Terceirização de atividades de instituições financeiras
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Terceirização de atividades de instituições financeiras
TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho1 RESUMO: PALAVRAS-CHAVE: SUMÁRIO: 1 - INTRODUÇÃO No Brasil a palavra terceirização foi publicada pela primeira vez pela revista Exame da segunda quinzena de janeiro de 1991, em matéria que registrava a revolução ocorrida na Empresa gaúcha Riocell2. A prática que ela designa veio para o Brasil acompanhada de muita polêmica e foi enfocada, durante o período de 1988 até 1992, por sindicalistas, empresários, juristas e formadores de opinião em geral, como uma coisa boa ou ruim3. A terceirização, contudo, não é, por essência, nem uma coisa nem outra. Ela tem aspectos positivos e aspectos negativos. Poderá ser benéfica se bem empregada e ruim se mal utilizada. Como afirmaram Denise Fontanella, Eveline Tavares e Jerônimo Souto Leiria, “A terceirização é como uma faca, que tanto pode cortar o alimento para sustentar a vida, como pode matar vidas” 4. As principais vantagens apontadas pela doutrina para a terceirização são (1) ganhos de eficiência na operação do negócio central ou da missão da empresa; (2) transformação de custos fixos em custos variáveis; (3) redução de custos de forma direta (salários mais baixos) e indireta (encargos sociais reduzidos); (4) economias em treinamento; (5) economias de espaço físico; (6) enxugamento do quadro fixo e redução das despesas de sua administração; (7) transferência de tecnologias; (8) aumento da sinergia entre contratantes e contratada5. Cabe ainda acrescentar uma última vantagem por vezes esquecida pela doutrina. A de permitir um aumento na proporção e empresários para empregados, na medida em que possibilita que algumas pessoas que antes eram trabalhadores subordinados tornem-se pequenos empreendam criando empresas prestadoras de serviço. 1 Mestre e doutorando em Direito do Trabalho pela USP. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em diversos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado militante. 2 FONTANELLA, Denise et ali. O lado (des) humano da terceirização: o impacto da terceirização nas empresas, nas pessoas e como administra-lo. Salvador-BA: Casa a qualidade, 1995, p. 92. 3 FONTANELLA, Denise et ali. O lado (des) humano da terceirização: o impacto da terceirização nas empresas, nas pessoas e como administra-lo. Salvador-BA: Casa a qualidade, 1995, p. 93. 4 FONTANELLA, Denise et ali. O lado (des) humano da terceirização: o impacto da terceirização nas empresas, nas pessoas e como administra-lo. Salvador-BA: Casa a qualidade, 1995, p. 93. 5 PINTO, Sandra Souza. Terceirização e Qualidade de Serviços nas Empresas Estatais Paulistas. Tese de doutorado, Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (1995). Apud PASTORE, José. Trabalhar custa caro. São Paulo: LTr, 2007, p. 115. Dentre as desvantagens da terceirizam-se citam-se: (1) o aumento do número de fornecedores gera novos custos de administração; (2) torna-se mais difícil manter os padrões de qualidade das empresas contratantes; (3) torna-se difícil manter um clima de parceria quando trabalhadores de diferente formação e remuneração têm de trabalhar juntos; (4) aumenta-se a quantidade de retrabalho e de acidentes pessoais6. Jorge Luiz Souto Maior chega a afirmar que a terceirização, da forma como disciplinada n Brasil, significou uma espécie de “legalização” da redução dos salários e da piora das condições de trabalho dos empregados. Os trabalhadores deixam de ser considerados empregados das empresas onde há a efetiva execução dos serviços e passam a ser tratados como empregados da empresa que fornece mão-de-obra, com óbvia redução dos salários que lhes eram pagos, o que permite ainda, pondera Souto Maior, nova redução cada vez que se altere a empresa prestadora dos serviços, sem que haja, concretamente, solução de continuidade dos serviços executados pelos trabalhadores7. Há que se reconhecer, todavia, que situações há em que, a despeito dos malefícios que possa acarretar aos trabalhadores, a terceirização gera, inegavelmente, benefícios para os consumidores em geral. Um bom exemplo delas é a terceirização de atividades bancárias mediante o reconhecimento e a instituição dos chamados correspondentes. Estas empresas melhoraram o sistema de pagamentos brasileiros, reduziram filas em bancos e, desta maneira, tornaram mais dinâmica a circulação de capitais em nosso país. Isso, porém, não implica na conclusão de que essa descentralização de atividade seja legítima. Para se decidir pela licitude ou ilicitude desta prática é preciso, primeiramente, enfrentar questões como o papel do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil no sistema financeiro nacional; conceito de instituições financeiras; constitucionalidade e validade das normas elaboradas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil relativas ao sistema financeiro nacional. Somente aí se poderá afirmar se a terceirização dos serviços não privativos das instituições financeiras para os correspondentes bancários é ou não possível na atual sistemática do direito brasileiro, fim a que se propõe o presente trabalho. 2 – PAPEL DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL E DO BANCO CENTRAL DO BRASIL NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. Os bancos e as demais instituições financeiras, dada a relevância sócio-econômica da atividade que desempenham, sujeitam-se a regime particularmente rigoroso de controle estatal. Como toda forma de intervenção na atividade privada, este controle consiste em medida excepcional e que, portanto, precisa ser regulada por preceitos específicos. No ordenamento jurídico brasileiro, o sistema intervencionista estatal é estabelecido pela Lei 4.595/64, que estabelece “a Política e as Instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências”. O Sistema Financeiro por ela instituído tem como principais atores o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (BACEN). O Conselho Monetário Nacional é composto pelo ministro de Estado da Fazenda, na qualidade de seu presidente, pelo Ministro de Estado do Planejamento e Orçamento e pelo presidente do Banco do Brasil. Tem por competência “formular a política da moeda e do crédito como previsto nesta lei, objetivando o progresso econômico e social do País”8. Esta política deve buscar, por determinação legal, adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento; regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais; regular o valor externo da moeda e o equilíbrio no balanço de pagamento do País, tendo em vista a melhor utilização dos 6 PASTORE, José. Trabalhar custa caro. São Paulo: LTr, 2007, p. 115/116 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: a relação de emprego, volume II. São Paulo: LTr, 2008, p. 145. 7 8 Art. 2º, da Lei 4.595/64. 2 recursos em moeda estrangeira; orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, quer públicas, quer privadas; tendo em vista propiciar, nas diferentes regiões do País, condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional; propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de recursos; zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida pública, interna e externa9. O artigo 4º da Lei 4.595/64 cuida expressamente das atribuições do Conselho Monetário Nacional, entre as quais se realçam as tarefas de disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras; coordenar a política monetária com a de investimentos do Governo Federal; regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas à Lei 4.595/64, bem como a aplicação das penalidades previstas; determinar a percentagem máxima dos recursos que as instituições financeiras poderão emprestar a um mesmo cliente ou grupo de empresas; estipular índices e outras condições técnicas sobre encaixes, mobilizações e outras relações patrimoniais a serem observadas pelas instituições financeiras; expedir normas gerais de contabilidade e estatística a serem observadas pelas instituições financeiras; delimitar, com periodicidade não inferior a dois anos o capital mínimo das instituições financeiras privadas, levando em conta sua natureza, bem como a localização de suas sedes e agências ou filiais; determinar, sob diferentes formas, o recolhimento de parte dos depósitos ou de outros títulos contábeis das instituições financeiras; regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redesconto e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancária; disciplinar as atividades das Bolsas de Valores e dos corretores de fundos públicos. A partir do rol de atribuições apresentado percebe-se que as atribuições do Conselho Monetário Nacional se relacionam com o funcionamento das instituições financeiras e que atuam no mercado de capitais. Normas posteriores acrescentaram outras competências ao órgão, excepcionalmente não relacionadas propriamente com a disciplina da atividade bancária, tais como regular a atividade de arrendamento mercantil10 e regular o mercado de capitais11. O Banco Central, por sua vez, apresenta-se como autarquia federal, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, administrado por diretoria composta por nove membros, nomeados pelo Presidente da República, entre brasileiros de ilibada reputação e notória capacidade em assuntos econômico-financeiros. Segundo Nelson Abrão, de um modo geral, cabe-lhe “cumprir as prescrições e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional”12. Entre as suas competências, fixadas no art. 10 da Lei 4.595/64, incluem-se exercer o controle do crédito sob todas as suas formas; exercer a fiscalização das instituições financeiras; conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam funcionar no País, instalar ou transferir suas sedes ou dependências, ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas; praticar operações de câmbio, crédito real e venda habitual de títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal, ações e outros títulos de crédito ou mobiliários; ter prorrogados os prazos concedidos para funcionamento; estabelecer condições para a posse e para o exercício de quaisquer cargos de administração de instituições financeiras privadas, assim como para o exercício de quaisquer funções em órgãos consultivos, fiscais e semelhantes; efetuar, como instrumento de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos federais; determinar que as matrizes das instituições financeiras registrem os cadastros das firmas que operam com suas agências há mais de um ano; exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem. 9 Art. 3º da Lei 4.595/64. Cf. Lei n. 6.099/74, com redação dada pela Lei 7.132/83. 11 Cf. Lei 6.385/76. 10 12 Nelson Abrão, Direito bancário, São Paula, Saraiva, 2000, p. 35. 3 Do exposto percebe-se caber ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central, respectivamente, cuidar da competência regulamentar e da competência executiva e fiscalizatória em relação à atividade bancária. Não lhes cabe, por exemplo, interferir em atividades outras, como prestação de serviços de promoção de vendas e de exibição, divulgação e veiculação de materiais publicitários, gestão comercial etc. II – CONCEITO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. Demonstrado que as competências do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil limitam-se a regulamentar e fiscalizar as atividades das instituições financeiras, importa, ato contínuo, esclarecer quais tipos de empresa podem ser incluídas neste gênero. Segundo anota a doutrina especializada, o regime jurídico das instituições financeiras tem a tendência, nos vários sistemas legislativos, de ser elaborado em torno da definição de sua atividade privativa. É o que ocorre, por exemplo, no Brasil, nos Estados Unidos da América e na Inglaterra. Isto se deve ao fato de as instituições financeiras serem regulamentadas por conta da necessidade de proteção da poupança popular, sobre a qual têm enorme impacto potencial, ao amealhar e recolher recursos para aplicação. A tendência dos diversos sistemas é separar as atividades de intermediação de recursos consideradas sensíveis, e defini-las com a precisão necessária13. Em outras palavras, a definição precisa do que seja instituição financeira delimita a abrangência da proteção devida ao investidor pelo regime das instituições financeiras, permite a subordinação delas à regulamentação operacional específica que propicia ao Governo a possibilidade de influir na expansão ou contratação dos meios de pagamentos e implica restrição de acesso ao mercado, contida em requisitos de capitalização mínima e limites ao nível da atividade em função da capitalização. No Brasil, ao tempo do Código Comercial, definia-se, no art. 119, a figura do banqueiro, nos seguintes termos: “São considerados banqueiros os comerciantes que têm por profissão habitual do seu comércio as operações chamadas de Banco”. Atualmente a definição das instituições financeiras é dada pelo art. 17, da Lei 4.595/64 – definição em larga medida repetida, para efeitos penais, pelo art. 1º, da Lei n. 7.492/86 –, nos seguintes termos: “Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam quaisquer as atividades referidas neste artigo, de forma permanente e atual.” Como salienta Eduardo Salomão Neto, a definição legal de instituição financeira, acima transcrita – embora mais restrita do que a adotada pelo Código Comercial, verdadeira norma em branco –, é, ainda assim, demasiadamente ampla. Precisa, por conseguinte, ser interpretada adequadamente, sob pena de chegar-se a resultado despropositado. Isto porque, nos dias de hoje, empresas dos mais diversos ramos de atividade aplicam no mercado financeiro os recursos coletados através do exercício de sua atividade, emprestando-os, como forma de manter o valor e obter rentabilidade sobre seu capital de giro. Nem por isso faz sentido considerá-las instituições financeiras. Ademais, há empresas que coletam, intermedeiam ou aplicam fundos como atividades principais, sem que possam ser caracterizadas como instituições financeiras. É o caso, para citar exemplo expressivo, das administradoras de imóveis, que cobram aluguéis dos imóveis que administram, captando-os e 13 Eduardo Salomão Neto, Direito bancário, São Paulo, Atlas, 2007, p. 1. 4 repassando-os aos proprietários. Intuitivamente percebe-se não se mostrar razoável tratá-las como instituições financeiras14. No fundo, é preciso ter em conta que a captação de recursos, relevante para efeito de incidência do artigo 17 da Lei n. 4.595/64, é apenas aquela destinada à reaplicação dos valores, por meio de repasse financeiro. A jurisprudência há muito já se deu conta da correta linha interpretativa aplicável à hipótese, como mostra julgado do extinto Tribunal Federal de recursos, prolatado no início dos anos setenta, assim ementado: “...a realização de empréstimos, com meios próprios e sem captação de recursos de terceiros, não se pode equiparar às atividades das instituições financeiras, que consistem, como expresso no texto legal, na “coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros”. O traço característico das chamadas financeiras é a captação de recursos do público em geral para investimentos financeiros, cujos resultados são atribuídos aos respectivos subscritores” (TFR - 2ª T., HC n. 2.555-ES, Ac. de 9 de agosto de 1971). Em decisão mais recente, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região assentou: “Outro elemento intrínseco da atividade de instituição financeira é que ela não capta recurso de terceiros para si e sim para repassá-los a todos os seus clientes que desejam ou necessitam de crédito. Tomar recursos de terceiros, embora seja próprio de instituição financeira, não é privativo dela. Quando o empresário necessita de recursos de médio e longo prazos, dificilmente ele os obtém junto às instituições financeiras. Os Bancos captam recursos de curto prazo e, por isso mesmo, trabalham essencialmente com empréstimos de curto prazo. Seja por essa circunstância, seja porque o crédito bancário disponível é sempre insuficiente para a demanda de crédito, seja, ainda, pelo quase sempre elevado custo do dinheiro junto ao Sistema Bancário, o empresário se vê compelido, muito amiúde, a procurar recursos de terceiros, quer com a abertura do capital da empresa, que com a emissão de debêntures ou de commercial papers. Constituiria um equívoco verdadeiramente palmar, supor que o simples fato de coletar recursos de terceiros pudesse transformar a empresa, deles beneficiária – em instituição financeira. Da mesma forma, é igualmente inequívoco que a simples circunstância de os empresários aplicarem no mercado financeiro ou no mercado de capitais as disponibilidades de seu caixa, não só constitui, em princípio, um ato de boa gestão, como não terá o condão de enquadrá-los na condição de instituições financeiras. (TFR - 3ª Reg., HC n. 96.03.046651-4-SP, Rell Newton De Lucca)15 Para interpretar corretamente o conceito legal de instituição financeira é preciso, portanto, ter em conta a finalidade da regulamentação da atividade privativa de instituição financeira, qual seja, reprimir a usura, proteger a economia popular, regulamentar o crédito e seu efeito multiplicador monetário16. Por conseguinte, para que seja financeira a instituição, é necessário que, de forma habitual, ela capte recursos de terceiros em nome próprio e repasse-os a terceiros, por meio de operação de mútuo, fazendo-o com o intuito de auferir lucro, derivado da maior remuneração dos recursos repassados em relação à dos recursos coletados. Pois bem, confrontado o apontado conceito de instituição financeira com o rol de atividades que a consulente afirma desempenhar, conclui-se, de forma inequívoca, que ela não é 14 Eduardo Salomão Neto, Direito bancário cit., p. 15. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 115, jul-set 1999, p. 156. 16 Eduardo Salomão Neto, Direito bancário cit., p. 17. 15 5 instituição financeira, ao menos não na correta acepção a ser dada ao termo, em face da legislação brasileira. Indício relevante do acerto da conclusão apresentada acima corresponde, outrossim, à circunstância de exercer a consulente sua atividade com toda transparência, ampla divulgação e publicidade, fazendo-o, ademais, sem nenhum embaraço ou questionamento por parte das mais diferentes autoridades fiscalizadoras e mesmo do Ministério Público Federal. Tudo isso dificilmente ocorreria se houvesse, in casu, exercício de atividade própria de instituição financeira, tendo em conta as rigorosas restrições estabelecidas para tanto pela legislação, inclusive relativamente à forma societária17 e à exigência de prévia autorização18, para não falar da tipificação penal da conduta correspondente ao exercício da atividade sem autorização legal19. V – CONSTITUCIONALIDADE E VALIDADE DAS NORMAS ELABORADAS PELO CMN E PELO BACEN RELATIVAS AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. O surgimento e a consolidação de instituições às quais se podem atribuir características bem definidas de autoridade monetária no Brasil somente se verificou no início do Século passado. A criação de um Banco Central e de uma estrutura legal unificada, aperfeiçoando e centralizando atribuições da mesma ordem, por sua vez, verificou-se apenas em meados dos anos sessenta, quando foi editada a lei 4.595/64, já mencionada, que estabeleceu o sistema de regulação e supervisão financeira do Brasil. Como visto anteriormente, compete ao Conselho Monetário Nacional (CMN) fixar as diretrizes e normas da política cambial; disciplinar o crédito em todas as suas formas; regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas à Lei 4.595/64, bem como a aplicação das penalidades cabíveis; expedir normas gerais de contabilidade e estatísticas a serem observadas pelas instituições financeiras; e, ainda, disciplinar as atividades das bolsas de valores e dos corretores de fundos públicos. Ao Banco Central do Brasil (BACEN), por sua vez, foi conferida natureza autárquica, personalidade jurídica própria e atribuições de caráter preponderantemente executivas, cabendo-lhe “cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuída pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional”(art. 9º da Lei 4.595/64). Entre suas tarefas estão exercer o controle do crédito sob todas as forma; efetuar o controle dos capitais estrangeiros; exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; efetuar como instrumento de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos federais; atuar no sentido do funcionamento regular do mercado cambial, da estabilidade relativa das taxas de cambio e do equilíbrio no balanço de pagamentos; e, ainda, exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais. Como regulador do sistema monetário e financeiro, o Banco Central exerce a regulação das operações de bancos comerciais e demais instituições financeiras, supervisionando, ainda, os negócios bancários, para proteger os depósitos de clientes e para garantir a solvência de cada banco em particular, de forma a impedir possíveis crises sistêmicas. Para tanto, o BACEN pode, entre outras providências, estabelecer capital mínimo para a instalação de um banco, fixar limites para certas operações, com intuito de impedir que os bancos se exponham excessivamente a situações de risco, restringir ou impedir certas operações e, ainda, realizar inspeções regulares ou intervenções em instituições mal administradas20. 17 Cf. art. 25, da Lei n. 4.595/64. Art. 18, caput, da Lei n. 4.595/64. 19 Art. 16, da Lei n. 7.492/86, e, antes, art. 44, § 7º, da Lei n. 4.595/65. 20 Guilherme Centenaro Hellwig, O STF e a autoridade monetária: como os limites e contornos de atuação do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional vêm sendo definidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, Ano 10, n. 38, out.-dez./2007, p. 44. 18 6 Como salienta Guilherme Centenaro Hellwig, a concretização das normas da Lei 4.595/64 tem gerado, ao longo dos anos, uma série de questionamentos perante o Poder Judiciário, sobretudo no que diz respeito à legitimidade do Banco Central para, por exemplo, atuar na supervisão do Sistema Financeiro, restringindo direitos e liberdades individuais em nome da segurança sistêmica e do bem-estar coletivo, e ao desempenho de funções normativas pelo CMN, na expedição de resoluções para disciplinar a atividade financeira21. Segundo referido autor, é possível, mediante a observação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, identificar julgamentos em que a legitimidade constitucional das funções atribuídas pela Lei 4.595/64 ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central é discutida – e os contornos e limites de sua atuação, por conseguinte, definidos – sem que o tema tenha sido colocado, expressamente, como a principal matéria sob julgamento. A partir dos votos proferidos nas sessões, das premissas argumentativas adotadas, é que se colhe, aos poucos, a posição do Tribunal sobre a matéria22. No julgamento do RE n. 78.953-SP, em novembro de 1974, o relator, Min. Oswaldo Trigueiro, abaliza textualmente a legitimidade constitucional para o exercício de capacidade normativa por parte do Conselho Monetário Nacional e reconhece expressamente a legitimidade do Banco Central para atuar como agente executivo deste, ressaltando a importância da organização do sistema monetário em tempos de hiperinflação. É o que se extrai da seguinte passagem: “Que o Conselho Monetário Nacional e seu agente executivo, o Banco Central, estejam desempenhando esta tarefa com a amplitude prevista na Lei 4.595/64, é fato que dispensa qualquer esforço de demonstração. Que, na época inflacionária em que vivemos, aquela tarefa estaria de todo frustrada se condiciona à remota proibição da lei de usura, é inferência que, a meu ver, paira acima de qualquer dúvida razoável”. No julgamento do RE n. 90.636-SP, em maio de 1979, o relator, Min. Moreira Alves, reafirmou a constitucionalidade do emprego de atos normativos complementares no terreno econômico-financeiro, ao assim se manifestar: “Tanto o regulamento quanto os atos normativos complementares são, desde que não se contraponham a princípios estabelecidos na própria lei delegante, normas com força de lei (o que, também, se tem admitido especialmente no terreno econômico financeiro, dada a necessidade de flexibilidade da política que a disciplina, o que não se pode alcançar com a rigidez de textos legais de caráter permanente).” A legitimidade constitucional do Banco Central para fiscalizar e disciplinar o sistema financeiro restou reconhecida no julgamento do RE n. 90.773-BA, em março de 1981. Nas palavras do Min. Leitão de Abreu: “De acordo com a Lei 4.595/64, que dispõe sobre o Sistema Financeiro Nacional, compete ao Banco Central, autarquia federal, conceder, para que possam funcionar no país, autorização para isso às instituições financeiras. Compete-lhe também exercer a fiscalização das instituições financeiras, bem como aplicar as penalidades previstas (arts. 10, VIII e IX, e 18). Possuindo o Banco Central tais atribuições, contravém a essas regras e, com isso, atenta contra o interesse pelo qual a essa entidade cumpre velar, quem passe a atuar, sem que para isso se ache autorizado, como se fora instituição financeira. É certo que aquele que assim procede pode praticar crime em detrimento de interesse de particulares, mas não deixa, por igual, de ofender interesse da recorrente, autarquia federal, a quem incumbe disciplinar o sistema financeiro”. 21 O STF e a autoridade monetária cit., p.41. O STF e a autoridade monetária cit., p.51 22 7 Ainda sob a égide da Constituição de 1967, o Supremo Tribunal Federal julgou a Representação 1.172-CE, na qual concluiu pela impossibilidade de lei estadual dispor sobre a suspensão e interrupção das atividades bancárias no território do Estado. Entendeu o Tribunal, com base na competência privativa da União para legislar sobre a política e as instituições monetárias, creditícias e bancárias, na Lei n. 4.595/64 e na consequente atribuição de competências regulatórias para o Conselho Monetário Nacional, que a lei estadual extrapolava a competência que lhe seria própria. Sobre estes quatro julgamentos, cabe transcrever a análise feita por Guilherme Centenaro Hellwig: “É clara, portanto, como se infere dos quatro julgados acima analisados – que se referem a julgamentos conduzidos nos anos de 1974, 1979, 1981 e 1984 (ou seja ao longo de uma década) – a posição do STF de ratificar a constitucionalidade da capacidade regulatória e fiscalizatória atribuída pela Lei 4.595/64 ao CMN e ao Bacen. A Corte Superior, como se viu, foi ainda mais longe, tendo o cuidado de assegurar, por intermédio de manifestações de seus ministros, tanto a amplitude quanto a flexibilidade necessárias para a regulação e fiscalização no terreno econômico-financeiro”23. O mesmo autor realça, ainda, que a higidez normativa das disposições da Lei n. 4.595/64 sobreviveu à nova ordem constitucional, por ter sido recepcionada, consoante, aliás, reafirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal24. A primeira ocasião em que se enfrentou a questão, sob a ótica da Constituição de 1988, foi no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 4-7/DF. Nela discutiu-se a eficácia (imediata ou não), do art. 192, § 3º, preceito que, pelo texto então vigente, limitava a taxa de juros reais em 12% ao ano, e a constitucionalidade do ato do Presidente da República que aprovou o Parecer SR-70 do Consultor Geral da República e das instruções do Baco Central do Brasil. O Min. Moreira Alves, relator da ação, considerou constitucional a Lei 4.595/64, até que nova estrutura normativa viesse a ser, como um todo, concebida pelo Congresso Nacional. É o que se depreende da seguinte passagem do voto: “Em seu art. 4º, VI, a conhecida Lei da Reforma Bancária atribuiu ao Conselho a competência para disciplinar o crédito e as operações creditícias, em todas as suas modalidades e formas; e no inciso IX do mesmo preceito, deu-lhe o encargo de limitar as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outro critério de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros. Conferindo ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, o parâmetro genérico da Lei da Usura, de 1933, deixou de prevalecer em relação a todo o chamado mercado financeiro. Consagrada pela jurisprudência a dupla sistemática da legislação brasileira – o regime da Lei 4.595/64, para as instituições financeiras, e o Dec. 22.626/33, para as relações jurídicas entre particulares- esse o quadro colhido pela promulgação da nova Carta que inaugura, assim, uma quarta fase no tratamento do tema. (...) Deixou o constituinte bem clara, ao tratar da matéria em um único artigo, sua vontade de reformar o sistema como um todo e, nessa reforma, incluir as diretrizes dispostas nos incisos e parágrafos do comando principal. Nem poderia ser de outra maneira. Em reforma de tal profundidade, o legislador constituinte agiu prudentemente, pois não desejou desestabilizar ex-abrupto as finanças nacionais e seu mercado, pois o atual sistema é extremamente complexo e sofisticado, conforme o demonstra a impressionante análise do Banco Central, transcrita neste Parecer. É, pois, o art. 192, por inteiro, norma de eficácia limitada e condicionada, dependente de intervenção legislativa infraconstitucional para entrar em vigência”. 23 O STF e a autoridade monetária cit., p. 55. O STF e a autoridade monetária cit., p. 56. 24 8 A constitucionalidade da Lei n. 4.595/64, na parte que atribui poderes normativos ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central foi novamente ratificada no julgamento da MC na ADIn. 1.277-SP. Segundo o Min. Sidney Sanchez: “(...) há legislação federal (Lei 4.595, de 31.12.1964), que regula o Sistema Financeiro Nacional e autoriza o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central a disciplinarem a criação e a atividade das cooperativas de crédito. E o Banco Central, na Resolução 1.914, de 11.04.1992, regula a organização e funcionamento das cooperativas de crédito. Sendo assim, enquanto não forem observadas as normas desta legislação federal, inclusive de tal resolução, não poderão ser criadas e implantadas as cooperativas de que trata a Lei impugnada, que, aliás, a elas expressamente se reporta”. Com argumentos semelhantes o Supremo Tribunal Federal afastou a alegada inconstitucionalidade da MP n. 1.779/95, que dispôs sobre “medidas de fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional”. No julgamento da liminar, decidiu-se, por maioria, que a Medida Provisória nada mais fez do que enunciar disposições já existente, introduzidas no ordenamento jurídico por intermédio da Resolução n. 2.208/95, do Conselho Monetário Nacional. Abalizou-se, assim, a legitimidade do poder normativo do Conselho Monetário Nacional. Interessante mencionar, ainda, que, no julgamento da ADIn 1.394-0/DF, voltada à declaração de inconstitucionalidade de duas resoluções do Conselho Monetário Nacional, a saber, as de ns. 2.197/95 e a 2.211/95, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o referido órgão do Poder Executivo teria invadido indevidamente atribuição reservada ao Congresso Nacional. Guilherme Centenaro Hellwig observa, contudo, que essa apreciação foi desenvolvida à luz do artigo da Constituição cuja redação viria a ser modificada pela EC 40/200325. Já na ADIn n. 449-DF, o Min. Carlos Velloso ressaltou o papel do BACEN pontuando que ele seria “o banco do bancos, o fiscal das instituições financeiras, (...) investido de funções fiscalizadoras, sancionadoras, e regulamentares”. Por fim, cumpre destacar que no julgamento da ADIn 2.591-DF, que apreciou a alegação de inconstitucionalidade do art. 3º, §2º, da Lei n. 8.078/90, que determinava a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre as atividades “de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, restaram novamente definidos os limites da atribuição normativa de conjuntura exercida pelo Conselho Monetário Nacional. Analisando referido julgamento, Guilherme Centenaro Hellwig assinalou haver o Min. Eros Grau salientado que a referida atribuição consiste na competência para regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do Sistema Financeiro. Assentou ainda que teria sido sublinhado, outrossim, que as atividades realizadas por uma instituição financeira, em resumo, devem ser obrigatoriamente desempenhadas “no quadro das determinações dispostas pelo CMN”, o que inclui exemplificativamente, os tipos de operações permitidas ou vedadas, os volumes a serem aplicados nesta ou naquela modalidade de crédito, as posições cambiais a serem cumpridas e os negócios desta natureza que podem ou não ser contratados26. Referido autor, conclui sua análise sobre os limites e contornos da atuação do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, aduzindo o seguinte: “Quanto ao primeiro tópico, ou seja, a legitimidade constitucional e os limites das funções normativas conferidas ao Conselho Monetário Nacional pela Lei 4.595/64, pode-se verificar que, desde a primeira vez em que se pronunciou sobre o assunto, ainda na década de setenta, o Supremo Tribunal Federal vem admitindo que a atribuição de poderes normativos ou quase-legislativos (na expressão empregada pelo Ministro Xavier de Albuquerque no julgamento do RE 78.953-SP) ao CMN em nada viola os cânones constitucionais como o da separação dos poderes ou da legalidade. Com efeito, como se procurou demonstrar no presente trabalho, segundo a melhor doutrina no campo do direito administrativo, a crescente complexidade técnica das normas infralegais e das matérias por estas reguladas faz com que se recorra, 25 O STF e a autoridade monetária cit., p. 62. O STF e a autoridade monetária cit., p. 73. 26 9 cada vez mais, à potestade regulamentar da Administração , constituindo a ação normativa do Poder Executivo, nos dias de hoje, um verdadeiro imperativo de sua funcionalidade”27. Como se vê, não mais pende dúvida a respeito da perfeita legitimidade constitucional do poder normativo do Conselho Monetário Nacional, mesmo após o advento da Constituição de 1988, há que se reconhecer validade formal às Resoluções do Banco Central do Brasil ns. 3.110/03 e 3.156/03, que serão analisadas no item seguinte. VI – TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS NÃO PRIVATIVOS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PARA OS CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. A Resolução n. 3.156/03, do Banco Central do Brasil, nada mais fez do que alterar a redação de alguns dispositivos da Resolução 3.110/03, do mesmo órgão. É esta, portanto, que, com as modificações perpetradas, regulamenta atualmente a possibilidade de terceirização dos serviços não privativos das instituições financeiras, para os chamados correspondentes bancários. A análise da ementa das referidas resoluções evidencia, com clareza solar, que visam tornar público decisão do Conselho Monetário Nacional de, respaldado nos arts. 3º, inciso V, 4º, incisos VI e VIII, 17 e 18, § 1º, da Lei n. 4.595/64 e 14, da Lei 4.728/65, consolidar as normas que dispõem sobre a contratação, por parte de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, de empresas, integrantes ou não do Sistema Financeiro Nacional, para o desempenho das funções de correspondente no País. O artigo 1º, da Resolução 3.110/03, pouco alterado pela Resolução 3.156/03, apresenta rol de atividades que podem ser terceirizadas, pelas instituições financeiras, para os correspondentes bancários. São elas: I - recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança; II - recebimentos e pagamentos relativos a contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança, bem como a aplicações e resgates em fundos de investimento; III - recebimentos, pagamentos e outras atividades decorrentes de convênios de prestação de serviços mantidos pelo contratante na forma da regulamentação em vigor; IV - execução ativa ou passiva de ordens de pagamento em nome do contratante; V - recepção e encaminhamento de pedidos de empréstimos e de financiamentos; VI - análise de crédito e cadastro; VII - execução de serviços de cobrança; VIII recepção e encaminhamento de propostas de emissão de cartões de crédito; IX - outros serviços de controle, inclusive processamento de dados, das operações pactuadas; X - outras atividades, a critério do Banco Central do Brasil. Como deixa transparecer esta última hipótese, o rol em questão é exemplificativo e não taxativo. Logo, o fato de as atividades da consulente não se enquadrarem todas neste rol não a impede, em uma primeira análise, de ser enquadrada na referida norma. O art. 2º, da mesma resolução, por sua vez, apresenta algumas proibições de contratação. O seu caput veda que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil contratem empresas cuja atividade principal ou única seja a prestação de serviços de recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança; e de recebimentos e pagamentos relativos a contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança, bem como a aplicações e resgates em fundos de investimento. O seu parágrafo único, a seu turno, esclarece que a vedação de que trata o dispositivo aplica-se à hipótese de substabelecimento do contrato a terceiros, total ou parcialmente. Este ponto merece especial ênfase, pois evidencia ser possível ao correspondente bancário substabelecer o contrato de prestação de serviços firmado com a instituição financeira. O artigo 3º estabelece que a contratação de correspondentes não integrantes do Sistema Financeiro Nacional, que utilizem o termo 'banco' em sua denominação social ou no respectivo nome de fantasia, depende de prévia autorização do Banco Central do Brasil. Fica claro, a partir do preceito em questão, que o fato de uma empresa utilizar-se da expressão banco, em seu nome de fantasia, não a torna, só por isso, instituição financeira e não a impede de ser correspondente bancária. É necessário, 27 O STF e a autoridade monetária cit., p. 72/73. 10 porém, obter autorização especial, pois a nomenclatura em questão pode efetivamente gerar confusão em consumidores e usuários de serviços bancários. O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil tiveram, inclusive, o cuidado de, no artigo 4º da Resolução n. 3.110/03, com a redação dada pela Resolução 3.156/03, indicar uma série de cláusulas obrigatórias nos contratos referentes à prestação de serviços de correspondente. São elas: I - a total responsabilidade da instituição contratante sobre os serviços prestados pela empresa contratada, inclusive na hipótese de substabelecimento do contrato a terceiros, total ou parcialmente; II - o integral e irrestrito acesso do Banco Central do Brasil, por intermédio da instituição contratante, a todas as informações, dados e documentos relativos à empresa contratada, ao terceiro substabelecido e aos serviços por esses prestados; III - que, na hipótese de substabelecimento do contrato a terceiros, total ou parcialmente, a empresa contratada deverá obter a prévia anuência da instituição contratante; IV - a) efetuar adiantamento por conta de recursos a serem liberados pela instituição contratante; b) emitir, a seu favor, carnês ou títulos relativos às operações intermediadas; c) cobrar, por iniciativa própria, qualquer tarifa relacionada com a prestação dos serviços a que se refere o contrato; d) prestar qualquer tipo de garantia nas operações a que se refere o contrato; V - que os acertos financeiros entre a instituição contratante e a empresa contratada devem ocorrer, no máximo, a cada dois dias úteis; VI - que, nos contratos de empréstimos e de financiamentos, a liberação de recursos deve ser efetuada a favor do beneficiário ou da empresa comercial vendedora; VII - a obrigatoriedade de divulgação, pela empresa contratada, em painel afixado em local visível ao público, de informação que explicite, de forma inequívoca, a sua condição de simples prestadora de serviços à instituição contratante. § 2º Alternativamente ao esquema de pagamento previsto no inciso VI, a liberação de recursos poderá ser processada pela empresa contratada, atuando por conta e ordem da instituição contratante, a favor do beneficiário ou da empresa comercial vendedora, desde que, diariamente, o valor total dos pagamentos realizados seja idêntico ao dos recursos recebidos da instituição contratante para tal fim. Por fim, o artigo 5º da Resolução estabelece que as empresas contratadas para a prestação de serviços de correspondente estão sujeitas às penalidades previstas no art. 44, § 7º, da Lei 4.595/6428, caso venham a praticar, por sua própria conta e ordem, operações privativas das 28 Art. 44. As infrações aos dispositivos desta lei sujeitam as instituições financeiras, seus diretores, membros de conselhos administrativos, fiscais e semelhantes, e gerentes, às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: I - Advertência. II - Multa pecuniária variável. III - Suspensão do exercício de cargos. IV - Inabilitação temporária ou permanente para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições financeiras. 11 instituições financeiras. Com isso, resta inquestionável que a terceirização das atividades das instituições financeiras não pode incluir atividades privativas. A partir de todo o anteriormente exposto, pode-se concluir que os órgãos de cúpula do sistema financeiro, ao editar as resoluções em questão, apenas disciplinaram, de forma muito mais detalhada do que a feita pelo Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula 331, a terceirização de atividades no setor. Ora, admitido o regramento da terceirização por súmula de jurisprudência uniforme de tribunal, em vários pontos pouco precisa e em outros um tanto genérica, pouco justificável seria que não se reconhecesse validade a norma elaborada de forma minuciosa e detalhada, editada pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, cuja atuação normativa já teve sua constitucionalidade enunciada pelo Supremo Tribunal Federal. De qualquer modo, a resolução em questão não destoa da orientação da Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho. Em verdade, trata da mesma questão, de forma bastante mais rica. Ao invés de se limitar a afirmar a possibilidade contratação de empresa para realizar atividade-meio da contratante, indica, exemplificativamente, atividades passíveis de terceirização. E estas atividades são apenas os serviços de intermediação ou de controle. V - Cassação da autorização de funcionamento das instituições financeiras públicas, exceto as federais, ou privadas. VI - Detenção, nos termos do § 7º, deste artigo. VII - Reclusão, nos termos dos artigos 34 e 38, desta lei. § 1ºA pena de advertência será aplicada pela inobservância das disposições constantes da legislação em vigor, ressalvadas as sanções nela previstas, sendo cabível também nos casos de fornecimento de informações inexatas, de escrituração mantida em atraso ou processada em desacordo com as normas expedidas de conformidade com o art. 4º, inciso XII, desta lei. § 2º As multas serão aplicadas até 200 (duzentas) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, sempre que as instituições financeiras, por negligência ou dolo: a) advertidas por irregularidades que tenham sido praticadas, deixarem de saná-las no prazo que lhes for assinalado pelo Banco Central da República do Brasil; b) infringirem as disposições desta lei relativas ao capital, fundos de reserva, encaixe, recolhimentos compulsórios, taxa de fiscalização, serviços e operações, não atendimento ao disposto nos arts. 27 e 33, inclusive as vedadas nos arts. 34 (incisos II a V), 35 a 40 desta lei, e abusos de concorrência (art. 18, § 2º); c) opuserem embaraço à fiscalização do Banco Central da República do Brasil. § 3º As multas cominadas neste artigo serão pagas mediante recolhimento ao Banco Central da República do Brasil, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, contados do recebimento da respectiva notificação, ressalvado o disposto no § 5º deste artigo e serão cobradas judicialmente, com o acréscimo da mora de 1% (um por cento) ao mês, contada da data da aplicação da multa, quando não forem liquidadas naquele prazo; § 4º As penas referidas nos incisos III e IV, deste artigo, serão aplicadas quando forem verificadas infrações graves na condução dos interesses da instituição financeira ou quando dá reincidência específica, devidamente caracterizada em transgressões anteriormente punidas com multa. § 5º As penas referidas nos incisos II, III e IV deste artigo serão aplicadas pelo Banco Central da República do Brasil admitido recurso, com efeito suspensivo, ao Conselho Monetário Nacional, interposto dentro de 15 dias, contados do recebimento da notificação. § 6º É vedada qualquer participação em multas, as quais serão recolhidas integralmente ao Banco Central da República do Brasil. § 7º Quaisquer pessoas físicas ou jurídicas que atuem como instituição financeira, sem estar devidamente autorizadas pelo Banco Central da Republica do Brasil, ficam sujeitas à multa referida neste artigo e detenção de 1 a 2 anos, ficando a esta sujeitos, quando pessoa jurídica, seus diretores e administradores. § 8º No exercício da fiscalização prevista no art. 10, inciso VIII, desta lei, o Banco Central da República do Brasil poderá exigir das instituições financeiras ou das pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as referidas no parágrafo anterior, a exibição a funcionários seus, expressamente credenciados, de documentos, papéis e livros de escrituração, considerando-se a negativa de atendimento como embaraço á fiscalização sujeito á pena de multa, prevista no § 2º deste artigo, sem prejuízo de outras medidas e sanções cabíveis. § 9º A pena de cassação, referida no inciso V, deste artigo, será aplicada pelo Conselho Monetário Nacional, por proposta do Banco Central da República do Brasil, nos casos de reincidência específica de infrações anteriormente punidas com as penas previstas nos incisos III e IV deste artigo. 12 Sendo a consulente uma promotora de vendas, que atua como correspondente e também promove a venda e a comercialização de diversos outros produtos, como seguros, recargas de celulares, planos odontológicos etc., é possível afirmar que ela não desempenha as atividades fins dos bancos dos quais seja correspondente, mas tão somente atividades meio destes. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 13