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PRECARIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR SOB A EGIDE DO CAPITAL E OS
REBATIMENTOS NO TRABALHO DOCENTE DO ASSISTENTE SOCIAL
Jaqueline de Melo Barros1
Juliana Desidério Lobo Prudencio2
Liandra Lima Carvalho3
RESUMO
Este trabalho buscou refletir sobre a precarização da docência em Serviço Social e os
rebatimentos da mesma na formação profissional e na categoria profissional, para tal,
optamos por analisar os desafios colocados ao Serviço Social na contemporaneidade,
sendo um deles a proliferação dos Cursos de Serviço Social, iniciada na década de
1990.
Palavras-chave: Trabalho, formação profissional e Serviço Social
1
Assistente Social graduada pela Universidade Federal Fluminense – UFF/ RJ. Mestre em Serviço Social
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ. Coordenadora e Docente do Curso de
Serviço Social da Faculdade Flama.
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Assistente social graduada pela Universidade Federal Fluminense - UFF/ RJ. Especialista em
Administração e Planejamento de Projetos Social pela UNIGRANRIO. Mestre em Política Social pela
UFF/RJ e Docente do Curso de Serviço Social da Faculdade Flama.
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Assistente Social graduada na Faculdade de Serviço Social Santa Luzia, Mestre em Política Social UFF, Doutoranda em Política Social - UFF. Assistente Social do Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher - Comarca de Duque de Caxias e Docente do Curso de Serviço Social da
Faculdade Flama.
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INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por intuito instigar o debate sobre a precarização do
ensino superior e sua interface na atuação docente do assistente social, além de
apreender as múltiplas formas de precarização da educação superior brasileira e suas
expressões no ensino em Serviço Social. As reflexões trazidas aqui partem do conceito
de totalidade, tendo como elemento mediador a dialética e evidenciando o lugar da
sociabilidade burguesa no cenário contemporâneo, sob a égide das relações sociais de
produção.
Propomo-nos inicialmente refletir sobre o Serviço enquanto profissão e seu
lugar nesta conflituosa arena de interesses opostos, tendo como pano de fundo o
processo de aprofundamento da crise capitalista, traduzida na crescente onda de
apropriação do trabalho coletivo, na centralização do capital financeiro e na
especulação. Buscando explicitar a contraditória relação entre a precarização do
ensino superior e a materialização do projeto ético-político do Serviço Social
Tais análises partem de uma abordagem qualitativa, isto porque esse tipo de
pesquisa acredita na relação entre pesquisador e pesquisado, possibilitando a
construção fundada na busca pelo conhecimento do real a partir da base material, ou
seja, da concretude, configurando-se numa reflexão acerca dos rebatimentos no
trabalho docente do Assistente Social advindos da precarização do ensino superior
braseiro.
Diante de um momento ímpar no processo de formação profissional
permeado por profundas transformações do mundo do trabalho, tencionada pelas
exigências do grande capital a favor do processo de mercantilização e privatização da
educação e consequentemente a proliferação dos cursos de Serviço Social. O que
torna oportuno ter a região do Triangulo Mineiro na direção de compreender os
diversos nuances da precarização do ensino superior e, por este configurar-se como
um cenário desafiador.
Permitindo-nos, uma melhor compreensão da realidade colocada pelas
demandas apresentadas ao Serviço Social. Contribuindo para o debate atual e o
fortalecimento da luta pela efetivação do projeto ético político profissional, na
contracorrente do sistema. Ao decidir-se pelo desenvolvimento deste estudo
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pretendeu-se levantar conteúdos relevantes para o embasamento à construção de
novas pesquisas, que de alguma maneira instigue a categoria profissional e não só,
com vistas à consolidação de um projeto societário “utópico”, mas possível.
O profissional de Serviço Social é, aqui, também considerado na sua condição
de intelectual, considerando nossa inserção em um contexto em que somos
profissionais dotados de alta qualificação intelectual.
Trata-se do organizador,
dirigente e técnico, que coloca sua capacidade a serviço da criação de condições
favoráveis à organização da própria classe a que se encontra vinculado, ou seja, o seu
reconhecimento como trabalhador que na condição de assalariamento, vende sua
força de trabalho, que é tida como intelectual, expressando-se sua mediata
circunscrição na divisão social e técnica do trabalho.
O assistente social, que na sua qualidade de intelectual tem como instrumento
básico a linguagem, poderia ser caracterizado no contexto do capital. Historicamente,
não constitui atividade proeminente para essa categoria profissional a produção de
conhecimentos científicos. Emerge e se afirma, em sua evolução, como uma categoria
voltada para a intervenção na realidade, utilizando-se dos conhecimentos socialmente
acumulados e produzidos por outras ciências, aplicando-os à realidade social para
subsidiar sua prática.
Desta nos propomos discutir de que forma a precarização do ensino superior
tem interferido na concretude de um trabalho docente compromissado com um
projeto de formação profissional crítico e em consonância ao projeto ético-político
profissional crítico e em consonância ao projeto ético-político profissional?
O trabalho do assistente social frente à crise contemporânea
O cenário contemporâneo traz consigo elementos críticos sobre a inserção do
Serviço Social no contexto da (re) produção das relações sociais no âmbito da
sociedade burguesa que, se apresenta a partir da sua inserção na divisão social e
técnica do trabalho (NETTO, 1991), aqui concebida a partir da parcialização do
trabalho coletivo, que se configura na estrutura da sociedade capitalista centrada no
trabalho e consequentemente, na acumulação.
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O exercício do assistente social deriva, em todas as direções, do trabalho
enquanto atividade indispensável ao ser humano, pois, o consideramos como
atividade fundante do ser social, concedendo-lhe humanidade, condições de
transformação da natureza e, por conseguinte, a sua própria condição.
Por ser categoria fundante do ser social e base do capital Marx configura o
trabalho como:
[...] o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em
que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu
metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural
como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de
apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao
atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao
modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX,
1985: 149)
O trabalho é aferido como capacidade emancipadora, criadora, porém, temos
que apontar sua posição alienadora, pois representa todo o complexo antagônico do
capital. Mesmo com essa complexidade na categoria “alienação”, o trabalho promove
ao homem as condições de reconhecimento como um ser social, ou seja, um ser que
vai sendo sociabilizado à medida que desenvolve a transformação da natureza.
Aliado a este processo, há a necessidade de articular a relação do trabalho
coletivo ao processo denominado de reestruturação produtiva, advindo do processo
de liberalização da economia e, deste emerge as modificações na relação capital x
trabalho, incidindo diretamente no cotidiano da classe operaria e, por conseguinte, no
processo de trabalho do assistente social.
Compreender a função social do Serviço Social na sociedade capitalista
significa, inicialmente, situá-lo como partícipe da reprodução das relações de classes e,
principalmente, o relacionamento contraditório entre elas, além de conceber as
relações sociais como reprodução da vida material e do modo de produção capitalista,
ultrapassando a reprodução no seu sentido amplo, incluindo produção, consumo,
distribuição e troca de mercadorias, tido como um processo. Assim, “este processo
visa, ao final, a produção não mais de um valor de uso, mas de uma mercadoria que
possa ser trocada no mercado por um valor superior àquele investido de capitalista”.
(GUERRA, 1995, p. 105).
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É necessário entender a profissão a partir das condições sócio-históricas
determinadas, tendo como perspectiva de análise uma discussão ampliada, que seja
capaz de compreendê-la no âmbito das relações sociais diante da reprodução das
forças produtivas. A partir desta vertente de análise, fundada na perspectiva a dialética
marxista, matriz esta que proporciona um vetor crítico-analítico às questões tão caras
ao Serviço Social.
Neste sentido, refere-se à reprodução das forças produtivas e das relações de
produção na sua totalidade; o que envolve, também, a reprodução da produção
espiritual, ou seja, das formas de consciência social: jurídicas, religiosas, artísticas ou
filosóficas, por meio das quais se toma consciência das mudanças ocorridas nas
condições materiais de produção.
Desta maneira, Marx apud Iamamoto e Carvalho, (1998, p. 30) afirma que:
[...] as relações sociais, de acordo com as quais os indivíduos produzem as
relações sociais de produção, alteram-se, transformam-se com a modificação
e o desenvolvimento dos meios materiais de produção, das forças
produtivas. Em sua totalidade, das relações de produção formam o que se
chama relações sociais: a sociedade e, particularmente, uma sociedade num
determinado estágio de desenvolvimento histórico, uma sociedade com
caráter distintivo particular [...]. O Capital também é uma relação social de
produção. É uma relação burguesa de produção, relação de produção da
sociedade burguesa.
O que nos permite analisar que as relações sociais são a reprodução da
totalidade do processo social, em que a reprodução de determinado modo de vida
envolve o cotidiano da vida em sociedade, ou seja, a sociabilidade. Por seu turno,
sociabilidade pode ser interpretada a partir da analise marxiana sobre o
funcionamento da sociedade contemporânea, fundada nos princípios do capitalismo,
concebida como um conjunto de acontecimentos, fatos, história, concretude,
abstração que, funda um conceito mais amplo de sociedade. Esta sociabilidade
somente pode ser interpretada a partir do viés capitalista.
Podemos entender, ainda, as relações sociais no contexto da relação capitaltrabalho, no sentido antagônico, em que em um pólo existe o capitalista como
expressão da compra da força de trabalho e, no outro pólo o trabalhador que dispõe
apenas da sua mão-de-obra para venda. Além de configurar-se pela apropriação
privada dos meios de produção e pela concentração da propriedade privada nas mãos
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da burguesia. É preciso destacar que, por relações sociais, não se entende como a
relação entre seres humanos e, sim, as relações capitalistas de produção, estabelecidas
a partir de um contexto social determinado: a apropriação dos meios de produção e a
exploração da força de trabalho.
Diante da complexidade deste processo, pressupõe considerar a profissão sob
dois ângulos indissociáveis entre si, e, ao mesmo tempo, interdependentes. Seja ela
como realidade vivida e representada na e pela consciência de seus agentes
profissionais, expressa pelo discurso/conteúdo teórico-ideológico sobre o exercício
profissional; seja pela atuação profissional como atividade socialmente determinada
pelas circunstâncias sociais objetivas que conferem uma direção social à prática
profissional, o que condiciona e mesmo ultrapassa a vontade e/ou consciência de seus
agentes individuais.
Essa complexidade analisada por Iamamoto e Carvalho (1998) sinaliza a
contrariedade das duas dimensões, podendo, ainda, haver uma defasagem entre as
condições e efeitos sociais objetivos da profissão e as representações que legitimam
esse fazer. Noutras palavras, ocorre uma defasagem entre intenções expressas no
discurso e no próprio exercício deste fazer, mais conhecido como discurso
dicotomizador da relação teórico-prática.
Desta forma, o Serviço Social precisa ser apreendido como elemento
participante tanto do processo de reprodução dos interesses do capital, quanto das
respostas da classe trabalhadora, o que nos permite afirmar que o mesmo participa do
movimento contraditório da reprodução e continuidade da luta de classes, visto que:
[...] responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode
fortalecer um ou outro pólo pela mediação de seu oposto. Participa tanto
dos mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tempo e
pela mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da
classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses
sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da
história (IAMAMOTO e CARVALHO, 1998, p. 75).
Tal reflexão não visa defender uma posição conciliadora do assistente social, e,
sim, refletir sobre o caráter mediador da profissão, considerando que não podemos
conciliar interesses antagônicos. Interesses esses que integram o movimento de
reprodução do capital, que dá continuidade na e da organização dessa sociedade, seja
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pela criação, seja pela apropriação do trabalho excedente, sob a forma de mais-valia,
que recria, também, em escala ampliada, os antagonismos de interesses objetivos
inerentes às relações sociais, por meio dos quais se efetiva a produção.
Esta ideologia é uma constante na profissão, visto que nossa inserção no
mundo capitalista nos possibilita sentir esses reflexos, porém, cabe destacar
urgentemente sobre nosso compromisso expresso no Código de Ética Profissional de
1993, na Lei de Regulamentação e no Projeto Societário, que elenca todo um conjunto
ético e político da profissão, oferecendo um direcionamento das nossas ações
cotidianas, com vistas a superar todo esse conjunto conservador.
Diante destas condições, o Serviço Social insere-se na dinâmica das relações
sociais vigentes na sociedade, que são determinadas pelas conjunturas sóciohistóricas
e pela própria constituição do capitalismo como sistema social. Como as classes sociais
fundamentais e suas personagens só existem em relação pela mútua mediação entre
elas, a atuação do assistente social é necessariamente polarizada pelos interesses de
tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição dominante.
(IAMAMOTO, 2008).
Fundado neste contexto complexo e contraditório, situamos a atuação do
assistente social profundamente polarizada por interesses antagônicos, pois, é forçoso
inferir que o Serviço Social mantém um estatuto de compromisso com as demandas da
classe trabalhadora, porém, no outro pólo, mantém alianças com os detentores dos
meios de produção, ou seja, o capitalismo. Aqui, entendem-se como detentores dos
meios de produção todos aqueles mandatários institucionais que compram a força de
trabalho dos assistentes sociais, independente de ser público, privado ou filantrópico.
Esta situação por si só conflituosa, aliada a um profundo conhecimento teórico
da dialética determina ao assistente social uma capacidade indispensável: a mediação,
considerada “chaves para que o profissional desenvolva sua intervenção com êxito –
sempre tomando como referência o projeto ético-político crítico da profissão – a (re)
construção ontológica de seu objeto de intervenção profissional”. (PONTES, 2003:
210).
Ao considerarmos a esfera da reprodução das relações sociais a de se
considerar o Estado na sua condição de legislador e de controlador das forças
repressivas. Esses dois braços do Estado são mutuamente complementares na tarefa
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de assegurar o poder, e a ordem estabelecida, conforme os interesses dominantes. É
por meio dele que, tradicionalmente o assistente social opera as políticas públicas de
enfrentamento às mais variadas expressões da questão social, além de defrontar-se
com a exigência de um Estado Mínimo para o social pautado na lógica de cortes de
gastos públicos, tornando-se justificativa para sua intervenção na economia. E como
bem sintetiza Netto (2007: 227):
[...] é claro que o objetivo real do capital monopolista não é a “diminuição”
do Estado, mas a diminuição das funções estatais coesivas, precisamente
aquelas que respondem à satisfação de direitos sociais. Na verdade
proclamar a necessidade de um “Estado mínimo”, o que pretendem os
monopólios e seus representantes nada mais é que um Estado mínimo para
o trabalho e máximo para o capital.
Noutras palavras, o Estado funciona como um “cartório privilegiado dos
interesses do capital”, sem deixar, porém, de atender às requisições da classe
trabalhadora, tornando-se uma instituição extremamente polarizada entre interesses
contraditórios. Se o poder de Estado exclui as classes dominadas, não pode
desconsiderar totalmente suas necessidades e interesses como condição mesma de
sua legitimação. Deste modo, o poder estatal vê-se obrigado, pelo poder de pressão
das classes empobrecidas, a incorporar, ainda que subordinadamente, alguns de seus
interesses, desde que não afetem aqueles da classe dominante.
Desta forma, a classe dominante tem, na figura do Estado, seu regulador que,
polarizado por interesses antagônicos, denote uma condição claudicante que, ora
atende as determinações da elite, ora as necessidades daqueles que necessitam da sua
intervenção. Já é notória a discussão entre a esfera da necessidade da classe
trabalhadora e as estratégias ideológicas da elite, em fazer com que as políticas sociais
demonstrem seu cariz conflituoso na amenização de conflitos entre classes.
Ao redimensionar as ações reguladoras, o Estado ao diminui suas funções
legitimadoras, concomitante às políticas de estabilização econômica, com redução dos
gastos públicos a partir de uma perspectiva privatizadora, o que por sua vez promove
uma dualidade discriminatória os podem ou não pagar pelos serviços. A favor de um
“nicho lucrativo” para o capital, em especial capital nacional que aos poucos cede
espaço com a abertura comercial, como aconteceu com a previdência complementar e
a educação superior nos últimos anos (BEHRING, 2008).
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A Política Educacional e a proliferação dos Cursos de Serviço Social
Quando pensada sob a ótica capitalista, a política educacional torna-se um
mecanismo de socializar parcelas dos custos de reprodução da força de trabalho com
intuito de obter resultados e pela busca de investidores internacionais. Diante dessa
lógica a educação brasileira reforça a perspectiva mercantil acelerando a precarização
do ensino seguido de uma série de redefinições legais para dar sustentabilidade aos
ditames neoliberais.
[...] A educação [...] Em outras palavras, tornou-se uma peça do processo
de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna
possível a reprodução do injusto sistema de classe. Em lugar de
instrumento da emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação
e reprodução desse sistema. (MÉSZAROS, 2005:15).
A Política Educacional brasileira não está imune às transformações ocorridas no
mundo do trabalho e também se configura como uma arena de lutas entre projetos
societários antagônicos, sendo visivelmente percebido na promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases de 1996, que por sua vez reflete no aspecto conceitual e de
funcionamento, e no caso específico da educação superior enfrenta novos entraves
mediados por sucessivas ações governamentais.
A ofensiva do Ministério da Educação (MEC), articulada às diretrizes do
Banco Mundial, se deu de forma mais flagrante, a partir de 1996, com a
aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394
de dezembro de 1996, a partir de uma manobra que retirou da tramitação
no Senado o projeto elaborado em 1994, pela Câmara, após anos de
discussão e, sobretudo, negociação com os movimentos sociais do campo
educacional, que reuniu dezenas de entidades. [...] Desde então o MEC tem
induzido uma profunda reforma do campo educacional sem o
estabelecimento de qualquer diálogo com a sociedade civil organizada e,
principalmente, com os intelectuais e Trabalhadores do campo
educacional. (ALMEIDA, 2000, p.157).
Tal ofensiva contribui para fragilizar as Universidades no âmbito da produção
de conhecimento e ao mesmo tempo incentiva a privatização do ensino superior num
discurso de democratização ao acesso, contraditoriamente prioriza-se a preparação
para o mercado de trabalho, voltado para a qualificação da mão-de-obra (MARTINS:
2005).
O período pós regulamentação da LDB é marcado por sucessivos decretos que
primam pela flexibilização das instituições de ensino superior exigindo a
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indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão somente às universidade e a
excelência do ensino aos centros universitários, o que foi seguido pela instituição do
Exame Nacional dos Cursos, o chamado “provão”, estimulando uma política de
rankeamento entre as instituições. Neste contexto, a nova lei considera a qualidade
como um direito do cidadão, portanto, na perspectiva de “consumidor” de uma
mercadoria, eliminando o dever do Estado de zelar pela qualidade da formação dos
cidadãos e dos profissionais. (BELLONI, 2003:133).
Assim, o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso destaca-se pelo
incentivo a privatização do ensino superior, seja por meio do por meio do crédito
educativo (FIES), seja pela redução dos ingressantes em universidades públicas, além
de possibilitar a criação de novos cursos, programas e modalidades de ensino,
proporcionando cada vez mais o individualismo e a primazia do aspecto quantitativo
ao qualitativo, consequentemente, a mercantilização do ensino.
O governo Lula segue em defesa da expansão do ensino superior, banalizando a
democratização do acesso por meio da isenção fiscal possibilitada pelo Programa
Universidade para Todos (PROUNI) 4, além da participação do ensino privado à
distancia (EaD)5 e a reestruturação do sistema público de ensino por meio do
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI)6.
Mediante essas estratégias, a ideologia dominante permite reestruturar suas
bases de sustentação, tanto ideológicas, quanto sociais, no sentido de que reproduzir
o próprio modo de produção capitalista, o que CHAUÍ (1999) define como
“universidade operacional”, o que significa:
1) eliminar o regime único de trabalho, o concurso público e a dedicação
exclusiva, substituindo-os por ‘contratos flexíveis’, isto é, temporários e
precários;
2) simplificar os processos de compras (as licitações), a gestão financeira e a
prestação de contas (sobretudo para proteção das chamadas ‘outras fontes
de financiamento’, que não pretendem se ver publicamente expostas e
controladas);
3) adaptar os currículos de graduação e pós-graduação às necessidades
profissionais das diferentes regiões do país, isto é, às demandas das empresas
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Criado peça MP nº 213/2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005,
Regulamentado pelos decretos 2494/98 e 2561/98 da LDB.
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Decreto 6.096, de 24 de abril de 2007
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locais (aliás, é sistemática nos textos da reforma referentes aos serviços a
identificação entre ‘social’ e ‘empresarial’);
4) separar docência e pesquisa, deixando a primeira na universidade e
deslocando a segunda para centros autônomos” (CHAUÍ, 1999: 6).
O incentivo governamental aliado ao terreno fértil das possibilidades,
permeado pelo discurso do aumento da escolarização, os cursos de formação de
professores, as licenciaturas e os cursos de Serviço Social tornam-se um grande
atrativo
para
o
processo
de
certificação
de
larga
escala,
omitindo
a
desresponsabilização do Estado, acentuando privatizações internas e externas.
No centro deste “furacão”, o serviço social desponta com a criação desenfreada
de cursos de EaD e pelo acumulo de transformações ocorridas nas últimas décadas, o
que nos alerta para o processo de formação profissional, e se o mesmo é capaz de
formar profissionais críticos, atendendo ao perfil preconizado pela ABEPSS em 1996,
ou se o mesmo limita-se a reprodução da ideologia dominante, pois a tendência deste
perfil não é nada animadora, “pois estará baseada em uma formação profissional a
distância, aligeirada, mercantilizada e, portanto, com poucas chances de concretizar o
perfil de um profissional crítico e competente teórica, técnica, ética e politicamente”.
(Pereira, 2008:194).
Se por um lado há uma preocupação dos órgãos da categoria representados
pelo conjunto CFESS-CRESS, ABEPSS e ENESSO com a formação crítica, amplia-se o
debate sobre a repercussão da precarização no âmbito da formação, por outro nos
indagamos sobre as condições de trabalho dos assistentes sociais na condição de
trabalhadores assalariados que vendem sua força de trabalho, pois a reconfiguração
das formas de exploração do capital vem reforçar o processo de heterogeneização,
fragmentação e complexificação da classe trabalhadora (ANTUNES: 2008)
As reformas educacionais de cunho neoliberal têm conduzido a práticas que
aprofundam o individualismo e a competição, levando os docentes a se
autorresponsabilizarem pelas falhas em seu trabalho, trazendo à tona o
sentimento de culpa, que aliada à redução salarial, às péssimas condições de
trabalho e à intensificação das jornadas de trabalho, gera frustrações e
desmotivação.(AVILA, 2010:165)
Ao considerarmos a polarização dos interesses das classes envolvidas,
tencionados imediatamente pelo rebatimento das lutas de classes, que não podem ser
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analisadas isoladamente; ao contrário, precisam ser compreendidas num contexto das
condições objetivas e subjetivas, entretanto a de salientar que o assistente social
[...] durante o período em que trabalha, sua atividade é socialmente
apropriada por outro: o sujeito que trabalha não tem o poder de livremente
estabelecer suas prioridades, seu modo de operar, acessar todos os recursos
necessários, direcionar o trabalho exclusivamente segundo suas intenções, o
que é comumente denunciado como o “peso do poder institucional”.
Simultaneamente, o assistente social tem como base social de sustentação
de sua relativa autonomia -, e com ela a possibilidade de redirecionar o seu
trabalho para rumos sociais distintos daqueles esperados pelos seus
empregadores -, o próprio caráter contraditório das relações sociais. Ou
seja, nela se encontram interesses sociais e antagônicos que se refratam no
terreno institucional enquanto forças sociopolíticas em luta pela hegemonia
e que podem ancorar politicamente o trabalho realizado. As necessidades
sociais e aspirações dos segmentos subalternos, que são o público alvo do
trabalho profissional, podem potenciar e legitimar os rumos impressos ao
trabalho do assistente social, na contramão das definições “oficiais”. [...]
(IAMAMOTO, 2007:422)
Diante desta realidade, a busca pela escolarização tornou-se um terreno fértil
aos olhos dos “empresários da educação”, favorecendo a proliferação dos cursos das
áreas humanas atrelado ao rápido retorno financeiro, considerando que não exigem
grandes investimentos para sua implantação.
Destarte, este se constitui como cenário desafiador e instigante a medida que
desponta para proliferação dos cursos de Serviço Social e consequentemente aponta
que as funções desempenhadas pelos assistentes sociais vinculadas ao magistério
vislumbra um cotidiano que aponta para dissocialização do tripé Ensino, Pesquisa e
Extensão, além aferir um complexo antagônico, expondo o trabalho flexibilizado diante
das exigências das agencias financiadoras, nas palavras de “trabalho se tornou cada
vez mais individualizado e a competitividade cada vez mais presente, dificultando o
trabalho coletivo e a luta por melhores condições de trabalho”(AVILA, 2010:165).
Portanto, pretende-se com esta pesquisa contribuir para o debate,
consideramos ainda, que este estudo possa ser compartilhado no âmbito acadêmico,
instigando novas produções e discussões.
Assim, pesquisar e desvelar a prática docente na formação profissional em
Serviço Social, como trabalho profissional de apreensão e leitura crítica da realidade
social, deve ser visualizado como projeto educacional de ruptura ao pragmatismo e
aos anseios alheios a emancipação sócio-político do homem.
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Este debate só se torna possível, se partirmos da premissa de que as constantes
e profundas transformações ocorridas na realidade social já mencionadas seja no
aspecto sócio-econômico, político, cultural e intelectual, nos obriga à busca pela
compreensão de que todas essas transformações refletem diretamente durante o
processo de formação dos discentes na graduação e na intervenção cotidiana do
assistente social.
A contemporaneidade exige cada vez mais profissionais qualificados,
dotados de conhecimentos especializados e atualizados, flexibilidade
intelectual no encaminhamento de diferentes situações e capacidade de
análise para decodificar a realidade. (OLIVEIRA, 2004, p. 61)
Cada vez mais, nos defrontamos com a urgência e a importância de
promovermos espaços de reflexões e discussões que tenham como tônica, a formação
de qualidade em Serviço Social, e a prática docente enquanto espaço de atuação
profissional do assistente social, propondo a realização de estudos sobre o processo
ensino-aprendizagem, que está intimamente ligado à prática profissional do assistente
social, e às demandas advindas do sistema capitalista, que se configuram na busca por
propostas interventivas de cunho propositivo, criativo, pautadas no código de ética da
profissão, com vistas a materialização do Projeto Ético Político.
Ainda que de forma preliminar esperamos suscitar para um novo repensar do
mundo que permitem absorver a realidade do Serviço Social, enquanto profissão
inserida na dinâmica social, além de despertar o olhar para docência enquanto espaço
sócio-ocupacionais, e o repensar de uma proposta formativa cada vez mais qualificada,
visando traçar o perfil profissional defendido pelas Diretrizes Curriculares.
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