Livros científicos na circulação livreira Portugal
Transcrição
Livros científicos na circulação livreira Portugal
4196 LIVROS CIENTÍFICOS NA CIRCULAÇÃO LIVREIRA PORTUGAL-BRASIL (1768-1800): ILUSTRAÇÃO E RENOVAÇÃO CULTURAL E PEDAGÓGICA Diogo Lúcio Pereira Vieira Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO O século XVIII foi um período de grandes transformações para o reino de Portugal, tanto no campo político-social, quanto no econômico e no cultural. Houve, dentro do Império português, um embate entre a tradição e o espírito de mudança exaltado pelo Iluminismo e um conflito entre os ensinamentos escolásticos com o racionalismo promovido pelas ciências. O pensamento ilustrado português expressava o desejo por fazer de Portugal novamente um lugar de opulência, poder e modernidade, revitalizando o Estado, que se encontrava submetido aos interesses políticos e econômicos ingleses, devido a uma série de tratados firmados entre essas duas nações a partir do século XVII. Esse quadro de atraso, no qual se encontrava o Império, estimulou o ilustre Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e, depois, marquês de Pombal, ao assumir, em 1750, o posto de ministro no reinado de Dom José I., a iniciar profundas mudanças políticas, administrativas e educacionais na metrópole e em suas colônias. Visava, com essas reformas, reverter o estado pernicioso no qual se encontravam os negócios portugueses e a imagem de Portugal perante as outras nações européias, como exemplo de Estado retrógrado e supersticioso. Para isso, Pombal recorreu à sua vasta experiência, adquirida nos anos que serviu ao reinado de Dom João V como diplomata português na Inglaterra e Áustria, além de seus estudos a respeito das deficiências do Estado português diante das principais potências européias e de seus contatos com outros intelectuais influenciados pelo “espírito das Luzes”, em sua maioria expatriados de Portugal devido à perseguição inquisitorial. Seu objetivo era o de busca por novos parâmetros teórico-metodológicos para a fundamentação de uma intervenção filosófica, política e educacional, que se adequasse à nova realidade portuguesa. Essa postura, no entanto, implicou a perseguição àqueles que, de algum modo, se contrapuseram aos interesses de Pombal, ainda que compartilhasse com o mesmo do espírito de renovação, como é o caso do padre Teodoro de Almeida. Com a ascensão de Pombal, todavia, Portugal se redefinia como Estado absolutista e ilustrado, e sua política foi seguida nos reinados posteriores ao de Dom José I. Dentro desse contexto de debate filosófico e de inovação pedagógica, abordo em meu projeto de pesquisa as obras O Verdadeiro Método de Estudar, de Luís Antônio Verney, Recreação Filosófica, de Teodoro Almeida, ambos autores portugueses; As Instituições da Lógica, do italiano Antônio Genovesi e Teatro Crítico Universal, do espanhol Benitoo Feijoo. Tanto as obras como seus autores foram de fundamental importância para o projeto de renovação político-pedagógica proposto durante o período do Reformismo Ilustrado. Ao resgatar a proposta político-pedagógica defendida por essas obras, trazendo-as à luz dos estudos recentes sobre História da Educação, torna-se possível entender como essa corrente do pensamento ilustrado percebeu e interpretou todo o debate intelectual existente em torno do Iluminismo no século XVIII e foi apropriada pelos governos portugueses no período reformista ilustrado. A busca desses autores por novas metodologias educacionais, inspirando-se no pensamento oriundo de Descartes, Newton e Locke, é o objetivo primeiro do projeto de pesquisa que desenvolvo. Pretendo igualmente entender os processos de construção dos recursos pedagógicos promovidos por esses pensadores, para a substituição dos tradicionais estudos teóricos e abstratos defendidos pela Companhia de Jesus, em prol de um novo conceito de estudo prático, experimental e lógico. A possibilidade de se fazer um estudo quantitativo da entrada desses títulos no Brasil, utilizando para isso dos róis de livros submetidos pelos proprietários de livros à Real Mesa Censória, criada em 1768, e aos tribunais censórios que a substituíram posteriormente, róis esses confeccionados com o intuito de conseguir licença régia para remeter livros de Portugal para o Brasil, é de fundamental importância na tarefa de traçar a circulação desses escritos na colônia. Os documentos trabalhados foram extraídos de fundos do Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo. Esta comunicação trará os números referentes à circulação dos livros supracitados, entre 1768 e 1800, e ao lugar dos mesmos no processo de renovação da cultura portuguesa no século das Luzes. Viso, com 4197 isso, contribuir para delimitar as proporções com que esse pensamento ilustrado se tornou influência na formação intelectual da elite letrada brasileira na segunda metade do século XVIII. TRABALHO COMPLETO Objetivos Esse ensaio tem como objetivo analisar as influências dos projetos político-pedagógicos produzidos pela intelectualidade ilustrada lusa, como meios de propagação das ideologias iluministas em Portugal e no Brasil da segunda metade do século XVIII. Foram utilizados como fontes primárias para esse estudo as obras O Verdadeiro Método de Estudar, de Luís Antônio Verney, Recreação Filosófica, de Teodoro Almeida, ambos autores portugueses; A Instituição da Lógica, do italiano Antônio Genovesi e Teatro Crítico Universal, do espanhol Benito Feijóo. A escolha dessas fontes não se deu de forma aleatória, tendo em vista a importante participação de seus autores na formulação do projeto político-pedagógico português, tanto no reinado de Dom José I, quanto no de Dona Maria I. O recorte temporal delimitado dentre os anos de 1768 e 1800 visa justamente resgatar o período de maior influência desses doutos ilustrados em Portugal, tanto no campo educacional, quanto no político, marcando a ascensão da ilustração portuguesa como parte da política pública estatal, em detrimento do tradicional modelo político-educacional escolástico. Introdução Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras, ministro no reinado de Dom José I, no qual recebeu o título de Marquês de Pombal, teve papel fundamental nas reformas do Estado português. As idéias as quais defendera o inseriram dentro de um processo de reformulação cultural que ia para além de suas pretensões políticas. Ao longo de meu trabalho, busco resgatar esse estado de profunda transformação no qual se encontrava a cultura lusitana, apoiando minhas reflexões nas críticas dos filósofos modernos à educação escolástica, às suas instituições e aos reflexos do predomínio dessa cultura secular na mentalidade da sociedade portuguesa do XVIII. Diante desse contexto, os projetos político-pedagógicos defendidos pelos quatro autores analisados tornaram-se parte de um complexo debate intelectual, no qual a educação passava a assumir uma importância que ia para além das salas de aula, alcançando as esferas públicas de ação social, responsáveis pelas mudanças nos pilares da sociedade portuguesa. Dentre os temas que fizeram parte dos fervorosos debates promovidos pelos ilustrados portugueses pode-se destacar a influência da cultura popular e das autoridades intelectuais na formação da sociedade civil, a importância de uma educação moderna e de qualidade para os jovens filósofos como meio transformador do status quo, além da necessidade de desmistificação da população lusitana perante a multiplicidade de doutrinas defendidas pelas diferentes correntes do pensamento, dentre eles a escolástica, a astrologia, a medicina galênica e mesmo a História, havendo uma busca pela adequação dessas disciplinas à realidade das ciências modernas. Utilizo como recurso metodológico o contraponto entre as diferentes propostas políticopedagógicas desenvolvidas pelos autores das fontes analisadas. Viso com isso reconstruir o embate de forças entorno da reformulação da sociedade portuguesa ocorrida no século XVIII, no intuito de possibilitar o transparecer das influências políticas por detrás das formulações teóricas. 1 – Influência dos saberes populares na cultura Portuguesa. Dentro dos projetos político-pedagógicos propostos nas obras analisadas, havia uma negação da cultura de valorização do saber popular. Esses projetos criticavam a influência do vulgo na mentalidade da sociedade ibérica, realidade considerada como responsável pelo estado de ignorância no qual essas nações se encontravam. A educação moderna, lógica e racional, se tornava o meio capaz de alterar esse quadro pernicioso, havendo uma defesa por parte da intelectualidade ilustrada pela desvinculação entre a dita “sabedoria popular” e a produção científica lusitana. 4198 A crítica ao saber popular é bem exemplificada por Teodoro de Almeida no dialogo construído em torno dos personagens Teodozio e Silvio: “T. – Para com a gente não cultivada com estudos, é incrivel a forsa que tem a autoridade do vulgo. S. – Valem –se do Proloquio vox populi vox Dei. T. – Alguns trocão esse proloquio vox populi vox diaboli, mas o cazo é, que nem um, nem outro é verdade geralmente. (...) De ordinario a autoridade do vulgo é uma das mais fecundas raizes dos erros que trazemos na infancia.”1 Teodoro de Almeida, apesar de defensor da popularização dos saberes científicos como parte de um projeto educacional de massa, além da necessidade da desvinculação entre disseminação do conhecimento e poder Estatal, motivo de discórdia entre o Oratoriano e o Marquês de Pombal, via como daninha a influência dos saberes populares na formação cultural do filósofo. Benito Feijóo e Antonio Genovesi possuíam uma posição mais radical em relação ao acesso do vulgo aos novos saberes modernos, os quais defendiam a formação de uma casta de jovens filósofos, empenhados no desenvolvimento científico da península. Genovesi, ao propor o Método Sintético como o mais adequado a ser utilizado no ensino dos discípulos, disse: “Elege discípulos hábeis. Certamente nem todos podem alcançar todas as coisas e nem de todas se há de tratar com todos.”2 Feijóo ia mais além; “Aquella mal entendida máxima de que Dios se explica em la voz del pueblo, autorizó la plebe para tiranizar el bien juicio, y erigió em ella uma potestad tribunicia, capaz de oprimir la nobreza literaria..”3. O radicalismo de ambos os autores estava diretamente relacionado ao sentimento dentre os ilustrados ibéricos de “la conciencia de la miseria entelectual” da península, como bem definiu Augustín Millares Carlo no Prólogo da edição de 1951 de Teatro Crítico Universal. As novas propostas pedagógicas racionalistas, baseadas em Descartes e Newton, visavam reformular a estrutura social ibérica, arraigada na tradição popular e na autoridade dos intelectuais escolásticos. Essa foi uma das grandes preocupações de Carvalho e Melo, ao desenvolver suas teorias educacionais, reflexo dos debates promovidos dentro do círculo ilustrado do qual fazia parte, composto em sua maioria por expatriados portugueses fugidos da perseguição inquisitorial 2 – Crítica à tradição erudita (mestres, autoridades e saberes) Na tentativa de implementar um ensino eclético em Portugal, os reformadores ilustrados se esbarraram na ortodoxia do ensino escolástico, arreigado na tradição da filosofia aristotélica. Com a ascensão política da ilustração no reino, o poder da autoridade clássica e o ensino puramente teórico passaram a dar lugar a exaltação do conhecimento prático, adquirido por meio da observação da natureza. Genovesi resume bem as causas da ignorância que assolava as nações ibéricas e todas aquelas que se mantinham sob a tutela educacional dos escolásticos; “fora de nós as principais [causas da ignorância] são os nossos pais e todos os nossos educadores, os mestres ignorantes e inábeis, os livros e o povo.”4 A filosofia escolástica, assim como a influência popular, era vista dentre os ilustrados como impedimento para a reformulação ampla e efetiva das estruturas sociais portuguesas. Por isso, Carvalho e Mello adotou as teorias reformadoras desenvolvidas por Genovesi e Luís Antônio Verney, como bases para a reforma do projeto político–pedagógico de ensino em Portugal. Dentre os motivos que geraram o atrito entre os ilustrado e a tradição escolástica, pode-se destacar a crítica dos modernos à intransigência das instituições peripatéticas em se manterem presas de forma acrítica à força da autoridade, em uma negação às novas doutrinas racionais, fundamentadas no conhecimento “experimentado”. Teodoro de Almeida usa do personagem peripatético Silvio para ilustrar essa negação; 1 Teodoro de Almeida, Recreação Filosófica, vol. VII, pág. 139. Antônio Genovesi, A Instituição da Lógica, 1977, pág. 111. 3 Benito Feijóo, Teatro Crítico Universal, 1951, pág. 85. 4 Antônio Genovesi, A Instituição da Lógica, 1977, pág. 34. 2 4199 S. “Isso assim será, [tratando da reflexão da luz] mas as doutrinas, com que os nossos Antigos nos creárão, não me deixão assistir a huma opinião tão nova, posto que reconheça estar especialmente fundada”5 A diminuição da influência em Portugal e Espanha da filosofia escolástica tinha como um dos objetivos permitir aos intelectuais ilustrados uma maior liberdade para desvendar os mistérios da natureza. A física e a matemática assumiram uma posição de destaque diante do restante das disciplinas. Genovesi advertia aos novos filósofos da modernidade; “Terás liberdade na Filosofia, a ninguém darás mais crédito do que é justo; a ninguém te sujeitarás totalmente; filosofarás à maneira dos ecléticos.”6. A observação natural se tornava a base deste novo saber eclético. O pensamento lógico e racional era utilizado como fonte de questionamento perante as explicações defendidas pelos escolásticos sobre os fenômenos naturais, apoiando suas conclusões apenas nos princípios da “matéria, forma e privação”. A fragilidade do discurso utilizado pelos adeptos da filosofia clássica, ao rebaterem as teorias desenvolvidas pelas novas ciências modernas, é critica de todos os autores analisados. Verney exemplificou resumidamente o descrédito dos modernos com relação aos saberes escolásticos: “Tanto sabe um puro peripatético dos efeitos naturais, quanto sabe um cego de cores.”7 Os diálogos entre os personagens Teodozio e Silvio em Teatro Crítico Universal, envolvendo o poderio teórico da filosofia moderna perante a escolástica nos assuntos científicos, também são mostras da incapacidade explicativa dos filósofos escolásticos ao tratarem dos fenômenos físicos e naturais. Em um desses diálogos, Teodozio faz uma crítica à falta de autonomia intelectual dentro das “escolas fechadas”, uma referência à ortodoxia da Companhia de Jesus, resistente em aceitar a supremacia das evidencias práticas e experimentais, se mantendo arreigada a um currículo ultrapassado e estático. A preocupação dentre os ilustrados estudados em findar com o poderio onipotente da autoridade dos Doutos não pode ser considerada como sinônimo de descrédito quanto ao importante papel dos intelectuais na construção dos projetos político-pedagógicos das nações. Genovesi deixa esse posicionamento bem claro, ao afirmar que o desenvolvimento das capacidades da nossa “alma” para o raciocínio lógico e consciente dependia dos ensinamentos das autoridades: “Nenhuns outros caminhos de aprender têm propostos os filósofos fora destes quatro: autoridade, sentidos externos, consciência, raciocínio e conjetura”8. O questionamento perante a autenticidade da fala da autoridade visava coibir possíveis princípios falsos, que poderiam corromper a educação dos jovens filósofos. Os princípios da Lógica assumiram importante papel na formulação de métodos de questionamento racional da produção científica. Preocupado com o mal uso que os modernos poderiam fazer desses novos métodos, Genovesi advertia quanto ao surgimento de possíveis erros devido a utilização pretensiosa da lógica racional: “Se indagares por muito tempo e não achares aquela verdade lógica, ou esta física, não digais que é falso o que está, entre as mãos, somente porque o não entendes, se não és tão ridículo que cuides que o teu entendimento é a medida da verdade e falsidade.”9 Esse posicionamento também era partilhado por Teodoro de Almeida. Defensor de um diálogo harmonioso entre os adeptos da escolástica e os modernos, Teodoro, ao tratar dos “Accidentes Eucharisticos”, tema de grande discussão entre as duas correntes do pensamento luso, criticava a maneira afrontosa e injuriosa com a qual os peripatéticos acusavam os filósofos modernos de hereges; “Elles chegão a escrever em papeis Latinos, e ainda vulgares, que nós somos hereges, ou quasi hereges. Nas orações publicas o assumpto principal he declamar contra os Modernos, exhortando vivamente os Portugueses, que a ferro, e fogo extingão esta peste.”10 5 Teodoro de Almeida, Recreação Filosófica, vol. II, pág. 108. Antônio Genovesi, A Instituição da Lógica, 1977, pág. 46. 7 Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar, pág. 174. 8 Antônio Genovesi, A Instituição da Lógica, 1977, pág.76. 9 Idem, ibidem, pág. 110. 10 Teodoro de Almeida, Recreação Filosófica, vol.II, pág. 280. 6 4200 A defesa de Teodoro por um diálogo das diferenças estritamente voltado para o campo do discurso científico e racional difere muito da posição intransigente que o ilustrado lusitano assumiu diante da crescente circulação das obras de autores como Voltaire, Diderot, Rousseau ou d’Alembert em Portugal. Os defensores do saber livre das amarras da Igreja ou do Estado foram classificados por Teodoro como hereges, e o teor de seus escritos tidos como libertinos, tendo suas obras censuradas no reinado de Dona Maria I. Um ponto de vista interessante acerca da crítica às autoridades, foi o apresentado por Benito Feijóo, ao defender a obra de Jacob Benigno Bossuet, Historia de las variaciones de las iglesias protestantes. Em sua analise da obra, Feijóo defendeu a existência de alguns sábios dentre os hereges, em uma alusão implícita ao pensamento desenvolvido por Lutero e pela corrente intelectual que o procedeu. Mesmo admitindo prodígios intelectuais no pensamento herético, buscou basear-se na existência de dissidências religiosas dentro do protestantismo religioso, para negar a veracidade da doutrina pregada por eles. O estudo acerca da crítica proposta pelos autores pesquisados à adesão passiva da população em geral perante as autoridades do saber, possibilita perceber a dimensão política alcançada pelos discursos e obras produzidas por esses intelectuais no Portugal do século XVIII. Ao debaterem os caminhos a serem percorridos pela educação lusa, os iluministas portugueses não se mantiveram presos ao embate de forças existente dentro do círculo acadêmico. A consolidação das teorias iluministas em Portugal se tornou bandeira dentre esses doutos, que associaram a esse objetivo a possibilidade de acensão de suas idéias e de seus representantes ao poder político do reino. 3 – Didática pedagógica para a educação dos jovens filósofos. A preocupação em formar uma casta de jovens filósofos modernos era compartilhada por todos os autores analisados. Para tanto, esses defendiam a necessidade de modernização dos modelos de ensino até então utilizados, desenvolvidos pelas instituições educadoras adeptas da escolástica. A crítica à ortodoxia dos modelos pedagógicos e às estratégias de ensinos que vigoravam nas escolas portuguesas se tornou importante tema de discussões entre os filósofos modernos. O objetivo era desenvolver novos métodos didáticos que se adequassem à realidade educacional visada pelos ilustrados. Novos recursos pedagógicos Dentro do conjunto de alterações pedagógicas propostas pela ilustração lusa, estava o fim do severo uso da força, da repreensão e do medo como prática educacional escolar. Genovesi, defensor de uma liberdade do espírito como meio dos alunos obrarem com maior poder de lógica e raciocínio, observava: “ A excessiva severidade extingue a fogosa força do engenho dos meninos, e pouco a pouco os faz estúpidos e inábeis”11. O ilustre via no estimulo do engenho e no aumento do entendimento as melhores soluções para vencer a “frouxidão do corpo” e manter a atenção do aluno, havendo a necessidade dos discentes desenvolverem práticas didáticas que envolvessem o uso da escrita, no intuito de alcançarem os resultado esperados. Verney também defendia o fim da violência contra os jovens filósofos. O uso da paciência por parte dos educadores, em detrimento das usuais pancadas para a manutenção da autoridade do carrasco, era uma das propostas do ilustrado. Em seu projeto pedagógico, o ensino da gramática se tornava a matéria primeira da mocidade, responsável pelo desenvolvimento de um maior domínio da própria língua, capacitando-os por meio da leitura e da fala correta. Para tanto, observava a necessidade de um ensino gradual e prazeroso, no qual o aluno teria contato com as regras gramaticais de forma simplificada, através da exposição do professor. Recursos didáticos como as expressões usuais do alunado, cartas bem escritas e livros vulgares deveriam ser utilizados como suporte para as aulas. A utilização de uma literatura agradável para exemplificar os ensinamentos gramaticais também era proposta pelo autor, que chegou a citar as cartas mais simples do Padre Antônio Vieira como material para as aulas de gramática. 11 Antônio Genovesi, A Instituição da Lógica, 1977, pág. 45. 4201 Ao analisar a importância do ensino da gramática, Verney fez uma dura crítica ao Colégio das Artes e à Universidade de Coimbra, ambos administrados pela Companhia de Jesus. Os castigos severos como o uso da palmatória contra os principiantes era visto pelo autor como prática inútil, um dos principais motivos causadores das dificuldades de aprendizado dos discentes, expressando a incapacidade dos docentes em ensinar de forma competente. Verney defendia sim uma repressão moderada aos alunos arteiros, que poderiam vir a atrapalhar o estudo dos colegas. Ainda, aproveita o ensejo para sugerir o uso de repressão contra os abusos acometidos aos alunos novatos, em uma interessante crítica ao “trote” universitário; “Seria bom que nessa sua Universidade se desse um rigoroso castigo, mesmo de morte, aos que injustamente acometem os novatos, e fazem outras insolências.”.12 Feijóo exaltou a leitura como prática virtuosa para o melhor entendimento dos discentes e da sociedade de uma maneira geral. Classificava o pouco hábito de leitura entre os espanhóis como reflexo de uma cultura educacional que fazia dos estudos uma prática de homens “melancólicos, tétricos, desabridos”. Contra essa cultura, relatava as benéficas que essa prática poderia fazer para a boa saúde e vivacidade, recomendando um estudo que não se excedesse aos extremos, seguido por uma alimentação balanceada. A didática de ensino Ao introduzir os métodos “analítico” e “sintético” como modelos didáticos eficientes para o ensino dos jovens filósofos, Genovesi apresentou um conjunto de regras para instruir o docente nessa prática de ensino. Dentre essas regras, se destacou a preocupação do autor em desenvolver um processo de ensino gradual, no qual o aluno teria contato primeiramente com os temas mais “evidentes e fáceis”, seguidos de matérias mais “dificultosas e escuras”. A preparação prévia da aula pelo docente era vista com grande importância para o melhor entendimento da matéria ensinada. Definir os vocábulos mais complexos ou duvidosos tinha como objetivo facilitar o entendimento do aluno, para que esse não tivesse dificuldade em descobrir a “verdade”, devido a obscuridade das idéias. Essa preocupação didática também perpassou a obra de Teodoro de Almeida. Ao instruir o militar Eugenio, o moderno Teodozio utilizou de um método lento e gradual, baseado na comprovação através da experiência e ilustração dos debates filosóficos, por temer as dificuldades que o seu pupilo poderia encontrar em ensinamentos puramente teóricos. A estratégia metodológica utilizada pelo personagem de Teodoro era reflexo da ascensão dos preceitos modernos diante das tradicionais práticas educacionais lusitanas, promovendo a alteração do conceito de verdade científica, atrelando-o à possibilidade de comprovação dos fenômenos naturais explicados a partir de experimentos reproduzíveis. Para Verney, o ensino das ciências deveria ocorrer despido “de todo o gênero de prejuízos e paixões”, para que a busca pela verdade não sofresse influências de interesses adversos. Ciente da impossibilidade de existência de relações didático-pedagógicas imparciais, devido aos interesses políticos envolvidos no desenvolvimento das práticas educacionais, ele propunha uma diferenciação de estilos didáticos para cada disciplina, visando a adequação a essa realidade. A geometria, livre de interesses obscuros, poderia ser ministrada de forma direta, com precisão na definição dos termos necessários para o seu estudo. Para o ensino da lógica, física e metafísica, era necessário um estilo mais agressivo, já que essas matérias estavam no meio do embate intelectual e político envolvendo escolásticos e modernos. Verney classificava o estudo teológico como “um estilo mais elevado”, ao perceber o quanto era conflituoso o embate entre católicos e hereges acerca das verdades divinas. Classificando o discurso dos professores católicos como vigorosos e ríspidos, devido ao interesse plausível dos fiéis em defenderem a sua religião, propunha uma reformulação dos ensinamentos teológicos em sala de aula, para que se produzisse um efeito mais agradável entre os discentes. Obviamente que o autor recriminava qualquer tipo de ironia ao se tratar dos assuntos eclesiásticos, mas defendia o uso de figuras de linguagem para a adequação do discurso teológico à realidade das escolas: “O que faz seja 12 Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar, pág. 76. 4202 mais bela a teologia, mais concludente o discurso; e põe à vista e na luz todas as razões, porque só assim as entendem todos e se evitam palavras que nada significam nas escolas.”13 4 – Projetos político – pedagógicos na formulação de uma nação racional. Reestruturação curricular do ensino em Portugal Percebe-se dentre os quatro autores analisados uma preocupação que ia para além da reformulação do modelo pedagógico empregado no sistema educacional de Portugal e mesmo de toda a Península Ibérica. O objetivo maior desses ilustrados era repensar as bases estruturais da sociedade luso-hispânica. O século XVIII foi marcado por um cenário de atraso econômico e tecnológico das nações ibéricas perante as potências européias, em destaque Inglaterra e França, havendo entre os doutos dessas nações um grande interesse em determinar as origens desse atraso e as medidas necessárias para reverter esse quadro pernicioso. O embate estava lançado, contra os modernos se encontrava a tradição escolástica, tendo em Portugal a Companhia de Jesus como sua principal representante. Contra os inacianos, se apresentavam as novas doutrinas de René Descartes e Isaac Newton, comandando uma série de novas ciências que colocavam em xeque os ensinamentos escolásticos e a tradição aristotélica. Cada um dos autores analisados apresentou um projeto pedagógico particular diante do debate político-educacional a que se propuseram, mas suas obras se convergiram ao tratarem da necessidade de uma reformulação curricular do ensino em Portugal e Espanha. A lógica, a física, a matemática e a anatomia passaram a disputar espaço com as tradicionais matérias ensinadas nas escolas, como metafísica, moral, medicina galênica e teologia escolástica. A valorização da experiência passou a substituir as teorias escolásticas, o uso abusivo por parte dos peripatéticos de silogismo se tornou crítica recorrente entre os lógicos modernos, que viam nesse artifício aristotélico uma fuga das análises racionais dos efeitos da natureza. Ao tratar da importância da matemática na filosofia moderna, Verney enfatizou o grande número de escolásticos lusos que viam os ensinamentos dessa disciplina como hereges e exclusivamente voltados para a diversão do povo. Dando maior ênfase a suas críticas à Companhia de Jesus, Verney culpava os professores jesuítas por ensinarem a seus alunos alguns preceitos de geometria clássica nas aulas sobre o geômetra grego Euclides, apesar de não oficializarem o ensino da matemática como parte do currículo oficial da instituição. Dentro desse embate entre as disciplinas racionais e as doutrinas tradicionais, fica claro na leitura dos autores ilustrados a defesa de uma adequação dos novos conhecimentos e doutrinas científicas à filosofia moral. Esses autores definiam a moral como responsável por tratar da fé humana, tendo como objetivo principal o desenvolvimento de teorias teológicas capazes de determinar a conduta adequada a cada cidadão, partindo da necessidade da adesão desses de forma incondicional às leis civis e às leis divinas. Há uma clara mostra de preocupação com a coerção em torno de um modelo de educação que preconizava a liberdade intelectual submetida à supremacia clerical. Essa preposição pode ser verificada na obra A Instituição da Lógica, no capítulo intitulado “Da Ciência e da Fé”. Genovesi dividia a ciência em três modos de estudos - matemática, física e moral. A matemática possuía maior evidência lógica, já que compunha-se de axiomas e de pura demonstração, como se via na geometria e na aritmética. A física, baseada nos sentidos do mundo externo, tornava-se menos evidente, mas segura em suas conclusões. O autor dividia a moral em “divina” e “humana”. A fé humana era passível de questionamento e de verificação quanto à veracidade do discurso, independente de ser laico ou clerical. Já a fé divina se constituía em torno de uma verdade inquestionável, que se dava por meio da evidência moral. 13 Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar, pág. 125. 4203 A fé divina baseava-se na “autoridade clara de Deus”. Essa autoridade poderia se opor às evidências físicas, já que a razão de Deus seria superior aos sentidos humanos enganadores. A razão de Deus nunca seria oposta à evidencia matemática e se isso ocorresse logo a verdade matemática resultaria em falsidade. A instituição responsável por interpretar a autoridade divina era representada pela Igreja Católica porque “a Igreja , de quem foram confiadas as palavras de Deus, é a mestra de interpretar a divina autoridade.”14. A posição de Genovesi é interessante dentro do contexto histórico tratado, já que havia por toda a Europa Iluminista uma busca pela desvinculação entre as ciências naturais e as doutrinas teológicas, em um movimento contrário ao proposto pelo padre italiano. A utilização das teorias defendidas por esse autor e por Verney para a reestruturação educacional promovida por Carvalho e Melo dá mostras de que Portugal buscou a partir de 1755 se adequar à produção do conhecimento racional desenvolvido no restante do continente, mas se mantendo atrelado a um conservadorismo cristão comedido. Obviamente que dentro do campo político a estratégia dos ilustrados católicos em submeterem as ciências racionais à análise prévia das autoridades eclesiásticas era uma defesa clara à necessidade de órgãos censores como a Inquisição e o Tribunal do Santo Ofício. Essa ação tinha como objetivo adequar os novos discursos aos interesses da Igreja, não sendo plenamente aceita por Pombal, haja vista a ação do ministro contra a influência política da Companhia de Jesus e da Congregação do Oratório no governo de José I, além da criação da Real Mesa Censória em 1768, com o intuito de secularizar a administração dos órgãos de censura portugueses, até então nas mãos dos tribunais inquisitoriais. A Real Mesa Censória foi o mecanismo utilizado por Carvalho e Melo para permitir a entrada de literaturas iluministas até então proibidas, mas consideradas pelo ministro como de grande importância para o processo de modernização de Portugal. Dentre essas obras estavam “Oeuvres de Voltaire (teatro), a Pamela, de Richardson, o Esprit de lois, de Montesquieu, e os Essays on human understanding, de Locke”.15 Quando trato da permanência dentro da produção ilustrada luso-hispânica, tanto no campo teórico quanto no prático, de teorias morais reguladoras, percebo a influência cultural de preceitos religiosos na identidade lusitana, reflexo da soberania secular da Igreja Católica na construção do ideal de nação no mundo ibérico. Busco com isso resgatar uma realidade intrínseca à mentalidade intelectual do período das luzes em Portugal, não desconsiderando todo o empenho de Carvalho e Melo e daqueles que compartilhavam dos mesmos ideais do ministro português, em alterarem esse quadro cultural, que acreditavam ser pernicioso à nação e responsável pelo atraso intelectual, tecnológico e econômico que se encontravam perante os Estados mais desenvolvidas. Intransigência e Ilustração – A impossibilidade do convívio de diferentes correntes do pensamento em Portugal A supremacia católica perante as novas descobertas científicas também foi veemente defendida por Teodoro de Almeida, principalmente após o seu regresso do exílio com a queda de Pombal, já no reinado de Maria I. Após anos de lutas contra a tradição escolástica, Teodoro se viu em uma situação inversa diante da produção iluminista baseada na pura razão, que desconsiderava os ensinamentos dos textos de base religiosa como preceitos necessários para o entendimento lógico dos fenômenos da natureza. Dentro dessa corrente iluminista havia críticos da cultura ibérico-cristã, vista como responsável por colocar essas nações na situação retrograda de barbárie na qual se encontravam. O Candido, de Voltaire, foi uma dura crítica à cultura ibérica, em especial a Portuguesa, devido ao fato de as práticas políticas lusas estarem intimamente ligadas a hierarquia eclesiástica. O episódio do terremoto de Lisboa em 1755 teve uma repercussão negativa perante a Europa, tendo Valtaire como principal interlocutor, critico dos “autos de fé” que ocorreram após a catástrofe natural. Kenneth Maxwell em Marques de Pombal – Paradoxo do Iluminismo, apresenta uma versão diferente para a reação estatal portuguesa após o terremoto de Lisboa. Para ele, a resposta de Pombal e seus 14 15 Antônio Genovesi, A Instituição da Lógica, 1977, pág. 75. Kenneth Maxwell, Marquês de Pombal – Paradoxo do Iluminismo, 1996, pág. 101. 4204 colaboradores representou uma ação moderna, objetivando apresentar o Estado português como um exemplo de “Estado moderno, bem regulado e utilitário”16. Após o terremoto de 1755, houve dentre os intelectuais ilustrados um debate acerca do “otimismo, Deus e fenômenos naturais”17. A reação de Carvalho e Melo aos diferentes posicionamentos acerca das possíveis causas do terremoto foi o de estimular teorias que o justificassem como fenômeno puramente natural. Teodoro de Almeida foi um dos ilustrados que se aprofundaram nesse tema. No tomo VI do Recreação Filosófica, no capítulo intitulado “Dos Terremotos, suas cinzas, e efeitos: onde se trata da elasticidade dos vapores”, o autor buscou explicar as causas do terremoto a partir de seus efeitos na terra: “(..)No celebre Terremoto de 55 rebentou em varias partes a Terra, lansando grande copia de uma materia negra e bituminoza, que mostrava ter grande porsão de enxofre, tanto na chama que lansava de si, acendendo-a, como no cheiro (...)”.18 Fica claro o quanto era complexo o contexto político, social e cultural, no qual os doutos ilustrados portugueses estavam inseridos. O projeto político-pedagógico luso em questão estava no meio de um embate de forças internas e externas, que debatiam acerca da modernização das estruturas político-sociais portuguesas. Dentro desse contexto, Carvalho e Melo adotou uma política de perseguições às diferentes correntes do pensamento luso, deixando de lado o debate político, alcançando as esferas da agressão física, prisão e exílio de ilustrados contrários as políticas estatais. Essa ação absolutista visava claramente a supremacia do Estado perante as dissidências políticas portuguesas, indo para além do campo educacional, em uma clara busca de Carvalho e Melo por uma governabilidade livre das tradicionais influências eclesiásticas, presentes nos reinados anteriores ao de D. José I. Teodoro de Almeida foi um dos doutos ilustrados que sofreu grandes retaliações da administração pombalina, tendo que se dirigir ao exílio em 1768, fugindo para a Espanha diante de uma ameaça de prisão. Francisco Contente Domingues apresenta a relação que Teodoro de Almeida teve com a família dos Távoras, como um dos motivos que poderiam ter gerado entre ele e Carvalho e Melo tamanha “animosidade”. Inimigos de Dom José I, os Távoras foram acusados da tentativa de assassinato do rei em setembro de 1758, condenados por crime de “lesa-majestade, traição e rebelião contra o rei e o Estado”. Teodoro de Almeida havia se tornado mestre de José Maria, filho do conde de Távora, em 1748, alcançando grande prestígio com a família. Apesar das desavenças pessoais entre os dois ilustrados, é certo que o projeto educacional proposto por Teodoro apesar de ser baseado em preceitos modernos de ensino se chocava diretamente com os interesses políticos de Pombal, devido a defesa do Oratoriano pela desvinculação do ensino da tutela do Estado. Esse conflito refletia a impossibilidade do convívio no reinado de D. José I de diferentes projetos político-pedagógicos destinados a nação portuguesa. 5 – REPENSANDO A HISTÓRIA. Dentro do embate de forças entre escolásticos e modernos, entre as doutrinas antigas e as ciências racionais, faz-se possível uma breve análise da função da história e do historiador como parte do projeto de renovação cultural e pedagógica de Portugal. Genovesi no capítulo II, “Da autoridade humana”, apresenta os fatos históricos atrelados de maneira incondicional à autoridade de quem os testificam, posição diferente da que ocorria com a filosofia natural e as “demais disciplinas da razão”, nas quais “a autoridade pode ter lugar por algum tempo, até que cresça a nossa razão”19. Contra a adesão acrítica aos argumentos defendidos pelas autoridades dos historiadores, Genovesi apostava no desenvolvimento da capacidade do entendimento racional dos homens modernos, como meio de promover métodos científicos para a identificação dos 16 Kenneth Maxwell, Marquês de Pombal – Paradoxo do Iluminismo, 1996, pág. 27. Idem, ibidem, pág. 21. 18 Teodoro de Almeida, Recreação Filosófica, vol.VI, pág. 431. 17 19 Antônio Genovesi, A Instituição da Lógica, 1977, pág. 83. 4205 autores verdadeiramente doutos. Para ele, a possibilidade de formulações históricas enganosas era motivo suficiente para o desenvolvimento de métodos críticos de questionamento historiográfico. Em sua obra, Genovesi definia a capacidade e perspicácia de entendimento, a ciência do fato e a probidade, como os três princípios básicos para a determinação de um historiador possuidor de crédito dentre o restante dos doutos, independente de sua formação ser escolástica ou moderna. Ao seu ver, a crítica à produção de um douto era facilitada devido a permanência em seus escritos de todo o seu juízo, perspicácia, capacidade de entendimento e metodologia utilizada. Para ele, um historiador ao defender uma tese, deveria primeiramente ser capaz de entender o tema o qual estaria tratando, possuindo perspicácia para discernir quanto as possíveis influências externas e internas que poderiam permear a reconstrução de um fato histórico. Benito Feijóo, diferentemente de Genovesi, não propunha um método histórico baseado na lógica e na razão. Augustín Millares Carlo considera que o autor hispânico foi pouco influente no terreno histórico. Sua principal contribuição se encontra no capítulo intitulado “Reflexiones sobre la Historia”, no qual Feijóo defendia uma espécie de historiador ideal, composto por duas qualidade principais, ser desapaixonado e imparcial. Via com grande perigo a produção histórica motivada por interesses particulares e influências externas, utilizando como exemplo as histórias oficiais dos reinos, as quais eram patrocinadas por interesses da elite no poder. Diferentemente de Genovesi e Feijóo, Verney não se prendeu ao debate metodológico, se detendo na formulação de uma didática pedagógica para o ensino da história. Verney defendia o estudo da “história-santa” como matéria primeira no ensino da história. O ensino bíblico das verdades reveladas nos Testamentos deveria ser gradual, aos moldes do catecismo, dando condições ao docente de introduzir a divisão dos tempos históricos. Essa estratégia didática tinha como objetivo estabelecer o fundamento da história no imaginário dos discentes, alertando o autor ao desnecessário uso de uma cronologia rigorosamente definida. Após o estudo da história santa, os alunos seriam introduzidos no estudo da história profana, em especial a grega e a romana. O estudo dessa matéria dentro da disciplina história era defendido pelo autor para que os discentes pudessem encontrar exemplos de virtudes morais, responsáveis pela regulação da ação humana dentro de um viver social e cívico. Por último, viria o ensino da história de Portugal. O ensino dessa matéria também seria ministrado para as mulheres, para que elas pudessem ter contato com o que havia ocorrido de bom e ruim no reino em que moravam. Apesar disso, as mulheres só deveriam aprender o necessário, não tendo contato com toda a produção histórica produzida na Academia Real. Essa defesa restritiva de Verney ao ensino da história de Portugal às mulheres é de fácil entendimento, devido a importância da figura feminina como administradora da economia do lar, transmissora de bons costumes aos filhos e companheira para os homens, motivos que faziam necessário uma capacitação mínima da mulher nos estudos da escrita, da leitura, da matemática e da história. A discussão metodológica elaborada por Genovesi e Feijóo tinha por objetivo delimitar o ofício do historiador, regulando assim a produção historiográfica disseminada em Portugal e Espanha. Já a proposta de didática de ensino e de currículo para a história apresentada por Verney, dá mostras da preocupação desse autor em definir precisamente o enfoque histórico que deveria ser adotado durante o estudo dessa disciplina com os alunos. Através da análise das diferentes abordagens para o estudo da história promovidas pelos autores em discussão, pode-se perceber o relevante papel atribuído a essa disciplina no processo de construção de uma realidade determinada dentro do imaginário da sociedade ibérica do século XVIII. CONCLUSÃO Ao longo desse ensaio, evidenciou-se a importância das obras analisadas dentro do processo de modernização das estruturas políticas e sociais em Portugal da segunda metade do século XVIII. Não pretendo com essa comunicação, esgotar a riqueza de possibilidades diante da temática pesquisada, havendo a necessidade de estudos mais aprofundados no intuito de delimitar de maneira mais precisa a influência da produção científica ibérica nos direcionamentos políticos adotados em Portugal e no Brasil. 4206 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Teodoro de. Recreação filosofica, ou dialogo sobre a filosofia natural, para instrucção de pessoas curiosas, que não frequentárão as aulas. 5ª impr. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1783-1788. CARVALHO, Augusto da Silva. Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Ciências. 1939. Tomo II, pp. 349-377. DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração e catolicismo: Teodoro de Almeida. Lisboa: Edições Colibri, 1994. FEIJÓO, Benito Jerónimo, Teatro Crítico Universal, clásicos castellanos. Espasa – Calpe, S.A., Madrid, 1951. 1V. FILGUEIRAS, Carlos Alberto Lombardi. Saberes acadêmicos e populares na prática médica do século XVIII em Portugal e em Minas Gerais. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECONOLOGIA, 5, 1998, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, [1999]. (inédito). ____________________. A revolução química de lavosier: uma verdadeira revolução?. Química Nova, São Paulo, 18 (2): 219-224, 1995. ____________________. Bartolomeu de Gusmão: um eco da revolução científica no Brasil colonial. In: GOLDFARB, Ana Maria, MAIA, C. A. [org.]. História da ciência: o mapa do conhecimento. São Paulo: Expressão e Cultura: Edusp, 1995, p. 381-390. ____________________. Voltaire e a natureza do fogo: uma controvérsia do século dezoito. (mimeograf.). ____________________. O conhecimento científico no Brasil setecentista (mimeograf.). ____________________. João Manso Pereira, químico empírico do Brasil colonial. Química Nova, São Paulo, 16 (2): 155-160, 1993. ____________________. A ciência e a sociedade brasileira: do Iluminismo na Colônia ao positivismo no Império. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA, 4, 1993, Caxambu. Anais... Caxambu, 1993, 104-109. ____________________. Origens da ciência no Brasil. Química Nova, São Paulo, 13 (3): 222-229, 1990. ____________________. Vicente de Seabra Telles (1764-1804), the first Brazilian chemist. NTMSchriftenr. Gesch. Naturwiss., Technik, Med., Leipzig, 2 (27): 27-44, 1990. ____________________. Newton e a alquimia. Ciência e Cultura, 40 (1): 41-44, jan. 1988. ____________________. A química de José Bonifácio. Química Nova, 9 (4): 263-268, 1986. GENOVESI, Antonio. A instituição de lógica. Rio de Janeiro: Pontificia Universidade Catolica: Documentario; [Brasilia]: Conselho Federal de Cultura, 1977. 127p. MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal. Paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Editorial Domingos Barreira, Porto, 3ª Edição. VOLTAIRE. Candido, ou, O otimismo. Porto Alegre: L&PM, 1998.