Artigo - Hestia

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Artigo - Hestia
Vol. 1, No. 1,
Outubro-Dezembro de 2011
ARTIGO ORIGINAL
BIOCOMPATIBILIDADE IN VIVO DO BR3G:
VITROCERÂMICO COM CRISTAIS DE ANORTITA
(CaAl2Si2O8)

Karla Regina Pereira¹, Etney Neves2,3,
Carlos Alberto Fortulan4, João M. D. de A. Rollo4
1
Departamento Engenharia Mecânica, Universidade de São Paulo, Rua Dr. Emílio Ribas, 1121,
Araraquara (SP), CEP 14806-055.
2
Professor Visitante do Departamento de Engenharia de Alimentos, UNEMAT.- Universidade do Estado
de Mato Grosso, Campus Barra do Bugres - MT.
3
Pesquisador Associado a Associação Nacional Instituto Hestia de Ciência e Tecnologia, HESTIA.Brasil.
4
Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador Sãocarlense, 400
São Carlos (SP), CEP 13560 -000.
Resumo
Este trabalho avaliou a toxicidade sistêmica dos extratos produzidos através do material
em teste: vitrocerâmico (de base anortita). A análise pôde verificar o funcionamento
biológico/sistêmico das cobaias, onde não foi observada toxicidade local ou sistêmica
do material em teste. Os resultados obtidos indicam a possibilidade do material ser
biocompatível, viabilizando a sua aplicação como um biomaterial.
Palavras-chaves: toxicidade sistêmica, biocompatibilidade, vitrocerâmico.
1. Introdução
O vitrocerâmico com cristais de anortita como fase principal foi a base
experimental para produção e divulgação do artigo “Materiais Vitrocerâmicos
Inteligentes”.1 Esse material foi obtido para testes e estudado anteriormente, através da
cristalização controlada de um vidro.2,3,4 Os estudos de degradação desta nanoestrutura
cerâmica revelou uma potencialidade do uso do material para fins biomédicos.5
Outras possibilidades tecnológicas vêm sendo também discutidas: revestimentos
cerâmicos (pisos), placas para fabricação de pias e balcões, material para fabricação de
componentes especiais para indústria têxtil entre outros e uma possível aplicação como
uma base adequada para produção de lentes especiais. Muitas das aplicações citadas são
alvos de testes iniciais, em outras palavras, esta cerâmica vem apresentando
versatilidade e bons resultados em testes tecnológicos (industriais). Mas no que se refere
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ao uso biomédico, foram realizados testes toxicológicos in vitro em amostra deste
vitrocerâmico, a conclusão dessa avaliação foi uma “reatividade citotóxica não
detectada” possibilitando a o material cerâmico ser considerado biocompatível.6 Os
estudos iniciais com cobaias reforçaram os experimentos in vitro, apresentando
resultados favoráveis à continuação dos estudos.7,8,9,10 Em 2006 foi desenvolvida uma
versão sintética de elevada pureza do material vitrocerâmico. 1,11,12,13
Desta forma, esta vitrocerâmica é considerada mais adequada para possíveis
aplicações biomédicas. Dentre os estudos de biocompatibilidade, insere-se a toxicidade
sistêmica, a qual é analisada através dos possíveis efeitos dos componentes químicos
liberados por um material, que podem vir interagir com o organismo vivo,
desestabilizando ou não o funcionamento sistêmico geral ou de certos órgãos-vitais
(fígado, cérebro, intestino, rins), que podem estar distante do local de contato.
O teste de toxicidade sistêmica aguda é determinado pelas normas ISO 1099314
11 , compreende no efeito adverso, com curta observação de tempo, originado após a
administração de uma dose única. Os resultados do teste estendem-se a uma observação,
do comportamento dos animais, em intervalos pré-determinados contados a partir de
aplicação única. Para o teste de toxicidade sistêmica, pode se utilizar extratos de
aplicação como: salina fisiológica, saliva artificial 15 e óleos vegetais com adições do
material em teste.
A interpretação desses resultados baseia-se nas diferenças apresentadas entre os
grupos de testes e os controles. Neste trabalho, a via de administração escolhida para
aplicação foi a via intraperitoneal, devido a importância anato-fisiológica da cavidade e
do líquido peritoneal. Essa região é muito vascularizada e liga-se ao sistema fisiológico
(ao qual está localizada) como um todo. Os ensaios in vivo toxicidade sistêmica seguem
a ISO 10993-11 Tests for systemic toxicity. 14
2. Materiais e Métodos
O veículo de extração utilizado foi saliva artificial fórmula de Fusayama
conforme demonstra a Tabela 1.
Para a confecção dos extratos seguiu-se a norma ISO 10993-11 Tests for
systemic toxicity, onde para cada 20 mL de veículo de extração usa-se 2-4 g de
material. Esse experimento tem a intenção de demonstrar o comportamento do material,
quando em contato direto a um fluido biológico. A saliva artificial foi filtrada em filtros
puradisc dentro da capela de fluxo laminar. Após filtrar a saliva artificial, adicionou-se à
mesma, as amostras do material em teste (também estéreis). Os frascos contendo os
veículos com e sem as amostras do material foram condicionados a 37 °C (± 2 °C) por
72 horas (± 2 h). Esse procedimento também foi realizado dentro da capela de fluxo
laminar.
Dividiu-se as amostras em 4 frascos estéreis, identificados na Tabela 2 abaixo:
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Para o teste foram utilizados 20 ratos - Wistar com peso médio de 250 g, divididos
em 4 grupos, sendo cada grupo com 5 animais. Os animais foram condicionados em
gaiolas próprias, com alimentação e água ad libitum. Este teste avaliou sistemicamente a
resposta do organismo dos animais frente ao extrato do material em teste e dos
controles. Cada grupo específico entrou em contato com o inóculo demonstrado na
Tabela 2 acima. Após separação dos animais em grupos, realizou-se tricotomia
abdominal e identificação em todos os animais. Foi realizada a primeira pesagem, os
animais foram pesados também nos momentos 24, 48 e 72 horas pós inoculação.
Concluída a tricotomia e pesagem deu-se início a inoculação intraperitoneal dos extratos
nos animais. A inoculação foi feita através de uma injeção na região da linha média
abdominal (Figura 1). A dose de aplicação foi de 50 mL/Kg de peso corpóreo do
animal. Os animais foram observados a partir do momento de inoculação dos extratos,
no momento 0, 24, 48 e 72 horas. As reações são avaliadas segundo Tabela 3 a seguir:
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Figura 1. Aplicação dos extratos na linha média abdominal (intraperitoneal) do rato.
Todos os resultados obtidos através das reações que os animais tiveram após
inoculação dos extratos em teste (período de 72 horas) foram anotados e comparados
aos controles. Finalizado o período de observação de 72 horas, foi realizada a última
pesagem, cada animal individualmente foi sedado e anestesiado. Confirmado o estado
de anestesia do animal, usando um bisturi de lâmina, foi feita uma incisão na linha
média abdominal, objetivando a região peritoneal. Injetou-se 5 mL de salina fisiológica
dentro da cavidade peritônio-abdominal e em seguida foi feita a aspiração do líquido. O
líquido aspirado de cada animal foi analisado no aparelho Coulter T-890. A intenção de
analisar o lavado peritoneal é de verificar se houve, durante o tempo de contato do
animal com o extrato, migração celular na área de inoculação. A contagem celular
global do lavado peritoneal, sinaliza possível reação tóxica local ou sistêmica que possa
ter gerado um processo inflamatório. Como valor de referência usou-se os indicativos
da Tabela 4 abaixo baseada na contagem celular global do Grupo 4, pois as cavidades
peritoneais dos animais desse grupo não tiveram quaisquer tipos de inóculos a elas
inseridos.
3. Resultados e discussões
A Tabela 5 demonstra os resultados de comparação entre os animais e os
respectivos índices de observação após inoculação dos extratos (composição dos
extratos, vide Tabela 2). Observou-se, que para o grupos 1 (inoculados com Extrato A)
e o grupo 4 (sem inóculo), não houve nenhuma reação adversa notada em qualquer das
observações, sendo considerada, portanto, como normalidade para os testes, ou seja, o
grupo 1 é o controle para a inoculação da saliva artificial e o grupo 4 controle total do
teste, o grupo 3 é um controle em relação a utilização de material cerâmico ( no caso
alumina) e o grupo 2 é o do material em teste. Para a avaliação geral dos grupos, o nível
sérico é igual a 0 – NORMAL, com ganho de peso dos animais ensaiados (Tabela 6).
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Os animais chegaram ao final das 72 horas de experimentação sem anormalidades,
significando que o extrato inoculado não causou qualquer tipo de disfunção nos órgãos
adjacentes à inoculação ou de nível sistêmico. Os resultados observados em relação ao
índice de toxicidade no grupo 2 (Tabelas 5 e 6), demonstraram que o extrato B não
causa toxicidade aos animais. O resultado obtido no grupo 3, também são semelhantes
aos dos grupo 1 e 2, como controle total, os animais (grupo 4) sem qualquer tipo de
inóculo na cavidade intraperitoneal, também foram observados e os resultados obtidos
nesse grupo, validam as afirmações acima citadas, conforme demonstram as Tabelas 5 e
6.
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O resultado do teste sobre o lavado peritoneal foi obtido através de análise de
contagem celular global no aparelho Coulter T-890. As análises macroscópicas do
lavado peritoneal de todos as amostras coletadas, foram negativas, pois não
apresentaram turbidez e estavam inodoras. Essa observação indica que não houve
processo inflamatório local devido aos extratos injetados (Tabela 7). Como confirmação
de que não houve migração celular excessiva devido à reação dos extratos inoculados,
usou-se a contagem celular global do lavado peritoneal, como controle utilizou-se o
lavado obtido do Grupo 4 (sem inoculação de extrato).
Pode-se observar através da Tabela 8, a presença de raras hemácias na contagem
celular dos lavados peritoneais de todos os grupos em teste. Essa presença celular é
devido à incisão cirúrgica abdominal (com bisturi de lâmina) realizada para se fazer e
coletar o lavado peritoneal. Como confirmação da presença celular não ser decorrente
de processo inflamatório, devido a presença dos extratos, tem-se os resultados obtidos
do controle total do ensaio (Grupo 4 - sem inóculo). A quantidade de leucócitos global
do lavado em todos os grupos esteve dentro dos padrões de normalidade (Tabela 8).
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4. Conclusão
Após os extratos do vitrocerâmico com cristais de anortita (CaAl2Si2O8) serem
absorvidos pelo sistema biológico (cobaias), intraperitonealmente, não foi observado
indícios de toxicidade. Os ensaios preliminares de biocompatibilidade, representados
pelo teste de toxicidade sistêmica e análise do lavado peritoneal, demonstraram que o
material em teste é um material com fatores biocompatíveis, pois não causa efeitos
destrutivos quando absorvidos sistemicamente. Salienta-se assim, a possibilidade do
BR3G, em usos biomédicos.
5. Referências
[1] NEVES, Etney and SPILLER, Andre. Intelligent Glass Ceramic Materials. GLASS
ODISSEY: 6th European Congress on Glass. Montpellier – France. June, 168p, 2002.
[2] NEVES, Etney, SPILLER, A. L., TRIDAPALLI, D., RIELLA, H. G.,
“Desenvolvimento de Cristais de Anortita em Vidros”, Simpósio Brasileiro de
Estruturologia, Tiradentes / MG, Setembro 2001.
[3] TOROPOV, N. A., TIGONEN, G. V., “Investigation of the Linear Rate of Growth
of Anorthite Crystals in Glass at 1000C”, Neorganicheskie Materialy, v. 1, n. 5, p. 775779, 1965a.
[4] TOROPOV, N. A., TIGONEN, G. V., “The Influence of Primary Heat Treatment on
the Crystallization of Anorthite-Wollastonite Glasses Containing Chromic Oxide”,
Neorganicheskie Materialy, v. 1, n. 11, p. 2014-2019, 1965b.
[5] FERNANDES, B. L., NEVES, Etney, “In vitro Degradation Analysis of Intelligent
Glass Ceramic”, CLAEB – III Congresso Latino - Americano de Engenharia Biomédica
– João Pessoa – João Pessoa – PB, 2004.
[6] TECPAR, “Laudo Técnico 05008607”, Laboratório de Microbiologia e Toxicologia,
Paraná, 2005.
[7] CAVALHEIRO, L. B. B. H., FERNANDES, B. L., NEVES, Etney, “Anorthite
Glass Ceramic To Biomaterial”, 3rd International Symposium on non-crystalline solids
and the 7th Brazilian Symposium on glass and related materials - Maringá, PR - Brazil November 2005.
[8] CAVALHEIRO, L. B. B. H., “Estudo da Biocompatibilidade e da Degradacão do
Vitrocerâmico de Anortita”, Mestrado, PUCPR, 2005.
[9] SILVEIRA, J. C. C. da, “Proposta de Utilização do Vitrocerâmico anortita como um
Sistema de Liberação Controlada de Fármacos”, Mestrado, PUCPR, 2006.
[10] HISAO SATOH, et. all., In-situ measurement of dissolution of anorthite in Na-ClOH solutions at 22°C using phase-shift interferometry, American Mineralogist;92:503Vol. 1, No. 1, outubro-dezembro 2011, Página 16
509, 2007.
[11] NEVES, Etney. Obtenção de Material Vitrocerâmico a Partir de Cinza Pesada de
Carvão Mineral. Tese UFSC. junho 2002.
[12 ]NEVES, Etney e SPILLER, Andre. Produção e Utilização da Fase Mineralógica
anortita (CaAl2Si2O8), a partir da Cristalização Controlada de Vidros, para Utilização
como Material Inteligente. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Patente de
Invenção: PI02022410-9 de 4 de junho de 2002.
[13] NEVES, E., BERGMANN, C. P., BUENO, L. A., PEVZNER, B. “Synthesis of
Ca2+ Aluminosilicates Crystals – Part 1”, V Encontro da SBPMat – Sociedade
Brasileira de Pesquisa em Materiais, Florianópolis, outubro 2006.
[14] INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 1099311. Tests for systemic toxicity:. biological evaluation of medical devices, Switzerland,
ISO,1992.
[15] FUSAYAMA,T.; KATAYORI, T.; NOMOTO, S. Corrosion of gold and amalgam
placed in contact with each other. Journal Dentistic Research,v. 42, p.1183-1197, 1963.
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