deserto de jud
Transcrição
deserto de jud
Nas pegadas de Jesus… O DESERTO DA JUDEIA “O Senhor converteu os rios em deserto, e as fontes de água em terra árida; converteu a terra fértil em salinas, por causa da maldade dos seus habitantes; mudou os desertos em lagos e a terra árida em mananciais.” (Salmo 107, 33-35) O deserto de Judá, ou deserto da Judeia, é um lugar solitário e inóspito. Portanto, seria um lugar aparentemente estranho para Jesus ir logo a seguir ao seu baptismo no Rio Jordão. Porque razão não terá Ele começado o seu ministério público imediatamente? Jesus tinha uma prioridade: passar algum tempo a sós com o Pai, numa decisão deliberada de enfrentar as tentações que o acossariam durante a sua vida pública. A história pode parecer-nos estranha, mas o segredo do sucesso e do poder do seu trabalho futuro – proclamar a Palavra de Deus – teve aqui a sua origem. Em termos geográficos, sob vários aspectos, o antigo território de Israel era notável. Ao contrário dos países vizinhos, cujos territórios eram predominantemente compostos por áridos desertos, Israel era uma estreita mas fértil faixa de terra, que beneficiava da chuva vinda do Mediterrâneo. Porém, isso só se aplica à zona ocidental do território. Correndo em direcção ao interior do país, existe uma cadeia montanhosa que faz com que as terras do leste fiquem “à sombra da chuva”. É este o deserto de Judá, para onde Jesus se dirigiu depois do seu Baptismo no Rio Jordão. É um lugar de beleza austera e dum silêncio quase ensurdecedor; um lugar onde os seres humanos se apercebem profundamente da sua fragilidade e da sua completa dependência da água para sobreviver. Contudo, nos tempos bíblicos, era também um lugar onde as pessoas iam para usufruir da solidão e terem espaço, e para ouvirem a voz de Deus, que se elevava acima de todos os outros sons e vozes. João Baptista começou aqui o seu ministério – “Uma voz gritando no deserto”. Este é também o lugar que Jesus naturalmente procura para preparar o seu ministério nas palavras de Deus. Quando Jesus foi para o deserto, Ele estava ciente do significado que o deserto adquirira na experiência do povo de Israel: 40 anos de errância pelos desertos do Sinai e do Negev, caminhando do Egipto para a Terra Prometida. O deserto também aparece frequentemente, em épocas mais tardias do Antigo Testamento. Por vezes como um local de fuga e refúgio, como quando o jovem David teve de fugir à perseguição do rei Saul. Outras vezes, como local de restabelecimento e recuperação, como no caso do exausto Elias, que depois do seu encontro com os profetas de Baal, partiu em direcção ao sul, para o deserto do Negev; também local de profecia e expectativa, quando o profeta Isaías proclama a sua mensagem de “consolo” (Is 40, 1-9) e o povo vê esta nova acção de Deus em seu favor estranhamente ligada ao deserto. Agora começamos a perceber a riqueza dos ecos bíblicos “quando a palavra de Deus foi dirigida a João no deserto”. São ecos que também acompanham a ida de Jesus para o deserto. Assim como Israel enquanto nação passou 40 anos no deserto, também Jesus passa 40 dias no deserto de Judá. Há também a possibilidade de que a ordem das três tentações do demónio reflicta algo do percurso de Israel a caminho da Terra Prometida: Primeiro, os Israelitas que reclamam por causa do alimento. O demónio tenta Jesus: “«Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se transforme em pão.» Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: nem só de pão vive o homem.»” (Lc 4, 3-4) Depois, Moisés que sobe ao monte Nebo, de onde vislumbra a Terra Prometida. O demónio volta a tentar Jesus: “Levando-o a um lugar alto, o diabo mostrou-lhe, num instante, todos os reinos do universo e disse-lhe: «Dar-te-ei todo este poderio e a sua glória, porque me foi entregue e dou-o a quem me aprouver. Se te prostrares diante de mim, tudo será teu.» Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto.»” (Lc 4, 5-8). Por fim, o eventual estabelecimento em Jerusalém e a construção do Templo como local de adoração divina. O demónio tentou Jesus pela terceira vez: “Em seguida, conduziu-o a Jerusalém, colocou-o sobre o pináculo do templo e disse-lhe: «Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo, pois está escrito: Aos seus anjos dará ordens a teu respeito, a fim de que eles te guardem; e também: Hão-de levar-te nas suas mãos, com receio de que firas o teu pé nalguma pedra.» Disse-lhe Jesus: «Não tentarás ao Senhor, teu Deus.» Tendo esgotado toda a espécie de tentação, o diabo retirou-se de junto dele, até um certo tempo.” (Lc 4, 9-13) Esta sequência das tentações – o pão, o lugar alto, o pináculo do templo – são sinais claros de que a história da redenção se repete, entrando num momento critico de cumprimento e que o resultado da história repousa nos ombros deste homem chamado Jesus. Há lições neste episódio que, desde então, inspiram os seguidores de Jesus: o valor do jejum em momentos críticos da vida; o uso das Escrituras em momentos de provação; a determinação em encontrar a solidão apropriada antes do período de pregação; a importância de preservar a integridade da própria vida interior para que seja idêntica à sua personalidade pública. O deserto bíblico pode tornar-se uma experiência capaz de mudar vidas. O silêncio ocupa o lugar do barulho, a tranquilidade toma o lugar do alvoroço, um ritmo calmo e compassado substitui o ritmo alucinante e comprometido das cidades. O deserto de Judá é um convite aberto e extenso: fazer uma caminhada pelas profundas e coloridas gargantas das formações rochosas do sudeste do Mar Morto; caminhar pelo leito seco de um rio (wadi) até encontrar uma nascente (como Ein-Gedi ou Ein Farah); ir até Masada pelo lado ocidental (pela estrada alcatroada que vem de Arad) e visitar as ruínas do palácio-fortaleza de Herodes, o Grande, no cume da montanha; visitar as ruínas de Qumran e caminhar pelos despenhadeiros onde se encontram as grutas onde foram descobertos os Manuscritos do Mar Morto; ir até ao mosteiro do Monte da Tentação (do promontório acima do Mosteiro, tem-se uma vista maravilhosa sobre o Vale do Jordão); caminhar pela antiga estrada romana, entre Jericó e Jerusalém, que segue pelo cimo das montanhas, e donde se observa o Wadi Qelt; descer a encosta até alcançar o Mosteiro Ortodoxo de São Jorge de Khoziba; andar um pouco para além do mosteiro, até ao ponto em que o Wadi se abre a uma impressionante vista sobre Jericó; ir em busca das ruínas de antigos mosteiros; … Trilho no deserto Nascente de En-Gedi Masada Qumran Cinco séculos após a passagem de Jesus, o deserto tornou-se uma verdadeira “cidade”, ocupadas por centenas de monges. Visitar os mosteiros é ser novamente confrontado com um exemplo de dedicação, determinado a ouvir o chamamento de Deus, imitar Cristo e ansiar pelo Espírito Santo. Uma visita a qualquer mosteiro que ainda esteja no activo traz oportunidade de conhecer pessoas que abraçaram esse chamamento, nos nossos dias, e que de maneira geral viveram uma vida bastante comum e “citadina” antes. Mosteiro do Monte da Tentação Mosteiro S. Jorge de Khoziba Mosteiro de Mar Saba (entrada interdita a mulheres) Sempre que se está sozinho no deserto, as perguntas surgem. É no silêncio que nos sintonizamos com o burburinho interior do nosso espírito. É no isolamento que encaramos a nossa própria solidão e nos confrontamos com o que significa ser um indivíduo único e solitário e, geralmente, daí emerge uma nova compreensão de nós mesmos e uma nova apreciação dos nossos amigos e companheiros de caminho. De todos os locais bíblicos, o deserto pode ser, talvez, o local onde é mais fácil aproximarmo-nos de Jesus. Ele poderá ser de difícil acesso ou compreensão, mas algo, nas duras pedras do deserto, O traz até nós – como Alguém que realmente partilha da nossa fragilidade humana e nos fortalece nas horas de fraqueza. No deserto, embora estejamos sozinhos – como em nenhum outro momento –, descobrimos que talvez nunca tenhamos estado completamente sós. (adaptado do livro “Nas Pegadas de Jesus”, de Peter Walker)