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Valor Econômico – 14 de março de 2013
BNDESPar concentra ainda mais seus investimentos
Por Fernando Torres, Catherine Vieira, Flavia Lima e Francisco Góes | De São
Paulo e do Rio
O BNDESPar, braço de participações do BNDES, aumentou a concentração de seus
investimentos em setores de óleo e gás, mineração e energia nos últimos dez anos.
Levantamento feito pelo Valor, incluindo participações diretas e indiretas, mostra que
o peso desses três setores passou de 54% para 75% do total da carteira entre 2002 e
2012.
Incluídos outros dois setores - alimentos e papel e celulose - a concentração sobe para
89% da carteira total de ações. Em termos financeiros, isso significa que dos R$ 74,5
bilhões investidos pela empresa de participações no fim do ano passado, R$ 66,3
bilhões estavam em cinco setores. E estes não são exatamente os mesmos que foram
alvo de políticas industriais dos últimos governos.
A carteira do BNDESPar foi multiplicada por 4,5 entre 2002 e 2012, saindo de
R$ 16,2 bilhões para R$ 74,5 bilhões, considerando valores de mercado. Apesar do
crescimento, há uma queda relevante desde o pico de R$ 102 bilhões alcançado no
fim de 2010. Essa queda se deu em razão da desvalorização das ações, com destaque
para R$ 10,8 bilhões apenas com a queda dos papéis da Petrobras, desde a
capitalização em 2010 até o fim do ano passado. Mas tem a ver também com a venda
de papéis em bolsa e com o repasse de R$ 6 bilhões em ações para o Tesouro, antes
do fim do ano passado, que foram para a carteira da Caixa.
A análise setorial da carteira do BNDESPar também permite notar que o setor de
telecomunicações, que em 2002 representava 11% do total, hoje tem peso inferior a
1% nos investimentos. No lugar das empresas de telecom entraram as companhias do
setor de alimentos, como JBS, Marfrig, BRF e Vigor.
O diretor do BNDESPar, Julio Ramundo, disse ao Valor que a concentração se
justifica por que há setores em que a intensidade de capital é mais elevada. Segundo
ele, o mercado construiu três mitos perigosos em relação às participações do BNDES.
Um deles é que o banco escolhe empresas "campeãs nacionais". O segundo é o da
indisciplina de capital, criado por não se entender a origem da fonte dos recursos. E o
terceiro é uma suposta má gestão de recursos públicos.
BNDESPar concentra 89% dos investimentos em apenas 5
setores
Por Fernando Torres e Francisco Góes | De São Paulo e do Rio
Nos últimos dez anos, a BNDESPar, braço de participações do BNDES, aumentou a
concentração dos seus investimentos. Levantamento feito pelo Valor mostra que o
peso dos setores de óleo e gás, mineração e energia saltou de 54% para 75% do total
da carteira da BNDESPar entre 2002 e 2012. O levantamento foi feito com base em
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informações dos balanços dos últimos 11 anos e levou em conta participações diretas
e indiretas em empresas com ações em bolsa.
Ao se incluir mais dois setores na conta - alimentos e papel e celulose - a
concentração sobe para 89% da carteira total de ações. Em termos financeiros, isso
significa que dos R$ 74,5 bilhões investidos pela empresa de participações ao fim do
ano passado (considerando valores de mercado inclusive para companhias
classificadas como coligadas), R$ 66,3 bilhões estavam alocados em apenas cinco
setores e R$ 8,2 bilhões estavam distribuídos entre todos os demais. E os setores que
ficam com a maior parte dos recursos não são os mesmos que foram alvo das políticas
industriais dos últimos governos.
A concentração aumentou não apenas pela forte valorização das ações de Petrobras e
Vale em meados da década passada, mas também por novos aportes feitos pela
empresa de participações do BNDES nessas duas companhias e em outras que
integram esses setores, como Eletrobras, CPFL e MPX e OGX mais recentemente.
A carteira da BNDESPar foi multiplicada por mais de quatro vezes entre 2002 e 2012,
saindo de R$ 16,2 bilhões para R$ 74,5 bilhões, considerando valores de mercado.
Apesar do crescimento, há uma queda relevante desde o pico de R$ 102 bilhões,
alcançado ao fim de 2010.
A redução do portfólio ante a máxima histórica se explica, em parte, pela
desvalorização das ações, com destaque para R$ 10,8 bilhões apenas da queda das
ações da Petrobras desde a capitalização em 2010 até o fim do ano passado. Mas tem
a ver também com a venda de papéis em bolsa - o que a empresa faz de forma regular
- e com o repasse de R$ 6 bilhões em ações para o Tesouro, antes da virada do ano,
que foram parar na carteira da Caixa.
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A análise setorial da carteira da
BNDESPar também permite notar que o setor de telecomunicações, que em 2002
representava 11% do total, hoje tem peso abaixo de 1% nos investimentos.
No lugar das empresas de telecom, entraram as companhias do setor alimentos, com
destaque para o segmento de proteína animal. Representado hoje por JBS, Marfrig,
BRF e Vigor, o setor de alimentos sequer aparecia na carteira em 2002, mas no fim do
ano passado tinha peso de 6% no investimento total. A LBR, do segmento de lácteos,
não entra nessa conta, porque, além de não ter ações em bolsa, foi baixada do balanço.
Um segmento que, apesar de altos e baixos ao longo dos dez anos, sempre manteve
peso importante na carteira da BNDESPar foi o de papel e celulose, que fechou o ano
passado com uma fatia equivalente a 8%. Em 2002, a participação era de 10%.
Nenhum desses cinco setores mais representativos da carteira está entre os segmentos
eleitos como prioritários na política industrial anunciada pelo governo Lula em 2004,
que listou bens de capital, software e fármacos, além de projetos ligados à inovação,
como os preferidos do país.
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Olhando a carteira total por empresa, os dez maiores investimentos equivalem a 84%
do total. Petrobras e Vale garantem 60 pontos percentuais desse subtotal, enquanto
Fibria, JBS, Brasiliana (Eletropaulo e AE Tietê), Copel, CPFL, Suzano, CEG e
Eletrobras completam a lista com os outros 24 pontos percentuais. Como se nota,
todas as empresas são dos segmentos de óleo e gás, mineração, energia, alimentos e
papel e celulose.
Em entrevista ao Valor, o diretor da BNDESPar, Julio Ramundo, disse que a
composição da carteira e suas variações exprimem a intensidade de capital de alguns
setores, como óleo e gás, mineração e papel e celulose. Afirmou ainda que o aumento
da concentração decorre também da valorização de algumas das ações desses setores
e de aportes de capital feitos pelo governo, entre os quais estariam os R$ 22,4 bilhões
repassados para investimento na capitalização da Petrobras em 2010. "A despeito
dessa concentração, que pode levar à falsa conclusão de que o BNDES está
reproduzindo determinado padrão de divisão setorial da economia brasileira, é
importante verificar os movimentos [da BNDESPar], menores em valores, mas
representativos em termos da carteira", disse.
Ele citou como exemplo desses movimentos o caso do setor de tecnologia da
informação (TI). Disse que, das quatro empresas brasileiras do setor listadas na bolsa,
três - Totvs, Linx e Bematech - têm a "digital" do BNDES. Mas reconheceu:
"Infelizmente esse setor [de TI] ainda não tem a expressão, em termos de mercado de
capitais, da existente em economias desenvolvidas". A crítica à concentração da
carteira seria mais válida, segundo Ramundo, se o Brasil tivesse uma situação
intrínseca e até cultural no mercado de capitais, em que houvesse inúmeras empresas
da área de tecnologia e elas não tivessem o apoio do BNDES.
A tendência, segundo ele, é de que o banco aumente a exposição da carteira a setores
de maior risco, como empresas de base tecnológica. Ele disse que, só em 2012, a
BNDESPar fez dez novas operações diretas em empresas com ênfase em inovação e
tecnologias limpas, no valor total de R$ 1,87 bilhão. Entre elas estão GraalBio (etanol
de segunda geração, com R$ 600 milhões), Renova (energia eólica, com R$ 315
milhões) e Six (semicondutores, com R$ 272 milhões)
Como contraposição, disse que os principais investimentos novos em empresas
grandes abertas somaram R$ 882 milhões, considerando exercício de direitos de
subscrição de ações de Fibria, Suzano e Marfrig, além de uma emissão de debêntures
da Contax.
Referindo-se especificamente ao setor de proteína animal, ele disse que, apesar não
estar na lista da política industrial de 2004, integrava a Politica de Desenvolvimento
Produtivo (PDP), de 2008. "O BNDES é executor de politica. Não saiu como ente
iluminado executando isso", disse.
E de onde vem o dinheiro para da BNDESPar? Os dados de balanço indicam que
foram feitos aportes de capital de R$ 50 bilhões entre 2007 e 2012. Mas Ramundo
nega que a empresa de participações tenha se abastecido pelos repasses bilionários
que o Tesouro tem feito ao banco. "A BNDESPar é independente dos recursos do
BNDES. Se pegar de 2003 para cá, ela gerou R$ 25 bilhões em caixa."
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O aumento de capital, segundo ele, se justifica tanto pelos R$ 22,4 bilhões da
operação da Petrobras em 2010, como pela transformação de um mútuo antigo que a
empresa tinha como o banco em capital, sem entrada de dinheiro novo.
Desempenho na bolsa piora após 2004
Por Catherine Vieira e Flavia Lima | De São Paulo
O desempenho na bolsa das empresas em que a BNDESPar - braço de participações
do BNDES - investiu após 2004 foi inferior ao da carteira anterior àquele ano. É o que
mostra um estudo recentemente concluído pelos pesquisadores Sérgio Lazzarini, do
Insper; Claudia Bruschi, da EESP/FGV; e Aldo Musacchio, da Harvard Business
School. Eles levaram em conta dados do balanço do 3º trimestre de 2012 e analisaram
o desempenho da parcela da carteira que possui ações listadas em bolsa.
A conclusão é que, dos investimentos feitos antes de 2004, 45% perdem para o
Ibovespa enquanto que 73% dos investimentos realizados após aquele ano ficam
aquém do referencial. Se analisadas as companhias nas quais o banco não apenas
apostou, mas fez também reinvestimentos após 2004, a performance é ainda pior e
não supera o Ibovespa em 79% dos casos.
Segundo Lazzarini, do Insper, o ano
de 2004 foi usado como divisor, porque houve uma dificuldade de encontrar dados
detalhados anteriores à data. Além disso, foi um ano bastante significativo para o
mercado de capitais local, a partir do qual as ofertas iniciais de ações foram
retomadas, com diversas novas listagens no Novo Mercado, segmento da bolsa que
admite apenas uma classe de ações e faz uma série de exigências de governança
corporativa.
A análise incluiu a variação dos papéis em bolsa desde a data em que a BNDESPar
iniciou o investimento até o fim de 2012. No caso das companhias em que ele já
investia antes de 2004, o trabalho considerou a data inicial como 30 de dezembro
daquele ano, devido à dificuldade de encontrar dados que precisassem o momento da
entrada do banco de fomento.
Entre os papéis que já compunham a carteira antes de 2004, estão Banco do Brasil,
Braskem, Cemig, CPFL Energia, Copel, CSN, Eletrobras, Embraer, Gerdau, Klabin,
Iochpe Maxion, Petrobras, Suzano, Tractebel, Tupy e Vale. Os novos investimentos,
feitos após aquele ano, foram ALL, BRF (Brasil Foods, nascida da união entre Sadia e
Perdigão), Copasa, EcoRodovias, Fibria, JBS, MPX, Marfrig, Oi e PDG Realty.
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Os pesquisadores não incluíram a empresa de software e tecnologia Totvs na pesquisa
- reconhecida como um "caso de sucesso" pelo próprio Lazzarini -, pois ela já
constava da carteira antes de ser listada na bolsa. Já Oi e BRF foram incluídas como
investimento posterior a 2004, pois, embora o banco já investisse nas ações das
empresas que se fundiram, o estudo considerou que uma nova empresa foi criada após
as fusões.
Em um estudo anterior, Lazzarini investigou se a participação da BNDESPar foi
relevante para as companhias escolhidas, e concluiu que até 2002 a vantagem de ter o
BNDES como sócio foi percebida, porém esse benefício não se sustentou quando foi
analisado o período de 2003 a 2009. "Neste novo estudo, fomos numa outra linha, de
perguntar: será que o BNDESPar apostou nas empresas corretas?", diz Lazzarini.
Claudia Bruschi, que também assina o trabalho, afirma que o mercado acionário
consegue refletir muito bem se a empresa conseguiu crescer ou não. "A gente acredita
que o BNDESPar tem um foco nos setores que quer ajudar. A questão é que não dá
para ser totalmente discricionário na escolha das empresas", diz.
Lazzarini observa a mudança de perfil ao olhar os investimentos feitos nos dois
períodos. "Antes, o BNDES estava com empresas grandes e relativamente
estabelecidas. Quando começa a apostar em empresas estreantes, ou empresas que
foram criadas com o foco em ser um campeão nacional, você observa resultados mais
negativos. E os reinvestimentos feitos também foram negativos", diz.
A carteira focada em companhias mais consolidadas teve melhor desempenho, mesmo
com muita concentração de elétricas e da Petrobras, que tiveram desempenho muito
ruim no ano passado, em razão de uma percepção de maior ingerência governamental.
"Se observa também que essas medidas do governo afetam a própria carteira do
BNDES", observa Lazzarini.
O pesquisador afirma que os resultados do estudo mostram que, aparentemente,
investiu-se em empresas que ficaram abaixo do Ibovespa e, como se trata de dinheiro
público, é preciso que haja uma explicação sobre os resultados, e discutir se esses
recursos não deveriam ser melhor direcionados. "Por que se alocou tantos recursos em
frigoríficos e alimentos? Eu não tenho uma resposta muito clara", diz Lazzarini. "É
capital público, que tem um custo de oportunidade social. Se está abaixo do Ibovespa,
tudo bem, mas é preciso explicar que outros tipos de benefícios sociais você está
tendo com isso", afirma o professor do Insper.
Lazzarini avalia que, em termos de política industrial, a prática seria beneficiar
setores novos, emergentes e com potencial, mas que ainda não dispõem de capital
suficiente para deslanchar. Ele admite que o banco já faz isso, mas sem foco. "A
própria Totvs é um caso de sucesso em um setor novo, dinâmico. Mas o banco
precisaria se especializar nisso, o que significaria reduzir a carteira e fazer uma gestão
mais estratégica".
Consultado, o BNDES enviou alguns comentários sobre o trabalho por meio de sua
assessoria. O banco enfatizou que os investimentos da BNDESPar geralmente
ocorrem no mercado primário, buscam a indução de melhores práticas de governança
e têm um horizonte de longo prazo incomum no Brasil, "mesmo que isso implique
mantê-los em carteira durante períodos de turbulências". Segundo a nota, essa
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estratégia tem gerado resultados bem-sucedidos no longo prazo. "Para a BNDESPar, a
bolsa de valores é basicamente um instrumento de liquidez, e não um local para
realizar ganhos de curto prazo", afirma a nota, na qual o banco avalia ainda que o
Ibovespa não é um bom parâmetro para avaliar a carteira.
A instituição afirma ainda que, mesmo não sendo o principal objetivo, historicamente
a carteira da BNDESPar tem apresentado desempenho em linha com o Ibovespa,
apesar das características distintas. "A gestão é baseada no portfólio como um todo e
uma avaliação parcial desse portfólio, como a realizada pelo estudo, limita suas
conclusões", diz a nota.
Uma mesma empresa, mas dois focos diferentes
Por Fernando Torres | São Paulo
O CNPJ é um só. Mas a BNDESPar atua na verdade como duas empresas. Uma delas,
que chama menos atenção, desempenha exatamente o papel que, na teoria, se encaixa
na ideia que as pessoas têm sobre o que uma empresa de participações ligada a um
banco de desenvolvimento estatal deveria cumprir.
É a BNDESPar que investe em empresas como as desenvolvedoras de softwares
Totvs, Linx e Senior Solution - para ficar apenas nas mais conhecidas. São
investimentos de capital de risco em empresas nacionais, de base tecnológica,
inovadoras e que são micro ou pequenas no momento do investimento inicial. O
dinheiro injetado e o conhecimento estratégico "emprestado" ajudam no crescimento e
profissionalização dessas companhias, que acabam, por fim, alcançando patamares
que lhes permitem se financiar via mercado de capitais, com acionistas e credores
privados.
Para receber aporte de capital nesse estágio, as empresas costumam passar por rígidos
processos de seleção, que contam com chamadas públicas e critérios conhecidos para
escolha de projetos. Ter base tecnológica e ser inovadora são alguns deles. Estar
ligada a áreas de infraestrutura não desenvolvidas no país é outro ponto avaliado na
seleção.
Já a outra BNDESPar, que costuma estampar as manchetes de jornais, é aquela que
realiza investimentos em companhias de grande porte, a maior parte já de capital
aberto. Nessa BNDESPar, nem sempre fica claro para o público o critério de escolha
das eleitas.
Na falta de uma lista oficial de setores prioritários nesse segundo caso, a evidência
empírica serve de referência. O foco principal dessa outra BNDESPar é apoiar os
segmentos de petróleo, mineração, energia, proteína animal e papel e celulose.
O papel do BNDESPar é exercido com injeção de recursos em aumentos de capital
bilionários, para contribuir em projetos de crescimento via elevação de capacidade ou
via fusões e aquisições, incluindo internacionalização. Na maior parte dos casos, o
apoio do banco ajuda a manter a estrutura de controle.
Além do perfil da carteira e dos critérios de investimento mais ou menos
transparentes, existe outra distinção relevante entre essas duas BNDESPar. A primeira
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tem uma carteira pequena, que soma menos de R$ 5 bilhões. A segunda possui
investimentos totais da ordem de R$ 70 bilhões.
Não há como negar que a diferença de valores tenha a ver com o porte das empresas
investidas. Mas tampouco é possível esconder que a alocação de recursos revela uma
escala de prioridade. Há empresas de segmentos mais jovens na bolsa, como de varejo
e serviços, que não têm recebido investimentos da BNDESPar até agora.
Será que se ficasse com apenas um foco, a BNDESPar poderia também remanejar seu
pessoal e seu capital em busca de mais empresas iniciantes, inovadoras e promissoras
para investir? Ou será que faltam "startups" no Brasil querendo aportes de recursos?
Ou então não. Mantém-se o sistema de dupla atuação. A própria BNDESPar diz que
ele é importante, já que as empresas maduras, com seus dividendos, ajudam a garantir
que o BNDES cobre spreads mais baixos nos financiamentos.
Nesse caso, seria importante que se medisse e se divulgasse mais o impacto
econômico e social dos aportes de capital que realiza em grandes empresas.
Mercado criou mitos sobre ação do banco, critica diretor
Por Francisco Góes e Fernando Torres | Do Rio
Julio Ramundo, diretor da BNDESpar,
braço de participações do BNDES,
rechaça críticas de que instituição
promova um "campeonato nacional"
Julio Ramundo, diretor da BNDESPar, diz
que o mercado construiu três mitos
"perigosos" em relação à atuação do braço
de participações do BNDES. Nesta
entrevista ao Valor Pro, serviço de
informação em tempo real do Valor, o
executivo, com quase 20 anos de carreira
no banco, tenta desfazer esses mitos.
Rebate a ideia do que chama de campeonato nacional, que seria a escolha, pelo banco,
de empresas para serem "campeãs nacionais". Nega uma suposta indisciplina de
capital e argumenta que, ao contrário do que se diz, o banco não faz uma má gestão de
recursos públicos. "A BNDESPar é independente do Tesouro", garante ele. Leia a
seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: Como se explica o aumento da concentração na carteira da BNDESPar?
Julio Ramundo: Há setores em que a intensidade de capital é mais elevada. Outro
elemento importante é que a carteira tem valorização e mudanças na sua composição.
O BNDES não é um gestor de um fundo ou de uma carteira de ações. A área de renda
variável do BNDES é uma área de participação dentro de um banco de
desenvolvimento. Isso é diferente de dizer que o BNDES faz gestão de um fundo de
ações. A lógica da gestão é diferente. As variações da carteira exprimem a intensidade
de capital de determinados setores. E, em determinadas situações, o BNDES recebe
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capitalizações de seu controlador. Em 2010, houve uma operação grande de Petrobras
que se expressa no nível de concentração. Vale destacar que, a despeito dessa
concentração, que pode levar à falsa conclusão de que o BNDES está reproduzindo
determinado padrão de divisão setorial da economia brasileira, é importante verificar
os movimentos menores em valor, mas representativos em termos da carteira.
Valor: Quais movimentos?
Ramundo: O caso de tecnologia da informação, por exemplo. Das quatro empresas
de tecnologia da informação que estão na bolsa, três têm a digital do BNDES. O caso
da Totvs é ilustrativo e gostaríamos que se multiplicasse. A primeira operação do
BNDES com a Totvs ocorreu no fim de 2005. Naquele momento, o BNDES avaliou a
empresa em R$ 250 milhões. Hoje, a Totvs tem valor de mercado de R$ 7 bilhões. É
um movimento no qual conseguimos construir uma empresa de padrão global.
Valor: O que diferencia o BNDES dos gestores privados?
Ramundo: O BNDES é investidor de longo prazo, comprometido com o
desenvolvimento da competitividade das empresas brasileiras, mudando o padrão de
governança das empresas e permitindo desenvolver o mercado de capitais. Com uma
carteira desse tamanho, o BNDES poderia fazer lucro com produtos exóticos ou
fazendo trading. Mas não é esse o mandato do BNDES. E é um mandato de sucesso,
inclusive em termos de retorno e rentabilidade. Estão sendo criados mitos perigosos
em torno da ação da BNDESPar.
Valor: Quais são os mitos?
Ramundo: Há três mitos: o primeiro é o do campeonato nacional. O segundo é o da
indisciplina de capital por não entender a origem da fonte dos recursos e como opera a
BNDESPar. E o terceiro mito, que é muito perigoso, é o de uma suposta má gestão
que chega a arranhar uma visão de responsabilidade na gestão de recursos públicos.
Valor: E por que seriam mitos cada um desses pontos?
Ramundo: O mito do campeonato nacional passa a ideia de que existe uma escolha,
como se houvesse um presidente de confederação que escolhe os times, os técnicos e
os capitães que vão participar [do processo] e o que vão fazer. O BNDES não atua
dessa maneira. O BNDES analisa planos de negócios das empresas. O mito também é
vazio porque ignora o que existe em termos do mérito e da motivação do banco.
Valor: Pode dar um exemplo?
Ramundo: O setor de proteína animal. Foi um movimento do qual o banco participou
com outros agentes de mercado e que mudou o patamar de competitividade nas
empresas. Eram empresas que há seis anos tinham determinado faturamento,
distribuição geográfica da receita e perfil de produtos e hoje é completamente
diferente. Hoje JBS e Marfrig são as empresas mais internacionalizadas [segundo
ranking do setor]. Ao colocar essas empresas em condições de participar da
competição global, isso tem benefícios em termos de novas competências, de acesso a
recursos financeiros e humanos. E as exigências dos mercados onde passam a atuar
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ajudam a diferenciar essas empresas. A longo prazo acreditamos que haverá
movimento de valorização de ativos.
Valor: Qual a vantagem da entrada do BNDES?
Ramundo: É um benefício tangível. Há cinco anos, o Brasil não tinha, na expressão
empresarial, a representação da vantagem competitiva que tinha em um setor que é
chave para a alimentação do mundo. Era o player mais competitivo e não tinha
expressão internacional. E passou a ter. É preciso reconhecer que o fundamento da
ação do BNDES é projeto, plano de negócios e empresa. A expressão da atuação do
BNDES sempre vai se dar dentro desse contexto.
Valor: Como a BNDESPar escolhe as empresas?
Ramundo: Todo processo é iniciado pela empresa e a BNDESPar segue os mesmos
processos do BNDES: a operação passa por processos de enquadramento, escrutínio
de assessores e depois vai para a diretoria do banco para ser aprovada. São passos
idênticos aos do financiamento. As operações de renda variável seguem as políticas
operacionais e as prioridades do BNDES. A BNDESPar não é um ente à parte que
tem objetivos próprios, destacados ou independentes do BNDES. A diretoria da
BNDESPar se confunde com a do BNDES.
Valor: Por que há empresas que são apoiadas e outras não?
Ramundo: As operações precisam ter bom projeto, bom plano de negócio e ter por
trás uma empresa na qual o BNDES identifique competência e capacidade de executar
o plano, ainda que com algum risco, que é da natureza das operações de renda
variável. E precisa ter estrutura societária e um desejo de fazer caminho de estrutura
societária na direção das melhores práticas de governança. Muitos dos casos que
chegam ao BNDES não respeitam um desses três pontos e não passam no crivo.
Valor: E a questão da indisciplina de capital?
Ramundo: É o segundo mito sobre o qual falei. Como o BNDES vem recebendo
empréstimos do Tesouro, se faz dedução lógica de que o dinheiro do Tesouro vem
para o BNDES, o banco transfere para a BNDESPar, a direção do banco se senta em
uma sala e escolhe-se quem são os campeões nacionais. A BNDESPar é independente
dos recursos do BNDES. Se pegar de 2006 para cá, a BNDESpar tem saldo de caixa
de R$ 11 bilhões. O mercado avalia que, quando o capital é abundante, se faz maus
investimentos, se faz qualquer coisa, se faz o campeão e se perde dinheiro. Os
retornos da BNDESPar atestam o contrário, salvo o do ano passado. A BNDESPar
não pressiona o orçamento do BNDES.
Valor: Como explica os aumentos de capital da BNDESPar?
Ramundo: O BNDES, historicamente, tinha por prática, quando recebia ativos da
União, vender os papéis para a BNDESPar, que ficava com uma dívida com o banco.
Na época de transição para o IFRS, foi feita a mudança de prática contábil, para
melhoria de transparência, e esse mútuo antigo foi transformado em capital. Mas não
entrou um tostão. Além disso, houve em 2010 a operação ligada à capitalização da
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Petrobras, de R$ 22,8 bilhões. Veio com funding e objetivos específicos. Esse não foi
um investimento recorrente, foi uma operação de governo.
Valor: Mas que está dando um prejuízo grande.
Ramundo: Eu não tenho problema com esse ativo, vejo como reserva de valor.
Valor: E o terceiro mito?
Ramundo: Está se construindo a imagem de que o BNDES tem má gestão de
recursos. Mas é o contrário. A BNDESPar é independente do Tesouro e, embora
represente, em média, 20% dos ativos do BNDES desde 2007, garante 50% dos
lucros, de forma recorrente, excetuando 2012.
Valor: Quase não existem na carteira investimentos em varejo e em empresas de
serviços, como educação e saúde. Por quê?
Ramundo: Essas empresas têm ciclos de investimento mais curto, caso do varejo. No
setor de serviços, estamos fazendo uma reflexão sobre seu efeito na produtividade.
Ganhar qualidade no investimento em serviços induz ganhos de produtividade em
outros setores.
Valor: Daqui a cinco anos, a carteira vai ter mais exposição em empresas
inovadoras?
Ramundo: O banco vai ter muito mais exposição a setores de elevado risco, como
empresas com base tecnológica ou que possuam ativos intangíveis. Eu adoraria que
no Brasil houvesse "Apples", Vale do Silício. Vamos induzir isso. Por falta de capital
não vai ser. O BNDES vai estar presente para financiar os planos, desde que
consistentes.
Valor: Vale a pena vender parte da carteira antiga?
Ramundo: Não. A BNDESPar tem papel muito importante no modelo financeiro do
BNDES. O resultado da BNDESPar faz com que o BNDES possa, o que é mais um
tema de 2006 para cá, cobrar os spreads mais baixos da história do banco. Quando a
BNDESPar dá resultado, ela faz com que o banco, lá na ponta, possa cobrar menos
juros nas operações de infraestrutura e para as micro, pequenas e médias empresas.
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Foco devia ser inovação e empresas menores, dizem
analistas
Por Flavia Lima | De São Paulo
Foco devia ser inovação e empresas
menores, dizem analistas
O ex-presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) Carlos Lessa diz que muitos
anos antes de ele próprio dirigir a
instituição, em 2003, ouviu o atual
presidente do banco, Luciano Coutinho
defender o desenvolvimento industrial por
meio de grandes "campeões nacionais". Lessa gosta da realidade que vê hoje.
Segundo ele, o foco do banco no desenvolvimento de áreas de fronteira tecnológica
importantes para o país, entre elas o setor de petróleo e toda a indústria que pode se
desenvolver prestando serviços e fornecendo equipamentos ao setor, é fundamental.
"A tese é absolutamente correta."
Não é o que pensa, no entanto, um outro grupo significativo de economistas. Nos
últimos cinco anos, à medida que a política de formação de campeões nacionais
delineada por Coutinho e sua equipe foi ganhando força, as críticas ao BNDES e ao
seu braço de participação acionária, a BNDESPar, cresceram em uma velocidade
superior à dos aumentos de capital feitos no banco de fomento.
As análises batem na tecla de que, do ponto de vista de uma política industrial
convincente, a concentração dos investimentos em companhias de grande porte de
determinados setores não se justificaria. O entendimento é que os alvos da BNDESPar
não são os de um banco de desenvolvimento porque privilegiam operações cujas
estruturas de custos já conhecidas atrairiam sem dificuldades os investidores privados.
Para esses críticos, o banco deveria dar mais atenção a empresas menores, focadas em
inovação tecnológica.
"A BNDESPar deveria escolher setores que o país deseja desenvolver, mas pelos
quais o mercado, por algum motivo, não se interessa. Em termos de política industrial,
a prática seria beneficiar setores emergentes", diz Sergio Lazzarini, professor e
pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). O economista Mansueto
Almeida, concorda. "É uma política industrial feita para setores em que o Brasil já é
competitivo e com foco no aumento do porte das empresas, mesmo que isso leve à
concentração do mercado", diz.
Dados do relatório gerencial trimestral dos recursos repassados ao banco pelo Tesouro
Nacional referentes ao quarto trimestre mostram que entre 2009 e 2012, o BNDES
captou no Tesouro R$ 285,2 bilhões - além de reter R$ 36,2 bilhões referentes ao
retorno da carteira de contratos. Do total, 63,9% foram direcionados a empresas de
grande porte dos setores de infraestrutura, insumos básicos e bens de capital. Só a
Petrobras recebeu R$ 25 bilhões.
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As micros, pequenas e médias empresas e pessoas físicas ficaram com 35,3% do total
de recursos repassados pelos Tesouro no período, embora tenham abocanhado 86,9%
da carteira em quantidade de projetos. A administração pública recebeu 0,8% dos
recursos.
O gigantismo do banco à custa de endividamento público é uma preocupação - afora o
uso em manobras fiscais. "Em 2010, o governo emitiu dívida, repassou para o
BNDES, que comprou ações da Petrobras, que por sua vez pagou parte dos 5 bilhões
de barris de petróleo ao Tesouro com esses recursos. Isso não tem nada a ver com
política industrial, é mero truque contábil", diz Mansueto.
Nas contas de Mansueto, os empréstimos totais do Tesouro para os bancos públicos
em geral (a maior parte para o BNDES) correspondiam a apenas 0,5 ponto percentual
do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de 2007, ou R$ 14 bilhões. No fim de 2012, o
montante chegou a 9,2% do PIB, ou R$ 406 bilhões. "Preocupa porque desde 2008 a
atuação não parou mais, mexendo com a dívida bruta do país", afirma. A dívida bruta,
que engloba os passivos das três esferas do governo e estatais, cresce com uma
operação como essa, ainda que o próprio Tesouro figure como credor do banco de
fomento.
Mansueto diz que, além dos investimentos que já faz em infraestrutura, difíceis de ser
bancados integralmente pela iniciativa privada, um banco constituído por recursos
públicos deveria fomentar inovações que resultassem em ganhos para a sociedade.
A BNDESPar não despreza esse segmento, reconhece o economista. Uma olhada
mais atenta na carteira do banco, que reunia em setembro participação em 153
companhias, indica a existência de pelo menos duas dúzias de empresas ligadas aos
segmentos de biotecnologia, tecnologia da informação e automação, como a Totvs,
maior empresa de software do Brasil, a Linx e a Senior Solution, empresas que
recentemente abriram o capital em bolsa.
A questão, diz Mansueto, é que a especialização do banco em empresas mais
inovadoras - que, segundo ele, exigem não mais do que R$ 200 milhões em aportes
em quatro ou cinco anos - significaria reduzir substancialmente a carteira e fazer uma
gestão mais estratégica dela. "O banco quer fazer de tudo e não tem recursos. Na
ânsia de criar grandes campeões nacionais, faz operações custosas, que prescindem da
sua participação e produzem aprendizado nulo para o setor público."
Para Cássio Rabello, especialista de projetos da Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI), exemplos de países como Coreia, Japão,
Alemanha e Estados Unidos são suficientes para justificar a importância do
fortalecimento de grupos empresariais. "O movimento de participação acionária é
uma das estratégias de que todos esses países ainda lançam mão", diz.
Mansueto diz que não é bem assim. Segundo ele, o que o BNDES faz hoje é muito
diferente do que a Coreia fez na década de 60 e 70 e que, em sua visão, foi algo
positivo. "A Samsung era uma grande têxtil e o governo deu crédito barato e proteção
de mercado para ela se diversificar. O nosso foco maior é na criação de grandes
grupos para fazer mais do mesmo."
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Nada, contudo, tem mais poder de unir posições tão divergentes quanto o aumento da
exposição da BNDESPar nas empresas do setor de proteína animal, que, em dez anos,
saiu de zero para 6% da carteira. Para os críticos, é difícil enxergar os ganhos desse
tipo de negócio, além daqueles obtidos pelo capitalista privado que recebe essas
alocações. "O Luciano [Coutinho] vai dizer que a proteína vermelha é estratégica para
o Brasil porque é setor primário exportador. Será?", pergunta Lessa.
Antonio Corrêa de Lacerda, professor do programa de pós-graduação em economia
política da PUC de São Paulo, apoia a política industrial trilhada pelo banco, mas
entende que as críticas feitas habitualmente se referem à falta de transparência em
algumas operações. "Em momentos passados, a concentração em Petrobras, Vale,
Eletrobras e de empresas de energia elétrica também se deu em face de falta de
alternativas", diz. "Embora defenda a atuação do banco hoje, penso que ajudaria se
houvesse uma postura mais proativa na comunicação do BNDES".
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