Efeito do treinamento na expressão do temperamento de bovinos e

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Efeito do treinamento na expressão do temperamento de bovinos e
Efeito do treinamento na expressão do temperamento de bovinos e implicações no
desempenho produtivo
Paola Moretti Rueda1,2*, Mateus J. R. Paranhos da Costa2
1
Pós-Graduação
em
Zootecnia,
FCAV-UNESP,
Jaboticabal-SP,
Brasil.
([email protected])
2
Grupo ETCO - Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (ETCO),
Departamento de Zootecnia, , 14884-900, Jaboticabal, SP ([email protected]).
Atualmente mercados consumidores têm pressionado o setor produtivo, técnicos e
cientistas a buscarem melhorias nas técnicas de produção levando em consideração o bemestar animal. Neste ponto o temperamento e treinamento dos bovinos e funcionários são
importantes pelo seu efeito tanto no bem-estar quanto na eficiência produtiva em várias fases
do ciclo da pecuária.
A relação humano-animal pode ser facilitada quando selecionamos animais mais
dóceis uma vez que estes são mais fáceis de serem manejados e se estressam menos que
animais com pior temperamento. Sendo assim é importante o entendimento de como bemestar, temperamento, treinamento e eficiência produtiva estão associados entre si.
É bem conhecido que o estresse pode acarretar prejuízos em diferentes fases do
processo produtivo de bovinos. Na reprodução, este pode causar diminuição na eficiência de
detecção de cio em sistemas que utilizem a inseminação artificial, aumento de perdas
embrionárias ou mesmo retardar o momento de ovulação comprometendo a fertilização a
posteriori, o que seria um problema considerável principalmente quando a técnica de
inseminação artificial em tempo fixo (IATF) é utilizada (Oriuhela, 2000; Landaeta-Hernández
et al., 2002; Costa e Silva e Russi, 2005).
A reprodução é de extrema importância, pois perdas nesta etapa do processo, como
falhas na concepção ou na implantação embrionária, não serão mais recuperadas no restante
do ciclo produtivo. Por isso é necessário detectar e solucionar pontos de estrangulamento
nesta fase do processo.
Na produção animal o efeito do estresse é bem descrito em diversos trabalhos nas
diferentes espécies produtivas. Vários fatores contribuem para o aumento do estresse, sabe se
que, o temperamento é um deles e que animais mais reativos são mais difíceis de manejar e
apresentam respostas produtivas inferiores (Grandin e Deesing, 1998).
Muitos trabalhos avaliam o efeito do temperamento no ganho de peso e qualidade de
carne em bovinos. Por exemplo, segundo Voisinet et al. (1997) a seleção para temperamento
pode tornar-se uma chave para o sistema produtivo, assim maximizando o ganho de peso em
confinamento, uma vez que, animais mais calmos tendem a ganhar mais peso. Em outro
trabalho Muller et al. (2006) observaram que animais com velocidade de fuga intermediária
obtiveram melhores ganhos médios diários em relação aos extremos.
Além do ganho de peso o temperamento também influencia na qualidade de carne
destes animais, sendo que bovinos com pior temperamento tem uma qualidade de carne
inferior. De acordo com os resultados de Voisinet et al. (1997) ao avaliar a relação entre
temperamento e quantidade de cortes escuros em carcaças bovinas, encontraram 31,7% de
carcaças com este defeito, destas, 25% eram provenientes de animais com temperamento
altamente excitável e apenas 6,7% provenientes de animais com temperamento considerado
calmo.
Existem trabalhos que também avaliam o efeito do temperamento na reprodução
bovina, Rueda et al. (2005) avaliaram a reatividade de fêmeas bovinas submetidas IATF,
classificando-as de acordo com três escores (1 = relaxada, 2 = tensa, 3 = muito tensa), os
autores encontraram correlação significativa entre o escore de tensão e a taxa de gestação,
mas com valor baixo (rs= -0,176; p=0,021), levando-os a concluir que a tensão da vaca esta
associada com a sua eficiência reprodutiva. Há relatos de que vacas com melhor
temperamento têm melhores taxas de gestação (Fordyce e Burrow, 1992), neste caso sem a
adoção de protocolos de IATF. As fêmeas bovinas submetidas a manejos sucessivos
decorrentes de um protocolo de IATF apresentaram um processo de sensibilização, com piora
nas avaliações do temperamento ao longo da aplicação do protocolo (p<0,05) (Rueda, 2009).
Sensibilização é uma forma de aprendizado caracterizado pelo aumento da resposta depois de
repetidos estímulos ao longo do tempo (Fraser e Broom, 1990; Broom e Johnson, 1993). A
sensibilização ocorre principalmente se o estímulo for nocivo ou debilitante (Broom e
Johnson, 1993).
Os processos de aprendizagem em animais são influenciados por vários fatores como o
temperamento, a memória de manejos anteriores, e as ações exercidas pelos funcionários
durante o manejo. Portanto bovinos tem a capacidade de aprender e para isso utilizam vários
recursos para identificar diferenças entre indivíduos tais como face e altura das pessoas que os
tratam de forma positiva ou negativa (Rybarezyk et al., 2001).
Também existem formas de aprendizagem que levam os animais a exibirem
comportamentos considerados positivos facilitando o manejo e aumentando a produção.
Existem dois tipos de aprendizados considerados positivos, a habituação e condicionamento.
A habituação pode ser definida como uma diminuição da resposta individual após estímulos
constantes ou repetidos (Fraser e Broom, 1990; Broom e Johnson, 1993) e condicionamento é
definido pela formação ou reforço de uma associação entre um estímulo e uma resposta
condicionada (Wood-Gush, 1983).
Utilizando contato físico positivo como forma de condicionamento, Becker (1994)
demonstrou uma diminuição da reatividade de bezerros com adoção de manejos não
aversivos, além disso constatou a existencia de uma memória que dura por ao menos cinco
meses em relação a esta informação positiva entre humanos e bovinos.
Em reprodução também existe esta associação, pois segundo Waiblinger et al. (2004)
vacas durante a palpação retal ou inseminação podem ter reações estressantes minimizadas
pela prática de ações positivas (condicionamento) realizadas anteriormente ao manejo. Nesse
estudo as fêmeas recebiam ações positivas (alimentar as vacas fornecendo uma pequena
quantidade de concentrado com a mão, acariciar-lhas no pescoço e na cabeça e falar-lhes de
uma forma suave). Os animais que receberam este procedimento exibiram menor freqüência
cardíaca e se movimentaram menos durante a palpação retal.
Aguilar (2007), trabalhando com doadoras de embriões, observou que existe uma
variação no temperamento em relação à idade dos animais, com as novilhas apresentando uma
média pior para o temperamento que as vacas. Uma provável explicação para esta variação
seria a experiência adquirida pelas vacas ao longo de sua vida produtiva na qual é exposta a
manejos constantes em programa de transferência de embriões, provavelmente resultando em
habituação.
Interações positivas realizadas pelos funcionários durante o manejo de curral podem
ajudar na redução do estresse nos animais. Em IATF segundo Russi (2008) o treinamento dos
funcionários e a falta de habilidade do inseminador tornam-se um fator limitante na obtenção
de resultados satisfatórios de concepção, pois este é responsável pela manipulação do sêmen,
manejo dos animais no curral e execução da técnica.
Em entrevistas buscando caracterizar o perfil de inseminadores Russi (2008) observou
que 60% dos entrevistados já sofreram algum tipo de acidente durante o manejo dos animais.
Segundo a autora este índice poderia ser minimizado por meio de uma melhor interação
humano-animal.
Para melhorar a interação humano-animal e por conseqüência a produção é necessário
conhecimento sobre o temperamento dos animais e como eles aprendem além da capacitação
dos funcionários uma vez que estes são responsáveis pelo manejo e técnicas empregadas nas
diversas fases do ciclo produtivo da bovinocultura. Assim garantimos um bom bem-estar a
todos os envolvidos na cadeia: animais, funcionários, técnicos e consumidores.
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Palavras-chave: Bovinocultura de corte, reatividade, reprodução

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