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Realismo Cristão e Teologia da Libertação:
teologias do norte e do sul em diálogo
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Raimundo C. Barreto Junior
E-mail: [email protected]
Resumo
Apresenta um diálogo entre o Realismo Cristão e a Teologia Latino-Americana da Libertação,
com a intenção de ressaltar as semelhanças e diferenças existentes entre essas duas relevantes
escolas teológicas. O artigo retrata como o Realismo Cristão de Niebuhr foi amplamente
reconhecido como uma das mais influentes teorias cristãs no campo da Ética Social e da
Filosofia Política no século vinte. A Teologia da Libertação causou um surpreendente impacto
não só sobre a América Latina, mas, também, sobre outros povos pobres e deserdados
espalhados pelo globo. A Teologia da Libertação pode, de certo modo, ser considerada um
tipo de Realismo Cristão, ainda que apresente claras diferenças em relação ao Realismo
Cristão de Niebuhr. As principais diferenças entre os dois tipos de Realismo Cristão
consistem em visões diferentes sobre o poder, bem como em suas expectativas sobre as
possibilidades dos seres humanos na história – ou seja, suas perspectivas escatológicas.
Contudo, ambas as abordagens compartilham uma preocupação com a justiça social e com a
natureza estrutural do pecado, um forte pragmatismo e uma leitura séria da realidade como
ponto de partida. Essas características tornam as duas escolas teológicas mais próximas uma
da outra, do que muitos admitiriam.
Palavras-chave: Realismo Cristão. Teologia da Libertação. Diálogo.
Christian realism and Liberation Theology: Teology of the North and South
in dialog
Abstract
Presents a dialogue between the Christian Realism and Latin American Theology of
Liberation, with the aim of emphasizing the similarities and differences between these two
important theological schools. The article shows how the Christian Realism of Niebuhr is
widely recognized as one of the most influential theories in the field of Christian social ethics
and political philosophy in the twentieth century. A Theology of Liberation had a surprising
impact not only on Latin America, but also about other peoples poor and disinherited around
the globe. The theology of liberation can, in some ways, be considered a type of Christian
Realism, still showing clear differences with the Christian Realism of Niebuhr. The main
differences between the two types of Christian Realism are different views on power, as well
as their expectations about the possibilities of human beings in history - that is, its
eschatological perspective. However, both approaches share a concern with social justice
and the structural nature of sin, a strong pragmatism and a serious reading of reality as a
starting point. These characteristics make the two theological schools closer to each other
than many adimit.
Keywords: Christian Realism. Theology of Liberation. Dialogue.
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INTRODUÇÃO
O texto propõe um diálogo entre o Realismo Cristão – particularmente no pensamento
de seu representante mais famoso, Reinhold Niebuhr – e a Teologia Latino-Americana da
Libertação, com a intenção de ressaltar as semelhanças e diferenças existentes entre essas
duas relevantes escolas teológicas. A importância desse diálogo pode ser mensurada pelo
impacto que tanto o Realismo Cristão como a Teologia da Libertação têm causado como
teologias públicas emergentes, na segunda metade do século vinte (CASANOVA, 1994;
TRACY, 1981; NEUHAUS, 1977).2
Enquanto, o Realismo Cristão de Niebuhr foi amplamente reconhecido como uma das
mais influentes teorias cristãs no campo da Ética Social e da Filosofia Política no século vinte,
a Teologia da Libertação causou um surpreendente impacto não só sobre a América Latina,
mas, também, sobre outros povos pobres e deserdados espalhados pelo globo. Infelizmente,
Niebuhr não viveu o bastante para se engajar em um diálogo com a Teologia da Libertação, já
que esta só começou a ser notada pela academia no final dos anos sessenta e início dos
setenta. Além disso, as teologias da libertação foram consideradas, inicialmente, apenas um
fenômeno local, e muitos estudiosos imaginavam que elas não causariam grande impacto
sobre as teologias de primeira linha que dominavam o cenário religioso na Europa e nos
Estados Unidos, naquela época. Por conseguinte, quase não houve, na época em que Niebuhr
viveu, nenhum intercâmbio entre os teólogos do hemisfério sul e os do norte.
No caso específico do Realismo Cristão e da Teologia Latino-Americana da
Libertação, os primeiros diálogos ocorridos datam de 1973. Niebuhr já havia morrido, porém
um de seus seguidores, Thomas G. Sanders apelou para a autoridade de seu mentor ao se
referir à Teologia Latino-Americana da Libertação como um tipo de “utopia branda”
(SANDERS, 1973). A resposta, igualmente vigorosa, veio do teólogo brasileiro formado pelo
Seminário Teológico de Princeton, Rubem Alves (1973, p. 173-176), que chamou o Realismo
Cristão de “ideologia do sistema”, Desde então, essas duas linhas do pensamento cristão têm
sido geralmente entendidas em termos de ou uma ou outra, ou seja, como duas abordagens
contrastantes nos campos da teologia pública e da Ética Social. O debate começou em dois
números da Cristianity and Crisis, de 1973, e continuou através das três últimas décadas,
chegando a um clímax nos anos oitenta. Pensou-se em algumas formas de reconciliação.
Entretanto, o antagonismo entre as duas abordagens tem prevalecido. É digno de nota que,
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após o debate inicial em Cristianity and Crisis, quase nenhuma voz latino-americana tem sido
ouvida nas discussões mais recentes. As poucas exceções que encontrei foram algumas
entrevistas com pensadores latino-americanos sobre a importância do diálogo entre o
Realismo Cristão e a Teologia da Libertação, citadas por Ronald H. Stone (1993, p. 109-124),
e uma breve referência sobre o Realismo Cristão em um livro de José Miguez Bonino (1983,
p. 87-90), um destacado teólogo latino-americano da libertação.3 Uma das entrevistas
realizadas por Stone com o teólogo argentino Gerardo Viviers sugere que alguns teólogos
latino-americanos pensam que o diálogo com o Realismo Cristão perdeu sua relevância.
Viviers acredita que tanto o Realismo Cristão como a Teologia da Libertação foram feitos
cativos da mentalidade moderna e sugere que o próximo passo para os teólogos da libertação
deveria ser tratar das religiões e dos mitos indígenas com seriedade, pois estes os levarão em
uma nova direção (STONE, 1993, p. 116). Miguez Bonino, por outro lado, apenas reforça a
indignação que Rubem Alves demonstrou em relação às injustas acusações de Sanders contra
o pensamento liberacionista em 1973. Ele repete a sugestão de Alves, de que Sanders deveria,
a fim de poder dialogar com a Teologia Latino-Americana da Libertação, ler Niebuhr da
perspectiva de suas primeiras concepções progressistas, e não da perspectiva de seus últimos
escritos (MIGUEZ BONINO, 1983, p. 87-90).
Uma das melhores tentativas de analisar o relacionamento entre Realismo Cristão e
Teologia da Libertação foi realizada por Dennis P. McCann, que em 1981 escreveu um livro
intitulado Realismo Cristão e Teologia da Libertação. McCann (1981) declara que não vê o
Realismo Cristão e a Teologia da Libertação como realidades mutuamente excludentes e tenta
dar a devida atenção a ambas as escolas de pensamento. Contudo, sua própria linguagem trai
suas intenções. Desde o início do livro, percebe-se a existência de alguns preconceitos contra
a Teologia da Libertação. McCann refere-se às “[...] falsas promessas da Teologia da
Libertação [...]” e faz comentários do tipo “[...] deveríamos considerar a Teologia da
Libertação como um protesto sincero mais confuso [...].” (McCANN, 1981, p. 2-3) .
Empregando esse tipo de linguagem, ele não pôde deixar de situar o Realismo Cristão e a
Teologia da Libertação em campos opostos, e acabou argumentando pela superioridade
daquela sobre esta última teologia (McCANN, 1981 p. 236, 240).
Minha intenção, neste artigo, é participar do debate a partir de uma perspectiva latinoamericana, sendo mais simpático a Niebuhr do que Alves foi, e mais justo com a Teologia da
Libertação do que McCann, Sanders e outros analistas norte-americanos têm sido.
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Na verdade, eu gostaria de argumentar que a Teologia da Libertação pode, de certo
modo, ser considerada um tipo de Realismo Cristão, ainda que apresente claras diferenças em
relação ao Realismo Cristão de Niebuhr. Sustentarei que as principais diferenças entre os dois
tipos de Realismo Cristão consistem em visões diferentes sobre o poder, bem como em suas
expectativas sobre as possibilidades dos seres humanos na história – ou seja, suas perspectivas
escatológicas. Contudo, ambas as abordagens compartilham uma preocupação com a justiça
social e com a natureza estrutural do pecado, um forte pragmatismo e uma leitura séria da
realidade como ponto de partida. Essas características, em minha opinião, tornam as duas
escolas teológicas mais próximas uma da outra do que muitos admitiriam.
Além disso, acredito que nos próprios escritos de Niebuhr há evidências suficientes
para se perceber que, se tivesse vivido o bastante para ver o desenvolvimento da Teologia
Latino-Americana da Libertação, ele teria sido mais simpático em relação a ela do que alguns
de seus seguidores.
A despeito das óbvias diferenças entre as duas escolas – diferenças que de modo
algum negarei ou negligenciarei – quero afirmar que o Realismo Cristão e a Teologia LatinoAmericana da Libertação podem funcionar como abordagens mutuamente complementares.
Nenhuma das duas pode sobreviver, no mundo atual, sem ouvir o que a outra tem a dizer.
Meu principal argumento é que as diferenças centrais entre essas teologias precisam ser
compreendidas no contexto dos diferentes públicos e situações aos quais cada uma se dirige.
A fim de atingir meu objetivo neste trabalho, apresentarei uma visão geral tanto do
Realismo Cristão como da Teologia da Libertação, apontando alguns de seus temas centrais.
Compararei as diferenças e semelhanças entre as duas teologias, indicando os caminhos pelos
quais a Teologia da Libertação poderia se beneficiar da apropriação de alguns elementos do
Realismo Cristão e vice-versa. Minha convicção é de que, na cooperação, na receptividade e
numa conversação mutuamente desarmada de certos preconceitos, o Realismo Cristão e a
Teologia da Libertação podem se tornar muito mais eficientes em falar ao mundo
contemporâneo como duas teologias públicas diferentes e – mesmo assim – complementares.
UM PANORAMA DO REALISMO CRISTÃO DE NIEBUHR
É muito difícil sistematizar e resumir, com fidelidade, o pensamento de alguém cuja
mente era tão dinâmica e assistemática como era a de Reinhold Niebuhr. Contudo, é possível
identificar os argumentos e idéias centrais em torno dos quais o pensamento de Niebuhr
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girava. Niebuhr foi um escritor espantosamente prolífico, bem como alguém cujo pensamento
mudou significativamente desde sua juventude como pastor em Detroit até sua maturidade
como um eticista social.4 Por causa dessa característica intelectual de Niebuhr, decidi
concentrar o escopo desta análise principalmente em seus dois livros mais amplamente
conhecidos: Moral Man and Immoral Society e The Nature and Destiny of Man. Fazendo isso,
desejo fazer justiça tanto ao primeiro como ao segundo Niebuhr e, simultaneamente,
concentrar-me nos escritos em que o próprio Niebuhr chegou mais perto de uma
sistematização de seu pensamento. Obviamente, em dados momentos, me referirei a outras
partes de sua obra, mas sem nenhuma preocupação de abranger tudo que Niebuhr disse sobre
cada tópico tratado. A tentativa de abranger o pensamento de Niebuhr como um todo seria
impraticável, e iria muito além do escopo deste trabalho.
Concentrarei a minha atenção em alguns temas que aparecem na obra de Niebuhr no
decorrer de sua vida e privilegiarei aqueles tópicos que podem mostra-se mais úteis para o
diálogo que proponho neste artigo, entre Realismo Cristão e Teologia da Libertação.
O realismo de Reinhold Niebuhr foi uma resposta tanto ao otimismo liberal sobre as
conquistas da razão como ao cinismo daqueles que estavam completamente desencantados
com o progresso da humanidade. Niebuhr acreditava que o evangelho cristão era a única
alternativa ao otimismo cego da modernidade e que também evitaria o cinismo de outros
insatisfeitos modernos (NIEBUHR, 1953, p. 106, 107).5 Embora alguns pareçam ver o
realismo de Niebuhr apenas do ponto de vista de sua oposição ao otimismo dos liberais acerca
da humanidade, fazendo com que ele apareça como um pessimista, Niebuhr não pode ser
retratado dessa forma (BROWN, 1986, p. 11). Robert McAfee Brown ressalta que há no
pensamento de Niebuhr um absoluto otimismo a respeito dos seres humanos que é
freqüentemente negligenciado por seus críticos, como se pode ver na seguinte declaração de
Niebuhr (1986):
Não se podem estabelecer, na história, limites para a realização de uma
fraternidade mais universal, para o desenvolvimento de relações mútuas
mais perfeitas e mais inclusivas. Todas as esperanças e aspirações
características do Renascimento e do Iluminismo, e também do liberalismo
secular e do liberalismo cristão, estão certas pelo menos no fato de que todos
entendem o aspecto da doutrina cristã relativo ao ágape do Reino de Deus
como um recurso para o desenvolvimento constante rumo a uma
fraternidade mais perfeita na história [...] A liberdade humana torna
impossível a imposição de limites de raça, sexo ou condição social para a
fraternidade que pode ser realizada na história. (NIEBUHR, 1943, p. 85).6
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Este é, obviamente, apenas um aspecto da visão de Niebuhr sobre a natureza humana e
a história. Contudo, o argumento é que toda abordagem honesta ao pensamento de Niebuhr
deve levar em conta os dois extremos que ele tenta evitar, e não apenas um deles.
Niebuhr possuía a habilidade única, central em seu pensamento, de denunciar as falhas
e pretensões de todo sistema humano. Entretanto, ele via a natureza humana em sua
verdadeira situação, paradoxal e cheia de conflitos interiores. Niebuhr pretendia apontar as
ambiguidades da natureza humana, respondendo ao otimismo exagerado do liberalismo e
tentando, ao mesmo tempo, evitar a tentação do niilismo.
Logo nas primeiras linhas de seu livro The Nature and Destiny of Man, Niebuhr
coloca o problema central de todo o seu pensamento:
O homem sempre foi o seu próprio problema mais inquietante. O que ele
deve pensar de si mesmo? Toda afirmação que o homem pode fazer sobre
sua estatura, virtude ou lugar no cosmo se vê envolvida em contradições,
quando analisada detalhadamente. A análise revela algum pressuposto ou
implicação que parece negar o que a proposição pretendia afirmar. Se insiste
no fato de que é um filho da natureza e que não deveria pretender ser mais
do que um animal, o que ele obviamente é, o homem tacitamente admite ser,
de alguma forma, uma espécie curiosa de animal, dotado da inclinação e da
capacidade de alimentar tais pretensões. Se, por outro lado, o homem insiste
sobre sua posição singular e distintiva na natureza e aponta suas faculdades
racionais como prova de sua dignidade especial, normalmente há uma nota
de ansiedade em suas pretensões de singularidade que trai um sentimento
inconsciente de parentesco com os animais irracionais. (NEIBUHR,
1996, p. 1, grifo nosso).
Como afirma Delwin Brown (1989, p. 160) Niebuhr situa os seres humanos na junção
de natureza e espírito, participando de ambos. Como criaturas, os homens estão “[...]
envolvidos nas necessidades e contingências da natureza [...]”; como seres espirituais, eles
“[...] transcendem esse contexto e [são], dessa forma, capazes de contemplar novas
possibilidades, considerando suas promessas e perigos e contribuindo para sua realização
seletiva.” (BROWN, 1989, p. 160). É com essa visão da natureza humana em mente que
Niebuhr se engaja em qualquer tópico que discute. A visão de Niebuhr sobre os seres
humanos e sobre o mundo é fortemente influenciada por sua tradição cristã, que remonta a
Paulo, a Agostinho, aos reformadores, e de modo especial a Kierkegaard. Consequentemente,
certos conceitos cristãos tais como pecado e graça permeiam seu pensamento e são cruciais
para sua compreensão da natureza humana, mesmo que algumas vezes Niebuhr (1960)
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traduza essa linguagem religiosa em uma linguagem secular, a fim de se dirigir a uma
sociedade secular de forma mais relevante.7
Para os fins do diálogo que proponho neste artigo, discutirei, de agora em diante, três
temas chaves em Niebuhr – a saber: pecado, poder e o conceito binário amor/justiça – que
aparecem por toda a sua obra. Esses temas estão presentes também nos escritos de alguns
teólogos latino-americanos da libertação. Portanto, compreendendo-se esses conceitos chaves
em Niebuhr, será mais fácil colocá-lo em diálogo com o pensamento liberacionista, bem como
identificar claramente as diferenças e semelhanças existentes entre eles.
A natureza do pecado
O pecado é um conceito central no pensamento de Niebuhr. Na verdade, é a
determinação de levar a sério a realidade do pecado na natureza humana que torna singular a
abordagem de Niebuhr à Ética Social. Para Niebuhr, o pecado está no próprio âmago da
natureza humana. Ele tem a ver com a relutância dos seres humanos em reconhecer sua
finitude. Todavia, essa ênfase no pecado não leva Niebuhr a uma visão negativa da criação
como um todo. Seu foco se concentra no conflito interno da natureza humana, onde as raízes
do pecado parecem residir. Sua principal crítica à modernidade é que ela não consegue
compreender a medida real da natureza humana. Essa incompreensão, conseqüentemente,
conduz à redução do problema do mal a causas históricas específicas, falhando em inquirir
“[...] como essas causas particulares puderam surgir [...].” (NIEBUHR, 1996, p. 99). Assim, a
moderna noção de individualidade faz com que os seres humanos esqueçam os limites da
criaturalidade, os quais não são capazes de transcender.
Para Niebuhr, o cristianismo possui a mais elevada visão da natureza humana, pois
estabelece limites ao espírito humano, ao ligá-lo à vontade de Deus. Ele acredita que somente
uma religião de revelação como o cristianismo é “[...] capaz de fazer justiça tanto à liberdade
como à finitude do homem e compreender o caráter do mal presente nele [...].” (NIEBUHR,
1996, p. 127). A fé cristã, diferentemente de qualquer filosofia moderna, estabelece os limites
da transcendência humana porque nela os humanos são concebidos como criaturas; sua
liberdade está subordinada à liberdade de Deus, o Criador.
O conceito de um Deus totalmente transcendente é fundamental para essa idéia, pois
somente no encontro com esse Deus transcendente como um “totalmente outro” é que os seres
humanos podem compreender a complexidade de seu próprio comportamento. Nos termos de
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Niebuhr, (1996, p. 131) “[...] o homem realmente não se conhece a si mesmo, a não ser
reconhecendo-se confrontado por Deus. Somente nessa confrontação ele se torna consciente
de sua estatura completa e de sua liberdade, bem como do mal que há nele [...].” Deus é o
totalmente outro que nos confronta de além de nós mesmos. Essa experiência de
confrontação/julgamento gera três elementos que Niebuhr (1996) considera essenciais para o
bem-estar da humanidade:
O primeiro é o sentimento de reverência em relação a uma majestade e de
dependência de uma fonte absoluta do ser. O segundo é o sentimento de
obrigação moral lançado sobre o indivíduo de além dele mesmo e de
indignidade moral perante um juiz. O terceiro [...] é o anseio por perdão.
(NIEBUHR, 1996, p. 131).
Para Niebuhr, o mal que habita a natureza humana reside principalmente em três
coisas: (1) a relutância dos seres humanos em reconhecer a fraqueza, finitude e dependência
de sua posição; (2) sua inclinação para alcançar poder e segurança, o que transcende as
possibilidades da existência humana; (3) e seu esforço em fingir uma virtude e um
conhecimento que estão além dos limites de meras criaturas. O pecado, em resumo, é a
tentativa dos seres humanos em se tornarem Deus. Ou, em outras palavras, a recusa dos seres
humanos em reconhecer o caráter dependente de sua vida (NIEBUHR, 1996, p. 137, 139).8
O pecado é precedido pela ansiedade. Vivemos em um mundo que nos transmite um
sentimento de insegurança e de falta de sentido. Essas coisas se transformam em tentações
para nós, quando somos levados a nos fazer duplamente seguros, em um esforço para provar
nossa significância (NIEBUHR, 1996, p. 192). A ansiedade, porém, em si mesma não é
pecado; ela é tanto tentação para o pecado como fonte de criatividade. Os seres humanos são
ansiosos porque temem cair “[...] no abismo da falta de sentido.” (NIEBUHR, 1996, p. 185).
Quando a ansiedade concebe, dá à luz duas formas de pecado – a saber, o orgulho e a
sensualidade. O orgulho está relacionado com a tentativa de elevar a própria existência a uma
significação incondicionada, enquanto a sensualidade tem a ver com a tentativa de fugir às
possibilidades ilimitadas da própria liberdade e aos perigos e responsabilidades da
autodeterminação. Para Niebuhr, entretanto, o pecado do orgulho é mais básico do que o da
sensualidade. Dessa forma, ele mantém o foco de sua obra no pecado do orgulho.
(NIEBUHR, 1996, p. 186).9
Niebuhr distingue três tipos de orgulho: orgulho do poder, orgulho do conhecimento e
orgulho da virtude. Contudo, esses três nunca se distinguem completamente na vida real. A
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primeira forma de orgulho é o desejo humano por poder e glória, que se manifesta como a
vontade de poder, cujas origens estão no medo primordial da morte, isto é, na vontade de
viver. A vontade de poder se apresenta na vida humana como “[...] uma expressão de
insegurança mesmo quando se consegue atingir fins que, da perspectiva de um mortal comum,
pareceriam garantir segurança completa.” (NIEBUHR, 1996, p. 194). Isso quer dizer que
quanto mais os seres humanos se estabelecem no poder, maior é seu medo de cair de sua
posição superior, ou de perder seu tesouro, ou de ser desmascarados em suas pretensões. De
acordo com Niebuhr, o orgulho intelectual é o orgulho da razão, que “[...] esquece que está
envolvida em um processo temporal e se imagina completamente transcendente sobre a
história.” (NIEBUHR, 1996, p. 195). Niebuhr rejeita a certeza dos racionalistas, ao afirmar
que “Todo conhecimento humano está marcado por uma mancha “ideológica”. Pretende ser
mais do que é. É um conhecimento finito, obtido por uma determinada perspectiva, mas
pretende ser conhecimento definitivo e absoluto.” (NIEBUHR, 1996, p. 194).
Neste ponto, Niebuhr é profundamente devedor ao marxismo, e reconhece sua
contribuição para a descoberta da mancha ideológica presente em toda cultura. Contudo, ele
critica Marx e Engels por não serem capazes de aplicar essa descoberta ao seu próprio
conhecimento. Para Niebuhr, nenhuma verdade é definitiva; todas as verdades são compostas
com interesses do ego.
O orgulho da virtude pode ser manifestado como orgulho moral ou espiritual. Por
orgulho moral, Niebuhr quer dizer “[...] a pretensão do homem finito de que sua virtude
altamente condicionada é justiça definitiva e que seus padrões morais altamente relativos são
absolutos.” (NIEBUHR, 1996, p. 199). Assim, o orgulho moral transforma a virtude em um
autêntico veículo do pecado e, por seu espírito de justiça própria e de autojustificação “[...] é
responsável por nossas maiores crueldades, injustiças e calúnias contra nosso próximo.”
(NIEBUHR, 1996, p. 200). Outra manifestação pecaminosa do orgulho da virtude é o que
Niebuhr chama de orgulho espiritual, que culmina na autodeificação. Isso ocorre “[...] quando
nossos padrões parciais e nossas realizações relativas são explicitamente relacionados com o
bem incondicional e reclamam sanção divina.” (NIEBUHR, 1996, p. 200). Para Niebuhr, essa
é a pior forma de auto-afirmação, porque “[...] sob o disfarce de contrição diante de Deus, Ele
é invocado como o aliado exclusivo de nosso ser contingente.” (NIEBUHR, 1996, p. 201).
Niebuhr vê o perigo da autodeificação tanto no catolicismo – através da fácil identificação da
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igreja com o Reino de Deus – como no protestantismo – com sua doutrina do sacerdócio de
todos os crentes, que pode resultar na autodeificação do indivíduo.
Não há uma garantia final contra nenhuma dessas formas de orgulho, pois o eu se
engana a si mesmo na tentativa de evitar qualquer controle pela censura da consciência.
Assim, os seres humanos tendem a alimentar uma visão excessivamente positiva sobre si
mesmos, a fim de justificar ou defender seus atos pecaminosos. A despeito dessas afirmações,
Niebuhr refuta a doutrina da depravação total dos seres humanos. Ele continua acreditando na
existência de centelhas de bondade na natureza humana, reminiscência da forma original em
que foi criada. No geral, Niebuhr é mais otimista sobre o que os seres humanos são capazes de
fazer do que seria, por exemplo, Karl Barth.
O conceito de poder em Niebuhr e seu deslocamento da religião e da ética para a política
Uma das maiores contribuições de Niebuhr para a compreensão da sociedade foi sua
distinção entre a presunção individual e o orgulho de grupo. Embora esteja presente em todo o
pensamento de Niebuhr, essa distinção constitui o argumento central do livro Moral Man and
Immoral Society.10
Nesse livro, Niebuhr (1960, P. 11) sugere que os grupos sociais são moralmente
inferiores em relação aos indivíduos. O autor afirma que, enquanto os indivíduos podem ser
moralmente capazes de levar em conta os interesses dos outros, em detrimento dos seus
próprios, na resolução de certos problemas, é muito mais improvável, se não impossível, que
isso aconteça no nível das sociedades humanas e dos grupos sociais. A inferioridade moral
dos grupos sociais, em comparação com a moralidade individual, revela um egoísmo coletivo
formado pelos impulsos egoístas individuais. O egoísmo individual atinge uma expressão
mais vívida e um efeito mais cumulativo quando se junta a um impulso comum do que
quando se expressa separada e discretamente.
Em, Moral Man and Immoral Society, Niebuhr (1960) não está tão interessado em
desenvolver uma visão cristã sistemática do pecado como está em expor as verdadeiras raízes
da injustiça social. Niebuhr pretende desafiar as posições defendidas tanto pelos moralistas
religiosos como pelos seculares, que não reconhecem a existência de certos elementos do
comportamento coletivo da humanidade que pertencem à ordem da natureza e, portanto, não
podem nunca ser postos completamente sob o domínio da razão ou da consciência. Ele critica
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os educadores e sociólogos modernos que atribuem às raízes de todos os problemas sociais à
ignorância. Para ele, isso é verdadeiro apenas parcialmente.
Niebuhr não confia na capacidade da razão para resolver nossas dificuldades sociais;
ele acredita que a própria razão, até certo ponto, é sempre uma serva dos interesses em uma
dada situação social. Portanto, a injustiça social não pode ser solucionada somente pela
persuasão moral e racional. O conflito social é inevitável, afirma Niebuhr, e nesse conflito
“[...] um poder deve ser desafiado por outro poder [...].”9 NIEBUHR, 1960, p. 15). De acordo
com ele, as raízes do conflito social não residem na ignorância, mas no interesse pessoal, bem
como na desproporção do poder na sociedade. Além disso, os conflitos sociais jamais
cessarão enquanto a desproporção do poder continuar. Os conflitos podem ser amenizados
pela inteligência social e pela boa vontade, mas jamais poderão ser abolidos. Assim, toda
teoria social que não leva seriamente em conta os efeitos e a continuidade dessa desproporção
do poder dentro da sociedade é ingênua e utópica.
Em virtude desse diagnóstico, Niebuhr propõe que, enquanto as relações entre os
indivíduos devem ser predominantemente éticas, as relações entre os grupos humanos devem
ser predominantemente políticas. Com isso, ele quer dizer que as relações entre grupos devem
ser “[...] determinadas pela proporção de poder que cada grupo possui, pelo menos tanto
quanto por qualquer avaliação racional e moral das necessidades comparativas e das
reivindicações de cada grupo” (NIEBUHR, 1960, p. 23).
Os seres humanos são, por natureza, dotados de reações orgânicas que os inspiram a
levar em conta e a simpatizar com as necessidades de outras pessoas, mesmo quando estas
competem com suas próprias necessidades individuais. Contudo, no nível social e político,
esses sentimentos de benevolência e boa vontade jamais serão puros o suficiente para criar
uma sociedade verdadeiramente justa – ou seja, a utopia social implícita ou explicitamente
esperada por todos os moralistas religiosos e intelectuais. De acordo com Niebuhr, essa é a
razão por que toda cooperação social em escala maior do que o grupo social mais achegado
requer certa medida de coerção. Esse fator coercitivo da vida social e política às vezes pode
ser dissimulado, tornando-se manifesto apenas em tempos de crise, mas nunca deixa de
existir. O efeito dessa coerção é ambíguo. Por um lado, os grupos sociais são incapazes de
transcender os próprios interesses o suficiente para perceber os interesses dos outros tão
claramente como percebem os seus. Consequentemente, é necessária uma força coercitiva, a
qual desempenha um papel importante no processo de coesão social que permite a paz dentro
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de uma dada sociedade. Por outro lado, a mesma força coercitiva que garante a paz também
produz, na maioria das vezes, a injustiça.
Para Niebuhr, qualquer tipo de poder social significativo desenvolve a desigualdade
social. Como é impossível explicar o grau de desigualdade criado pelas sociedades mais
complexas, devido à crescente concentração do poder, surge a necessidade de uma
justificação social. Os seres humanos tendem a “[...] criar interpretações românticas e morais
para os fatos reais, preferindo obscurecer e não revelar o verdadeiro caráter de seu
comportamento coletivo.” (NIEBUHR, 1960, p. 9). Essa hipocrisia social tenta esconder o
fato de que a desproporção do poder em uma sociedade complexa perpetua a injustiça social.
Mesmo na democracia moderna, crenças e instituições jamais se divorciaram completamente
dos interesses das classes comerciais. A diferença em relação a outras épocas é que agora foi
“[...] o poder econômico, e não o político e militar, [que] se tornou uma significativa força
coercitiva da sociedade moderna.” (NIEBUHR, 1960, p. 15).
De acordo com Niebuhr (1960, p. 18), todo grupo social tende a desenvolver ambições
imperiais. O instinto de sobrevivência gera um desejo de expansão. “A vontade de viver se
torna vontade de poder.” Esta é a causa principal das guerras modernas. Niebuhr acredita que
a sociedade se encontra em um estado de guerra permanente. Internamente, sacrifica-se a
justiça para se obter a paz; externamente, as mesmas forças que advogam uma paz interna
injusta se tornam os promotores da guerra contra as outras nações. Esse conflito tende a
permanecer até o fim da história, pois “[...] a sociedade provavelmente nunca será inteligente
o suficiente para colocar todo o poder sob seu controle.” (NIEBUHR, 1960, p. 20).
Conseqüentemente, o sonho de paz e fraternidade perpétuas para a sociedade humana é um
sonho do qual apenas podemos nos aproximar, mas jamais realizar completamente. Em
virtude disso, Niebuhr defende um objetivo mais modesto para a sociedade: em vez de tentar
se tornar uma sociedade ideal, ser uma sociedade na qual “[...] haja justiça suficiente, e em
que a coerção seja suficientemente não-violenta para evitar que o empreendimento [humano]
comum se torne um desastre completo.” (NIEBUHR, 1960, p. 22).
O poder é um conceito crucial na Ética Social de Niebuhr. Está presente em todas as
relações de grupo; não pode ser negligenciado; e é visto como uma força potencialmente
destrutiva, que sempre impedirá a humanidade de realizar o sonho utópico de conviver em um
mundo onde a paz e a justiça reine conjuntamente. Para Niebuhr, o máximo que se pode
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esperar é que a sociedade chegue a um equilíbrio de poder, em que um poder controle o outro,
a fim de se evitar os abusos de um poder descontrolado.
Amor e justiça
O último tema niebuhriano que quero explorar aqui é a relação entre justiça e amor. A
visão niebuhriana de justiça não pode ser compreendida à parte de seu entendimento sobre o
amor. Niebuhr vê o amor como a norma primária e “[...] a motivação suprema no processo de
fazer um julgamento ético sobre o mundo [...]” (NIEBUHR apud NOH, 1983, p. 1), enquanto
a justiça é a norma intermediária ou penúltima para a tomada de decisões éticas. Embora não
ache que os cristãos devam abandonar o ideal da lei do amor, Niebuhr acredita que no mundo
real somente a lei da justiça pode regular a predominância dos interesses próprios nas relações
coletivas da humanidade.
Niebuhr acusa a cristandade americana de irrelevância diante dos problemas de justiça
social, exatamente “[...] porque ela insiste em apresentar a lei do amor como uma solução
simples para todo problema coletivo.” (NIEBUHR, 1992, p. 25). Essa acusação foi dirigida
mais diretamente para os defensores do Evangelho Social, os quais acreditavam que “[...] os
cristãos deveriam praticar a lei do amor não só nos relacionamentos pessoais, mas também
nas relações coletivas da humanidade.” (NIEBUHR, 1992, p. 25). Para Niebuhr, o amor não
pode servir como mediador das relações entre grupos sociais diferentes. Conforme ele diz,
“[...] nações, classes e raças não amam umas às outras.” (NIEBUHR, 1992, p. 25). O máximo
que se pode esperar delas é “[...] um elevado senso de compromisso recíproco.” Esse senso de
compromisso se expressará em forma de justiça, que significa, aqui, “[...] o desejo de
conceder a cada um o que lhe é devido.” (NIEBUHR, 1992, p. 25) Por causa dessa ênfase
equivocada no amor, em vez de uma ênfase na justiça, os cristãos tendem a substituir a justiça
pela filantropia, em sua vida social. Entretanto, Niebuhr afirma:
O amor em forma de filantropia está [...] em um nível mais baixo que uma
forma elevada de justiça. Porque a filantropia é concedida àqueles que não
fazem nenhuma queixa contra nós, que não desafiam nossa bondade e
abnegação [...] Um ato de justiça, por outro lado, requer o humilde
reconhecimento de que a queixa feita contra nós pode ser legítima.
(NIEBUHR, 1992, p. 26).10
De acordo com Niebuhr, o grande equívoco de defensores do Evangelho Social tais
como Walter Rauschenbusch foi a tentativa de desenvolver “[...] uma Ética Social adequada
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para a reconstrução da sociedade a partir do ensino social de Jesus [...].” (NIEBUHR, 1992,
32). Para ele, a ética de Jesus era mais uma ética pessoal do que social.11 Niebuhr afirma que
Jesus não se preocupou muito com questões sociais e políticas. Ele recusou o papel de líder
político e resistiu quando tentaram fazê-lo rei. Jesus não demonstrou interesse pela aspiração
do povo judeu de se libertar de Roma, e evitou cuidadosamente tomar partido naquele
problema político. Ele não questionou instituições sócio-políticas tais como a monarquia e a
escravidão. Seu ideal ético, centrado na vida individual, “[...] foi de completa abnegação
religiosamente motivada.” (NIEBUHR, 1992, p. 30, 31). Para Niebuhr, a ênfase na pura
abnegação, com ações resultantes puramente de motivação religiosa, coloca a ética de Jesus
acima da área da Ética Social.
A ética de Jesus é uma ética do amor perfeito, diz Niebuhr, que “[...] nem podemos
repudiar nem cumprir perfeitamente.” (NIEBUHR, 1992, p. 32). Seu ideal ético é impossível
de alcançar devido ao poderoso impulso da vida para o interesse próprio, mas não se pode
renunciar a ele completamente. Esse ideal tem um lugar como “[...] um ideal que condena
toda realização moral como imperfeita, porém está sempre um pouco além do domínio da
história humana real.” (NIEBUHR, 1992, p. 32). Niebuhr chama essa ética do perfeito amor
de “[...] uma possibilidade impossível.” (NIEBUHR, 1992, p. 109). É um ideal inalcançável,
mas muito útil, pois fornece um padrão absoluto pelo qual se pode julgar tanto a justiça
pessoal como a social (NIEBUHR, 1992, p. 33).12
Aqui reside o elemento de esperança no pensamento de Niebuhr. O amor, como um
ideal ético impossível, funciona como motivação para os seres humanos alcançarem um nível
de justiça que se aproxime do ideal.13 O amor não é posto de lado por causa da justiça. Pelo
contrário, o amor deve estar presente na prática da justiça, devido à imperfeição e limitação da
justiça que os seres humanos são capazes de realizar na sociedade. Como Niebuhr coloca,
“Justiça [...] que é apenas justiça não é justiça. Somente a justiça construtiva, ou seja, o amor
que começa esposando os direitos do outro e não os seus, pode realizar uma pequena porção
de equidade.” (NIEBUHR, 1992, p. 32).
A relação entre amor e justiça é complexa, paradoxal e dialética. “O amor é tanto
cumprimento como negação de todas as realizações de justiça na história.” (NIEBUHR, 1996,
p. 246). Por um lado, ela indica que as possibilidades de realização da justiça na história
podem “[...] surgir em certa medida para encontrar seu cumprimento em um amor e uma
fraternidade mais perfeitos.” Por outro lado, ela testifica que “[...] cada nível de realização
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também contém elementos que se colocam em contradição com o perfeito amor.”
(NIEBUHR, 1996, p. 246). Assim, a harmonia mais perfeita que se pode atingir dentro das
condições criadas pelo egoísmo humano é aquela que se realiza através da justiça, que é
apenas uma aproximação do ideal mais perfeito do amor e da fraternidade.
Niebuhr acredita que existem alguns princípios universais pelos quais se orienta a
formulação de regras e sistemas específicos de justiça. Trata-se dos princípios de igualdade e
liberdade – ou princípio democrático. A recorrência desses princípios na teoria social – do
estoicismo às teorias modernas – é uma evidência de que os seres humanos não utilizam
teorias sociais simplesmente para racionalizar seus próprios interesses. Niebuhr descreve o
princípio de igualdade, por exemplo, como o ápice do ideal de justiça, o qual aponta para o
amor como a norma decisiva da justiça – porque a realização de uma “[...] justiça igualitária
aproxima-se da fraternidade sob as condições do pecado.” (NIEBUHR, 1996, p. 254). Ele
compreende a evolução para níveis mais elevados de justiça sempre como um movimento
rumo a uma justiça mais igualitária. Contudo, a despeito de sua validade e universalidade
geral, esses princípios de justiça não podem ser aplicados na história como princípios
absolutos, pois até mesmo eles, num determinado conflito social, são ideologicamente
corrompidos.
A função desses princípios de justiça é servir de referencial para conter as injustiças no
exercício do poder político. Entretanto, a justiça social exige mais do que o reconhecimento
desses princípios. Como se percebe na discussão anterior sobre o poder, Niebuhr acredita que
uma grande desproporção de poder conduz à injustiça, qualquer que seja o esforço para
mitigá-la. Portanto, a justiça também exige a organização e o equilíbrio do poder. De fato, o
equilíbrio do poder é o mais elevado nível de justiça alcançável na história. Na situação atual
em que a humanidade vive, “[...] vontades procuram dominar vontades [...] interesses entram
em conflito com interesses e dessa forma as relações de dependência mútua são destruídas.”
(NIEBUHR, 1996, p. 265). Deste modo, a melhor maneira de evitar a dominação de uma vida
por outra é através de “[...] um equilíbrio de poderes e forças vitais, de modo que a fraqueza
não provoque a escravização pelo mais forte.” (NIEBUHR, 1996, p. 265). Todavia, alcançar o
equilíbrio de poder não é o mesmo que viver em uma fraternidade utópica. É simplesmente
um caminho possível para se limitar o impulso imperialista de uma classe ou grupo dentro da
comunidade (NIEBUHR, 1996, p. 267).
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Após apresentar esse panorama da discussão de Niebuhr acerca de três importantes
tópicos que dominam os seus esforços intelectuais, passarei agora a ver de que forma os
principais teólogos latino-americanos da libertação abordam esses temas. Acredito que isso
nos dará uma visão mais clara dos pontos de convergência e de divergência entre esses dois
notórios tipos de teologias cristãs.
A Teologia da Libertação e sua compreensão de pecado, poder, amor e justiça
Se, ao tratar do Realismo Cristão, pode-se enfocar, como representante de todo o
movimento, uma figura central como Reinhold Niebuhr, no caso da Teologia da Libertação é
quase impossível fazer tal coisa. Primeiramente, e acima de tudo, é necessário especificar de
que Teologia da Libertação se está falando, uma vez que é amplamente reconhecido que não
há apenas uma, mas muitas teologias da libertação – por exemplo, existe a Teologia LatinoAmericana da Libertação, a teologia feminista da libertação, a teologia negra da libertação, a
teologia asiática da libertação, e assim por diante. Aqui, estou enfocando a Teologia LatinoAmericana da Libertação.
No entanto, mesmo na América Latina, a despeito dos pontos comuns no método e no
discurso dos diversos teólogos, há vários teólogos da libertação importantes que são escritores
prolíficos, e cada um enfatiza tópicos diferentes em suas obras.14 Qualquer um deles pode
muito bem representar a Teologia Latino-Americana da Libertação em um diálogo com o
Realismo Cristão, porém nenhum deles poderia com justiça ser escolhido para representar a
visão da Teologia da Libertação sobre os tópicos propostos neste ensaio, devido a suas
diferentes e variadas abordagens, ênfases e preocupações. Uma vez que decidi desenvolver
esse diálogo com base em três tópicos dominantes da obra de Niebuhr,15 nesta seção engajarei
diferentes teólogos da libertação, de acordo com o que tem sido escrito na América Latina
sobre cada um dos três tópicos já mencionados.
Raízes sócio-históricas da Teologia Latino-Americana da Libertação
A Teologia Latino-Americana da Libertação pode ser vista como um subproduto da
crescente desilusão que tomou conta do coração da maioria dos latino-americanos no início
dos anos sessenta. Nos anos cinqüenta, a situação da América Latina foi marcada por um “[...]
grande otimismo acerca das possibilidades de realização de um desenvolvimento econômico
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auto-sustentado.” (GUTIERREZ, 1990, p. 180). Esse período ficou conhecido como a década
do desenvolvimentismo. Entretanto, o termo desenvolvimento cairia em descrédito na década
seguinte, a despeito de haver sintetizado as aspirações de muitos latino-americanos nos anos
cinquenta.
Como afirma Gustavo Gutierrez (1986), o vocábulo desenvolvimento tornou-se um
termo pejorativo na América Latina, “[...] tanto em função das deficiências das políticas de
desenvolvimento propostas para os países pobres a fim de retirá-los de seu
subdesenvolvimento, como também pela falta de realizações concretas por parte dos governos
interessados.” (GUTIERREZ, 1986, p. 26). O povo latino-americano percebeu que o
desenvolvimentismo nada mais era que um sinônimo de medidas tímidas para a reforma e
modernização da sociedade, ineficientes a longo prazo e incapazes de realizar a verdadeira
transformação. Ao mesmo tempo, começou-se a perceber que parte do subdesenvolvimento
da região era conseqüência do desenvolvimento de outros países. Em outras palavras, era
resultado direto “[...] do tipo de relacionamento existente entre os países ricos e os países
pobres.” (GUTIERREZ, 1986, p. 26).16 Uma vez que as tentativas de introdução de mudanças
na ordem estabelecida fracassaram em realizar qualquer transformação significativa, o povo
desses países pobres percebeu que era mais adequado falar de um processo de libertação que
pudesse atacar as raízes dos problemas enfrentados. Entre outros problemas, o mais grave era
a dependência econômica, social, política e cultural, que representava a dominação de certas
classes sociais sobre outras.
O termo libertação foi considerado mais significativo para o contexto latino-americano,
e expressou “[...] o inevitável momento de transformação radical, estranho ao uso comum do
termo desenvolvimento.” (GUTIERREZ, 1986, p. 27).17Libertação, para Gutierrez, implica
uma ruptura radical com o status quo, ou seja,
[...] uma transformação profunda do sistema de propriedade privada, o
acesso ao poder para as classes exploradas e uma revolução social que
romperia com essa dependência [em relação aos países pobres, e] permitiria
a mudança para uma nova sociedade, uma sociedade socialista.
(GUTIERREZ, 1986, p. 26, 27).18
No pensamento liberacionista, os seres humanos não são vistos como seres sujeitos a
alguma forma de destino, mas como senhores de seu próprio destino. Enfatiza-se a capacidade
humana de transformar a sociedade, encarando-se a conquista da verdadeira liberdade como
força diretriz e meta final da história.
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Esse tipo de raciocínio não é exclusivo dos teólogos da libertação, na América Latina.
Antes do surgimento da Teologia da Libertação, outros intelectuais – tais como Paulo Freire,
com sua Pedagogia do Oprimido, e o próprio Fernando Henrique Cardoso, com sua teoria da
dependência, entre outros – prepararam o caminho que seria trilhado pelos teólogos da
libertação. O elemento distintivo trazido pela Teologia da Libertação não é o uso do
marxismo como instrumental analítico de leitura da realidade da sociedade latino-americana,
e sim o emprego tanto da Bíblia como da tradição cristã para fornecer uma linguagem
teológica para a interpretação dessa realidade. A leitura da Bíblia da perspectiva dos
oprimidos reforçou a adoção, por parte da Teologia Latino-Americana da Libertação, de uma
opção preferencial pelos pobres.19
Gutierrez fala de três níveis no desenrolar do processo de libertação como um todo:
Em primeiro lugar, libertação expressa a aspiração dos povos e classes
sociais oprimidos, enfatizando o aspecto conflitivo dos processos
econômicos, sociais e políticos que os coloca contra as nações ricas e as
classes opressoras [...] Em um nível mais profundo, o termo libertação pode
ser empregado como uma compreensão da história. O homem é visto
assumindo uma responsabilidade consciente pelo seu próprio destino [...] A
conquista gradual da verdadeira liberdade conduz à criação de um novo
homem e a uma sociedade qualitativamente diferente [...] Finalmente [...] a
palavra libertação permite outra abordagem em direção às fontes bíblicas
que inspiram a presença e a ação do homem na história. Na Bíblia, Cristo é
apresentado como alguém que nos traz libertação. Cristo, o Salvador, liberta
o homem do pecado, raiz absoluta de todo rompimento de amizade e de toda
injustiça e opressão. Cristo torna o homem verdadeiramente livre, quer dizer,
Ele capacita o homem a viver em comunhão com Deus; e esta é a base de
toda fraternidade humana. (GUTIERREZ, 1986, p. 36, 37).20
A Teologia Latino-Americana da Libertação encara com seriedade todos esses níveis
do processo de libertação e os coloca em conversação dialética. Isso faz com que se possa
atentar para a realidade das lutas sociais dos desfavorecidos, para a própria história (a partir
de baixo) e para os insights que vêm da Bíblia e trazem esperança àqueles que precisam de
libertação.
Já que a Teologia da Libertação tenta levar em consideração todos os fatores que
compõem a realidade dos pobres e oprimidos, pode-se dizer que ela é uma teologia realista.
Leonardo e Clodovis Boff começam um livro chamado Introdução à Teologia da Libertação
com a descrição de três cenas escandalosas, as quais retratam as experiências que eles e outros
sacerdotes tiveram com pessoas morrendo de fome no nordeste do Brasil, uma das regiões
mais afetadas pela fome em todo o mundo (BOFF, L.; BOFF, C., 1987, p. 1, 2). Após
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descrever os três terríveis cenários de fome, os autores afirmam que o ponto de partida da
Teologia da Libertação é exatamente “[...] a percepção de escândalos tais como esses que
foram descritos [...] que não existem apenas na América Latina, mas por todo o Terceiro
Mundo”. (BOFF, L.; BOFF, C., 1987, p. 2).21 Baseados em estimativas “conservadoras”, eles
afirmam que a Teologia da Libertação se preocupa com os cinco milhões de pessoas que estão
literalmente morrendo de fome no mundo, um bilhão que vive em pobreza absoluta – e que,
além disso, sequer têm acesso à assistência médica mais básica – os quinhentos milhões com
renda per capita inferior a 150 dólares por ano, os oitocentos milhões de analfabetos e os dois
bilhões sem suprimento regular e confiável de água.
Esta é a realidade a partir da qual a Teologia Latino-Americana da Libertação reflete.
Seu ponto de partida, então, deve ser a “com-paixão”, “sofrer com” os oprimidos. Os irmãos
Boff afirmam que, sem um mínimo de “[...] sofrimento com esse sofrimento que afeta a
grande maioria dos seres humanos, a Teologia da Libertação não pode existir nem ser
compreendida”. (BOFF, L.; BOFF, C., 1987, p. 3). Há um “ambiente vital”, uma realidade
que todos os teólogos latino-americanos da libertação levam em consideração quando
desenvolvem todos os temas importantes de sua teologia (SOBRINO, 2000, p. 153-170).
Jurgen Moltmann afirmou que o seu contato com a Teologia Latino-Americana da Libertação
mostrou-lhe que “[...] toda boa teologia cristã sabe em que contexto, em que kairós, em que
comunidade deve estar situada.” (MOLTMANN, 2000, p. 227).
E mais, a Teologia da Libertação não só transmite uma percepção da realidade
específica de opressão e pobreza, mas também um compromisso forte e vívido com aquela
realidade, isto é, o estabelecimento de “[...] um elo vivo com uma prática viva.” Em
consequência, metodologicamente falando, somente depois que se é capaz de “fazer”
libertação é que se pode fazer teologia (BOFF, L.; BOFF, C., 1987, p. 22).22 Esta é a razão
por que a maioria dos teólogos da libertação define a teologia como uma “[...] reflexão crítica
sobre a práxis da libertação.” (OLIVEROS, 1993, p. 12). Com toda essa informação de fundo
em mente, que nos mostra o Realismo Cristão da teologia latino americana da libertação,
gostaria de entrar na discussão de como os teólogos da libertação têm abordado os temas que
discuti na primeira parte deste ensaio, quais sejam, pecado, poder e a relação entre amor e
justiça.
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Conceito de pecado na Teologia Latino-Americana da Libertação
Em Teologia da Libertação, Gustavo Gutierrez define o pecado como “[...] a raiz
última de todo rompimento de amizade e de toda injustiça e opressão.” (GUTIERREZ, 1986,
p. 37). Ao afirmar que o pecado é a causa absoluta da pobreza, injustiça e opressão, a
Teologia Latino-Americana da Libertação mostra que não está preocupada apenas com os
motivos estruturais que produzem essas situações, mas também com uma vontade pessoal ou
coletiva que está por trás de toda estrutura injusta, algo definido como “[...] uma disposição
para a rejeição de Deus e do próximo.” (GUTIERREZ, 1986, p. 35). Aqui, mais uma vez, a
Teologia da Libertação vai além do marxismo. Ela não pode ser acusada, ao lado do
marxismo, de reduzir a religião a uma ideologia de classes.
Para a Teologia da Libertação, o pecado é uma realidade histórica. Contudo, a
exemplo do próprio Niebuhr e do movimento do Evangelho Social, a Teologia LatinoAmericana da Libertação não considera o pecado como uma realidade meramente individual,
privada e interior. Pelo contrário, ela retrata o pecado em sua dimensão coletiva. O pecado é
“[...] um fato social e histórico, a ausência de fraternidade e amor nos relacionamentos
humanos, a quebra da amizade com Deus e com os outros homens e, portanto, uma fratura
interior, pessoal.” (GUTIERREZ, 1986, p. 75). O pecado nasce no interior dos seres humanos,
mas se torna visível e evidente nas estruturas opressoras, na exploração de seres humanos por
seu próximo, na dominação e escravização de povos, raças e classes sociais. Está na raiz de
toda injustiça e exploração e constitui a alienação fundamental da humanidade.
Há semelhanças e diferenças entre a abordagem ao pecado da Teologia da Libertação e
de Reinhold Niebuhr. Entre as semelhanças, pode-se incluir as seguintes: (1) não se nega a
realidade do pecado. O pecado é real e afeta toda a humanidade; (2) o pecado oprime os seres
humanos como indivíduos e como coletividade, mas sua realidade e efeitos se vêem mais
claramente na dimensão social; (3) os seres humanos tendem a se utilizar de autodefesas para
disfarçar o seu pecado. Mentem para si mesmos e para os outros a fim de mascarar a realidade
de que são pecadores; e (4) o pecado é concebido como “[...] o mascarar da verdade pelo
egoísmo injusto.” (GONZALEZ FAUS ,1993, p. 533, 543, 535).
Todos esses argumentos coincidem com o conceito niebuhriano de pecado, e mostram
a existência de uma ampla base de contato entre essas duas escolas teológicas diferentes já
que, tal conceito como vimos mais cedo, é tão central para o pensamento de Niebuhr.
Entretanto, essas similaridades não devem ser usadas para esconder as diferenças existentes.
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No que diz respeito à noção de pecado, as principais diferenças entre o Realismo Cristão e a
Teologia da Libertação têm a ver com os contextos sociais aos quais cada corrente se dirige.
Já que – como mostrei antes – a Teologia Latino-Americana da Libertação defende
que o ponto de partida de sua reflexão teológica é a realidade dos pobres e oprimidos, há
algumas peculiaridades em seu entendimento do pecado – próprias desse contexto – que não
se pode esperar encontrar no contexto da teologia de Niebuhr, a qual se dirige principalmente
à realidade norte-americana e européia e às suas relações de poder. Uma dessas peculiaridades
é que, embora jamais neguem a pecaminosidade de todos os seres humanos, os teólogos da
libertação tendem a enfocar os pobres e oprimidos como vítimas do pecado estrutural, e não
como pecadores. Como tal, não precisam ser acusados por seu pecado; antes, precisam ser
libertos das estruturas pecaminosas que os vitimam. Como o diz muito bem José Comblin:
Alguns seres humanos merecem mais compaixão do que condenação.
Embora seja cometido por seres humanos, o pecado é cometido coletiva e
anonimamente; surge mais das estruturas estabelecidas do que da malícia
pessoal dos indivíduos. Isso não elimina a possibilidade da maldade
individual, porém o que é devido a essa maldade não se pode comparar com
a enorme massa de maus procedimentos das estruturas de dominação e
exploração, pelas quais os seres humanos são mais freqüentemente
manipulados do que manipuladores. O pecado é a afirmação de uma imensa
passividade humana, uma falta de liberdade. (COMBLIN, 1993 p. 528).
Dessa forma, a Teologia da Libertação se concentra nas “[...] estruturas opressivas que
são fruto da exploração e da injustiça.” Para a Teologia da Libertação, “[...] quando pecam, os
seres humanos criam estruturas de pecado que, por sua vez, fazem-nos pecar”. E é nessas
estruturas que “[...] os pecados da falta de solidariedade se cristalizam.” (GONZALEZ FAUS,
1993, p. 537).
O padre Oscar Romero definiu pecado social exatamente como “[...] a cristalização
dos egoísmos individuais em estruturas permanentes que mantêm esse pecado e exercem seu
poder sobre as grandes maiorias.” (GONZALEZ FAUS, 1993, p. 537).
Existindo em meio a essas maiorias que são vítimas do pecado estrutural, a Teologia
da Libertação considera como sua tarefa combater essas estruturas pecaminosas, ao invés de
enfatizar os pecados individuais. Isso não significa que os indivíduos não são
responsabilizados por seus pecados. Pelo contrário, significa que são tanto responsáveis como
vítimas do pecado. (GONZALEZ FAUS, 1993, p. 536).
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Segundo a Teologia da Libertação, o pecado edifica seu domínio sobre a passividade
humana. Em conseqüência, os seres humanos precisam tomar consciência dessa situação, bem
como ser capacitados a superar as estruturas de opressão e injustiça (FREIRE, 2000, p. 4369).23 Aqui, está a segunda maior diferença entre a Teologia da Libertação e o Realismo
Cristão no que diz respeito ao conceito de pecado. No pensamento liberacionista, o pecado
precisa ser superado, e isso pode ser feito. A Graça é o instrumento pelo qual as pessoas são
libertas do pecado. Para dizer a verdade, Niebuhr também descreve o papel da Graça em uma
linguagem muito semelhante. Ele vê a Graça como o poder de Deus em e sobre os seres
humanos, capacitando-os a se tornar aquilo que verdadeiramente deveriam ser. Niebuhr
afirma que a Graça é sinônimo do dom do Espírito Santo, ou seja, o espírito de Deus que
habita nos seres humanos. Entretanto, Niebuhr afirma explicitamente que “[...] essa habitação
do Espírito jamais significa a anulação da identidade humana.” (NEIBUHR, 1943, p. 99). Em
outras palavras, a Graça não aniquila a natureza humana; nem acaba definitivamente com o
pecado. De acordo com Niebuhr, a vida e a história humana não podem aperfeiçoar a si
mesmas, e o pecado tem a ver exatamente com as tentativas malogradas de aperfeiçoá-las. É
esse senso de integralidade, além da imperfeição humana na história, que permite aos seres
humanos tomar consciência das limitações das possibilidades humanas e depender, pela fé, da
revelação do Bem para além dessas limitações.
A Teologia da Libertação, por outro lado, compreende a Graça como a solidariedade
de Deus com os pobres e oprimidos. Dessa forma, Graça “[...] é libertação do pecado e
realização da liberdade.” (COMBLIM, 1993, p. 528).
À semelhança de Niebuhr, os teólogos da libertação vêem alguma continuidade entre a
identidade humana e o Espírito de Deus. Contudo, essa continuidade é entendida
principalmente em termos da ligação entre ação de Deus e ação humana. De fato, a Graça, ou
seja, a ação de Deus, “[...] não destrói, suprime, diminui ou substitui nada na ação humana
[...] Pelo contrário, a presença da graça de Deus torna a ação humana mais completamente
humana, com mais iniciativa, mas espontaneidade, mais autonomia do que se a graça não
estivesse presente.” (GONZALEZ FAUS, 1993, p. 529).
A Graça entra na história humana e se manifesta na vida daqueles que sofrem. Está
oculta na história dos oprimidos, produzindo resistência, fé e esperança.
A despeito do entusiasmo inicial, a Teologia Latino-Americana da Libertação não pode
mais simplesmente ser acusada de utopismo. Seu conceito de pecado e de graça mostra isso.
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Os teólogos da libertação não esperam mais a queda definitiva de todos os sistemas de
dominação e opressão existentes no mundo. Pelo contrário, eles estão conscientes do fato de
que sempre haverá, na história humana, a luta contra estruturas malignas e pecaminosas de
opressão. Porém, sempre que os pobres adquirirem os seus direitos ou algum sistema
dominador específico ruir, haverá vitória na luta pela libertação. A justiça completa jamais
poderá se realizar na história, o que não significa que a luta pela justiça seja inútil. Como diz
Comblin (1993)
[...] a graça de Deus não é ineficaz [...]. Seus efeitos são perceptíveis mesmo
quando não realizam neste mundo o que está reservado para o fim dos
tempos. A graça não elimina os determinismos, a inércia ou o peso do
passado e das estruturas. Não obstante isso, a graça introduz um elemento
novo, uma força que reaviva a esperança dos oprimidos. (COMBLIM,
1993, p. 531).
Se o pecado é a negação da vontade de Deus para a humanidade, a graça é a sua
afirmação e a garantia de que Deus se coloca do lado daqueles que estão sendo impedidos –
pelas estruturas do pecado – de alcançar sua completa realização como seres humanos. Graça
é a ação libertadora de Deus na história, direcionada para a construção de uma nova
sociedade. (STONE, 1977, p. 184).24
O conceito de poder na Teologia da Libertação
Dificilmente se encontrará nos teólogos latino-americanos da libertação qualquer
abordagem sistemática sobre o poder. Em vez disso, eles parecem estar mais preocupados
com a realidade da impotência daqueles que experimentam a opressão, a exploração e a
injustiça. Contudo, isso não quer dizer que os teólogos da libertação não falem sobre poder.
Pelo contrário, seus escritos estão repletos de expressões relacionadas com poder, tais como
as referências freqüentes aos poderosos e aos fracos. Porque freqüentemente dividem a
sociedade entre pessoas que têm e pessoas que não têm poder, os teólogos da libertação
tendem a fazer uma abordagem ambígua ao poder e tendem a evitar qualquer conceituação
dessa palavra.
Um dos teólogos latino-americanos que aborda mais sistematicamente o tema do poder
é José Miguez Bonino. Seu conceito de poder é também o mais adequado para um diálogo
com a compreensão de poder em Niebuhr, por duas razões principais: primeiro, porque ele,
mais do que qualquer outro teólogo latino-americano da libertação, enfoca explicitamente o
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poder político. E segundo, por causa do uso que ele faz de sua herança protestante em um
diálogo respeitoso e amigável com a tradição católica romana. (SCHUBECK, 1993, p. 203).25
A ética política de Miguez Bonino coloca o Espírito Santo como “[...] o poder absoluto
que se dirige aos poderes terrenos e aos desamparados.” (SCHUBECK, 1993, p. 205). Ele
entende que o Espírito de Deus representa a presença ativa de Cristo no mundo, através da
qual o reino de Deus se manifesta. Em sua ética política, o reino funciona como o padrão
absoluto da verdade e da justiça, que julga os injustos e encoraja a todos a se comprometerem
com os pobres. Thomas Schubeck descreve o projeto de Miguez Bonino como uma busca
pelo desenvolvimento de “[...] uma ética que relaciona poder de Deus e poder político [...]
mostrando como o reino de Deus trata do poder dominante da elite e do poder subordinado
das massas.” (SCHUBECK, 1993, p. 205).
Como outros teólogos da libertação, Miguez Bonino (2001, p. 94) encara o poder de
forma ambivalente: “Como capacidade, o poder é a possibilidade de realização da esperança;
como restrição, o poder é a limitação dessa possibilidade.”26 Miguez Bonino se queixa
daqueles que mitificam o poder, elevando-o à categoria de uma entidade abstrata, e entende
que a primeira tarefa de uma ética política cristã é identificar e “localizar” o poder dentro de
relações políticas concretas. Em consequência, classifica o poder político em quatro diferentes
tipos concretos de relações sociais:
(1)O poder de afetar e controlar questões relativas a decisões econômicas, relacionado com a
posse e o controle dos meios de produção, do capital financeiro e do saber tecnológico
no sistema mundial de negócios;
(2) O poder de afetar e controlar em matéria de decisões políticas, que se refere à distribuição
dos mecanismos do estado e à habilidade de obter um certo consenso na sociedade;
(3) O poder de afetar e controlar um aparato ideológico, que significa a posse de uma
ideologia dominante, uma “construção da realidade” visível ou oculta como quadro de
referência;
(4) O poder de afetar e controlar a disposição da força, quer dizer, a habilidade de usar a força
física ou a coerção para compelir à obediência e restringir desvios (MIGUEZ BONINO,
2001, p. 94, 95).
Miguez Bonino afirma que, se alguém controlar todas essas quatro formas de poder,
terá o poder absoluto. Contudo, não é isso o que costuma acontecer nas sociedades modernas.
Existe tensão, equilíbrio, controle e consenso entre os vários setores da sociedade, e todos
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participam dessas relações (MIGUEZ BONINO, 1999, p. 25). O problema é como se deve
tomar parte nessas relações como cristão, tendo em vista os padrões de amor, justiça e paz do
reino de Deus. Para Miguez Bonino, (2001, p. 97) o caráter ambivalente do exercício de poder
pelos homens – cujos sinais históricos se vêem no absolutismo e na opressão – tem dificultado
aos cristãos saber como lidar com ele. Miguez Bonino (2001, p. 95, 96) afirma que a maioria
das Igrejas cristãs, quando lidou com questões de poder, “[...] oscilou entre os pólos da
rejeição absoluta e da submissão total – entre o culto da ausência de poder e a reivindicação
do exercício do poder absoluto.” De acordo com ele, os cristãos geralmente tiveram grande
dificuldade em fazer a relação entre poder político e poder de Deus. Aqueles que afirmam que
todo poder pertence a Deus tendem a inferir dessa afirmação uma teoria do poder da Igreja.
Por outro lado, os que são mais conscientes do demoníaco são frequentemente levados a uma
política de afastamento absoluto. Miguez Bonino propõe, então, uma ética teológica da
política que busca o equilíbrio no uso do poder político, ao sujeitar toda a questão do poder a
uma cuidadosa análise teológica.
Miguez Bonino, a exemplo de outros teólogos latino-americanos da libertação, não
tenta evitar a doutrina da onipotência de Deus. Todavia, ele evita fazer essa afirmação do
poder de Deus de forma abstrata. Antes, a idéia de que todo poder pertence a Deus é usada
para “[...] afirmar a confiança nos atos de libertação prometidos por Deus [...] [Deus] é o
poder que prevalece sobre o caos, que estabelece limites aos ataques violentos das forças de
destruição e assegura as condições necessárias para a vida e a prosperidade humana.”
(MIGUEZ BONINO, 2001, p. 95, 96). Assim, em seus traços positivos, o poder é definido
como poder de Deus, o que significa dizer:
A presença ativa [de Deus] – os ‘atos poderosos’ de libertação, proteção,
vingança ou punição, correspondendo à sua fidelidade ao seu povo e a toda a
humanidade. Em outras palavras: o poder de Deus é sua ‘justiça’ em ação –
em defesa dos fracos, julgamentos dos ímpios, proteção dos desamparados e
fortalecimento daqueles a quem Ele deu uma missão. (MIGUEZ BONINO,
2001, p. 95, 96).
Esse poder de Deus se afirma em meio ao conflito, em “[...] um mundo onde a injustiça,
a opressão e a arrogância são desmedidas [...]” sendo mediado por agentes humanos. Esses
agentes, que podem ser pessoas, povos, juízes ou reis, são “[...] habilitadas e comissionadas
para executar os justos juízos divinos de libertação e castigo.” (MIGUEZ BONINO, 2001, p.
97). Mas se, por um lado, o exercício humano do poder funciona como mediação do poder e
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da justiça de Deus na história, por outro lado, “[...] tende a se absolutizar e a negar a justiça.”
(MIGUEZ BONINO, 2001, p. 98). Nisto consiste a ambivalência do exercício humano do
poder. Ele tanto pode servir à justiça e à paz de Deus como pode negá-las. Para os detentores
do poder que se excedem e frustram a justiça, Deus retém sua própria autoridade de julgá-los
e derrotá-los dentro dos conflitos da história (SOBRINO, 1985, p. 292-299).27
Como se pode ver, o conceito de poder de Miguez Bonino assemelha-se à discussão de
Niebuhr sobre o tema em alguns pontos, principalmente quando lida com o poder político de
forma concreta e quando reconhece a ambigüidade humana no exercício do poder, buscando
assim o ideal do equilíbrio nesse exercício. Entretanto, uma vez que enfatiza uma intervenção
de Deus na história humana – noção essa que é estranha a Niebuhr – a fim de trazer esse
equilíbrio, Miguez Bonino apresenta uma solução diferente para a corrupção das estruturas de
poder. Assim, enquanto Niebuhr acentua a necessidade da busca de um maior equilíbrio de
poder dentro das estruturas sociais históricas, de modo que um poder possa controlar o outro,
mas não nos dá esperança de como isso possa acontecer concretamente, Miguez Bonino
aponta para Jesus Cristo, que de forma paradigmática desvendou a norma divina de justiça.
Através da ressurreição de Jesus, essa norma de justiça foi “[...] destinada a tornar-se o
verdadeiro futuro e o juízo inevitável de toda vida política.” (MIGUEZ BONINO, 2001, p.
99). Ambos, portanto, partem de uma realidade de ambigüidade no exercício humano do
poder, e ambos acreditam que a sociedade deve tentar ser tão justa quanto puder ser. Contudo,
parece que, mesmo sendo claramente consciente das limitações dos seres humanos para
realizar o padrão de justiça e paz previsto no paradigma do reino, Miguez Bonino é mais
esperançoso sobre os níveis de justiça que as sociedades humanas podem alcançar. Tal
esperança se baseia na convicção de que Deus, em Jesus Cristo, está agindo na história,
juntamente e em favor dos oprimidos e injustiçados, na criação de uma ordem mais justa
(MIGUEZ BOBINO, 1999, p. 26).28
Justiça, amor e Teologia da Libertação
Tanto a justiça como o amor são temas bem difundidos nos escritos da Teologia LatinoAmericana da Libertação. O que eu quero fazer aqui é decifrar o sentido desses termos para os
teólogos da libertação, explicar como eles se relacionam um com o outro e, finalmente,
comparar a visão da Teologia da Libertação sobre esses conceitos, com a compreensão que
Niebuhr teve deles.
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Como Robert McAfee Brown (1978, p. 90) destacou, a mensagem central da Bíblia,
para a maioria dos teólogos da libertação, pode ser expressa pela frase “[...] conhecer a Deus é
praticar a justiça.” Ao afirmar isso, os teólogos da libertação pretendem primeiramente dizer
que conhecer a Deus não significa “[...] se engajar numa piedade particular, ou aceitar certas
declarações ortodoxas, ou adorar corretamente.” Antes, significa “[...] praticar a justiça e o
direito, defender a causa dos pobres e necessitados.” (BROWN, 1978, p. 91). O mesmo tipo
de atitude definida acima como “praticar a justiça” algumas vezes poder ser descrita pelos
teólogos da libertação como um ato de amor. Camilo Torres, padre que se tornou
revolucionário na Colômbia, abandonou o exercício de seus deveres sacerdotais porque eles
se tornaram um obstáculo para o seu dever de amar aqueles que estavam tentando criar uma
ordem mais justa. A exemplo de Ernesto Che Guevara, ele compreendeu seu envolvimento no
movimento revolucionário armado como um ato de amor. Torres (apud BROWN, 1978, p.
93), afirmou: “Eu parei de celebrar a missa [a fim de] praticar o amor pelas pessoas nas
esferas temporal, econômica e social.”29 Assim, o amor e a justiça parecem estar intimamente
relacionados na práxis da libertação. No entanto, como esses termos são definidos pela
Teologia da Libertação?
Apesar do lugar central dado ao tema da justiça, os teólogos da libertação raramente o
abordam com alguma definição teórica prévia em mente. Pelo contrário, a fim de
compreender o que é a justiça e o que ela exige, a Teologia da Libertação começa pela
denúncia e condenação das “[…] graves e desmedidas injustiças na América Latina.”
(GUTIERREZ, 1986, p. 114).30 Esse fato não deveria surpreender ninguém, já que um dos
pilares da Teologia da Libertação é a afirmação de que a teologia não é “[...] um conjunto de
verdades atemporais,” e sim “[...] um tipo de reflexão sobre o que está acontecendo em
situações bem específicas.” (BROWN, 1979, p. 13).31
A Teologia da Libertação analisa a injustiça experimentada pelos oprimidos e define
essas injustiças através do uso de palavras como escravidão, humilhação, exploração e
pobreza, entre outras (LEBACQZ, 1987, p. 104). Tendo definido em termos concretos aquelas
situações de injustiça e opressão – que são compreendidas como “[...] fundamentalmente
injustas e desumanizadoras [...]” (GUTIERREZ, 1986, p. 174) – a Teologia da Libertação
estabelece como sua principal tarefa a oposição e a rejeição de tais injustiças. Em seguida, um
passo mais é dado. Os teólogos da libertação definem que a injustiça não é apenas uma
condição ou circunstância; pelo contrário, é estruturada, institucionalizada e sistematizada.
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Dessa forma, o próprio sistema que produz a injustiça é posto em questão (LEBACQZ, 1987,
p. 104).
Assim, a Teologia da Libertação está comprometida com a luta para abolir a injustiça,
construir uma nova sociedade, e livrar os oprimidos de todas as formas de exploração, a fim
de criar a possibilidade de uma vida mais humana e mais digna – ou seja, a criação de uma
nova humanidade (GUTIERREZ, 1986, p. 307). Do ponto de vista do pobre latino-americano,
isto é, do lado de baixo da história, opor-se à injustiça nas formas em que ela afeta aquele
contexto social significa opor-se ao sistema que a produz. A Teologia Latino-Americana da
Libertação, portanto, se opõe ao sistema capitalista moderno, especialmente nas formas
neocolonialista e neoliberal. Este sistema é combatido como uma totalidade que exclui e nega
a existência daqueles que vivem na periferia, nos países mais pobres, como “[...] outros[...]”
(DUSSEL, 1998, p. 231-239).32 Somente se pode alcançar a justiça se houver “[...] uma
negação da negação [...] ”, quer dizer, a transcendência dessa totalidade, permitindo que esses
“outros” apareçam e reivindiquem os seus direitos, isto é, a justiça (DUSSEL, 1998, p. 239).
Para a Teologia Latino-Americana da Libertação, justiça pressupõe, então, alguma liberdade
de escolha. As pessoas são vítimas da injustiça porque não têm alternativas. A violência do
sistema as força a capitular diante das situações de exploração, especialmente no que diz
respeito a condições de trabalhos duras e injustas. Mas essas pessoas não têm escolha: ou
aceitam aquela situação de exploração ou morrem de fome. Rubem Alves (1969) descreve
essa violência sistêmica que impede os pobres de ser livres e experimentar a justiça.
Essa violência contra os oprimidos é tudo aquilo que lhe nega um futuro,
tudo aquilo que aborta seu projeto de criar um novo amanhã; é o poder que o
mantém prisioneiro das estruturas sem futuro de um mundo sem futuro.
Violência é o poder da desfuturização, que luta para bloquear a consciência
humana para o futuro e o futuro para a consciência humana. Violência é o
poder que nega ao homem a possibilidade de exercer sua liberdade para si
mesmo, transformando-a em uma função do projeto do senhor [...] Assim, o
homem é des-historicizado, uma vez que se torna impotente para fazer
história. Torna-se um objeto que não cria, apenas reage aos estímulos que
lhe vêm de seu senhor. (ALVES, 1969, p. 111, 112).
À luz de tudo isso, a Teologia da Libertação define justiça como os atos de Deus na
história para libertar os oprimidos dessa violência institucionalizada. “Justiça é o que Deus faz
[...] ”, quer dizer, “[...] libertar e amar os pobres [...].” (LEBACQZ, 1986, p. 107). Por trás
dessa concepção de justiça, percebe-se que não há separação entre amor e justiça. “A justiça
de Deus é o amor ou a compaixão de Deus pelos que sofrem. O amor de Deus é a justiça de
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Deus ou a libertação dos oprimidos.” (LEBACQZ, 1986, p. 107). Não pode haver justiça sem
amor, pois a verdadeira justiça é “[...] o estabelecimento e a manutenção de relacionamentos
retos[...]”, e isso não pode acontecer sem amor. A Teologia Latino-Americana da Libertação
entende que sempre que a cristandade fez diferença entre uma coisa e outra, cometeu um
equívoco desastroso. Gutierrez (1996, p. 159-162) afirma que “[...] o dom gratuito do amor de
Deus nos convida a romper com o pecado, com a injustiça e a morte na América latina
contemporânea [...]”, e a nos posicionar em solidariedade com os pobres e despossuídos. De
acordo com ele, isto é amor, e este é o propósito de nossa liberdade.
Para Niebuhr, o amor é o ideal supremo que regula a justiça. Princípios de justiça tais
como liberdade e igualdade são, por outro lado, expressões do amor na sociedade, ou formas
que o amor assume na vida social. A Teologia da Libertação dá um passo a mais e diz que os
conceitos de amor e justiça podem se entrelaçar para designar os atos divinos de libertação na
história. Embora, usem linguagens diferentes, tanto Niebuhr como os teólogos latinoamericanos da libertação estão afirmando que valores como liberdade e igualdade devem estar
presentes na busca por uma sociedade mais justa.
CONCLUSÃO
Como se pode notar, Realismo Cristão e Teologia da Libertação não podem ser tratados
em termos de ou uma coisa ou outra. Essas correntes não são mutuamente exclusivas, mas
complementares: podem funcionar como boas parceiras na abordagem ética dos problemas de
nossa sociedade a partir de uma perspectiva teológica e contribuir para o desenvolvimento de
uma Ética Social que tenha o que dizer diante dos desafios que enfrentamos como cristãos no
mundo.
Tentei demonstrar que a Teologia Latino-Americana da Libertação pode ser
considerada como uma espécie de Realismo Cristão, uma vez que parte de uma análise da
realidade que a cerca. Toda a reflexão teológica na Teologia da Libertação nasce da realidade
vivida e experimentada pela maioria dos latino-americanos e do compromisso com essa
realidade. Toda situação em que opressão, pobreza e exploração estão constantemente
presentes é tida como fruto do pecado e do egoísmo.
O pecado é entendido principalmente numa perspectiva estrutural. Neste ponto, é
importante observar que falta à Teologia da Libertação uma análise mais profunda da origem
fundamental do pecado, para que pudesse aprofundar sua reflexão sobre o pecado estrutural.
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Aqui, Niebuhr poderia ser um recurso extremamente útil à Teologia da Libertação. Alguns
teólogos latino-americanos da libertação, como José Miguez Bonino e Rubem Alves parecem
ter mais consciência disso. Como observa Stone, Alves fez uso desse recurso, recorrendo a
Niebuhr “[...] para explicar em termos agostinianos como o poderoso orgulhosamente justifica
sua dominação egocêntrica através de racionalizações morais.” (STONE, 1977, p. 186).
A outra face da moeda é que a Teologia da Libertação é capaz de sustentar uma visão
mais otimista das possibilidades de realização humana na história, em comparação com o
Realismo Cristão, pois coloca uma ênfase especial na ressurreição de Cristo e no poder de
Deus para intervir na história humana e para se contrapor aos poderes de opressão e
destruição. Enquanto Niebuhr tem um conceito mais negativo acerca do poder, e adverte a
sociedade contra seus perigos, a abordagem da Teologia da Libertação é mais ambígua,
permitindo uma compreensão mais positiva da questão. Os teólogos da libertação têm
consciência do perigo representado pelo acúmulo de poder, porém, já que estão falando a
partir da realidade daqueles que foram vitimados pela opressão e dominação, eles sentem que
o principal tema que precisam abordar é como conferir poder aos sem-poder. Dessa forma,
colocam Deus como a fonte última do poder e da justiça, e como alguém ativo na história
humana, assumindo o lado dos oprimidos. Apesar das perspectivas diferentes sobre o poder,
não se pode dizer que as abordagens da Teologia da Libertação e do Realismo Cristão a esses
tópicos sejam incompatíveis. Niebuhr, dirigindo-se principalmente aos poderosos, alerta
contra os perigos do acúmulo de poder e insiste sobre a necessidade do equilíbrio, por causa
da justiça. Os teólogos da libertação também se interessam pelo equilíbrio de poder, mas da
perspectiva daqueles que não o têm. Assim, ao enfatizar o fortalecimento dos destituídos de
poder, a Teologia da Libertação também contribui para a criação de uma ordem mais justa. A
complementaridade dessas duas escolas de pensamento aqui é notória.
Finalmente, ambas as teorias preocupam-se seriamente com justiça social, a
democracia, igualdade e liberdade. Para Niebuhr, o amor é um padrão ideal, e a justiça é a
afirmação desse padrão nas relações sociais. Para a Teologia da Libertação, por outro lado,
amor e justiça coexistem e não podem ser compreendidos separadamente. A solidariedade
com os pobres é um ato de amor, e as lutas pela libertação, um ato de justiça. Neste ponto,
Niebuhr provavelmente poderia ajudar os teólogos da libertação a sair de suas expectativas
românticas iniciais sobre uma nova sociedade para a realidade da luta contínua por justiça,
pois a justiça jamais será completamente realizada na história. Como mostrei anteriormente,
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alguns teólogos latino-americanos da libertação, como Sobrino ou Miguez Bonino, têm feito
afirmações claras sobre os limites históricos da construção de uma sociedade justa. Isso
significa que, em suas três décadas de existência, a Teologia da Libertação amadureceu e fez
algumas modificações em seu romantismo inicial. Por outro lado, a Teologia da Libertação
mantém uma forte ênfase no reino de Deus – com sua tensão entre o “já” e o “ainda não”. Em
conseqüência, a Teologia Latino-Americana da Libertação alimenta mais esperança por um
futuro melhor do que o Realismo Cristão.
Por tudo isso, penso que o Realismo Cristão e a Teologia da Libertação podem ser
aliados no desenvolvimento de uma teologia pública mais ampla, que possa falar à nossa nova
situação internacional, caracterizada principalmente pelo fenômeno da globalização. Nas
poucas referências que encontramos em alguns dos escritos de Niebuhr sobre a América
Latina, há alguma evidência de que se ele tivesse vivido para ver o mundo pós-guerra fria,
provavelmente teria sido simpático aos esforços da Teologia Latino-Americana da Libertação
na sua luta por uma ordem mais justa, e perceberia que a mesma não poderia nem ser
confundida com a utopia liberal do evangelho social nem reduzida a um utopismo marxista.
Os teólogos da libertação ainda devem ser considerados uma nova voz, vinda das margens do
mundo e, como tal, devem ser vistos com seriedade como um entre outros fatores de nossa
leitura presente da “realidade.”
As Teologias da Libertação não são teologias fechadas e acabadas, mas, assim como o
próprio Niebuhr, que não queria ter seu pensamento acabado ou cristalizado numa forma
final, são teologias sempre se fazendo e refazendo e, dessa forma, podem ser transformadas,
melhoradas e reformuladas. O fim da guerra fria e da “época revolucionária” na América
latina não trouxe consigo o “atestado de óbito” da Teologia da Libertação. É verdade que
alguns dos paradigmas sobre os quais essa escola teológica se desenvolveu estão hoje
obsoletos. Entretanto, a situação de injustiça e opressão que os originou infelizmente ainda
está muito viva. Essa realidade ainda exige a presença profética de teologias públicas que
possam abordar os problemas estruturais da sociedade e lutar contra as causas que estão na
raiz do sofrimento e da destruição de milhões de seres humanos. Assim, à medida que se torna
mais madura, a Teologia da Libertação continua sendo relevante para a construção de relações
sociais mais justas no mundo. Entrando em conversação com o Realismo Cristão, a Teologia
Latino-Americana da Libertação pode passar a desenvolver metas mais modestas e realistas
para atingir, sem, contudo, perder de vista a realidade final do reino de Deus. Ela pode
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também refletir mais sobre as ambiguidades intrínsecas da natureza humana, e em especial do
uso do poder tanto por indivíduos como por qualquer coletividade. Assim, evitaria um
romanticismo que ao invés de conduzir à justiça, apenas transformaria oprimidos em
opressores, como muitas vezes tem acontecido na história humana.
Da mesma forma, a fim de poder ter algo de relevante a dizer para o resto do mundo, e
até para a nova realidade interna norte-americana, que precisa mais do que nunca de alguma
esperança, os novos simpatizantes do Realismo Cristão na América do Norte precisam se
abrir para reconhecer o valor de dialogar com as realidades do hemisfério sul de forma mais
séria. Seria necessário, portanto, a humildade de aceitar, por exemplo, que a ideologia do
mercado, hoje defendida ardorosamente por muitos desses scholars que se consideram
herdeiros do pensamento de Niebuhr, é um dos maiores responsáveis pelo desequilíbrio de
poder e, conseqüentemente, pela injustiça que se propaga no mundo atual, bem como a
humildade de aceitar a falibilidade e as limitações do seu próprio discurso, aproximando-se
mais, assim, da leitura que Niebuhr fez das contradições da natureza e do conhecimento
humano – manchado pelo pecado e sujeito a servir interesses espúrios. Para se aproximarem
mais do Realismo Cristão de Niebuhr, que visava levar em conta todos os fatores que
constituem uma determinada realidade, os seus atuais herdeiros ganhariam muito em ouvir a
leitura da realidade global feita por aqueles que a vêem a partir da América Latina, bem como
do restante do hemisfério sul. Isso evitaria que se fizesse com alguns importantes insights de
Niebuhr o que certos calvinistas-principalmente os representantes do puritanismo – fizeram
posteriormente com o pensamento de Calvino, ao interpretá-lo e reduzí-lo de tal forma que
terminaram por transformar o Calvinismo que adotaram numa caricatura quase irreconhecível
do pensamento teológico no qual pretendiam se inspirar.
NOTAS
1
Esse texto foi originalmente escrito em inglês e, no momento da sua elaboração, tinha em
mente primariamente uma audiência formada por estudantes estadunidenses no campo de
religião e sociedade. O texto original foi traduzido graciosamente e com muita competência
pelo querido colega Benedito Gomes Bezerra, doutorando pela UFPE e professor do
STBNB, a quem expresso publicamente todo meu apreço e gratidão. A versão em inglês do
mesmo apareceu no Koinonia Journal, do Princeton Theological Seminary.
2
Um dos maiores problemas enfrentados atualmente pela teologia não é necessariamente a
questão da secularização, mas, sim, a questão da privatização. As questões de fé e religião
são aceitas hoje como pertencentes à esfera privada. Portanto, suas reivindicações, denúncias
e verdades não são levadas a sério no ambiente público, e a teologia, como um sistema
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relegado a esta dimensão privada da vida, tem se tornado irrelevante para a vida pública—
aquela que diz respeito ao bem comum. Sendo assim, um dos maiores desafios éticos da
teologia contemporânea é descobrir como participar nas questões públicas, como fazer do
pensar teológico também um discurso relevante para a esfera pública. David Tracy e Richard
John Neuhaus são dois dos mais conhecidos teólogos que têm trabalhado essa questão, e que
têm desenvolvido um tipo de teologia que se tornou conhecida como ‘teologia pública.’ Para
eles o papel do teólogo é fazer com que a fé cristã supere a privatização, dirigindo-se a três
públicos: a Igreja, a academia e a sociedade. Esse tipo de esforço tem sido descrito pelo
sociólogo da religião José Casanova como sendo um processo de desprivatização da religião,
o qual respeita a diferenciação e a pluralidade do mundo moderno, mas ao mesmo tempo
mostra o valor da religião e da fé na renormatização moral das esferas públicas. Tanto o
Realismo Cristão de Niebuhr, como a Teologia Latino-Americana da Libertação podem ser
considerados exemplos de teologias públicas, como ficará claro no decorrer do texto, quando
virmos as preocupações públicas desses discursos teológicos.
3
Embora seja verdade que alguns norte-americanos simpatizantes do pensamento
liberacionista expressaram sua opinião sobre esse diálogo, parece que os próprios latinoamericanos ou perderam o interesse por ele ou não têm sido realmente ouvidos.
4
Isso não significa, todavia, que haja uma descontinuidade drástica no pensamento de Niebuhr
entre sua juventude e sua maturidade como pensador. Pelo contrário, acredito em um tipo de
continuidade marcada por um processo dinâmico de maturação em seu pensamento. Rubem
Alves acusa Sanders de não levar a sério as idéias de Niebuhr expostas em Moral Man and
Immoral Society. Foi esse tipo de negligência, de acordo com Alves, que levou Sanders a ser
tão avesso ao surgimento de uma Teologia Latino-Americana da Libertação. Entretanto, o
próprio Alves parece cair na mesma dicotomização do pensamento de Niebuhr, quando
rotula a última fase de seu pensamento de “ideologia do sistema”. Acredito que, para ser
justo com Niebuhr, é preciso vê-lo como uma única pessoa e, ao mesmo tempo, como
alguém cujas crenças principais sobre a natureza dos seres humanos evitaram que ele
cristalizasse seu próprio pensamento em uma forma final qualquer.
5
Uma das alternativas ao otimismo liberal rejeitado por Niebuhr era o que ele chamava de
“rebelião marxista” contra a cultura liberal. Para ele, a redenção prometida pelo evangelho
cristão através da morte perpétua do eu era superior tanto à redenção liberal “através do
crescimento e do desenvolvimento sem fim” como à redenção marxista “pela morte da
ordem antiga e surgimento da nova”.
6
Citado por Brown, (1986, p. 11). A mesma visão aparece em outros escritos, como se pode
verificar no seguinte trecho extraído de Beyond Tragedy, de Niebuhr: “A religião cristã, em
seus termos mais profundos, é uma fé no significado da existência, capaz de desafiar o caos
de qualquer momento, pois a base dessa crença não está em nenhuma realização do gênio
humano ou em qualquer conquista da atividade humana que surjam periodicamente,
impondo fardos e tentando os homens a depositarem confiança em suas próprias virtudes e
habilidades. O cristianismo crê em um Deus que criou o mundo e o redimirá […]. A base
dessa fé e esperança não reside, portanto, em algum incremento natural da virtude humana
ou em alguma realização final da inteligência humana. Em sua essência, portanto, o
cristianismo não é envolvido pelo caos e pela confusão quando ruem as estruturas impostas
do engenho humano, como inevitavelmente acontece e deve acontecer. O chaos da
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97
destruição não leva o cristianismo a um sentimento de confusão total. Ele sabe que “o
mundo passa e a sua concupiscência” e que a autodestruição em que os impérios do mundo
periodicamente se envolvem são apenas uma prova da imutabilidade das leis de Deus e do
poder de sua soberania, que os homens desafiam por sua conta e risco.” (Reinhold Niebuhr.
Beyond Tragedy, New York: Charles Scriber’s Sons, 1937, capítulo 6, extraído do site
http://www.religion-online.org.
7
É o que Niebuhr faz em Moral Man and Immoral Society (New York: Charles Scribner’s
Sons, 1960), em que ele, por exemplo, substitui o uso do termo pecado pelas expressões
egoísmo humano ou egoísmo.
8
É nesses mesmos termos que Langdon Gilkey define a maneira como Niebuhr entende
pecado. Para Niebuhr, (apud GILKEY, 2001, p. 103) pecado é “[...] a ansiosa tentativa de
escondermos nossa finitude, de nos tornarmos o centro de nossas próprias vidas e de, assim,
tomarmos o lugar de Deus.” Langdon Gilkey, On Niebuhr: a Theological Study. Chicago:
The University of Chicago Press, 2001, p. 103.
9
Ao encarar o orgulho como o pecado mais básico, Niebuhr argumenta que está defendendo
uma antiga tradição cristã. Ele cita Paulo, Tomás de Aquino, Lutero e Calvino para reforçar
seu argumento de que o orgulho constitui o centro da doutrina cristã do pecado. Ver Neibuhr
(1996, p. 187). Esse é um ponto que vai receber críticas não apenas da teologia latino
americana da libertação, mas também de outros segmentos como a black theology e as
teologias feministas, womanistas e mujeristas na América do Norte. Estas últimas vão
enfatizar que o orgulho pode servir como um conceito de definição de pecado para o
homem, especialmente o homem branco opressor. Mas não pode ser universalizado, pois no
caso de minorias oprimidas, especialmente no caso das mulheres, que têm sido
historicamente subjugadas pelo machismo dominante nas sociedades ocidentais, a ênfase
maior deveria inclusive ser posta no que Niebuhr define como o pecado da sensualidade—
com o qual ele pouco trabalha. Nesse sentido, pecado tem a ver com a negação e a anulação
da própria dignidade humana. Isso faria mais sentido para aqueles que precisam ser
emponderados a fim de desenvolver um pouco do orgulho próprio reprimido por uma
maioria opressora. Sendo assim, o pecado, do ponto de vista da mulher, deve ser visto mais
em termos da internalização da culpa, a qual gera paralisia psicológica e dependência
emocional. Tal crítica é extremamente válida, e serve para expandir e tornar mais complexa
a discussão do problema da natureza humana levantado por Niebuhr. No entanto, ela não
invalida ou anula a análise e a denúncia de Niebuhr quanto ao tipo de contradição
experimentada por aqueles que controlam e exercem o poder público. Afinal, vale lembrar,
que Niebuhr se define, antes de mais nada, como um eticista social. Desta forma, sua análise
da natureza humana deve ser vista como tendo, principalmente, dois propósitos: apontar as
causas das relações injustas que ele vê na esfera pública e mostrar como a fé cristã pode
contribuir para produzir uma sociedade e um mundo mais justos. Uma maior discussão desse
tópico a partir da perspectiva da mulher pode ser encontrada nos textos de pensadoras como
Christine Smith, Daphene Hampson, Valerie Saiving e Judith Plaskow. Em termos de
América Latina, ver GEBARA, Ivone. Out of the Depths: Women's Experience of Evil and
Salvation. Fortress Press, 2001.
10
Essa afirmação da superioridade da justiça em relação à filantropia como forma de amor não
significa que Niebuhr considere a lei da justiça superior à lei do amor. Pelo contrário, ele
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afirma claramente que a justiça é algo menor que o amor, e que a verdadeira justiça não
existe sem o amor. Ver Neibuhr, Love and Justice, 1992, p. 28. Desenvolverei esse tópico
adiante, nesta seção.
11
É muito difícil fazer essa distinção, uma vez que a interseção entre ética individual e social é
quase inexistente já que o comportamento de qualquer indivíduo é moralizado exatamente
nas suas relações sociais. Nesse sentido, claramente o ensino ético de Jesus, com sua ênsafe
no amor, tinha fortes implicações sociais e Niebuhr tinha consciência disso. Por isso, ele
deve ser entendido aqui como afirmando que a ética do amor, de Jesus, era uma ética
individual no sentido que seu principal foco estava na qualidade de vida de indivíduos e não
de grupos sociais. Ainda assim, tal interpretação é questionável, como pode-se ver na crítica
que Martin Luther King, Jr. faz a Niebuhr em seu livro Stride Toward Freedom (San
Francisco: Harper San Francisco, 1958, p. 96, 97). King conclui que Niebuhr se equivocou
na sua interpretação da ética de amor ensinada por Jesus, e que, em Gandhi, descobriu uma
interpretação mais ampla de como uma ética baseada no amor poderia contribuir para a
transformação social.
12
Reinhold Niebuhr, Love and Justice, p. 33. Em termos paradoxais, Niebuhr acentua, por um
lado, que a lei do amor, como uma impossibilidade para seres humanos finitos, e a falha em
reconhecer essa impossibilidade, só levam à desonestidade, à tirania e à idolatria. Por outro
lado, Niebuhr apresenta esse ideal de amor profundamente ético como o princípio absoluto
que irá demonstrar a imperfeição, inadequação e insuficiência de toda pretensão humana de
justiça. Ver o capítulo quarto de An Interpretation of Christian Ethics, p. 97-123.
13
Em seu ensaio “The Ethic of Jesus and the Social Problem”, Niebuhr afirma: “Uma
sociedade inteligente lutará constantemente para alcançar a meta de uma justiça mais
igualitária [...]”, Niebuhr, Love and Justice, p. 36.
14
Pode-se escolher, por exemplo, qualquer um dos seguintes teólogos, entre outros, como
representante da Teologia Latino-Americana da Libertação: Leonardo e Clodovis Boff,
Ivone Gebara, Rubem Alves, Enrique Dussel, José Miguez Bonino, João Batista Libanio,
Franz Hinkelammert, José Comblin, Juan Luis Segundo e Jon Sobrino.
15
Para mim, essa opção é mais lógica, pois a obra de Niebuhr constitui um corpus mais
definido, enquanto os principais teólogos latino-americanos da libertação estão vivos até
hoje e ainda continuam escrevendo. Além do que, tal opção não violenta a perspectiva da
Teologia Latino-Americana da Libertação, uma vez que esses também são tópicos muito
presentes, mesmo que nem sempre sistematizados, no pensamento de diversos teólogos
latino-americanos.
16
A teoria da dependência, que teve como um de seus maiores expoentes, nos anos sessenta, o
sociólogo Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente do Brasil), encarava o
subdesenvolvimento dos países latino-americanos não como um evento fortuito, mas como o
resultado final da dinâmica da economia capitalista, que estabelecia um centro e uma
periferia, gerando, assim, o progresso rápido e a riqueza crescente de poucos e a pobreza de
muitos. Ver Gutierrez, “The Process of Liberation in Latin America” (p. 182-184), para uma
breve descrição dessa teoria.
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17
Gutierrez não rejeita completamente o uso do termo desenvolvimento. Contudo, acredita que
somente no contexto do processo de libertação “[...] uma política de desenvolvimento pode
efetivamente ser implementada, adquirir um sentido real e evitar formulações equivocadas.”
18
Dessa forma, o termo libertação refere-se principalmente à libertação econômica, social e
política dos oprimidos.
19
Aqui há um movimento dialético. Por um lado, a opção pelos pobres afeta a leitura que se
faz da Bíblia. Por outro lado, contudo, a leitura da Bíblia fornece aos teólogos latinoamericanos da libertação uma nova perspectiva sobre os pobres e também sobre o mundo.
Para um maior detalhamento sobre como a leitura da Bíblia do ponto de vista dos oprimidos
oferece novos insights e perspectivas para a igreja, ver Robert McAfee Brown, Unexpected
News: Reading the Bible with Third World Eyes. Philadelphia: Westminster Press, 1984.
20
Para Gutierrez, há três níveis do mesmo processo de libertação. Nenhum deles pode ser
desprezado no verdadeiro pensamento liberacionista. Mantendo-se em mente esses três
níveis, evitam-se duas armadilhas: “[...] primeiro, as abordagens idealistas ou espiritualistas,
que nada mais são do que meios de evasão de uma realidade dura e exigente, e segundo,
análises superficiais e programas de curto alcance, iniciados sob o pretexto de atender a
necessidades imediatas.”
21
Esta é a razão por que o uso das ciências sociais como instrumento de análise social se
tornou algo tão vital para a Teologia da Libertação latino-americana.
22
Ortopráxis é mais importante do que ortodoxia, para a Teologia da Libertação. A teologia é
um segundo momento do processo de libertação. Clodovis Boff defende vigorosamente esse
argumento em outro livro, em que afirma: “Antes de ser uma confissão, ou uma afirmação
teórica, a fortiori, a transcendência da fé se relaciona com uma opção de vida, implicando
práticas correspondentes. Fé é primeiramente, e acima de tudo, embora não exclusivamente,
orthopraxis”. Clodovis Boff, Theology and Praxis: Epistemological Foundations.
Maryknoll, NY.: Orbis Books, 1987, p. 37.
23
Aqui se percebe claramente a influência de Paulo Freire. Para Freire, uma característica do
processo de opressão e desumanização dos oprimidos é a criação de uma cultura do silêncio
e da imobilização. Vivendo sob uma estrutura de dominação, os oprimidos tendem a
desenvolver certas características distorcidas, que tipificam uma situação de dualidade e
alienação. Algumas dessas características são: uma atitude fatalista em relação a sua
situação, violência horizontal, autodepreciação, dependência emocional e passividade. Os
oprimidos e explorados perdem a confiança em si mesmos e adquirem uma “[...] crença
difusa, mágica, na invulnerabilidade e no poder do opressor.” Assim, embora não ele utilize
o conceito de pecado em seus escritos, eu diria que, se Freire tivesse usado aquela
linguagem, ele conceberia o pecado como passividade, amor sádico ou autodepreciação.
Freire acredita que, para superar essa situação, os oprimidos precisam passar por uma
“conversão” profunda, que não deve ser vista como uma transformação instantânea de
percepção, mas como uma experiência pedagógica que os ajudará a assumir uma atitude
diferente em relação àquela situação. Ver Paulo Freire, Pedagogy of the Oppressed, 30th
anniversary edition. New York: Continuum, 2000, p. 43-69.
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24
Ronald Stone afirma que nesse aspecto a Teologia da Libertação é forte e o Realismo
Cristão é fraco. Para ele, “o realismo não enfatiza suficientemente as possibilidades de uma
nova humanidade em uma nova sociedade, e essas possibilidades são essenciais para evitar
que o pensamento político cristão se torne reacionário e defensivo”. Ver Ronald. H. Stone,
Realism and Hope, Washington, D.C.: University Press of America, 1977, p. 184.
25
Também é notável o fato de que Miguez Bonino não se deixa cair na armadilha de uma
abordagem simplista que apenas defende a necessidade de conferir poder aos pobres e, ao
mesmo tempo, critica os poderosos. Esse tipo de abordagem, que pode ser visto em vários
teólogos da libertação, não enfoca as ambigüidades e contradições que os cristãos têm que
enfrentar ao lidar com a questão do exercício humano do poder.
26
Nesse sentido, a abordagem de Miguez Bonino ao poder, ao passo que contrasta claramente
com a de Niebuhr, se aproxima mais da abordagem de Tillich, cuja influência sobre Miguez
Bonino é notória. Ver Paull Tillich, Love, Power and Justice. New York: Oxford University
Press, 1960, e José Miguez Bonino, Reading Tillich in Latin America: From Religious
Socialism to Exile, in Religion in the New Millennium: Theology in the Spirit of Paul Tillich,
edited by Raymond F. Bulman e Frederick J. ParrellaMacon, GA.: Mercer University Press,
2001, p.19-34.
27
Jon Sobrino, para quem Jesus dessacralizou todo poder político ao negar que ele fosse a
manifestação religiosa do poder de Deus, ressalta essa mesma ambivalência no conceito de
poder. Para ele, “o poder de Deus se refletia naqueles que pareciam fracos e impotentes”, de
acordo com Mt 6.28 e Lc 12.27. Sobrino enxerga uma tensão entre uma teologia política
profética e uma teologia política centrada no poder, tanto no Novo Testamento como na
história do Cristianismo. Essa tensão reflete a ambigüidade do poder. Ele conclui que o
poder é uma realidade necessária e inevitável, mas que será sempre ambígua. Para ele, a
ressurreição de Jesus permite o uso do poder em termos teológicos, mas não elimina essa
ambigüidade. O único jeito de fazer essa ambigüidade do poder desaparecer é encará-la em
termos do Jesus histórico. Jesus pode transformar o poder em verdade, quando alguém se
engaja em denúncia profética; e pode transformá-lo em amor, quando alguém “atende os
necessitados da sociedade e os seus companheiros seres humanos”. Contudo, em ambos os
casos, o poder não pode ser definido em termos abstratos. Ele “pode ser colocado no
contexto de uma situação história concreta”. Jon Sobrino, Christology at the Crossroads.
Maryknooll, NY.: Orbis Books, 1985, p. 292-299.
28
Em comparação com outros teólogos da libertação, Miguez Bonino é bastante moderado em
suas expectativas com respeito à realização da justiça e da paz de Deus na história. Ele
afirma claramente que a justiça e a paz que Deus deseja somente poderão ser alcançadas
plenamente no estabelecimento final do reino, isto é, na eternidade. Todavia, ele afirma que
temos o dever de buscar aqui e agora a justiça e a paz que mais se aproximem daquelas que
Deus espera. Neste aspecto, Miguez Bonino acredita que o cristão deve usar o poder como
um instrumento para alcançar aquele objetivo. Ver Miguez Bonino, Poder del Evangelio y
Poder Politico, p. 26.
29
Torres priorizou seus deveres revolucionários sobre os deveres sacerdotais, e compreendeu
essa decisão como um ato de amor pelo seu povo. Na realidade, na mesma passagem, ele
expressa o desejo de voltar a celebrar a missa, tão logo realizasse suas tarefas como
revolucionário. Entretanto, isso nunca ocorreu, pois ele foi morto em combate.
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30
Como disse Karen Lebacqz, “[...] consequentemente, a Teologia da Libertação apresenta,
em primeiro lugar, uma teoria da injustiça.” Ver Karen Lebacqz, Six Theories of Justice, p.
104.
31
De acordo com essa visão, o conteúdo específico da Teologia da Libertação é determinado
pelo contexto específico em que ela emerge.
32
Essa é uma referência à idéia de alteridade, hoje tão comum no pensamento latinoamericano da libertação, a qual foi introduzida principalmente por Enrique Dussel, que
reinterpretou o conceito de l’autre nas obras de Emmanuel Lévinas a partir de uma
perspectiva latino-americana. Para uma introdução ao pensamento de Lévinas, em português,
ver Márcio Luis Costa, Lévinas: Uma Introdução, traduzido por J. Thomaz Filho. Petrópolis:
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Artigo recebido em 01/10/2007 e aceito para publicação em 30/11/2008.
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