultural
bastante natural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Legitimamos a ideia defendida por Garrido e
Montesa (1994 apud NARANJO; GARCÍA, 2000) que
dizem que o estudante de LE já possui uma capacidade
de pensar e sentir muito desenvolvida em sua LM, ou
301
seja, alcançado o patamar de exigência comunicativa em
um mundo real, para atividades do cotidiano, como ir a
um supermercado, a um restaurante etc., percebemos no
aluno uma sede pelo mundo da cultura e das ideias.
Assim, faz-se necessária, por exemplo, uma ampliação
dos estudos sócio-culturais dentro do próprio ensino de
LE, e, nesse âmbito, vemos um perfeito encaixe do
trabalho com TLs, dentre outros, obviamente.
Não defendemos aqui o TL como recurso único
para esse fim, mas o que se quer é desmistificá-lo,
apresentando-o como um grande expoente e recurso para
a transmissão não só linguística, mas também cultural
nesse contexto de ensino, assim como outros tantos
recursos, tais sejam músicas, filmes, textos jornalísticos e
outros variados gêneros. Nosso objetivo é esclarecer que
o uso de TLs deve ir além de abordagens de meros
aspectos gramaticais ou funcionais, considerando-se a
amplitude sócio-cultural vigente nesse tipo de texto.
Portanto, o trabalho do professor consiste em
selecionar os TLs adequados a um determinado grupo
(observando, por exemplo, o nível dos alunos) e que
contenham implicações sócio-culturais significativas para
proporcionar bons trabalhos, debates etc. em sala.
Destarte, o professor não pode valer-se apenas do que se
denomina “cânone literário”, prestigiando autores e obras
desse ou daquele país, ou seja, há que se proporcionar
aos alunos uma mostra não só clássica desses textos, mas
também contemporânea, apresentando manifestações
históricas, sócio-culturais, lexicais etc. presentes no TL.
E no que se refere ao E/LE, tendo em mente os
resultados da pesquisa anteriormente realizada e aqui
relatada, vemos a importância de se valorizar a sociedade
302
hispânica de modo geral, e não privilegiar o que vem da
Espanha. Eis a questão das crenças dos professores que,
nesse ponto, são cruciais, pois se estes passam para o
aluno uma visão reprodutora daquilo que é socialmente
“certo”, “relevante”, “aceitável”, “digno de ser
admirado” (sócio-culturalmente falando) – como o que
vem da Espanha – e criticam de forma preconceituosa e
discriminatória, por exemplo, aquilo que é oriundo da
Bolívia, do Peru, do Uruguai, do México, enfim, na
América Hispânica, estão destruindo a visão de uma
cultura de ensinar aberta às diversidades, à aceitação, ao
respeito.
Nossa preocupação está, pois, na subutilização do
TL, quando da incalculável riqueza deste para se
trabalhar sob os mais diversos aspectos, com as mais
variadas propostas, tal é o caso da abordagem sóciocultural, extremamente importante não só no ensino de
E/LE, mas de línguas em geral. Logo, apoiamos o
desenvolvimento de outras pesquisas, de outras
naturezas, a fim de se estudar, revelar e discutir as
crenças de professores no que tange a esses assuntos aqui
tratados, apresentando meios de se trabalhar esses e
outros aspectos a partir do TL, tal seja o objetivo de
nossa próxima pesquisa, de ordem prática, que versará
sobre crenças de professores de E/LE em formação
quanto ao uso do TL para o desenvolvimento da
competência transcultural (que vai além da abordagem
sócio-cultural aqui apontada) e trará propostas de
utilização de TLs sob esse novo e mais completo viés.
303
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBALADEJO, M. D. G. Cómo llevar la literatura al
aula de E/LE: de la teoria a la práctica. Marco ELE
Revista de didáctica ELE, n. 5, dez. 2007. Disponível
em:
<http://marcoele.com/descargas/5/albaladejoliteraturaalaula.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2010.
BUGEL, Talia. Aspectos ideológicos y culturales de la
enseñanza actual del español como lengua extranjera en
la ciudad de San Pablo – Brasil. ASELE. Actas XI.
2000. p. 239-246.
GARCÍA MURGA, Maria Hortencia Blanco. As
atitudes de estudantes de E/LE com relação às
variedades diatópicas do Espanhol. 2007. 107f.
Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) –
Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
MENDOZA, A. F. La utilización de materiales literarios
en la enseñanza de lenguas extranjeras. In: GUILLÉN, C.
(Ed.): Lenguas para abrir camino. Madrid: Ministerio
de Educación, Ciencia y Deporte. Aulas de Verano.
Instituto Superior de Formación del Profesorado, 2002.
p.113-166.
______. La educación literaria: bases para la formación
de la competencia lectoliteraria. Málaga: Aljibe, 2004.
304
______. Materiales literarios en el aprendizaje de
lengua extranjera. Barcelona: I.C.E. Universitat de
Barcelona; Horsori Editorial, 2007, p. 9-138.
NARANJO, F. G.; GARCÍA, C. M. Cuentos, cuentos,
cuentos: variación y norma en la presentación de un texto
literario. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE
ASELE, 11., 2000, Zaragoza. Actas... Zaragoza, 2000, p.
819-829.
305
306
307

Documentos relacionados