Leia um trecho do livro

Transcrição

Leia um trecho do livro
— H. G. BISSINGER,
autor de F R I D AY N I G H T L I G H T S
foto © Elizabeth S. Ames
é o
autor de Catch a Wave: The Rise, Fall
& Redemption of the Beach Boys’ Brian
Wilson e Paul McCartney: A Life. Ele é
articulista da revista People e crítico de
televisão do jornal The Oregonian. Carlin
mora com a família em Portland, Oregon.
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BRUCE
Esta ampla biografia de um dos maiores
músicos dos Estados Unidos é a primeira em 25
anos a ser escrita com a cooperação do próprio
Bruce Springsteen e com acesso irrestrito ao
artista, sua família e membros da banda —
incluindo Clarence Clemons em sua última
grande entrevista. O aclamado autor de livros
sobre música, Peter Ames Carlin, apresenta um
retrato surpreendentemente íntimo e vívido de
um dos maiores ícones do rock.
Durante mais de quatro décadas, Bruce Springsteen
tem refletido o coração e a alma dos Estados Unidos
com uma carreira que inclui 20 prêmios Grammy,
mais de 120 milhões de discos vendidos, dois Globos
de Ouro e um Oscar. Ele também se transformou
em uma voz influente na cultura e política norteamericanas, inspirando o presidente Barack Obama
a admitir: “Eu sou o presidente, ele é o Boss”.
PETER AMES CARLIN
PETER AMES CARLIN
BRUCE
“Se há alguém que escreve
sobre músicos melhor do que Carlin,
eu não conheço.”
“BRUCE é um feito…Carlin mostra porque Bruce Springsteen
significa tanto para tantas pessoas há tanto tempo.”
— NEW YORK TIMES
Construído a partir de anos de pesquisa e acesso
sem precedentes ao objeto de seu livro e seu círculo
íntimo, Bruce apresenta o relato mais revelador até
o momento de um homem carregado de tragédias
familiares, com uma tremenda dedicação à sua
arte e uma paixão profunda pela fama e influência.
Com este livro, os membros da E Street Band
finalmente desnudam seus sentimentos sobre sua
demissão abrupta em 1989, e como a ambivalência
de Springsteen quase afundou sua reunião de 1999.
Carlin traça habilmente a vida pessoal de Bruce que,
às vezes, é pungente: de sua infância em uma família
de classe trabalhadora pobre em Freehold, Nova
Jersey, até a sua escalada obsessiva à fama e vida
amorosa confusa, e finalmente pela sua busca em
vencer os demônios que quase destruíram seu pai.
PETER AMES CARLIN
Em Bruce, Carlin engloba a amplitude da carreira
assombrosa de Springsteen e explora o íntimo de um
homem que conseguiu inspirar gerações. Obrigatório
para os fãs, Bruce é uma biografia minuciosamente
pesquisada, de leitura quase compulsiva, sobre
um dos artistas mais complexos e fascinantes da
história da música norte-americana.
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BRUCE
Peter Ames Carlin
Tradução
Paulo Roberto Maciel Santos
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Título Original: Bruce.
Copyright © 2012 by Peter Ames Carlin.
Foto © Herb Ritts / Trunk Archive.
Todos os direitos reservados pela Editora Nossa Cultura, 2013.
Diretor editorial
Editor
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Tradução
Preparação de texto
Revisão
Capa
Diagramação
Paulo Fernando Ferrari Lago
Claudio Kobachuk
Getúlio Ferraz
Paulo Roberto Maciel Santos
Claudio Kobachuk
Getúlio Ferraz
Adriana Gallego Mateos
Cherlynne Li
Adalbacom Design Gráfico e Comunicação
Nota: A edição desta obra contou com o trabalho, dedicação e empenho
de vários profi ssionais. Porém podem ocorrer erros de digitação e impressão.
Grafia atualizada segundo o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
em vigor no Brasil desde 2009.
EDITORA NOSSA CULTURA
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Index Consultoria em Informação e Serviços Ltd.a.
Curitiba-PR
C282
Carlin, Peter Ames
Bruce / Peter Ames Carlin ; tradução Paulo Roberto Maciel
Santos. — Curitiba : Nossa Cultura, 2013.
518 p.
ISBN 978-85-8066-119-4
1. Springsteen, Bruce, 1949- . 2. Músicos – Estados
Unidos – Biografia. 3. Música americana. I. Título.
CDD (20.ed.) 920
CDU (2.ed.) 929Bruce
IMPRESSO NO BRASIL / PRINTED IN BRAZIL
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Para Sarah Carlin Ames — “Este não é um passeio sombrio”.
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SUMÁRIO
Prólogo: O rei da junk food
1.
2.
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17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
O lugar que eu mais amei
Um novo tipo de homem
Enquanto minha mente transforma nuvens em sonhos
Vamos formar uma banda
Fiquem longe das armas, tudo vai dar certo
Por razões de ordem pessoal esta tem que ser
minha última canção
Alguém que fosse um pouco louco
Agora eu quero ver se você tem ouvidos
Estou finalmente, finalmente, onde deveria estar
Escute o teu lixo, cara — Ele está cantando
Hiperatividade era o nosso negócio
Enfim, vamos deixar rolar
Um caso clássico de tenha cuidado com o que desejas
Éramos apenas eu e você querida, eu lembro da noite
em que você prometeu
Sempre há espaço para se jogar alguma coisa fora
Ei, grandalhão! Eles ainda estão por aí?
O tempo é todo seu, meu amigo
Livrai-me do vazio
O operário trovador
Todos sorrindo muito, felizes finalmente
Eu nem mesmo sabia o que era uma parceria
Podem ser hostis, eu aguento
Puta merda, voltei
Esperança, sonhos e rededicação
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25. O país que levamos em nossos corações está aguardando 445
26. É um tubarão enorme, cara!
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27. Os próximos pés de árvores
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Uma nota sobre as fontes
Agradecimentos
Índice
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PRÓLOGO:
O REI DA JUNK FOOD
A
PRIMEIRA VEZ EM QUE ALGUÉM CHAMOU
Bruce Springsteen de Boss
foi nas primeiras semanas do ano de 1971, na sala de jantar de um
apartamento gelado nas proximidades do centro da cidade de Asbury
Park. O apartamento térreo, que já havia sido um salão de beleza, era
na época a casa de Steven Van Zandt, Albee Tellone e John Lyon,
todos músicos de vinte e poucos anos de idade que já eram veteranos
no circuito de clubes de Jersey Shore. A casa deles se transformou em
um anexo da cena musical de Asbury Park. Quando eles abriam as
portas do apartamento para os jogos semanais de Banco Imobiliário,
o lugar ficava cheio rapidamente. Garry era um dos frequentadores
assíduos, assim como Big Bad Bobby, Danny, Davey e uma dúzia de
outras pessoas.
Bruce tinha um talento particular para o tipo desonesto de
Banco Imobiliário que eles jogavam. Nessa versão, as regras do
jogo mal apareciam. O jogo de fato acontecia entre as rodadas dos
jogadores, quando eles podiam formar alianças, negociar acordos,
subornar e recorrer a truques, coerção e o que um forasteiro poderia
considerar como sendo trapaça. E é aí que Bruce se sobressaía,
devido aos seus poderes astutos de persuasão e a alavancagem
fornecida pelos pacotes de doces dos mais variados tipos e origens
e as latas de Pepsi que trazia consigo. É engraçado o que um jovem,
quando está faminto e lhe dão dois cupcakes recheados de creme
com o sabor mais artificial possível vai concordar em fazer quando
são duas horas da manhã e ele está com muita fome, mas muita
fome mesmo.
Então Bruce ganhou partidas suficientes de Banco Imobiliário
para inspirar os outros a apelidá-lo de Rei da Junk Food. Isso durou
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BRUCE
apenas até quando Bruce, que também tinha um talento nato para
inventar apelidos, criou um novo para si mesmo: the Boss1.
O apelido colou. “Lembro de pessoas chamando-o assim e não
levando a sério”, lembra o colíder da banda Steven Van Zandt. “Não
até que eu comecei a chamá-lo de Boss. A partir daí começaram a
levar a sério porque eu mesmo também era chefe. Então, quando
comecei a chamá-lo de Boss, o lance era, ‘Se Stevie está fazendo isso,
então tem alguma coisa aí!’”
Ao ouvir isso hoje em dia, Bruce dá risadas. “Vou deixar que
você interprete como quiser”, é tudo o que ele diz.
Durante três anos, o apelido semissecreto de Bruce não saiu do
pequeno círculo de sua banda e os amigos deles. Todos os quais
compreendiam o quão seriamente Bruce levava essas coisas. Porque
um dos privilégios de se ser um Boss é controlar quem pode e quem
não pode chamá-lo assim. Definitivamente, a banda e os roadies.2
Também alguns amigos, mas somente aqueles que tinham apelidos
concedidos por Bruce. Southside, Miami, Albany Al, e assim por
diante. O que fez com que ficasse ainda mais ultrajante quando
Boss tornou-se domínio público à força.
Aconteceu em 1974, quando seu público aumentou e os discos
começaram a vender. A mística de Jersey Shore de Bruce cresceu ao
ponto de se tornar uma intriga jornalística, e quando um repórter
ouviu um membro da equipe técnica soltar casualmente um “Ei,
Boss” em uma conversa, o jogo acabou. Quando “Born to Run”
tornou-se um sucesso em 1975, o Boss havia se transformado em
uma coisa completamente diferente. Uma honraria. Um título de
campeão. Outra parte de Bruce sacrificada por causa de sua própria
ambição.
Bruce não reclamou publicamente, mas ele expressou claramente
seus sentimentos já em meados dos anos 1970 ao revisar a letra de
sua música mais popular em festas, “Rosalita”: “Você não tem que
me chamar de tenente, Rosie/Só nunca me chame de Chefe!”
Porque havia regras. Incluindo a regra básica de não reconhecer a
existência das regras. Porque o Boss não pode ser visto como alguém
que esteja forçando as outras pessoas a pô-lo sobre um pedestal. Até
onde você sabe, ele está apenas lá, seu poder e autoridade tão inevitáveis
1
Preferiu-se, na versão brasileira do livro, manter a expressão em Inglês, pois ela está
muito associada a Bruce.
2
Equipe de apoio de bandas, encarregados da montagem e transporte de equipamentos,
assim como afi nação de instrumentos e outras tarefas.
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PRÓLOGO
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quanto as marés. Então nem mesmo pergunte, porque é quando Bruce
vai empertigar a cabeça e te fitar com aquele olhar vagamente irritado.
“Regras? Eu não tenho nenhuma regra especial em relação a
isso”.
Pergunte novamente de uma forma levemente diferente e a sua
expressão vagamente irritada ganha clareza.
“Não há raciocínio algum por trás dela”, afirma Bruce com uma
uniformidade proposital. “É só porque eu pagava os salários das
pessoas e as coisas eram literalmente tipo ‘O que vamos fazer?
Hmmm, não sei, é melhor alguém perguntar ao chefe’ Então, mesmo,
era apenas um nome que você usa quando está trabalhando”.
Então Boss é uma expressão genérica? Sem nenhum significado
maior ou ética acompanhando-a? Significando que qualquer
pessoa, inclusive esta que vos fala, pode chamá-lo de Boss sempre e
em todo lugar?
Por um momento, Bruce fica apenas olhando fi xamente.
“Bem, para você me chamar assim seria ridículo”, ele diz. “Além
disso, não seria necessariamente correto”.
Ele bebe um pouco de tequila e dá de ombros novamente.
“E esta ainda é a primeira vez em que ouço falar de regras”.
Chame-o de Bruce.
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BRUCE
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UM
O LUGAR QUE EU
MAIS AMEI
O
CAMINHÃO NÃO PODIA ESTAR EM
alta velocidade. Não em uma rua
residencial calma como McLean. Se ele tivesse vindo da Rodovia
79 — conhecida como South Street em Freehold, New Jersey — ele
estaria trafegando ainda mais lentamente, já que nenhum caminhão
de sete toneladas poderia dobrar uma esquina de 90 graus em
grande velocidade. Mas o caminhão tinha a altura e largura para
praticamente preencher o acostamento e afastar para o lado os outros
carros, bicicletas e pedestres até ter passado roncando. Supondo que
as outras pessoas estivessem prestando atenção à estrada em frente
delas.
A menina de cinco anos de idade andando de triciclo estava
distraída pensando em outras coisas. Ela poderia estar disputando
corrida com sua amiga até o posto de gasolina da Lewis Oil que
ficava na esquina. Ou talvez ela fosse apenas uma criança brincando,
sentindo a primavera no ar no final de uma tarde de abril de 1927.
Seja como for, Virginia Springsteen não viu o caminhão vindo.
Se ela ouviu o motorista buzinando em pânico quando ela desviou
em direção à rua, não teve tempo para reagir. O motorista pisou
firme no freio, mas não adiantou. Ele ouviu, e sentiu, um baque
horrível. Alertados pelos gritos dos vizinhos, os pais da menina
saíram correndo de casa e encontraram sua fi lhinha inconsciente,
mas ainda respirando. Eles a levaram apressadamente primeiro para
o consultório do Dr. George G. Reynolds, e então para o Hospital
Long Branch, que ficava a mais de 30 minutos de distância a leste
de Freehold. E foi lá que Virginia Springsteen faleceu.
O período de luto começou imediatamente. Membros da família,
amigos e vizinhos se dirigiram para a pequena casa em Randolph
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BRUCE
Street para consolar os pais da menina. Fred Springsteen, 27 anos
de idade e trabalhando como técnico na Freehold Electrical Shop
localizada no centro da cidade, manteve as mãos nos bolsos e falava
calmamente. Mas a sua esposa, Alice, que tinha 28 anos de idade,
não conseguia se conter. Cabelos desalinhados e olhos injetados de
sangue por causa da tristeza, ela ficou sentada desamparadamente
enquanto seu corpo sacudia com soluços. Ela mal podia olhar para
o irmão mais novo de Virginia, Douglas. O pai do menino não
era de muita ajuda, também, por causa da mortalha de luto que
o envolvia e da atenção que sua esposa desesperada demandava.
Assim, no rescaldo da tragédia, virtualmente todos os cuidados e
alimentação do menino de 20 meses de idade ficaram a cargo das
irmãs de Alice; Anna e Jane. Eventualmente, os outros voltaram
pouco a pouco à normalidade de suas vidas. Mas a chegada e a
passagem do verão não aliviou em nada a dor de Alice.
Ela não conseguia receber consolo algum nos braços do fi lhinho
que se agarrava a ela. Perto do seu segundo aniversário, em agosto,
o menino havia ficado tão sujo e magricela que foi necessária
uma intervenção. As irmãs de Alice vieram buscar as roupas,
berço e brinquedos dele e levaram o menino para morar com
a tia Jane Cashion e sua família até que os seus pais estivessem
suficientemente bem para cuidar dele novamente. Entre dois e
três anos se passaram até que Alice e Fred pedissem que seu fi lho
voltasse para casa. Ele voltou logo em seguida, mas o espírito de
Virginia continuava a pairar sobre a visão de Alice. Quando Alice
olhava para o fi lho, ela sempre parecia estar enxergando alguma
outra coisa; a ausência daquilo que ela mais amava e que havia
perdido tão negligentemente.
Com uma aparência de estrutura familiar restaurada, a casa dos
Springsteen ainda funcionava de acordo com a percepção imprecisa
de realidade de seus residentes. Não mais empregado pela Freehold
Electrical Shop, Fred trabalhava em casa, vasculhando montanhas
de equipamentos eletrônicos abandonados para concertar ou montar
rádios que mais tarde venderia para os trabalhadores migrantes de
lavoura que acampavam nos limites da cidade. Alice, que nunca
trabalhou, movimentava-se de acordo com sua corrente interna. Se
ela não sentia vontade de levantar da cama pela manhã, ela não o
fazia. Se Doug não queria ir para a escola pela manhã, ela deixava
que ele ficasse na cama. A limpeza e reparos na casa deixaram de
ser prioridade. A tinta descascava das paredes. O teto de gesso da
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cozinha caía aos pedaços. Com um único aquecedor alimentado a
querosene para aquecer a casa inteira, os invernos passados dentro
dela eram siberianos. Para Douglas, cujo DNA vinha ricamente
entrelaçado de fios sombrios, o papel de parede descascando e os
parapeitos desmoronando das janelas emolduravam sua crescente
percepção da vida e do mundo. Não importando onde ele estivesse,
não importando o que estivesse fazendo, ele estaria sempre olhando
através das janelas rachadas do número 87 da Randolph Street.
Doug Springsteen tornou-se um adolescente tímido mas vivaz
matriculado na Freehold High School. Ele adorava beisebol,
especialmente quando estava com seu primo em primeiro grau e
melhor amigo, Dave “Dim” Cashion, um excelente arremessador
e jogador de primeira base. Cashion já era considerado um
dos melhores jogadores que já surgiram em Freehold. Fora do
diamante1, os primos passavam o tempo jogando bilhar em
pequenas salas espremidas entre as lojas, barbearias e revistarias
que se aglomeravam ao redor da interseção central de Freehold, na
esquina das ruas South e Main. Cashion, que era sete anos mais
velho do que Doug, lançou sua carreira no beisebol logo após sair
da escola, em 1936. Ele passou os cinco anos seguintes dedicando-se
à sua carreira de jogador, desde as ligas amadoras e semiamadoras
até as equipes de base da liga principal. Ele chegou lá bem a tempo
da Segunda Guerra Mundial suspender as ligas e redirecioná-lo
para o Exército Norte-Americano.
Criado por pais para quem a educação não passava de uma longa
distração da vida real, Doug abandonou seus estudos na Freemont
Regional depois que seu ano como calouro terminou, em 1941,
e conseguiu um emprego como aprendiz (seu título oficial era
menino do cabaz) na próspera fábrica de tapetes Karagheusan em
Freehold. Ele ficou nesse emprego até junho de 1943, quando seu 18º
aniversário o tornava elegível para se alistar no exército. Enviado
para a Europa no meio da guerra, Doug dirigia um caminhão de
transporte de equipamentos. De volta a Freehold depois do fim da
guerra em 1945, Doug deu uma descansada e vivia dos 20 dólares
que recebia mensalmente do governo como pensão de veterano de
guerra.
1
Parte interna de um campo de beisebol, que recebe este nome por causa de seu formato.
(N. do T.)
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BRUCE
Como Fred e Alice haviam deixado claro, ambições acadêmicas
e profissionais não eram prioridades, mesmo que apenas por causa
de seu mais absoluto desinteresse em realizações — isso sem
mencionar livros, cultura ou qualquer coisa que fizesse menção
ao seu futuro. Portanto, se Doug quisesse morar na casa deles e
ficar desleixado a vida inteira, tudo bem com eles. Ele era, afinal de
contas, igual aos pais.
Doug mal havia tomado rumo à vida adulta até sua prima
Ann Cashion (irmã mais nova de Dim) aparecer certa noite,
convidando-o para sair. Ela tinha uma amiga chamada Adele
Zerilli que ele poderia gostar de conhecer. Então que tal saírem em
dois casais? Doug deu de ombros e disse tudo bem. Algumas noites
depois os quatro estavam sentados juntos em um café, conversando
educadamente enquanto Doug dava olhadas discretas para a garota
encantadora de cabelos escuros e falante sentada do outro lado da
mesa. “Não consegui me livrar dele depois disso”, diz Adele hoje em
dia. “Então ele diz que quer se casar comigo. Eu falei para ele, ‘Você
não tem um emprego!’ Ele disse, ‘Bem, se você se casar comigo, vou
conseguir um emprego’”. Ela balança a cabeça e dá risadas.
“Ai, meu Deus. No que me meti depois daquilo”.
Casados no dia 22 de fevereiro de 1947, Douglas e Adele
Springsteen alugaram um pequeno apartamento no bairro de
Jerseyville, localizado na extremidade leste de Freehold e que
estava atravessando a explosão de crescimento no pós-guerra,
assim como o resto dos Estados Unidos. Fiel à sua promessa, Doug
havia conseguido um emprego de operário na fábrica da Ford na
cidade vizinha de Edison. Adele já tinha um emprego em tempo
integral como secretária de um advogado imobiliário. Um bebê
veio a caminho no início de 1949, e o menino emergiu às 10h50 da
noite de 23 de setembro, dando sua primeira respirada no Hospital
Long Branch (que mais tarde teve o nome mudado para Monmouth
Medical Center), onde a irmã de seu pai havia dado seu último
suspiro 22 anos antes. Ele tinha cabelos e olhos castanhos, pesava
2,9 quilogramas, e foi declarado completamente saudável. Seus pais,
ambos com 24 anos de idade, deram-lhe o nome de Bruce Frederick
Springsteen e apesar de terem sua própria casa, deram instruções
para a enfermeira que registrasse o endereço em Freehold como
sendo Randolph Street, 87.
Quando sua esposa e fi lho receberam alta do hospital uma
semana depois, Doug os levou para a casa de seus pais e colocou o
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pequeno Bruce nos braços de sua mãe. Ela o segurou bem perto de
si, murmurando suavemente para a primeira vida nova a entrar em
seu lar desde a morte de Virginia. Quando Alice olhou o bebê nos
olhos, seu rosto cansado se iluminou. Quase como se ela estivesse
enxergando o brilho que certa vez havia habitado sua fi lha morta.
Ela abraçou o menino e durante muito tempo não o largou.
Ela deve ter te amado muito, Bruce ouviu alguém dizer não
muito tempo atrás. Ele riu sombriamente, “Até demais” ele disse.
Passando os primeiros meses no apartamento de seus pais,
Bruce comia, dormia, se mexia e chorava como qualquer outro
bebê. E no entanto o sangue em suas veias levava traços de seus
antepassados cujas vidas descrevem a história norte-americana
desde o século XVII, quando Casper Springsteen e sua esposa
Geertje deixaram a Holanda para construir seu futuro no Novo
Mundo. Casper não sobreviveu por muito tempo,2 mas um fi lho
que havia permanecido na Holanda o seguiu em 1652, e Joosten
Springsteen lançou gerações de Springsteens, incluindo um ramo
que vagou até as terras do Condado de Monmouth, New Jersey, em
algum momento em meados do século XVIII. Depois da eclosão
da Revolução Americana em 1775, John Springsteen deixou sua
fazenda para servir como soldado na milícia do Condado de
Monmouth, lutando várias batalhas durante um período de três
anos que terminou em 1779. Alexander Springsteen, que também
era do Condado de Monmouth, alistou-se no exército da União em
1862, servindo como soldado na Infantaria de New Jersey até o fim
da Guerra Civil Americana, em 1865. Durante esse período todo,
até o século XX, os Springsteens trabalharam como agricultores
e, com o crescimento da indústrialização em Freehold, como
operários em fábricas.
A família de Alice Springsteen era formada por imigrantes
irlandeses vindos de Kildare que vieram para os Estados Unidos
em 1850, instalando-se nas terras do Condado de Monmouth,
onde trabalhavam nos campos e, em alguns casos, empurravam
suas famílias um degrau ou dois acima na escada econômica.
Christopher Garrity, o patriarca da família, mandou buscar sua
esposa e fi lhos em 1853. Sua fi lha, Ann, conheceu um vizinho, um
trabalhador chamado John Fitzgibbon, logo depois se casou com
2
Ele pode ter morrido durante a travessia oceânica, ou possivelmente antes mesmo que
o navio deixasse a Holanda, dependendo de qual registro genealógico for consultado.
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ele em 1856. Dois anos mais tarde, eles investiram 127,50 dólares na
compra de uma casa no número 87 da Mulberry Street, 3 uma rua
localizada em um bairro em crescimento formado por casas da classe
operária logo ao sul do centro de Freehold. Ann Garrety marcou o
local plantando uma muda de faia que havia trazido de Kildare. A
árvore floresceu, assim como Ann e John Fitzgibbon, que tiveram
dois fi lhos nos anos anteriores ao serviço de John na Guerra Civil
Americana. Como sargento do exército da União, John recebeu
várias medalhas por causa de sua coragem nos campos de batalha
de Fredericksburg e Charlottesville, Virgínia, e então voltou para
casa para gerar mais sete fi lhos antes de morrer, em 1872. Casada
novamente com um sapateiro chamado Patrick Farrell, Ann deu
à luz um conjunto de gêmeos, incluindo uma menina chamada
Jennie, cuja própria fi lha, Alice, eventualmente casou-se com um
jovem técnico em eletrônica chamado Fred Springsteen.
Teria sido bom se todos os membros da família pudessem ter
crescido honrados e fortes como a faia de Ann Garrity. Mas como
ditado pelo destino e pela genética, ambos os lados da linhagem
de Fred e Alice Springsteen traziam em si uma história sombria
de almas torturadas. Os bêbados e os fracassados, os com olhares
loucos, aqueles que desmoronavam por dentro até desaparecer de
vez. Esses eram os parentes que viviam em aposentos nos quais
você não entrava. Suas histórias eram aquelas que não podem ser
contadas. Eles inspiravam o silêncio que ao mesmo tempo secretava
e concentrava o veneno no sangue da família. Doug já conseguia
sentir o veneno aparecendo dentro de si. O que pode ter tido algo
a ver com o porquê de ele ter se apaixonado tão intensamente por
Adele Zerilli, cujo espírito indômito iria protegê-lo e nutri-lo pelo
resto de sua vida.
A mais nova das três fi lhas nascidas de Anthony e Adelina,
imigrantes italianos que haviam chegado ainda adolescentes
(separadamente) à Ilha de Ellis durante os primeiros anos do
século XX, Adele passou sua infância no bairro de Bay Bridge na
parte sul do Brooklyn. A casa luxuosa da família era cortesia de
Anthony, que havia aprendido a falar inglês rapidamente e logo
conseguiu a cidadania norte-americana e um diploma de advogado.
Conseguindo um emprego em uma firma de advocacia, que seu
tio havia fundado para se especializar em direito imobiliário,
3
Rebatizada como Randolph Street na década de 1870.
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O LUGAR QUE EU MAIS AMEI
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investimentos e assuntos afins, a turbulência de Anthony cresceu
juntamente com o sucesso da firma nos anos 1920. De baixa estatura
mas com peito largo, dono de uma voz poderosa, guarda-roupa
estiloso e carisma para combinar, o advogado próspero movia-se pelo mundo como uma frente climática, alterando a pressão
barométrica de qualquer aposento no qual ele adentrava. Adelina,
por outro lado, buscou a vida de uma dama italiana à moda antiga,
usando vestidos tradicionais, cercando-se de lembranças do Velho
Mundo, e recusando-se a falar mais do que um punhado de palavras
em Inglês, mesmo quando suas fi lhas se tornaram típicas garotas
americanas modernas.
Quando a Grande Depressão chegou em 1929, Anthony
desejou poder voltar no tempo. Obrigado a mudar sua família
para um apartamento, ele tomou emprestado dinheiro de
seus clientes remanescentes para conseguir com que os seus
próprios investimentos se mantivessem à tona, o que voltou a
se repetir inúmeras vezes. Entretanto, Anthony também tinha
outros caprichos, incluindo um caso com uma secretária que
eventualmente arrebatou seu coração. Primeiramente, o casamento
de Anthony terminou, e então vieram os agentes federais bater à
sua porta. “Acho que a palavra é desfalque”, diz Adele.
A seguir, condenado foi a palavra. E enquanto Anthony se
preparava para passar alguns anos preso, ele comprou uma velha
fazenda de 60 acres nas cercanias de Freehold e a reformou de forma
que a sua família pudesse viver o mais confortavelmente possível,
ainda que sem muitas despesas, enquanto ele cumpria sua pena nas
cavernas sombrias da penitenciária de Sing Sing. Nessas alturas,
o casamento rompido de Adelina e o súbito declínio financeiro
havia afetado tão profundamente a católica praticante que ela
decidiu deixar que suas fi lhas cuidassem do domicílio enquanto
ela se refugiou com parentes. Ordenada que cuidasse de suas irmãs
mais novas, Dora, recém-saída do colégio, arrumou um emprego
como garçonete e mantinha as irmãs em rédeas curtas. As visitas
semanais de uma tia, que sempre trazia consigo uma mala cheia
de espaguete e atum enlatado, ajudavam a fazer face às despesas.
As garotas também podiam contar com a ajuda do homem a quem
seu pai havia apresentado como sendo George Washington, um
trabalhador diarista negro que ele havia contratado para servir
como motorista e prestador de serviços gerais. E apesar de seu
nome não ser realmente George Washington (isso aparentemente
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BRUCE
foi invenção de Anthony), e de ser já um homem maduro de trinta
e poucos anos, ele tornou-se presença constante na casa. “Tudo que
sabíamos sobre ele era que sabia dançar”, diz Adele. De acordo com
Eda, a irmã do meio, a ação esquentava às sete da noite, quando
o programa Your Hit Parade [A Sua Parada de Sucessos] ia ao ar
no rádio. Era quando elas aumentavam o volume, afastavam o
tapete da sala de estar, e saíam dançando. “Foi quando aprendemos
a dançar”, ela continua. “Soa loucura, eu sei, mas era assim que
acontecia”. A visão faz com que o fi lho de Adele ria alto. “Elas
costumavam ir aos bailes, e os soldados estavam de licença, e eles
iam dançar, dançar e dançar”, diz Bruce. “Elas estavam com tudo”.
Dora e Eda haviam tomado partido da mãe durante o divórcio,
enquanto Adele ficou oficialmente neutra mas tinha simpatia
suficiente pelo pai para atender ao pedido dele para acompanhar
a namorada na viagem até Ossining, estado de Nova York, para
que ela pudesse ter o direito de participar das visitas de famílias
na penitenciária de Sing Sing. Quando Dora ficou sabendo das
visitas que a irmã estava fazendo à cadeia, ela entrou com uma ação
junto ao tribunal do Condado de Monmouth para fazer com que as
visitas acabassem. E quando Anthony convenceu Adele a mesmo
assim se juntar à sua amada secretária em outra viagem, Dora pôs
a irmã em liberdade condicional. “Foi um ato estúpido, porque eu
era uma criança!” diz Adele. Então ela deve ter ficado terrivelmente
ofendida, certo? “Não. Eu só não podia mais ir, e isso foi tudo”.
Quando a fi lha Ginny a contradiz — “Ela nunca superou isso” —
Adele instantaneamente admite: “Eu ainda tenho a carta!”
Seja como for, a dança nunca teve fim. E mesmo quando as garotas
Zerilli se tornaram adultas e arrumaram empregos, carreiras e
maridos, tiveram que enfrentar dificuldades, e até mesmo encarar
tragédias, o som de música sempre elevava seus espíritos, sempre
as colocava de pé, sempre afastou o tapete, e sempre as arrebatava.
“Até hoje”, diz Bruce. “Você junta aquelas três garotas e elas ainda
vão dançar. Era uma parte importante da vida delas. Ainda é”.
Adele engravidou novamente cinco meses após o nascimento
de Bruce, e quando a segunda criança dos Springsteens — uma
menina que eles batizaram de Virginia em homenagem à irmã que
Doug havia perdido — chegou no começo de 1951, não demorou
muito para que Doug e Adele se dessem conta de que o apartamento
não era mais suficientemente grande para abrigar sua crescente
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O LUGAR QUE EU MAIS AMEI
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família. Sem terem dinheiro para alugar um lugar maior, eles não
tiveram escolha senão voltar para o número 87 da Randolph Street,
procurando espaço entre peças de rádios quebrados, a mobília
instável e os cantos frios da sala de estar. E então havia Alice, tão
feliz por ter seu amado Bruce em casa que mal conseguia conter
seu entusiasmo. Virginia, por outro lado, mal aparecia na visão
dela. “Eles eram pessoas doentes, mas o que eu sabia quando era
jovem?” diz Adele. “Achei que estava fazendo o melhor ao batizá-la
de Virginia, mas não estava”. Além disso, Alice e Fred já haviam
escolhido quem era o favorito. “Com Bruce, não tinha erro”.
A partir do dia em que a família se mudou para a casa, Alice
passou a cuidar de seu jovem neto como se ele fosse o rei sol. Ela
lavava e passava as roupas dele, então deixava a que seria usada
durante o dia sobre a cama recém-arrumada. Quando Adele e
Doug estavam fora de casa durante o dia, Alice e Fred mantinham
a criança alimentada, aquecida, entretida e sempre ao alcance.
Ginny, por outro lado, podia se considerar afortunada se recebesse
um olhar passageiro ocasional. Rapidamente frustrada pelo
desinteresse dos avós, Ginny, que tinha dois anos de idade, exigia
ficar na presença de outros adultos durante o dia. Adele: “Ela não
queria ficar com eles, então nunca ficava”.
“Isto estava bem de acordo com o papel que eu deveria ter”, diz
Bruce. “Substituir a fi lha perdida. Era um tipo muito complicado
de afeição e que não era inteiramente para mim. Nós [Ginny e
Bruce] éramos muito simbólicos, o que é uma carga imensa para
uma criança pequena. E isso se tornou um problema para todo
mundo”. Consumido pela atenção obstinada de seus avós, Bruce
presumia que eram eles, e não os seus pais, os seus principais
responsáveis. “Era muito incestuoso emocionalmente, e muitos dos
papéis paternos ficaram atravessados. A quem você obedecia e os
tipos diferentes de responsabilidades que você tinha eram muito
confusos para uma criança. Você não sabe a quem obedecer. Então
passamos do ponto”.
Bruce lembra da casa dos avós como um lugar estranho e austero,
suas paredes rachadas aumentando uma atmosfera já coalhada
de perdas, lembranças e arrependimento. “A fi lha morta era uma
presença grande”, ele diz. “Seu retrato estava na parede, sempre em
destaque”. Fred e Alice alinhavam a tropa toda semana para visitar
o cemitério de Saint Rose of Lima para tocar a lápide e arrancar as
ervas e grama da sepultura da menininha. “Aquele cemitério”, diz
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BRUCE
Ginny, “era como o nosso parque de recreação. Íamos lá o tempo
todo”. A morte era uma presença constante, particularmente com
tantos parentes idosos naquela quadra do bairro. “Fomos a vários
velórios”, diz Bruce. “Você se acostuma a ver pessoas mortas ao seu
redor”.
Morte era uma coisa. Mas para Alice, cujo catolicismo do Velho
Mundo vinha carregado de superstições e outros terrores, a danação
eterna era mais difícil de enfrentar. A vó Alice sentia a presença de
Satanás nos relâmpagos e nos trovões, assim, os primeiros lampejos
faziam com que ela entrasse em pânico. No espaço de segundos, ela
pegava as crianças e corria pela quadra até a casa de sua irmã Jane,
que mantinha garrafas de água benta para proteger a família contra
tais ataques. “As pessoas se juntavam”, lembra Bruce. “Você tinha
quase que uma histeria coletiva”.
Quando Fred perdeu os movimentos de seu braço esquerdo
devido a um derrame sério no final dos anos 1950, ele trazia Bruce
consigo para ajudá-lo a procurar por rádios e peças de equipamentos
eletrônicos jogados fora nas latas de lixo da vizinhança. O tempo
passado juntos aprofundou a ligação entre o avô e o neto, e atraiu
o menino ainda mais profundamente para os ritmos excêntricos
da casa de seus avós. Assim, enquanto o emprego de Adele como
secretária a mantinha em uma agenda normal, o resto da família —
inclusive Doug, que alternava entre empregos irregulares e longos
períodos desempregado — abandonou o uso de relógios de uma
vez. “Não havia regras”, diz Bruce. “Eu estava vivendo uma vida
como nenhuma outra criança vivia, para ser honesto com você”.
Aos quatro anos de idade, o menino começou a ficar acordado até
altas horas da madrugada. Levantando da cama, perambulando
até a sala de estar, folheando seus livros ilustrados, brincando com
seus brinquedos e assistindo televisão. “Às três e meia da manhã,
todos na casa já estavam dormindo e eu estaria assistindo ‘The StarSpangled Banner’ e então vendo aparecer a tela de canal fora do ar.
E estou me referindo a antes da primeira série”. Muitos anos mais
tarde, quando Bruce terminou o colegial e passou a viver segundo o
estilo de vida dos músicos de ficarem acordados a noite inteira, ele
teve uma epifania: “Eu apenas voltei à vida que tive quando tinha
cinco anos de idade. Era tipo, ‘Ei! Todo aquele lance de escola foi
um engano!’ Foi uma volta a como eu vivia quando era pequeno,
tudo ao contrário, mas era do jeito que era”.
Quando Adele lia para ele a cada noite, Bruce criou um ritual
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noturno com um livro ilustrado chamado Brave Cowboy Bill.
Escrito por Kathryn e Byron Jackson, ilustrado por Richard
Scarry (em um estilo nem um pouco parecido com os livros da
série Busy, Busy World que ele havia criado), e publicado em 1950,
Brave Cowboy Bill tornou-se uma fi xação tão grande para Bruce
que Adele conseguia recitá-lo de memória em seu 80º aniversário,
em 2005. Bill, o personagem central, que aparenta ter seis anos
de idade, invade delicadamente a fronteira, prendendo ladrões de
gado, matando cervos e alces para o jantar, fazendo amizade com
os índios — ainda que à mão armada (“Nós vamos ser amigos, ele
falou para eles firmemente...”) — mata um urso, domina todas as
competições em um rodeio e então fica acordado a noite inteira
cantando canções diante da fogueira de acampamento antes de
voltar para casa para sonhar sobre uma fronteira onde “Ninguém
jamais discutia com o valente Cowboy Bill”. Tudo isso serve como
um intrigante vislumbre das aspirações fantasiosas de um menino
vindo de uma casa governada por um conjunto tão distorcido de
expectativas.4
Quando Bruce cresceu o suficiente para brincar fora de casa com
os outros garotos da vizinhança, suas visitas às casas bem mantidas
a um só tempo o deixaram confuso e perturbado. Repentinamente
ele se deu conta que as paredes dos quartos de seus amigos eram
recém-pintadas, suas janelas não chocalhavam nos caixilhos e
os tetos de suas cozinhas mantinham-se seguros acima de suas
cabeças. Todos os adultos pareciam confiáveis; bem empregados,
recebiam salários regularmente, e não havia nenhuma sombra de
histeria incipiente. “Eu amava meus avós tão profundamente, mas
eles eram muito estranhos”, ele diz. “Havia um elemento de culpa e
vergonha, mas então eu me sentia mal por me sentir envergonhado”.
Com Bruce chegando à idade escolar em 1956, Adele matriculou
o fi lho na primeira série na escola paroquial de Saint Rose of Lima no
outono. Até onde Doug tinha uma opinião sobre isso, ele a guardou
para si mesmo. Mas Fred e Alice, particularmente, tinham outros
planos para seu neto. Bruce, eles declaram, não precisava ir para a
4
E ainda mais quando você conta o número de canções que ele iria compor sobre heróis
vagando pelas fronteiras, resolvidos a assumir o controle sobre suas vidas e o significado
das mesmas. Quando lhe pedem que pense nas conexões entre as fi xações da infância
e a visão criativa de sua vida inteira, ele ri. “Rosebud. Você encontrou o meu Rosebud,
cara!” Ele não parece estar falando sério.
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BRUCE
escola se ele não quisesse. Fred não havia passado muito tempo na
escola, assim como Doug. Então por que fazer esse alarido todo para
receber uma educação da qual Bruce não teria necessidade alguma?
Adele, cujo pai havia insistido que todas as fi lhas terminassem
pelo menos o colegial, não admitia isso. “Ele tinha que ir para a
escola”, ela diz. “Mas [Fred e Alice] não deixavam”. Já se sentindo
empurrada para fora da vida do fi lho, e mais do que cansada de
fazer o papel da esposa obediente em um ambiente tão confuso,
Adele tomou uma posição. “Eu disse para o meu marido, ‘Nós
temos que sair daqui’”, ela afirma. Se Doug argumentou contra, ele
não foi vitorioso. Ao saber que uns primos estavam para sair de seu
apartamento duplex no número 39 da Institute Street, a somente
três quadras e meia a leste da casa de Fred e Alice, eles assumiram
o aluguel e se mudaram quase imediatamente.
Era a única forma, Bruce diz hoje em dia, de sua mãe poder dar
à família algo parecido com uma vida normal. Mas para Bruce,
essa compreensão ainda estava muito longe de chegar. Para um
menino de seis anos de idade, ele afirma, a mudança abrupta foi
devastadora. “Foi terrível para mim na época porque meus avós
haviam se tornado meus pais de fato. Então basicamente eu fui
retirado do meu lar”. A angústia do garoto aliviou-se um pouco
graças às visitas diárias aos avós para supervisão depois da aula.
Também não era de todo mal que o apartamento de dois quartos
e dois andares na Institute marcou uma elevação significativa
no padrão residencial da família. “Nós tínhamos aquecimento!”
diz Bruce, que dividia com Ginny o maior dos dois quartos do
apartamento. Doug e Adele se acomodaram em um quarto
apinhado que mais parecia um closet do que um quarto de
verdade. Pior ainda, o apartamento não tinha aquecedor de água,
o que fazia com que lavar a louça e especialmente tomar banho
na banheira do andar de cima se tornassem operações complexas.
Como lembra Bruce, tomar banho não era um de seus hábitos
mais regulares.
Já perturbado pela mudança abrupta na sua casa e na estrutura
familiar, Bruce se apresentou à escola em um estado de espírito
vulnerável e irritado. As rígidas exigências de trabalho das freiras
a princípio deixaram o menino confuso, e depois furioso. “Se
você cresce em uma casa onde ninguém vai trabalhar e ninguém
volta para casa, o relógio nunca tem relevância alguma”, ele diz.
“E de repente quando alguém pede para você fazer alguma coisa,
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e diz que você tem 20 minutos para fazê-lo, isso vai fazer com que
você fique realmente furioso. Porque você não sabe o que são 20
minutos”. Assim como Bruce não fazia ideia de como ficar quieto
durante as aulas, absorver as lições dadas pelas freiras, ou ver em
seus rostos comprimidos e mãos segurando réguas, algo além de
visões terrenas de um Deus furioso.
Bruce fez o que pôde para se ajustar. Ele colocava o uniforme
pela manhã, e então marchava orgulhosamente até a escola com
Adele segurando sua mão. “Ele ficava de cabeça erguida quando
entrava lá, e eu pensava, ‘Bom para ele’”, diz Adele. Mas o que
estava acontecendo durante o período letivo? Para verificar, Adele
tirou uma folga do trabalho e ficou observando o fi lho do outro
lado do pátio durante o recreio. “E lá está ele, encostado na cerca,
sozinho, sem brincar com as outras crianças. Foi muito triste”. Para
Bruce, sua tendência de isolamento social vinha tão naturalmente
quanto seu desejo secreto de ser o centro de tudo.
“Companheirismo é um impulso natural dos seres humanos,
mas eu não estabeleço conexões sociais facilmente”, ele afirma.
“Eu era o solitário, ficava na minha, e havia me acostumado a
isso”. Independentemente de onde estivesse, a mente dele ficava
vagando em outro lugar. “Eu tinha uma vida interior muito
vibrante. Eu parecia ser atraído para outras coisas, diferentes dos
assuntos que deveriam estar em seus pensamentos em um dado
instante. Por exemplo, como a luz estava refletindo numa parede.
Ou qual era a sensação das pedras sob os seus pés. Alguém poderia
estar falando sobre um assunto normal, mas eu não conseguia
prestar atenção”.
Bruce tinha seu pequeno círculo de amigos, a maioria deles
meninos com quem jogava bola e brincava de carrinho pela
Randolph Street. Seu amigo mais chegado entre eles era Bobby
Duncan, um menino um pouco mais novo com quem ele havia
feito amizade quando estava na pré-escola. Para Duncan, o jovem
Bruce era um garoto normal: apaixonado por beisebol, contente
em ir de bicicleta até a loja de doces em Main Street, e logo
em seguida pedalar de volta para a casa dos avós para assistir
programas infantis na TV, ler histórias em quadrinhos do Archie,
ou ambos. Duncan também percebia as diferenças em seu amigo.
“Na época, ele era parecido com o rebelde solitário. Ele não se
importava com o que as pessoas pensavam”. O que apresentava
uma distinção tão impressionante dos típicos meninos de escola
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BRUCE
primária que os outros meninos da vizinhança com frequência
ficavam estupefatos. Particularmente quando haviam crescido
suficientemente para lutar por posição social na arena tradicional
das brigas no pátio da escola. “Cresci em uma quadra com maioria
negra, mas nós estávamos cercados por quadras de famílias
brancas”, diz David Blackwell, que morava a algumas quadras da
rua de Bruce. “Todos nós nos tornamos amigos porque estávamos
todos brigando. Tive brigas com todos os meus amigos, brancos
e negros. Mas algo a respeito de Bruce... Não acho que você possa
encontrar em Freehold alguém que tenha tentado brigar com
ele”. Mesmo porque, como o irmão de David, Richard, lembra,
o menino Springsteen ou ignorava ou estava de alguma forma
imune às provocações infantis que davam início a batalhas. “Você
podia estar falando uma bobagem qualquer sobre a mãe dele, e ele
dava de ombros e dizia, ‘Ok!’ e continuava a andar”, ele diz. “Não
há nada que você possa fazer sobre isso. Tem que respeitar. Deixe
que aquele menino fique na dele”.
O comportamento esquisito e ao mesmo tempo teimoso de
Bruce sempre fez com que ele fosse um alvo suculento para as
freiras e suas humilhações vagamente medievais e para os colegas
de classe que riam baixinho das surras que o garoto estranho
levava. Bruce provocava fúria institucional suficiente para
terminar vários de seus dias letivos na sala da diretora, onde ele
aguardava durante horas até que Adele pudesse vir para buscá-lo. Confrontado pelos pais no final do dia, Bruce sempre tinha
a mesma explicação para o seu comportamento. “Ele não queria
voltar para a escola católica”, diz Adele. “Mas eu o obriguei a ir,
e agora me arrependo disso. Eu deveria ter sabido que ele era
diferente”. 5
Douglas Springsteen passou a maior parte daqueles anos imerso
em si mesmo, sombriamente belo à semelhança do ator John
Garfield, mas perdido demais em seus próprios pensamentos para
encontrar uma conexão com o mundo agitado ali fora da janela da
cozinha. Frequentemente incapaz de se concentrar nas tarefas do
local de trabalho, Doug vagou da fábrica da Ford para trabalhos
5
Adele se rendeu aos pedidos de seu fi lho para sair da escola Santa Rosa em 1963, bem a
tempo de Bruce se matricular na Freemont Regional High School, a instituição pública
que então atraía alunos de toda a cidade de Freehold e também de algumas cidadezinhas
das redondezas.
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temporários como segurança da Pinkerton e motorista de táxi,
e então alguns anos estampando objetos industriais obscuros
na fábrica da M&Q Plastics das redondezas, para alguns meses
particularmente infelizes como guarda na pequena cadeia de
Freehold, para trabalhos ocasionais como motorista de caminhão.
Os empregos eram frequentemente separados por longos períodos
de desemprego, passando a maior parte dos dias sozinho sentado à
mesa da cozinha, fumando cigarros e olhando para o nada.
Doug se sentia mais à vontade com seu primo e melhor amigo,
Dim Cashion, que havia, depois de vários anos nas equipes de
base da Major League Baseball, assumido a posição de técnico de
times da Liga Infantil e técnico-jogador das ligas semiprofissionais
de New Jersey. Mas mesmo enquanto o talento e o carisma de
Dim ajudaram-no a liderar gerações de meninos de Freehold às
alegrias de jogar beisebol, eles também vinham acompanhados
pela tormenta de um estado de depressão profunda. A gangorra
entre desespero profundo e auroras brilhantes de energia
desenfreada podia dar início a ataques de comportamento às vezes
incontroláveis. “Armários da cozinha eram arrancados das paredes,
telefones arrancados da parede, a polícia era chamada”, diz o irmão
mais novo de Dim, Glenn Cashion. E se por um lado nem sempre
Doug e Dim se davam bem, às vezes passando meses sem se verem
(apesar de morarem a uma quadra de distância), os primos ainda
passavam suas horas de ócio nos mesmos bares de bilhar, ainda
bebiam cerveja juntos, sempre ligados pela mesma história e a
mesma herança genética.
Ansioso para se sentir conectado aos outros garotos — e talvez
até mesmo criar uma conexão com seu pai ao mesmo tempo —
Bruce se empenhou de corpo e alma a jogar para os Indians, o seu
time na Liga Infantil de beisebol de Freehold, saindo do banco de
reservas para jogar como jardineiro direito. Talvez Bruce tivesse
mais entusiasmo do que talento para jogar beisebol. Jimmy Leon
(que agora é Mavroleon), que foi companheiro de equipe de Bruce
durante anos, ainda lembra do momento quando uma bola alta
flutuou através do céu de verão em direção à luva estendida de
seu companheiro de equipe. Uma jogada teoricamente fácil “Mas
então ela o atingiu na cabeça. E foi o que aconteceu”. Ainda assim,
Bruce sentia orgulho de fazer parte — não importando quão
pequena esta fosse — da temporada invicta de 1961. Que tornou-se levemente menos perfeita quando a equipe foi eliminada
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do campeonato ao perder dois jogos consecutivos por pequena
margem de pontos contra os Cardinals, um time que era treinado
pelo barbeiro de Freehold, Barney DiBenedetto. 6
Mas, não importando o quão doces fossem esses momentos de
infância, Bruce ainda tinha que lidar com a psique frágil de seu
pai. “Você não conseguia se aproximar dele, ponto-final”, diz
Bruce, lembrando de suas muitas tentativas de conversar com o
pai. “Se passavam 40 segundos, e você sabe quando algo parece
não ser possível mas acaba acontecendo? Era o que se passava”.
Quando terminavam de jantar e a louça estava lavada, a cozinha se
transformava no reino solitário de Doug. Com as luzes apagadas e a
mesa contendo apenas uma lata de cerveja, um maço de cigarros, um
isqueiro e um cinzeiro, Doug passava horas sozinho na escuridão.
Em fevereiro de 1962, Adele deu à luz ao terceiro fi lho dela e de
Doug, uma menina a quem batizaram de Pamela. A chegada do
bebê exigiu que a família apostasse mais alto e se mudasse para um
duplex maior no número 68 da South Street, em uma casa branca
(equipada com uma fornalha e água quente corrente) ao lado de
um posto de gasolina da Sinclair. Sem os fardos da história e da
expectativa, a doce presença do bebê Pam era forte suficiente para
6 Isto apresenta um nível de controvérsia à história, porque os Indians na verdade
estiveram muito perto de ganhar a segunda partida, só perdendo na segunda parte
da última entrada por causa de uma rara — e para muitos questionável — decisão
do árbitro Boots “Bootsy” Riddle de penalizar o receptor por causa de uma suposta
infração durante o arremesso [balk]. A decisão do árbitro, tomada com o jogo empatado,
dois rebatedores eliminados e com as bases lotadas, fez com que o rebatedor Jimmy
Mavroleon avançasse para a primeira base, garantindo assim a corrida que daria
aos Cardinals a vitória e consequentemente o título. O técnico da equipe adversária,
DiBenedetto, insiste que a decisão que deu a vitória à sua equipe simplesmente
apressou o resultado inevitável do clássico: “Nós derrotamos eles com metade do nosso
time jogando”, ele afi rma meio século mais tarde. “Se estivéssemos com nosso time
completo, teríamos massacrado eles”. Mavroleon sente um pouco mais de humildade
em relação à coisa toda. “Foi a coisa mais idiota porque os árbitros nunca dão essa falta
[infração por parte do apanhador]”, ele afi rma. “Tivemos sorte”. Ele e Bruce tiveram
uma oportunidade de refrescar suas lembranças em 1976, quando certa noite Bruce
por acaso foi ao restaurante Monmouth Queen Diner, que pertencia aos pais de Jimmy.
Mavroleon estava encerrando seu expediente no caixa, mas Bruce ficou por ali para pôr
a conversa em dia, lembrar dos velhos tempos e da velocidade do arremesso de seu velho
adversário, que provou-se ser poderoso suficiente para levá-lo às equipes de base do
Cincinnati Reds durante duas temporadas, 1970-71. Mas se você acha que isso resolve
a questão de exatamente quem conseguia arremessar uma bola de velocidade sem que
você conseguisse rebatê-la, como descrito na canção “Glory Days”, leia a história de
Kevin Coyne a respeito de Joe DePugh (New York Times, 9 de julho de 2011). Lance
Rowe, fi lho do técnico dos Indians, de acordo com ex-companheiros de time, também
seria um possível candidato. Ou talvez seja uma combinação de todos eles.
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O LUGAR QUE EU MAIS AMEI
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fazer evaporar o fatalismo sombrio que definia tanto a experiência
familiar de Doug. Bruce, que na época tinha 13 anos de idade,
comprovou-se ser o irmão mais velho zeloso, então se por um
lado oficialmente era responsabilidade de Ginny manter o bebê
alimentado, de fraldas limpas e tranquilo, Bruce estava, segundo
todo mundo, mais atento às necessidades do bebê. Não importando
o que estivesse fazendo, o som de sua irmãzinha chorando causava
uma ação imediata. “Eu realmente cuidei dela”, diz Bruce. “Eu fazia
tudo, trocava as fraldas e tudo mais. Assim, éramos muito chegados
quando ela era mais nova”.
Certo dia, em 1962, Fred e Alice estavam batendo papo com Adele
na cozinha da nova residência em South Street, durante uma visita
ao bebê e aguardando a chegada de Doug, que estava trabalhando
no turno da noite na fábrica de plásticos. Dizendo que estava se
sentindo meio indisposto, Fred foi para o andar superior para
dar uma cochilada. Quando Adele subiu para ver como ele estava
uma hora depois, o velho estava frio e imóvel; obviamente morto.
Descendo as escadas correndo para dar a péssima notícia para Alice,
a velha senhora reagiu com um movimento de cabeça. Decidindo
não fazer nada mais até que Doug chegasse em casa, elas ficaram
sentadas juntas na cozinha até a porta se abrir. Doug reagiu com
a mesma ausência de emoção que sua mãe havia apresentado. Ele
fez uma pausa durante alguns instantes, falou, “Ah, ok”, procurou
moedas nos bolsos da calça, e então foi até o telefone público para
telefonar para a funerária e avisar alguns parentes. Quando Bruce
recebeu a notícia ao chegar em casa, vindo da escola, ficou histérico.
“Foi o fim do mundo”, ele diz. “Mas nós não conversamos sobre a
morte de meu avô. Ele provavelmente tinha uns 62, 63 ou 65 anos
de idade quando se foi. Eu era muito próximo dele, mas você nunca
sabe como reagir quando é uma criança. Lembro do funeral, do
velório e todas aquelas coisas. Mas não era como hoje em dia. Todo
mundo estava imóvel... apenas diferente”.
Com a casa em Randolph Street prestes a ser condenada, a viúva
Alice foi morar com a família do fi lho. Ela passava a maior parte dos
dias ajudando a cuidar de Pam e também tomou a oportunidade
para mimar ainda mais o neto, que já estava com 14 anos de idade.
Uma vez mais, ela passou a deixar as roupas que ele usaria durante o
dia estendidas sobre a cama pela manhã, preparando seus quitutes
favoritos e ficando radiante a cada palavra ou gesto dele. Então
Adele passou a fazer o mesmo certificando-se de que Bruce ficasse
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BRUCE
com o único quarto que na verdade era uma suíte, por causa de
seu solário anexo. E quando Bruce se deu conta de que o solário
tinha espaço suficiente para uma mesa de bilhar de verdade, Adele
e Doug juntaram dinheiro, e então foram de carro até outra cidade
durante uma tempestade de neve de forma a poder ter em casa a
mesa na manhã de Natal.
Alice vinha escondendo durante semanas, talvez meses, que
algo estava errado. Mas sem dinheiro para pagar por um bom
tratamento, de que adiantava pedir ajuda a alguém? Adele a levou
ao hospital, e quando os médicos chegaram à conclusão que Alice
estava com câncer, eles a levaram para a enfermaria e a mantiveram
lá durante os três meses seguintes, submetendo a velha senhora
a uma litania de tratamentos, todos debilitantes, muitos deles
experimentais. “Acho que eles a trataram como se fosse uma cobaia
porque ela não tinha dinheiro, nem plano de saúde”, diz Adele.
Quando finalmente voltou para casa, Alice estava fraca
inicialmente e então restabeleceu-se. Ela parecia ter voltado à antiga
forma quando Pam, que então tinha três anos de idade, acordou no
meio da noite e perguntou à mãe se podia ir dormir na cama da
sua Aggie. Adele achou isso meio estranho — Pam nunca havia
pedido para fazer isso antes. Mas ela assentiu e viu a fi lha andar
pelo corredor e entrar pela porta do quarto no final do corredor.
“Lembro de entrar no quarto dela, ela se mexendo e levantando as
cobertas para me deixar deitar na cama”, diz Pam.
Ambas adormeceram daquela forma, a menininha aconchegada
junto ao corpo da mulher mais velha, bem igual ao que a pequena
Virginia fizera tantos anos atrás. Seja o que for que Alice tenha
pensado ou sonhado sobre o passado durante seu mergulho no sono
nunca será conhecido. “Quando acordei na manhã seguinte, eu a
chacoalhei para que ela acordasse, mas ela não se mexeu”, diz Pam.
Bruce, que havia ido para a escola, não fazia ideia. Bruce: “Estou
certo de que passei pelo quarto quando elas estavam lá, a apenas uns
cinco metros do meu quarto. Aquela foi uma mudança em minha
vida; o fim do mundo para mim. Não lembro de ninguém fazendo
muito escândalo sobre (meu avô), mas as coisas foram diferentes
quando minha avó morreu. Meu pai ficou realmente triste”.
A casa centenária vazia na Randolph Street tremeu sobre suas
fundações há muito abaladas. Desocupada por Alice em 1962,
ela ficou de pé por apenas mais alguns meses antes dos tratores
chegarem. A estrutura marcada pelas intempéries caiu em uma
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O LUGAR QUE EU MAIS AMEI
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nuvem de poeira, tornando-se a seguir uma pilha pálida de detritos
que foram levados embora por um caminhão. Uma vez que havia
sido limpa, a propriedade foi aplainada e asfaltada, transformada
em parte do estacionamento da igreja de Saint Rose of Lima pela
eternidade. Bruce se recusou a ir ver. “Não voltei durante anos
depois que ela foi demolida”, ele diz. “Não conseguia voltar e olhar
o espaço vazio. Era muito, mas muito essencial para mim”. A
quietude no ar, o amor desesperado de seus avós, a adoração que
ele havia sido objeto somente por ser ele mesmo. Este era o alicerce
de sua consciência. Suas raízes tão profundas e emaranhadas como
aquelas que ancoravam a faia irlandesa que ainda estava no local.
“Pensei sobre aquela época”, diz Bruce sobre a casa empenada
que nunca deixou de lhe dar a sensação de ser o seu lar, “e me dei
conta de que aquele foi o lugar que eu mais amei”.
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