Da cor do pecado e dos castigos da cor
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Da cor do pecado e dos castigos da cor
Sérgio Domingues Da cor do pecado e dos castigos da cor Escrita por João Emanuel Carneiro e dirigida por Denise Saraceni, a novela da Globo estreou em janeiro e é protagonizada por uma atriz negra. Algo inédito na história da emissora. É Taís Araújo, que em recente entrevista declarou que o Brasil que aparece na tevê está "um pouco mais negro". Será? Os problemas começam pelo título. O fato de a personagem principal ser bonita e jovem faz a costumeira ligação entre negros, erotismo, corpos bonitos e outros preconceitos de larga difusão durante e entre nossos carnavais. O próprio logotipo da novela parece confirmar essa idéia. Mostra o nome da novela tatuado no colo de uma mulher negra (colo é aquela parte entre o pescoço e a parte superior dos seios). Haveria aí todas as razões para acusar a novela de racismo e machismo. Mas infelizmente para nós, que militamos no combate ao poder da Globo, as coisas não são assim tão óbvias. Para começar, Preta não faz o tipo sedutora. É pobre, tímida, trabalhadora e mantém um namoro morno com um amigo de infância, até que aparece Paco (Reynaldo Gianecchini). O bonito rapaz branco a seduz, mas o casal manifesta um amor mais romântico do que erótico. Tudo isso colabora para evitar a típica e preconceituosa imagem de Preta como "mulata fogosa". O próprio nome escolhido para a personagem tenta corresponder às iniciativas do movimento negro de afirmação da cor como forma de resistência ao racismo. Final feliz para o casal inter-racial Por outro lado, a verdadeira vilã da história é branca. Bárbara (Giovanna Antonelli) usa todas as manhas, inclusive as sexuais, para se dar bem. Também é de origem pobre, mas quer ficar rica. Um dos caminhos que encontrou foi namorar com Paco, que tem pai rico. Provavelmente, Preta vai sofrer muito durante a trama por ser negra. Mas, a tendência é um final feliz para o casal inter-racial. Essas conclusões, no entanto, não autorizam uma possível interpretação de que finalmente os negros ganham espaço nas novelas. Nem a de que não exista um racismo implícito na trama. Algumas críticas já deram conta de que apesar de a protagonista ser negra, continua sendo pobre, como é regra nas novelas nacionais. Outras, destacam que a presença de negros ainda é minoritária no elenco. São apenas 4 em mais de 20 personagens. As duas observações estão corretas, mas perdem de vista o mais importante. É verdade que as novelas apresentam menos personagens negras. Também é verdade que quando elas aparecem são sempre no papel de empregados, trabalhadores, serviçais em geral e marginais. Mas isso acontece exatamente por que o centro das tramas é o mundo dos ricos. Este é o problema. Vivemos num país com mais de 53 milhões de miseráveis e cerca de 70% das pessoas ganhando até 2 salários mínimos. Mesmo assim, os principais personagens das novelas têm um padrão de vida que atinge apenas uns 10% dos brasileiros. O mundo das casas próprias, dos carrões, viagens, escritórios luxuosos. Um mundo que já superou o nível das três refeições utópicas do presidente Lula. Cor e classe se combinam no Brasil Se é assim, não há como exigir das novelas que apresentem personagens negras ricas ou de classe média. Afinal, a maioria dos pobres é negra e a grande maioria dos ricos é branca. Cor e classe aqui se combinam. A verdade é que uma trama que apresentasse uma família negra no topo da pirâmide social soaria falsa. A reação espontânea das pessoas é pensar "se os negros querem aparecer nas novelas em papéis melhores, terão que subir na vida". Mas por que as novelas mostram a vida de quem não representa a maioria da população, mas consegue a audiência dessa mesma maioria? Lembremos a famosa frase de Marx em "A Ideologia Alemã": "As idéias dominantes de uma época são as idéias da classe dominante". Ou seja, em qualquer sociedade capitalista, é o modo de vida burguês que é valorizado. Não é um problema só da Globo. Outras emissoras fizeram novelas. E apresentar os ricos como centro dos roteiros também foi a regra. O mesmo se pode dizer de filmes e seriados europeus e norte-americanos. Em geral, o universo é o da classe média para cima. Mas somente citar Marx não resolve. É preciso entender como e porque as idéias da minoria dominante mandam nas cabeças da maioria numa determinada sociedade, em uma determinada época. Esta não é a intenção deste modesto texto. Mas poderíamos levantar algumas pistas sobre o problema racial já que, como já dissemos, cor e classe no Brasil estão superpostas. Fevereiro de 2004 http://www.midiavigiada.kit.net/tv/pecado.htm