2 Vol XX 2011 - Revista Nascer e Crescer
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2 Vol XX 2011 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 20, nº 2, Junho 2011 20| 2 Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2011 Volume | XX Número | 02 Directora | Editor-in-Chief | Sílvia Álvares; Director Adjunto | Associated Editor | Rui Chorão; Directora Executiva | Executive Editor | Margarida Lima Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, Maternidade Júlio Dinis - Centro Hospitalar do Porto (MJD - CHP) Armando Pinto, Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil (IPOPF-G) Carmen Carvalho, MJD - CHP Cláudia Pedrosa, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho (CHVNG/E) Conceição Mota, Hospital Maria Pia (HMP) - CHP Cristina Rocha, Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (CHEDV) Gustavo Rocha, Hospital São João (HSJ) João Barreira, HSJ Laura Marques, HMP - CHP Lurdes Morais, HMP - CHP Margarida Guedes, HMP - CHP Rui Almeida, Hospital Pedro Hispano - Unidade Local de Saúde Matosinhos (HPH - ULSM) Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, HMP - CHP; Maria do Carmo Santos, HMP - CHP; Tojal Monteiro, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, Centro de Genética Médica Jacinto Magalhães - Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (CGMJC – INSA, I.P.) Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP); Altamiro da Costa Pereira, FMUP A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – António Marinho, Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC); Fátima Pinto, Hospital de Santa Marta (HSM); Maria Ana Sampaio, Hospital Cruz Vermelha (HCV), Maria João Baptista, HSJ; Paula Martins, Hospital Pediátrico Coimbra (HPC), Rui Anjos, Hospital de Santa Cruz (HSC); Sílvia Álvares, HMP - CHP. Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Carla Moreira, Hospital Braga - Escala Braga (HB - EB), Armando Pinto, IPOPF-G; Carla Carvalho, Hospital Santa Maria Maior (HSMM); Conceição Santos Silva, Centro Hospitalar da Póva de Varzim - Vila do Conde (CHPV-VC); Fátima Santos, (CHVNG/E); Inês Azevedo, HSJ; Isolina Aguiar, Centro Hospitalar do Alto Ave (CHAA); Joaquim Cunha, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS); Susana Tavares, Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (CHEDV); Cármen Carvalho, MJD - CHP; Rosa Lima, HMP - CHP; So¿a Aroso, HPH - ULSM; Sónia Carvalho, Centro Hospitalar do Médio Ave (CHMA). Caso Dermatológico – Manuela Selores, Hospital de Santo António (HSA) - CHP; Susana Machado, HSA - CHP Caso Electroencefalográfico – Rui Chorão, HMP - CHP Caso Endoscópico – Fernando Pereira, HMP - CHP Caso Estomatológico – José Amorim, HMP - CHP Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, HMP - CHP; Margarida Reis Lima, Hospitais Privados de Portugal (HPP) Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HMP - CHP, ICBAS Consultor Técnico | Consultant Gama de Sousa, Porto Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica | | Advisor of Epidemiology and Biostatistics Maria José Bento, IPOPF-G Conselho Científico Nacional | | National Scientific Board Alberto Caldas Afonso, HSJ, FMUP, Porto Almerinda Pereira, HB-EB, Braga Álvaro Aguiar, FMUP, Porto Ana Maria Leitão, HSSM, Barcelos Ana Ramos, CHP, Porto António Martins da Silva, ICBAS, Porto Arelo Manso, Porto Braga da Cunha, CHTS, Pena¿el Cidade Rodrigues, CHP, Porto Conceição Casanova, CHPV-VC, Póvoa de Varzim Eloi Pereira, Porto Eurico Gaspar, CHTMAD, Vila Real Fátima Praça, CHVNG-E, Vila Nova de Gaia Gama Brandão, Guimarães Gonçalves Oliveira, CHMA, Famalicão Henedina Antunes, HB-EB, Braga Hercília Guimarães, HSJ, FMUP, Porto Ines Lopes, CHVNG-E, Vila Nova de Gaia José Barbot, CHP, Porto José Carlos Areias, FMUP, Porto José Cidrais Rodrigues, ULSM, Matosinhos José Pombeiro, CHP, Porto Lopes dos Santos, ULSM, Matosinhos Lucília Norton, Porto Luís Almeida Santos, HSJ, FMUP, Porto Luís Vale, HPBN, Porto Manuel Salgado, HPC, Coimbra Manuela Selores, CHP, Porto Marcelo Fonseca, ULSM, Matosinhos Margarida Lima, CHP, ICBAS, Porto Maria Augusta Areias, HPBN, Porto Norberto Estevinho, IPOPF-G, Porto Nuno Grande, ICBAS, Porto Óscar Vaz, CHN, Mirandela Paula Cristina Ferreira, CHP, Porto Pedro Freitas, CHAA, Guimarães Rei Amorim, CHAM, Viana do Castelo Ricardo Costa, CHCB, Covilhã Rosa Amorim, CHP, Porto Rui Carrapato, CHEDV, Santa Maria da Feira Teresa Temudo, CHP, Porto Conselho Científico Internacional | | International Scientific Board Alain de Broca, Centre Hospitalier Universitaire Amiens, Amiens Annabelle Azancot, Hôpital Robert Debré, Paris D. L. Callís, Hospitals Vall d’Hebron, Barcelona F. Ruza Tarrio, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid Francisco Alvarado Ortega, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid George R. Sutherland, University Hospital, Edinburgh Harold R. Gamsu, Kings College Hospital, Londres J. Bois Oxoa, Hospitals Vall d’Hebron, Barcelona Jean-François Chateil, Hôpital Pellegrin, Bordeaux José Quero, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid Juan Tovar Larrucea, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid Juan Utrilla, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid Peter M. Dunn, University of Bristol, Bristol Assessores Editoriais | Editorial Assistants Carolina Cortesão Paulo Silva Publicação trimestral resumida e indexada por Catálogo LATINDEX EMBASE / Excerpta Médica Index das Revistas Médicas Portuguesas SciELO Scopus Design gráfico bmais comunicação Execução gráfica e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal 4346/91 Tiragem 2.500 exemplares Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração / Publisher Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: (+351) 226 089 900; fax: (+351) 226 000 841 Tlm: (+351) 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) - 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros PRÉMIO NASCER E CRESCER MELHOR ARTIGO ORIGINAL 20101 A DIRECÇÃO DA REVISTA NASCER E CRESCER E A ASSOCIAÇÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA INSTITUÍRAM O PRÉMIO ANUAL PARA A MELHOR ARTIGO ORIGINAL PUBLICADO NA REVISTA. ESTA INICIATIVA VISA PROMOVER E INCENTIVAR A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DA PEDIATRIA E PERINATOLOGIA. REGULAMENTO 1. O Prémio será destinado aos autores do melhor Artigo Original publicado em cada ano na revista Nascer e Crescer 2. O Prémio equivalerá a um certificado e a um valor em dinheiro de 1 000,00 € (mil euros), que será entregue ao primeiro autor, caso haja mais de um. 3. Um mesmo autor pode concorrer com mais de um Artigo Original 4. Todos os Artigos Originais serão candidatos ao Prémio, salvo indicação em contrário expressa pelos Autores 5. O processo de avaliação será conduzido por um júri de selecção a ser escolhido oportunamente pelos editores da revista 6. Na avaliação dos Artigos Originais, o Júri de selecção analisará os seguintes itens: a) Relevância e originalidade b) Clareza e pertinência dos objectivos c) Descrição dos métodos/ procedimentos e análise estatística adequados d) Apresentação clara e sintética dos resultados e) Discussão fundamentada f ) Importância para o avanço do conhecimento. Potencial de aplicabilidade e impacto dos resultados 7. Não caberá recurso contra as decisões do júri 8. A divulgação da atribuição do prémio será feita no 3º número da revista Nascer e Crescer de cada ano 9. Cabe aos editores da revista Nascer e Crescer decidir sobre eventuais omissões neste regulamento NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2011, vol XX, n.º 2 número2.vol.XX 67 Editorial 69 Artigos Originais Natália Teles Patologia ovárica num centro oncológico pediátrico Marisa Carvalho, Maria Bom Sucesso, Ana Maia Ferreira, Lucília Norton, Norberto Estevinho 73 Casos Clínicos Infecção pelo vírus Epstein Barr e hepatite Eunice Moreira, Ângela Machado, Leonilde Machado, Célia Xavier, Cláudia Monteiro, Joaquim Cunha, Cristina Garrido 76 Hematoma subdural em Pediatria. Diagnosticar e tratar precocemente. Marisa Carvalho, Ema Leal, Margarida Santos, José Ramos, Luís Távora, Deolinda Barata 79 Pancitopenia num lactente Marta Contreiras, Filipa Vieira, Conceição Santos, José Guimarães de Pediatria Inter-Hospitalar 82 Ciclo do Norte Fasceíte necrotizante e síndrome de choque tóxico estreptocócico numa criança com varicela Otília Cunha, Teresa Cunha da Mota, Milagros Garcia Lopez, Elsa Santos, Lurdes Lisboa, Hélder Morgado, Filipa Flor de Lima, Cristina Castro, Augusto Ribeiro 85 Artigo Recomendado Cardiologia Pediátrica na Prática 87 AClínica Maria do Carmo Santos Benefício do diagnóstico pré-natal na transposição das grandes artérias Adriana Pinheiro, Ana Teixeira, Miguel Abecasis, Maymone Martins, Rui Anjos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 92 Qual o seu Diagnóstico? Caso radiológico Filipe Macedo 94 Caso endoscópico Fernando Pereira 96 Caso estomatológico José M. S. Amorim 98 Caso electroencefalográfico João Pinho, Rui Chorão 101 Genes, Crianças e Pediatras Anabela Bandeira, Conceição Mota, Dulce Quelhas, Marília Loureiro, Esmeralda Martins 104 Pequenas Histórias 105 Programa Armando Pinto II Reunião do Centro Materno Infantil do Norte XXIII Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia 107 Normas de Publicação NASCER E CRESCER summary revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 number2.vol.XX 67 Editorial 69 Original Articles Natália Teles Ovarian lesions in a Paediatric Oncology Center Marisa Carvalho, Maria Bom Sucesso, Ana Maia Ferreira, Lucília Norton, Norberto Estevinho 73 Case Reports Epstein Barr virus infection and hepatitis Eunice Moreira, Ângela Machado, Leonilde Machado, Célia Xavier, Cláudia Monteiro, Joaquim Cunha, Cristina Garrido 76 Subdural hematoma in Pediatrics. Early diagnosis and treatment. Marisa Carvalho, Ema Leal, Margarida Santos, José Ramos, Luís Távora, Deolinda Barata 79 Pancytopenia in an infant Marta Contreiras, Filipa Vieira, Conceição Santos, José Guimarães 82 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Necrotizing Fasciitis and streptococcal toxic shock in a child with chickenpox infection Otília Cunha, Teresa Cunha da Mota, Milagros Garcia Lopez, Elsa Santos, Lurdes Lisboa, Hélder Morgado, Filipa Flor de Lima, Cristina Castro, Augusto Ribeiro 85 Recommended Article Cardiology in Clinical 87 Paediatric Practice Maria do Carmo Santos The benefit of prenatal diagnosis in transposition of great arteries Adriana Pinheiro, Ana Teixeira, Miguel Abecasis, Maymone Martins, Rui Anjos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 92 What is your Diagnosis? Radiological case Filipe Macedo 94 Endoscopic case Fernando Pereira 96 Oral pathology case José M. S. Amorim 98 EEG case report João Pinho, Rui Chorão 101 Genes, Children and Paediatricians Anabela Bandeira, Conceição Mota, Dulce Quelhas, Marília Loureiro, Esmeralda Martins 104 Short Stories 105 Program Armando Pinto II Meeting of Centro Materno Infantil do Norte XXIII Meeting of Hospital de Crianças Maria Pia 107 Instructions for Authors NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 editorial A Ética tem ocupado sempre, desde a sua constituição como sabedoria na Antiguidade até ciência social bem estruturada na época contemporânea, um lugar importante no pensamento ¿losó¿co. Classicamente dedicada aos problemas da moral, da virtude e do dever, diversi¿ca-se atualmente em campos tão vastos e, aparentemente, tão diferentes, como o ambiente, a medicina e a informática, tendo cada vez mais vindo a ser reconhecida como necessária em todas as áreas cientí¿cas e como fundamental para o bem comum e a sobrevivência da Humanidade. Por seu lado, as descobertas cientí¿cas têm sido feitas devido à curiosidade dos cientistas, à sua necessidade de atingirem novos e maiores conhecimentos embora, por vezes, alguns possam ser manipulados pela economia ou pela política. Fundamentalmente, a ciência é racional e tem princípios de causalidade; parte do que é observável para o que é demonstrável, provando então que é repetível e conduz a conhecimentos moralmente neutros. A utilização desses conhecimentos é que pode levantar questões de ordem moral, tão simples como o bem e o mal. Os problemas éticos surgiram em ciência quando, nessa comunidade de pensantes, alguém perguntou “porquê?” e “para quem?”. A partir dessa altura a comunidade cientí¿ca amadureceu, começou a organizar-se melhor, a ter preocupações conjuntas, essencialmente com os efeitos das descobertas em si, tendo então delineado regras de conduta para as descobertas cientí¿cas e os próprios pro¿ssionais. A leitura crítica do historial da ética médica e da bioética permite compreender que conceitos como a moralidade, que se refere à noção de “certo” e “errado” que existe em cada cultura ou comunidade ou, por exemplo, “pessoa humana”, não reúnam consenso nem sejam estanques - são produtos da reÀexão crítica sobre os problemas e práticas morais, à luz das estruturas económicas, sociais e políticas, em cada época. A inÀuência das práticas religiosas e dos teólogos foi inegável, sobretudo durante a época medieval, durante a qual pouco tempo se dedicava às atitudes reÀexivas. Progressivamente, a inÀuência dos ¿lósofos na ciência foi sendo cada vez maior, assistindo-se hoje a uma inclusão quase obrigatória da bioética em qualquer trabalho cientí¿co. A Genética Humana é disto um bom exemplo: é uma ciência relativamente recente, o seu desenvolvimento exponencial nos últimos anos tem permitido descobertas diárias de potencial e importância enormes, pode agora explicar muitas doenças familiares e até ajudar a evitá-las mas, principalmente, impedir a sua transmissão à descendência. Todavia, o entusiasmo e avanço cientí¿cos não têm porventura gerado as correspondentes preocupações éticas, possivelmente por falta de conhecimento das fundamentações ¿losó¿cas e de tempo para reÀetir, essenciais para lidar com esses assuntos. Os testes genéticos resultantes da aplicação prática desta ciência em contínuo desenvolvimento têm evidenciado um grande incremento, especialmente nos últimos anos, devido ao aperfeiçoamento de novas tecnologias, criado campos de aplicação pro¿ssional cada vez mais vastos e suscitado editorial 67 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 preocupações éticas em praticamente todos os seus aspetos. Para além de evitar aconselhamentos genéticos diretivos, é aconselhável pensar que os testes a efetuar devem, antes de mais, respeitar os direitos humanos dos seus semelhantes, tais como a autonomia, a privacidade e a vontade, permitindo escolhas informadas. Para assegurar procedimentos eticamente corretos a toda a Humanidade, foi acordada em 1948 a versão ¿nal da Declaração Universal dos Direitos Humanos, atualmente já traduzida do inglês em muitas línguas. Em 2000, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, veio reforçar a necessidade de aplicação de vários princípios básicos, como dignidade, liberdade e equidade, e é o primeiro documento a abordar o tema do perigo da discriminação “genética” e práticas “eugénicas”, proibindo-as. Na verdade, Habermas, ¿lósofo alemão contemporâneo que se especializou na dimensão humana da comunicação, tem alertado para aquilo que designou de “eugenia liberal”, nomeadamente no livro “O Futuro da Natureza Humana – a Caminho de uma Eugenia Liberal?”, em que nos recorda que o Homem tem tentado melhorar a “raça” humana desde tempos imemoriais – antigamente pela educação “moral” e atualmente pela “engenharia genética”; além disso, questiona as razões médicas e de saúde por vezes invocadas em genética e alerta-nos para o perigo de podermos estar a tratar os seres humanos como um simples meio para servir os ¿ns de outrem e, por conseguinte, negar a sua autonomia. Contrapondo esta posição, autores como Julian Savulescu e John Harris têm defendido a “nova” eugenia, a¿rmando que os pais têm a obrigação moral de usar a genética e as novas tecnologias para “melhorarem” as características dos seus ¿lhos, que designaram de “Princípio de Bene¿cência Procriativa”. Mas excluir os contextos de resolução de problemas médicos e proporcionar a seleção de certas caraterísticas desejadas de um determinado genoma sem ¿ns terapêuticos é permitir uma eugenia positiva, pois não existe “eugenia cientí¿ca”, que parece ser a linha de orientação da presente pós-modernidade. Então, substituir-se-á a razão pela emoção, relevar-se-á o ¿m em detrimento do meio e perder-se-á toda a inovação que Kant introduziu no domínio da moralidade, equiparando-se a autonomia soberana à mera arbitrariedade, em que tudo poderá ser permitido em nome da liberdade de escolha e a responsabilidade pelas gerações futuras poderá ser descartada ab initio. Nesta altura do conhecimento, deverá prevalecer o bom-senso e as leges artis – mas é importante que a sociedade esteja mais informada, se interrogue, participe e seja mais crítica em relação à aplicação das novas tecnologias genéticas, ajudando a de¿nir os parâmetros de utilização dos testes genéticos cada vez mais so¿sticados para, só assim, proporcionar gerações futuras “eticamente” determinadas. Natália Teles 68 editorial NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Patologia ovárica num centro oncológico pediátrico Marisa Carvalho1, Maria Bom Sucesso2, Ana Maia Ferreira2, Lucília Norton2, Norberto Estevinho3 RESUMO Introdução: A patologia ovárica é rara em idade pediátrica. Deve, no entanto, ser um diagnóstico a considerar em criança ou adolescente com dor abdominal, massa pélvica ou irregularidade menstrual. Os sintomas não são geralmente esclarecedores na distinção entre massas benignas e malignas e por isso a cirurgia tem um papel importante, não só no diagnóstico, mas também no estadiamento e tratamento. Objectivo: Estudo retrospectivo do tipo de patologia do ovário referenciada ao Serviço Pediatria do IPO Porto FG de Janeiro de 2000 a Abril de 2009. Métodos: Consulta dos processos clínicos com análise da: idade, apresentação clínica, resultados analíticos e imagiológicos, diagnóstico histológico, terapêutica, seguimento e patologias associadas. Resultados: Durante este período foram admitidas 16 doentes com lesões do ovário, com idades entre os cinco e 15 anos. As manifestações clínicas mais comuns foram a massa palpável, dor abdominal e irregularidade menstrual. Quatro apresentavam marcadores tumorais elevados. Duas doentes foram transferidas de outro hospital, já submetidas a uma primeira cirurgia. A abordagem inicial variou entre ressecção cirúrgica (doze) e biópsia por agulha (duas). Duas doentes mantiveram-se em vigilância, com resolução espontânea das lesões quísticas. Histologicamente identi¿caram-se seis lesões não neoplásicas e dez lesões tumorais, sendo a maioria benigna (n=7) (teratomas maduros). O Síndrome de Mayer-Rokitansk, útero didelfos, disgenesia gonadal e síndrome do ovário poliquístico, foram identi¿cados como patologia associada em quatro doentes. Submeteram-se a tratamento cirúrgico 14 doentes e a quimioterapia duas doentes. Conclusão: No nosso estudo predominaram as lesões tumorais ováricas com necessidade de uma abordagem multidisciplinar e envolvimento de um centro oncológico pediátrico. Palavras-chave: idade pediátrica, massa ovárica, tumor do ovário. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 69-72 __________ 1 2 3 Serviço de Pediatria, CH Trás-os-Montes e Alto Douro Serviço de Pediatria, IPOF-G, Porto Serviço de Cirurgia Pediátrica, IPOF-G, Porto INTRODUÇÃO Alguma da patologia ginecológica que atinge crianças e adolescentes, por ser pouco frequente em idade pediátrica pode levantar alguns problemas no diagnóstico. O tumor ginecológico é responsável por 1,2% de todos os tumores malignos na infância e 60 a 70% têm origem no ovário.(1) As massas anexiais, em raparigas com menos de 20 anos, apresentam um risco muito baixo de malignidade e assim, a preservação do ovário pode ser quase sempre a regra. Contudo, em raparigas ainda não menstruadas cerca de 40% das massas ováricas são malignas. A torção do ovário pode ocorrer em associação com a neoplasia. O uso de marcadores tumorais na avaliação de massas anexiais é uma valiosa ajuda para a exclusão de malignidade. A elevação do marcador tumoral Ca 125, mais associado a tumores epiteliais, na criança esta frequentemente elevado aquando da torção do ovário.(2) Apesar do tumor do ovário ser de tratamento cirúrgico não complexo, a má avaliação inicial e consequente orientação terapêutica podem tornar uma neoplasia maligna de bom prognóstico numa doença grave e com sérias sequelas. Por isso divulgamos a nossa casuística, que, apesar de escassa é diversi¿cada em termos de forma de apresentação clínica, diagnósticos e terapêutica. O tempo que mediou entre o início das queixas e a realização de meios complementares de diagnóstico que justi¿caram avaliação por um Centro Oncológico especializado não foi alvo de estudo. MATERIAL E MÉTODOS Foi feito estudo retrospectivo baseado na consulta do processo clínico das doentes com patologia do ovário, referenciadas ao Serviço de Pediatria do IPO Porto FG. O período analisado foi de nove anos e quatro meses, de Janeiro de 2000 a Abril de 2009. A colheita de dados visou caracterizar a idade, apresentação clínica, resultados analíticos e imagiológicos, diagnóstico histológico, patologias associadas, terapêutica e seguimento. RESULTADOS Ao longo do período analisado foram referenciadas 16 doentes com lesões do ovário, com idades entre os cinco e 15 anos, oito das quais com 12 e 13 anos e três com menos de 11 anos. Veri¿caram-se cinco admissões em 2008, três em 2003, duas em 2002 e em 2003 e uma em cada um dos restantes anos (em 2001, 2004, 2007 e 2009). Das 16 doentes, 10 já tinham menarca na altura do início dos sintomas. As manifestações clínicas encontradas foram: massa abdominal (10/16), dor abdomi- artigo original original article 69 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 nal (9/16), irregularidades menstruais (4/16), puberdade precoce (1/16), hirsutismo (1/16), obstipação (1/16), diarreia (1/16), polaquiúria (1/16), retenção urinária (1/16) e ascite (1/16). Na avaliação analítica o marcador tumoral ȕ-hCG estava elevado em duas doentes com disgerminoma e o Ca125 estava elevado num caso de torção anexial e num quisto simples do ovário. A caracterização imagiológica da lesão permitiu separar em dois grupos de acordo com o componente predominante, sólido ou líquido. Seis doentes possuíam uma lesão tumoral predominantemente quística, com distribuição equitativa pelo lado direito e esquerdo e com dimensões entre 4,7 cm e 20 cm (Figura 1). Dez doentes revelavam lesões predominantemente sólidas, localizadas preferencialmente à esquerda (6/10) e com tamanhos que variaram entre 5,5 cm e 15 cm. Em duas doentes, com quisto ovárico simples, com cerca de cinco centímetros, manteve-se atitude expectante e veri¿cou-se regressão espontânea. Foram submetidas a biópsia por agulha, antes da cirurgia, duas adolescentes de 13 e 15 anos com disgerminoma. Em 12 doentes a abordagem inicial foi cirúrgica. O procedimento cirúrgico efectuado variou de acordo com o tipo de lesão: ooforectomia (7/14), quistectomia (2/14), anexectomia (1/14), anexectomia e vaginostomia (1/14), anexectomia e estadiamento cirúrgico (2/14) e ressecção alargada de massa pélvica com estadiamento cirúrgico (1/14). Na ¿gura 2 mostram-se algumas das peças operatórias excisadas. Duas doentes foram enviados de outro Hospital, tendo sido já feita uma abordagem cirúrgica inicial, uma ooforectomia para teratoma cístico maduro, que nos foi enviado por suspeita de lesão no ovário contralateral, e outra ooforectomia laparoscópica de tumor maligno. A avaliação histológica dos produtos de biópsia e da peça operatória está representada na Tabela 1, assim como os dois quistos simples que sofreram regressão espontânea. A patologia associada, diagnosticada ao longo da investigação, está esquematicamente representada na Tabela 2. De salientar que a ado- Figura 1 – Teratoma quístico. Figura 2 – A-Disgerminoma sem invasão; B-Disgerminoma com invasão circundante; C e D-Teratoma. Tabela 1 – Tipos de lesão encontrados; inclui os obtidos por avaliação histológica assim como os sugeridos por avaliação imagiológica (dois quistos simples). Lesões Não Tumorais Isquemia do ovário por torsão Quisto simples Endometrioma Edema maciço do ovário Número 2 2 1 1 Lesões Tumorais Benignas Teratomas quísticos maduros Gonadoblastoma Cistadeno¿broma papilar seroso Número 5 1 1 Lesões Tumorais Malignas Disgerminoma estadio I Disgerminoma estadio III Tumor de células de Sertoli-Leydig estádio III Tabela 2 – Patologia associada encontrada no decurso da investigação. Patologia associada Síndrome ovário poliquístico Útero Didelfos Disgenesia gonadal com cariótipo 46 XY (S. Swyer) Utero didelfus + agenesia parcial hemivagina + + rim único (S. Mayer-Rokitansky) 70 artigo original original article Número 1 1 1 1 Número 1 1 1 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 lescente portadora de Síndrome de Swyer com disgerminoma estadio III também apresentava um gonadoblastoma do ovário contralateral. Esta criança e outra portadora de tumor de células de Sertoli-Leydig estadio III realizaram tratamento quimioterápico. Nove doentes mantiveram vigilância no nosso Hospital, enquanto os restantes foram orientados para seguimento na área de residência. DISCUSSÃO As massas ováricas mais frequentes variam de acordo com o grupo etário em que se manifestam(3): - Recém-nascido: quistos foliculares, relacionados com as hormonas maternas e que regridem, no entanto se forem maiores que cinco centímetros podem sofrer torsão; - Rapariga pré-púbere: torsão do ovário, tumor células germinativas (teratomas quisticos benignos), tumor do estroma, metástase (rabdomiossarcoma, tumor de Wilms, neuroblastoma); - Adolescentes: quisto funcional, tumor de células germinativas (teratoma), tumor do estroma, tumor do epitélio (adenoma); Histologicamente os tumores do ovário têm origem nos três tipos de células que compõem o ovário: células epiteliais, do estroma e germinativas. Ao contrário dos adultos em que os tumores de células epiteliais são os mais comuns, nas crianças predominam os tumores com origem nas células germinativas (teratomas, disgerminomas, coriocarcinomas, tumor do seio endodérmico…). Os tumores do estroma que incluem os tumores da célula de Sertoli-Leydig e os tumores das células da granulosa são incomuns mas, frequentemente, estão relacionados com puberdade precoce.(4) Clinicamente as lesões malignas e benignas são indistinguíveis, podem ser assintomáticas e por isso diagnosticadas, apenas, em exames de rotina. Quando sintomáticas, a dor abdominal é a queixa principal, no entanto também pode surgir distensão abdominal, náuseas, vómitos e urgência miccional.(5,6) Em recém-nascidos e lactentes pode ocorrer irritabilidade, recusa alimentar e distensão abdominal. No exame físico a palpação de uma massa pélvica é o achado mais comum.(1) A gonadotro¿na coriónica humana (ȕ-hCG) e a Į-fetoproteína (AFP) podem estar elevadas nos tumores de células germinativas e o antigénio cancerígeno 125 (Ca125) nos tumores epiteliais.(7,8) O nível sérico de lactato desidrogenase isoenzima 1 (LDH) pode ser usado para monitorizar a resposta a terapêutica dos disgerminomas que são o equivalente feminino dos seminomas testiculares.(4) A ultrassonogra¿a é uma técnica de imagem, não invasiva com um papel muito importante na avaliação inicial destas lesões reconhecendo a presença de uma massa pélvica em 90% dos casos. A abordagem transabdominal proporciona uma boa avaliação da pélvis e das lesões com possível extensão abdominal, não sendo a via transvaginal usada por rotina na pediatria. A possibilidade de uso da técnica Dopller permite a mensuração da velocidade sistólica e diastólica do Àuxo sanguíneo, fornecendo uma medida indirecta da resistência vascular. Os neovasos das neoplasias têm uma parede muscular ¿na e, por isso, uma baixa resistência. No entanto não é possível fazer um diagnóstico de¿nitivo da natureza da lesão com esta técnica. A desvantagem da ultrassonogra¿a reside na baixa penetração no osso e ar, pelo que a sín¿se púbica e o ar intestinal podem di¿cultar a avaliação. A TAC fornece informação importante sobre a extensão do tumor para ao espaço retroperitoneal e gordura. O uso de contraste é usado para delinear o aparelho urinário, gastrointestinal e delimitar lesão. Este exame complementar tem mais utilidade no estadiamento do que no diagnóstico. A RMN ajuda a diferenciar os diferentes tipos de tecido, penetra no osso e fornece imagens em vários planos, com uso de contraste não tóxico, por isso é um exame complementar importante para identi¿car lesões no tecido mole não acessíveis por outras técnicas.(9) A atitude a tomar depende do tipo de lesão e da idade da criança. Em recém-nascidos, vários estudos indicam que lesões quísticas com menos de cinco centímetros regridem espontaneamente até ao ¿m do primeiro ano de vida, pelo que nestas situações a vigilância clínica e ecográ¿ca é preferida. Se se tornam sintomáticas, persistentes ou se há incertezas quanto à sua natureza devem ser retiradas. Na adolescente o tratamento dos quistos simples depende do tamanho, da presença de sintomas e do risco de torsão. As crianças com suspeita de tumor do ovário devem ser referenciadas para um Centro Oncológico especializado de modo a realizar um estadiamento adequado que pode envolver uma biopsia aspirativa, biopsia cuneiforme, laparoscopia diagnóstica ou terapêutica e, se necessário laparotomia exploradora com cuidada inspecção de toda a cavidade abdominal e eventual estadiamento cirúrgico da doença. A presença de ascite, massas no epiplon, adenopatias aorto ilíacas, massa ovárica contralateral, envolvimento extra-axial, massas com mais de oito centímetros de diâmetro e vegetações intraquísticas são algumas das características que podem predizer uma natureza maligna, a qual, se encontrada, deve ser excisada, e feito o estadiamento cirúrgico (anexectomia, colheita de liquido peritoneal, biópsia das superfícies peritoneais, omentectomia, biópsia do ovário contralateral e biópsia dos gânglios).(10) O tratamento do tumor benigno mais frequente, teratoma benigno quístico, é a quistectomia com preservação do ovário sempre que possível. O tratamento quimioterápico, do tumor maligno, varia de acordo com o tipo histológico e estadiamento. CONCLUSÃO As massas anexiais, na criança e adolescentes, quando tumorais são frequentemente benignas. No entanto no nosso estudo, cerca de 60% dos doentes tinham lesões tumorais que, sendo raras, justi¿cam uma orientação multidisciplinar, com o envolvimento do centro oncológico pediátrico. De acordo com a literatura, foram identi¿cadas duas lesões tumorais malignas com origem na célula germinativa que, ao contrário dos tumores epiteliais do adulto, são mais frequentes na criança e adolescente. Também se diagnosticou uma lesão maligna com origem no estroma e não associado a puberdade precoce em criança de cinco anos. artigo original original article 71 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Na nossa casuística também foi possível identi¿car quatro doentes com malformações/síndromes não diagnosticados anteriormente (útero didelfos, síndrome do ovário poliquístico, síndrome de Mayer-Rokitansky, síndrome de Swyer). Os Pediatras devem estar sensibilizados para a abordagem da patologia do ovário, com a qual se prevê que sejam mais vezes confrontados, no contexto do alargamento da idade de atendimento em Pediatria até aos 18 anos. OVARIAN LESIONS IN A PAEDIATRIC ONCOLOGY CENTER ABSTRACT Introduction: Pediatric ovarian lesions are uncommon. However they should be ruled out in a patient with abdominal pain, pelvic mass or menstrual irregularity. The symptoms are usually not useful in distinguishing between benign and malignant masses, so surgery has an important role, not only in diagnosis but also in the staging and treatment. A retrospective study was made for ovarian lesions that were referred to our Pediatric Oncology Service of IPO Porto, from January 2000 to April 2009. Methods: Information about age, clinical presentation, imaging, analytical results, histological diagnosis, treatment, monitoring and associated diseases were collected from the patient clinical process. Results: During this period sixteen girls were admitted with ovarian masses, aged between ¿ve and ¿fteen years. The most common clinical manifestations were a palpable mass, abdominal pain and menstrual irregularity. Four had elevated tumor markers. Two patients underwent a previous surgery before admission. The initial approach was surgical resection in twelve girls and only two did needle biopsy. Two patients had spontaneous lesions. Histological analyses identi¿ed six non-neoplasic lesions and ten neoplasic lesions, most benign tumors (mature teratoma). The Mayer-Rokitansk syndrome, uterus dydelphos, gonadal dysgenesis and polycystic ovary syndrome were identi¿ed as associated pathology in four patients. Underwent surgical treatment fourteen patients and chemotherapy two patients. Conclusions: In our study there was a greater prevalence of tumoral lesions, needing a multidisciplinary approach, and the involvement of a Paediatric Oncology Center. Keywords: pediatric, ovarian mass, ovarian lesions. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 69-72 72 artigo original original article BIBLIOGRAFIA 1. Templeman CL, Fallat ME. Benign ovarian masses. Semin Pediatr Surg 2005; 14: 93-9. 2. Heller DS. Diseases manifesting in the upper genital tract in children and adolescents: a review. J Pediatr Adolesc Gynecol 2006; 19:3-9. 3. Von Allmen D. Malignant lesions of the ovary in childhood. Semin Pediatr Surg 2005; 14:100-5. 4. Lanzkowsky P. Manual of Pediatric Hematology and Oncology 4th ed. Elsevier, 2005:645-60. 5. McCarthy JD, Erickson KM. Premenarchal ovarian mass with elevated Ca125. J Pediatr Adolesc Gynecol 2008; 21 6. Hayes-Jordan A. Surgical management of incidentally identi¿ed ovarian mass. Semin Pediatr Surg 2005; 14:106-10. 7. Cass DL. Ovarian torsion. Semin Pediatr Surg 2005; 14: 86-92. 8. Quero-Hernández A, Estrada-Correa R, Tenorio-Rodríguez H, Álvarez-Solís R. 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As complicações agudas são raras mas potencialmente letais. Caso clínico: Criança do sexo feminino com nove anos admitida por febre elevada com 13 dias de evolução, dor abdominal e odinofagia. Os exames auxiliares de diagnósticos foram compatíveis com hepatite vírica aguda com valores muito aumentados de transaminases. O diagnóstico de infecção pelo VEB foi con¿rmado pela presença de anticorpos heteró¿los e marcadores serológicos. Conclusão: Na infecção pelo VEB a lesão hepática, apesar de frequente, é habitualmente insigni¿cante, com aumento leve e auto-limitado das transaminases, sendo raros os casos de hepatite clinicamente relevante. Os autores descrevem este caso pela inesperada gravidade das alterações hepáticas. Palavras-chave: vírus Epstein Barr, hepatite, mononucleose infecciosa. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 73-75 INTRODUÇÃO A infecção pelo vírus Epstein Barr (VEB) é muito comum, estimando-se que mais de 90% da população tenha sido infectada.(1) É um vírus do grupo herpes, transmitido essencialmente através das secreções orofaríngeas. Pode apresentar um período de latência (não associado a sinais ou sintomas) em que utiliza como células hospedeiras os linfócitos T, B, células epiteliais ou miócitos. Não é habitualmente citopático mas pode alterar a função linfocitária (induzindo a replicação, prolongando a sua sobrevida e estimulando a produção de imunoglobulinas). A infecção primária quando surge durante a infância é quase sempre assintomática.(2) O espectro clínico é muito diversi¿cado, podendo causar mononucleose infecciosa, infecções das vias aéreas superiores (ou outros sinais e sintomas inespecí¿cos) ou, raramente, doenças linfoproliferativas, autoimunes e neoplásicas. __________ 1 2 Serviço de Pediatria, CH Tâmega e Sousa Serviço de Pediatria, CH Porto A mononucleose infecciosa (MNI), síndrome caracterizada pela tríada de febre (geralmente elevada), faringite ou amigdalite com exsudado e adenopatias (habitualmente cervicais e com maior envolvimento das cadeias posteriores(3)), tem como agente etiológico mais comum o VEB. Os sintomas agudos surgem após um período de incubação de quatro a oito semanas.(4) O diagnóstico é presuntivo baseado na associação de sintomas típicos com a presença de linfócitos atípicos e pode ser con¿rmado através dos testes serológicos (inespecí¿cos como no caso dos anticorpos heteró¿los ou especí¿cos contra a cápside (VCA), antigénios precoces (EA) ou contra os antigénios nucleares (EBNA) do VEB). Apesar da evolução geralmente benigna podem surgir complicações agudas graves, nomeadamente a insu¿ciência hepática, rotura esplénica, obstrução das vias aéreas e síndrome hematofagocítico.(5) O envolvimento hepático traduz-se pela elevação leve e auto-limitada das transaminases e são raros os casos descritos de hepatite por VEB histologicamente comprovada.(6) A colestase é comum mas o seu mecanismo é desconhecido, no entanto a hiperbilirrubinemia (com valores de bilirrubina superiores a 8mg/dl) ocorre em menos de 3% dos doentes.(7) Os autores descrevem o caso de uma criança com forma pouco usual de lesão hepática causado pelo VEB. CASO CLÍNICO Rapariga de nove anos, previamente saudável, referenciada ao Serviço de Urgência por febre elevada com 13 dias de evolução associada a dores abdominais generalizadas e cefaleias. É negada sintomatologia respiratória, vómitos, alteração do trânsito intestinal, dores articulares ou mialgias. Sem história de conviventes doentes, viagens recentes, contacto com animais ou consumo de produtos lácteos não pasteurizados. Sem antecedentes familiares de doenças hepáticas ou do foro auto-imune. Ao exame objectivo apresentava bom aspecto geral, sem exantemas, com adenopatias cervicais e inguinais infracentrimétricas e orofaringe ruborizada mas sem exsudado. Não foram audíveis alterações na auscultação cardíaca e pulmonar. Apresentava fígado e baço palpáveis três centímetros abaixo da grade costal, sem outras alterações na palpação abdominal. Sem sinais inÀamatórios articulares. Exame neurológico normal e sinais meníngeos negativos. casos clínicos case reports 73 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Os exames auxiliares de diagnóstico requisitados revelaram leucocitose (19x109/l) com 25% de variantes de linfócitos, elevação moderada das transaminases (TGO-483 UI/l e TGP-457 UI/l), da fosfatase alcalina (FA-428 UI/l), da Gama glutamil transferase (GGT-291UI/l) e da desidrogenase láctica (DHL-3665 UI/l) com valores normais de bilirrubina. Na ecogra¿a abdominal realizada à data da admissão o baço media 16,7cm e o fígado 15,4cm. A pesquisa de anticorpos heteró¿los (reacção de Paul-Bunnel) e de anticorpos VEB -VCA (anti-cápside viral) IgG e IgM foi positiva o que con¿rmou o diagnóstico de mononucleose infecciosa por VEB. Ao 26º dia de doença mantinha febre (Figura 1) e apesar de manter um razoável aspecto geral e não apresentar clínica hemorrágica é constatado um agravamento da hepatomegalia (con¿rmado ecogra¿camente), associado a aumento das enzimas de citólise hepática com valores máximos de TGO de 1745 UI/l e TGP de1860 UI/l (Figura 2), da FA e GGT (valor máximo de 584UI/l e 310 UI/l respectivamente), com provas de função temperatura axilar ºC 41 40 39 38 37 36 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 dias de doença Figura 1 – Grá¿co de temperatura. Valores das transaminases U/L 2000 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 D13 D23 D33 D43 D53 D63 D73 Dias de doença TGO (UI/L) TGP (UI/L) Figura 2 – Evolução dos valores das transaminases 74 casos clínicos case reports hepática (proteínas totais, albumina e tempo de protrombina) e níveis séricos de bilirrubina normais. Nesta altura, e perante a evolução prolongada e as alterações hepáticas, são colocadas as hipóteses de associação de coinfecção por outros agentes hepatotrópicos, hepatite autoimune ou imunode¿ciência. As serologias efectuadas (Hepatite A; Hepatite C; HIV1/2; Toxoplasma; Citomegalovírus e Herpes simplex I/II) foram negativas. A serologia da hepatite B foi compatível com vacinação prévia. O estudo imunológico humoral e celular (Imunoglobulinas A, G, M e fenotipagem dos linfócitos periféricos) não revelou alterações relevantes. Os anticorpos antiKLM1, ANA e antineutró¿lo (ANCAs) foram negativos. O doseamento de paracetamol (pedido para excluir uma possível hepatite tóxica por este fármaco) revelou um valor inferior ao terapêutico. Ficou apirética ao 30º dia de doença. Foi ponderado efectuar biópsia hepática mas como se veri¿cou uma redução gradual da hepatomegalia e normalização dos parâmetros analíticos (transaminases, FA, GGT e DHL) ao ¿m de dois meses, tal não foi necessário. Foi acompanhada em consulta de Pediatria durante 12 meses sem qualquer outra clínica. DISCUSSÃO O caso descrito apresenta algumas diferenças em relação à maioria dos casos publicados(3) não só pela gravidade da lesão hepática mas também pela duração da febre. A infecção aguda sintomática pelo VEB, reconhecida clinicamente como mononucleose infecciosa, é caracterizada por febre, faringite, linfadenopatia, muitas vezes por hepatoesplenomegalia e aumento do número de células T CD8+ activadas.(8) Apesar de estar descrito que os sintomas podem persistir até quatro semanas(9), a febre, que resulta da produção maciça de citoquinas pelas células T, raramente está presente mais do que três semanas.(8) Num quadro de mononucleose os anticorpos heteró¿los positivos têm uma sensibilidade de 85% e uma especi¿cidade de 94% para o diagnóstico de MNI por VEB. São geralmente negativos nos síndromes mononucleósicos por VIH, herpes vírus humano tipo 6 ou Toxoplasma gondii).(10) Neste caso a presença de anticorpos heteró¿los e de anticorpos VEB -VCA IgG e IgM foi positiva o que con¿rmou o diagnóstico de mononucleose infecciosa por VEB, no entanto era importante efectuar biópsia no sentido de obtermos uma con¿rmação histológica de hepatite por VEB, uma vez que os casos con¿rmados são raros. Geralmente esta infecção associa-se a um aumento moderado das enzimas hepatocelulares (TGO; TGP e DHL) e da FA, que ocorre com maior frequência na segunda semana de doença e resolve num período de duas a seis semanas.(3) Ainda não é claro o mecanismo da hepatite por VEB, mas existem estudos que mostram o papel das células T infectadas pelo vírus na lesão dos hepatócitos.(11) Os valores de GGT observados sugerem também lesão dos colangiócitos.(7) A elevação das transaminases a valores dez vezes superiores ao normal, como sucedeu neste caso, é rara e por esse motivo outros diagnósticos foram considerados, nomeadamente NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 a hepatite por paracetamol. A toxicidade por fármacos é responsável por 10% das hepatites agudas(6) e o quadro clínico é semelhante ao de uma hepatite vírica. Na literatura, a maioria dos casos descritos de hepatite fulminante associados ao VEB ocorrem em doentes imunocomprometidos, mas existem relatos de casos em doentes imunocompetentes.(12,13) Por outro lado, existem autores que adiantam a hipótese de a infecção por VEB, ao alterar a função linfocitária, poder desencadear a hepatite autoimune.(14) Nos casos descritos foi demonstrada a positividade dos anticorpos antiKLM1, ANA e antineutró¿lo (ANCAs) juntamente com evidência de seroconversão para o VEB. Neste caso especí¿co todos estes anticorpos foram negativos. Geralmente é uma doença auto-limitada e o tratamento é de suporte, incluindo repouso, antipiréticos e analgésicos. A utilização de corticosteróides e anti-víricos nos casos mais severos não mostrou qualquer e¿cácia.(3) EPSTEIN BARR VIRUS INFECTION AND HEPATITIS ABSTRACT Introduction: Epstein Barr virus (VEB) infection is very prevalent with more than 90% of adults worldwide seropositive. The majority of primary VEB infections are subclinical. Acute complications are very rare but can be fatal. Case report: A nine-year-old girl was admitted with fever for 13 days, abdominal pain and sore throat. Laboratory results were consistent with an acute viral hepatitis with markedly elevated transaminase levels. The diagnosis of acute VEB infection was con¿rmed by the positive heterophilic antibody monospot assay and serological markers. Conclusion: Although common, liver disease is usually mild with transient elevation of serum aminotransferases, and cases of severe hepatitis are rare. The authors report this case due to the unexpected severity of liver disease. Keywords: Epstein Barr virus, hepatitis, infectious mononucleosis. BIBLIOGRAFIA 1. Sevilla J, Escudero MC, Jiménez R, González-Vicent M, Manzanares J, Garcia- Novo D, et al. Severe systemic autoimmune disease associated with Epstein-Barr virus infection. J Pediatr Hematol Oncol 2004; 26:831-3. 2. Jenson H. 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Nascer e Crescer 2011; 20(2): 73-75 CORRESPONDÊNCIA Eunice Moreira [email protected] casos clínicos case reports 75 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Hematoma subdural em Pediatria Diagnosticar e tratar precocemente Marisa Carvalho1, Ema Leal1, Margarida Santos1, José Ramos1, Luís Távora2, Deolinda Barata1 RESUMO Introdução: O hematoma subdural agudo não traumático é uma entidade rara em Pediatria. A presença de sintomas neurológicos de instalação aguda associada a anticoagulação obriga à exclusão desta entidade. Caso clínico: Apresentamos o caso de uma criança, do sexo masculino, de sete anos de idade, com prótese mitral mecânica, medicada com varfarina, que recorreu ao serviço de urgência por cefaleias intensas e progressivas, associadas a alteração no estado de consciência e convulsões. A nível laboratorial o INR (International Normalized Ratio) era de 4,2. Foi admitida na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP) em coma com anisocoria. Iniciou ventilação mecânica, medidas anti-edema cerebral e antiepilépticos. O exame de imagem mostrou hematoma subdural agudo à esquerda, com desvio da linha média. Foi submetida a craniotomia descompressiva, 56 horas após o início da sintomatologia, com recuperação clínica e actualmente sem sequelas. Conclusão: Este caso clínico ilustra a importância da suspeição clínica de hematoma subdural em doentes anticoagulados, bem como a necessidade de optimização das condições cirúrgicas e da utilização das técnicas não invasivas na monitorização do nível de consciência. Palavras-chave: anticoagulação, cardiopatia congénita, hematoma subdural. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 76-78 INTRODUÇÃO O hematoma subdural resulta da acumulação de sangue entre a membrana dural e o espaço subaracnoideu. Pode estender-se a vários lobos cerebrais, no entanto, encontra-se limitado pela foice do cérebro e pela tenda do cerebelo. Caracteristicamente, toma a forma de um crescente bicôncavo, ao contrário do hematoma epidural que tem uma forma biconvexa. A hemorragia resulta da lesão de pequenos vasos, artérias ou veias (mais frequentemente estas últimas), com consequente sangramento para o espaço subdural e posterior aumento da pressão intracraniana, podendo resultar em morte por herniação cerebral. Pode ter uma evolução aguda, subaguda ou crónica (com instalação de um a três meses). __________ 1 2 Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos Serviço de Neurocirurgia, H Dona Estefânia, CH Lisboa Central 76 casos clínicos case reports A etiologia varia com a idade da criança. Nos recém-nascidos pode ocorrer em 8% dos partos de termo e não é sinónimo de parto traumático. É frequentemente assintomático e desaparece em quatro semanas.(1) Em crianças com menos de dois anos, o traumatismo não acidental é a principal causa, pelo que a hipótese de maus tratos deve ser equacionada.(2) Em crianças mais velhas e adolescentes, o hematoma subdural resulta de acidentes que provocam traumatismos graves. Também pode ocorrer após pequenos traumatismos, sobretudo em crianças com factores de risco(3): alterações hematológicas (trombocitopenia, hemo¿lia, anticoagulação); retracção cerebral (drenagem ventricular no tratamento da hidrocefalia); atro¿a cerebral, higroma subdural ou hematoma crónico (após hematoma agudo ou meningite), quisto aracnóideo, acidúria glutárica tipo 1, osteogénese imperfeita, entre outras. Por vezes, a história clínica não fornece informação que sugira uma hemorragia cerebral, o que pode atrasar o diagnóstico. Frequentemente, não há menção a traumatismo. Na criança as manifestações clínicas principais são: febre, irritabilidade, letargia, convulsões, coma, dé¿ces neurológicos, abaulamento da fontanela, aumento do perímetro craniano, hematoma do couro cabeludo, anemia com palidez cutânea ou choque hemorrágico. Em crianças com menos de dois anos de idade deve ter-se um elevado índice de suspeição de maus tratos, aquando da realização do exame objectivo. A bradicardia, hipertensão e as alterações pupilares são sinais tardios pelo que não devemos esperar pelo seu aparecimento para suspeitar de hematoma subdural. A hemorragia retiniana pode estar presente em crianças vítimas de maus tratos, nomeadamente na criança abanada (“shaken baby”).(4) A punção lombar está contra-indicada e a tomogra¿a axial computorizada cranioencefálica (TC-CE) con¿rma o diagnóstico revelando a típica imagem bicôncava, que pode estar associada a herniação, dependendo do tamanho do hematoma. O tratamento depende do estado clínico e dos achados radiológicos; a vigilância clínica, as medidas antiedema (restrição hídrica, normo/hiperventilação, manitol, cloreto de sódio hipertónico) ou craniotomia descompressiva podem ser as atitudes.(5) Quando a cirurgia está indicada, esta deve ocorrer com a máxima urgência. Se a atitude a tomar privilegiar o tratamento médico, e, se a criança tem um “score” inferior a oito na Escala de Coma de Glasgow - ECG, é obrigatória a monitorização da pressão intracraniana (PIC), além da vigilância clínica e monitorização dos sinais vitais. TC-CE seriadas podem ser necessárias para moni- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 torizar a evolução ou decidir da necessidade de tratamento mais agressivo. O seguimento posterior destas crianças justi¿ca-se pela possibilidade de poder surgir hematoma subdural crónico e/ ou higroma subdural. CASO CLÍNICO Criança do sexo masculino, sete anos de idade, com defeito completo do septo auriculo-ventricular, sujeito a correcção cirúrgica três anos antes, tendo ¿cado com insu¿ciência mitral moderada. Cerca de dois meses antes do internamento, foi colocada prótese mitral mecânica. Medicada habitualmente com enalapril (5 mg, duas vezes/dia) e varfarina (5 mg/dia - três dias, alternando com 3,75 mg/dia - três dias) após colocação da prótese referida. Recorreu a um serviço de urgência hospitalar, 48 horas antes do internamento, com febre (38ºC), otalgia, cefaleias intensas e episódio autolimitado de epistáxis. No exame objectivo, não apresentava alteração dos parâmetros vitais, estava queixosa, sem sinais de irritação meníngea, e com infecção das vias aéreas superiores. Analiticamente revelava: hemoglobina (Hb) 9,8 g/dl; hematócrito (Hct) 30%; volume globular médio 73 À; plaquetas 523000/l; leucócitos 14730/l com 84,5% de neutró¿los; proteína C reactiva (PCR) 7 mg/dl; tempo de protrombina (TP) 49,4s; INR 4,2; tempo de tromboplastina parcial activado (APTT) 76,4s. A telerradiogra¿a do tórax era normal. Foi programada a redução da dose de varfarina para 2,5 mg/dia (três dias), alternando com 3,75 mg/dia (três dias), terapêutica antibiótica com amoxicilina 90 mg/kg/dia e reavaliação três dias depois ou antes se se veri¿casse agravamento clínico. Cerca de 24h depois, é novamente observada por agravamento da intensidade da cefaleia e da prostração. Ao exame objectivo, encontrava-se febril, pouco reactiva, com rigidez da nuca e sem sinais focais. Analiticamente, observava-se: Hb 10,8 g/dl; Hct 29,7%, leucócitos 11770/l com 84,5% de neutró¿los; plaquetas 495000/l; PCR 10 mg/dl, TP 94,7s; INR 8,25; APTT 73,6s. Iniciou terapêutica antibiótica com gentamicina (5 mg/kg/dia), cefotaxima (200 mg/kg/dia) e vancomicina (60 mg/kg/dia), assim como plasma fresco congelado, vitamina K e concentrado eritrocitário. Foi transferida para UCIP do Hospital Dona Estefânia (HDE), no período pós-ictal de convulsão tonico-clónica generalizada, controlada com diazepam e fenobarbital, e, ainda, sem recuperação do estado de consciência (“score” de 5 na ECG), pupilas midriáticas, assimétricas, pouco reactivas, com posterior evolução para anisocória marcada (midríase à esquerda). A fundoscopia era normal; os reÀexos osteotendinosos eram difíceis de despertar. Não era visível hematoma no couro cabeludo. A restante observação não apresentava alterações. Por suspeita de hipertensão intracraniana devida a hemorragia secundária a alteração da coagulação, iniciou de imediato ventilação mecânica, medidas anti-edema cerebral e concentrado protrombínico (Octaplex® em dose adequada ao valor de INR) com vista a rápida normalização da coagulação para eventual cirurgia. Na TC-CE, realizada duas horas após admissão na UCIP, apresentava hematoma subdural agudo à esquerda com desvio da linha média e sinais de encravamento do uncus (Figura 1). A craniotomia descompressiva ocorreu cerca de 45 minutos após a realização de TC-CE e da reversão da anticoagulação (56 horas após o início da sintomatologia). Realizada drenagem de todo o hematoma, sem visualização do ponto sangrante, com consequente expansão cerebral, constatando-se edema cerebral generalizado. No pós-operatório manteve as medidas anti-edema cerebral e ventilação mecânica durante quatro dias. Clinicamente, houve regressão da anisocoria e melhoria progressiva, apesar de às 48h de pós-operatório ter havido diminuição do nível de consciência. Fez TC-CE (Figura 2) que não apresentava alterações. Às 32h de pós-operatório, reiniciou anticoagulação com enoxaparina subcutânea (1 mg/kg/dose). A monitorização do nível de consciência foi também feita com Bispectral Index™ apresentando valores médios de 40, posteriormente mais elevados à medida que se tornava mais acordada. Foi transferida, ao sétimo dia pós-operatório, para uma enfermaria de Pediatria, clinicamente bem, apenas com ptose palpebral esquerda da qual veio a recuperar, estando actualmente sem sequelas. Figura 1 – Hematoma subdural agudo, hemisfério esquerdo, com desvio da linha média, em TC-CE, corte axial. Figura 2 – Secção de TC-CE sobreponível à anterior, realizada 24 horas após a cirurgia, mostrando sequelas da intervenção e resolução do hematoma. DISCUSSÃO O caso ilustra: 1) A importância da suspeição clínica em doentes anticoagulados; a mais temível complicação do uso de anticoagulantes é a hemorragia intracraniana, sendo a intensidade da anti-coagulação o maior predictor de hemorragia cerebral. Valores de INR superiores a 3,5 aumentam a sua probabilidade de ocorrência(6), especialmente se associados a outros factores de risco (quedas, hipertensão arterial, malformação vascular, entre outras). O elevado grau de suspeição, pela clínica altamente sugestiva de hipertensão intracraniana, justi¿cam o início de medidas anti-edema cerebral antes da realização da TC CE. casos clínicos case reports 77 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 2) A relevância da rápida optimização das condições cirúrgicas, para não protelar este procedimento quando está indicado; a descontinuação da terapêutica anticoagulante uns dias antes de uma cirurgia electiva é su¿ciente para normalizar a coagulação, no entanto, uma reversão rápida pode ser necessária em situações de emergência. É frequente o uso de plasma fresco congelado, vitamina K ou factor VII activado, mas a normalização do INR obtém-se mais rapidamente com o uso do complexo protrombínico. O tempo médio para reverter o INR é 30 minutos a uma hora. O complexo protrombínico é constituído por factor II, VII, IX e X.(7) É necessário ter em conta o potencial risco trombótico que advém da administração destes fármacos. 3) A utilização de técnicas não invasivas de monitorização do nível de consciência; o Bispectral Index™, largamente usado em bloco operatório, avalia os efeitos dos anestésicos sobre a actividade do cérebro mediante análise da frequência de onda do electroencefalograma, ajudando a adequar a dose de anestésico. O seu valor varia de zero a 100, correspondendo zero a ausência de actividade cerebral e 100 a totalmente acordado. Recentemente, tem-se assistido ao seu uso em unidades de cuidados intensivos pediátricos sendo um complemento muito útil, quando disponível.(8,9) 4) A imprevisibilidade da evolução das patologias pediátricas; o hematoma subdural agudo tem uma taxa de mortalidade de 10 a 20%, sendo as sequelas muito frequentes. São factores de mau prognóstico a existência de coma, alterações pupilares, hipertensão intracraniana, alterações signi¿cativas na TC e o período até à cirurgia descompressiva. No caso clínico aqui apresentado, o tempo decorrido entre a apresentação dos sintomas e a cirurgia foi demasiado longo o que, ab initio, faria prever um desfecho desfavorável, ou até mesmo fatal, e que não aconteceu. SUBDURAL HEMATOMA IN PEDIATRICS – EARLY DIAGNOSIS AND TREATMENT ABSTRACT Introduction: Non-traumatic acute subdural hematoma is a rare entity in children. In the presence of acute neurological symptoms associated with long term anticoagulation, it is mandatory to rule out this entity. Case report: We report the case of a seven-year-old boy, with mechanical mitral valve prosthesis under warfarin treatment, presenting severe and progressive headache associated with altered level of consciousness and seizures. Laboratory studies revealed a high value of International Normalized Ratio (INR: 4,2). He was admitted to the Pediatric Intensive Care Unit in a coma with anisocoria. He was mechanically ventilated and started on speci¿c measures to reduce cerebral edema in addition to anticonvulsants. Cranial computerized tomography (CT scan) revealed acute left subdural hematoma, with midline shift. Fifty-six hours after the onset of symptoms, he was submitted to decompressive craniectomy. There was progressive clinical recovery with neurological and imaging improvement and an excellent outcome. 78 casos clínicos case reports Discussion: This case illustrates the importance of the clinical suspicion of a subdural hematoma in patients treated with anticoagulants, as well as the need of optimizing surgical conditions and the use of noninvasive techniques for monitoring the level of consciousness. Keywords: anticoagulation, congenital heart disease, subdural hematoma. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 76-78 BIBLIOGRAFIA 1. 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CORRESPONDÊNCIA Marisa Carvalho [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Pancitopenia num lactente Marta Contreiras1, Filipa Vieira1, Conceição Santos1, José Guimarães1 RESUMO Introdução: No lactente a causa mais frequente de de¿ciência de cobalamina é a carência alimentar da mãe, e geralmente em crianças em aleitamento materno exclusivo. As manifestações clínicas nos primeiros meses de vida, incluem, irritabilidade, má progressão estaturoponderal, apatia e anorexia, bem como manifestações neurológicas como hipotonia e regressão no desenvolvimento psicomotor. Caso clínico: Apresenta-se um caso de anemia megaloblástica por dé¿ce de cobalamina num lactente com sete meses de idade em aleitamento materno exclusivo. Um mês antes do internamento apresentava apatia e regressão no desenvolvimento psicomotor, a que mais tarde se associou palidez cutânea. A avaliação laboratorial evidenciou pancitopenia com anemia grave. Conclusão: A idade de início precoce e a longa duração dos sintomas neurológicos podem contribuir para a persistência de sintomas a longo prazo, sendo por isso fundamentais o diagnóstico e tratamento precoces. Palavras-chave: aleitamento materno, anemia megalobástica, cobalamina, pancitopenia, lactente. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 79-81 INTRODUÇÃO Os seres humanos são incapazes de sintetizar Cobalamina (Cbl), também denominada vitamina B12, sendo a sua única fonte os produtos animais.(1-3) Contrariamente aos adultos, as crianças têm pequenas reservas desta vitamina, podendo desenvolver sinais e sintomas devidos à sua de¿ciência em meses.(1,4) Ainda assim, o dé¿ce de Cbl é uma situação rara na infância.(1,3,5) Das causas conhecidas em idade pediátrica, a mais frequente é a carência alimentar da mãe por de¿ciência de armazenamento ou ingestão e geralmente em crianças em aleitamento materno exclusivo.(2,3,6,7) As mulheres que seguem regimes alimentares vegetarianos e macrobióticos estão particularmente em risco.(6,8) Das outras causas destacam-se a carência alimentar da criança, a falta de factor intrínseco activo (anemia perniciosa congénita), a presença de anti-corpos anti-Cbl e anti-factor __________ 1 Serviço de Pediatria, H São Francisco Xavier, CH Lisboa Ocidental intrínseco (anemia perniciosa), a má absorção selectiva de Cbl (síndrome de Imerslund Grasbek), vários síndromes de má absorção, doenças com envolvimento ileal (local de absorção da Cbl) e presença de mecanismo de competição pela Cbl (parasitismo por Diphyllobothrium latum).(2,4,8) Nos primeiros meses de vida, as manifestações clínicas da de¿ciência de Cbl, incluem irritabilidade, má progressão estaturoponderal, apatia, anorexia e recusa de alimentos sólidos. As manifestações neurológicas mais comuns são o atraso ou regressão no desenvolvimento psicomotor. As crianças mais velhas (ou quando o diagnóstico é mais tardio) podem apresentar anemia megaloblástica, pancitopenia e sintomas ou sinais neurológicos como hipotonia, hiperreÀexia, tremor ou convulsões.(2,6,9) Saliente-se que a sintomatologia neurológica pode preceder os achados hematológicos.(6,9) Os doseamentos de homocisteína e de ácido metilmalónico no plasma e na urina, têm sido utilizados para diagnosticar precocemente e monitorizar a de¿ciência de Cbl,(4) já que os valores hematológicos e o doseamento de Cbl podem ser normais ou apenas discretamente diminuídos.(2) Desde Junho de 2006 que o Programa Nacional de Diagnóstico Precoce permite o rastreio alargado de doenças metabólicas a todos os recém-nascidos. Este rastreio inclui o doseamento de propionilcarnitina, que se encontra aumentada no dé¿ce de cobalamina.(12) A de¿ciência de Cbl diminui a actividade de duas enzimas, a metionina sintase e a L-metilmalonilCoA mutase, o que resulta na acumulação de homocisteína, ácido metilmalónico e propionilcarnitina.(9) Apresenta-se um caso de anemia megaloblástica por dé¿ce de Cbl num lactente em aleitamento materno exclusivo, em que a mãe negou ter seguido um regime alimentar vegetariano. CASO CLÍNICO Lactente do sexo feminino, sete meses, ¿lha de pais jovens não consanguíneos, saudáveis, pertencentes a classe socioeconómica desfavorecida. Gravidez não vigiada; serologias à data do parto adequadas. Parto distócico por ventosa às 40 semanas. Peso ao nascer 3290g; sem intercorrências no período neonatal. Aleitamento materno exclusivo, com bom desenvolvimento estaturoponderal (P75). Rastreio de doenças metabólicas realizado ao sétimo dia de vida. Foi admitida no Serviço de Urgência por apatia associada a palidez cutânea e vómitos com a tentativa de diversi¿cação alimentar. Um mês antes do internamento apresentava cansaço casos clínicos case reports 79 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 fácil e regressão no desenvolvimento psicomotor, deixando de se sentar com apoio e perdendo interesse pelos brinquedos. À admissão, apresentava-se prostrada, com mucosas pálidas e hiperpigmentação cutânea difusa; hipotonia axial e dos membros. Sem outras alterações no exame objectivo nomeadamente neurológico. Na avaliação laboratorial (Tabela 1) veri¿cou-se pancitopenia com anemia grave, eritrócitos 1.100.000/l; hemoglobina 3,8 g/dl; plaquetas 105.000/l, reticulócitos 0,6%; hematócrito 10,5%; volume globular médio 95,5 À (>P95); RDW 29,8%; leucócitos 3.200/l, neutró¿los 20% (640/l). O esfregaço de sangue periférico evidenciava anisopoiquilocitose acentuada e neutró¿los macrocíticos hipersegmentados. A desidrogenase láctica (LDH) estava aumentada (9.147 U/l). Perante a anemia grave sintomática fez transfusão de concentrado de eritrócitos. Tabela 1 - Resultados da avaliação analítica Parâmetros Eritrócitos Hemoglobina Hematócrito Volume globular médio RDW Reticulócitos Plaquetas Leucócitos Neutró¿los AST ALT LDH Bilirrubina total / conjugada Cobalamina Ácido fólico Resultado 1.100.000/l 3,8 g/dl 10,5% 95,5 À 29,8% 2.1% - 24x109 /l 105.000/l 3.200/l 20% - 640 87 U/l 34 U/l 9147 U/l 1,48 mg/dl / 0,3 mg/dl 115 pg/ml (VR: 250-1100 pg/ml) 38,7 nmol/l (VR: 7-36 nmol/l) RDW - Red blood cell distribution width; AST – Aspartato aminotransferase; ALT – Alanina aminotransferase; LDH – Lactato desidrogenase; VR – Valores de Referência. Os achados do mielograma foram sugestivos de anemia megaloblástica: medula óssea hipercelular (três séries), reactiva, com aspectos megaloblastóides e sinais de eritropoiese ine¿caz. O doseamento sérico de Cbl 115 pg/ml (250-1100 pg/ml) con¿rmou a carência de Cbl. Com base nestes achados foi diagnosticada de¿ciência de Cbl por de¿ciência nutricional numa criança em aleitamento materno exclusivo. Foi medicada com Cbl, durante três meses, inicialmente intramuscular (50 g/dia) e depois por via oral. Ao sétimo dia de terapêutica veri¿cou-se resposta reticulocitária, com melhoria franca dos valores hematológicos. Observou-se melhoria da hipotonia, recuperação das aquisições psicomotoras e progressi- 80 casos clínicos case reports va normalização da pigmentação cutânea. Iniciou diversi¿cação alimentar com sucesso, com introdução progressiva de papas, sopas, fruta e produtos de origem animal nomeadamente carne, peixe e ovos. Gatinhou aos nove meses, adquiriu marcha autónoma aos 14 e aos 28 meses subia e descia escadas. Actualmente, com quatro anos de idade, tem um regime alimentar equilibrado adequado à sua idade, com um desenvolvimento estaturo-ponderal no P75: corre em bicos dos pés e tem um discurso completamente inteligível. A investigação realizada à mãe evidenciou anemia ferropénica e dé¿ce de Cbl. O seu regime alimentar caracterizava-se por um aporte inadequado de produtos de origem animal. Foi encaminhada para consulta de Medicina Interna, a que faltou repetidamente. DISCUSSÃO A cobalamina é sintetizada exclusivamente por microrganismos, encontrando-se em grandes quantidades nos produtos lácteos, fígado, carne, ovos, crustáceos e peixe, estando ausente na fruta, legumes e cereais, o que explica a sua carência frequente nos vegetarianos estritos.(3,7,8,10,11) A necessidade diária de Cbl na criança é de 3 g/dia.(7) Contrariamente ao que acontece no adulto, os lactentes com carência de Cbl podem ser sintomáticos em poucos meses, devido à sua pequena reserva hepática.(1,3,4,8) Nos primeiros meses de vida a sintomatologia é inespecí¿ca. Das manifestações neurológicas destaca-se o atraso ou regressão no desenvolvimento, apatia e hipotonia, presentes neste caso. Pode-se encontrar ainda irritabilidade, ataxia, tremor e convulsões. A de¿ciência de Cbl induz alterações como a desmielinização, degeneração axonal e morte neuronal.(2,5,11) Contrariamente ao adulto, que apresenta atingimento do sistema nervoso periférico, na criança em desenvolvimento, parece haver um envolvimento predominante do sistema nervoso central com atraso ou regressão nas aquisições psicomotoras.(11) Do ponto de vista hematológico pode haver anemia, trombocitopenia e leucopenia.(5) Dos sintomas gastrointestinais destaca-se anorexia, diarreia e glossite.(10) A hiperpigmentação cutânea, como no caso descrito, é uma forma de apresentação rara.(5) O mecanismo exacto da hiperpigmentação é desconhecido mas, provavelmente, está relacionado com os níveis de tirosinase, enzima envolvida na melanogénese, que se encontra aumentada, resultando em hipermelanose.(5) No caso clínico apresentado, o diagnóstico foi sugerido pela associação de sintomas neurológicos (apatia, hipotonia e perda de aquisições psicomotoras) e anemia macrocítica grave arregenerativa (com reticulócitos baixos). A elevação de LDH é sugestiva de destruição intramedular.(15) A presença de neutró¿los com núcleos hipersegmentados(10) e os aspectos megaloblastóides encontrados no mielograma apoiaram essa suspeita, con¿rmada pelo doseamento de Cbl na criança e na mãe. O doseamento de ácido metilmalónico e propionilcarnitina foi feito, no nosso caso, no cartão de Guthrie, a posteriori, e foi normal. Este facto pode ser explicado por carência vitamínica discreta na mãe, o que permitiu alguma reserva fetal durante a gestação. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 A de¿ciência de cobalamina deve ser sempre considerada no diagnóstico diferencial das situações clínicas na infância com sintomas neurológicos como a regressão psicomotora, perturbações adquiridas do movimento, tremor, convulsões e apatia, principalmente se associadas a anemia megaloblástica e má progressão estaturoponderal, mesmo nos casos em que a mãe não apresente anemia e siga um regime alimentar aparentemente adequado.(1,2) É difícil a¿rmar que uma carência numa etapa tão crucial do desenvolvimento não tenha consequências no desenvolvimento destas crianças, mas em geral a resposta clínica e laboratorial à terapêutica instituída é rápida e aparentemente favorável. O prognóstico neurológico a longo prazo parece depender da idade de início e da duração dos sintomas neurológicos. (2,3,5,8,11,13,14) O diagnóstico e tratamento precoce do dé¿ce de Cbl pode evitar a lesão cerebral permanente e depende da correcta avaliação da história nutricional da mãe e da criança.(2,5,6) Nas mulheres vegetarianas ou com consumo escasso de carne e de outros produtos de origem animal, parece sensato o suplemento com Cbl.(3,15) PANCYTOPENIA IN AN INFANT ABSTRACT Introduction: The most common cause of cobalamin de¿ciency in infants is dietary de¿ciency in the mother, usually in those children who are exclusively breastfed. In the ¿rst months of life, the clinical manifestations of cobalamin de¿ciency include irritability, failure to thrive, apathy, anorexia, and neurological manifestations such as hypotonia or developmental regression. Case report: We report a case of megaloblastic anaemia due to cobalamin de¿ciency in a seven-month-old girl who was exclusively breastfed. One month before being admitted she started apathy and developmental regression, later associated with pallor. Laboratory ¿ndings showed pancytopenia with severe anaemia. Conclusions: The early age of onset and long duration of neurological symptoms may contribute to the development of long-term symptoms, so early diagnosis and treatment are of extreme importance. Keywords: megaloblastic anaemia, breastfeeding, cobalamin, pancytopenia, infant. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 79-81 2. Korenke CG, Hunneman HD, Eber S, Hanefeld F. Severe encephalopathy with epilepsy in an infant caused by subclinical maternal pernicious anaemia: Case report and review of the literature. Eur J Pediatr 2004; 163:196-201. 3. Yenicesu I. Pancytopenia due vitamin B12 de¿ciency in a brest-fed infant. Pediatr Hematol Oncol 2008; 25:365-7. 4. Díaz Conradi A, Ruggeri Rodríguez N, Massaguer Cabrera J, Vilaseca Busca MA, Artuch Iberri R, Englert Grannell E. Anemia megaloblástica por de¿cit nutricional. Cartas al Editor. An Pediatr (Barc) 2007; 66:96-7. 5. Simsek OP, Gönç N, GȨmrȨk F, Çetin M. 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Conclusão: Os autores alertam para a importância do diagnóstico precoce das potenciais complicações da varicela, nomeadamente da fasceíte necrotizante, pois a precocidade da actuação é determinante para o seu prognóstico. A fasceíte necrotizante deve ser considerada sempre que uma criança com varicela se apresente com eritema, calor e induração da pele e tecidos moles, associado a uma recorrência da febre ou à sua persistência ao quarto dia após o início do exantema. Palavras-chave: varicela, fasceíte necrotizante, Streptococcus pyogenes. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 82-84 INTRODUÇÃO A varicela na criança é habitualmente uma doença benigna e autolimitada. Contudo, pode associar-se a complicações fatais. A varicela constitui o factor de risco mais importante para a aquisição de doença invasiva por Streptococcus pyogenes. Esta relação parece dever-se ao facto da varicela lesar a integridade da barreira cutânea, criando assim uma porta de entrada, bem como à imunodepressão causada pelo próprio vírus da varicela.(1) Também alguns autores defendem um maior risco desta complicação associado ao uso de anti-inÀamatórios não esteróides em crianças com varicela.(2,3) A fasceíte necrotizante é uma doença invasiva causada habitualmente por Streptococcus pyogenes, embora o Staphylococcus aureus também possa estar implicado.(4) Caracteriza-se __________ 1 2 3 Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos Serviço de Cirurgia Pediátrica Serviço de Pediatria - H São João 82 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting por uma destruição rápida e consequente necrose da fáscia muscular e tecido subcutâneo, atingindo por vezes a epiderme. Pode complicar-se de Síndrome de choque tóxico (SCT) que se caracteriza por início súbito de choque, falência multiorgânica e uma elevada mortalidade (30-60%).(5) O seu reconhecimento atempado e o tratamento com antibioterapia sistémica com cobertura anti-estreptocócica e anti-esta¿locócica, bem como o desbridamento cirúrgico precoce, são fundamentais para redução da morbilidade e mortalidade. Os autores pretendem alertar para a importância do diagnóstico precoce das potenciais complicações da varicela, nomeadamente da fasceíte necrotizante, pois a precocidade da actuação é determinante para o prognóstico. CASO CLÍNICO Criança de oito anos, sexo feminino, raça branca, com antecedentes de asma, medicada habitualmente com budesonido e formoterol, sem vacinas extra-calendário. Irmão de quatro anos com varicela duas semanas antes da sua admissão hospitalar. Cinco dias antes da admissão, iniciou febre associada a exantema vesiculopapular generalizado. Foi observada no segundo dia de doença pelo seu médico assistente, que diagnosticou varicela e medicou com aciclovir oral. Para o controlo da febre recorreu ao uso de ibuprofeno alternado com paracetamol. Ao quinto dia de evolução, mantinha febre elevada e surgiram lesões de celulite na parede torácica anterior direita, registandose um agravamento clínico, com mal-estar geral, períodos de confusão e agitação, dispneia, diarreia e noção de baixa diurese, pelo que recorreu ao serviço de urgência. Na admissão, apresentava-se febril com temperatura axilar 40,4ºC, consciente, mas desorientada (Escala de Glasgow de 13). Tinha um aspecto tóxico com sinais de má perfusão periférica, taquipneia (FR 60 cmp), taquicardia (FC 150-180 bpm), tensão arterial não mensurável e saturação transcutânea de O2 de 90% em ar ambiente. A auscultação cardiopulmonar não apresentava alterações. Eram evidentes lesões de varicela dispersas pelo corpo e sinais de celulite na região torácica anterior direita. Iniciou oxigenioterapia com O2 a 15 l/min por máscara com reservatório, volemização com soro ¿siológico (4 bólus de 20 ml/kg) e antibioterapia com ceftriaxone e clindamicina endovenosos. Por deterioração do estado de consciência e hipotensão refractária, iniciou suporte ventilatório e suporte inotrópico com dopamina, tendo sido transferida para o Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos (SCIP). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Na avaliação analítica apresentava: hemoglobina 13.5 g/dl; leucócitos 14200/l com 71.2% de neutró¿los, plaquetas 158000/ l; APTT 67.6”, TP 20.6”, ¿brinogénio 394 mg/dl, D-dímeros 13,56 g/ml, glicose 37 mg/dl, ureia 1.36 g/l, creatinina 36.2 mg/ dl, sódio 127 mEq/l, potássio 5,1 mEq/l, CPK 1440 U/l. TGO 1061 U/l, TGP 122U/l. Proteína C reactiva 319.2 mg/l. A gasometria venosa revelou: pH: 7.17, pCO2 37.2 mmHg, pO2 22.4 mmHg, HCO3 14.4 mmol/l, lactatos 6.81 mmol/l. Perante a hipótese de sindroma de choque tóxico associou-se vancomicina. Inicialmente no SCIP, apresentou choque refractário a aminas, que respondeu bem à hidrocortisona (100 mg/dia, três dias). Necessitou de suporte politransfusional com plasma fresco congelado, antitrombina III, plaquetas e concentrado eritrocitário. No segundo dia de internamento, por insu¿ciência renal aguda (oligoanúria, hipercaliémia e anasarca) necessitou de hemodia¿ltração veno-venosa contínua, que manteve durante 33 dias. Dado o agravamento dos sinais inÀamatórios/infecciosos da parede torácica anterior sugestivos de fasceíte necrotizante, foi realizada fasciotomia ao sétimo dia de internamento. Posteriormente necessitou de desbridamento cirúrgico regular, três vezes por semana, e tratamento local com sistema de pressão negativa (Sistema EZCare). (Figura 1) Na hemocultura foi isolado um Streptococcus pyogenes sensível ao tratamento instituído. O aparecimento de um exantema com descamação das mãos (Figura 2) na segunda semana de internamento constituiu mais um dado a favor de SCT estreptocócico. Foi submetida a sedo-analgesia e relaxamento muscular com perfusão de midazolam, fentanil e vecurónio durante o período em que necessitou de ventilação mecânica, tendo sido possível a extubação ao 55º dia de internamento. Necessitou de nutrição parentérica durante cerca de um mês e meio, tendo posteriormente tolerado alimentação por sonda naso-duodenal, que manteve durante 25 dias. Figura 1 – Ferida torácica em fase de cicatrização (Sistema EZCare) Como outras complicações, teve uma pneumonia nosocomial por Stenotrophomonas maltophilia e outra por Pseudomonas aeruginosa, uma trombose da veia femoral esquerda (no local de inserção do cateter da hemodia¿ltração) e hipertensão arterial. Posteriormente teve uma evolução clínica favorável, veri¿cando-se a normalização da função hepática e da função renal nas terceira e sexta semanas de internamento, respectivamente. A proteína C reactiva normalizou a partir da quarta semana de internamento. Teve alta hospitalar 89 dias após a admissão. À data da alta encontrava-se deprimida, sob tratamento com Àuoxetina e com uma fraqueza muscular generalizada (miopatia dos cuidados intensivos), dependente de cadeira de rodas. Mantinha necessidade de ventilação não invasiva nocturna, sem necessidade de aporte suplementar de oxigénio. Encontrava-se normotensa (sob tratamento com amlodipina) e com diurese preservada. DISCUSSÃO A fasceíte necrotizante é um diagnóstico a considerar sempre que uma criança com varicela se apresente com eritema, calor e induração da pele e tecidos moles, associado a uma recorrência da febre ou à sua persistência ao quarto dia após o início do exantema.(6) As frustres manifestações cutâneas iniciais podem di¿cultar o seu diagnóstico, sendo frequentemente subdiagnosticada e confundida com celulite.(7) No entanto, a rápida progressão e extensão da lesão inÀamatória local, a presença de anestesia central, equimose, crepitações, bolhas ou necrose são sugestivas de fasceíte necrotizante.(8) Quando estas manifestações se associam a exantema escarlatiniforme, vómitos, diarreia, mialgias, depressão do estado de consciência e taquicardia, deve-se suspeitar de SCT estreptocócico. Figura 2 – Descamação das mãos em criança com SCT estreptocócico ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 83 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Alguns autores defendem que o uso de anti-inÀamatórios não esteróides em crianças com varicela aumenta o risco de fasceíte necrotizante, alegando que o seu uso, ao mascarar os sintomas (dor), pode atrasar o diagnóstico e, ao suprimir as funções granulocitárias (quimiotaxia e fagocitose), pode aumentar o risco de infecções mais graves.(2,3) Esta criança apresentava alguns factores de risco para doença invasiva por Streptococcus pyogenes, nomeadamente: tratar-se do segundo caso índex de varicela, o uso crónico de corticóide inalado, a persistência de febre cinco dias após o aparecimento do exantema e o uso de anti-inÀamatório não esteróide (ibuprofeno). O caso clínico apresentado, pelo isolamento do Streptococcus pyogenes no sangue, a presença de choque, falência renal, hepática, coagulação intravascular disseminada e fasceíte necrotizante preenche critérios de SCT estreptocócico. Com a apresentação deste caso, os autores alertam para uma complicação rara, mas potencialmente fatal da varicela, cujo diagnóstico precoce permite uma intervenção atempada, fundamental para a redução da sua morbilidade e mortalidade. NECROTIZING FASCIITIS AND STREPTOCOCCAL TOXIC SHOCK IN A CHILD WITH CHICKENPOX INFECTION ABSTRACT Introduction: The necrotizing fasciitis, a severe infection of soft tissues, usually caused by Streptococcus pyogenes, is a rare complication of chickenpox; early diagnosis is uncommon. Case report: We present a case of an eight-year-old child with chickenpox, complicated by a necrotizing fasciitis and streptococcal toxic shock, which required invasive procedures and prolonged hospitalization in an Intensive Care Unit Pediatric. Conclusions: The authors emphasize the importance of the potential complications of chickenpox, particularly the necrotizing fasciitis, as an early diagnosis and intervention are crucial for the outcome. The necrotizing fasciitis should be considered whenever a child with chickenpox presents with erythema, warmth, and induration of the skin and soft tissues, associated with a recurrence of fever or its persistence by the fourth day after the rash onset. Keywords: chickenpox, necrotizing fasciitis, Streptococcus pyogenes. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 82-84 84 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting BIBLIOGRAFIA 1. Laupland KB, Davies HD, Low D, Schwartz B, Green K, McGeer A. Invasive group A streptococcal disease in children and association with varicella-zoster virus infection. Pediatrics 2000; 105:1-7. 2. Lesko SM, O’Brien KL, Schwartz B, Vezine R, Mitchell AA. Invasive group A streptococcal infection and nonsteroidal antiinÀammatory drug use among children with primary varicella. Pediatrics 2001; 107:1108-15. 3. Zerr DM, Alexander ER, Duchin JS, Koutsky LA, Rubens CE. A case-control study of necrotizing fasciitis during primary varicella. Pediatrics 1999; 103: 783-90. 4. Gerstron AA. Varicella-zoster virus infection. Pediatr in Rev 2008; 29:5-11. 5. Morelli JG. Cutaneous bacterial infections. In: Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB, Stanton BF. Nelson Textbook of Pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders; 2007; 2738-9. 6. Schwart B, Breiman R, Hardegree MC, Jacobs R, Orenstein W, Rabinovich NR. Severe invasive group A steptococcal infections: a subject review. Pediatrics 1998; 101:136-40. 7. Hsieh T, Samson LM, Jabbour M, Osmond M. Necrotizing fasciitis in children in eastern Ontário: a case-control study. CMAj 2000; 163;393-6. 8. Prego J, Sehabiague G, Leonardis D, Gutiérrez C. Varicela complicada con fascitis necrotizante. Importancia de un diagnóstico oportuno. Arch Pediatr Urug 2001; 72(S): S84-S87. 9. Clark P, Davidson D, Letts M, Lawton L, Jawadi A. Necrotizing fasciitis secondary to chickenpox infection in children. Can J Surg 2003; 26: 9-14. 10. Escobar E, Villaescusa j, Pardillo R., Fernández R, Moreno C, Hernández A, Garcia O. Fascitis necrosante por Streptococcus pyogenes. An Pediatr (Barc) 2006; 64: 167-9. CORRESPONDÊNCIA Otília Cunha [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Unexplained Physical Complaints M. Elena Garralda In Child Adolesc Psychiatr Clin N Am. 2010; 19: 199–209 Physical complaints tend not to feature prominently in the everyday work of child and adolescent psychiatrists or child and youth mental health clinics. These problems are more likely to be referred to the local pediatric clinic. As a result, expertise in the assessment and management of the psychiatric aspects of such problems varies considerably and can be limited. An exception are psychiatric pediatric liaison teams as they deal primarily with problems at the interface between physical and mental health problems, which include medically unexplained symptoms. Nevertheless, family engagement in assessment and treatment can be problematic even for specialist liaison teams. COMENTÁRIOS As queixas somáticas sem explicação médica são muito frequentes em crianças e adolescentes e constituem um motivo regular de consultas e exames clínicos, para além de poderem suscitar bastante stress nos pais e por vezes também nos próprios médicos. O propósito deste trabalho é rever os dados mais recentes que as pesquisas têm revelado acerca das queixas físicas em crianças e adolescentes. São problemas relativamente comuns que terão, na sua maioria, uma explicação ¿siológica e não derivam de uma doença médica reconhecível. Estudos na população geral detectam que, nesta faixa etária, existe uma média de dois sintomas somáticos “muito” presentes nas duas semanas prévias. Os mais frequentes são cefaleias, fadiga, músculos doridos, náuseas e mal-estar gástrico, dores nas costas e dores de estômago. Muitos destes sintomas são ligeiros mas para uma minoria os problemas serão intensos e incapacitantes, prejudicando o seu funcionamento no quotidiano, tal como se veri¿ca no absentismo escolar. O modo como estas queixas vão ser encaradas depende da forma como vão ser entendidas. Se os pais ¿cam preocupados ou mesmo angustiados, interpretando-as como um sinal de doença, irão consultar o médico ou tentarão resolvê-las com os seus conhecimentos caseiros. Se as encaram como temporárias, sem probabilidade de signi¿car doença, poderão atribuir-lhes uma causa inocente (do género, as dores abdominais se- Whether children and families engage with and bene¿t from psychiatric services depends to a large extent on whether families appreciate the link between physical and psychiatric symptoms, and wish to work on the comorbid psychopathology such as anxiety disorders or on the contributing psychosocial problemssuch as family disruption or school dif¿culties. Bene¿t may also depend on the joint expertise of pediatric and child and adolescent mental health teams in attending to these types of problems. Keywords: Physical complaints; Somatization; Somatoform disorders. rão porque qualquer alimento “não caiu bem”) e ter uma atitude mais expectante. Poderão mesmo arranjar motivos psicológicos quando as queixas apresentam algum padrão repetitivo e previsível – as dores de cabeça, quando as exigências escolares desse dia são maiores ou quando se aproxima um evento que é desagradável à criança. Nestas situações, as estratégias mais e¿cazes serão minimizar a importância dos sintomas e confortar para poder enfrentar a situação temida. Mas existem quadros em que as queixas somáticas, pela sua intensidade e sobretudo pela incapacidade funcional que provocam dão lugar a quadros reconhecidos em que a somatização é o aspecto comum – as perturbações somatoformes, particularmente a perturbação de dor somatoforme, a perturbação dissociativa/conversão ou o síndrome de fadiga crónica. Em todos estes quadros existe alguma evidência de somatização, isto é, uma tendência para sentir e comunicar o mal-estar através de sintomas somáticos. No entanto estes quadros são relativamente raros, ao contrário da prevalência das queixas físicas inexplicadas. É importante referir que na somatização as queixas não são produzidas intencionalmente, isto é, não existe simulação. Alguns pais podem desvalorizar ou impacientar-se com as queixas dos ¿lhos quando constatam que as queixas cessam com as medidas tranquilizadoras, como a de ir buscar a criança à escola ou a de ir a uma consulta médica. A teoria da aprendizagem salienta que a criança com uma lesão ou doença aprende os benefícios do papel de doente – a solicitude parental e o evitamento de responsabilidades desagradáveis. Como intervir então e¿caz- artigo recomendado recommended article 85 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 mente e poder levar a criança ou jovem a encarar as tarefas do crescimento e poder ultrapassar esses sinais incómodos que o seu corpo lhe envia? O consumo de actos médicos, a expectativa de um tratamento e frequentemente a recusa de uma avaliação psiquiátrica, são problemas adicionais que se colocam na abordagem destas situações. Os médicos poderão também recear que uma doença possa não estar a ser reconhecida ou ter di¿culdades em reconhecer a interligação estreita entre sintomas psicológicos e físicos. O artigo remete para um modelo biopsicossocial, em que se considere a contribuição relativa dos factores biológicos, psicológicos e sociais na contribuição e manutenção dos sintomas. Nem os sintomas físicos serão totalmente explicados medicamente e do domínio exclusivo da pediatria, nem os que medicamente não se conseguem explicar estarão fora desta e pertencem ao domínio psiquiátrico. Por exemplo, é o que pode acontecer com a intensidade ou incapacidade dos sintomas – uma fractura do membro inferior e imobilização a que se segue uma fraqueza muscular excessiva ou a ocorrência de pseudocrises numa criança com epilepsia. O reforço parental dos sintomas, através da sobreprotecção e fraco incentivo a enfrentar os problemas e o papel de factores de stress, têm sido documentados nas crianças que manifestam queixas físicas excessivas; estas foram também caracterizadas como sendo sensíveis, inseguras e ansiosas, com baixas competências sociais. O tratamento deveria então incluir um interesse pela criança e seu contexto, conduzir as investigações necessárias e discutir cuidadosamente com os pais que a doença orgânica foi excluída; daqui avançar para a hipótese de outros factores prejudiciais possíveis, como exigências escolares ou psicológicas excessivas, ajudando a família a modi¿cá-los. Explicar as ligações entre dor física e psicológica, limitar a atenção dada aos sintomas, promover técnicas de distracção e incentivar a participação nas roti- __________ 1 Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia / CH Porto 86 artigo recomendado recommended article nas diárias, são aspectos fundamentais. Ouvir as preocupações parentais e discuti-las, pode ajudar os pais a sentirem-se mais seguros e con¿antes a lidar com as queixas dos ¿lhos. Algumas das características dos sintomas também podem ajudar a compreender a sua natureza psicossomática(1): tendem a ser vagos, breves, não se detecta uma base orgânica óbvia e ocorrem em contexto de stress. Ao contrário, sintomas bem de¿nidos e de duração superior a algumas semanas merecem uma avaliação mais cuidada. Para as famílias mais resistentes a aceitarem uma compreensão mais psicológica dos problemas dos ¿lhos pode ser útil utilizar uma estratégia de enfatizar a importância da mente sobre o corpo: mesmo quando há problemas físicos, estes podem piorar quando o estado emocional está mais fragilizado.(2) O prognóstico estará dependente mais do que da intensidade e incapacidade dos sintomas, dos problemas psicológicos associados (ansiedade, depressão), do apoio familiar e dos acontecimentos de vida negativos. Maria do Carmo Santos1 Nascer e Crescer 2011; 20(2): 85-86 BIBLIOGRAFIA 1. Taylor RL. Psychological Masquerade: distinguishing psychological from organic disorders. 3rd edition. New York: Springer Publishing Company, 2007: 181-2. 2. Goodman R, Scott S. Child psychiatry. 2nd edition. Oxford: Blackwell Science, 1998. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Benefício do diagnóstico pré-natal na transposição das grandes artérias Adriana Pinheiro1, Ana Teixeira1, Miguel Abecasis2, Maymone Martins1, Rui Anjos1 RESUMO Objectivo: Analisar o impacto do diagnóstico pré-natal (DPN) de transposição das grandes artérias (TGA) na morbilidade e mortalidade perioperatória num centro de Cardiologia Pediátrica. Métodos: Estudo retrospectivo dos recém-nascidos (RN) com TGA simples, com e sem DPN, operados, entre Janeiro de 2007 e Julho de 2010. Foram analisadas as variáveis referentes às características clínicas dos doentes, idade da cirurgia, tempo de duração de circulação extracorporal e a evolução pós-operatória. No estudo estatístico utilizaram-se os testes T de Student e o teste do Qui quadrado assumindo-se um nível de signi¿cância de 5%. Resultados: De 31 RN com TGA avaliámos 17 casos de TGA simples, seis com DPN (grupo 1) e 11 com diagnóstico neonatal (grupo 2). Os partos do grupo 1 ocorreram todos em hospital terciário, por cesariana. Os RN do grupo 2 iniciaram prostaglandinas, em média às 26,7 horas (h). A atrioseptostomia de Rashkind foi efectuada em média às 27,2h vs 55,1h. No segundo grupo o internamento na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) ocorreu em média às 20,4h de vida. O valor mínimo de saturação de oxigénio pré-operatória variou entre 82-95% vs 30-80%. No primeiro grupo 16,7% dos RN tiveram acidose metabólica pré-operatória vs 54,5% e a creatinina máxima variou entre 0,5-0,8 mg/dl vs 0,6-1,1. As cirurgias do primeiro grupo foram em média aos 9,0 dias (d) de vida vs 11,5. Tempos de circulação extra-corporal e ventilação mecânica semelhantes em ambos os grupos. Tempo de internamento na UCI, em média: 4,7d vs 7,4 e total de internamento: 12,0d vs 29,9. Complicações no pós-operatório: grupo 1- tamponamento cardíaco (1), enterocolite necrosante (1); grupo 2: ¿brilhação ventricular (1), hemotórax compressivo (1), bloqueio aurículo-ventricular completo transitório (1), sépsis (1), parésia do diafragma (1), derrame pericárdico (1) e óbito (1). Conclusão: O DPN de TGA permite programar o parto nas condições ideais e iniciar precocemente a terapêutica necessária, evitando complicações como a hipoxémia prolongada e a acidose metabólica, reduzindo assim o tempo de internamento. Palavras-chave: Transposição das grandes artérias, diagnóstico pré-natal, morbilidade perioperatória. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 87-91 __________ 1 2 S. Cardiologia Pediátrica, H Santa Cruz, CH Lisboa Ocidental S. Cirurgia Cardiotorácica, H Santa Cruz, CH Lisboa Ocidental INTRODUÇÃO A Cardiologia Fetal é hoje em dia uma das áreas mais importantes da Cardiologia Pediátrica. Os avanços na ecocardiogra¿a fetal têm vindo a permitir maior acuidade no diagnóstico pré-natal de doenças cardíacas congénitas, tornando possível planear e optimizar os cuidados destes RN no bloco de partos e nas primeiras horas de vida.(1) O parto e a necessidade de reanimação após o nascimento mantêm-se dependentes de factores maternos e fetais, para além da cardiopatia, contudo um pequeno número de doenças cardíacas irá necessitar de intervenção pós-natal imediatamente após o parto, como é o caso da transposição simples dos grandes vasos, em especial com septo interventricular intacto e foramen oval restritivo.(2-4) O diagnóstico pré-natal (DPN) de transposição das grandes artérias (TGA) permite planear um ambiente controlado para o parto, transferência mais atempada para uma unidade de cuidados intensivos de Cardiologia Pediátrica e, quando necessário, suporte respiratório, intubação e, se indicado, septostomia auricular nas primeiras horas de vida, reduzindo os factores de risco que podem inÀuenciar o neurodesenvolvimento futuro da criança como a hipoxémia profunda.(5,6) Desta forma deverá ser possível reduzir a morbilidade e mortalidade perioperatórias.(7,8) OBJECTIVO Estudar o impacto do DPN de Transposição Simples das Grandes Artérias na morbilidade e mortalidade perioperatória num centro de Cardiologia Pediátrica. MATERIAL E MÉTODOS Foi efectuado um estudo retrospectivo de todos os RN com TGA simples, com e sem DPN, submetidos a cirurgia cardíaca correctiva neonatal (“switch” arterial) no nosso Centro Hospitalar, entre Janeiro de 2007 e Julho de 2010. A análise da morbilidade pré-operatória incluiu o estudo das seguintes variáveis: número de semanas de gestação, tipo de parto, peso ao nascimento, Índice de Apgar; situação clínica à admissão na UCI com avaliação da saturação de oxigénio transcutânea, pressão arterial, ventilação mecânica, administração de prostaglandinas, pH mínimo registado, creatinina máxima, necessidade de intubação de emergência ou de reanimação cardio-respiratória. As variáveis operatórias incluíram idade à data da cirurgia, duração de circulação extra-corporal e as pós-operatórias duração da ventilação, permanência na UCI, tempo de internamento, morbilidade no pós-operatório imediato. a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 87 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 O tratamento estatístico dos dados foi efectuado com o programa SPSS v16.0. Assumiu-se um intervalo de con¿ança de 95%. Foram utilizados os testes t de Student para amostras independentes para as variáveis quantitativas e o teste do Qui-quadrado para as variáveis qualitativas. RESULTADOS Entre Janeiro de 2007 e Julho de 2010 foram diagnosticados 31 casos de TGA, dos quais 11 (35,5%) com diagnóstico pré-natal. Dos 31 casos, 17 correspondiam a TGA simples e os restantes a TGA com outras lesões associadas, nomeadamente a comunicação interventricular. O nosso estudo centrou-se nos casos de TGA simples, dos quais cerca de um terço tinham DPN. Foram estudados 17 doentes, seis com DPN (grupo 1) e 11 com diagnóstico neonatal (grupo 2). O diagnóstico pré-natal no grupo 1 foi efectuado entre as 21 e 30 semanas de gestação (média: 22,8 semanas). Parto e cuidados perinatais Os partos do grupo 1 ocorreram na totalidade em hospital terciário dispondo de uma equipa multidisciplinar composta por um obstetra, um neonatologista e um cardiologista pediátrico, por cesariana (5 de carácter electivo e uma de emergência). No Quadro I – Características pré-operatórias Grupo 1 (N=6) Grupo 2 (N=11) Valor de p - Parto eutócico espontâneo (N) 0 9 0,001 - Cesariana electiva (N) 5 0 Variável - Cesariana de emergência (N) 1 2 7-9 2-9 0,565 - Índice de Apgar (5ºmin ) 9-10 8-10 0,237 - Semanas de gestação 38-39 38-41 0,040 - Peso médio ao nascimento (g†) 3240 3118 0,920 0 12-48 (média: 26,7) 0,001 5-72 (média: 27,2) 30-120 (média: 55,1) 0,043 0 12-48 (média: 20,4) 0,001 - Índice de Apgar (1ºmin*) * ‡ - Inicio Prostaglandinas (h ) ‡ - Atrioseptostomia de Rashkind (h ) - Internamento na UCI (h‡) - Saturação mínima de O2 (%) 82-95 30-80 0,001 - Acidose metabólica (N, %) 1; 16,7 6; 54,5 0,304 - Creatinina máxima (mg/dl) 0,5-0,8 0,6-1,1 0,007 Grupo 1 (N=6) Grupo 2 (N=11) Valor de p 6-11 (média:9,0) 6-16(média: 11,5) 0,158 125-175 120-210 0,205 - Ventilação mecânica (d§) 2-6 (média: 3,5) 2-43 (média: 8,5) 0,242 - Internamento na UCI (d§) 3-8 (média: 4,7) 4-12 (média: 7,4) 0,106 8-17 (média: 12,0) 9-70 (média: 29,9) 0,020 2; 33,3 7; 63,6 0,035 0 1 0,446 * minuto, †gramas, ‡horas Quadro II – Características perioperatórias Variável Intra-operatória - Idade à data da cirurgia (d§) - Tempo de circulação extra-corporal (min*) Pós-operatória § - Internamento total (d ) - Complicações major (N;%) - Mortalidade (N) § 88 dias, * minutos a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 grupo 2 os partos foram eutócicos em nove casos, tendo sido todos espontâneos. A idade gestacional foi menor no grupo 1. O peso ao nascimento e Índice de Apgar ao primeiro minuto foram semelhante entre os dois grupos (quadro I). Todos os RN do grupo 1 iniciaram terapêutica com prostaglandinas (PG) após o parto. Nos casos de diagnóstico pós-natal (grupo II) as PG foram iniciadas mais tarde, em média às 26,7 horas de vida (p <0,001). A atrioseptostomia de Rashkind foi efectuada mais precocemente no grupo I (em média às 27,2 horas de vida versus 55,1 no Grupo II). (quadro I). Admissão nos cuidados intensivos Todos os casos de diagnóstico pré-natal foram admitidos em UCI logo após o nascimento. No segundo grupo o internamento na UCI ocorreu em média às 20,4h (12-48) de vida (Quadro I). No grupo 2 registou-se hipoxémia pré-operatória mais grave, com valores mínimos de saturação de oxigénio entre 30 e 80 % (p=0,001). Neste grupo houve também uma maior incidência de acidose metabólica pré-operatória. O valor máximo de creatinina registado no pré-operatório apresentou uma diferença estatisticamente signi¿cativa entre os dois grupos: 0,5-0,8 mg/dl no primeiro grupo vs 0,6-1,1 mg/dl no segundo (p=0,007) (Quadro I). Períodos perioperatório e pós-operatório No primeiro grupo as crianças foram operadas em média aos 9,0 dias (d) de vida (6-11) vs 11,5 d (6-16). O tempo de circulação extra-corporal foi semelhante entre os dois grupos. O número de dias de ventilação mecânica foi superior no grupo 2, com um dos RN ventilado durante 43 dias. Tratou-se de um doente que teve como complicação pós-cirúrgica uma parésia diafragmática. (Quadro II): A duração do internamento na UCI foi em média 4,7 dias no grupo 1 e 7,4 dias no grupo 2, com uma diferença estatisticamente signi¿cativa no tempo médio de internamento total (p=0,02). No grupo com diagnóstico neonatal ocorreram mais complicações no período pós-operatório: um caso de ¿brilhação ventricular, um hemotórax compressivo, um caso de bloqueio aurículo ventricular completo transitório, uma sépsis, uma parésia do diafragma, um derrame pericárdico e um óbito após a cirurgia. No grupo com diagnóstico pré-natal registou-se um tamponamento cardíaco e um caso de enterocolite necrosante. Esta diferença teve signi¿cado estatístico. O óbito que ocorreu durante a cirurgia refere-se a um doente sem diagnóstico pré-natal, transferido de um hospital distrital que teve várias complicações pré-operatórias, com saturações de O2 extremamente baixas, acidose metabólica, compromisso hipóxico-isquémico grave de vários órgãos e sistemas, alteração da coagulação com equimoses e sufusão hemorrágica e insu¿ciência renal com necessidade de diálise no período pré-operatório (Quadro II). DISCUSSÃO A transposição das grandes artérias é uma causa comum de cianose de origem cardíaca no período neonatal, que pode causar acidose e morte num curto período de tempo, a menos que haja um curto circuito que permita a mistura de sangue proveniente da circulação sistémica e pulmonar, habitualmente uma comunicação interauricular e/ou um canal arterial persistente. Sem qualquer intervenção, a maioria destes doentes morre no primeiro ano de vida.(9) Dos 31 doentes com TGA tratados no nosso Centro durante o período em que decorreu o estudo, o diagnóstico pré-natal foi estabelecido em 35,5% dos casos de TGA simples e em 35,7% na TGA com lesões associadas. Outros autores encontraram uma prevalência entre 23 e 36% de DPN de cardiopatias major mas, do total de casos de TGA identi¿cados, apenas 15 a 19% tiveram diagnóstico pré-natal.(10-12) Salienta-se que esta cardiopatia só poderá ser diagnosticada se for observado o plano dos tractos de saída do ventrículo direito e esquerdo, já que o plano de quatro câmaras é normal.(1) Estudos anteriores mostram que as condições pré-operatórias dos RN com doença cardíaca congénita (incluindo a transposição das grandes artérias) são melhores naqueles com diagnóstico pré-natal.(5,6,13) A sobrevida pós-natal em RN com doença cardíaca congénita grave depende da altura de início de terapêutica especí¿ca. O diagnóstico pré-natal, seguido de parto e cuidados imediatos realizados em Hospital de Cuidados Terciários, permite instituir mais atempadamente terapêutica especí¿ca.(5,14,15) Existe um grupo de doentes com TGA e foramen ovale ou comunicação inter-auricular (CIA) de pequenas dimensões, que, apesar do início precoce de terapêutica com prostaglandinas, não consegue manter um mixing adequado, entrando em acidose metabólica progressiva, com necessidade de uma septostomia urgente.(2-4) Apesar de terem sido efectuados vários estudos com o objectivo de detectar prenatalmente quais os doentes dependentes de uma septostomia precoce, a identi¿cação deste grupo de doentes ainda não é linear.(6-8) Assim, o diagnóstico prenatal de TGA obriga à programação do parto em local preparado para a realização de septostomia nas primeiras horas de vida. As crianças que tiveram diagnóstico pré-natal tiveram maior taxa de parto induzido e de cesariana, com menor idade gestacional. As razões exactas deste facto não foram estudadas mas, tal como já tinha sido referido por vários autores, pensa-se que resulta do planeamento do parto em condições controladas com disponibilidade de obstetras, neonatologista e cardiologista pediátrico.(1,6,7) Outros trabalhos não identi¿caram maior morbilidade em RN com cardiopatia congénita nascidos de parto eutócico.(3) No nosso estudo as crianças com e sem DPN de TGA diferiram no que respeita às variáveis pré-operatórias, veri¿cando-se piores resultados no segundo grupo. Neste, os RN mantiveram piores saturações de oxigénio no período pré-operatório, apresentaram maior incidência de acidose metabólica, chegaram mais tarde à UCI e foram submetidas a atrioseptostomia mais tardiamente, sendo estas diferenças, na maioria, estatisticamente signi¿cativas. Estes resultados são consistentes com outros que também mostraram que os doentes com diagnóstico pós-natal de TGA apresentam mais frequentemente acidose metabólica, falência multiorgânica e maior taxa de mortalidade, bem como tendência para saturações de oxigénio mais baixas.(5,7,16) a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 89 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 O diagnóstico pré-natal da cardiopatia associou-se a cirurgia cardíaca mais precoce, a um menor número de complicações pós-operatórias, bem como a uma demora média mais curta. De acordo com outros autores, intervenções precoces para procedimentos de correcção ou paliativos nas cardiopatias dependentes do canal arterial (como a TGA simples) reduzem o risco de falência cardíaca pós-operatória e podem inÀuenciar a morbilidade precoce e a longo prazo, incluindo o desenvolvimento psicomotor.(17-19) atrioventricular block (1), sepsis (1), diaphragm paresis (1), pericardial effusion (1) and death (1). Conclusion: The PND of TGA allowed us to schedule delivery in optimal conditions and provide adequate management, avoiding complications such as prolonged hypoxemia and metabolic acidosis. Keywords: Transposition of great arteries, prenatal diagnosis, perioperative morbidity CONCLUSÕES O DPN de TGA permitiu programar o parto nas condições ideais e iniciar precocemente a terapêutica necessária, evitando complicações como a hipoxémia prolongada e a acidose metabólica com as potenciais consequências graves inerentes. Salientamos a necessidade de melhorar a capacidade de diagnóstico pré-natal de TGA simples, incluindo na rotina ecogra¿ca obstétrica o plano dos tractos de saída do ventrículo direito e esquerdo, no sentido de diminuir a morbilidade e mortalidade desta cardiopatia, cujo prognóstico actual é favorável, desde que manejada adequadamente. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 87-91 THE BENEFIT OF PRENATAL DIAGNOSIS IN TRANSPOSITION OF GREAT ARTERIES ABSTRACT Objective: To study the impact of prenatal diagnosis (PND) of transposition of the great arteries (TGA) on perioperative morbidity and mortality in a pediatric cardiology center. Methods: Retrospective study of newborns (NB) with simple TGA, with and without PND, who underwent corrective surgery, between January 2007 and July 2010. The following variables were analysed: clinical characteristics of the patients, age at surgery, duration of circulatory arrest, and outcome. Statistical analysis included the Student t and the X2 tests. Statistical signi¿cance was assessed by use of a cutoff value of P =0,05. Results: Among a total of 31 NB with TGA we isolated 17 cases of simple TGA, six with PND (Group 1) and 11 with neonatal diagnosis (Group 2). Deliveries of group 1 were all in tertiary hospital by caesarean section. The NB of Group 2 started prostaglandins at a mean time of 26,7 hours (h). The Rashkind procedure was carried out at a mean time of 27,2h vs 55,1h. In the second group the intensive care unit (ICU) admission occurred at 20,4h. The minimum oxygen saturation in preoperative varied between 82-95% vs 30-80%. In the ¿rst group 16,7% of the NB had preoperative metabolic acidosis vs 54,5% and maximum creatinine value varied between 0,5-0,8 mg/dl vs 0,6-1,1. The surgeries of the 1st group occurred on average at 9,0 days (d) of life vs 11,5d. Extra-corporal circulation and ventilation support durations were similar in both groups. The mean ICU stay was 4,7d vs 7,4d and the mean total hospital stay was 12,0d vs 29,9d. Complications in postoperative period: group 1- cardiac tamponade (1), necrotizing enterocolitis (1); group 2: ventricular ¿brillation (1), compressive hemothorax (1), transitory complete 90 a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice BIBLIOGRAFIA 1. Simpson JM, Impact of fetal echocardiography. Ann Pediatr Cardiol. 2009; 2:41-50. 2. Raboisson MJ, Samson C, Ducreux C, Rudigoz RC, Gaucherand P, Bouvagnet P, et al. Impact of prenatal diagnosis of transposition of the great arteries on obstetric and early postnatal management. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2009; 142: 18-22. 3. Johnson BA, Ades A. Delivery Room and Early Postnatal Management of Neonates Who Have Prenatally Diagnosed Congenital Heart Disease. Clin Perinatol 2005; 32:921-46. 4. Jouannic JM, Gavard L, Fermont L, LeBidois J, Parat S, Vouhé PR, et al. 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B – Incidência de per¿l (com detalhe do segmento dorsal) FIGURA 1 – Rx da coluna vertebral (em película extra-longa, em carga) __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC, Porto 92 caso radiológico radiological case NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 ACHADOS Observa-se bloco vertebral anterior entre os corpos de D8 e D9, associando-se acentuação da cifose dorsal. Existe também escoliose lombar de convexidade direita. O bloco vertebral representa a fusão de duas ou mais vértebras adjacentes, podendo haver um disco intervertebral rudimentar. O bloco pode ser completo abrangendo os elementos anteriores e posteriores, ou parcial, neste caso com vários subtipos possíveis. O bloco vertebral pode ser congénito ou adquirido. Os congénitos ocorrem por defeito no processo de segmentação vertebral durante a vida fetal e são mais frequentes a nível cervical. Os adquiridos ocorrem por exemplo em consequência de espondilodiscite infecciosa e são mais frequentes a nível dorsal e lombar. Nos blocos congénitos a altura total dos corpos vertebrais fundidos é igual à dos corpos vertebrais não fundidos acrescida dos respectivos discos intervertebrais; nos adquiridos há geralmente algum encurtamento ¿nal. Nos congénitos há também frequentemente um adelgaçamento na região do disco intervertebral, o que não acontece habitualmente nos adquiridos.(1) Clinicamente são em geral assintomáticos, com achado radiográ¿co ocasional.(2) Em alguns casos pode haver malformações associadas, nomeadamente o mielomeningocelo, S. de Klippel Feil, condrodisplasia punctata, etc. IMAGIOLOGIA 1 – Rx É o primeiro exame, geralmente realizado para avaliação de outras queixas. Faz o diagnóstico na generalidade dos casos. Para avaliação da estática vertebral deve fazer-se estudo em película extra-longa em carga. Para avaliação especí¿ca da anomalia pode ser útil o estudo dirigido ao segmento em causa, com incidências adicionais. 2 – TC Para avaliação anatómica mais detalhada, sendo mais importante nos casos mais severos. 3 – RMN Valor semelhante ao TC, sem radiação ionizante e com melhor avaliação da parte neurológica. ABSTRACT We present a case of a 15-year-old boy in whom an x-ray of the vertebral column was performed to investigate dorsal hipercyphosis. The exam showed partial block vertebrae in D8-D9. Block vertebrae may be congenital or acquired, partial or complete. Most of the times it is an incidental x-ray ¿nding. Keywords: block vertebrae. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 92-93 BIBLIOGRAFIA 1. Freyschmidt J, Brossmann J, Wiens J, Sternberg A. Borderlands of Normal and Early Pathological Findings. In: Skeletal Radiography. 5th Ed. Stuttgart: Thieme; 2003. p. 620. 2. Kumar R; Guinto FC, Madewell JE; Swischuk LE., David R. The vertebral body: radiographic con¿gurations in various congenital and acquired disorders. Radiographics 1998; 8: 455-85. caso radiológico radiological case 93 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Caso endoscópico Fernando Pereira1 Apresenta-se o caso de uma criança do sexo masculino, de oito anos de idade, com Sindroma de Weaver, com peso e estatura no percentil 50, macrocefalia pouco acentuada (percentil 90) e ligeiro atraso intelectual. Cerca de três meses antes de ser observado começou a sentir dores abdominais difusas, embora mais intensas na fossa ilíaca direita, mais frequentes após a ingestão de alimentos. Progressivamente instalou-se perda de apetite, emagrecimento ligeiro (2 kg) e alguns episódios de dejecções diarreicas sem sangue e sem muco. O seu exame objectivo mostrava bom estado geral, mucosas coradas e ausência de lesões cutâneas ou adenopatias; a auscultação pulmonar e cardíaca eram normais e o abdómen um pouco doloroso à palpação profunda do hipogastro e fossa ilíaca direita. Não apresentava hepatomegalia, esplenomegalia, nem tumefações abdominais. Os sinais vitais eram normais e estava apirético. Efectuou estudo analítico que revelou ligeira anemia (10 g/l) hipocrómica e microcítica associada a ferro e ferritina baixas (3 ng/ml), velocidade de sedimentação globular de 30-55 mm 1.ª h, proteina C e orosomucoide elevados (200 mg/dl), sendo normais a função hepática e renal. O estudo imunológico mostrou ANA e Figura 1 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CH Porto 94 caso endoscópico endoscopic case Figura 2 ANCA negativos e ASCA ligeiramente positivo. O exame sumário de urina e os exames bacteriológico e parasitológico de fezes foram negativos. A determinação da calprotectina fecal foi positiva. A radiogra¿a do tórax e o exame ecográ¿co do abdomen eram normais. Efectuou endoscopia alta com biópsias gástricas e duodenais e colonoscopia com ileoscopia terminal com biópsias, que não mostraram alterações macroscópicas nos diversos segmentos observados, excepto ileíte ligeira inespecí¿ca nas biópsias ileais. Tendo em conta estes resultados, decidimos realizar enteroscopia com videocápsula endoscópica, que permitiu observar as imagens que mostramos e que, na sua opinião, apoiam o diagnóstico de: 1 - Tuberculose intestinal 2 - Lesões intestinais por anti-inÀamatórios não esteróides (AINEs) 3 - Doença de Crohn do delgado 4 - Lesões próprias do Sindroma de Weaver Figura 3 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 COMENTÁRIOS As imagens que mostramos permitem observar diversas pequenas úlceras de bordos irregulares, mais ou menos profundas. Estas lesões foram observadas nas ansas terminais do jejuno. Nenhum dos outros segmentos intestinais mostrou qualquer alteração. Estas imagens, no contexto clínico e laboratorial deste doente, apontavam para o diagnóstico de Doença de Crohn do intestino delgado. A tuberculose intestinal isolada do delgado não é uma situação vulgar e as lesões ulceradas da infecção tuberculosa não têm habitualmente o aspecto apresentado. A prova da tuberculina negativa e a ausência de lesões pulmonares não apoiavam esse diagnóstico. As lesões por AINEs podem apresentar aspecto semelhante, mas o doente não fazia consumo desses fármacos. O Sindroma de Weaver não se associa a lesões digestivas. Considerando o diagnóstico de Doença de Crohn do jejuno, iniciou tratamento com messalazina, veri¿cando-se normalização clínica e laboratorial ao ¿m de dois meses de tratamento. Este caso exempli¿ca uma das indicações actuais mais importantes para o uso da enteroscopia com cápsula endoscópica, que é o diagnóstico da Doença de Crohn com envolvimento exclusivo do intestino delgado. ABSTRACT An eight-year-old boy, with Weaver Syndrome, was referred to the Gastroenterology Unit because of abdominal pain, more frequently localized to the right lower abdominal quadrant, weight loss and diarrhoea (without faecal mucus or blood) throughout the last three months. Slight macrocephly and pain on the right iliac fossa were the only abnormalities on physical examination. There was mild anemia, and elevation of globular sedimentation rate, protein C and orosomucoide. ASCA and faecal calprotectine were above the normal range. Upper endoscopy and colonoscopy were normal, and videocapsule enteroscopy showed lesions suggestive of Crohn’s disease of the ileum. The patient was treated with messalazine and became asymptomatic. Laboratory parameters were normal within two months. Keywords: Crohn’s disease, endoscopy, wireless capsule endoscopy, children. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 94-95 BIBLIOGRAFIA 1. Dupont LC, Bellaïche M, Mouterde O, Bernard O, Besnard M, Campeotto F, et al. Quelles indications pour l’ endoscopie du grêle par vidéocapsule en pédiatrie? Arch Pediatr 2010;17:1264-72. 2. El Matary W. Wireless capsule endoscopy: indications, limitations, and future challenges. J Pediatr Gastrenterol Nutr 2008;46:4-12. caso endoscópico endoscopic case 95 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Caso estomatológico José M. S. Amorim1 Adolescente do sexo masculino, 13 anos de idade que frequenta a consulta de Endocrinologia deste Centro Hospital e que foi referenciado há quatro meses, à consulta de Estomatologia para observação, urgente, de lesão lingual de aparecimento súbito, perceptível dois meses antes da consulta de Endocrinologia, não dolorosa, de crescimento lento e por vezes sangrante com a mastigação. Antecedentes pessoais relevantes: obesidade. Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto 96 caso estomatológico oral pathology case Ao exame objectivo apresenta lesão vegetante do dorso da língua à esquerda, de contornos irregulares, com múltiplas vesículas de tamanho e de coloração variável, in¿ltrando os tecidos adjacentes parecendo prolongar-se para o interior da língua. (Figura 1) Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 COMENTÁRIOS O caso clínico descrito trata de um LINFANGIOMA. Foi descrito inicialmente por Redenbacher em 1828, permanecendo controversa a sua de¿nição(1). Alguns autores consideram-no uma malformação congénita do sistema linfático, outros como um hamartoma congénito e outros ainda como um tumor vascular benigno decorrente da proliferação de vasos linfáticos. A de¿nição menos controversa é de que se trata de um tumor benigno representando uma malformação congénita do sistema linfático e composto por canais e espaços vasculares contendo linfa. O linfangio-endotelioma é o tipo de linfangioma no qual células endoteliais são os componentes dominantes. Pode ser classi¿cado como linfangioma capilar, linfangioma cavernoso ou linfangioma cístico. A sua ocorrência é relativamente rara sendo observado principalmente nos dois primeiros anos de vida. A região da cabeça e do pescoço é a mais frequentemente atingida. É uma lesão geralmente assintomática, manifestando-se por uma tumefacção cística, indolor, aderente aos planos profundos, recoberta por pele normal e com crescimento lento e tamanho variável. Embora muito raro na cavidade oral, situa-se mais frequentemente na língua, podendo manifestar-se sob uma forma localizada ou difusa(2). Nesta localização apresenta um aspecto granular com múltiplas vesículas transparentes preenchidas por linfa. Por vezes ocorre sangramento dentro destas vesículas, tornando-as avermelhadas e hemorrágicas. Sem tratamento a língua aumenta de tamanho, tornando-se protusa, seca e com ¿ssuras profundas, o que pode di¿cultar a mastigação, a deglutição e a fala, além de causar anormalidades ortodônticas e distúrbios psicológicos. Embora histologicamente benigno, o linfangioma pode in¿ltrar os tecidos adjacentes e/ou estruturas vitais, causando complicações, algumas ameaçadoras da vida. Há relatos de regressão espontânea, porém é uma forma rara de evolução. Existem vários métodos de tratamento dos quais se salienta a aspiração, incisão e drenagem (tem um papel importante na descompressão de emergência, não sendo considerado um tratamento de¿nitivo), uso de laser para remoção da lesão, em- bolização da lesão combinada com cirurgia nas grandes lesões, quimioterapia, radioterapia. A exérese cirúrgica tem sido o tratamento de eleição. A tendência in¿ltrativa do linfangioma leva a recidiva frequente. As complicações cirúrgicas incluem formação de hematoma, linfocelo, cicatrizes, infecção com ou sem formação de abcessos, deiscência de sutura e lesão nervosa. Neste caso foi feita a tentativa de exérese completa da lesão, que se revelou um linfangioma cavernoso. O pós-operatório decorreu sem complicações. Actualmente está bem não apresentando, para já, evidência de recidiva. ABSTRACT A 13 year-old adolescent was referred for an urgent evaluation at our department because of a swelling, slow-growing, and painless, sometimes bleeding lesion of the tongue. He presented a vegetative lesion of the tongue with irregular borders, multiple vesicles of variable size and staining, in¿ltrating the adjacent tissues and that seemed to extend into the tongue. Surgical excision was performed, and histological examination con¿rmed a cavernous lymphangioma. Keywords: swelling; slow growth; in¿ltration tissue; relapse; lymphangioma, tongue, children, treatment. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 96-97 BIBLIOGRAFIA 1. Martinot V, Descamps S, Février P, Patenotre P, Brevière JM, Piette F, et al. Évaluation du tratement des lymphangiomes kystiques par injections percutanée d’Éthibloc® chez 20 patients. Arch Pédiatr 1997; 4:8-14. 2. Souza R, Tone LG. Tratamento clínico do linfangioma com alfa-2a-interferon. J Pediatr (Rio J) 2001; 77:139-42. 3. Regezi J, Sciubba J, Pogrel M. Atlas of Oral and Maxillofacial Pathology. Philadelphia: Saunders, 2000:67. caso estomatológico oral pathology case 97 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Caso electroencefalográfico João Pinho1, Rui Chorão1,2 CASO CLÍNICO Apresenta-se o caso de uma criança do sexo masculino referenciada à consulta de Epilepsia aos 11 anos por suspeita de crises epilépticas durante o sono. Aos 10 anos começou a apresentar episódios estereotipados, maioritariamente nocturnos, durante o sono, descritos como de postura sustentada em extensão dos membros superiores e inferiores, com punhos cerrados, acompanhados por cianose e sialorreia, com duração de 10-15 segundos, seguidos por respiração rápida e profunda durante 5-10 segundos, após o que voltava a adormecer. Menos frequentemente, tinha episódios semelhantes durante a vigília, com queda, seguidos de breve período de confusão. A frequência dos episódios era variável, de um cada duas semanas até quatro por noite. Os episódios nocturnos aconteciam, quer ao início da noite, quer de madrugada. Tinha sido medicado com valproato de sódio e clobazam no hospital da área de residência, sem modi¿cação da frequência destes episódios. Na mesma altura tinha iniciado alterações do comportamento, tornando-se opositivo, reivindicativo e agressivo verbalmente, e por vezes fazia furtos. Por esta razão, foi medicado com imipramina e valeriana, que foram entretanto retirados. Dos antecedentes pessoais, destaca-se aos oito anos a ocorrência de uma queda de bicicleta com traumatismo craniofacial e provável perda de consciência, que motivou a realização de tomogra¿a axial computorizada (TAC) cranioencefálica, que excluiu lesões endocranianas. Os antecedentes perinatais eram irrelevantes e o desenvolvimento psicomotor era normal. No entanto, tinha di¿culdades na aprendizagem, com fraco aproveitamento escolar e retenção no 6º ano. Não havia história prévia de convulsões febris ou afebris, nem de infecção do sistema nervoso central. Sem história familiar de crises epilépticas. O exame neurológico era normal. A avaliação neuropsicológica revelou dé¿ce de planeamento, di¿culdade em terminar tarefas, preserveração e falta de iniciativa motora. A avaliação psiquiátrica revelou di¿culdades de concentração, atenção e cumprimento de regras, bem como impulsividade. Qual o seu diagnóstico? Que exames complementares solicitava? Figura 1 – Sequência da crise epiléptica registada na monitorização vídeo-EEG __________ 1 2 Consulta de Epilepsia, Serviço de Neurologia Pediátrica Unidade de Neuro¿siologia Pediátrica - Hospital Maria Pia, CH Porto 98 caso electroencefalográfico EEG case report NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Pela anamnese os episódios sugeriam crises epilépticas tónicas, sem fenómenos lateralizadores. Realizou monitorização com vídeo-EEG, na qual foi registada durante o sono, uma crise tónica assimétrica, com contracção da face e membros, elevando o membro superior esquerdo e mantendo postura sustentada do direito, seguindo-se pedalagem do membro inferior esquerdo e agitação (Figura 1). Do ponto de vista eléctrico, imediatamente antes da crise, observaram-se ondas lentas e algumas ondas abruptas hemisféricas direitas, seguidas por atenuação generalizada da actividade eléctrica; posteriormente, actividade beta frontal bilateral (actividade recrutante e/ou de origem muscular) (Figura 2). Seguiram-se ondas teta rítmicas antero-laterais direitas (Figura 3) e no pós-crítico actividade lenta delta lateralizada à direita (Figura 4). O traçado interictal durante o sono revelou actividade paroxística focal anterior direita e por vezes bifrontal, pouco abundante. A RM cerebral foi normal. A WISC-III revelou QI global de 66 (QI verbal de 78, QI de realização 65). O questionário Conners para os pais e professores revelou pontuações superiores a 2 desvios padrão. Iniciou substituição da medicação antiepiléptica por oxcarbazepina, com remissão completa das crises. A prescrição de metilfenidato resultou em franca melhoria comportamental e ligeira melhoria do aproveitamento escolar. Actualmente tem 13 anos de idade e mantém a terapêutica e seguimento em consultas de Neuropediatria e Pedopsiquiatria. DISCUSSÃO A observação dos eventos motores paroxísticos nocturnos através de ¿lmagens e o vídeo-EEG durante o sono são fundamentais para o diagnóstico correcto, uma vez que se impõem diagnósticos diferenciais cujas manifestações são por vezes difíceis de caracterizar através da anamnese. Entre estes incluem-se as crises epilépticas, parassónias do sono não REM, parassónias do sono REM, mioclonias hipnagógicas e hipnopômpicas, mioclonias proprioespinais, movimentos periódicos das pernas, vocalizações isoladas durante o sono, caimbras nocturnas dos membros inferiores, “body rocking” e “head banging”. Algumas características que apontam para a natureza epiléptica dos episódios são: 1) episódios marcadamente estereotipados; 2) vários episódios na mesma noite; 3) ocorrência na fase 1 ou 2 do sono NREM; 4) episódios semelhantes durante vigília; 5) posturas distónicas ou movimentos bizarros como pedalagem; 6) duração inferior a dois minutos; 7) persistência dos eventos vários anos após início da idade adulta.(1) De acordo com o glossário para descrição das crises epilépticas da Liga Internacional Contra a Epilepsia,(2) as crises observa- Montagem nas ¿guras 2 a 4. Sensibilidade 70 ȝV/mm; TC 0,1 s; HF 15 Hz. Figura 3 – Decorrer da crise: ondas lentas, teta, rítmicas, fronto-temporais direitas Figura 2 – Antes da crise observam-se ondas lentas com raros componentes abruptos nas derivações direitas (círculos), depois atenuação generalizada (traços verticais) e ritmos rápidos bifrontais (rectângulos). Figura 4 – Fim da crise: sequências de ondas delta hemisféricas direitas. caso electroencefalográfico EEG case report 99 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 das neste caso são focais motoras com componente motor tónico assimétrico e automatismos hipercinéticos. Esta semiologia das crises, juntamente com o facto de ocorrerem predominantemente durante o sono e de existirem dé¿ces de atenção, de planeamento e executivos, sugere epilepsia do lobo frontal. A semiologia atribuída às crises frontais varia de acordo com a localização do foco epileptogéneo: lobo frontal dorsolateral (inclui “lobo central”, área pré-motora e área pré-frontal), lobo frontal mesial e lobo frontal basal.(3) Os resultados de estudos neuro¿siológicos demonstram que a estimulação eléctrica cortical unilateral da área suplementar sensoriomotora, localizada na região frontal mesial, produz contracção tónica bilateral assimétrica dos músculos axiais e dos membros bem como sintomas sensitivos bilaterais.(4) Estes achados estão de acordo com a análise de vídeo-EEG de crises com origem na região frontal mesial.(5) Habitualmente os doentes permanecem sem resposta a estímulos externos mas não perdem a consciência, embora crises mais prolongadas possam provocar amnésia e confusão pós-ictal. Os automatismos hipercinéticos (movimentos complexos, amplos e repetitivos que envolvem o tronco e segmentos proximais dos membros) que o doente apresentou no decurso da crise são também característicos de crises frontais e as regiões que tipicamente produzem estas manifestações são as áreas pré-frontal e orbitofrontal. O EEG ictal foi capaz de lateralizar o início da crise ao hemisfério direito, mas com o decurso da crise a actividade muscular impediu a interpretação da actividade eléctrica cerebral. O EEG interictal mostrou actividade paroxística bilateral com ligeiro predomínio direito. Tanto a semiologia ictal como a análise do EEG permitiram dirigir a análise da RM cerebral, com especial atenção aos lobos frontais, em busca de lesões como sequelas pós-traumáticas ou malformações do desenvolvimento cortical, ausentes neste doente. O diagnóstico etiológico neste caso permanece por esclarecer. Coloca-se a hipótese de se tratar de uma epilepsia lesional pós-traumática, uma vez que houve traumatismo com perda de consciência três anos antes do início das crises. Um estudo recente de base populacional demonstrou um aumento de cerca de duas vezes do risco de desenvolvimento epilepsia em crianças entre os cinco e os 15 anos que haviam sofrido traumatismo craniano ligeiro a moderado (concussão, sem lesão endocraniana), comparando com crianças sem traumatismo craniano. Este risco revelou-se mais elevado no primeiro ano após o traumatismo.(6) Outra hipótese diagnóstica a considerar é a epilepsia nocturna do lobo frontal (NFLE) esporádica, que se caracteriza por início na infância, episódios com posturas distónicas paroxísticas, acordares paroxísticos com automatismos hipercinéticos, exame neurológico normal, exames de imagem cerebral normais e resposta favorável aos antiepilépticos (nomeadamente carbamazepina).(7) Foi descrita a associação de dé¿ces cognitivos e manifestações psiquiátricas em doentes com NFLE, mas parecem ser mais comuns nas formas autossómicas dominantes (ADNFLE).(8) A con¿rmação da origem focal das crises corroborou a substituição do fármaco antiepiléptico, o que resultou na remissão completa das crises. O seguimento por Pedopsiquiatria, a medicação com metilfenidato e provavelmente o controlo da epilepsia permitiram uma melhoria comportamental. 100 caso electroencefalográfico EEG case report ABSTRACT Paroxysmal motor disorders during sleep in children are a diagnostic challenge, and careful anamnesis, direct observation of the nocturnal episodes, preferentially with concomitant videoEEG recording, are essential for correct diagnosis and adequate treatment. We present the case of an 11 year-old-boy with frequent, predominantly nocturnal episodes, initially interpreted as generalized seizures, with no response to sodium valproate. Video-EEG during sleep showed a seizure characterized by asymmetric tonic posturing of upper limbs followed by left lower limb cycling movements, with right hemispheric epileptiform discharges at onset of the episodes. The patient had had a concussion three years earlier, and brain MRI was normal. Video-EEG ¿ndings supported replacement of anticonvulsant drug to oxcarbazepine, which resulted in complete remission of seizures. Seizure semiology and etiology of this particular case of nocturnal frontal lobe epilepsy are discussed. Keywords: electroencephalogram; video-EEG; nocturnal frontal lobe epilepsy; post-traumatic epilepsy. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 98-100 BIBLIOGRAFIA 1. Derry CP, Duncan JS, Berkovic SF. Paroxysmal motor disorders of sleep: the clinical spectrum and differentiation from epilepsy. Epilepsia 2006;47:1775-91. 2. Blume WT, Lüders HO, Mizrahi E, Tassinari C, Boas WE, Engel J. Glossary of descriptive terminology for ictal semiology: report of the ILAE Task Force on Classi¿cation and Terminology. Epilepsia 2001;42:1212-8. 3. Lüders HO, ed. Textbook of epilepsy surgery. 1st Ed. London: Informa Healthcare; 2008; p.263-85. 4. Lim SH, Dinner DS, Pillay PK, Lüders H, Morris HH, Awad IA et al. Functional anatomy of the human supplementary sensorimotor area: results of extraoperative electrical stimulation. Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1994;91:179-93. 5. Ohara S, Ikeda A, Kunieda T, Yazawa S, Taki J, Shibasaki H et al. Propagation of tonic posturing in supplementary motor area (SMA) seizures. Epilepsy Res 2004;62:179-87. 6. Christensen J, Pedersen MG, Pedersen CB, Sidenius P, Olsen J, Vestergaard M. Long-term risk of epilepsy after traumatic brain injury in children and young adults: a population-based cohort study. Lancet 2009;373:1105-10. 7. Provini F, Plazzi G, Tinuper P, Vandi S, Lugaresi E, Montagna P. Nocturnal frontal lobe epilepsy: a clinical and polygraphic overview of 100 consecutive cases. Brain 1999;122:1017-31. 8. Ryvlin P, Rheims S, Risse G. Nocturnal frontal lobe epilepsy. Epilepsia 2006;47:83-6. AGRADECIMENTO Adriana Ribeiro, Técnica de Neuro¿siologia - H. Maria Pia, CH Porto NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Genes, crianças e pediatras Anabela Bandeira1, Conceição Mota 2, Dulce Quelhas3, Marília Loureiro4, Esmeralda Martins1 Criança, do sexo masculino, com 14 meses de idade, internado no primeiro ano de vida por má evolução ponderal e proteinúria nefrótica. Trata-se de um primeiro ¿lho de um casal jovem, não consanguíneo. Sem doenças heredofamiliares conhecidas. Dos antecedentes ¿siológicos: gravidez vigiada, sem intercorrências. Parto distócico por cesariana às 37 semanas de gestação, com índice de Apgar 6/8. Somatometria ao nascimento adequada à idade gestacional (peso 2610 g, P5; comprimento 47 cm, P10; perímetro cefálico 34,5 cm, P25). Leite adaptado desde o nascimento. Realizou rastreio endócrino-metabólico ao quinto dia de vida que foi normal. Admitido na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) ao nascimento por gemido, necessidade de reanimação e edemas acentuados dos membros inferiores. Ao exame físico: fácies particular com olhos pequenos, micrognatia, aumento da distância intermamilar e curvatura medial da falange distal do 5º dedo das mãos. Hipotonia axial marcada (¿gura 1). Teve alta da UCI com diagnóstico de síndrome dismor¿co em estudo, sepsis clínica sem atingimento meníngeo. Completou 14 dias de antibiótico endovenoso (penicilina e gentamicina). Do estudo realizado: cariotipo 46, XY; amónia, lactato e piruvato sem alterações; cromatogra¿a dos aminoácidos sericos e urinários sem alterações, cromatogra¿a dos ácidos orgânicos sem alterações, 7 dehidrocolesterol sem alterações, ácidos gordos de cadeia muito longa sem alterações, pesquisa de mutação para síndrome Prader Willi negativa. Novo internamento aos 4 meses de vida por desnutrição grave, diarreia crónica e ITU por E.coli. Cumpriu 10 dias de cefuroxime e gentamicina. Ao exame físico foi constatada má evolução estaturo-ponderal com peso <<P5; comprimento << P5 e perímetro cefálico <<P5; assim como atraso do desenvolvimento psico motor. Analiticamente foi detectada proteinúria nefrótica com função renal conservada mas com atenuação da diferenciação parenquimosinusal bilateral e hiperecogenicidade parenquimatosa; cardiomiopatia hipertro¿ca com derrame pericárdio de moderado volume; elevação das transaminases, sem colestase e sem alteração da função de síntese hepática. Qual o seu diagnóstico? Figura 1 __________ 1 2 3 4 S. Pediatria, H Maria Pia, CH Porto S. Nefrologia Pediátrica, H Maria Pia, CH Porto Unid. Biologia Clínica, CGM INSA S. Cardiologia Pediátrica, H Maria Pia, CH Porto genes, crianças e pediatras genes, children and paediatricians 101 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 COMENTÁRIOS Perante um lactente com síndrome dismor¿co e manifestações clínicas multissistémicas, podemos pensar em várias doenças genéticas. As malformações múltiplas podem ser decorrentes de cromossomopatias (6,1% dos casos), de mutações gênicas (7,5% dos pacientes), de origem ambiental (6,5%) ou de origem multifactorial (20%). Perante a suspeita de doença hereditária do metabolismo, o atingimento sistémico obriga a pensar no diagnóstico de um defeito congénito da glicosilação (CDG) ou em citopatia mitocondrial. Os CDG, anteriormente conhecidos como síndrome de glicoproteínas de¿cientes em carbohidratos, são um grupo de doenças autossómicas recessivas que afectam a síntese das glicoproteínas.(1) Estas patologias (com uma frequência estimada entre 1/50.000 e 1/100.000) são caracterizadas pelo envolvimento neurológico e/ou multi-orgânico. Os síndromes CDG estão associados a diferentes de¿ciências enzimáticas, das quais a mais comum é a de¿ciência de fosfomanomutase (correspondendo ao CDG tipo Ia e que representa 70% dos casos). O atraso psicomotor é o sinal clínico mais comum.(2) Outros sinais frequentemente associados de forma variável são: anomalias lipocutâneas (pele tipo casca de laranja, distribuição anormal da gordura), atro¿a olivo-ponto-cerebelosa, anomalias ósseas, mamilos invertidos, anomalias da coagulação e citólise/ ¿brose hepática. Pode surgir estrabismo, proteinúria nefrótica, hipotonia e distúrbios cerebelares e também cardiomiopatia e derrame pericárdico.(3) O rastreio bioquímico é baseado na demonstração de anomalias na glicosilação das glicoproteínas séricas através da focagem isoelétrica da transferrina (¿gura 2). A determinação das actividades leucocitárias das enzimas responsáveis e a pesquisa de mutações nos genes correspondentes con¿rma o diagnóstico. Nesta criança o per¿l de focagem isoeléctrica da transferrina foi compatível com CDG tipo 1. O diagnóstico foi con¿rmado pela presença de duas mutações em heterozigotia (p.R114H; p.D65Y) no gene PMM2, que codi¿ca a enzima fosfomanomutase, CDG tipo 1 a. Actualmente com 14 meses de idade apresenta dismor¿a já descrita, má evolução estaturo ponderal grave (peso e comprimento abaixo do percentil 5). Apresenta microcefalia com atraso do desenvolvimento psico motor; cardiomiopatia hipertró¿ca com derrame pericardico de médio volume; proteinuria nefrotica; elevação das transaminases hepáticas e defeito funcional de proteínas da coagulação (anti trombina III e proteína C). Apresenta também alterações inespecí¿cas da pigmentação da retina, sem contacto ocular. A ressonância magnética nuclear revelou atro¿a cerebelar (¿gura 3). Figura 3 Figura 2 102 genes, crianças e pediatras genes, children and paediatricians O tratamento farmacológico só é possível para CDG tipo 1b. Nesta criança, pela presença de diarreia crónica, foi inicialmente instituído tratamento com manose por se suspeitar de um CDG tipo 1 b. Após o diagnóstico molecular e falta de resposta clínica a manose foi retirada. O tratamento é essencialmente sintomático sendo importante a orientação dietética com aumento do aporte energético total. Esta criança encontra-se medicada com furosemida; espironolactona; prednisolona e fenobarbital; assim como terapêutica anti reÀuxo. Faz suplementação calórica com MCT oil e necessita de sonda naso gástrica para alimentação. Faz ¿sioterapia duas vezes por semana. As principais causas de mortalidade são as alterações hemorrágicas (trombose ou hemorragia) e as infecções. A cardiomiopatia hipertro¿ca pode determinar mau prognóstico.(4) O diagnóstico pré-natal é possível sempre que seja identi¿cada a mutação. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 ABSTRACT A 14 month-old boy presented with failure to thrive and severe mental and motor development delay. On physical examination he presented with severe axial hypotonia and dysmorphic syndrome: peculiar facies with small eyes, micrognathia, raised intermamilar distance. He also had multissistemic involvement with nephritic proteinuria, hypertrophy cardiomiopathy with pericardial effusion, raised transaminases, functional de¿cit of coagulation proteins and unspeci¿c changes of retinal pigmentation. This case illustrates the typical presentation of congenital disorder of glycosilation (CDG) type Ia. Keywords: congenital disorder of glycosilation, glycosylated transferring. Nascer e Crescer 2011; 20(2): 101-103 BIBLIOGRAFIA 1. Aebi M, Helenius A, Schenk B, Barone R, Fiumara A, Berger EG, et al. Carbohydrate-de¿cient glycoprotein syndromes become congenital disorders of glycosilation: An updated nomenclature for CDG. Glycoconj J 1999; 16:669-71. 2. Barone R, Sturiale L, Fiumara A, Uziel G, Garozzo D, Jaeken J. Borderline mental development in a congenital disorder of glycosylation (CDG) type Ia patient with multisystemic involvement (intermediate phenotype). J Inherit Metab Dis 2007; 30:107. 3. Clayton PT, Winchester BG, Keir G. Hypertrophic obstructive cardiomyopathy in a neonate with the carbohydrate-de¿cient glycoprotein syndrome. J Inherit Metab Dis 1992; 15:857-61. 4. Coman D, McGill J, MacDonald R, Morris D, Klingberg S, Jaeken J, et al. Congenital disorder of glycosylation type 1a: Three siblings with a mild neurological phenotype. J Clin Neurosci 2007;14:668-72. genes, crianças e pediatras genes, children and paediatricians 103 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 Parece que é Cancro! Armando Pinto1 Os médicos pediatras – ou melhor, os pro¿ssionais de saúde em geral – têm uma ocupação que os confronta diariamente com inquietações transversais a todos os humanos, como sejam a morte, a dor, a doença, o medo, mas também com condições de sinal contrário, como são a alegria após o nascimento de um bebé, o prazer de ver as crianças doentes curarem-se, crescer e brincar, o jubilo após vencer uma doença. Contudo o que é mais difícil na Oncologia Pediátrica é a carga emocional e mesmo física que decorre da patologia, dos tratamentos intensivos e continuados, da prolongada proximidade com os doentes e suas famílias, do prognóstico e obviamente do facto de serem crianças. Quando lidamos com cancro sabemos que o risco da perda é maior e temos que nos preparar para as várias hipóteses de desfecho, todas elas plausíveis…. Os pro¿ssionais de Oncologia Pediátrica sofrem amargamente com as perdas, porém são treinados para lidar com elas como fazendo parte do seu trabalho. As crianças com cancro são um exemplo do valor da vida. Trabalhar com estes doentes é um privilégio, é a oportunidade de darmos ao mundo uma genuína e vantajosa prestação, de cumprirmos verdadeiramente o sonho de sermos médicos ou enfermeiros. Somos bene¿ciários dessa vivência, tornamo-nos melhores pessoas, somos actores, produtores e realizadores de cenas e de cenários, somos heróis e protagonistas mas somos igualmente malvados, falhados, inaptos, negligentes, desmazelados e tudo o que pode intensamente ser experimentado na luta contra a doença e a morte. As crianças com doença oncológica vivem a di¿culdade de forma diversa! Ainda há pouco tempo estávamos na ¿la para o café do bar do IPO quando o Fábio, um rapaz de 7 anos, sobrevivente de uma leucemia de alto risco que impusera tratamentos intensivos e prolongados, com internamentos sem ¿m, dadas as complicações incontáveis que surgiram, esse mesmo menino, estando de visita programada ao hospital, irrompeu pelo bar dentro ao avistar um enfermeiro que o acompanhara em muitos episódios, chamando, «Enfermeiro Pedro, enfermeiro Pedro!». Seguidamente, agarrou-lhe o casaco branco da farda, puxando-o para baixo, descompondo o senhor, sem deixar hipóteses de recusa de reparo por parte do enfermeiro, «Diz Fábio, o que queres, o que aconteceu?», o enfermeiro, sendo um jovem alto e magro, teve que se curvar impelido pelo puxão do rapaz, ¿cando meio desequilibrado, estático, quase catatónico, «Tenho um tio meu internado aqui no piso 8», respondeu prontamente o menino, satisfeito por ter obtido a atenção do enfermeiro, «No piso 8? Na Enfermaria? E o que é que tem esse teu tio?», então o rapaz rejubilando por poder dizer o que realmente o impelira a conversar com o Enfermeiro Pedro, respondeu com toda a intensidade dramática, «Parece que é cancro!», enquanto fazia um enorme esgar que atingiu toda uma face, levantando energicamente o canto do lábio e inclinando a cabeça para cima, para ser bem visível pelo enfermeiro o gesto de nojo e de repelência, numa atitude de quem não tem, não teve, nem quer ter nada a ver com aquela doença, o cancro. __________ 1 Oncologista Pediátrico do IPO do Porto 104 pequenas histórias short stories NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os pro¿ssionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos cientí¿cos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ¿carão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050111 Porto, ou endereçados a [email protected] como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconogra¿a, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modi¿cações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conÀito de interesses ou ¿nanciamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconogra¿a, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras--chave e Keywords; 4- Texto; 5- Bibliogra¿a; 6- Legendas; 7Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos; 10- Em destaque. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as a¿liações pro¿ssionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especi¿cação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliografia: As referências devem ser classi¿cadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem veri¿car se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e ¿gura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a ¿gura ou quadro é cópia de uma publicação ou modi¿cada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotogra¿as ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identi¿cação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de ¿guras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As ¿guras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conÀito de interesses de algum dos autores ou ¿nanciamento do estudo devem ¿gurar na última página. Destaque: Incluir três a quatro frases curtas (até 50 palavras cada) salientando os aspectos mais relevantes do trabalho. Estas deverão ser escritas em português e em inglês. Modificações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modi¿cações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográ¿cas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. normas de publicação instructions for authors 107 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2011, vol XX, n.º 2 INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scienti¿c articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050111 Porto, Portugal, or to [email protected] and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modi¿cations, - accepted with corrections or modi¿cations, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection or of the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conÀict of interest and ¿nancial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements; 10- Highlights. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The ¿rst page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional af¿liations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Keywords: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed Keywords in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). 108 normas de publicação instructions for authors Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the ¿rst time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as ¿gures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the ¿rst three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, ¿rst and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and ¿gure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of ¿gures or tables must not exceed eight for original articles and ¿ve for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the speci¿ed numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conÀicts of interest. All ¿nancial and material support for the research and the work should be clearly and completely identi¿ed in an Acknowledgment section of the manuscript. Highlights: They should include three to four short sentences (each limited to 50 words) emphasizing the relevant message of the study. These should be written in Portuguese and English. Modifications and revisions: If the paper is accepted subject to modi¿cations, these must be submitted within ¿fteen days of noti¿cation. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff. Cursos Pré-Congresso Suporte de Vida Pediátrico Doenças Metabólicas Curso Pós-Congresso Hipertensão Arterial Transição de cuidados: da criança ao jovem adulto Recém-nascido de risco neurológico Diabetes: avanços terapêuƟcos Intervenção precoce: arƟculação de cuidados Procriação medicamente assisƟda Perturbações da linguagem O adolescente e a imagem corporal Epilepsia Mais informações em www.reuniaomariapia-cmin.com Apoio: Envio de resumos até 23 de Outubro Organização Colaboração Secretariado Departamento da Criança e do Adolescente Departamento da Mulher CH Alto Ave, CH Entre Douro e Vouga, CH Médio Ave, Rua da Boavista, 827 | 4050 Porto E-mail: [email protected] Tel.: 915 676 516 | 226089900 - Ext 3247 CH Nordeste, CH Póvoa de Varzim | V. Conde, CH Tâmega e Sousa, CH Trás-os-Montes e Alto Douro, CH V. Nova de Gaia e Espinho, Hospital de Braga, Hospital São João, Hospital Santa Maria Maior, ULS Alto Minho, ULS Matosinhos, ACeS Gondomar, ACeS Porto Ocidental