A RESPONSABILIDADE NAS INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS
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A RESPONSABILIDADE NAS INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS
A RESPONSABILIDADE NAS INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS ASPECTOS GERAIS* "A legislação brasileira e a jurisprudência nacional dominante buscam proteger os adquirentes de futuras unidades autônomas contra eventuais inadimplementos e irregularidades do incorporador imobiliário, o qual se responsabiliza independente de culpa." por CHRISTIANE SCABELL HÖHN e MAINA MARIA NOVELLO SIQUEIRA O atual aquecimento do mercado imobiliário no Brasil, notadamente em relação à compra e venda de unidades autônomas, impõe a necessidade de se delimitar a responsabilidade do incorporador, no âmbito da incorporação imobiliária realizada de acordo com a Lei federal nº 4.591/64 – Lei de Incorporações –, e seus reflexos na hipótese de inadimplemento em relação aos adquirentes. A incorporação imobiliária é um negócio jurídico que, nos termos previstos no parágrafo único do art. 28 da Lei de Incorporações, tem por finalidade promover e realizar a construção, para alienação total 1 ou parcial, de edificações compostas de unidades autônomas. De acordo com a Lei de Incorporações, o incorporador somente poderá ser o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste, o promitente cessionário, com título irrevogável do imóvel objeto do empreendimento imobiliário, o construtor ou o corretor de imóveis do empreendimento imobiliário, mediante mandato, por instrumento público, outorgado pelo incorporador. No Direito brasileiro, o incorporador responde civil e criminalmente pela consecução do empreendimento imobiliário desenvolvido de acordo com a Lei de Incorporações, como forma de garantir aos adquirentes dos imóveis maior segurança jurídica e proteção patrimonial em face dos riscos inerentes a esse negócio. Na esfera criminal, responde pessoalmente o incorporador, o sócio, o diretor, o administrador, o construtor e/ou o corretor, respectivamente, pelo crime ou pelas contravenções penais relativas à economia popular, tendo em vista que a incorporação contempla a captação de recursos do público, nos termos dos arts. 65 e 66 da Lei de Incorporações. Incluem-se como materialidades deste tipo penal o atraso injustificado na execução das obras e a má utilização dos recursos decorrentes da venda de unidades. Na esfera civil, o incorporador é o responsável, por excelência, pela conclusão e entrega do empreendimento imobiliário perante os adquirentes das unidades autônomas, ainda que não tenha concorrido para o evento danoso. Caberá ao incorporador, neste caso, o direito de regresso contra o causador do dano. No caso de existir mais de um incorporador relacionado ao mesmo empreendimento imobiliário, responderão estes, solidariamente, pelo respectivo empreendimento imobiliário. A venda das unidades autônomas do empreendimento imobiliário somente poderá ocorrer após registrados, no cartório de registro imobiliário competente, o rol de documentos listados no art. 32 da Lei de Incorporações, dos quais se destacam o memorial de incorporação e a minuta de convenção de condomínio. Descumprida essa exigência legal, nossos tribunais têm entendido pela nulidade ou anulabilidade do contrato firmado entre o incorporador e o adquirente, com a devolução de todos os valores 2 pagos por esse último. Ainda, a garantia hipotecária outorgada pelo incorporador à instituição financeira, para financiamento da obra referente ao empreendimento imobiliário, não pode atingir o adquirente da unidade, 3 que deve responder tão somente pelo pagamento do débito vinculado à aquisição de sua unidade. A relação entre o incorporador e os adquirentes das unidades autônomas torna-se ainda mais rígida por ser considerada de consumo, uma vez que o incorporador é equiparado ao fornecedor de serviços, a unidade autônoma a ser construída é qualificada como produto e o adquirente caracteriza-se como consumidor final, submetendo-se, assim, às disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em decorrência da relação de consumo, os contratos firmados entre o incorporador e os adquirentes das unidades podem ser considerados de adesão, para o fim de desconfigurar eventual cláusula abusiva ou ilegal para esse último. Da mesma forma, as propagandas referentes a empreendimento imobiliário vinculam, em todos os seus termos, o incorporador, de modo que todos os itens e especificações técnicas indicados em tais anúncios devem ser estritamente observados sob pena de condenação em perdas e danos, sem prejuízo da responsabilidade criminal. Cabe observar, contudo, que a relação direta entre o incorporador e o construtor da obra, os corretores de imóveis e os bancos financiadores, respectivamente, não se configura relação de consumo, por inexistir a figura do consumidor final, não sendo aplicáveis, desta forma, as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor. Além disso, o inadimplemento do incorporador, quando este for pessoa jurídica, pode levar até mesmo à desconsideração da personalidade jurídica da sociedade incorporadora, atingindo, assim, os bens pessoais de seus sócios, diretores, gerentes administrativos, e ainda os bens de outras sociedades pertencentes ao mesmo grupo econômico, desde que comprovados o abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, ou violação dos estatutos ou contrato social, na forma do art. 28 do CDC, 4 do art. 50 do Código Civil e da jurisprudência sobre o tema. Em se tratando de falência ou insolvência civil do incorporador, antes da conclusão das obras relacionadas ao empreendimento imobiliário, os adquirentes tornam-se credores privilegiados pelas quantias despendidas, ficando, inclusive, o patrimônio pessoal do incorporador, quando pessoa física, e dos sócios, quando pessoa jurídica, vinculado, de forma subsidiária, à satisfação dos créditos dos adquirentes, na forma do art. 43, III, da Lei de Incorporações. Nesta hipótese, o acervo do incorporador, inclusive seus bens pessoais, serão arrecadados à massa falida, concorrendo os adquirentes com os credores trabalhistas e tributários em posição privilegiada, em relação aos demais credores. Situação diversa ocorre quando a incorporação está submetida ao regime de patrimônio de afetação, pelo qual os bens, direitos e obrigações relacionados ao empreendimento imobiliário afetado não se comunicam com o patrimônio geral do incorporador e só respondem pelas dívidas e obrigações vinculadas à respectiva incorporação. Nesta hipótese, os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atinge o patrimônio de afetação constituído, que, portanto, não integra a massa concursal, cabendo à comissão de representantes dos adquirentes deliberar pela forma de continuidade da obra. Pelo exposto, verifica-se que a legislação brasileira e a jurisprudência nacional dominante buscam proteger de diversas formas os adquirentes de futuras unidades autônomas contra eventuais inadimplementos e irregularidades do incorporador imobiliário, o qual se responsabiliza independente de culpa, podendo responder até mesmo com seus bens pessoais, quando se tratar de pessoa física, ou com o patrimônio de seus sócios, diretores, administradores e sociedades do mesmo grupo econômico, quando se tratar de pessoa jurídica. *Publicado em Revista Jurídica Consulex. Brasília-DF, ano XIV, nº 333, p. 33-34, 15 dez. 2010. NOTAS STJ – REsp nº 1.166.039-RN, DJe 11.06.10, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma. 2 TJSP – Apelação Cível nº 994051231500, data de registro 14.05.10, e Apelação Cível nº 9940551146373, data de registro 28.05.10. 3 STJ – REsp nº 498.862-GO, DJ 01.03.04; REsp nº 439.604-PR, DJ 30.06.03; REsp nº 431.440-SP, DJ 17.02.03; REsp nº 401.252-SP, DJ 05.08.02; REsp nº 239.557-SC, DJ 07.08.02; e REsp nº 187.940-SP, DJ 21.06.99. TJSP – Apelação nº 959019800, Rel. Des. J. B. Franco de Godói, 23ª Câmara de Direito Privado. 4 TJSP – Apelação nº 3579124600, Rel. Des. Enio Zuliani, data de registro 17.03.08. 1
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