ORIENTADORA: PROFa. DRa. HELOISA PACHECO FERREIRA
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ORIENTADORA: PROFa. DRa. HELOISA PACHECO FERREIRA
“A MEMÓRIA DAS COISAS E DAS PALAVRAS – UM ESTUDO DAS REPERCUSSÕES NEUROCOMPORTAMENTAIS DOS AGENTES DE SAÚDE PÚBLICA EXPOSTOS A AGROTÓXICOS” SIGRID HAIKEL UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRODUÇÃO, AMBIENTE E SAÚDE ORIENTADORA: PROFa. DRa. HELOISA PACHECO FERREIRA Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da UFRJ Professora Adjunta do NESC/UFRJ RIO DE JANEIRO 2005 ii “A MEMÓRIA DAS COISAS E DAS PALAVRAS – UM ESTUDO DAS REPERCUSSÕES NEUROCOMPORTAMENTAIS DOS AGENTES DE SAÚDE PÚBLICA EXPOSTOS A AGROTÓXICOS” SIGRID HAIKEL Dissertação submetida ao corpo docente do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: Prof. Dr. Volney de Magalhães Câmara Professor Titular da Faculdade de Medicina da UFRJ Profa. Dra. Regina Duarte Benevides de Barros Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense Profa. Dra. Elizabeth Christina Cotta Mello Professora Assistente da Universidade Veiga de Almeida RIO DE JANEIRO 2005 iii 614.598 Haikel, Sigrid H149 A memória das coisas e das palavras: um estudo das repercussões neurocomportamentais dos agentes de saúde pública expostos a agrotóxicos/ Sigrid Haikel. - Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. xii, 97f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, NESC. Orientadora: Heloisa Pacheco Ferreira Inclui referências bibliográficas 1. Neurocomportamental 2. Agrotóxicos 3. Agentes de Saúde Pública – Saúde 4. Grupo Focal 5. Saúde Pública I. Ferreira, Heloisa Pacheco (Orientadora) II. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC) III. Título – Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva. II. Título. iv AGRADECIMENTOS Ao meu pai (in memorian), pela falta que faz as suas histórias À minha mãe, pelo tempo das esperas As ladainhas da minha avó e mãe Teresa, que velaram essas horas raras À Profª Heloísa Pacheco-Ferreira, orientadora e amiga, pela acolhida em todos os momentos e, em especial, por tecer comigo outros saberes À equipe do Ambulatório de Saúde Ambiental e Ocupacional (Toxicologia Clínica) da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, pelo convívio amigo e trocas de experiências Aos professores do Curso de Mestrado do Núcleo de Estudos e Saúde Coletiva pela dedicação e leitura de textos fundamentais para construção desse estudo Aos funcionários do Núcleo de Estudos e Saúde Coletiva pela gentileza e incentivo À Jorge, que se encobriu de não saber facilitando as dobras das coisas Aos amigos e a todos aqueles que afloraram em mim a troca A um anjo, pelo amor que salva v Dedico este trabalho aos trabalhadores por me confiarem a memória das coisas e das palavras vi “Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. O crocodilo vem ao mundo como um ´magister` da metafísica, pois para ele cada rio é um oceano, um mar de sabedoria, mesmo que chegue a ter cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muitos vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens. Amo ainda uma coisa dos nossos grandes rios: sua eternidade. A estas alturas, você já deve estar me considerando um louco ou um charlatão.” Guimarães Rosa vii RESUMO Este estudo aborda as implicações do uso de agrotóxicos em uma população de trabalhadores – Agentes de Saúde Pública envolvidos nas ações de controle de vetores no município do Rio de Janeiro e os impactos para à saúde, enfatizando as repercussões neurocomportamentais. Para responder aos objetivos do presente estudo foi realizado a combinação de enfoques qualitativos e quantitativos. Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos: através da técnica do grupo focal buscou-se apreender as opiniões, sentimentos e saberes dos Agentes de Saúde sobre as repercussões na saúde do uso dos agrotóxicos na atividade de trabalho; aplicação de um questionário semi-estruturado para identificar aspectos da história ocupacional, depressão, memória, atenção, concentração, uso de álcool, drogas e medicamentos contínuos, dentre outros aspectos. Entre os principais agravos à saúde destacam-se: mudanças neurocomportamentais como ansiedade, depressão, memória, comportamento, concentração, emoções e sintomas de ordens psíquicas. Estes aspectos revelaram a vulnerabilidade desse grupo frente aos riscos decorrentes do processo de trabalho. Observou-se que os problemas referidos são compatíveis com os efeitos nocivos decorrentes dessas exposições. Palavras-Chave: Agrotóxicos; Neurocomportamental; Grupo Focal; Trabalho; Saúde viii ABSTRACT This study is about a group of “Public Health Agents” in Rio de Janeiro’s municipality, the implications in the use pesticides and the impacts on their health, particularly neurobehavioral repercussions. A combination of qualitative and quantitative evaluations was used to respond to the objectives of this study. Several instruments were use to collect data. Using the focus groups technique, to ascertain their knowledge and feelings about the repercussions of the use of pesticides on the health of those engaged in its activities; a semistructured questionnaire developed to identify aspects of the occupational history, depression, memory, attention, concentration, alcohol, drugs and medical prescriptions use. The main health hazards identified include neurobehavioral changes such as anxiety, depression, memory loss, behavior, concentration, emotions and psychic symptoms. These findings demonstrated the vulnerability of that group to health risks decurrently of the work process. Therefore, it was observed, that the problems mentioned were compatible with the harmful effects of such exposure. Keys Words: Pesticides; Neurobehavioral; Focus Group; Work; Health ix LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ASP – Agentes de Saúde Pública ATSDR – Agency for Toxic Substances and Disease Registry ECRO – Esquema Conceitual Referencial e Operativo EPI – Equipamento de Proteção Individual FUNASA – Fundação Nacional de Saúde HUCFF – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho PEAa – Programa de Erradicação do Aedes aegypti MS – Ministério da Saúde MT – Ministério do Trabalho NCTB – Neurobehavioral Core Test Battery NESC – Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva OF – Organofosforado OMS – Organização Mundial de Saúde OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde OPIDN – Organophosphate Induced Delayed Neuropathy PAHO – Pan American Health Organization PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PVSPEA – Programa de Vigilância da Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos PEAa – Programa de Erradicação do Aedes aegypti SN – Sistema Nervoso SNC – Sistema Nervoso Central SNP – Sistema Nervoso Periférico TRAB – Trabalhador UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro WHO – World Health Organization x LISTA DE TABELAS Tabela 1. Distribuição de variáveis selecionadas de identificação e caracterização dos Agentes de Saúde Pública expostos a agrotóxicos. HUCFF/UFRJ/RJ, 2005 .......................................................................... 41 Tabela 2. Distribuição de variáveis selecionadas de exposição a agrotóxicos segundo os Agentes de Saúde Pública. HUCFF/UFRJ/RJ, 2005 ........................................................................................................ 43 xi LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Distribuição dos Agentes de Saúde conforme sintomas mais freqüentemente relatados e o tempo de exposição. HUCFF/UFRJ/RJ, 2005 ....................................................................................................... 44 xii SUMÁRIO INTRODUÇÃO - Uma trajetória de luta: um breve histórico 1 CAPÍTULO II - Os agrotóxicos e as repercussões neurocomportamentais 9 CAPÍTULO III - A investigação nas síndromes neurotóxicas e alternativas terapêuticas 24 3.1. Avaliação neurocomportamental nas síndromes neurotóxicas. 24 3.2. Alternativas terapêuticas 26 3.3. Grupo: algumas considerações teóricas 28 CAPÍTULO IV - Materiais e Métodos 33 Intrumentos e procedimentos 37 Aspectos éticos 38 CAPÍTULO V - Análise e discussões dos resultados 39 5.1 - Caracterização dos agentes de Saúde Pública / HUCFF/UFRJ-RJ 40 5.2 - O perfil da morbidade referida e o tempo de exposição 45 5.3 - O grupo focal: desvelando as repercussões 48 DISCUSSÃO 58 CONSIDERAÇÕES FINAIS 64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 67 ANEXOS 79 INTRODUÇÃO UMA TRAJETÓRIA DE LUTA: UM BREVE HISTÓRICO Uma das questões que tem sido foco de atenção no campo da saúde, diz respeito aos riscos e efeitos adversos que o uso dos agrotóxicos podem provocar à saúde humana e ao ambiente. A utilização indiscriminada das substâncias químicas, evoluiu significativamente e, conseqüentemente, os problemas ambientais e de saúde. Os desdobramentos sobre a saúde humana e ambiental das populações expostas, oferecem um panorama complexo quanto aos possíveis impactos e a multiplicidade dos danos que está sujeito o trabalhador, a população em geral, os rios, a terra, o ar, a cadeia alimentar, as águas, etc. Tambellini & Câmara (1998) mostram que, a questão da saúde articula-se no enfoque das relações de produção, ambiente e saúde, com repercussões reais e profundas na qualidade de vida dos indivíduos e da coletividade, pelo aumento excessivo de produtividade e de práticas dominadoras e depredadoras. Os efeitos dos diferentes agentes provocados pelos padrões de produção e consumo atuais, podem criar situações de riscos ambientais e à saúde, que cada vez mais, geram diferentes formas de exclusão social. Associado a isto, outro aspecto se apresenta: o emprego de substâncias químicas cada vez mais perigosas, que repercutem de forma não seletiva sobre a saúde das populações expostas, provocando efeitos que devem ser levados em consideração quando investigamos os processos saúde-doença ligados à exposição a agentes químicos. Tais processos “envolvem interações não-lineares de aspectos biológicos, psicológicos e sociais que são altamente acoplados, possibilitando múltiplas e inesperadas interpretações, as quais se tornam, muitas vezes, incompreensíveis e invisíveis aos seres humanos em curto prazo” (Augusto & Freitas, 1998, p. 87). As intoxicações agudas têm sido alvo de atenção por parte das ações de vigilância em saúde. Os danos apresentam uma caracterização clínica mais evidente, com conseqüências muitas vezes imediatas podendo levar à morte, e enquadram-se com “considerável grau de sucesso dentro da abordagem linear de dose-efeito” 2 (Augusto & Freitas,1998, p. 88). No entanto, as manifestações crônicas, apresentam uma multiplicidade de fatores, que são intermediados pelo tempo de exposição, a susceptibilidade individual, o grau de toxidade do produto e as agressões a órgãosalvo específicos, como o Sistema Nervoso Central e o Sistema Nervoso Periférico. Todos estes aspectos apontam para a extensão dos impactos decorrentes da exposição crônica por agrotóxicos e o desconhecimento dos riscos neurológicos, imunológicos, endócrinos e neurocomportamentais nas ações de prevenção e vigilância em saúde (Girardi, 2002; Furtado, 1998; Rahde et al., 1994). É neste quadro complexo que o presente estudo insere-se, objetivando investigar as repercussões neurocomportamentais relacionadas com o uso de agrotóxicos e suas implicações para a saúde, em uma população de Agentes de Saúde que trabalhavam nos programas de controle de endemias vetoriais no município do Rio de Janeiro. Espera-se contribuir para uma abordagem de vigilância em saúde, enfatizando a complexidade dos fenômenos neurocomportamentais na exposição freqüente e prolongada aos agrotóxicos. Nesta perspectiva, é importante incorporar ao tema, medidas sistêmicas de prevenção e controle, que expressem os processos biológicos, psicológicos, ecológicos, culturais e econômicos das populações expostas aos agrotóxicos, resultando maior eficácia nas ações de vigilância em saúde. No âmbito deste contexto, surgem as questões que atravessam o trabalho desta pesquisa: quais as combinações de cargas ambientais e sociais que foram impostas a esta população em suas atividades de trabalho? Quais as situações de riscos de exposição aos agrotóxicos que possivelmente provocaram danos à saúde destes trabalhadores? Afinal, em que medida o uso de produtos químicos nos programas de controle de endemias vetoriais, ocasionou intoxicações crônicas nestes trabalhadores? O controle de endemias no Brasil, associado ao uso de agrotóxicos nas campanhas de saúde pública, inicia-se a partir da década de 50, quando estes produtos químicos passam a ser utilizados intensamente, sem que ocorra uma avaliação sistêmica dos novos riscos a que estão expostos os trabalhadores, a população em geral e o ambiente (Câmara Neto, 2000; Garcia,1996; Costa,1994). 3 De acordo com Rahde et al., (1994), a utilização de agentes químicos para a erradicação de vetores transmissores de enfermidades, deve envolver intervenções no campo da saúde, que abrangem uma abordagem complexa e interdisciplinar. No entanto, o que se observam são políticas controversas quanto à saúde dos trabalhadores expostos e danos adversos à saúde e ao ambiente (Gurgel,1998). A este quadro, acrescenta-se a inovação em larga escala tecnológica das substâncias químicas, sendo portanto, de maior visibilidade no mercado do que a capacidade de avaliar adequadamente o potencial danoso dos agrotóxicos sobre os seres humanos e o meio ambiente. A atividade do trabalho associada ao uso dos agrotóxicos, como acontece com os Agentes de Saúde, pode potencializar problemas ambientais e de saúde com impactos muitas vezes irreversíveis e, trazer desdobramentos como a redução da diversidade da vida e novas formas de adoecer. Torna-se fundamental, como assinala Pacheco-Ferreira (2003), a compreensão do caráter histórico e social da doença considerando as particularidades das populações a serem estudadas. Esta questão aponta para a necessidade de instrumentos metodológicos que recuperem “a noção de território e de territorialidade como importante dimensão na reinvenção, cotidianamente, da cultura e dos saberes das populações a serem estudadas” (Pacheco-Ferreira, 2003, p. 316). Evidencia-se, assim, que o reconhecimento das intoxicações agudas, converteu-se em um dos pontos de referência para a saúde dos trabalhadores e da população exposta a este risco, sem que fosse levada em conta, a necessidade de avaliar os danos potenciais das intoxicações crônicas, oriundas das exposições prolongadas aos agrotóxicos. Ao longo de dez anos essa população foi exposta a produtos químicos altamente tóxicos e sem proteção como os organofosforados, carbamatos e piretróides. Estes trabalhadores faziam parte do quadro temporário de funcionários da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), sendo que seus contratos começaram a ser assinados pela FUNASA em 1986, quando houve uma grande epidemia de dengue no país e o Estado do Rio de Janeiro foi um dos mais atingidos. Segundo Câmara Neto (2000), durante a década de oitenta ocorre um conjunto de ações sócio- 4 ambientais nos Programas de Saúde Pública do país voltado para a erradicação do Aedes aegypti – Programas de Erradicação do Aedes aegypti – PEAa que vão priorizar o uso dos agrotóxicos. Observa-se neste período que os investimentos nos PEAa é centrado em recursos para compra de produtos químicos no combate ao Aedes. Os trabalhadores ao serem contratados, não receberam qualquer orientação e treinamento sobre como manipular essas substâncias e os riscos à saúde pela exposição, assim como, equipamento de proteção adequado. A priorização dos produtos químicos no programa, deixava de fora o risco da exposição e os impactos à saúde humana e ao ambiente (Augusto et al., 2000). Ações como estas favorecem um ambiente nocivo à saúde, ao introduzir fatores de riscos neurocomportamentais cada vez crônicas mais ou complexos, agudas como devido as à repercussões utilização de agrotóxicos/organofosforados. Em um informativo editado pela própria Fundação Nacional de Saúde no Rio de Janeiro (FUNASA), o Rio Informa, na edição nº 1 de 1998, a respeito dos organofosforados, diz que são mais tóxicos para os vertebrados que os organoclorados, podendo intoxicar facilmente um indivíduo com uma dose relativamente pequena, ao bloquearem a transmissão nervosa impedindo, com isto, as sinapses dos neurônios, ou seja, as conexões entre as células. Portanto, são compostos anticolinesterásicos, com variado grau de toxicidade para o ser humano, daí serem conhecidos como gases dos nervos (Moraes,1999). Os compostos químicos são utilizados em saúde pública no controle de vetores, como o da malária (Namba e col, 1971, Carlton, Haddad e Simpson, 1998) e vetores de outras doenças, como a dengue. No caso específico dessa população, o controle de vetores era centrado no “controle químico do mosquito” com aplicação de um organofosforado-temephos (abate®) em reservatórios domiciliares de água potável ou piretróides (Cipermetrina, Deltametrim e o Fenitotrion) como “tratamento focal” para a erradicação do vetor adulto. Os piretróides são considerados substâncias de potencial alergênicos elevado. É importante sinalizar que, o organofosforado em questão, apresenta classe toxicológica II, ou seja, é um agrotóxico altamente tóxico conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1999). 5 Este tipo de “controle químico” caracterizava-se pela aplicação indiscriminada dos produtos não respeitando a heterogeneidade e a suscetibilidade individual da população, como crianças, gestantes, idosos e a população alérgica. Assim como, os trabalhadores que manipulam estas substâncias nos seus ambientes de trabalho (Augusto et al., 2000). Neste contexto, as contratações foram prorrogadas até junho de 1999. Os trabalhadores foram demitidos tendo em vista as descentralizações das ações de saúde para os Municípios do Estado do Rio de Janeiro, com a estruturação do sistema municipal de combate a controle de endemias vetoriais. Em documentos apresentados na Audiência Pública da Comissão de Assuntos Sociais/Subcomissão Temporária de Saúde (Senado Federal), realizada em 15 de junho de 2004, foi denunciado que os trabalhadores com contratos temporários foram demitidos sem exame demissional exigido pela legislação, e que em sua grande maioria sofre de alterações no Sistema Nervoso Central, tais como: perda de memória, da capacidade de concentração, stress, fadiga cognitiva generalizada, alterações do humor, depressão, etc (Senado Federal, 2004). Como se pode observar, após este período de exposição, os impactos negativos dos agrotóxicos na saúde da população em estudo, trouxeram como conseqüências, mudanças com relação à qualidade de vida. Os temores e a insegurança quanto aos riscos e a noção de perigo oculta através da noção de “tratamento” associado à proteção da saúde e do ambiente, vão se descortinando nos casos de intoxicação crônica por organofosforados. Conforme matéria do jornal o Globo (Alves, 1998), publicada em 3 de maio de 1998, informando que 122 servidores da FUNASA haviam sido afastados do trabalho porque estavam contaminados por produtos químicos, fez com que os trabalhadores se mobilizassem sobre os riscos destes produtos, de suas propriedades tóxicas e de sua nocividade para a saúde humana. A “visibilidade” dos agravos à saúde é denunciada conforme manifesto dos agentes de saúde lido no Senado Federal, em dezenove de novembro de 2003, em que os trabalhadores informam que “estão morrendo lentamente em conseqüência de terem passado boa parte de suas vidas aspirando o mesmo veneno destinado aos insetos e que são obrigados a 6 deixar para seus filhos a herança de um pai doente” (Cavalcanti, 2003) (grifo em negritos nossos). Assim sendo, ao serem demitidos, estes trabalhadores não tiveram por parte da FUNASA, nenhuma forma de acompanhamento quanto às conseqüências do trabalho prolongado e a utilização nos programas oficiais de agrotóxicos, de classe toxicológica de risco para a saúde humana e para outras espécies animais (Augusto et al., 2000; Rhade et al., 1994). O desenvolvimento de qualquer atividade que envolva a manipulação de substâncias neurotóxicas, mesmo que em baixas quantidades, requer cuidados com a saúde dos trabalhadores, desde a contratação, realizando-se os exames admissionais e treinamentos adequados, assim como os monitoramentos ambientais, biológicos e clínicos periódicos, atendendo normas estabelecidas pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho. Os Agentes de Saúde, além dos riscos de possíveis repercussões neurocomportamentais compatíveis com o quadro toxicológico em questão, tiveram que arcar durante todo este período com as implicações sociais, políticas e financeiras provenientes dos impasses legais por parte da FUNASA, quanto às atribuições e responsabilidades da exposição e intoxicação ocupacional de seus servidores. A sintomatologia da intoxicação por longos períodos de exposição, vai depender da suscetibilidade individual, das vias de absorção e da toxidade do agente. Em inúmeros casos as queixas não são imediatas, mas alguns estudos apontam a existência de efeitos adversos para a saúde dos trabalhadores, com perdas auditivas por exposições aos pesticidas e a ruídos (Teixeira, 2000). Também são relacionadas queixas neurocomportamentais em uma população de Agentes de Saúde de Pernambuco com repercussões que englobam sintomas e sinais complexos como a ocorrência de alterações comportamentais e psiquiátricas: apatia, depressão, ansiedade, irritabilidade, desorientação, retardo de reações, etc (Gurgel,1998). É importante ressaltar, que a mobilização por partes destes trabalhadores, teve como conseqüências: a tomada de iniciativas políticas e jurídicas junto aos 7 órgãos competentes assim como, a deflagração de um processo de avaliação de saúde na tentativa de conhecerem os danos relativos à exposição aos agrotóxicos. Atualmente, parte desta população vem sendo acompanhada pela equipe do Ambulatório de Saúde Ambiental e Ocupacional (Toxicologia Clínica) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A trajetória de vida destes trabalhadores está diretamente relacionada com a atividade de trabalho que desenvolviam. Sendo que alguns deles encontram-se afastados ou aposentados devido à exposição, outros estão com desvio de função e existem casos em que o trabalhador não conseguiu condições que garantam segurança e dignidade de vida. A luta que se segue tem como objetivo a reintegração judicial de forma definitiva, a realização do exame demissional, o ressarcimento de todos os direitos morais e patrimoniais advindos de um acidente de trabalho pela exposição, sem equipamento de proteção e das normas regulamentadoras que estabelecem diretrizes de uso e cuidados com produtos químicos de toxidade elevada pelas instituições públicas. Assim como, a concessão de todos os benefícios e obrigações da FUNASA, postulados no processo judicial. Ao se passarem cinco anos, após o encaminhamento de toda esta situação às autoridades governamentais, observa-se nos atendimentos aos trabalhadores, uma profunda angústia e ansiedade com relação ao futuro. Em alguns casos, existe a possibilidade das repercussões neurocomportamentais de se tornarem “persistentes” como alteração da memória, redução da concentração, ansiedade, depressão e irritabilidade. A variabilidade psicológica dessas repercussões, pode afetar a qualidade de vida dos trabalhadores gerando sensações de medos e angústias. Acrescenta-se ainda, o fato desses trabalhadores não terem sido vistos pelas autoridades governamentais, dentro do quadro de exposição a que foram submetidos. As condições de risco para a saúde, relacionadas com o processo de trabalho dos Agentes de Saúde Pública envolvidos nas ações de controle de vetores no Município do Rio de Janeiro expostos a agrotóxicos, foram levantadas mediante revisão da literatura técnica enfatizando as repercussões neurocomportamentais. Este 8 procedimento permitiu colocar em evidência em quais cenários ocorreram, dimensionando as características mais significativas na busca por uma abordagem que incorpore, de forma efetiva, as pessoas envolvidas no problema e os achados obtidos em relação às propostas apresentadas. Considerando a temática do estudo, privilegiou-se a adoção de instrumentos com o objetivo de avaliar e identificar as repercussões neurocomportamentais nas exposições a agrotóxicos. Estes instrumentos podem trazer à tona variadas formas de expressões de adoecimento assim como, ampliar as alternativas terapêuticas de monitoramento e vigilância em saúde destas populações, que envolvam uma abordagem multiprofissional e os processos de saúde-doença relativos à exposição a agrotóxicos. O presente estudo tem como objetivo geral identificar as repercussões neurocomportamentais nos Agentes de Saúde Pública expostos a agrotóxicos e como objetivos específicos: 1. Levantar as questões relacionadas à exposição ocupacional e ambiental por agrotóxicos, dando ênfase nas repercussões neurocomportamentais, em uma população de Agentes de Saúde Pública envolvidos nas ações de controle de vetores no Município do Rio de Janeiro; 2. Contribuir com instrumentos que possibilitem avaliar e identificar as repercussões neurocomportamentais nas exposições aos agrotóxicos; 3. Pensar alternativas terapêuticas de monitoramento e vigilância em saúde desta população, que envolvam uma abordagem multiprofissional considerando os processos de saúde-doença relativos à exposição a agrotóxicos. 9 CAPÍTULO II OS AGROTÓXICOS E AS REPERCUSSÕES NEUROCOMPORTAMENTAIS Neste capítulo apresenta-se a discussão do uso dos agrotóxicos e suas repercussões neurocomportamentais. O emprego dessas substâncias, nas atividades de trabalho, traz para a saúde e a vida de quem as utiliza, impactos que podem se manifestar de maneira aguda ou de “forma crônica, mais lenta, cumulativa e persistente e, de difícil detecção pelos sentidos ou pelos métodos de investigação científicos atuais” (Gurgel,pág.58,1998). Tais processos, apresentam desdobramentos, seja pelo comprometimento dos recursos ambientais ou como problema de saúde, em situações e eventos de riscos crônicos e agudos que atuam nos planos do coletivo e do individual. Qualquer discussão sobre o uso dos agrotóxicos e suas implicações na saúde, pressupõe o reconhecimento desta complexidade. O tema dos agrotóxicos e suas repercussões neurocomportamentais são aqui destacados, por configurar como uma grave questão de Saúde Pública. Segundo Trapé (1994), os sinais e sintomas das intoxicações crônicas são tratados, na maioria das vezes, como pertencendo a outros quadros clínicos. O que leva estes pacientes a serem identificados como casos psiquiátricos de difícil caracterização resultando em impedimentos de toda ordem para o trabalhador. Nota-se que, em sua maioria, os quadros neurológicos e psicológicos, abrangem queixas clínicas como transtornos mentais de difícil controle, síndromes do pânico, tentativas de suicídio recorrentes, “problema de nervos”, fadiga generalizada, depressão, cefaléia, alergias, etc (Levigard & Rozemberg, 2004; Macário, 2001; Câmara Neto, 2000; Gurgel,1998). Uma pesquisa realizada por Faria et al. (2000), com trabalhadores rurais da Serra Gaúcha, levantou questões relacionadas com a intoxicação por agrotóxicos e a presença de transtorno mental denominados pelos trabalhadores como: nervosismo, tristeza, desânimo e cansaço. 10 Um dos temas centrais que emerge em torno das intoxicações, é a existência de “algo” silencioso, uma “coisa” amorfa e complexa transitando por todos os terminais nervosos, cuja ação impede ou dificulta as conexões nervosas. Como Carson (p.205,1964), sugere “a confusão, as alucinações, a perda de memória, as manias – tudo isto constitui preço altíssimo que se paga pela destruição temporária de uns poucos insetos; mas é um preço que continuará a ser cobrado, enquanto insistirmos no emprego de substâncias químicas que lesam diretamente o sistema nervoso.” O problema dos agrotóxicos se complica, pelo fato de que o ser humano, quase nunca se expõe a apenas uma substância química. A poluição ambiental é responsável nos países industrializados, pelo crescente aumento de enfermidades clínicas e crônico-degenerativas. De acordo com Peres (1999), foram observadas intoxicações por agrotóxicos em trabalhadores rurais e suas famílias na região de Nova Friburgo no Rio de Janeiro. Uma outra evidência de contaminação, no processo de exposição/intoxicação, foi obtida em estudo realizado para avaliar a influência de fatores socioeconômicos na contaminação por agrotóxicos (OliveiraSilva et al., 2001). Igualmente relevante para o tema, é o fato dos agentes químicos interagirem com outras substâncias, potencializando a sua respectiva toxidade em proporções de estragos imprevisíveis. Como adverte Carson (p.203,1964): “O efeito de uma substância química – de natureza admissivelmente inócua – pode ser drasticamente modificado pela ação de outra substância química.” Na reflexão sobre a evolução e a utilização histórica dos agrotóxicos levanta-se uma outra questão não menos importante: o uso na Alemanha, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, como veneno destinado a matar. Por serem substâncias tóxicas não seletivas, os agrotóxicos envenenam todas as formas de vida com as quais entram em contato assim como, sítios humanos complexos que correspondem ao modo como o sujeito organiza e expressa a sua vida, ou seja, seus aspectos subjetivos e neurocomportamentais (Hartman,1988). 11 No Brasil, seu destino inicial foi em programas de saúde pública, no combate de pragas incluindo vetores de doenças em humanos ou animais, passando ao uso de setores rurais, a partir de 1960. Quando da instituição do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), ocorreu a implementação do comércio dos agrotóxicos e seus vários processos industriais determinando o avanço indiscriminado e o seu uso na agricultura. A América Latina, segundo Garcia (1996), consome grande parte de agrotóxicos no mundo, sendo que o Brasil é um dos países que mais utiliza estas substâncias. Como conseqüência, são nestes países que se presencia um maior número de intoxicações agudas. A todos estes aspectos acrescenta-se, um número elevado de intoxicações crônicas e uma sensibilidade generalizada a múltiplos químicos (Gallardo, 1986; Nethercott, Davidoff & Curbow,1993). No universo das substâncias neurotóxicas, os agrotóxicos estão entre os mais agressivos, o que resulta em um vasto número de implicações, tanto na saúde das populações expostas como no meio ambiente e na contaminação de alimentos (Kohn & Jeyaratnam, 1996). Vieira (1995) descreve os agrotóxicos como: “(...) qualquer substância química natural ou sintética, ou mistura de substâncias, destinadas a prevenir a ação ou destruir, direta ou indiretamente, insetos, ácaros, fungos, nematóides, ervas daninhas, bactérias e outras formas de vida animal ou vegetal prejudiciais ao homem, à lavoura e à pecuária. Estas substâncias podem ser absorvidas pelas vias dérmica, oral ou respiratória” (p. 359). 12 Com a implantação da Lei Federal 7802, de 11/07/1989, regulamentada pelo Decreto no 98816, no seu artigo 2, inciso I, o termo agrotóxico ficou definido como: “Os produtos e componentes de processos físicos, químicos ou biológicos destinados ao uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas nativas ou implantadas e de outros ecossistemas e também em ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora e da fauna, a fim de preservá-la da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como substâncias e produtos dessecantes, empregados estimuladores como e desfolhantes, inibidores do crescimento” (OPAS/OMS, p. 16,1997). O termo agrotóxico foi introduzido no Brasil após uma intensa mobilização da sociedade civil organizada. Antes a terminologia indicava uma duvidosa referência a estes agentes químicos, por denominar, os venenos agrícolas, de “defensores agrícolas”. A mudança sugere a evidência quanto à toxidade dos produtos. O reconhecimento dos perigos e a possibilidade de contaminação por agrotóxicos no meio ambiente e no homem, tiveram a partir dessa lei um maior controle. Os agrotóxicos são utilizados conforme os princípios ativos existentes nas suas matérias-primas. O Manual de Vigilância da Saúde de Populações Expostas a 13 Agrotóxicos (OPAS/OMS, 1997) criou uma classificação que visa identificá-los tais como: “(a) Inseticidas: possuem ação de combate a insetos, larvas e formigas. Os inseticidas pertencem a quatro grupos químicos: - organofosforados: são compostos orgânicos derivados do ácido fosfórico, do ácido tiofosfórico ou ácido ditiofosfórico (folidol, azodrin, malation, nuvacron, tamarom, rhotiatox); - carbamatos: são derivados do ácido carbâmico (carbaril, temik zectram, furadan); - organoclorados: são compostos à base de carbono, com radicais de cloro. São derivados de clorobenzeno, do ciclo-hexano ou do ciclodieno. Foram muitos utilizados na agricultura, como inseticidas, porém seu emprego tem sido progressivamente restringido ou mesmo proibido (DDT, aladrin, endrin, heptacloro, BHC, endossulfan, heptacloro, lindane, mirex); - piretróides: são compostos sintéticos que apresentam estruturas semelhantes a piretrina, substância existente nas flores do chrysanthemun (pyrethrum) cinenariaefolium. Alguns desses compostos são: aletrina, resmetrina, cipermetrina e (piretrina I e II); (b) Fungicidas: combatem fungos. Existem muitos fungicidas no mercado. Os grupos químicos são: etileno-bis-ditiocarbamatos: maneb, macozeb, dithane, zineb, tiram trifenil estânico: duter e brestan; captan: ortocide e merpan; hexaclorobenzeno; (c) Herbicidas: combatem ervas daninhas. Nas últimas duas décadas, este grupo tem tido uma utilização crescente na agricultura. Seus principais representantes são: paraquat; glifosato; pentaclorofenol; derivados do ácido fenoxiacético; dinitrofenóis; Outros grupos importantes compreendem: - raticidas (dicumarínicos): utilizados no combate a roedores; acaricidas: ação de combate a ácaros diversos; nematicidas: ação de combate a nematóides; molusquicidas: ação de combate a moluscos, basicamente contra o caramujo da esquistossomose; fumigantes: ação de combate a insetos, bactérias: fosfetos metálicos (fosfina) e brometo de metila ”(p. 17 e 18). Em um estudo realizado em Pernambuco com uma população de Agentes de Saúde exposta aos agrotóxicos, foram referidas repercussões psíquicas e neurocomportamentais demonstrando que as exposições a estes produtos apresentam 14 uma associação com transtornos psiquiátricos menores. Os problemas relatados foram: irritabilidade, depressão, ansiedade, alteração do comportamento, diminuição da memória, insônia, sonolência, tontura, formigamento no corpo, etc (Gurgel, 1998). Estas características impõem a necessidade de estabelecer determinadas estratégias de resolução que considerem a inversão do “domínio clássico dos fatos objetivos por cima dos valores subjetivos” (Porto & Freitas, p.70, 1997) Grifo dos autores. O enfoque das intoxicações por agrotóxicos, com base na relação dos indicadores biológicos de exposição e efeito, é insuficiente por não contemplar a susceptibilidade humana e à especificidade do agente químico, assim como, a complexidade das situações e eventos de riscos relacionados com as condições ambientais, sociais, econômicas e culturais (Macário, 2001; Augusto & Freitas, 1998; Porto & Freitas, 1997). O Programa de Vigilância da Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (PVSPEA), foi implantado no Brasil em 1995, constituindo-se em um importante instrumento de ação para o controle e prevenção dos danos à saúde, relacionados ao uso dos agrotóxicos. No entanto, os registros realizados apontam em sua grande totalidade, apenas para os casos de intoxicações agudas, deixando de fora aqueles provenientes de exposições crônicas. Os dados coletados pelos centros de intoxicações não representam as reais estimativas, sendo que, para cada caso de intoxicação diagnosticado pelos serviços de saúde, um número muito maior de casos não são identificados (Trapé,1994). A operacionalização do PVSPEA, possibilita produção de conhecimento, levantamento de dados quanto ao transporte dos agrotóxicos, detectar surto ou epidemias, rastrear áreas das intoxicações nas populações expostas, identificar o controle de medidas quanto à produção, transporte, comercialização e utilização. As ações de vigilância da saúde têm como objetivo acompanhar e fiscalizar o uso dos agrotóxicos. No entanto, o que se observa, na maioria casos, é a manipulação com técnicas inapropriadas, seja no controle dos vetores de doenças como em outras 15 modalidades: nas lavouras, nos alimentos, no armazenamento, etc (Kohn e Jeyaratnam, 1996). As intoxicações por agrotóxicos, provocam agravos muitas vezes não visíveis aos exames neurológicos. Sendo que, as manifestações são confundidas com outros quadros clínicos, acabando na maioria das vezes, não sendo completamente elucidadas. Como afirma Carson (1964), os agrotóxicos são conhecidos como elixir da morte ou manto de Medéia, por envenenarem e impregnarem toda forma de vida com a qual entrem em contato. Segundo Brandão (1991), Medéia ao ser abandonada por Jasão resolve vingar-se tragicamente, matando os filhos que com ele havia tido, e em seguida sua nova mulher, com um manto ungido de poções mágicas e fatais. Os efeitos nocivos e não previsíveis decorrentes da exposição a agrotóxicos parecem encontrar correlação com o referido mito. Com base em uma denúncia civil contra a Bayer, em outubro de 1999, foram contaminadas 42 crianças na cidade de Tauccamarca no Peru. Destas crianças 24 morreram ao ingerirem leite contaminado na escola. A contaminação ocorreu devido a presença de um OF-Parathion, que é considerado extremamente tóxico pela OMS. As outras 18 crianças sobrevivem com seqüelas significativas para sua saúde (Disponível em Red del Tercer Mundo). Mesmo diante de uma realidade que deveria ser objeto de estudo da Saúde Pública, ainda encontramos, no Brasil, um cenário com poucas pesquisas que apresentam essas discussões. É importante citar os estudos desenvolvidos por Pacheco-Ferreira et al. (2000), com agentes de saúde envolvidos em campanhas de controle do dengue, na qual foram evidenciados impactos no processo e organização do trabalho tais como: uso e limpeza dos equipamentos de proteção de forma inadequada, inexistência de locais seguros e específicos para higiene pessoal e para a guarda dos agrotóxicos ocorrendo com isto o transporte destes produtos para o local de moradia dos trabalhadores. Como vimos, por ser um grave problema de Saúde Pública, demanda a implementação e intervenção de ações que venham esclarecer a realidade em toda 16 sua extensão da utilização abusiva e indiscriminada destes agentes químicos e os riscos de danos à saúde e ao meio ambiente. Entre os indicadores de alerta quanto à intoxicação por uma substância química ou no caso específico, por exposição aos agrotóxicos organofosforados, devem estar incluídas as ocorrências em que houver suspeita de agravos à saúde humana, considerando os problemas físicos não mensuráveis do processo de trabalho e saúde. A Pan American Health Organization/World Health Organization (PAHO/WHO, 1993), correlacionou os impactos deste problema de saúde pública. Os organofosforados compõem cerca da metade de todos os inseticidas utilizados pela população mundial. São pulverizados em lavouras como milho, tomate, verduras, legumes, frutas e grãos, assim como, nos programas de ações em saúde para controle de vetores. Por provocarem riscos à saúde e ao ambiente, faz-se necessárias políticas públicas de prevenção, com programas educativos e de vigilância epidemiológica e ambiental, dirigidos as populações expostas. Isto implica em conhecer os processos produtivos incorporando os pontos de vista, do trabalhador, o seu grupo familiar e a comunidade em geral. A ausência de mecanismos efetivos contribui para contaminação ambiental e ocupacional, a que estão expostos não só o trabalhador como toda a população em geral. Os casos de intoxicação por agrotóxicos impõem um risco maior para os grupos que manipulam diretamente o produto, como os trabalhadores de saúde pública e rural. As intoxicações agudas, subagudas e crônicas tornam estes trabalhadores mais vulneráveis devido o aparecimento de danos irreversíveis, como, paralisias, tontura, fasciculação muscular, fraqueza, sonolência e alterações sobre o sistema nervoso central com expressões neurocomportamentais como depressão, irritabilidade, apatia, dificuldade de concentração, etc (Ministério da Saúde, 1997). A caracterização das situações de riscos presente nos ambiente de trabalho, é fundamental para subsidiar medidas de intervenção, objetivando a otimização do diagnóstico e tratamento nos casos de exposição ocupacional e/ou ambiental, assim como, no treinamento de técnicos para ações de prevenção, controle, diagnóstico e tratamento de populações expostas. 17 Segundo a Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR, 2001), os agrotóxicos podem ser absorvidos na exposição ocupacional, por contato com a pele e por inalação (respiratória) durante as fases de produção, preparação e aplicação assim como, pela via digestiva. As intoxicações apresentam uma variação considerável em relação aos agentes tóxicos, quanto maior o nível de toxicidade dessas substâncias resultará em uma contaminação dérmica mais elevada. A ocorrência de repercussões neurocomportamentais relacionadas as intoxicações por agrotóxicos, tem sido descrita como ansiedade, irritabilidade, distúrbios da atenção, alteração da memória, concentração e do sono. As manifestações clínicas são normalmente confundidas com outras patologias como: cefaléia, nervosismo, depressão, alteração do humor, surto psicóticos, insônia. Levigard (2001), sinaliza que estes sintomas são freqüentes entre os agricultores afetando significativamente suas vidas ao provocarem o adoecimento por uso de agrotóxicos. A autora sugere a presença de um quadro clínico neuropsiquiátrico evidenciado através de surtos psicóticos, mudanças no comportamento, transtornos de humor, queixas de cefaléia, alteração do sono e diminuição das defesas imunológicas. Os sintomas clínicos destacados por Ellenhorn (1997), apontam para aqueles que aparecem na forma de alterações complexas provenientes da alta exposição a estas substâncias. O autor divide em três grandes grupos de sinais e sintomas que são caracterizados pelos efeitos tóxicos dos agrotóxicos, especialmente pela exposição contínua e aguda aos organofosforados e carbamatos: • casos leves: cansaço, fraqueza, vertigens, náuseas, visão turva • casos moderados: confusão, cefaléia, sudorese, lacrimejamento excessivo, vômitos, sensação de estranheza e câimbras • casos severos: cólica abdominal, diarréia, tremores musculares, marcha cambaleante, miose, hipotensão, bradicardia, dispnéia Um outro aspecto importante da exposição direta por agentes químicos, são os casos de intoxicação crônica, onde mesmo havendo níveis normais de 18 colinesterase, podem ser tão ou mais prejudiciais por persistirem depois de cessada a exposição. Morgan (1998), encontrou em indivíduos com exposição crônica por agrotóxicos o desenvolvimento de uma síndrome progressiva de debilitação, como dores de cabeça, perda de memória, fraqueza muscular, fasciculação muscular, câimbras, e anorexia. Outras pesquisas relacionam agrotóxicos com diagnóstico predominante de distúrbios cognitivos que incluem: diminuição na concentração, vigilância, alteração no processamento das informações e na agilidade psicomotora, déficit de memória, distúrbios lingüísticos, coordenação motora fina, depressão, ansiedade, irritabilidade, tensão, inquietação, desânimo, esquizofrenia (Eyer, 1995; Rosenthal & Cameron, 1991). Ecobichon (1999), observou que os sinais e sintomas mais freqüentes da intoxicação aguda por organofosforados no sistema nervoso central são: sonolência, letargia, fadiga, labilidade emocional, confusão mental, perda de concentração, cefaléia, coma com ausência de reflexos, ataxia, tremores, dispnéia, convulsões, depressão dos centros respiratório e cardiovascular. Para Rivero et al. (1997), a principal ação orgânica é a inibição da enzima acetilcolinesterase-AChE, provocando mudanças nos receptores da a acetilcolinaACh do SNC e SNP e/ou acúmulo nas sinapses nervosas. Caso a estimulação entre os receptores se interrompa, a sinapse pode desaparecer, ocasionando perdas de funções pela ausência de regulação do sistema nervoso central e periférico. Um estudo realizado por pesquisadores do Rio Grande do Sul revelou que a média de suicídios em Venâncio Aires, nos últimos 17 anos, é bem maior que a do resto do país. Neste município foi evidenciado nas lavouras de fumo o uso intenso de venenos. A pesquisa observou sobre uma possível relação das intoxicações agudas ou sub-agudas com agrotóxicos e o aumento de suicídios. Também identificou que o alto índice de suicídios na região, pode ser um dos fatores de risco das intoxicações crônicas e cumulativas (Falk et al, 1999). Segundo Valdez (1995), as conseqüências graves das intoxicações, são caracterizadas por alterações psíquicas, comportamentais e motoras dispostas em uma ordem temporal que constituem o mosaico das exposições no Brasil. 19 Teixeira (2000), ressalta a importância de se considerar as características toxicológicas dos compostos OF nas exposições em longo prazo em baixas doses, por provocarem agravos neurotóxicos que não dependem da relação linear da doseefeito. Sobre isto, Carson (p.196, 1964), comenta: “Do ponto de vista da população como um todo, devemos preocupar-nos ainda mais com os efeitos retardados da absorção de pequenas quantidades de pesticidas que contaminam invisivelmente o nosso mundo.” (grifos em negritos nossos) A evolução dos estudos em torno das intoxicações por OF aponta para a presença de diferentes fases de comprometimento, caracterizando um processo interativo e não linear dos efeitos clínicos como perdas progressivas da memória, distúrbios visuais, alterações neurocomportamentais e da personalidade, do humor, da concentração, confusão mental, tremores, insônia, reações esquizofrênicas, deficiência da coordenação motora, etc (Klaassen, 2003; Ecobichon, 1999). As implicações dos agrotóxicos sobre o cérebro e o funcionamento cognitivo, provocando seqüelas neurocomportamentais após intoxicação aguda ou crônica dos sujeitos expostos, resultam em mudanças sinápticas muito tênues em várias regiões cerebrais. Essa questão é reiterada por Damásio (1995), ao colocar que o cérebro humano tem sua existência indissociável com o corpo, interagindo em conjunto com o ambiente, formando assim uma complexa rede de conexões bioquímicas, neurológicas endócrinas e imunológicas. Cérebro e corpo estão “quimicamente” interligados por substâncias que cooperam umas com as outras na feitura da vida. As intoxicações por agrotóxicos, podem representar um risco quanto ao desenvolvimento de problemas de saúde como: neuropatia tardia, diminuição das defesas imunológicas e mudanças no aparelho reprodutivo. Outros sintomas clínicos (enfermidades hepáticas, neoplasias, má nutrição, alguns tipos de anemias) fazem parte dos seus efeitos nocivos, agravando ainda mais, o quadro de exposição ocupacional e deterioração neurocomportamental, principalmente, as funções cognitivas e emocionais como a atenção, a linguagem e a memória, o aprendizado e distúrbio de humor como a depressão (Levigard & Rozemberg, 2004; Hartman, 1988; Korsak & Sato, 1977). 20 Hartman (1988), destaca que para uma avaliação das alterações cognitivas em indivíduos expostos aos agrotóxicos, é importante ressaltar as características individuais e sócio-culturais. Enfatiza que a bateria de testes neuropsicológicos deve contemplar o estudo das seguintes funções cognitivas: medidas de velocidade e rapidez motora (alterações psicomotoras), coordenação motora fina, destreza motora, memória (funções de estocagem, compreensão, associações, manutenção e lembrança das informações e estímulos), cognição e personalidade. Alguns estudos indicam uma baixa performance em baterias de testes comportamentais, incluindo memória, concentração e humor com danos em áreas diferentes do cérebro (Steenland et al., 1994; Rosenstock et al. 1990). No caso específico dos agrotóxicos organofosforados os sintomas leves são caracterizados por fadiga, cefaléia, tonteira, vertigens, náuseas, vômitos, inquietude enfraquecimento muscular e distúrbios gastrointestinais. Os moderados incluem alterações do sono, redução dos níveis de vigilância, concentração, lentidão dos processos de informação e velocidade motora, déficits na memória, distúrbios na linguagem, depressão e alterações de humor, ansiedade, irritabilidade, soluços, tensão nervosa, fraqueza, dificuldade para falar, opressão no peito, câimbras, contrações musculares, salivação, visão borrada, tosse, transpiração excessiva e lacrimejamento. Nos quadros de sintoma de intoxicação aguda (síndrome colinérgica) são evidenciados: tremores, confusão mental, paralisia, diurese involuntária e aumento do ritmo respiratório nos quadros de intoxicação mais grave. O curso progressivo ou em etapas, vai depender da situação de risco da exposição (Morgan, 1998; Ellenhorn, 1997; Karalliedd & Henry, 1993; Korsak & Sato, 1977; Levin & Rodnitzky, 1976). A exposição a agrotóxicos configura uma construção “silenciosa” pela especificidade e diversidade com que os danos à saúde vão se apresentar, tornando o processo de trabalho qualitativamente mais vulnerável e perigoso. O que se observa freqüentemente na exposição, é uma superposição de fatores, “disparando” manifestações clínicas pré-existentes e de interações complexas com outras substâncias químicas. A abordagem diagnóstica e a complexidade reconhecimento nosológico contribui para o adoecimento dos grupos expostos. do 21 O fato de ser o sistema nervoso o alvo das substâncias tóxicas, acarreta novas formas de adoecer. Os riscos de intoxicação afetam principalmente as funções neurocomportamentais. De acordo com Pacheco-Ferreira et al. (p.28, 2000), “entre os indicadores de alerta nos sistemas de vigilância devem estar incluídas as repercussões precoces à saúde, considerando aquelas tanto acima quanto abaixo do horizonte clínico, observando alterações subclínicas não passíveis de detecção por marcadores biológicos de exposição aos agrotóxicos, mas que denunciam o agravo silencioso, mas nem por isso menos relevante, que esta exposição implica, deteriorando cronicamente a saúde individual e coletiva.” Em relação aos organofosforados as pesquisas associam, três diferentes situações clínicas de intoxicação. A primeira delas é denominada de síndrome de hiperestimulação colinérgica com os sintomas de intoxicação aguda descritos anteriormente. A síndrome intermediária (Intermediate Syndrome), é caracterizada por afetar os músculos do pescoço, pernas e causar depressão do centro respiratório podendo levar a morte (Karalliedde, 1999). A neurotoxidade retardada induzida por compostos organofosforados-OPIDN é uma complicação bem reconhecida na literatura (Senanayake & Karalliedde, 1987). A instalação do quadro pode conduzir a uma fraqueza progressiva, com o aparecimento de sintomas caracterizados por ataxia e/ou parestesia das extremidades dos membros inferiores, podendo evoluir para uma paralisia flácida e persistir por semanas ou anos após uma única exposição (Ecobichon, 1999; Eyer, 1995; Good et al, 1993; Vasilescu, 1984). Na área neurocomportamental, predominam problemas que envolvem mudanças estruturais irreversíveis devidas ao “excesso” de substâncias tóxicas no circuito neural. Por serem potenciais condutores de toxidade, os organofosforados (OF) disparam uma espécie de “massacre” no sistema nervoso central. Certos processos cognitivos como o planejamento, a coordenação, flexibilidade mental, humor e memória são privados de seu dinamismo e agilidade após intoxicação aguda por OF (Miller & Mitzel, 1995). A neurotoxidade dos agrotóxicos acarreta comprometimento, especialmente em intoxicações mais graves. A sintomatologia indica efeitos relacionados com polineuropatias, depressão respiratória, confusão mental, inconsciência, hemorragias 22 cerebrais, cefaléia, visão turva, tremores, coma, neuropatias tardias e fraquezas l, 1musculares (Morgan, 1998; Richter & Safi, 1997; Ellenhorn 1997; Leon et al., 1996; Mendes, 1995; Lotti et al., 1995). Todo este quadro clínico apresenta uma reconhecida complicação em intoxicação por OF. A depressão do Sistema Nervoso Central pode também levar a convulsões e coma (Morgan, 1998; Moraes, 1999). Uma outra pesquisa identificou problemas relacionados com debilidade motora e fraqueza (Antle & Pingali, 1994). O campo de investigação das repercussões neurocomportamentais associadas à ação dos agrotóxicos lança novas questões sobre a saúde humana. A nocividade dos produtos químicos costuma ser danosa, muitas vezes fatal e progressiva, provocando desde náuseas, tonteiras, dores de cabeça, alergias, paralisias flácidas, perdas do raciocínio, retardo nas reações, falhas na memória, dificuldade de concentração, labilidades emocionais, desregulação endócrina, alterações cromossomiais, doença de Parkinson etc. Como vimos, estas complexas redes de interações podem passar despercebidas (os chamados efeitos crônicos) ou imediatamente visíveis (os chamados efeitos agudos) (Soares et al., 2003; Peres & Moreira, 2003; Augusto, 2000; Palácios-Nava et al., 1999). As relações de produção capitalistas reproduzem condições sociais e culturais desfavoráveis aos interesses ambientais, o que pode ser exemplificado com a exploração excessiva dos recursos naturais, resultando em uma gradual exclusão social ao romperem com os limites e capacidades de equilíbrio entre as dimensões econômica, ambiental e social. Os resíduos industriais poluentes são uma evidência do valor demasiadamente econômico dados aos recursos ambientais. Nesta direção, os interesse econômicos mais uma vez se destacam. Os programas de saúde pública em nome das “estratégias de defesa da saúde pública”, utilizam substâncias químicas altamente tóxicas, no combate de doenças, como a dengue, podendo provocar danos irreversíveis no sistema nervoso central dos trabalhadores envolvidos em tais atividades. Todas estas situações colocam a necessidade de se analisar a problemática das repercussões neurocomportamentais e o uso dos agrotóxicos à luz da complexidade de seus impactos para a saúde humana e ambiental. É nesta 23 perspectiva, que o objeto deste estudo é trabalhado, articulando contribuições teóricas na tentativa de investigar a intoxicação crônica por agrotóxicos, na qual leva a um comprometimento do sistema nervoso, inicialmente com sintomatologia inespecífica e, posteriormente, com mudanças significativas do comportamento afetando as relações do indivíduo em seu grupo familiar, de trabalho, e social. A questão reside, na articulação entre as esferas ética, o humano e os avanços tecnológicos, visando o reconhecimento de estratégias diferenciadas e a emergência de vias de singularidades que possibilitem territórios psíquicos e materiais livres de “tecnologias” poluidoras: “Manter a dicotomia das economias serve, portanto, a manutenção de territórios endurecidos e perpetuados, que se impermeabilizam aos devires, à alteridade, à diferença. Em seu lugar poderíamos pensar numa política desejante, num desejo político, pois ambos, ao se constituírem num plano de imanência, estão funcionando não por teleologias – com critérios definidos a priori - , mas pelo encontro com fluxos heterogêneos que, exigem a transformação. Enunciações e desejos são da ordem do agenciamento de máquinas, políticas desejantes onde sujeitos e objetos se engendram pela diferença” (Barros, p.285, 1994). Considerando a extensão do problema, os estudos sobre as intoxicações por agrotóxicos precisam avançar, no sentido não só de alertar a população para o perigo de que as substâncias químicas precipitam desconexões cerebrais, como provocam uma “barragem química” em torno da vida e no coletivo das pessoas. 24 CAPÍTULO III A INVESTIGAÇÃO NAS SÍNDROMES NEUROTÓXICAS E ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS 3.1 - AVALIAÇÃO NEUROCOMPORTAMENTAL NAS SÍNDROMES NEUROTÓXICAS As síndromes neurotóxicas constituem um dos grandes problemas de saúde pública no Brasil e em diversos países. As substâncias químicas podem produzir um quadro de declínio cognitivo, em muitos casos irreversíveis, interferindo na vida do sujeito exposto e no meio ambiente. A instalação pode ser crônica ou aguda, dependendo da etiologia tóxica dos produtos. No caso dos agrotóxicos, Hartman (1988) enfatiza os riscos e perigos que estão submetidos trabalhadores expostos e pessoas que de alguma forma manuseiam diretamente estes agentes poluentes tornando à saúde e o ambiente potencialmente perigoso. Em termos dos sintomas apresentados descreve alterações neurocomportamentais, cognitivas e afetivas. Considera a importância de se investigar as alterações cognitivas associadas ao uso dessas substâncias como: a memória, distúrbios de personalidade e cognição, depressão, lentidão para recordar, confusão mental, coordenação motora fina, destreza manual. Como afirma Ratey (2002), as síndromes não são marcadores físicos e/ou biológicos são um complexo de sinais e sintomas que aparecem na forma de alterações diversas com diferentes expressões possíveis. Portanto, as disfunções silenciosas podem provocar o aparecimento de comportamentos muito sutis que podem ser responsável por importantes diferenças no comportamento e na emoção. Os estudos neurocomportamentais são fundamentais nas pesquisas neurotóxicas, devido à presença de inúmeras alterações das funções cognitivas e comportamentais. As síndromes são complexas e não são totalmente conhecidas, sendo que os resíduos tóxicos muitas vezes interagem com outros processos químicos, provocando efeitos devastadores. Os achados assinalam alterações 25 psíquicas e neurológicas, como depressão, alteração da personalidade, distúrbios de memória, no processo de aprendizagem, atenção, concentração e vigilância (Amr et al, 1997; Stephens et al., 1995; Hartman, 1988; Savage et al., 1988; Levin & Rodnitzkky, 1976;). Conforme assinalado por Farahat et al. (2003), a avaliação neurocomportamental é um método usado para a investigação dos efeitos crônicos da exposição por organofosforados. Os autores encontraram um aumento de sintomas neuropsicológicos e diminuição na performance nos testes neurocomportamentais que incluem: abstração verbal, atenção visual, visuomotor, atenção, memória e memória visual. Quanto aos sintomas e sinais neurológicos, os participantes com mais tempo de exposição e idade apresentaram um elevado grau de comprometimento da função neurológica. Os testes neurocomportamentais, segundo a literatura, enfocam duas abordagens: testes psicométricos e aquelas baterias fixas ou flexíveis que se originam dos estudos sobre as funções cognitivas. As baterias fixas são mais utilizadas em pesquisas com protocolos específicos para a população investigada. Já as baterias flexíveis são mais indicadas para os casos de investigação clínica, com objetivo de mapear dificuldades individuais (Lezak, 1995). A avaliação neurocomportamental como descreve Carter (2003), é um campo de investigação que tem como objetivo “cartografar” as relações entre cérebro, mente e corpo lançando novas questões sobre o comportamento humano. Deste modo, cada uma das áreas específica contribui para o funcionamento dos sistemas funcionais ou redes de conexões. A investigação neuropsicológica desenvolve um conhecimento sobre as atividades do Sistema Funcional ampliando as informações sobre os sistemas de conexões relacionadas com a lesão cerebral. A análise da estrutura lesionada poderá contribuir nos estudos da organização cerebral, tendo em vista que, a lesão de uma única região pode afetar muitas outras funções intactas (Ecobichon, 1999; Nitrini et al., 1996; Walsh, 1987; Luria, 1981). Brenda Milner (1964), em seus estudos com pacientes que sofrerem lesões nos córtices pré-frontais demonstrou que outras áreas cerebrais participam também 26 da formação de memórias. Com o objetivo de analisá-las, desenvolveu testes para avaliação da memória e funções executivas. Estas descobertas têm sido repetidamente confirmadas por vários pesquisadores. O cérebro para funcionar ativamente depende da intercomunicação entre as sinapses. A plasticidade sináptica envolve estruturas complexas de várias regiões cerebrais que podem contribuir ou não para a plasticidade neuronal. Para fortalecer as conexões é necessário que novos estímulos sejam acionados (Izquierdo, 2004; Ratey, 2002; Kolb & Whishaw, 1990). Os compostos OF apresentam mecanismos bioquímicos específicos que, como observados anteriormente, podem atingir os aspectos cognitivos das populações expostas trazendo como conseqüência transtornos emocionais e dificuldades na aquisição de aprendizados e na evocação de memórias. Os teste neuropsicológicos e as entrevistas estruturadas são ferramentas auxiliares no diagnóstico diferencial dos déficits cognitivos e devem considerar as características individuais e os objetivos dessa avaliação. 3.2 - ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS Na reflexão sobre a complexidade dos agravos à saúde provocados pelas intoxicações por agrotóxicos, coloca-se a importância de se pensar em alternativas terapêuticas que possibilitem intervenções de controle e prevenção de riscos de origem química. Nesta linha de novas abordagens terapêuticas é importante citar a pesquisa realizada por Amorim (2003), que colocou no centro dos debates sobre as intoxicações por agrotóxicos, a homeopatia como medida terapêutica para a prevenção das doenças relacionadas aos riscos químicos ambientais em saúde do trabalhador. A autora discute também, a eficácia da homeopatia como princípio de precaução para as alterações endógenas e exógenas no cultivo agrícola. 27 Assim sendo, com a finalidade de levantar aspectos neurocomportamentais relacionados com a exposição por agrotóxicos, foi realizada uma entrevista semiestruturada adaptada do protocolo original de Avaliação Neurocomportamental – Bateria de Provas Neurocomportamentais (NCTB) da Organização Mundial de Saúde/OMS, uma coleta de dados objetivando investigar: datas e antecedentes pessoais, hábitos, tempo de exposição, depressão, alterações da personalidade, do sono/vigília, humor, uso de álcool, drogas e medicamentos contínuos, memória, atenção, concentração, dentre outros aspectos. Carson (p.197, 1964), reflete sobre as manifestações “silenciosas” que reverberam por todo o organismo sugerindo que, “ pequenas causas produzem efeitos enormes; os efeitos, ademais, são com freqüência, aparentemente não-relacionados com as suas causas, por sugerirem partes do corpo que se situam longe da área em que a exposição foi sofrida... Quando a gente se preocupa com o funcionamento misterioso e maravilhoso do corpo humano, a causa e o efeito raramente são coisas simples; raramente são relações de fácil demonstração. A causa e o efeito podem estar amplamente separados, tanto no espaço como no tempo. A descoberta da causa, ou do agente, da enfermidade ou da morte, depende de minuciosa e paciente recomposição, peça por peça, de muitos fatos, aparentemente distintos e não relacionados entre si, e desvendados através de vasta quantidade de pesquisa em campos também largamente separados uns dos outros.” Como exposto anteriormente, a exposição em muitos casos não imprime suas marcas físicas, como nos efeitos neurocomportamentais, que são vivenciados como uma forma de violência psicológica “silenciosa”. Considerando-se as características da exposição e suas repercussões neurocomportamentais, propõe-se como alternativa terapêutica um espaço que possibilite o trabalhador formular questões em torno da “forma silenciosa” da exposição. Este espaço foi operacionalizado por meio da técnica do grupo focal. A proposta do grupo focal configurou-se como uma tentativa de pensar este processo coletivo de exposição tendo em vista que, “a noção de singularidade não se esgota nas composições unitárias e identitárias. Ela circula nos espaços da multiplicidade e da diferença ou, ousaríamos acrescentar, nos espaços públicos, no 28 sentido de que não podem ser explicados isolando-se dos processos históricos que os constituíram” (Barros, p. 86, 2001). A seguir faz-se necessário apresentar algumas principais correntes das práticas grupais, enfatizando, o uso da técnica do grupo focal como estratégia para conhecer e identificar os problemas das repercussões neurocomportamentais nas exposições aos agrotóxicos assim como, as opiniões, sentimentos e significados dos envolvidos, a partir de discussões de tópicos específicos dos processos de saúdedoença decorrentes da exposição aos agrotóxicos. Pensar alternativas terapêuticas que contemplem as subjetividades, uma forma de abordagem que “abrange a historicidade dos fenômenos(concepções, relações sociais e institucionais, políticas etc.), sua localização no modo de produção, que é a totalidade maior, incorpora a cultura como sendo cultura de classe e as representações sociais como expressões do lugar e das condições sociais de vida e de trabalho dos sujeitos em questão”(Minayo, p. 253, 1992). 3.3 - GRUPO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS Considera-se necessário, um breve recorte sobre algumas formulações de grupo. Ao apresentar conceituações sobre o tema, busca-se apontar elementos que possam contribuir para uma maior explicitação da utilização do grupo focal, como instrumento para desenvolver o presente estudo. É importante ressaltar, que as definições de grupo constituem-se como investigação e temática central por parte de diversos autores. Portanto, caberia situar historicamente o tema, através de uma discussão detalhada e cuidadosa, bem mais abrangente do que aqui pretendida. A contribuição de Lewin (1973) à teoria dos grupos tornou-se decisiva para a compreensão da prática grupal. É importante resgatar o conceito de “dinâmica de grupo” por ele criado, para descrever as relações, a unidade e os processos de mudança em grupo. Os chamados “laboratórios sociais” de Kurt Lewin, introduziram uma mudança qualitativa na concepção e desenvolvimento dos grupos, ao considerar a relação do sujeito com outros em circunstâncias específicas. 29 Um outro aspecto não menos importante de Lewin, foi a proposta de um método de investigação denominado de pesquisa-ação, onde o investigador estabelece uma relação de implicação com a pesquisa, uma aproximação entre todos atores da pesquisa. Pichon-Rivière contribuiu para uma nova concepção teórica de grupo e sua aplicação no campo das experiências grupais, tem como finalidade, a construção de um esquema conceitual, referencial e operativo (ECRO) comum, condição necessária para o processo de aprendizagem. Segundo Pichon-Rivière (p.169, 1998), isto se dá em termos da definição de grupo assim descrita como: “ um conjunto de pessoas, ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação interna, propõe-se explícita ou implicitamente uma tarefa, que constitui sua finalidade. Podemos, então, dizer que estrutura, função, coesão e finalidade, junto com um número determinado de integrantes, configuram a situação grupal que tem seu modelo natural no grupo familiar”. De acordo com Barros (p.75, 2001), “as experiências com grupo no campo das relações de trabalho datam de maneira mais expressiva da década de 20.” Ainda segundo a autora, as experiências de Elton Mayo marcarão as primeiras investidas no campo das relações humanas e o trabalho com grupos. Conforme observa Barros (p. 78, 2001): “Mayo traz, portanto, novos pontos de inserção na constituição de instituição grupo. Este “aparece” como instrumento de solução para conflitos que ultrapassam os aspectos físico-ambientais detectados pelas propostas tayloristas e fordistas. Tratava-se do “fator humano”, o qual “escapava” das medidas cadastradas pelos inovadores da organização da produção. O trabalho com grupos se configura, então, como tecnologia a ser empregada especialmente frente a situações de conflito (nas indústrias, nas escolas, nas comunidades marginalizadas etc.). Essa tecnologia rastreia comportamentos “inadequados” e, ao estilo da psicologia positivista do século XIX, busca modificações visíveis e eficazes. Ao se construir como tecnologia, produz, no mesmo movimento, “técnicos-especialistas” (coordenadores de grupo, animadores de grupo) que passam a gerir tais “espaços”.” A obra de Levy Moreno, criador do psicodrama, do sociodrama e dos termos “terapia de grupo”, ajudou a divulgação das psicoterapias grupais. Seu 30 método consistia na interação livre e espontânea, para favorecer uma catarse de integração do indivíduo e do grupo. O termo telê é um conceito criado por Moreno, que corresponde à disposição positiva ou negativa para interagir com um dos integrantes do grupo do que com os outros (Garcia, 1986). Bion (1970), sugere que a grupalidade é uma qualidade do ser humano sendo portanto, um importante aspecto do social na estruturação psíquica do sujeito. Suas investigações sobre grupo contemplam o esquema referencial psicanalítico desenvolvido por Melanie Klein. Um dos pressupostos centrais desta escola é a ênfase atribuída à teoria dos vínculos, a constelação do vínculo como organizador básico do campo relacional (Silva,1986). Segundo Martins (1986), outro ponto fundamental na evolução histórica das práticas grupais surge das teorias freudianas. A psicanálise em grupos, faz uma leitura interpretativa considerando o inconsciente, a transferência, a formação do Ego e Superego, a libido e os processos de identificações grupais. Todos estes conceitos encontram-se expressos em vários trabalhos como “A Interpretação dos Sonhos”, “Psicologia das Massas e a Análise do Ego”, “Caminhos de Progresso na Terapia Psicanalítica”, “Mal-Estar na Cultura”, “Totem e Tabu” etc. Posteriormente Bleger (p.62, 1993), contribui com os processos grupais ao ressaltar o fato do “ser humano está integralmente incluído em tudo aquilo em que intervém, de tal maneira que quando existe uma tarefa sem resolver há, ao mesmo tempo, uma tensão ou conflito psicológico, e quando é encontrada uma solução para um problema ou tarefa, simultaneamente fica superada uma tensão ou um conflito psicológico”. O trabalho em grupo para Bleger, possibilita um espaço de reflexão, onde o aprender e o saber, emergem das vivências e dos impasses que se fazem anunciar e das possibilidades dialéticas decorrentes de seu tempo histórico. A técnica de grupo focal segundo Westphal et al. (1996), é um instrumento de pesquisa que possibilita o levantamento de dados qualitativos através de sessões grupais em que 6 a 15 pessoas com objetivos em comum, discutem vários aspectos de um tema específico. Portanto, o grupo tem como característica discussões em torno de um tema que será desenvolvido com base no que se quer avaliar. 31 O grupo focal é um método de pesquisa qualitativa podendo ser utilizado como espaço privilegiado onde se discute “as diferentes percepções e atitudes acerca de um fato, prática, produto ou serviços” (Carlini-Cotrim, p. 287, 1996). No grupo focal os integrantes são convidados a debater um tema de interesse comum fornecido pelo pesquisador, que tem o papel de moderador da discussão. Cabe ao pesquisador moderador propiciar a interação entre os participantes para que o grupo seja um condutor de trocas, negociações de versões, posicionamentos e aspirações expressas pelo próprio grupo. A partir de tópicos específicos, o grupo focal deve procurar estabelecer e conduzir a discussão “focada” no tema proposto. As questões sobre o tema, são lançadas ao grupo, possibilitando a visibilidade das experiências dos diferentes atores envolvidos (Carlini-Cotrim,1996). De acordo com Ressel et al. (2002), o grupo focal pode ser utilizado como um instrumento de trabalho para coletar dados qualitativos por possibilitar ao pesquisador um espaço de investigação social revelador das diferenças e diversidades existentes dentro de um grupo determinado que se pretende conhecer. As autoras apontam como uma das vantagens da técnica do grupo focal, a construção de um conhecimento coletivo expresso a partir das vivências que possam emergir do grupo. O grupo focal tem sido utilizado para estruturação de ações diagnósticas e na identificação de características psicossociais e culturais associados a determinados fenômenos. Tavares (2000), ao investigar a violência doméstica, utilizou-se do emprego desta técnica por facilitar a obtenção de dados a partir de um fórum de discussão de tópicos específicos e diretivos, em que foram levantados dados relativos as percepções, conceitos, opiniões, expectativas e representações sociais da população em estudo. Muza & Costa (2002), propõem como repertório de procedimentos da pesquisa qualitativa, a técnica de grupo focal como estratégia de operacionalização para identificar elementos de promoção à saúde entre adolescentes de comunidades de baixa renda. O instrumento facilitou uma aproximação dos conteúdos subjetivos e das questões que mais afligem os atores sociais envolvidos dando condições de uma análise mais detalhada no desvendamento dos agravos à saúde do grupo específico. 32 Brant & Dias (2004), enfatizam a importância do grupo focal para investigar as manifestações do sofrimento em gestores de uma empresa pública. Os autores destacam, que o grupo focal demonstrou ser uma técnica sensível para revelar o sofrimento entre os trabalhadores. O método do grupo focal é discutido por Teixeira (2002), ao investigar um grupo de idosos, com o objetivo de levantar informações e questões relacionadas ao envelhecimento e à promoção da saúde, a partir do diálogo e do debate entre os participantes do grupo. Os dados obtidos, favoreceram o direcionamento de estratégias para o alcance de melhores condições de saúde da população focalizada. É neste contexto que o presente estudo, pretendeu conhecer e analisar este grupo de trabalhadores, trazendo para discussão as relações de adoecimentos decorrentes da exposição e do uso arriscado dos agrotóxicos e algumas das possíveis seqüelas e suas conseqüências desastrosas para a saúde do trabalhador que, na grande maioria das vezes, adoece. Destacar as situações e eventos de riscos relacionados com os padrões de desgaste constitutivos dos ambientes e das condições de trabalho, assim como, propor formas terapêuticas de atendimento que possibilitem avançar nos processos de intervenção de saúde destes trabalhadores. Nosso desafio é sem dúvida, não encerrar e não reduzir os desdobramentos que venham a emergir de acontecimentos tão adversos; ter como foco de atenção a pluralidade de significados que os sujeitos envolvidos dão às coisas e à vida, na tentativa de provocar a narrativa das diferenças e suas singularidades. 33 CAPÍTULO IV MATERIAIS E METÓDOS A metodologia inicial de trabalho consistiu em uma revisão bibliográfica da literatura científica, sobre intoxicações por agrotóxicos inibidores da colinesterase (carbamatos e organofosforados), centralizando-se nos aspectos das repercussões neurocomportamentais das intoxicações. O enfoque principal é dado aos organofosforados. Foi realizado um levantamento dos casos atendidos no ambulatório de Saúde Ambiental e Ocupacional (Toxicologia Clínica) na Universidade Federal do Rio de Janeiro Hospital Universitário Clementino Fraga Filho no município do Rio de Janeiro. Com base nos dados dos prontuários de atendimento, partiu-se de um estudo de 23 casos de indivíduos com suspeita de intoxicação por organofosforados, de ambos os sexos, sem discriminação de idade, que vem sendo acompanhados sistematicamente no referido ambulatório. A caracterização do grupo pode ser observada no Capítulo Resultados e Discussão. O grupo foi então formado por 23 pacientes, sendo destes, 8 mulheres (35%) e 15 homens (65%). A faixa etária variou entre 34 e 54 anos, sendo mais detalhada no Capítulo Resultados e Discussão. O protocolo de coleta de dados (anexo II), referente à avaliação de saúde do grupo estudado, foi elaborado a fim de se obter informações sobre as possíveis repercussões neurocomportamentais decorrentes da exposição tais como: identificação da população estudada, como sexo, idade, escolaridade, tempo de exposição, situação atual e sintomas referidos como: depressão, alterações da personalidade, do sono/vigília, da memória e concentração, do humor, esquecimento, uso de álcool, drogas e medicamentos contínuos, dentre outros aspectos. Os casos selecionados foram trabalhados e analisados com o objetivo de se fazer considerações a respeito das repercussões neurocomportamentais nas exposições aos agrotóxicos. Os aspectos sinalizados resultaram na recomendação de um protocolo de atendimento inicial das populações expostas, visando facilitar o diagnóstico e nortear o tratamento com alternativas terapêuticas de atendimento. 34 Para análise do material e reflexão acerca das repercussões neurocomportamentais, foi necessário considerar a combinação de enfoques quantitativos e qualitativos. Tornou-se imprescindível que algumas questões consideradas neste estudo, fossem analisadas dentro de um método quantitativo. Assim como, observou-se que outras questões, “ relacionadas com as experiências, representações, práticas e processos de significação, demandam métodos mais consoantes com esses fenômenos, ou seja, de natureza qualitativa” (MercadoMartínez, p. 168, 2004). A análise de dados foi desenhada a partir desta associação, visando estabelecer os riscos à saúde pela exposição contínua a estes agentes. Assim sendo, realizou-se um estudo epidemiológico, descritivo, de corte transversal. Este tipo de pesquisa possibilitou algumas vantagens: rapidez, baixo custo e facilidade na obtenção de dados (Klein & Bloch, 2002). É preciso ressaltar, o fato das repercussões neurocomportamentais na exposição aos agrotóxicos apresentarem efeitos insidiosos e nocivos à saúde, podendo ser avaliadas por este método. No que se refere à epidemiologia, os estudos de corte transversal, são caracterizados pela observação direta de uma determinada população em um dado momento. Neste estudo, buscou-se avaliar “a proporção de indivíduos com uma determinada característica, que pode ser uma doença estabelecida, um sintoma, um sinal, uma seqüela, ou outro agravo qualquer da saúde” (Klein & Bloch, p.126, 2002). Estes estudos são utilizados como indicadores de doenças crônicas, para planejamento de serviços e informação sistematizada dos efeitos causados à saúde segundo variáveis específicas, assim como, “estabelecer relações de associação entre as características investigadas” (Klein & Bloch, p.126, 2002). A articulação de diferentes enfoques teóricos possibilitou uma compreensão dinâmica do processo de trabalho, recortando como objeto de estudo as repercussões neurocomportamentais e as estratégias encontradas pelos trabalhadores para fazer face a essas repercussões. Este estudo segue a orientação da interpretação dialética, que segundo Minayo (p. 11-12, 1992), envolve “não somente o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as 35 representações sociais que constituem a vivência das relações objetivas pelos atores sociais, que lhe atribuem significados (...) Perceber a relação inseparável entre mundo natural e social; entre pensamento e base material; entre objeto e suas questões; entre a ação do homem como sujeito histórico e as determinações que a condicionam.” Nesses termos, utilizou-se o grupo focal com a finalidade de levantar questões-chave acerca das repercussões neurocomportamentais entrecruzando-as com as condições de trabalho e suas implicações para à saúde do trabalhador. Assim sendo, buscou-se privilegiar a troca de experiências e informações, de estar à escuta das falas e de novos modos de viver como estratégia para elucidação dos objetivos propostos. A técnica do grupo focal aliada a análise qualitativa, procurou contemplar as falas e as percepções dos trabalhadores ao compartilharem suas características identitárias. Como afirmam Minayo & Sanches (p.245, 1993), “a abordagem qualitativa realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza: ela se volve com empatia aos motivos, às intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas” Carlini-Cotrim (1996), trabalhou o grupo focal como instrumento investigativo e método qualitativo de aplicação na Saúde Pública. Segundo a autora, o grupo focal, leva em conta, o contexto em que ocorrem os fenômenos subjetivos e ao mesmo tempo, possibilita incorporar os saberes dos atores sociais envolvidos, sendo um processo relativamente simples e rápido quando se quer explorar um tópico específico. A técnica do grupo focal tem como estratégia a emergência de significados no decorrer do processo grupal. O envolvimento dos informantes com a construção desses significados e a criação de um espaço constituído a partir da percepção dos participantes faz deste, um espaço privilegiado para explicitar os conteúdos associados com o objetivo analítico escolhido (Menegon, 1999). 36 Teixeira (2002), elabora o grupo focal, como um espaço que possibilita aos integrantes, manifestar suas representações, fantasias, contradições, ansiedades, impressões e significados dentro de um determinado tema. No presente estudo, a escolha desta técnica teve como finalidade o conhecimento, sem perder de vista que este é sempre uma construção do coletivo por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade. O grupo focal, de acordo com os objetivos e critérios previamente determinados, favoreceu a criação de um ambiente favorável à discussão propiciando aos participantes manifestarem suas percepções e pontos de vista. Assim sendo, a construção desse espaço de discussão e reflexão possibilitou apreender a dinâmica social através das atitudes, opiniões e motivações expressas nas interações grupais (Westphal, 1992). O processamento dos dados qualitativos foi feito mediante a transcrição das entrevistas, leitura flutuante e categorização dos temas permitindo retirar as informações mais importantes no que diz respeito aos objetivos do estudo. As observações foram detalhadamente anotadas, procurando dar seguimento aos discursos e afetos relatados pelos sujeitos na presente investigação. De acordo com os objetivos do estudo, a combinação de métodos, como estratégia de análise dos dados possibilitou recursos que, “buscam desvelar o sentido das experiências humanas, reconhecendo, contudo, que o sofrimento, a dor, a angústia e qualquer processo de significação são também produto e manifestação das condições objetivas e estruturais em que vivem os coletivos humanos” (MercadoMartinez & Bosi, p.58, 2004. Grifo dos autores). POPULAÇÃO ESTUDADA A população alvo constituiu-se de todos Agentes de Saúde em acompanhamento no Ambulatório de Toxicologia Clínica do HUCFF/UFRJ que exerciam atividade laboral na FUNASA. A intenção foi investigar o universo desses trabalhadores (N=23), observando a associação com possíveis riscos à sua saúde. 37 Este estudo foi realizado no Ambulatório de Saúde Ambiental e Ocupacional (Toxicologia Clínica) na Universidade Federal do Rio de Janeiro Hospital Universitário Clementino Fraga Filho no município do Rio de Janeiro, cuja equipe técnica é assim composta: médico do trabalho, neurologista, enfermeira do trabalho, epidemiologista. Esta unidade conta com uma assessoria constituída por: psicóloga, assistente social, psiquiatra, técnico em segurança do trabalho, epidemiologistas. Este ambulatório encontra-se inserido nas atividades de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e Residência em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO Neste estudo foi considerado como critério de inclusão todos os trabalhadores expostos a agrotóxicos em acompanhamento na referida unidade de atendimento. Não houve escolha quanto à idade, sexo e escolaridade. A participação dos trabalhadores ocorreu mediante a assinatura de um termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconizado na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (anexo I). Os casos excluídos foram aqueles que apresentarem associação a outros agentes intoxicantes com histórias pregressas de patologias psiquiátricas e/ou neurológicas de outras etiologias. Todos estes aspectos visaram facilitar o diagnóstico clínico destas intoxicações e nortear o tratamento inicial, diminuindo a morbidade referente às mesmas. INTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS O protocolo de coleta de dados referente à avaliação de saúde do grupo investigado, buscou uma compreensão mais ampla das possíveis repercussões neurocomportamentais decorrentes da exposição e incluíram: 38 • Aplicação de entrevistas semi-estruturadas adaptada do protocolo original de Avaliação Neurocomportamental – Bateria de Provas Neurocomportamentais (NCTB) da Organização Mundial de Saúde/OMS, objetivando investigar: datas e antecedentes pessoais, hábitos, tempo de exposição, situação atual, depressão, alterações da personalidade, do sono/vigília, humor, uso de álcool, drogas e medicamentos contínuos, memória, atenção, concentração, dentre outros aspectos; • Levantar dados acerca das repercussões neurocomportamentais através de encontros grupais, com bases nos fundamentos teóricos da técnica de grupo focal destacados anteriormente neste estudo. Foram propostas oito sessões, uma vez por semana com a duração de 01:30 h; • A análise e o cruzamento dos dados foram realizados no software EPI INFO 6.04, com objetivo de descrever a freqüência simples de cada variável e o cruzamento entre variáveis resultando em gráficos e tabelas; • Todos estes itens são discriminados e analisados no Capítulo Resultados e Discussão. ASPECTOS ÉTICOS Seguindo o roteiro elaborado pelo Comitê de Ética do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC/UFRJ), este projeto incorpora os aspectos recomendados pela Resolução 196/96 sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, e não apresenta atividades que possam levar a danos às dimensões físicas, psíquicas, morais, intelectuais, sociais, culturais ou espirituais dos participantes. Em anexo(I), o termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 39 CAPÍTULO V ANÁLISE E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS Para análise e resultados dos dados foi utilizado o programa EPI INFO 6.04, com objetivo de caracterizar e descrever a freqüência simples e o cruzamento entre variáveis da população em estudo. Assim, rastrearam-se os aspectos mais comuns e recorrentes, a partir das respostas ao questionário semi-estruturado (anexo II), que poderiam estar associados à exposição dos agentes químicos como: caracterização e identificação da amostra, sexo, idade, escolaridade, tempo de exposição/atividade, condições de vida após a demissão, tempo de afastamento da exposição, depressão, alterações da personalidade, do sono/vigília, humor, uso de álcool, drogas e medicamentos contínuos, memória, atenção, concentração, dentre outros aspectos investigados através de entrevistas semi-estruturadas adaptada do protocolo original de Avaliação Neurocomportamental – Bateria de Provas Neurocomportamentais (NCTB) da Organização Mundial de Saúde/OMS. As questões em aberto do questionário padrão, foram muitas vezes discutidas no grupo focal e serão detalhadas mais adiante. Para identificação e caracterização dos Agentes de Saúde foi utilizado as letras Trab, seguidas de um número. O tempo de exposição/atividade dos Agentes de Saúde e o manuseio dos agrotóxicos organofosforados foram considerados diretamente iguais ao tempo de trabalho, resultando em uma sinergia que atravessou todo o processo de trabalho. Esta variável foi considerada a mais importante para análise dos resultados aparecendo no grupo focal, através das falas sobre a construção silenciosa da contaminação do trabalhador, assim como, outras expressões das condições de trabalho prejudiciais à saúde (grifo da autora). A escolha da técnica do grupo focal deu-se pelo objetivo da investigação – conhecer as repercussões neurocomportamentais e uso dos agrotóxicos a partir dos discursos dos envolvidos. Além disso, proporcionou ter informações sobre as condições de trabalho e as implicações para à saúde do uso dos agrotóxicos e, conseqüentemente, os processos de adoecimento, quando estes se apresentavam. 40 Para realização do grupo focal com os Agentes de Saúde, foi definida uma questão temática chave: Quais as repercussões na saúde do uso dos agrotóxicos na atividade de trabalho? Configurou-se, assim, um transitar nos domínios dos afetos, segundo expressão de Tambellini (p.39, 2002), que possibilitou “avançar para além da solidariedade e conviver num espaço de domínio do afeto. Por aí, talvez se deva iniciar o caminho para alcançar um outro lugar de onde se possa falar de um conhecimento compartido e a favor dos bens, como a saúde e a felicidade conjugadas, a favor dos prazeres e realizações de cada um e para todos.” Dentro desta perspectiva, os dados do grupo foram analisados, inspirando-se no intercâmbio com os trabalhadores e de como expressam situações singulares de afetos, adoecimento e de movimento em direção à saúde. No dizer de Sato (p. 1156, 2002), “os trabalhadores são construtores de conhecimento, articulam-se de modo conflituoso e cooperativo, e criam modos de vida singulares nos locais de trabalho.” 5.1 - CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES DE SAÚDE PÚBLICA/HUCFF/UFRJ-RJ A tabela 1 mostra o perfil dos Agentes de Saúde Pública/HUCFF/UFRJ-RJ, segundo o gênero. O grupo foi formado por 23 pacientes, 8 mulheres (34,8%), e 18 homens (65,2%). Esta tabela evidencia que a maioria dos entrevistados corresponde ao sexo masculino, sendo que o total dos analisados, trabalhava diretamente no campo, em atividades realizadas nas residências (aplicando e/ou borrifando os agrotóxicos), no preparo dos agrotóxicos, prestando orientações sobre medidas preventivas e mapeando áreas onde eram realizadas as ações de controle de endemias vetoriais. Não se verificaram diferenças significativas entre o grupo de agentes masculino e feminino, de modo que, para efeitos de análise, considerou-se a categoria agente. 41 Esta tabela apresenta a caracterização individual dos Agentes segundo diversas variáveis: sexo, idade, escolaridade, álcool e uso de medicamentos. Tabela 1. Distribuição de variáveis selecionadas de identificação e caracterização dos Agentes de Saúde Pública expostos a agrotóxicos. HUCFF/UFRJ/RJ, 2005 Variáveis selecionadas SEXO Masculino Feminino Total IDADE (EM ANOS) 34 – 37 38 – 42 43 – 54 Total ESCOLARIDADE Primário completo 1º grau completo 2º grau completo 2º grau incompleto 3º grau completo Total ÁLCOOL Ingere as vezes Não ingere nunca Total MEDICAMENTOS Sim Não Total N (%) (n=23) 15 8 23 65,2 34,8 100 5 11 7 23 21,7 47,8 30,4 100 1 1 18 1 2 23 4,3 4,3 78,3 4,3 8,7 100 5 18 23 21,7 78,3 100 13 10 23 56,5 43,5 100 Com relação à faixa etária, tivemos a seguinte distribuição: cinco pacientes entre 34 a 37 anos (21,7%), onze entre 38 a 42 anos (47,8%) e sete entre 43 a 54 anos (30,4%) (Tabela 1). A média de idade da amostra ficou em 41 anos (desvio padrão = 5 anos). A maioria dos trabalhadores (90%), é natural do estado do Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que os dados revelam uma população de adultos jovens entre 34 e 42 anos (69,5%), somando-se a freqüência de 34-37 (21,7%) e 38-42 (47,8%). O restante do grupo encontra-se distribuído na faixa entre 43-54 (30,4%). 42 O perfil de escolaridade mostrou que dos 23 trabalhadores entrevistados (Tabela 1), foi observado que o maior quantitativo pertence aos 18 trabalhadores (78%), que possuem 2º grau completo. Dois trabalhadores (10%), afirmaram ter 3º grau completo. Sendo que, no grupo constava ainda 1 com primário completo (4,3%), 1 com 1º grau completo (4,3%) e 1 com 2º grau incompleto (4,3%). A distribuição quanto ao uso de álcool (Tabela 1) mostrou que apenas 5 dos trabalhadores (21,7%), referiram que eventualmente fazem uso de quantidades moderadas de álcool. Sendo que 18 trabalhadores (78,3%), conforme os relatos dos mesmos, não apresentam uso de álcool. Em relação ao uso de drogas o total da amostra (n=23), afirmaram que não usam drogas. A tabela 1 mostra o percentual de trabalhadores que fazem uso de medicamentos, constituído por 13 trabalhadores (56,5%) do total de trabalhadores entrevistados. Chamou atenção que este percentual afirma que os medicamentos (anti-histamínicos, analgésicos, ansiolíticos e antidepressivos) em uso, são sob orientação médica. Aqueles que relataram não fazer uso de medicamentos correspondem o percentual de 10 trabalhadores (43,5%). Ao avaliar-se o tempo de exposição/atividade, referido pelos 23 trabalhadores (Tabela 2), observou-se que dezesseis trabalhadores (69,6%), estiveram expostos entre 7 e 10 anos, sendo os demais expostos entre 11 e 15 anos (26,1%). Apenas um trabalhador relatou ter sido exposto no período de até 6 anos. Este é um fator importante a ser considerado, pois o tempo de exposição/atividade corresponde ao tempo de uso dos agrotóxicos no processo de trabalho dos Agentes de Saúde. A atividade de trabalho envolvia a manipulação e a aplicação dos agrotóxicos sem equipamentos de proteção individual (EPIs). Nos relatos dos entrevistados observou-se, que durante o período de atividade não houve, por parte da FUNASA, preocupação com esta questão. 43 Tabela 2. Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a agrotóxicos segundo os Agentes de Saúde Pública. HUCFF/UFRJ/RJ, 2005 N(%) (n=23) Variáveis selecionadas TEMPO DE EXPOSIÇÃO (EM ANOS) 0–6 7 – 10 11 –12 Total APÓS A DEMISSÃO Com benefício Desempregado Aposentado Outros Total AFASTADO DA EXPOSIÇÃO (EM ANOS) 0–4 5–6 Total 1 16 6 23 4,3 69,6 26,1 100 2 10 2 9 23 8,7 43,5 8,7 39,1 100 1 22 23 4,3 95,7 100 Em relação à situação dos agentes de saúde após a demissão (Tabela 2), dez trabalhadores estão desempregados sem nenhum tipo de benefício (43,5%). Existem 2 trabalhadores (8,7%) que estão com benefício (nexo com a exposição), dois (8,7%) encontram-se aposentados (nexo com a exposição) e 9 dos trabalhadores (39,1%) encontram-se distribuídos em atividades com ou sem desvio de função e outros: 2 exercem atividades administrativas, 4 foram reintegrados como Agentes de Saúde e 3 são funcionários da rede pública. Em números absolutos, observa-se que o tempo de afastamento mais representativo é em torno de seis anos, contabilizado por 22 trabalhadores (95,7%) da amostra. Apenas um trabalhador, que corresponde a (4%), revelou ter estado afastado por um período de até quatro anos – Tabela 2. Dos sintomas relatados (Gráfico 1), os que aparecem mais freqüentemente conforme o total da amostra (n=23) no tempo de exposição entre 7 a 10 anos são: alterações da memória: 15; esquecimento: 16; dificuldade de concentração: 8; nervosismo: 12; atenção: 15; tristeza: 13; irritabilidade: 10; labilidade emocional: 9; 44 alterações do comportamento: 11; alteração sexual: 9; cansaço: 13. As questões emocionais foram referidas como crise de choro involuntária e sem motivo aparente, sensação de insegurança, indisposição para realizar atividades do cotidiano, inquietação, desanimo, episódios de depressão, fuga de idéias, dificuldades para apreender novos conhecimentos, dificuldades para manter novos conhecimentos e dificuldades em realizar atividades físicas. Gráfico 1. Distribuição dos Agentes de Saúde conforme sintomas mais freqüentemente relatados e o tempo de exposição. HUCFF/UFRJ/RJ, 2005 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 16 15 15 12 13 10 8 13 11 9 9 66 3 11 1 11 11 0 0-6 Alt da memoria Nervosismo Irritabilidade Alt. sexual 1 0 44 55 6 5 6 4 1 7 - 10 Esquecimento Atenção Lab. emocional Cansaço 11 - 12 Dif. de concentração Tristeza Alt. comport A exposição aos OF foi considerada por todo tempo de atividade, pelo fato de que para esse grupo, todo o processo de trabalho envolvia a manipulação, o contato, seja durante o transporte, o preparo, a aplicação ou pelo consumo de alimentos colocados junto a bolsa utilizada para carregamento dos equipamentos e dos agrotóxicos. A isto, acrescenta-se o fato de todos os agentes relataram que não dispunham de equipamentos de proteção individual. Estes aspectos serão detalhados mais adiante. 45 5.2 - O PERFIL DA MORBIDADE REFERIDA E O TEMPO DE EXPOSIÇÃO Quanto aos sintomas relatados e o tempo de exposição (gráfico 1), nota-se que a maior parte deles, são manifestações neurocomportamentais relacionadas com exposição contínua aos compostos OF. Em relação aos efeitos crônicos, nas exposições por longos períodos aos OF em trabalhadores agrícolas, Reidy et al. (1992), encontraram resultados associados a mudanças neurocomportamentais como ansiedade, depressão e sintomas de ordens psíquicas. A partir dos achados, observouse que os entrevistados deste estudo apresentaram queixas similares, conforme pode ser evidenciado no Gráfico 1. Pacheco-Ferreira & Carvalho (p. 45, 2005), afirmam que os OF “podem produzir agravos neurocomportamentais, principalmente em áreas motoras e integrativas do cérebro; neste caso evidencia-se o córtex cerebral, responsável por funções intelectuais, de aprendizado, memória, comportamento, emoções, motivação, formação da palavra, da visão, entre outros.” Rosenstock et al. (1991), investigando um grupo de trabalhadores agrícolas com história de exposição aguda por OF, verificaram alterações neuropsicológicas significativas referentes à atenção, a memória, visuomotora e funções motoras. Os sintomas referidos (Gráfico 1), foram comparados aos dados reportados por Beseler & Stallones (2003), que apresentaram um estudo com trabalhadores agrícolas no Colorado, associando história de exposição aos agrotóxicos, práticas de seguranças e sintomas neurológicos. Os resultados apontam para a presença de sintomas neurológicos que podem influenciar na habilidade com os procedimentos de segurança como: depressão, ansiedade, inabilidade para se concentrar, alterações da memória, dificuldades na compreensão da leitura, desorientação espacial e irritabilidade. Steenland et al. (1994), em um amplo estudo com sujeitos expostos aos OF na Califórnia, apontaram a presença de distúrbios relacionados com déficits na atenção visual sustentada, desordens de humor como, ansiedade, irritabilidade, depressão e dificuldades na concentração. A distribuição dos Agentes de Saúde 46 segundo a morbidade referida, apresenta um quadro compatível com os dados demonstrados na literatura. Baldi et al. (2001), publicaram uma pesquisa onde investigaram o funcionamento cognitivo de trabalhadores de vinícolas, na região de Bordeaux, com história de exposição crônica por longos períodos aos OF. Os resultados assinalam desordens cognitivas relacionadas a exposição crônica por OF, envolvendo aspectos relacionados com: seletividade e processamento de informação, memória, fluência verbal, atenção, abstração, ansiedade, irritabilidade e depressão. Neste sentido, os dados referidos pelos Agentes de Saúde aproximam-se dos achados dos autores. Gurgel (1998), em pesquisa com Agentes de Saúde em Pernambuco encontrou através do teste Self Reporting Questionnaire (SRQ–20), um quadro de sintomas físicos e psico-emocionais (ansiedade, alterações neurocomportamentais, labilidade emocional, depressão, cansaço, dificuldade para tomar decisões, dificuldade de pensar com clareza, etc) correlacionados com a exposição aos agrotóxicos no processo de trabalho. Essas descrições apresentam similaridades e contribuições relevantes aos encontrados no presente trabalho. Como indicam Wesseling et al. (2002), podem ocorrer repercussões neurotóxicas persistentes nas intoxicações por OF. Estes autores avaliaram a presença destes efeitos em agricultores levemente intoxicados por OF, sem história de hospitalização, aproximadamente após dois anos do episódio. Esse estudo sugere que, quando se trata de intoxicações leves e moderadas existe a ocorrência de um mecanismo básico comum, sobretudo nas áreas neurocomportamentais, afetando regiões complexas, como memória, atenção, habilidade visuomotora, linguagem e sintomas neuropsiquiátricos. A pesquisa conduzida por Jamal et al. (2002), com agricultores expostos ocupacionalmente aos OF, evidenciou repercussões neuropsicológicas significativas próximas aos sintomas relatados pelos Agentes de Saúde: ansiedade, depressão, lentidão no processamento de informações e uma vulnerabilidade acentuada no sistema nervoso periférico. 47 Os sintomas levantados neste estudo estão em concordância com os dados obtidos por Nava et al. (1999), que identificaram atividades normais de acetilcolinesterase em trabalhadores expostos aos OF mas que apresentavam alterações psicomotoras, déficits de memória e atenção, lentidão cognitiva e sintomas psiquiátricos. Pires et al. (2005), mostrou correlações significativas entre intoxicação e tentativas de suicídio provocadas por agrotóxicos na microrregião de Dourados, Mato Grosso do Sul. Os autores chamam atenção que a exposição crônica a estes compostos pode levar ao desenvolvimento de sintomas de depressão, um fator importante nos suicídios. Quando comparados, os resultados referidos do presente estudo com os dados da literatura, foi possível tecer algumas considerações, a saber: Os achados da literatura concordam com a importância das manifestações neurocomportamentais, como sendo um dos principais eventos encontrados na exposição por organofosforados. Assim sendo, observou-se a presença de alterações importantes na memória, seletividade e processamento de informação, ansiedade, atenção, irritabilidade, cansaço, depressão, dificuldade de concentração, labilidade emocional, etc. De um modo geral, as pesquisas reforçam que a utilização dos agrotóxicos nos processos de trabalho, pode provocar uma série de mudanças neurocomportamentais e afetivas com repercussões para a saúde. O uso inadequado dessas substâncias, a falta de utilização de equipamentos de proteção e de informações sobre os efeitos da toxidade dos produtos, estavam intrinsecamente relacionados, com as atividades laborativas desenvolvidas pelos Agentes de Saúde. É importante ressaltar, a relação entre a exposição por OF e a presença de sintomas, que muitas vezes, ocorrem independente dos parâmetros toxicológicos construídos com base nos padrões de tolerâncias aos resíduos (Sobreira & Adissi, 2003). 48 Como observado por Davies et al. (2000), na exposição crônica podem confluir repercussões neurocomportamentais e neuropsiquiátricas persistentes atribuídas a ação dos OF. Em outro artigo, Davies et al. (2000), chamam atenção para o potencial dos OF em produzirem desordens de humor, seguidas de ideações suicidas e alterações cognitivas como distúrbios de linguagem associadas com a exposição por OF. Os OF interferem no desenvolvimento do cérebro por produzirem lesões progressivas em certas habilidades cognitivas e, seus efeitos tóxicos no sistema nervoso reduzem a capacidade das funções cognitivas em suportar e desafiar suas propriedades neurotóxicas, ocorrendo com isso, a aceleração de determinados processos ou diminuição na capacidade de resistir a eles (Weiss, 2000). Nota-se no estudo, assim como pela literatura revisada, os indícios de potenciais danos e vulnerabilidade das populações expostas, demonstrando a gravidade destas intoxicações e a extensão de seus impactos na saúde. No tópico seguinte, serão apresentados e discutidos os dados do grupo focal relacionando a utilização dos agrotóxicos e suas repercussões na saúde. As informações levantadas no grupo produziram diferentes significados, que não puderam ser entendidas quantitativamente (Minayo, 1992). 5.3 - O GRUPO FOCAL: DESVELANDO AS REPERCUSSÕES A dinâmica do grupo focal iniciou-se com a disponibilidade de cada um dos 23 entrevistados, em participar das oito sessões realizadas em dias alternados, com duração de 1 hora e 30 minutos. A presença no grupo ocorreu em média de 10 a 15 participantes por sessão, sendo que as ausências eram justificadas por circunstâncias diversas como fatores econômicos, problemas de saúde, participação nas lutas políticas da categoria, dificuldades para se ausentarem de atividades de trabalho, etc. Os encontros foram realizados no ambulatório de Toxicologia Clínica/UFRJ/HUCFF no município do Rio de Janeiro. 49 O tema das repercussões na saúde do uso dos agrotóxicos, na atividade de trabalho desenvolvida pelo grupo em questão, desdobrou-se na necessidade de analisar o processo de trabalho e os significados atribuídos a ele pelos trabalhadores. Ao enfocar essa categoria, buscou-se articular os modos de subjetivação inscritos nas atividades de trabalho tendo como viés a experiência singular do trabalhador. Isto significa dizer, que tais processos articulam-se no cruzamento de determinações coletivas de várias esferas, não só sociais, mas econômicas, tecnológicas, etc. Acontecimentos historicamente produzidos, pelos quais são traçados os campos da subjetividade (Foucault, 1984 & 2004; Guatarri & Rolnik, 1986). A noção de subjetividade enquanto expressão de um tipo de relação entre técnicas de dominação sobre os outros e sobre si mesmo, permite situar os jogos de verdade constitutivos da experiência do sujeito em uma determinada trama histórica. Guatarri (p.33, 1986) coloca esta questão nos seguintes termos: “A subjetividade está em circulação nos conjuntos sociais de diferentes tamanhos: ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares. O modo pelo qual os indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois extremos: uma relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal como a recebe, ou uma relação de expressão e de criação, na qual o indivíduo se reapropria dos componentes da subjetividade, produzindo um processo que eu chamaria de singularização”(Grifo dos autor). Para Oddone et al. (1986), o resgate do saber do operário, através da prática cotidiana dos trabalhadores possibilita mudanças nas condições de trabalho, ao articular um conhecimento que se inscreve na vida e é tecido nas relações de trabalho. Na situação investigada, constatou-se que as atividades de trabalho aqui relacionadas revelaram certos elementos subjetivos complexos com desdobramentos na saúde dos trabalhadores, como a “visibilidade” dos danos exemplificados no depoimento a seguir: 50 “Eu me sinto uma pessoa lesada física e emocionalmente, nós levávamos a saúde e ficamos com a doença. Me sinto como se fosse o próprio veneno, no final só sobrou pra nós o veneno.” (Trab. 22) Assim sendo, as discussões sobre as condições de trabalho foram apontadas, através das falas dos participantes, como um complexo de fatores com a finalidade de restringir a subjetividade do trabalhador na tentativa de torná-la meramente funcional. O processo e a organização de trabalho traduzia uma política racional de estratégias visando o acúmulo de normas, inspeção, gerência do tempo do trabalhador, vigilância centrada no cumprimento das diretrizes hierárquicas, rotinização e aplicações de técnicas, com o objetivo de controlar, regulamentar, planejar e padronizar o trabalho dos Agentes de Saúde. Nesta perspectiva, estava inserido o “controle químico” do Aedes aegypti, baseado no modelo de resultados, distanciado da coletividade e da prática dos profissionais que nele atuavam. A seguir, buscou-se reconstituir os caminhos e as implicações do uso dos agrotóxicos e suas repercussões na saúde, na expectativa de conhecer não só os impactos e os sofrimentos provocados no grupo, mas também enfocar suas histórias de trabalho nos diversos espaços da vida, o que eles transmitem deles mesmos e o modo como confiam as suas verdades possíveis. Esta é uma questão fundamental, trazer luz sobre um certo espaço de sombras onde não se consegue afirmar, categoricamente – “esta espécie de ‘estranho-em-nós`, que o efeito do inelutável embate com a alteridade nos faz experimentar em nossa subjetividade” (Rolnik, p. 37, 1996). O grupo focal consistiu em favorecer o acolhimento, a escuta e o resgate das falas e de outros modos de singularidades, expressos nos encontros que se davam. Procurou-se ter permutabilidade para ouvir, na tentativa de acolher as necessidades singulares dessas vidas e compreender os dramas de suas existências. Nas palavras de Bourdieu (p. 85, 2001), significou não ter que “fazer força para compartilhar do sentimento, inscrito em cada palavra, cada frase, e sobretudo no tom de voz, nas expressões faciais ou corporais, da evidência desta espécie de miséria coletiva que fere, como uma fatalidade, todos aqueles que estão amontoados nos lugares de rejeição social, onde as misérias de cada um são redobradas por todas as misérias 51 nascidas da coexistência e da coabitação de todos os miseráveis e sobretudo, talvez, do efeito de destino que está inscrito na pertença a um grupo estigmatizado” Grifo do autor. A análise das falas, privilegiando a vivência subjetiva dos trabalhadores, possibilitou aprofundar algumas questões referentes à associação dos agrotóxicos e as repercussões neurocomportamentais. Para avançar nesse ponto, a atividade de trabalho precisou ser situada. O resgate dessas memórias ofereceu recursos para discutir, sob o ponto de vista dos sujeitos implicados, a experiência do trabalho. A partir dos depoimentos coletados, pôde-se levantar um conjunto de discursos que emergiram com certa freqüência, permitindo o ordenamento das falas em torno dos eixos temáticos descritos a seguir: • Relação trabalho/saúde • Processo de trabalho/condições de trabalho que adoecem • As repercussões dos agrotóxicos na saúde A) RELAÇÃO TRABALHO/SAÚDE Os comentários sobre essa relação configuraram-se como claramente adversa e insatisfatória, prevalecendo as repercussões negativas da organização do trabalho sobre a saúde: “Para a gente executar bem o nosso trabalho a gente tinha que tomar contato com o veneno (...) Aquilo não era um trabalho de saúde. A exposição nos contaminou no físico, no psicológico e no emocional da gente. Infelizmente só percebemos isso depois que vieram os problemas.” (Trab. 02) “Faltava na nossa bolsa de trabalho o respeito ao ser humano (...) Não havia quem olhasse a nossa saúde, quem pudesse falar dos cuidados a serem tomados (...) Eu trabalhava 8hs por dia, com a pressão de um supervisor o tempo todo, sem férias e com tempo de exposição contínuo (...) O nosso regime era de 52 militar (...) Tudo isso deixava na gente muita tristeza, tristeza com as coisas que víamos (...) Tinha o veneno mas não se pensava nele (...) o veneno que estava sendo passado para a comunidade e para nós que trabalhávamos com ele.” (Trab.23) As condições extremamente precárias aos quais estavam submetidos os Agentes de Saúde tanto no sentido material como simbólico coloca, no centro do debate das intoxicações, a nocividade do ambiente de trabalho e conseqüentemente, os processos que afetam a saúde dos trabalhadores. Brito (2004), considera que o processo de trabalho é uma categoria central no estabelecimento do quadro de saúde nos coletivos humanos. Ao refletir o campo da saúde do trabalhador, a autora sinaliza a importância de se incorporar ao debate a experiência/subjetividade do trabalhador. “Por falta de informação os agrotóxicos passaram como se fossem normais (...) Nós trabalhávamos a saúde das pessoas usando os agrotóxicos, como podíamos imaginar que eles estavam prejudicando a nossa saúde? E a saúde das pessoas? Eu simplesmente confiava naquele trabalho por que partia da área de saúde.”(Trab.19) Nos depoimentos os participantes citaram a ausência de treinamentos e capacitação adequada em relação as substâncias tóxicas. Isto provocou aspectos conflitantes, como as questões em torno do desejo de trabalhar e a confrontação com as situações de trabalho que precipitavam um aumento da carga psíquica. Para Dejours (p.28, 1994), “a carga psíquica do trabalho é a carga, isto é, o eco ao nível do trabalhador da pressão que constitui a organização do trabalho. Quando não há mais arranjo possível da organização do trabalho pelo trabalhador, a relação conflitual do aparelho psíquico à tarefa é bloqueada. Abre-se, então, o domínio do sofrimento.” Um outro aspecto, é caracterizado por posições contraditórias em relação as questões trabalho/saúde consideradas “inicialmente seguras”. Os agentes percebiam que no começo a relação era permeada pela confiança no trabalho, inclusive pela comunidade. Só após um período, surgiram os problemas decorrentes da rejeição e por vezes, agressões de várias ordens: “No início do trabalho eu me sentia um soldado da saúde (...) As pessoas queriam levar a gente pra casa delas (...) Aí depois de um tempo as pessoas não 53 queriam deixar a gente colocar o veneno nem nas plantas por que morriam (...) A gente era quase agredido.” (Trab.15) “O trabalho no começo tinha uma coisa positiva. Sabe porque? Por que eu achava que tudo que era feito vinha de pessoas que estudavam a saúde (...) Nosso carinho de tentar ajudar as pessoas era muito grande e a nossa saúde, ficou a onde? Eu perdi a saúde, tempo de aposentadoria, estou desempregado e vou acabar adoecendo psicologicamente.” (Trab. 03) Diante dos fatores aqui expostos, observou-se uma total desconsideração quanto à pertinência das relações de trabalho no processo de adoecimento. Este fato produziu a ocorrência dos eventos mórbidos, como observados nos depoimentos e nas entrevistas com os trabalhadores. Os entrevistados reconheceram a dificuldade de integração entre os princípios do programa e a possibilidade de desenvolverem ações preventivas de saúde. As relações dos agentes com a comunidade vinculavam-se à aplicação das substâncias químicas e a busca de focos do Aedes aegypti, ação considerada carrochefe do programa. Além disso, as condições de trabalho em questão, potencializava outros vetores de sofrimento, como os danos à saúde em virtude da exposição ocupacional aos organofosforados. A inclusão da noção de subjetividade no presente estudo, possibilitou demarcar, a partir da ótica dos trabalhadores, as repercussões na saúde do uso dos agrotóxicos na atividade de trabalho desenvolvida. Foucault (1984 & 2004), descreve a subjetividade, como sendo uma construção que se dá por práticas discursivas e sociais ao colocar em movimento, múltiplas formas de subjetivação. Estes domínios são inteiramente ativos e não podem ser dissociados das circunstâncias singulares em que eles se constituem. A análise do segundo eixo, permitiu relacionar o processo de trabalho e as condições de trabalho em que figuram processos de adoecimento. 54 B) PROCESSO DE TRABALHO/CONDIÇÕES DE TRABALHO QUE ADOECEM Em relação a essa temática, chamou atenção no processo de trabalho investigado, a ausência dos requisitos de saúde e segurança. Vários trabalhadores apontaram para uma separação entre processo de trabalho e condições de trabalho que fazem adoecer. É importante destacar, que essa lógica propiciou, em larga medida, repercussões não visíveis e na maioria das vezes negadas que ameaçavam o cotidiano das relações, o trabalho e a vida. As interpretações dadas ao eixo processo de trabalho/condições de trabalho que adoecem supõe um tipo de subjetividade “serializada” que implicou em um dispositivo de poder, ao minar continuamente, esta relação. Por subjetividade “serializada” entende-se, o conjunto de racionalizações taylorizadas das condições de trabalho, ligadas a uma prática discursiva de eficiência e produtividade. Como diz Brito (p. 93, 2004), as lutas contra os agravos e sofrimentos em saúde do trabalhador envolvem a “necessidade de conhecer o trabalho, como ele é realizado e sob quais relações sociais, para que os danos à saúde sejam interpretados e combatidos, mediante mudanças no processo de trabalho e também nas relações sociais que o envolvem.” As diversidades dos depoimentos afirmam os medos, as ansiedades e inseguranças quanto aos fatores lesivos do trabalho. Estas situações forjam defesas que produzem “uma forma ativa, estratégica, bem ou mal, de lidar com a situação. As defesas precisam ser resguardadas, mesmo fora da situação. Distanciar-se delas, enquanto não se transforma, efetivamente é um perigo (...), mesmo a um custo considerável” (Figueiredo & Athayde, p.270, 2004). Os discursos aqui apresentados possibilitaram estabelecer uma estreita relação entre o processo de trabalho e as condições de trabalho que adoecem, assim como, elucidar algumas defesas, tais como: “Nunca recebemos luvas, máscaras ou botas (...) Quando usávamos a bomba ela pingava na calça. A calça ficava toda molhada devido o bico da bomba que atingia toda a calça. E como todo mundo sabe, a bomba vivia pingando. Essas 55 eram as condições da grande maioria da gente, todo esse veneno contaminando a gente e nada era falado. Eu sinto que havia uma espécie de silêncio sobre essas coisas, da gente e da Fundação (...) Vejo que tinha isso, em parte por insegurança de perder o trabalho e outra por não acreditar que o trabalho da gente fizesse mal assim.” (Trab.14) “A supervisão que nós tínhamos muitas das vezes era mais de perseguição do que de orientação (...) Nós não podíamos fazer nada além de colocar o veneno (...) Havia toda uma pressão pra se fazer a coisa por quantidade. O regime era de quartel e assim era as orientações dos nossos supervisores quem questionava sofria humilhação.”(Trab.11) Mercado-Martínez et al.(2004), referem em um artigo sobre o atendimento aos doentes crônicos no México, a importância de se incorporar no campo da saúde, o discurso dos doentes crônicos, isto é, às suas experiências e vivências, a idéia de doença/sofrimento e o que as pessoas pensam de si mesmas e dos outros. No caso dos trabalhadores, havia toda uma engrenagem de dispositivos de disciplinarização e controle para dificultar a informação e a participação daqueles que realizavam o trabalho. “A gente tinha que carregar uma bolsa com mais de 10kg. E isso dava muitas dores na coluna (...) Eu freqüentei áreas de riscos como lugares extremamente perigosos, escadas quebradas para chegar até as caixas d`águas (...) Todo mundo teve que enfrentar uma forma de contrato totalmente incerta, o que fazia com que a gente tivesse um desgaste mental constante pela ameaça do desemprego (...) Olha, vou resumir um pouco como foi todo esse contato com os agrotóxicos: eu tentei salvar vidas com o meu trabalho e estou perdendo a minha.” (Trab.13) “Até hoje sinto tonteira, fiquei com pouca memória, às vezes me sinto muito desanimado, meu coração dispara e tenho muitos brancos, são as seqüelas que me deixaram. Me aposentei nessas condições. Eu tive depressão e até hoje eu tenho. Sabe o que é isso?Isso é doença de trabalho (...) O problema é que não tivemos condições para trabalhar.” (Trab.21) 56 Através das informações obtidas, constatou-se que a saúde desse coletivo foi sendo debilitada por condições de trabalho geradoras de processos de adoecimentos. No grupo focal esse dado é percebido com clareza, sendo um aspecto que mobilizou intensamente os participantes. Dejours & Jayet (p.115, 1994), através das noções de trabalho prescrito e trabalho real, apontam questões importantes a serem consideradas: entre o trabalho prescrito e o trabalho real, ocorrem realidades distintas, que estão fora do controle dos técnicos com demandas e significados próprios, que quando negadas, contribuem para o não reconhecimento dos “fundamentos da comunicação, da discussão e da negociação da organização real do trabalho...” (Grifos dos autores). Conforme expressaram em seus depoimentos, os trabalhadores não tiveram suas opiniões, medos e apreensões consideradas. Tal situação, promoveu perdas significativas sobre a capacidade de negociação das condições de trabalho. C) AS REPERCUSSÕES DOS AGROTÓXICOS NA SAÚDE Por fim, estimulou-se a discussão entre os trabalhadores sobre as repercussões dos agrotóxicos na saúde, na tentativa de se conhecer as manifestações neurocomportamentais. Esse debate movimentou uma ação de reflexão e o resgate das sensibilidades a tais processos, dando origem a novos territórios de vida. Nos registros que se seguem, foram transpostos trechos do diálogo, nos quais os argumentos construídos, permitiram uma melhor compreensão dos objetivos buscados no estudo: “Sabe como eu entendo isso agora?É como se me faltasse as fechaduras do conhecimento, antes eu sabia fazer as coisas, hoje enxergo muitas dificuldades no que estou fazendo, daí perco a vontade até de saber e fazer. Me falta uma coisa que eu tinha e só agora passado um tempo, sei que não tenho mais (...) Me falta a memória das coisas e das palavras.” (Trab.09) 57 Como essa, muitas outras falas, demonstraram a falta de reconhecimento quanto às agressões à saúde que foram expostos esses trabalhadores. Conforme observado anteriormente, a literatura sugere que na exposição aos OF podem ocorrer seqüelas com amplas variações individuais e diferentes expressões cognitivas, sobre as quais não se pode determinar a duração e a intensidade. “Eu entrei na Fundação sem nada, agora sinto cansaço constante, tenho pouca disposição, às vezes me sinto muito triste (...) Hoje eu tenho muitas dificuldades para aprender as coisas. Como hoje tudo me poda eu vejo claramente que antes eu não era assim (...) Tem sido muito bom falar sobre essas coisas porque me fazem enfrentar essa luta que se repete todo dia.” (Trab.10) “Minha vida mudou principalmente pelo lado emocional (...) Às vezes tenho lapsos de memória, é como se minha memória se tornasse volátil e isso fosse tomando conta do que eu estou fazendo (...) Isso tudo é o restinho da Fundação na gente.” (Trab. 03) “Se a doutora por uma prova no nível que eu estudei eu não vou conseguir desenvolver. Eu não consigo mais acompanhar as coisas quando escrevo, é como se quando eu escrevo o meu raciocínio não acompanhasse mais.” (Trab. 09) As questões aqui apresentadas, refletem de variadas formas, algumas sutis, outras não, algumas práticas, outras não, o modo como esses trabalhadores perceberam as repercussões dos agrotóxicos, no interior e fora de seu ofício. De acordo com Sen (2000), as estratégias criativas de sobrevivência, aparecem através das escolhas dos trabalhadores em buscar novas formas de conhecimento, comportamentos, negociações, conflitos, decisões, sentimentos e táticas para fazer aparecer novas subjetividades. No dizer de Rolnik (p.38, 1996), intercessores que possibilitam emergir diferenças ao “acolher o estranho em sua própria subjetividade.” É importante notar que os repertórios dessas subjetividades encontravam-se associadas à capacidade de sobreviver a uma atividade de trabalho extremamente precária, seja pela ausência da promoção da saúde, como também, na prevenção de acidentes. 58 DISCUSSÃO A posição da população estudada frente a determinadas questões, revelou temas de convergência com as entrevistas semi-estruturadas (Anexo II) e as discussões ocorridas no grupo focal, descritas a seguir. Para melhor conhecer os problemas de saúde e os aspectos relacionados ao uso dos agrotóxicos, foram selecionados pontos comuns entre estas fontes. Ao relacionar os dados obtidos com as peculiaridades dos riscos e à organização do trabalho, constatou-se que o perfil do grupo de trabalhadores estudado aponta para uma população constantemente exposta aos agrotóxicos (Tabela 2), sem que tivessem apoio técnico necessário para a manipulação dessas substâncias. O conjunto desses fatores por si só dá indícios dos riscos aos quais estavam submetidos esses trabalhadores. Nos trabalhadores entrevistados não foi identificada nenhuma suspeita de abuso de álcool. Foram levantados os dados quanto os tipos (cerveja, cachaça, vinho, etc), e a freqüência (dias, semana, mês) sem referências significativas (Tabela 1). Os resultados obtidos mostraram os efeitos que os agrotóxicos exercem sobre SNC, com uma predominância das alterações neurocomportamentais que podem se relacionar com o emprego dos OF às atividades de trabalho (Gráfico 1). Após um longo período de exposição (Tabela 2) e um tempo de afastamento significativo (Tabela 2), esses sintomas se mantêm presente nos relatos dos agentes. Todos estes aspectos formam um quadro de morbidade que foram comparados anteriormente, com outras pesquisas. Os dados sobre o uso de medicamentos (Tabela 1), evidenciaram a presença de quadros de depressão, ansiedade e alergias que podem ter relação com a exposição crônica aos OF. Stallones & Beseler (2002), ao investigarem agricultores expostos aos OF no estado do Colorado, encontraram particularmente, desordens de ansiedade e depressão seguidos de mudanças no comportamento. Os depoimentos no grupo focal reforçam esses dados. 59 Ao discutir a complexidade dessas repercussões, foi necessário recompor o cenário de onde surgiram, na tentativa de acompanhar o fluxo desses acontecimentos. A escolha da técnica do grupo focal, possibilitou trazer à tona aspectos específicos dessa realidade. Os trabalhadores focalizaram aberta e detalhadamente seus pontos de vista sobre as repercussões dos agrotóxicos na saúde e de como essas questões não foram observadas pelos órgãos competentes. Este momento foi determinante para visualizar situações importantes para o alcance dos objetivos do estudo. A situação dos agentes após a demissão (Tabela 2), assinala o desamparo em que se encontram grandes partes dos agentes – “eu tive minha vida toda atingida pelo o agrotóxico, não consegui mais trabalhar. Já tentei várias vezes mas passo muito mal” (Trab. 01). Deve-se levar em consideração, que os mecanismos sutis da exposição aos OF, aparecerem circunscritos nas queixas variadas de mal estar que, em alguns casos, impedem os trabalhadores de se reestruturam produtivamente na sociedade. Essa realidade trouxe como conseqüência para alguns desses agentes (Tabela 2), poucas perspectivas de se inserirem outra vez no mercado de trabalho, ao perceberem suas vidas como sendo “descartáveis e sem o vigor da juventude” – “contrataram a gente na melhor época da nossa vida. No auge da juventude. Contrataram a gente e depois jogaram fora como se fossemos descartáveis” (Trab. 18). Um dos desafios do estudo foi aproximar os dispositivos diretamente ligados à atividade de trabalho e seus impactos na saúde, que como constado, buscavam ser contemplados. A configuração desses dispositivos aparece na fala de um agente ao se sentir privado do conhecimento – “é como se me faltasse às fechaduras do conhecimento”(Tr.09). Essa frase denuncia os agravos à saúde relacionada ao trabalho. Faltam-lhe as “fechaduras do conhecimento”, essa visão questionadora traz visibilidade para a progressiva banalização da utilização de produtos químicos sem que os expostos, estejam alertados sobre os seus potenciais danos. 60 Associa-se a isso, o desgaste mental por não terem tido seus direitos trabalhistas resguardados, citados como: benefício previdenciário não depositado, exame demissional não realizado, ausência de EPIs e vínculo temporário, com atividades de trabalho, claramente nocivas e inadequadas para saúde. Os vários depoimentos descrevem um ciclo de agressão à saúde que se estendeu por muitos anos (Tabela 2). Nos depoimentos no grupo ficou evidente o desconhecimento da classificação química dos agrotóxicos, em relação ao grau de toxicidade ou à formulação do produto. Após um longo período de exposição, os trabalhadores foram confrontados com a influência e os efeitos dos agrotóxicos na saúde. Nas palavras de um trabalhador, “ eu fiquei intoxicado sem saber bem como, eu não sabia que aquele produto fazia mal para saúde. Só depois de um tempo começaram os problemas e ninguém sabia me dizer o que eu tinha, havia um desconhecimento até para quem me atendia. Ninguém sabia lidar com a situação terrível que eu estava vivendo. Hoje, se me dessem milhões, eu não queria voltar para aquilo de jeito nenhum.” (Trab.1) Como contribuição à reversão desse modelo insustentável, procurou-se, neste trabalho, priorizar as informações do trabalhador sobre o processo de trabalho e os conflitos relacionados com a exposição aos OF. A ênfase nessa direção faz-se necessário, pois pode viabilizar medidas concretas de prevenção de agravos à saúde do trabalhador. Nesse contexto, argumenta Sato (2002), é necessário que se equacione a participação do trabalhador, buscando com o seu conhecimento e subjetividade, referências para materializar intervenções fundamentais, nas condições e organização do trabalho. Assim, ao configurar as situações que caracterizaram a exposição ocupacional aos agrotóxicos relacionou-se o rastro silencioso e por vezes, obstáculo para a investigação, como no dizer de um trabalhador: “não consigo mais reproduzir nada, não consigo imaginar (...) As pessoas ficam zangadas porque a gente não lembra, eu não lembro é porque apaga mesmo” (Trab.07). Essas referências engendram riscos cada vez mais complexos e dinâmicos como as referências de sintomas citados: lapsos de memória, tristeza, cansaço, depressão, dificuldade para apreender novos conhecimentos, alteração no comportamento, etc. (Gráfico 1). Em 61 muitos casos, a “inespecificidade” dos sintomas não encontra um canal expressivo no trabalho, nos serviços de saúde e na vida desses trabalhadores. Acrescenta-se a esse estudo, um ponto importante: a combinação de métodos quantitativos e qualitativos permitiu abranger aspectos da exposição que demandam diferentes enfoques por revelaram “outros modos de existencialização, outros contextos de produção de subjetividades, outras línguas para outros afetos, outros modos de experimentar” (Barros, 1997). Construiu-se coletivamente, outros modos de singularizar os eventos em análise: “um outro lado da faceta no grupo me despertou uma coisa: tenho que reagir (...) eu resolvi que vou voltar a estudar com os poucos recursos que tenho. Do que sobrou dessa história toda...” (Trab.12) Assim como todo sistema vivo, o trabalhador também se defende quando seu equilíbrio se perturba. Às vezes negando os riscos, outras sobrevivendo a eles. Essa capacidade de resistir ou de sobreviver aos riscos na exposição ocupacional cria percursos extremamente complexos. As manifestações crônicas, a baixos níveis de OF, são exemplos dessa complexidade. Esses efeitos de exposições contínuas estão bem relacionados na literatura, sendo caracterizados por mudança de humor e comportamento, alterações emocionais, dificuldades em relação a memória, concentração, atenção e uma variedade de seqüelas psiquiátricas como depressão e fobias (Albers et al., 2004; Salvi et al., 2003; Gershon & Shaw, 1961). No caso dos Agentes de Saúde em questão, após anos de exposição aos OF, os dados coletados, apontam para um perfil de morbidade que revela a vulnerabilidade desse grupo frente aos riscos decorrentes do processo de trabalho. Os registros vivos de suas histórias de trabalho fizeram aparecer pensamentos e sentimentos sintonizados com esses riscos: “Eu mudei muito mesmo. Hoje sou muito lento, eu estou muito devagar, tenho vontade de buscar as coisas, mas tenho dificuldades com a minha memória, eu não tenho disposição física e mental, é como se uma tristeza tomasse conta de mim.” (Trab.06) A propósito, esses aspectos estão de acordo com o estudo de Damásio (p. 149, 2004), sobre os sentimentos. Para o autor, os sentimentos têm a capacidade de antevisão e previsão dos problemas, inclusive os relativos a formas complexas de adoecimentos por serem “os sensores mentais do interior do organismo, as 62 testemunhas do estado da vida. Os sentimentos podem também ser sentinelas, dados que permitem ao nosso self que tome conhecimento do estado da vida no organismo,(...) Referem-se mais imediatamente à harmonia e ao desacordo que acontecem no interior do corpo” (Grifo em negrito nossos). As manifestações crônicas, que aqui foram discutidas e comparadas, atingem principalmente, a região do SNC, apinhada de núcleos e circuitos que apóiam as mais diversas funções. Alguns desses núcleos são minúsculos, e teria bastado uma variação mínima da anatomia habitual para que a corrente elétrica passasse através de uma zona diferente daquela onde se destinava. Nessa perspectiva, as pesquisas apresentadas anteriormente, destacam que diferentes formas de acetilcolinesterase são encontradas em várias regiões do cérebro, sendo portanto sensíveis em larga escala aos produtos químicos, entre eles, os compostos organofosforados (Feldman, 1998). O que a natureza levou milhões de anos para aperfeiçoar – os dispositivos automáticos da homeostasia – responsáveis pelo o equilíbrio de diversas funções e composições químicas do corpo, o homem, através do emprego das substâncias neurotóxicas, dispõe de um curto período de tempo para violar. Essa concepção equivocada da natureza humana tem tido inúmeras conseqüências negativas, a saber: um desrespeito pelos aspectos da regulação da vida, uma incapacidade de reconhecer que a tecnologia empregada no exercício de certas práticas geram um nível elevado de complexidade, como é o caso das repercussões neurocomportamentais, que dependendo da suscetibilidade individual de cada um, pode reverberar “na memória das coisas e das palavras” (Trab.09). As sintomatologias “inespecíficas” como perda progressiva de memória, comportamentos alterados, fadiga, tristeza, etc, que podem ser decorrentes dos efeitos neurotóxicos dos OF, põem em risco populações mais suscetíveis, como crianças, gestantes, idosos e trabalhadores que aplicam estes produtos. Outro grave problema, diz respeito a importância dessas questões para a saúde pública. Nas entrevistas, a maioria relata o descaso por parte dos gestores, dos riscos associados a essa exposição. Isto leva a uma outra reflexão: a intensificação 63 desses agravos nos processos de trabalho em saúde. Os dados assinalam, para uma certa homogeneidade desfavorável das condições de trabalho e de vida dos próprios trabalhadores, que estão prestando esse serviço. Esta situação não tem sido devidamente investigada, o que demonstra a ausência de uma política de precaução voltada para a saúde desses trabalhadores. Conforme observado em algumas situações, a complexidade das repercussões neurocomportamentais provocam diferentes vias de agressões à saúde entre elas, a exclusão social como conseqüência da dificuldade de reinserção no mercado de trabalho. O depoimento de um trabalhador revela de modo contundente esta questão: “eu não tenho dinheiro e não tendo dinheiro não tenho posição positiva na sociedade (...) eu tenho meus medos, minha fragilidade me desespera, mas tenho esperança de sair desse buraco” (Trab. 01). A combinação de métodos permitiu que as informações fossem discutidas e disponibilizadas entre os participantes do estudo. Nessa perspectiva, certos dispositivos foram versados e compartilhados. A experiência de vida dos trabalhadores, a procura árdua por estratégias que restaurem a saúde perdida, lhes conferindo modos singulares e coletivos de exercer a vida, mesmo em circunstâncias tão adversas. Cabe ainda sinalizar, voltando-se a questão central do estudo – os agrotóxicos e as repercussões neurocomportamentais – a importância de se buscar outros “domínios sentinelas”, conforme proposição de Damásio (2004) e Tambellini (2002), que possam permitir ações e abordagens mais integradoras para o campo da saúde pública. 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta desse estudo foi levantar pontos relacionados ao uso dos agrotóxicos e suas implicações no processo saúde/doença enfatizando as repercussões neurocomportamentais. O estudo traz informações importantes ao reunir dados sobre as atividades de trabalho, a partir dos próprios trabalhadores – Agentes de Saúde Pública envolvidos nas ações de controle de vetores no município do Rio de Janeiro. O objetivo do estudo fez com que se abordasse o processo de trabalho, na expectativa de conhecer em maior profundidade como as condições de trabalho atuam sobre tais repercussões. As informações descritas foram essenciais para a determinação dos efeitos adversos do trabalho nas condições de saúde dos agentes. No grupo focal, os discursos dos agentes revelaram condições de trabalho que se caracterizavam por práticas claramente insalubres. O quadro se agravou ainda mais, por não terem sido tomadas medidas de segurança, treinamento e proteção dos efeitos nocivos à saúde, dada a situação de trabalho, envolvendo o uso de substâncias neurotóxicas. Com isso, coloca-se como uma questão central, as parcerias com os trabalhadores de saúde, a fim de estabelecer novas estratégias que colaborem para as transformações do trabalho em favor da saúde. Essa perspectiva de veicular tais parcerias, que muitas vezes não figuram como prioridade, possibilitam o estabelecimento de ações de saúde preventivas e integradas com o trabalho e a vida. No decurso de construção desse estudo, os protagonistas em questão, deflagraram um novo dispositivo de desenvolvimento do trabalho: uma ação mobilizada pela experiência de confronto e explicitação das vivências do trabalho no grupo focal. O fato de se sentirem acolhidos e escutados convergiu em um espaço de discussão e reflexão voltado para o fortalecimento dos vínculos de confiança e respeito à vida. Este espaço vem sendo exercido no ambulatório de saúde ambiental e ocupacional (Toxicologia Clínica) na Universidade Federal do Rio de Janeiro – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho no município do Rio de Janeiro. 65 Além disso, o estudo procurou colocar em evidência a anamnese psicológica e neurocomportamental (anexo II), como um screening específico para o contexto dos sintomas referentes à exposição ocupacional aos agrotóxicos. Sua aplicação nos serviços de saúde pode ser útil para levantar hipóteses diagnósticas da exposição a substâncias químicas no trabalho. Os achados dos questionários se mostraram sensíveis quando comparados com outras pesquisas, apontando dados significativos em relação as repercussões neurocomportamentais na exposição por longos períodos aos agrotóxicos. No entanto, para uma análise mais completa dos resultados, é necessário que se incorpore diferentes saberes, articulando a clínica, a neurologia, a enfermagem, a psicologia e o saber do trabalhador. Os estudos reforçam que a exposição a um composto OF pode produzir sintomas neuropsiquiátricos e neurocomportamentais de várias ordens e que embora silenciosos e quase imperceptíveis, costumam causar grandes danos. Portanto, este trabalho coincide com os resultados de pesquisas e levantamentos institucionais anteriores, ao observar a presença de alterações na memória, concentração, aprendizagem, ansiedade, depressão, fobias, fadiga crônica, entre outros. Os dados obtidos também demonstram a necessidade de que se elabore outros parâmetros científicos para monitorar a exposição crônica (Salvi, 2003; Sato, 2002; Ray & Richards, 2001). Considerando as dificuldades de estabelecer o nexo com o trabalho e a exposição aos agrotóxicos é fundamental: capacitar os profissionais dos serviços de saúde para que considerem a importância da situação de trabalho como um dos determinantes no processo saúde/doença; reestruturar os sistemas de informações em saúde, envolvendo um sistema de vigilância epidemiológica com notificação dos casos com suspeita de relação com o trabalho. A partir destas considerações e levando em conta a diversidade dos problemas em relação ao uso dos agrotóxicos e as repercussões neurocomportamentais, sugere-se medidas que possam favorecer ações que considerem o potencial de risco e os agravos à saúde gerados da utilização dos agrotóxicos no cotidiano de trabalho. Diante destes fatos, recomenda-se: 66 ¾ Realizar grupos focais visando o acolhimento, a escuta, o acompanhamento e a troca de informações através da participação ativa dos trabalhadores; ¾ Definir protocolos neurocomportamentais que identifiquem as formas “subclínicas” da exposição ocupacional aos agrotóxicos possibilitando o atendimento adequado do trabalhador; ¾ Investir em cursos de capacitação para os profissionais de saúde na área de neurotoxicologia, considerando a abordagem das repercussões neurocomportamentais na exposição aos agrotóxicos; ¾ Viabilizar espaços de atuação multiprofissional que facilitem a transmissão das informações e a complementaridade de conhecimentos objetivando à melhoria da qualidade de vida e fortalecimento do potencial de saúde desses trabalhadores; ¾ Em vista das características dos agravos à saúde, devem ser levadas em consideração pelos gestores e profissionais de saúde, medidas que agilizem o atendimento e as demandas das populações expostas As inquietações desencadeadas pelo estudo não se encerram aqui, pois a procura de outros dispositivos para o trabalho e a saúde continua a espera de territórios que promovam a dignidade humana e que considere cada trabalhador, aberto para a invenção de novas possibilidades de vida. 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, M. 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Sigrid Haikel, cujo título é: “ A MEMÓRIA DAS COISAS E DAS PALAVRAS – NEUROCOMPORTAMENTAIS UM DOS ESTUDO AGENTES DAS DE REPERCUSSÕES SAÚDE PÚBLICA EXPOSTOS A AGROTÓXICOS. ” O principal objetivo deste estudo é identificar as repercussões neurocomportamentais e o uso dos agrotóxicos na saúde. Para sua realização as pessoas que participarão do estudo serão submetidas a um questionário padronizado e encontros grupais com o objetivo de levantar dados acerca das repercussões neurocomportamentais. A participação nesta pesquisa é voluntária e a realização destas atividades não oferece riscos para a saúde dos participantes da pesquisa, que a qualquer momento podem recusar esta participação. Os dados colhidos serão inteiramente sigilosos, avaliados apenas pelo pesquisador e seu orientador. Quando os resultados deste estudo forem apresentados o nome e dados dos participantes não serão identificados. Entretanto, os resultados, em sua totalidade, serão publicados em literatura científica especializada. Será marcada uma data para divulgação dos resultados e, caso seja detectada alguma anormalidade, os participantes da pesquisa serão encaminhados para avaliação clínica. Atenciosamente, Sigrid Haikel / Psicóloga e Pesquisadora Heloisa Pacheco Ferreira / Professor e Orientador da Pesquisa Eu, _______________________________________________, RG no__________ Certifico que lendo as informações acima concordo com o que foi exposto e autorizo a minha participação nesta pesquisa. PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E NEUROCOMPORTAMENTAL DE TRABALHADORES EXPOSTOS AMBIENTAL E/OU OCUPACIONALMENTE A SUBSTÂNCIAS NEUROTÓXICAS DADOS DE IDENTIFICAÇÃO: N.º do questionário:________/2005 Nome:__________________________________________________________ Sexo: ( ) F ( ) M Idade:___ anos e ___ meses Data: ___/___/___ Atividade Atual _______________________________________________________ Tempo de Exposição___________________________________________________ 1.Você se sente cansado ( a ) após o trabalho? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 2.Você se sente cansado ( a ) quando está trabalhando? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 3.Você se sente cansado ( a ) após atividade física? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 4.Como você vem se sentindo nesta última semana, incluindo o dia de hoje? 1 ( ) bem 2 ( ) mal 2.a.Por que? __________________________________________________________ 5.Você se sente cansado ( a ) quando acorda pela manhã? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 6.Você vem sentindo fraqueza? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 7.Você sente sono durante o dia? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 8.Quantas horas você dorme por noite? 1( ) até 6 horas 2( ) 07 horas 3( ) 08 horas 4( ) acima de 08 horas 9.Você sente dificuldade para dormir? ( insônia )? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 10.Você perde o sono durante a noite? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 11.Quando você perde o sono durante a noite demora a dormir novamente? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 12.Você tem esquecimentos? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 13.Você sente que a sua memória está falhando? 1. ( ) sim 2. ( ) não 14.Você freqüentemente: 1( ) esquece o material de trabalho 2( ) repete atividades que já havia feito 3( ) tem dificuldade para realizar as atividades novas, pois não consegue lembrar o que executou 4( ) esquece compromissos 5( ) sente dificuldade para aprender novos conhecimentos 6( ) sente dificuldade para lembrar novos conhecimentos 7( ) apresenta dificuldades durante o aprendizado anterior 8( ) outros: _________________________________________________________ 15.Familiares ou pessoas próximas reclamam da sua dificuldade em lembrar das coisas? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 16.Você tem pensamentos estranhos? 1( ) sim 1.a. Quais? _________________________________________________________ 2( ) sempre 2.a.Quais? ________________________________________________________ 3( ) nunca 17.Você se sente perdido em seus próprios pensamentos? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 18.Você sente dificuldade para se concentrar no que faz? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 19.Você consegue manter a atenção nas suas atividades? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 20.Você se sente muito triste sem motivo aparente? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 21.Você vem sentindo falta de vontade para executar as tarefas do trabalho? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 22.Você tem se sentido nervoso? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 23.Você tem se sentido agressivo? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 24. Em sua família teve ou tem alguém com problemas emocionais? 1( ) sim 1.a. Quem? _________________________________________________________ 1.b. Qual problema? __________________________________________________ 2. ( ) não 25. Você se percebe desinteressado em realizar suas atividades diárias? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 26.Você sente medo? 1( ) sim 1.a. Quais? _________________________________________________________ 2( ) não 3( ) nunca 27. Você sente necessidade de se afastar das pessoas e lugares de seu convívio? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 28. Você se sente irritado? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 29. Você se sente agitado? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 30. Você vem percebendo ou as pessoas a sua volta reclamam que muda de humor rapidamente? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 31. Você vem percebendo mudanças no seu comportamento? 1( ) sim 1.a. Quais? _________________________________________________________ 2( ) não 32. Você tem interesse em atividades de lazer? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 33. Houve mudança de interesse sexual após a exposição? 1. ( ) sim 2. ( ) não 3. ( ) nunca 34. Você percebeu mudanças no seu comportamento durante ou após a exposição a agrotóxicos? 1( ) sim 1.a. Quais? _________________________________________________________ 2( ) não 35. Você faz uso de álcool? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 36. Você bebe todos os dias? 1. ( ) sim 2. ( ) não 37. Qual o tipo de bebida alcoólica que você ingere? 1( ) cerveja 2( ) cachaça 3( ) vinho 4( ) outros: _________________________________________________________ 38. Qual a quantidade que você ingere de álcool diariamente? 1( ) 1 copo 2( ) 2 copos 3( ) 3 copos 4( ) 1 garrafa 5( ) 2 garrafas 6( ) mais de 3 garrafas 7( ) outros: _________________________________________________________ 39. Quando você bebe você sente dificuldades para dormir? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 40. Quando você bebe você fica mais falante? 1. ( ) às vezes 2. ( ) sempre 3. ( ) nunca 41. Você tem atitudes diferentes quando ingere álcool? 1( ) às vezes 1.a. Quais? _________________________________________________________ 2( ) sempre 2.a. Quais? _________________________________________________________ 3( ) nunca 42. Você faz uso de drogas? 1( ) às vezes/ quais?__________________________________________________ 2( ) sempre/ quais?___________________________________________________ 3( ) nunca 43. Você faz uso de algum tipo de medicamento? 1( ) sim 1.a. Quais? _________________________________________________________ 2( ) não É sob orientação médica? 1.b. ( ) sim 2.b. ( ) não 44. Você já realizou tratamento psicológico e/ou psiquiátrico? 1. ( ) sim 2. ( ) não Qual período?_________________________________________________________ 45. É portador de doença crônica? 1. ( ) sim 2. ( ) não Qual? ________________________________________________________________ 46. Como você se percebe em seus relacionamentos: Familiar: ___________________________________________________________ ____________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Com amigos: ________________________________________________________ ___________________________________________________________________ No trabalho: ________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 47. Você acha que os sintomas que vêm sentindo tem relação com a exposição que você sofreu? ( ) sim 1.a. Por que? ________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ( ) não 48. Você acha que os sintomas que vêm sentindo tem alguma relação com a exposição às substâncias químicas? ( ) sim 1.a. Por que? ________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ( ) não _____________________________________ Assinatura da psicóloga Adaptado do protocolo original de avaliação neurocomportamental proposto pela Organização Mundial de Saúde – OMS.