Queixa nº 13/Q/2016 - Sindicato dos Jornalistas

Transcrição

Queixa nº 13/Q/2016 - Sindicato dos Jornalistas
Conselho Deontológico
Queixa nº 13/Q/2016
Assunto: queixa apresentada por Pedro Sousa Pereira, detentor da carteira profissional nº
7792, sindicalizado, jornalista da Agência Lusa, contra o editor de Lusofonia/Mundo, da
Agência Lusa, Paulo Agostinho.
Objeto da queixa: o jornalista considera que foi “alvo de censura no passado domingo, dia 21
de fevereiro, pelo editor de Lusofonia/Mundo, Paulo Agostinho, com base em argumentos
que não se enquadram em princípios jornalísticos”, por causa de três textos seus que
resultaram de uma entrevista que fez “ao preso de consciência luso angolano Luaty Beirão”.
Procedimentos: recebida a queixa, o Conselho Deontológico entendeu analisá-la, tendo
nomeado o seu membro Miguel Marujo como relator. Foi analisada a queixa, perante os
factos e ouvidos os vários intervenientes. Num primeiro momento, foi questionado o editor
de Lusofonia/Mundo, da Agência Lusa, Paulo Agostinho, e num segundo momento, para
esclarecer outras questões em aberto o delegado da Lusa em Luanda, Paulo Julião, e a
direção da Agência Lusa, que respondeu pelo seu diretor editorial, Pedro Camacho.
Factos: A 22 de fevereiro de 2016, Pedro Sousa Pereira dirigiu a queixa em causa, fazendo
acompanhar a sua carta dos três textos que tinha escrito, que, nas suas palavras, tinham sido
censurados pelo editor em causa. Na sua exposição ao Conselho Deontológico, o jornalista
argumentou que foi “alvo de censura no passado domingo, dia 21 de fevereiro, pelo editor
de Lusofonia/Mundo, Paulo Agostinho, com base em argumentos que não se enquadram em
princípios jornalísticos”.
Segundo Pedro Sousa Pereira, Luaty Beirão “é uma fonte com quem [mantém] contacto e a
quem já tinha pedido uma entrevista que finalmente acedeu concretizar em mensagem que
[lhe] enviou na sexta-feira [dia 19 de fevereiro]”. Em defesa do seu trabalho, o jornalista
acrescentou: “O caso dos ativistas angolanos que estão a ser julgados em Luanda é relevante
do ponto de vista jornalístico, é um assunto atual e que acompanho, tal como outras
questões relacionados com a falta de liberdade de expressão em Angola, porque tenho
fontes e interesse jornalístico há muitos anos.”
Argumentando que “não podia antecipar quando Luaty Beirão iria dar a entrevista, ou
mesmo se a queria conceder”, Pedro Sousa Pereira escreveu que avisou “prontamente o
editor Paulo Agostinho que se opôs não dando qualquer justificação com base em critérios
jornalísticos e editoriais”. Segundo o queixoso, o editor afirmou “que a Lusa não faz notícias
«panfletárias» nem faz «jornalismo de causas»”. E “acrescentou que quem deveria fazer a
entrevista era a delegação de Luanda que tinha pedido à Direção dos Serviços Prisionais de
Angola autorização para o fazer”. Conclui o queixoso: “Acontece que Luaty Beirão quis darme a entrevista a mim e considero que nenhum jornalista deve recusar tal trabalho pela
importância editorial.”
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Sousa Pereira avançou com o trabalho, nessa sexta-feira, dia 19 de fevereiro, “apesar das
recusas manifestadas pelo editor em causa”: “Comuniquei que – por um dever de
consciência e profissionalismo – seria obrigado a tratar a entrevista, cujas respostas me
foram enviadas por escrito no sábado [dia 20] e que enviei para o sistema de divulgação
interno (desk) quando as consegui terminar.”
Na longa exposição feita ao Conselho Deontológico, o jornalista argumentou sobre a
importância deste seu trabalho: “Eu creio que a entrevista tem importância jornalística para
a agência Lusa por ser um trabalho de fundo, dando voz a quem está preso precisamente por
não ter liberdade de expressão, facto que me preocupa como jornalista pois julgo ser meu
dever: conseguir notícias porque os cidadãos têm o direito de serem informados, neste caso
sobre a forma como um regime ditatorial atua perante a indignação e a injustiça e a forma
como os ativistas em causa se situam perante a falta de direitos.” E argumentou também
mais à frente: “Os textos em causa têm novidades, são notícia e não são nem panfletários
nem se enquadram em nenhuma causa a não ser talvez na causa dos direitos humanos
básicos que é para o que o jornalismo também serve.”
O queixoso questionou o comportamento do seu editor: “Parece-me no mínimo bizarro que
alguém – de forma sumária – recuse publicar previamente um trabalho jornalístico sem
conhecer o conteúdo das peças e usando apenas argumentos burocráticos para justificar a
suposta falta de interesse em relação ao trabalho em causa.” Acrescentando que foi “levado
a concluir”, perante um editor que não encara como “pertinente” a entrevista (“como lhe
comuniquei por escrito”), “que se trata de um erro editorial e um de grave ato de censura”.
Questionado pelo Conselho Deontológico, Paulo Agostinho, editor de Lusofonia/Mundo,
respondeu com uma cronologia dos factos que reproduzimos: “Às 19:58 do dia 19 de
fevereiro o jornalista Pedro Sousa Pereira, que trabalha na secção Lusofonia e Mundo da Lusa
com a pasta de Moçambique, mandou um mail para mim (editor) para o delegado em
Luanda e um diretor-adjunto a seguinte mensagem por mail: «Com quem falo, diz-me que
me responde a uma curta entrevista. Vou mandar. Se der deu.» De imediato, às 20:04,
também por mail, o delegado em Luanda responde que já tinha tentado falar com ele. Eu
perante esta informação e porque na Lusa há uma regra de respeitar a posição de quem está
no terreno, escrevi o seguinte num terceiro mail: «Não. A haver entrevista deve ser pelo
delegado em Luanda, que também tem fontes indiretas. Abraços a todos». Em resposta, o
jornalista Pedro Sousa Pereira disse que iria fazer na mesma a entrevista, apesar de o
delegado ter dito que estava em contacto com ele e de eu ter dito que não, na qualidade de
editor. E sou surpreendido na madrugada do dia 21 [domingo] com essas três peças feitas por
um jornalista que não tinha tido a sua aprovação prévia.”
Sobre o acompanhamento do caso, o editor acrescentou que “o ativista Luaty Beirão é
alguém com quem costumamos falar. Até à data [da resposta, a 4 de março de 2016],
publicamos cinco vezes peças com posições/declarações concretas de Luaty Beirão: duas
cartas enviadas à Lusa, duas entrevistas em contexto do tribunal e uma peça no contexto do
regresso a casa. Fizemos áudio, vídeo e foto, em momentos diferentes.”
Paulo Agostinho explicou que “o contexto atual é o do julgamento”: “No dia em que me é
dito pelo jornalista que vai fazer a entrevista nós já tínhamos publicado, em primeira mão, a
reação do seu advogado à manutenção das medidas de coação (prisão domiciliária). O
delegado em Luanda, Paulo Julião, falou com ele no sábado [dia 20] e decidimos em conjunto
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não publicar nada até porque ele não acrescentava nada ao que nos havia dito no passado. É
certo que a TSF havia publicado declarações do ativista na sexta-feira, dia 19, afirmando que
era a primeira entrevista. Não o era, como é visível no serviço da Lusa.”
Seguiu-se, segundo o editor, uma “troca de mails” onde Paulo Agostinho disse ter tentado
“explicar que a fazer-se [a entrevista] deveria ser o delegado no terreno, que é a regra exceto
em matérias sensíveis ou de relações privilegiadas com a fonte”. Mais: “Aliás, o nosso
delegado falou com o Luaty no sábado enquanto esta entrevista feita pelo jornalista Pedro
Sousa Pereira foi feita por mail. Mas deixei sequer de argumentar editorialmente a partir do
momento em que o queixoso me diz, por mail ainda na sexta-feira à noite, o seguinte: «Não
digo que não a uma entrevista como esta. Não o fiz no passado, não o faço agora nem o farei
no futuro». Passou a tratar-se de uma questão hierárquica e não uma discussão meramente
editorial.”
Na sua “avaliação editorial”, o editor registou que peças feitas antes pelo delegado em
Luanda “diminuem irreversivelmente a relevância das declarações, por escrito, feitas ao
jornalista Pedro Sousa Pereira e que sustentam as três peças que constam desta queixa”. E
Paulo Agostinho justificou a sua decisão editorial: “Não era a primeira a entrevista à Lusa,
parecia que íamos atrás de uma entrevista a outro media quando a Lusa tem liderado, desde
sempre, a cobertura noticiosa do caso e, especialmente, aceitar a publicação era um
desrespeito por um camarada de profissão que tenta batalhar pelo bom jornalismo em
Luanda, num contexto que é sempre difícil, como acontece com qualquer correspondente no
terreno.”
O editor justificou “que a Lusa não faz «jornalismo de causas» mas sim de notícias”, que no
seu entendimento “devem conter algo novo e que devem obedecer a critérios de valornotícia há muito definidos para as agências noticiosas”, que se sintetizam em “momento,
intensidade, clareza, proximidade, consonância, surpresa, continuidade, composição e
valores socioculturais”. “Em nenhum destes critérios considero que o valor-notícia das peças
produzidas justificam uma violação da hierarquia e o desrespeito manifesto de quem está no
terreno”, rematou Paulo Agostinho.
Perante estes dados, foi questionado o delegado da Lusa em Luanda, Paulo Julião, que
relatou o que fez no dia 19 de fevereiro: “Iniciei contacto com a família do senhor engenheiro
Luaty Beirão na sexta-feira 18 de fevereiro, após perceber que tinha dado uma entrevista à
TSF. O contacto direto telefónico foi feito no dia seguinte, sábado, 19 de fevereiro. Como
tantos outros com a mesma pessoa e familiares, o contacto visou perceber se havia qualquer
nova matéria a desenvolver sobre o caso "ativistas em julgamento". Pela conversa informal
que mantive com a fonte, concluí que não havia factos novos, além de uma opinião, e
ficamos de voltar a falar mais tarde. Aflorei o estado de saúde dele, sobre a recuperação da
greve de fome que realizou entre outubro e novembro, assunto ao qual pretendia (e
pretendo) regressar posteriormente.”
Concluiu o delegado em Luanda: “Nada mais me foi dito de relevante que constituísse notícia
nesta fase, sobretudo enquadrando em todo o acompanhamento que fazemos, diariamente,
através da delegação de Luanda: Tendo em conta todas a sessões de julgamento que
acompanhei no local, as posições dos advogados que me foram transmitidas e noticiadas, as
posições que os próprios réus (ativistas) assumiram no julgamento e que a Lusa noticiou,
além de o facto de o próprio já ter falado com a Lusa em várias ocasiões. Por exemplo, a
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primeira entrevista do engenheiro Luaty Beirão após a sua detenção foi à Lusa, em Luanda, e
na realidade local por mim testemunhada.”
A decisão de não avançar foi concertada com o editor, acrescentou o delegado. “Esta posição
foi relatada ao editor e ambos partilhamos da mesma conclusão.”
Questionado se teve conhecimento que o referido ativista deu, simultaneamente, uma
entrevista a um colega seu, por e-mail, em Lisboa, o delegado em Luanda relatou: “Durante a
conversa com o engenheiro Luaty Beirão este questionou-me se conhecia um colega da Lusa
que também o tinha contactado de Lisboa. Limitei-me a não desenvolver o assunto,
antecipando desde logo a possível imagem de desorganização que se estaria a passar à fonte,
contactada – como a vossa questão o refere – «simultaneamente» pelo delegado da Lusa em
Luanda e por um «colega» (meu) da Lusa de Lisboa. Nunca me foi dito, nem perguntei, o
nome do «colega».”
Por fim, a Direção da Lusa, através do seu diretor editorial, Pedro Camacho, informou este
Conselho Deontológico que foi acompanhando o caso, através das trocas de e-mails entre o
editor Paulo Agostinho e o redator Pedro Sousa Pereira, que tinham “os membros da Direção
da Lusa em «Cc»”. O diretor argumentou que, no seu caso, leu-os “pela primeira vez” numa
altura em que estavam já vários na sua caixa de correio, o que lhe permitiu “avaliar
argumentos de um e de outro”. Para concluir: “Validei a decisão do editor depois de ter lido
vários mails, ter lido os textos em questão, ter ouvido várias opiniões e ter percebido que já
não havia diálogo possível entre jornalista e editor, dirigindo um mail à equipa de Direção,
chefes de Redação, editor da secção em questão e delegado da Lusa em Angola.”
Segundo Pedro Camacho, “o caso Luaty Beirão passa-se em Angola e a Lusa tem lá um
delegado. É a esse delegado que está atribuída a gestão editorial do assunto, de forma
coordenada com o editor de LM [Lusofonia/Mundo]. E é assim que tem de ser. É ele que lá
está, é ele que acompanha o assunto em direto. É ele que tem a melhor perceção do que
está a acontecer e do que vai acontecer. E, com esse conhecimento, é ele que está em
melhor posição, e com melhor informação, para orientar o fluxo de notícias sobre este
assunto.”
Para o diretor editorial da Lusa, o facto da agência já ter “produzi[do] e distribu[ído] muitas
dezenas de takes sobre o assunto, como já deu voz direta, inúmeras vezes, quer a Luaty
Beirão quer à sua família e representantes legais”, faz com que seja “objetivamente,
desprovido de qualquer sentido falar-se em censura no caso Luaty Beirão”.
Pedro Camacho argumentou que “o que está aqui em causa é uma questão elementar de
funcionamento de uma qualquer Redação, a aparente dificuldade de um jornalista em
trabalhar integrado numa equipa e uma acusação que é absurda e leviana, porque
extremamente grave, vinda de um jornalista para outro jornalista”. Segundo o diretor, “uma
Redação é uma estrutura organizada”, onde “os jornalistas têm editores, com funções e
responsabilidades próprias, e têm uma cadeia hierárquica a que podem recorrer em caso de
divergência com as suas chefias imediatas antes de começarem a fazer acusações com esta
gravidade e com este grau de injustiça”. Rematando que “não podem – não devem – ignorar
instruções legítimas que conhecem e que lhes foram comunicadas de forma clara. No caso
vertente, é instrução clara da Direção, conhecida de todos os envolvidos neste processo, que
o caso Luaty Beirão é conduzido pelo delegado de Luanda em estreita coordenação com o
editor de LM.”
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Decisão: face ao exposto pelo queixoso e pelos requeridos, entende o Conselho
Deontológico que:
1. Não está em causa a possibilidade de um jornalista fazer uma entrevista mesmo que numa
área que não é habitualmente acompanhada por si. No entanto, o que resulta desta longa
exposição, é que o jornalista não cuidou de se coordenar previamente com quem está no
terreno, evitando a duplicação de um contacto com a fonte e que, depois de advertido para o
facto, insistiu em fazer um trabalho para o qual não tinha cobertura hierárquica.
2. Não compete avaliar da oportunidade editorial em não publicar a referida entrevista, mas
analisando o teor das três peças com outras entrevistas e declarações prévias de Luaty Beirão
à Lusa – e que foram remetidas pelo editor de Lusofonia/Mundo – parece sustentada a
afirmação do delegado em Luanda de que “nada mais [lhe] foi dito de relevante que
constituísse notícia nesta fase”, uma decisão ponderada e avalizada pelas várias chefias – da
editoria, de Redação e da Direção, segundo notam o editor de Lusofonia/Mundo e o diretor
editorial.
3. Não pode acompanhar a acusação grave que foi feita de censura. O trabalho que tem sido
desenvolvido pela Agência Lusa nesta matéria é extenso e plural, não podendo por isso
passar a ideia, como faz o queixoso, de que Luaty Beirão viu “a sua voz (…) ser censurada”
pela redação da Lusa. Para além das “cinco peças com posições/declarações concretas de
Luaty Beirão”, feitas até 4 de março deste ano, de acordo com as informações dadas pelo
editor de Lusofonia/Mundo da agência, desde a detenção daquele e outros ativistas, “a Lusa
distribuiu 260 notícias com referência a Luaty Beirão” e falou “abundantemente com atores
políticos, outros ativistas, dirigentes vários, associações e ONG [organizações nãogovernamentais]”.
Lisboa, 01 de Abril de 2016
Pelo Conselho Deontológico
do Sindicato dos Jornalistas
São José Almeida
(Presidente)
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