Entrevista ao Jornal de Cultura

Transcrição

Entrevista ao Jornal de Cultura
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 | Nº 29 | Ano 2
Director: José Luís Mendonça
•Kz 50,00
O mistério da maternidade: o caso Umbundu
ECO DE ANGOLA
Pag. 4-6
ARTES
Pag. 23-25
Wyza
Seu chão, matéria e alma:
voa nas asas
do kilapanga
ECO DEANGOLA
Pag. 7
18 de Abril. Dia Internacional
LETRAS
Pag. 12-13
dos Monumentos e Sítios
Manuel Rui põe na zunga
Kitandeiras & Aviões
LETRAS
Pag. 14
Sabina e os Manuscritos
do Kuito, de Arnaldo Santos
DIÁLOGO INTERCULTURAL
P. 27-29
Maria Eugénia Neto
em São Tomé
2 | ARTE POÉTICA
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Cultura
Poema de Manoel de Barros
Manoel por Manoel
Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade
do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem.
Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a
partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei
dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho
que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e
comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.
(Digitado e conferido por mim mesmo em 12 de outubro de 2012 no livro Memórias inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros, São Paulo:
Planeta do Brasil, 2010. p. 187)
Manoel de Barros é considerado um dos maiores poetas brasileiros vivos da actualidade, com mais de 15 livros
publicados desde 1937. Viveu grande parte da vida literária editando obras artesanais, de escassa circulação,
caracterizado pelos rótulos de 'poeta do Pantanal', 'alternativo' e 'de fala torta'. Nasceu em Cuiabá (MT), em
1916. Mudou-se para Corumbá (MS), onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Actualmente mora em Campo Grande (MS). Advogado e fazendeiro, foi reconhecido tardiamente como poeta, na
década de 80, por críticos e personalidades como António Houaiss, Millôr Fernandes e Ênio Silveira e virou uma
'coqueluche' da nova literatura brasileira. Hoje é editado em grandes tiragens e tem se destacado como um dos
escritores contemporâneos mais premiados, com distinções como Jabuti, Nestlé e Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).
Os títulos da sua trajetória antecipam a inclinação pelo improviso, elegendo os pássaros e o rumor do solo como
seus protagonistas. Entre eles, destacam-se: Gramática Expositiva do Chão, Arranjos para Assobio, Livro de Précoisas, Livro das Ignorãças e Livro sobre Nada.
O seu universo não é nada urbano: anhuma, pacus, graxas, nervos, beija-flor de rodas vermelhas, gravanhas. O
que resulta, a princípio, no efeito de estranheza para quem vive em grandes cidades. Ele é porta-voz de um mundo que não é habitual aos moradores das metrópoles. Um local ancestral, onde os seres miúdos e os animais silvestres reinam e compõem um particular bestiário. O cenário do qual parte a sua voz é o da floresta, do mato embrenhado, das extensões dos rios. Tudo se mistura num processo de troca e sinestesia.
Cultura
Jornal Angolano de Artes e Letras
Um jornal quinzenal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento.
Nº 29 / Ano II / de 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
E-mail: [email protected] / Telefone e Fax: 222 01 82 84
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Editor de Letras | Isaquiel Cori
Editor de Artes | Coimbra Adolfo (Matadi Makola)
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do Jornal de Angola
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COLABORAM NESTE NÚMERO:
Angola: Akiz Neto, A. Fragoso Trindade, Analtino
Santos, Arjago, Boaventura Cardoso, Décio Bettencourt Mateus, Emanuel Caboco, Lopito Feijóo K.S.,
Pepetela
São Tomé: Conceição Lima
Brasil: Manoel de Barros
Portugal: João Serra
AGULHA
Revista de cultura, São Paulo, Brasil
Correio da UNESCO, Paris, França
AFRICULTURES, Portal e revista de referência
das culturas africanas, Les Pilles, França
MODO DE USAR & CO, revista de poesia sonora
e visual, em vídeo, e também escrita.
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Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
ECO DE ANGOLA | 3
O livro é mais importante
que a gasolina
José Luís Mendonça
1
Tenho para mim que o livro é mais importante que a gasolina. Os
ganhos intelectuais da leitura são perenes (o saber não ocupa lugar), ao passo que as emanações do consumo da gasolina têm vida
efémera. Que o digam os japoneses que, no século XX construíram,
sem reservas de petróleo assinaladas no pequeno arquipélago, a segunda
maior potência mundial (hoje a terceira). Esta frase “o livro é mais importante que a gasolina” foi uma coisa que me saiu do subconsciente, enquanto,
no passado dia 23 de Março, Dia Mundial do Livro, conversava com o Mário
Vaz no programa da TPA ‘Bom dia, Angola’.
Estava eu a enumerar as causas do presumível falta de gosto pela leitura
do Povo Angolano, particularmente dos adolescentes, jovens e, em geral, da
camada estudantil, que é suposta ter necessariamente de ler para se cultivar e tínhamos chegado ao inevitável tema do encarecimento do livro em
Angola. São os direitos alfandegários dos livros que nos chegam de fora, são
os preços das matérias-primas importadas (papel, tintas, consumíveis industriais das gráficas, etc.) no que toca ao livro produzido localmente. Aí
ocorreu-me num ápice afirmar, em termos comparativos com a gasolina
que, se esta é subvencionada pelo Estado, também o livro o poderia ser, visto que o livro é mais importante que a gasolina.
Na verdade, num país como Angola, a procurar sair da longa crise
pós-independência e partir para o desenvolvimento sustentável, situação ideal que, em África, nenhum país ainda alcançou (e depois,
não me venham dizer que a culpa é apenas dos dirigentes), o principal investimento tem de passar pelo Homem, isto é a CRIANÇA de hoje que é o
futuro da Nação. E este investimento significa pôr as crianças (cidadãos dos
zero aos 18 anos de idade) a ler, a marrar (os nossos jovens dizem “amarrar”)
os livros, até deles ganharem o fascínio, o feitiço que eles nos trazem quando
os tratamos como uma droga incontornável. Só assim, teremos as mentes brilhantes que, em diversos domínios, produzirão o combustível do desenvolvimento, que não é gasolina, o petróleo que vendemos ao barril, mas, sim, o
combustível chamado massa cinzenta, o know-how dos fabricantes e construtores. E quero, desde já, desfazer um tremendo equívoco que grassa na cabeça de muita gente (até de confrades meus) de que “vamos cultivar o gosto
pela leitura, para formar futuros escritores”. Nada disso. Vamos pôr as crianças a ler, para formar futuros engenheiros, médicos, arquitectos, políticos e
outros técnicos de grande qualidade. Os escritores, se vierem, virão por vocação natural, nenhum escritor se faz a martelo, como as portas das casas.
As outras causas da ilusória falta de gosto pela leitura (digo presumível e
ilusória, porque essa tendência é uma falácia, os povos gostam de ler) devese ao nulo tratamento do objecto livro como produto comercial que é. O livro, em Angola não é submetido às leis próprias do mercado, se não se faz a
sua oferta, tal como se faz para as cuecas de marca ou a cerveja e os refrigerantes, claro que não há procura do mesmo. Já a terceira causa, a mais grave,
é a que se verifica no sistema de ensino da língua portuguesa que, no nosso
país, ignora o dever sagrado do professor dessa língua criar uma biblioteca
manual de turma, em que cinco ou seis livros circulam de mão em mão durante o ano lectivo na sala de aula.
Posto isto, e porque o livro é mais importante que a gasolina, vejo
com preocupação e desespero o nosso futuro enquanto escritores. É que se se faz uma tiragem de mil exemplares de um livro como ‘Quitandeiras e Aviões’, de Manuel Rui, um dos mais cotados
escritores nacionais, está-se a proclamar a morte da Literatura angolana.
Eu, se fosse editor, punha no mercado, pelo menos 10 mil exemplares e agregava ao lançamento uma campanha de marketing e de vendas que abrangesse o país inteiro, as escolas e universidades, a rua (o livro vende-se até na
zunga), convidaria os expatriados que gostam de ler para os lançamentos, e
a comunicação social (com publicidade) e iríamos ver se vendia ou não vendia. Iríamos ver se o povo lia ou não lia.
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Sumário
ARTE POÉTICA
Poema de Manoel de Barros | Manoel por Manoel
ECO DE ANGOLA
O livro é mais importante que a gasolina |José Luís Mendonça
O mistério da maternidade: o caso Umbundu |Arjago
18 de Abril. Dia Internacional dos Monumentos e Sítios |Emanuel Caboco
LETRAS
Leonel Cosme, perfil biográfico. A literatura angolana deve-lhe muito |João Serra
Viriato da Cruz: Metáforas e retalhos da vida de um poeta por ocasião do seu 85º
aniversário |A. Fragoso Trindade
Manuel Rui, o maior griô da banda, põe na zunga Kitandeiras & Aviões | José Luís
Mendonça
Sabina e os Manuscritos do Kuito |Pepetela
‘Jisabhu’, a transmissão da tradição oral| J.A.S. Lopito Feijóo K
O culminar do processo eleitoral na UEA: Carmo Neto reconduzido a SecretárioGeral |Isaquiel Cori
Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto. Publicações científicas à disposição do público |Isaquiel Cori
ARTES
Magias de Ricardo Paula. Do chão do céu ao azul da alma |José Luís Mendonça
Hildebrando de Melo: “Porque é que os africanos permitem ser tratados desta
forma?” |Matadi Makola
Ndaka, Wiza e Sinedima em “Caminhos do Som”. O afro-jazz e o natural apagão do
português |Makola Makola
Seu chão, matéria e alma: Wyza voa nas asas do kilapanga| Analtino Santos
GRAFITOS NA ALMA
Potencial da palavra: um percurso plástico | Akiz Neto
DIÁLOGO INTERCULTURAL
Maria Eugenia Neto em São Tomé | Conceição Lima
Ainda a propósito da Morte de Chinua Achebe |Décio Bettencourt Mateus
Nota a propósito do artigo “Revisitando o processo dos cinquenta”
Anúncios da CPLP
BARRA DO KWANZA
Quinito e Dipanda, no Roque Santeiro |Boaventura Cardoso
NAVEGAÇÕES
Nos 15 anos de capoeira de Cabuenha: “Chamar a dikanza de reco-reco é uma
ofensa muito grave.”
Concurso de Língua Portuguesa
4 | ECO DE ANGOLA
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Cultura
O MISTÉRIO DA
MATERNIDADE
O caso Umbundu
Arjago
A
pesar de ser o primeiro passo
de todo o ciclo de vida da pessoa humana, o nascimento actual tornou-se um acto aparentemente vulgar, o que nem sempre foi assim por se tratar de uma instituição entre
os Ovimbundu, população centro-regional
de Angola, pois gira sobre ele todo um conjunto de expectativas religiosas, sociais,
económicas, culturais, etc. Particulariza-se
o caso dos avós, que existem sempre, como
também toda a comunidade partilha da
mesma satisfação pois, no final de cada
parto, geralmente diz-se que “nasceu para
todos”. O certo é que dentre todos, os avós
sentem a maior satisfação por acreditarem
que é no neto onde reside o ser continuador, mais fiel que o filho, o que é perceptível
no dito popular umbundu dos mais-velhos:
“Eyê okandikwatela vombweti” (será ele
o meu guia).
Em umbundu, particularmente, mais
que instituição, a maternidade muito implícita aos conceitos de terra, água, fogo e
respectivas componentes, é acima de tudo
uma iniciação, como é entre os demais povos de origem etnolinguística Bantu, por
marcar e condicionar a existência da pessoa humana cujo universo ritualístico do
seu ciclo de vida caracterizou-se, em tempos idos, por seguintes fases: ucitiwo (nascimento), eywiso (baptismo), efeko e ekwenje (puberdades feminina e masculina),
uvala (matrimónio) e olofa (mortes). A terra é o que é a maternidade, portanto, a humanidade. É nela onde se encontra Cyanja
Ngombede, a deusa traduzida em imagem
de uma “serpente invisível” que habita entre as ravinas das nascentes de ribeirinhas
que, criando ela toda a existência gerou nela Nyaweji que teve Namuntu e Samuntu,
irmãos gémeos que, do casamento deles
por incesto veio a humanidade nasceu o filho unigénito Muntu (Munu em umbundu)
o pai de omanu (Vantu ou Bantu no resto de
Angola). É na terra onde se sepulta o cordão umbilical (po hopa wange) e os ancestrais, na qualidade de guardiães das comunidades. É nela onde está a água que com o
fogo dá a vida.
Sendo de passagem inclusiva, todas as fases ocasionam o rompimento com o estado
anterior mas com relativa permanência no
estado intermédio, tratando-se de ekwenje
e efeko caracterizados por algum isolamento quase absoluto. O estado intermédio em
causa pode ser considerado como o de trânsito por dar lugar ao novo estado de ser e de
estar, proporcionando à pessoa humana
uma transformação ontológica pois, na cosmologia umbundu, as forças alteradas quer
vitais, quer físicas operam uma mutação radical no status social do ego.
A maternidade umbundu torna-se um
fenómeno atípico interpretado nas componentes socioculturais com incidência religiosa e, começada com a gestação, é tida como uma combinação de factores extraordinariamente satisfatórios, resultantes de
um mistério interactivo entre a força vitalprosperidade e a benevolência activa dos
espíritos ancestrais, razão porque frequentemente ouve-se dizer:
«Kacitile osinsu. Kalimile, ciyevo cavakwavo (Só não tem filhos quem é estéril. Só é
escravo, quem não lavrou)».
Portanto, o estabelecimento da relação
entre o bem-estar e a maternidade é característico da sóciocultura sedentária umbundu, comunidades heterogéneas Bantu,
por cruzarem nelas quase todos os grupos
etnolinguísticos de Angola, dada a região
estratégica que ocupam, caracterizada pela
mais rica rede hidrográfica, originárias da
região intermédia entre o planalto e o litoral
centro de Angola, limitada pela faixa sul do
rio Kwanza e a nascente dos rios Kupololo e
Kunene, explicada pela etnonímia mbundu,
o que em português significa nevoeiro, em
que umbundu quer dizer relativo ao nevoeiro, de onde veio o antropónimo Ocimbundu
sendo singular de Ovimbundu, designa
aquele que descendeu da zona altas do nevoeiro ou que reivindica os valores do respectivo complexo sociocultural. Daí a relação psicointercultural do universo cósmico
da maternidade interpretada na trilogia
terra, água e fogo pois, a fertilidade materna
é comparável à prosperidade enquanto dádiva ancestral, razão suficiente para tornar
misteriosa a maternidade.
A partir do momento que se considera
gestante, uma Ocimbnundu é tida como
portadora de forças extranaturais de credibilidade comunitária, por ser capaz de revelações misteriosas ou dar soluções mágico-religiosas e curativas características da
autoridade ancestral. É capaz de curar entorses ou fracturas de índole ortopédica, o
que em umbundu se conhece por “okuteka
onengo”, bastando as práticas de massagens secas para milagrosamente o paciente
declarar-se recuperado. Pela mesma razão
de ser possuída por poderes mágico-religiosos ancestrais, não lhe é permitida fazer
parte de cerimónias organizadas pelas autoridades comunitárias como o espiritismo
designado por “okusingila”, o “ocinganji”, a
“kaviyula” ou simples recepção dos finalistas da “evamba”, relativo ao ekwenje, o que
se conhece por “okusengula”. Pelas razões
acima ditas, no percurso da gestação, o marido abstém-se das relações extra-conjugais, sob pena de causar desaires, influenciar a ira dos maus espíritos, intempéries
ou imprevisibilidades. Um envolvimento
extra-conjugal não acautelado pode servir
de fonte de impurezas contagiosas capazes
de perigar a gestante através do calor designado por “olondalu”, o que em português quer dizer fogo ou chamas, de uma
parceira ocasional perigando a vida do recém-nascido, como também a do filho, se
pernoitar com os pais. Assim, nas relações
mulher/marido e genro/sogras, ironicamente é frequente ouvir-se o seguinte:
«Húka ndi nenenle olondalu ou huko nenenle onlondalu (que não me traga contágios ou que não lhe contagie)».
Depreende-se que a gestação umbundu
ocasiona um espaço de interpretações de
índole filosófica cujo universo ideológico
reveste-se de um pacote fundamental dos
binómios
proibido/permitido
e
sagrado/profano.
Assistida em casa, por parteiras locais,
sendo as mães na linha uterina, no acto do
parto a parturiente é colocada sentada sobre um balaio ou comodamente sobre um
pano, em frente da parteira que, com os
seus pés entre as partes superiores das
pernas da parturiente, pressiona a expul-
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
são do bebé. Abstraída tecnicamente a placenta, conhecida em umbundu por “ohopa”,
é enterrada no “ocumbo” um tipo de arimbo, horta em volta da casa. Feito o banho, ao
pulso direito do recém-nascido, prende-se
uma fita necessariamente vermelha na qual
se suspende um minúsculo embrulho de
amuletos entre partículas de carvão, porção
insignificante de cinza e resíduos de animais e aves totémicos cujo conjunto é designado por “ohaka” sendo instrumento protector do recém-nascido contra os olhares
profanadores o que acautelando os factos
perniciosos a eles devidos. Assim, com este
porte, acredita-se na potencialização do bebé, tornando-o invulnerável das acções de
gente invejosa, nomeadamente as bruxas e
os feiticeiros, deixando-os impedidos das
intenções malignas.
Em uma semana de sete dias depois do
parto, período determinante para a realização da iniciação através do baptismo, da nomeação e da saída do bebé para fora da casa,
cuja cerimónia se designada por “po citeta”,
a parturiente é declarada maculada, por isso torna-se inápta em coabitar com o seu
marido em todos os aspectos incluindo os
serviços domésticos. Neste caso concretos,
tratando-se de recém-casados, geralmente,
auxiliam-se por uma irmã menor dela. Para
se considerar imaculada ao sétimo dia realiza-se a “ohôvya” que vindo do verbo okuhovya, sair para fora, é uma cerimónia multifacética por libertar a mãe das impurezas, dar
o direito ao pai em dar o nome ao bebé inserindo-o através da libertação da reclusão e
do acesso do bebé em relação à parentela e
aos demais membros da comunidade. Em
tempos idos, enquanto cerimónia que traduz a incorporação do novo membro à comunidade consanguínea, a “ohôvya” acontecia no nonagésimo dia depois do nascimento. Independentemente das razões sócio-económicas, que pesam por se enquadrar na componente urbana, actualmente é
de interpretação dúbia por carecer clareza
nas fronteiras entre o parto da mãe que passa a ter a vida normal, a liberdade que ganha
o bebé com o acesso ao exterior da casa e os
participantes não se preocupam com a inserção através do nome.
A cerimónia em si iniciada ao alvorecer,
fazendo-se coincidir com o nascimento do
sol totalmente avermelhado, momento próprio para realizações mágico-religiosas, é
antecedida por longo período social em
danças ao ritmo de batucadas, partilha de
comida diversificada e bebida entre convidados e todos os indivíduos de confiança familiar desde o início da noite. Caracterizada
pelas oferendas em espécie e valores pecuniários a favor do recém-nascido, o ritual do
sacrifício público de animais de grande porte é indispensável. Tudo começa quando, levado o bebé pela avó mais-velha na linhagem materna assim acompanhada pelos
progenitores e demais convidados, fazendo-se coincidir com o momento do alvorecer do sol, em fila indiana deslocam-se até
junto da “eyála”, designação do depósito de
resíduos sólidos de origem doméstica, geralmente localizado por detrás da casa. O recém-nascido é ali lançado e mantido em cerca de meia hora, entre preces, súplicas aos
ancestrais e juramentos proferidos pela avó
materna. Em júbilo pai divulgação o nome
até então mantido em segredo. Sendo pri-
ECO DE ANGOLA | 5
mogénito, o nome ora divulgado tem força
que altera os nomes dos pais. Por exemplo,
sendo o ego chamado Nganji, a partir desta
divulgação ao pai se chama Sanganji e a mãe
para a ser conhecida por Nanganji independentemente dos seus anteriores nomes.
Desde então o bebé é de acesso livre e o período que se observa é de responsabilidade
conjunta, assumida por todos os membros
da parentela, quer patrilinear, quer matrilinear, deixando para a progenitora a observação da “okunyamisa”, período longo de
amamentação, que em situação normal, pode terminar aos dois anos de idade, cuja interrupção, acto designado por “okusumulã», abre a oportunidade para o livre exercício da vida conjugal dos pais pois a amamentação é, com frequência, tida como mecanismo de planeamento familiar.
No caso do parto de “olonjamba”, designação genérica dada aos gémeos, cujo cerimonial se conhece em umbundu por “ocipito colonjamba” é um acontecimento extraordinário considerado como tendo resultado de uma interacção com os ancestrais. Envolvido em mistérios é um conjunto
de rituais de expressa ambivalência característicos de um universo hermético difícil
de interpretar, pois se de um lado é motivo
de júbilo, sendo um parto comum, por outro
lado, justifica a profunda tristeza por carregar todo um conjunto de dificuldades sociais, perigos, desgraças e mistérios.
A montagem do cenário deste tipo de
partos começa com o anúncio do Sonjamba,
às mães da sua esposa, tão logo que se apercebe do parto para os devidos preparativos.
A maternidade umbundu torna-se um fenómeno atípico interpretado
nas componentes socioculturais com incidência religiosa
No final do acto, as parteiras insultam ritualmente os pais e os recém-nascidos fazendo uso de toda e qualquer obscenidade
em obediência à tradição sem que tal perturbe a moral pública.
A maculada Nonjamba é acompanhada,
por membros da “Olohayanganja”, as avós
uterinas e patrilineares, até ao ribeiro mais
próximo, a fim de tomar o banho ritual determinante para a sua aparição pública. É
preparado um guisado de “ondamba”, um tipo de barro escuro extraído das fontes de
riachos, “omasi” designação que se dá ao
azeite de palma aplicável para fins terapêuticos e cosméticos, uma porção de “eve lyanyahã”, areia extraída no centro de cruzamentos, adicionada à porção de terra da
“eyala” com um pouco de açúcar e cinza. De
regresso ao domicílio a Nonjamba apenas
de fralda (ulambo) e um pano atado na cintura com uma “eponda” (cinturão longo de
tecido escuro) que lhe passa entre as pernas, senta-se sobre o pano estendido no
chão virada ao Sonjamba e entre eles estende-se o “ongalo” (balaio) com o guisado.
Nesta posição o Sonjamba recebe de sua
mãe mais velhas uma cabaça de bebida alcoólica equivalente a um litro, para proceder a distribuição ao brinde em demonstração do verdadeiro apreço familiar.
Em todas as circunstâncias, três critérios
fundamentam a atribuição de nomes aos
bebés: memorização de parentes falecidos a
título de homenagem desde que tenham influenciado a vida familiar; opção pelos nomes invulgares que, a título de protecção,
afugentam os maus espíritos; nomes que
descrevem situações que marcam o contexto da realização do parto. Na nomeação de
gémeos consta alguma ambivalência por
opção de nomes de animais predefinidos
nomeadamente o elefante (Njamba), o hipopótamo (Ngeve) e o leão (Hosi) por fazerem
parte da filosofia umbundu. Quando os gémeos são do sexo masculino ao primeiro dáse o nome de Njamba e o segundo de Hosi.
Sendo ambos do sexo feminino a primeira
toma o nome de Njamba e a outra de Ngeve.
Há casos em que Ngeve também é atribuído
ao rapaz, mas a atribuição de Hosi às meninas não acontece. Caso sejam de ambos os
sexos, ao rapaz chama-se Hosi e à rapariga é
atribuído o nome de Ngeve. Sendo primogénitos basta os prefixos “Sa ou So” de “ise” o
que significa pai, e “Na” de “ina” que quer dizer mãe para dar novos nomes aos progenitores. O pai de passa a chamar-se “Sonjam-
6 | ECO DE ANGOLA
ba” e a mãe, de “Nonjamba” ou “Nanjamba”.
A onomástica de gémeos simboliza força
do leão, a grandeza e o equilíbrio do elefante
e o hipopótamo é considerado a fonte da vida pelo que comparando com a Sonjamba
sendo poderosa, protectora e geradora da
vida, os gémeos revestem-se de mistério,
assim são tidos como inseparáveis protectores da pessoa humana.
Independentemente dos factores de índole religiosa, económica, social ou cultural, a
opção tradicional do sétimo dia para a cerimónia de “eywiso” prende-se com o sarar do
umbigo por isso este dia inaugurado com a
recepção dos convidados é designado por
“eteke lyohopa”. Para tal “elonga lyotuma
liyéla”, um prato novo, preferencialmente de
cor branca, alojando o composto de óleo de
palma e takula o que simboliza a abundância,
a paz e a tranquilidade, é colocado num balaio localizado junto da porta de acesso ao recém-nascido para que, ao chegarem os visitantes e convidados se untem na testa com o
indicador depositando as oferendas preparadas para efeitos, antes do acesso ao bebé.
No que respeita aos gémeos a cerimónia
exige um “unyõgi”, pequena cabaça de menos de cinco litros de bebida fermentada,
geralmente “ocisangwa” ou “ocimbombo” e
um “ongoalo”, espécie de balaio de, mais ou
menos um metro quadrado, que simboliza a
abundância. Havendo um primogénito, envolve-se a figura de “onima”, estímulo pecuniário de valor relativo a seu favor. Um “usese” (uma enxota balas), “ombya yotuma”
(uma panela de barro) com alguns quilogramas de feijão, omasí» (litro de azeite de palma) “ocanji yo nyãñe” (uma galinha branca
bem nutrida) e bebidas fermentadas locais
nomeadamente ocimbombo, ocisangwa e
quando possível o hidromel, é tudo o que é
necessário para se considerarem criadas as
condições para o evento.
As “Olohayanganja”, chefiadas pela “Cindakata” casta de mulheres detentoras de
poderes mágico-religiosos com exercícios
relativos aos gémeos, aparecem em cena
participando em toda a jornada desde ao
início dos preparativos do cerimonial ainda
ao longo do pôr-do-sol, para repelirem os
maus-olhados. É a Cindakata responsável
da terapia “funerária” da ohopa que antes,
da ribeira mais próxima, extrai a ondamba
para barrar a panela de barro onde é depositado visando a sua rigorosa conservação,
aconselhada para melhor a protecção dos
gémeos, por causa dos maus-olhados, pelo
que os umbigos podem ser roubados para
fins perniciosos. Na expectativa da máxima
certeza do quão é segura esta operação, a
respectiva panela é levada por ela própria,
que acompanhada pela mãe mais-velha da
Nomjamba, enterram-na secretamente ao
longo da ribeira. A escolha do local obedece
o carácter sagrado que a água representa na
cosmologia umbundu. Daí em diante o estado de saúde dos gémeos servirá de termómetro na medição do comportamento conjugal dos pais. O gozo de boa saúde traduz a
honestidade e confiança conjugais, significando que a Nonjamba “walava ondalu”, dito
em umbundu querendo dizer que “foi excelente guardiã do fogo” pois, o contrário explica traições e adultérios.
Com o balaio vazio pendurado sobre a cabeça do Sonjamba ao casal é untado o guisado, cuja terapêutica é de responsabilidade
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Assistida em casa, por
parteiras locais, sendo as
mães na linha uterina, no
acto do parto a parturiente é colocada sentada
sobre um balaio ou comodamente sobre um pano
das Olohayangaja. A mãe mais-velha da Nonjamba recebe os gémeos até então sob cuidado das Olohayanganja e um por um entrega à
progenitora, colocando-os lado a lado. Ritualmente duas Olohayanganja, apoderamse de uma das pernas dos cônjuges untados
e, em marcha lenta, seguidos pelo préstito de
parentes amigos e convidados, arrastamlhes para fora de casa ao encontro da eyala
pronunciando obscenidades aos pais e aos
respectivos bebés. Postos no local, depois de
untadas as mãos com o guisado, a mãe maisvelha da Nonjamba recebe-os e entrega-os
ao Sonjamba que enquanto continua com os
bebés no colo sua esposa é amarrada pela
cintura na qual é preso um embrulho de
amuletos e uma varra entregue ao Sonjamba
que entrega osgémeos à Nonjamba. Livre
dos bebés pendura o embrulho sobre o ombro. A Nonjamba recebe dele o balaio e coloca sobre a cabeça enquanto a sua mãe maisvelha puxa-lhe pela corda pendente na cintura à medida que a mãe mais-nova açoitalhe com o usese. Os assistentes participam
do cenário com gritarias de obscenidades e
tudo quando mais for insultuoso expirandolhes jocosamente a água.
Em marcha indiana perseguem o Sonjamba alvo impávido das maledicências dos presentes. Na mesma cadência o préstito marcha pelo bairro afora a fim de fazer apresentação dos gémeos à comunidade periférica.
Depois do contacto directo com a comunidade em geral, o préstito vem de volta à eyala e
a mãe mais-velha uterina aloja incomodamente os bebés no balaio estendido no chão,
provocando-lhes alguns gemidos e grito,
que a presto os participantes insultam-lhes
em uníssono no mesmo grau que sofrem de
insultos os seus progenitores.
A invulgaridade deste tipo de partos pode representar para uma dada família inúmeras dificuldades razão porque no decurso do cerimonial é frequente ouvir dizer o
seguinte:
“Vakwenle va cilyalya levando, ove olinga
hamú hamú. Tala, si nda cakale cakãi vavali
calinga cove likawove” (Os outros comem
com calma, você precipita-se na gulodice.
Veja, não acha que o que seria para duas mulheres está tudo consigo)?
Recolhidos do balaio onde incomodamente se alojaram para aturarem a zaragata
ritual, são devolvidos à Nonjamba ora desamarrada que, encabeçando a fila indiana
com o balaio sobre a cabeça, os recém-nascidos nas mãos e o marido atrás com a varra
Cultura
pendurada sobre o ombro, todos os participantes seguem-lhes de regresso à casa. Postos em casa os bebés são expostos aos participantes e os instrumentos utilizados em todo o cerimonial, são poisados em locais seguros enquanto, jubilosos os progenitores
prestam um juramento público diante dos
seus gémeos, em que manifestam o espírito
conjunto de sacrificarem-se por eles na miséria ou nas doenças.
A fase seguinte das cerimónias consubstanciada no momento de comes, bebes e
danças, começa ao som do batuque com o
fim do juramento. Insultando, no fim da refeição festiva, a Cindakata recebe novamente os bebés e antes de os deitar no mesmo
balaio e lançar-lhes sobre a cama dos pais
deixa os habituais conselhos, com destaque
ao Sonjamba. Eis alguns exemplos:
antes que os gémeos completem o
primeiro ano de idade, a Nonjamba não participa em fúnerais;
na eventual imprescindibilidade,
antes do cadáver sair do interior da casa, a
avó mais-velha uterina encarrega-se deles.
Depois do funeral são obrigados a mamarem um de cada vez, enquanto a avó aconselha-os, por necessidades de lhes justificar a
imperiosidade da participação da mãe ao
funeral pelo que suplica-lhes compreensão.
Em agradecimentos da participação activa da Cindakata e a sua casta, o Sonjamba
doa-lhes parte das oferendas arrecadadas
em toda a jornada. Doravante os pais dos gémeos são autorizados pela comunidade e
parentes a praticarem obscenidades livremente, onde, como e com quem quiserem.
Depreende-se que na maternidade umbundu o nascimento de gémeos torna-se um
fenómeno por se revestir de mistérios, pelo
que o seu cerimonial nem sempre oferece
facilidades de interpretação, por isso a maternidade traduz a força vital comunitária,
da existência à continuidade. Não há matrimónio sem que haja maternidade porque
esta interliga a existência entre as comunidades vivas e os ancestrais, porque com frequência se pode ouvir este dito:
“Kacitile osinsu, kalimile cyevo cakwavo
(miserável é quem não é progenitor, escravo
é quem não tem lavra”)”
Bibliografia recomendada
ALTUNA, P. R. R. A. (1993). “Cultura tradicional
Banto”. 2ª Ed. Secretariado Arquidiocesano de
Pastoral. Luanda.
ALVES, Pe. A. c. s. Sp. (1951). “Dicionário etimológico bundu – português”. Vol. I. Lisboa.
ARJAGO (Armindo Jaime Gomes). (1999).
“Epata Lúsoma. Apontamentos Etno-históricos
Ovimbundu”. Núcleo Nacional de Recolhas e Pesquisas (NNARP). Edição do autor.
ARJAGO (Armindo Jaime Gomes). (2002). “Os
Sobas. Apontamentos Etno-históricos sobre os
Ovimbundu de Benguela”. Benguela
CHILDS, G. M. (1949). “Kinship and character
of the Ovimbundu – being a description”. London.
Dawson of Pall Mall.
GUENNEC, G. c. s. sp., VALENTE, J. F. c. s. sp.,
(1972). “Dicionário português – umbundu”. IICA.
Luanda.
MALUMBU, M. (2005). “Os Ovimbundu de Angola: Tradição – economia e cultura organizativa”.
Edizioni Vivere In. Roma.
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
ECO DE ANGOLA | 7
18 de Abril
Dia Internacional dos Monumentos e Sítios
papel da educação na salvaguarda e valorização do
património em todo o mundo.
As Jornadas à escala nacional
Emanuel Caboco
Conselho Internacional dos Monumentos
e Sítios, mais conhecido pelo acrónimo
ICOMOS (International Council on Monuments and Sites) – Organização Não Governamental Internacional, criada em 1964 –
preocupado com a degradação que, em todo o
mundo, os mnonumentos e sítios estavam a sofrer, entendeu proclamar as Jornadas Internacionais dos Monumentos e Sítios no dia 18 de Abril,
desde 1982.
Embora seja reconhecido que as acções em torno
da conservação, preservação e valorização dos monumentos e sítios devam merecer uma atenção
constante e permanente, neste dia, em todos os
cantos do planeta, realizam-se actividades especiais, com o fim de se proclamar a necessidade e,
díriamos mesmo, a obrigatoriedade de se preservar para as gerações presentes e futuras, um legado que é testemunho eloquente da presença e da
acção humana ao longo dos tempos.
O
O tema do ano 2013
São, anualmente, proclamados lemas ou temas que
devem articular o conjunto de acções e actividades em torno do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.
Este ano, as comemorações da efeméride, foram e
continuam a ser realizadas sob o signo da Educação
Patrimonial. O ICOMOS propôs o tema “Património
+ Educação = Identidade”, justamente com o objectivo de promover a efectiva ligação entre as realidades locais, regionais, nacionais e internacionais e o
Tem se registado no nosso país, algumas iniciativas
institucionais e privadas com o objectivo de se alargar
a discussão sobre a importância da Educação Patrimonial no processo educacional / pedagógico, como
propulsora de novas tendências e práticas preservacionistas do Património Cultural. Uma dessas iniciativas foi, efectivamente, a realização, recentemente, pelo
Ministério da Cultura, de uma conferência internacional sobre a Educação Patrimonial.
Ao ter sido escolhido este tema, reforça, cá entre nós,
a chamada de atenção para o facto de que, de um
modo em geral, a deficiente preservação e valorização do Património Cultural no nosso país, se dá também, pelo desconhecimento que a maior parte da
população possui relativamente à essa questão que,
infelizmente, ainda, não é tratado no círculo escolar.
Contudo, no nosso País, as comemorações da efeméride, têm tido, nos últimos anos, maior incidência na
elaboração de legislação, nas acções de identificação,
inventario e classificação dos monumentos e sítios
que são considerados de valor histórico, cultural ou
paisagístico. Outras acções de promoção e sensibilização também têm espaço, desdobrando-se na identificação o património com placas de classificação,
palestras, exposições temáticas, etc, etc...
Apesar de todo o esforço envolvido na protecção e valorização do património, é bom dizer-se, que ainda
estamos muito longe daquilo que é, efectivamente,
necessário fazer para que se possa garantir a sua subsistência. Pois, os desafios que hoje se colocam, não
sómente ao Estado mas tamém às comunidades, são cada vez mais intensos,
sobretudo porque estamos cada
vez mais, confrontados com
tendências
radicais,
como a destruição,
descaracterização e vandalismo que afectam sistemática e cruelmente o património.
A efeméride tem, portanto, a mesma importância e
significado que têm as outras, como são o “Dia Mundial da Saúde”, o “Dia Mundial do Turismo”, o “Dia
Mundial do Ambiente”, etc.….
Os indicadores nacionais
Actualmente, figuram na Lista do Património, mais
de duas centenas de bens tombados (classficados)
em todo o país, destacando-se vários monumentos
(de arquitectura militar, civil, e religiosa) zonas e sítios históricos, mitológicos, paisagísticos, culturais,
estações arqueológicas e de arte rupestre, etc.
Uma outra lista refere-se ao Património Inventariado
(entenda-se em vias de classificação) com uma cifra
com mais de dois mil bens.
Os tratamentos de levantamento, identificação, inventario e classificação prosseguem, tendo tomado
um maior incremento com o lançamento, pelo Ministério da Cultura, com o concurso do UNESCO e dos
Governos Provinciais, da “Campanha Nacional de Levantamento do Património Arquitectónico, Histórico,
Cultural e Natural” em toda extensão do território angolano.
É importante, no entanto, que, a
par dessas acções, sejam desencadeados esforços conjugados no
sentido de, junto dos distintos
segmentos da sociedade civil e
das autoridades do país, se difundir a importância do
património e as vantagens sob os pontos de vista político,
económico e social
da sua conservação, preservação e
valorização.
8 | LETRAS
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Leonel Cosme, perfil biográfico
Cultura
A literatura angolana deve-lhe muito
João Serra
L
eonel Cosme, natural de
Guimarães
(Portugal,
1934), jornalista, escritor,
poeta e investigador literário, viveu durante três dezenas e
meia de anos em Angola, tendo sido
fundador e organizador, conjuntamente com Garibaldino de Andrade,
a partir de 1960, das Edições Imbondeiro de Sá da Bandeira (hoje,
Lubango). O programa editorial, sua
justificação e objectivo, era de comprometimento com a promoção da
nova literatura que então ia sendo
feita em Angola por criadores literários sem possibilidades de dar à es-
tampa as obras que produziam, que
quase geral iam parar à gaveta por
falta de meios editoriais no país, salvo no caso de autores comprometidos com o regime colonial, cujos livros eram impressos em Lisboa.
No entanto, um crescente manancial de títulos, em muitos casos
com subjacente cariz político e de
defesa dos valores nacionalistas por
uma geração de jovens já nessa altura envolvidos com uma atitude contestatária relativamente ao colonialismo, depressa começou a ser alvo
de represálias por parte do regime
de António Oliveira Salazar e das autoridades da província.
Pela Imbondeiro foram editados
autores não apenas de Angola, mas
também
da
Metrópole
do
império,do Brasil e das restantes
colónias, em edições próprias, mas
pelas suas várias antologias de prosa e poesia passaram nomes que viriam a ter grande notoriedade literária, como António Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António Jacinto,
Luandino Vieira, António Cardoso,
Mário António de Oliveira, Costa
Andrade Ndunduma, Aires de Almeida Santos, Alexandre Dáskalos,
Arnaldo Santos, Domingos Van-Dúnem, Ernesto Lara Filho, Alda Lara,
Henrique Abranches, Henrique
Guerra ou Mário Pinto de Andrade,
alguns dos quais cumpriam nessa
altura penas de cadeia em prisões
políticas coloniais.
Por isso é que as Edições Imbondeiro, com livros de baixo custo gráfico para chegarem às livrarias e aos
potenciais compradores a preços
acessíveis, constituíram um marco
particularmente importante na edição da literatura angolana na década de 60, revelaram uma diversidade espantosa de novos autores e publicaram as suas obras independentemente de serem, ou não, afectos
ao regime. A 1.ª Canção do Mar e
Duas Histórias de Pequenos Burgueses, de Luandino Vieira, foram
ali publicadas.
Entre outras actividades cultu-
rais e cívicas, como a formação de
jornalistas de rádio e frequente participação activa em eventos literários, sociais e regionais na Província
da Huíla, Leonel Cosme trabalhava
em Sá da Bandeira na área da comunicação social. Após 30 anos em Angola, regressou a Portugal e prosseguiu, no Porto e em Lisboa, a actividade jornalística que já desenvolvia
em Angola na Imprensa e na Rádio.
Em 1990, retirou-se do jornalismo
profissional para se dedicar exclusivamente à actividade literária, com
colaboração em jornais e revistas da
especialidade, continuando a escrever obras de ficção e ensaio histórico-literário. Tem participado em
congressos, seminários e colóquios
promovidos por institutos universitários de Portugal, do Brasil e de Itália. Em trabalho de investigação,
deslocou-se duas vezes ao Brasil,
com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. É colaborador
da Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa.
Leonel Cosme “A Lusofonia começou com as Edições Imbondeiro”
Entrevista de João Serra
Fotos de Arquivo
Jornal Cultura: As Edições Imbondeiro, do
ponto de vista político e literário, foram uma
verdadeira pedrada no charco da estagnação
editorial no início da segunda metade do século passado. Que critérios de selecção de originais e autores presidiram ao lançamento desse
movimento cultural?
Leonel Cosme: Objectivamente, preencher o vazio editorial existente após a extinção da revista CULTURA da Sociedade Cultural de ANGOLA; subjectivamente, dar voz aos
silenciados escritores e poetas consagrados e
aos novos que só aguardavam uma oportunidade para dizerem, como Agostinho Neto,
“Nós somos”.
Cultura: Estava-se em Sá da Bandeira
(hoje Lubango), num período particularmente
policiado pelas autoridades portuguesas e seus
mecanismos repressivos contra a liberdade de
expressão, devido ao início de movimentos de
libertação nacional e de guerrilhas nas colónias. Foi difícil escapar a esses espartilhos?
LC: A nossa estratégia era, mediante um
ecletismo temático, que implicava confundir
alhos com bugalhos (arriscando sermos criticados, ainda hoje ), ainda durou cinco anos, até
a PIDE/DGS dizer: “Basta”.
Cultura: Que autores deram o pontapé de
partida nesse movimento editorial e qual o flu-
xo de obras publicadas pela Imbondeiro até ao
final do projecto?
LC: A partida deu-se com a adesão à ideia
lançada pelo Garibaldino de um grupo de jovens escritores cujas profissões os fixaram no
Lubango. Num capítulo do meu livro Agostinho Neto e o seu Tempo conto a longa história
da IMBONDEIRO. Mas foi rapidamente uma
adesão mais vasta dos leitores que levou as
suas publicações a todos os territórios de língua portuguesa (incluindo o Brasil). As tiragens chegaram a atingir 2.000 exemplares.
Cultura: Você e o Garibaldino de Andrade
foram incomodados várias vezes pela
Pide/DGS. Foi isso que determinou o fim das
actividades de edição de livros, em geral de autores que também se situavam à margem da
ideologia fascista das autoridades coloniais?
LC: O Garibaldino escapou à acção directa
da PIDE/DGS porque, sendo professor, nunca
se envolveu em actividades políticas, o que não
foi o meu caso, publicamente comprometido
com a participação na campanha eleitoral de
Humberto Delgado.
Cultura: Qual era o âmbito da distribuição
dos livros?
LC: Assinaturas, principalmente, e vendas
nas livrarias.
Cultura: As edições também estiveram
acessíveis a poetas e escritores de outros (futuros) países de língua oficial portuguesa. Nesse sentido, as Edições Imbondeiro eram muito
solicitadas?
LC: A “Lusofonia” começou com a IMBONDEIRO. Mercê de referências abonatórias feitas por críticos reputados como Manuel Ferreira, Eugénio Ferreira, Carlos Ervedosa e
Antero de Abreu – e de todos os jornais - as
nossas publicações atraíram autores de várias origens.
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
Cultura:O que faltou para voos mais altos?
LC: Faltou tempo para acolher todos
quantos desejariam participar na empolgante
aventura.
Cultura: Para além de obras individuais
de autores, a Imbondeiro também organizou e
publicou antologias. A distribuição e divulgação dessas publicações ultrapassaram as fronteiras de Angola.
LC: As antologias, de contistas e poetas –
CONTOS D’ÁFRICA e MÁKUA – foram tão longe
quanto a “Colecção Imbondeiro”, não obstante
a PIDE/DGS ainda ter apreendido alguns
exemplares que restaram nas nossas instalações, onde apreenderam todos os documentos
existentes, incluindo originais à espera de publicação.
Cultura: Você próprio editou vários livros de sua autoria sob esta chancela. Haveria
outras alternativas de publicação, dentro ou
no exterior de Angola?
LC: Na altura não precisava de mais.
Cultura: À margem da actividade editorial
eram promovidas outras iniciativas culturais?
LETRAS | 9
LC: Colaborámos, pessoal ou institucionalmente, com todos os organismos culturais
existentes no Lubango – Departamento Cultural do Município, delegação da Sociedade Cultural de Angola, Cine-Clube da Huila, Teatro
Experimental, Circulo de Cultura Musical, etc.
– além dos jornais e rádios locais.
Cultura: Olhando à distância, como avalia hoje a importância das Edições Imbondeiro? Ajudaram a despertar consciências e foram estímulo para um crescente surgimento
de mais obras e autores?
LC: Responderei com o juízo de Eugénio
Ferreira, expresso no seu livro Espiral Literária, editado pela SCA em 1989: Centrados em
quatro frentes, a Associação dos Naturais e a
Sociedade Cultural de Angola, em Luanda, Edições Imbondeiro, no Lubango, e a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa e Coimbra, a
juventude angolana cumpriu corajosamente o
seu dever cívico e histórico.
Citação
REGRESSO DE ANGOLA À ÁFRICA
“Até à independência, vivi durante 25 anos
numa Angola que pensei pudesse vir a ter uma
matriz fundadora da nacionalidade realizada
numa espécie de sincretismo cultural, em que
a língua portuguesa desempenharia um papel
de intermediário neutral entre as diversas culturas nacionais em presença e de ponte com o
mundo exterior, nomeadamente com os países onde se falava a língua portuguesa. Em
1960, quando a editora IMBONDEIRO surgiu
em Sá da Bandeira, e depois até à sua extinção,
em 1965,devidoàintervençãoda PIDE, ainda
não estava institucionalizada a Lusofonia, mas
era com a convicção de que a à língua portuguesa estava reservado
um importante papel no futuro
que Garibaldino e eu próprio aceitamos meter ombros a uma iniciativa que, sem capitais nem apoios
institucionais, nos absorveu totalmente durante cinco anos, afectando sobremaneira as nossas vidas pessoais.
Essa convicção, e a de que a futura cultura angolana se deveria
desenvolver em clima de verdadeiro eclectismo, foi expressa de
muitas maneiras: bastará ler os
“propósitos” com que inaugurámos as várias colecções. A eclosão da luta de libertação nacional e o até certo ponto compreensível, mas excludente, es-
pírito nacionalista que se desenvolveu a partir
daí tornaria a IMBONDEIRO “inadequada aos
olhos do sector mais “ortodoxo” desse nacionalismo, que não dissociava a literatura da acção política. Ora, tendo embora convicções políticas definidas, tanto eu como o Garibaldino,
coincidimos na orientação que convinha a
uma editora “lusófona” que não se propunha
investir contra moinhos de vento. E mesmo
assim, viu-se o final.
Os outros cinco anos da minha vivência em
Angola já independente, entre 1982 e 1987,
levou-me a refazer o pensamento anterior a
1975:
abjurando o modelo sincrético, Angola regressa à África. E como, seguindo o sábio princípio
de que “a quantidade determina a qualidade”,
não será mais de luso-tropicalismos, croulidades ou outros quejandos que temos de falar
agora, mas de africanidade, isto é, do direito
de um povo se reencontrar a partir das origens.”
(Leonel Cosme, excerto de palestra em conferência literária)
10 | Letras
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Viriato da Cruz
Cultura
Metáforas e retalhos da vida
de um poeta por ocasião do seu 85º aniversário
E
ntre os poucos seres humanos que, pelos seus feitos, conseguem da lei da morte se libertar, estão alguns poetas. Apenas alguns.
Não pela sensibilidade própria da arte, mas pela forma como a encaram e pela leveza com que a produzem. Entre esses poucos
seres, no caso de Angola, está Viriato Francisco Clemente da Cruz, o conhecidíssimo poeta Viriato da Cruz, que, se estivesse entre
nós, apagaria 85 velas no dia 25 de Março. O mês da poesia.
A. Fragoso Trindade
Natural do Porto amboim,
província do Cuanza-sul, Viriato da Cruz era filho de ana Cruz
e de abel Cruz, dois mestiços, e
tinha três irmãs. O seu pai era
um indivíduo abastado, possuidor de propriedades agrícolas e criador de gado. esse
facto fez com que se lhe recusasse o pedido de bolsa, depois
ter concluído o sétimo ano do
liceu – episódio que o marcaria
para toda a vida.
Com a separação dos pais, Viriato passou a viver com a avó - a
velha que, segundo Mário Pinto
de Andrade, seria a responsável
pela carga de angolanidade que o
poeta carregava nas veias.
Um ser incomum. Amigo dos
seus amigos. Tão amigo que, como que prevendo o seu futuro,
selava as suas amizades com pacto sagrado. Umas vezes cumprido, outras não. Tal aconteceu,
quando mais novo, com o amigo
Tomas Jorge, filho do poeta das
noites tropicais, e mais tarde,
aquando da sua estadia no hospital Maria Pia, por ter contraído
tuberculose, com Mário de Andrade, mais ou menos em 1944.
Tão atencioso com os seus, ao
ponto de receber o jovem Serrano em sua humilde casa e pô-lo
sentado à sanita para conversar,
para ouvir as suas inquietações,
enquanto a família dormia.
Aquela terrível doença levou-o à
cidade do Lubango, lá os ares são
outros, muita fruta e leite fresco.
Para se distrair, trabalhou na secretaria do Liceu Diogo Cão, a
Mandume do nosso tempo. Seria
essa terrível doença, que se aproveitando das suas debilidades física e espiritual, a responsável
pelo seu prematuro desenlace do
teatro da vida. Tão cedo que ele
desapareceu! Apenas com 45
anos! Somente o florir das acácias!
Foi um intelectual do mais alto
calibre. A princípio preocupado
com as coisas da terra, talvez estrategicamente como trampolim,
Um ser incomum. Amigo dos
seus amigos. Tão amigo que, como que prevendo o seu futuro,
selava as suas amizades com
pacto sagrado. Umas vezes
cumprido, outras não
e, depois, assumidamente engajado na luta pela independência.
Foi o criador e guia intelectual
do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola ao lado de António Jacinto, aquele, o pequeno
mas resoluto. Movimento que
pretendia descobrir Angola. Para
materializar o seu projecto, escreveu as primeiras e as mais belas peças de poesia genuinamente angolana. Somente onze poe-
mas chegaram ao nosso conhecimento. Poucos, sim, mas sem
igual, que lhe rendeu o titulo de o
primeiro poeta verdadeiramente
angolano.
Os textos de Viriato resumem
cabalmente as pretensões do
movimento que criou. Aí, vão
apenas quatro: o poema Sá da
Bandeira é uma apologia às numerosas belezas que encerram o
nossa linda Angola. Terra que
tanto amou!
O poema Makézù é um discurso contra a colonização, os novos
hábitos, assimilação cultural e
tudo de nefasto à angolanidade.
Numa palavra: anti - assimilacionista.
O texto Serão de menino representa a assunção de uma posição vincadamente africana.
Talvez tivesse dito: - chega de fábulas de Jean de la Fontaine. O
nosso fabulário é melhor!
Em Só Santo, Viriato, dramaticamente, critica os emergentes
sociais de Raça, os novos ricos,
que usavam o dinheiro é a influência para prostituir as Bessanganas e apadrinhar muleques, que, em muitos casos, eram
gerados por eles. Diz à boca miúda que o pai do poeta também tinha musseques e mais musseques, que era amante de Bessanganas de verdade e que também
foi visto a descer a calçada com
bengala na mão e cachimbo apagado.
Em Mamá negra – Canto de esperança o poeta diz: eu conheço o
drama da minha gente. Eu sinto a
vossa dor, meus irmãos! O que diria um amigo dos velhos tempos.
Estava atento ao movimento da
terra.
E, para não cansar, vou terminar com o famosíssimo, o bem
afamado Namoro. Aparentemente o poema é apenas uma balada
sentimental, em que o predicador procurar, por todos os meios
a seu alcance, conquistar uma
linda moça - de certeza. Com este
poema, Viriato atinge o auge dos
seus desígnios. Assume radicalmente uma postura oposta a que
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
fora formatado nos tempos do liceu. Demonstra um profundo conhecimento de Angola ao fazer
referências à sua fauna e flora.
Conhecia as estações do ano.
Eram apenas duas: a das chuvas
e a do cacimbo. O sol começa a
brilhar mais em Novembro, dando calor ao sumo das mangas e
ajudando as acácias a florirem.
Conhecia a finura do algodão que
se produzia em Angola por angolanos. Sabia que o jambo era o
mesmo que moreno, por isso o
comparou com o corpo dele. As
rosas são universais, pertencem
à humanidade. Não mais a pêra
ou a uva, ele conhecia o maboque, que era tão rijo e tão doce, e
laranjas, atenção: laranjas do Loje, ali no Kimuala, grandes, redondas e gostosas! Os dentes, de
uma beleza sem fim, eram marfim. Era necessário abandonar
aquele mundo de ilusões. Temos
os nossos deuses e avô Xica era
uma das seus representantes cá,
na Terra. Então o reencontro
consigo mesmo fez mudar o rumo dos acontecimentos. Distante das valsas, nos bailes dos sábados infalíveis, ao som da rumba e
entre o aplauso dos convivas,
Benjamim atingiu o seu desideratum. Era necessário cumprir
com certos princípios culturais,
pois a moça poderia ser tida por
leviana, dizia Óscar Ribas.
Depois deste tempo de pura
magia, resolveu sulcar outros
mares, impelido, talvez pela idade e por outras causas. Tinha
crescido. Já tinha 27 anos. Era
um homem feito. Fundou, com
dois amigos, o Jacinto e o Mário
António, o poeta precoce, que leu
Jubiabá e acreditou que era António Balduíno, o Partido Comunista Angolano, por influência
dos mais velhos da Liga, da qual
LETRAS | 11
foi um fiel frequentador, mas, debalde, não teve pernas para andar, morreu à nascença. O mundo
é assim. Dizia um mais velho barbudo: - É selecção natural.
Mais uma chuva, apenas uma.
Novos amigos, outras conversas
e saia à luz, em 1956, o mais apurado documento, que sintetizava
as aspirações de um povo cansado de sofrer. Nesse tempo, o africano escorria como um saco de
sal. Cinco longos séculos de escravidão. Esse documento é o tal
Manifesto, que dizia que era necessário criar um Amplo Movimento Popular de Libertação de
Angola, do qual, depois de ter resistido a pressão do parto, Viriato foi o seu primeiro secretário.
Esse magnífico documento foi levado, há pouco tempo, à Espanha
por um amigo, o JL, para um breve debate, e o resultado foi extraordinário: os académicos levantaram serias dúvidas sobre a
autoria do texto e do período da
sua elaboração. A exposição e a
clareza das ideias são geniais.
Era muito avançado!
Deixou de escrever poesia,
não se sabe do livro de filosofia
bantu que pretendia escrever, e
dos seus desenhos, ninguém não
se fala, e foi. Foi para Europa, embarcado no Paquete Uige, em
1957, alegadamente porque os
problemas de saúde se tinham
agravado. Participou em congressos, conferências, fazendo
de porta-voz dos seus patrícios.
Em fim, voltou a África. Veio a
confusão! Procurou refúgio entre os seus, pelas bandas do norte. Não resultou. Rumou para a
distante e imensa China. Não
mais voltou. Partiu para a eternidade. Era 13 de Julho de 1973.
«E pela sua obra valerosa, conseguiu da lei da morte se libertar.»
12 | LETRAS
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Cultura
Manuel Rui, o maior griô da banda,
põe na zunga Kitandeiras & Aviões
S
José Luís Mendonça
Foto: Paulino Damião “50”
empre o disse em surdina, mas agora revelo-o à boca cheia: o Manuel Rui é o maior griô da banda. Conta descontando
falas na boca do povo. No mês de Abril, colocou na zunga Kitandeiras e Aviões numa única bacia cheia de novas palavras antigas. E o que parece escrito é masé falado no papel, as palavras montam o filme, a rua vem a rodar na câmara
dos nossos olhos, se projecta no próprio real, mas no fundo é ficção, é imaginário, é invenção da nua verdade.
M. Rui nos oferece a sua mais recente bacia de palavras: KITANDEIRAS E AVIÕES.
Kitandeiras essas que são do M. Rui e
aviões tais que não pertencem ao M.
Rui. As kitandeiras até nem são do M.
Rui, as kitandeiras são o M. Rui, ele ainda. Estão dentro do espírito dele, de tal
modo que ele as xinguila na sua prosa,
mas este xinguilamento não é de agora,
já o vi em anos recuados, por exemplo,
no conto Mana Parabólica e nas crónicas da Maninha.
Nestas seis estórias: Cem Metros, O
terreno, O Preço é́bom, pai!, O Vietcamba, Sábado e Os pés e os Sapatos vemos
como, para tecer essa arte de bem escrever, o autor convive com esses personagens, para poder captar-lhes as nuances, reforçar-lhes as identidades, ou criticar-lhes o comportamento burguês.
III. Realismo feiticista
Dentro de uma perspectiva utilitarista e hedonista que é o prazer de ler e viver a narrativa, como no cinema, a minha condição de poeta impera e realizo
uma abordagem com sentido artístico,
uma possível fuga aos critérios da teoria
geral da literatura. Nestes seis contos
de Kitandeiras e Aviões, de M. Rui, tratase ainda da invenção (feiticista) do real
(vejam que eu, longe dos meandros da
teoria da Literatura, não falo da clássica
recriação literária, mas da invenção do
próprio real, coisa que só os feiticeiros
da palavra conseguem).
Todo este exercício provém do propósito de dar continuidade a uma literatura africana autóctone, na linha dos mestres que nos antecederam, como Chinua
Achebe, Amadou Kourouma, António de
Assis Júnior, Agostinho Neto, Luandino
Vieira, Óscar Ribas e outros.
Manuel Rui recorre a um realismo
mágico de cariz natural inserido na normal factualidade da narrativa. Aqui deparamos com um Manuel Rui embarcando genialmente, qual griô pós-tradicional, na narração de estórias inverosímeis ao nosso entendimento materialista do mundo, mas capazes de fascinar
as nossas almas sedentas de sonho e
imaginação.
De referir a fluidez e o paroxismo do
estilo de lava quente e de água do mar de
Kitandeiras e Aviões, que ora arde em
sarcasmos mordazes, ora se evapora em
doce maresia com descrições do ambiente e cenas de volúpia e de solidariedade humana. Manuel Rui, no dizer de
Marta de Oliveira, “opta por uma estrutura narrativa simples e atraente, escrevendo no registo da oralidade quotidiana. (…) Um dos elementos que contri-
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
buem para emprestar ao estilo de Ma¬nuel
Rui a sua modernidade e intemporalidade
é, sem dúvida, a sua re¬lação com a língua
falada, tanto no vocabulário como na sintaxe.” A este processo, a autora em referência
chama de “coloquialismo” que permite “um
melhor enquadramento da realidade descrita no cenário da rua e do quotidiano”.
Este elemento chamado coloquialismo,
uma invenção do português angolanizado
(linguagem popular) traz uma intencionalidade subjacente que é a de consolidar
uma literatura angolana autóctone. Temos
aqui, portanto, nesta técnica narrativa do
realismo feiticista os seus fundamentos
tele-axiológicos, na identidade cultural da
narrativa e no seu discurso.
E constatamos, por isso, que a prosa
destes missossos axiluandas é, como sempre, escrita com tal paixão que as palavras
se arrumam como quem arruma frutas
nas bacias sobre o passeio. Cheira-se-lhes
o aroma, vê-se-lhes a cor, apalpa-se essas
frutas no pregão das quitandeiras que se
transfigura do lídimo pregão para o andamento cadenciado e itinerante do discurso narrativo.
Luanda é Hollywood, madeira sagrada
onde o povo (quitandeiras, zungueiro(a)s
e kinguilas) se purifica crucificado a um
destino “normalizado” pelo acontecer do
Estado-Nação.
“Segunda-feira não era dia de bom
negócio, chegavam mais tarde e contavam,
umas para as outras, coisas do fim-de-semana. Ainda as que haviam feito sábado e
manhãde domingo narravam do negócio
nesse tempo e, por isso, confirmava-se que a
polícia também relaxava um pouquinho, às
vezes, avisadas por telefonema ou candengagem, jáescon- didas em quintais, viam o
carro da polícia passar rápido e os agentes,
como dizia Dina, “com cara de segunda-feira,” e Zulmira interferia, qual cara de segunda-feira, as mulheres deles não prestam, sódão no fim-de- semana, se fossem
como eu, todos os dias, eles não tinham
força para correr,” e Nana dava um acrescento,“por isso éque vocêanda devagar de
cansada da cama e foi agarrada, ai meu
Deus! Ah! Ah! Ah! Ah! Tenho de ir àtelevisão
representar nas Conversas no Quintal ou lá
que é!” (Cem Metros)
Kitandeiras & Aviões é o mesmo Manuel
Rui (MR) da gozação de sempre, com o sol
a lhe brilhar nos olhos cortantes e a reluzir
nos pelos da barba hochimínica, em permanente vigília popular. MR escreve asfalbetizada prosa entre a avenida engarrafada e o passeio esburocratizado.
“... as quitandeiras avaliaram a situação,
os engarrafamentos tinham aumentado
porque os chineses haviam colocado uns
marcos sinalizadores, listados na vertical a
vermelho e branco que eram deslocados
quando os trabalhadores precisavam de
atravessar qualquer dos lados da avenida,
isso ia dificultar o trabalho da polícia,...”
(Cem Metros)
Os dedos do poeta continuam a debitar
no papel uma farra literária com mufete
de palavras a convidar o leitor para a esteira onde o próprio MR está sentado de
LETRAS | 13
sandálias nos pés e boné na cabeça. Com
ele vem sempre a candengagem, esses
piôs que fazem a alegria da nação, na sua
palavra de sonhar ser grande.
Emociona o jeito com que M. Rui termina as suas estórias, como aquela do Quem
me dera ser onda, sempre no seu jeito poético, de nos manter colados à narrativa, a
imaginar a marcha atrás até ao infinito das
palavras.
O resto do povo enche o quintal, lhe chama “Pai, poeta “. Este “povo (que) se acrescentou na gozação”. O mufete tem condimento de jindungo caombo: guerra de polícias contra a zunga, nota saliente desta
Luanda que desfila assaltos a bancos, sábado mágico, som altissonante das farras,
geradores, banquete de festas, esquemas,
fofocas, vietcambas e chineses do internacionalismo proletário, as mulheres mães
deste mundo e o mar, o eterno mar que enche a alma de evasões. Falas de uma cidade camponesa, onde Cem Metros é heroína zungueira que amarra o polícia jovem
pelas artérias do coração.
“O polícia levantou-se e, de novo, consultou o relógio. Ela insistiu: “Porquê?”
“Porque gosto de ti.”
“Ai meu Deus! Nunca pensei que um
polícia me gostasse.Atéque
estou atrapalhada.”
“Atrapalhada mais porquê?”
“Porque também gosto de ti! ah! Ah! Ah!”
Ligou o celular, “tia Sara,
de mim? Pois. Campeão de atletismo na
policia, tia. Estáaqui e afinal éum candidato para, sóum minuto, tia,” e virou-se para o
polícia:
“Épara casar na igreja?”
Ele estava cabisbaixo a olhar para o
relógio.
“E as alianças, como é? Ah! Ah! Ah! Ah!”
Ele abriu uma ausência nos braços sem
levantar a cabeça.
“É, tia, para casar na igreja, desculpe,
madrinha, xau. Porque éque
você está a chorar? Vejam só! Agora é
que as minhas colegas vão me chamar pior
que mentirosa mas maluca. Um polícia a
chorar? Valha-me Nossa Senhora do Cabo!”
(Cem Metros)
E aqui apetece ao leitor imaginar outro
conto, dar continuidade à estória inventada pelo escritor. Depois de casados, como
iriam conviver o polícia e a kitandeira chamada Cem Metros?
Futungo de Belas, 17 de Abril de 2013
14 | LETRAS
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Cultura
Sabina e os Manuscritos do Kuito
Pepetela
E
ste último romance de Arnaldo Santos,
Sabina e os Manuscritos do Kuito, vai
certamente confundir à primeira vista
alguns leitores, por aparentemente fugir à temática e forma que tem usado até agora. Embora, se quisermos prestar atenção ao seu percurso de escritor, não haverá de facto razão para
admirações. Neste livro, Arnaldo Santos trata
assuntos sérios, tão sérios como a morte ou como o que fica para lá dela, e isso é assunto sério
mesmo. E trata com delicadeza, embora os
mais distraídos vejam apenas ironia, ligeireza.
Porque ele usa a ligeireza como um disfarce, espécie de manto protector, uma segunda linguagem que precisa ser decifrada. E que o assunto
é sério demais já vamos ver, pois se trata do
nosso passado recente.
Em 1992 houve as primeiras eleições em Angola, e, como todos sabem, apesar de tantas interferências, umas bem intencionadas mas impotentes e outras absolutamente malévolas
mas eficazes pela muita experiência de manipulação adquirida em outras partes do mundo,
o resultado das eleições foi repudiado por um
dos partidos com secretos apoiantes poderosos e a guerra civil retomou e se tornou mais
mortífera do que nunca. Não se puderam contar os mortos, nunca se terá uma estatística segura, mas foram muitos, demais. E uma das
províncias que mais sofreu foi o Bié, exactamente de onde saiu o senhor da guerra que
queria repor a verdade das eleições, como dizia, e se fala no livro. Foi no Bié que se assistiu
ao cerco dos nove meses, o terrível bombardeamento da sua capital, transformada num monte de escombros e horror num nunca mais acabar de tempo atrás de tempo. Nove meses.
A população do Kuito, cercada, apenas com o
apoio das forças armadas ainda em processo
de formação, sedeadas no Kunje e em poucos
bairros da cidade, sofreu não só os bombardeamentos e os tiros dos snippers (ou fagulhadores, como aqui se apresenta), como a mais tremenda fome, obrigada a comer tudo o que mexia, até não haver mais nada vivo, nem cão nem
gato nem rato nem barata, a fazer sopa de folhas de mamoeiro, até todos os mamoeiros desaparecerem, a inventar raízes onde já nem as
raízes se escondiam, a arriscar todos os dias a
vida para procurar um pouco de água. Pior de
tudo, talvez (e digo talvez porque é impossível
adivinhar o que é pior em tanto sofrimento e
desespero) enterrar os familiares mortos nos
quintais e depois nas ruas e em qualquer sítio
onde se podia enterrar alguém, mesmo precariamente. E conviver com os seus mortos, sepultados no meio dos bombardeamentos, às
pressas, apenas para os esconderem dos olhos
dos viventes. Famílias inteiras liquidadas, um a
um, até o último ficar insepulto, por não encontrar coveiro. Não é fácil imaginar isto, nunca
o foi, e durante meses seguimos a tragédia pela
voz de um herói da Rádio Nacional, que é muito
justamente referido no livro. Também, como
Arnaldo Santos diz no romance, “o morticínio
do Kuito, a que os defensores dos direitos humanos tinham assistido de camarote sem mexer uma palha…” Sim, o mundo assistiu, uma ou
outra figura pública lamentou mais ou menos
hipocritamente, depois olhou para o lado, pois
os sitiados pertenciam à maioria que devia perder se não as eleições e a razão, pelo menos a
guerra, para que as suas teorias vingativas e
ambições se realizassem. Azar, as previsões falharam, antes e depois. E sempre. Ficaram os
chamados danos colaterais, milhares e milhares de crianças desventradas, a pesar nas consciências.
Terminada a guerra, em 2002, dez anos depois de começar a chacina do Kuito, procedeuse à remoção dos cadáveres sepultados em todo o lado para lhes dar um enterro condigno. É
à volta desse trabalho de remoção e sepultura
que este livro vai tecendo a sua teia de mistérios e explicações.
É criada uma comissão para organizar a tarefa. É verdade, temos a mania de criar comissões quando queremos atirar os problemas para baixo do tapete e depois esquecemos os seus
resultados ou sugestões. No entanto, naquelas
circunstâncias, dada a delicadeza do assunto,
havia que juntar diferentes cabeças, experiências e sensibilidades, pois se tratava com os
corpos dos falecidos mas também com as dores
dos sobreviventes. E, ao serem confrontados
com o início dos trabalhos, factos estranhos começam a acontecer, melhor dizendo, continuaram a acontecer, pois desde 1992 nunca pararam de existir coisas e comportamentos para lá
do entendimento humano. Obviamente, não os
vou aqui desvendar, porque seria tirar ao leitor
o prazer da descoberta.
Direi apenas que Arnaldo Santos cria um
ambiente de sombras onde os vivos se distinguem com alguma dificuldade dos não-viven-
tes, ou talvez sejam as vontades ignoradas dos
não-viventes que conduzem a acção, com vozes
que se levantam da poeira para vituperar uns e
outros, para dar conselhos que nós, os viventes,
não seguimos, pois somos demasiado humanos para os entender. O jogo das personagens
ambíguas permite ir revisitar todo o horror
que a população sofreu só porque fez determinado partido ganhar as eleições na cidade-símbolo. “Sabina e os Manuscritos do Kuíto” trata
portanto de explicar o que se passou na cidade
durante os nove meses de cerco, a partir dos
olhos das vítimas, sobretudo das mulheres,
sem se deter muito nos gestos de verdadeiro
heroísmo consumado todos os dias nos mais
pequenos gestos de viver, sem grandes descrições guerreiras, porque esse não era o objectivo, sem grandes elucubrações políticas, apenas
o essencial para a compreensão do passado tão
próximo e que se começa a esfumar das memórias. O livro aí está para que esse esquecimento
nunca aconteça.
Como não podia deixar de ser, há sempre alguém que se aproveita das falhas dos sistemas
ou das distracções dos outros nas mais inusitadas situações. Também aconteceu no processo
de remoção das ossadas. Por exemplo, trabalhadores que desaparecem do trabalho mas cujos nomes não desaparecem das folhas de salários. O financeiro fica obviamente com os pagamentos não efectuados. Um detalhe apenas
mas para dizer que mesmo em operações complicadas e extremamente delicadas, por mexer
muito com a subjectividade e a memória dolorosa das pessoas, há sempre uns vivaços à espreita de ocasião.
De notar que, se bem que os personagens
principais pareçam ser os homens, dois dos
quais são até antigos militares, um engenheiro
e outro escritor, de facto o que faz mover a acção aparece normalmente por via das mulheres, ou de figuras femininas, sejam existentes
ou não, o que deixa de ser importante, pois o
Kuíto mostrou que nunca mais ninguém poderá viver ou pensar ou sentir da mesma maneira.
E por isso de repente estamos a ansiar por uma
Sabina de sombras e todos os mistérios, uma
Sabina-Mãe Terra.
Suponho ter sido essa a intenção do autor,
mas nem ouso perguntar por ela, aquela razão
que nunca se desvenda, porque está para além
da vontade do escritor, estonteado pela vertigem da criação. Repito, ninguém que conheceu,
mesmo indirectamente, aqueles mambos poderá viver ou pensar ou sentir da mesma maneira depois do cerco do Kuito. Há quem afirme
que muita sorte tiveram os que ficaram cacimbados para sempre, porque fugiram assim do
pesadelo em que sepultaram as almas, deixando livres os espíritos dos mortos inocentes.
Eles, no entanto, estarão sempre nas páginas
da História de Angola, a História dos povos, sejam vitoriosos ou não.
Que cada leitor tire as suas ilações e encontre uma lição de vida. Pois este livro de Arnaldo
Santos apresenta, felizmente, muitas leituras
possíveis. Assim é a literatura.
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
LETRAS | 15
‘Jisabhu’, a transmissão da tradição oral
J.A.S. Lopito Feijóo K.
D
entre os vários títulos que urge reeditar entre nós faz algum tempo, destacamos JISABHU. Obra literária da autoria de Rosário Marcelino também
autor de IBUNDOS VERMELHOS, um modesto
mas significativo caderno de poemas por si mesmo editado em Luanda, no qual a interpenetração ideomática do quimbundo para a língua portuguesa constitui de facto o dado mais saliente.
Publicou igualmente por via da U.E.A a obra
intitulada LOUCURA e QUIMBANDICES sobre a
qual oportunamente debruçaremo-nos. Mas é
sobre JISABHU que neste espaço, ainda que em
reduzidos parágrafos, vimos dar-vos conta.
Trata-se de um conjunto de contos oriundos
da tradição oral que podemos ler em quimbundo e em português, numa edição bilingue, metódica e sobriamente burilados pela pena deste
que, dentre outros propos-se, pela via da recolha de narrativas e não só, perpetuar atraves da
escrita as seculares tradições reunindo na medida do possivel a sabedoria do nosso variado
povo, de muitas nações e uma só, parafraseando o velho poeta António Jacinto também prefaciador do volume em questão.
Cerca de cinco narradores que pela via da
tradição oral e ao longo de sucessivas gerações
(certamente) tomaram contacto com esta parcela da sabedoria popular, contribuiram para
que estas pouco mais que uma dúzia de histórias constituissem uma realidade graficamente
apurada a que o autor simbolicamente intitulou
JISABHU, termo da língua nacional quimbundo
que significa conjunto de contos, fábulas ou
provérbios cujo fim aparentemente recreativo
visa fundamentalmente a formação e consolidação do intelecto dos mais novos tendo em
conta a moralização das sociedades africanas.
Desde os idos da segunda metade do século
(antepassado), um denso laque de precursores
estão para Rosário Marcelino. Dentre outros
podemos citar os nomes de Héli Chatelain, Oscar Ribas e Carlos Esterman. Mais recentemente está também Raúl David o autor da Contos
Tradicionais da Nossa Terra.
Héli Chatelain, com base no seu trabalho
também de recolha, havia feito um estudo comparado da literatura tradicional oral angolana
com a do resto da África, chegando a concluir no
âmbito dos chamados JISABHU que, com frequência, os contos são a explicação de um provérbio, podendo também constituir o provérbio a síntese de uma história. No livro de Rosário Marcelino, tal facto podemos constatar no
final das histórias: Ovos de Jacaré e A Desgraça
Procura o Seu Dono: “Lágrimas de Jacaré se vão
com a água…”
Assim, a mundividência deste conjunto de
textos, requer – supomos! – um sistema muito
caracteristico de auto-interpretação tendo em
conta a multiplicadade dos conceitos no domínio das sociedades tradicionais, partindo sempre da riqueza espiritual e do valor didático da
palavra.
Conforme nos diz o missionário Raúl Altuna,
nas sociedades tradicionais a civilização é essencialmente oral e a oralidade é completada
por ritos e símbolos ineficazes sem a palavra.
Por isso mesmo é que não raras vezes ouvimos
dizer que nas sociedades tradicionais a morte
de um velho significa o desaparecimento de
uma biblioteca.
O autor Rosário sabe, e com certeza muito
bem, da valía e importância do seu trabalho
pois nada impede que se conserve o passado de
que se sustenta o presente.
Finalmente, resta-nos acrescentar que julgamos ser, esta colectânea de contos tradicionais
(conforme o sub-título do livro) um trabalho
cujo mérito, na realidade “dispensa o elogio fácil”, aconselhamos aos nossos leitores uma profícua e subterrânea leitura enquanto ansiosamente esperamos pela reedição da obra e pelos
próximos trabalhos que com certeza advirão da
pena do autor.
O culminar do processo eleitoral na UEA
Carmo Neto reconduzido a Secretário-Geral
Isaquiel Cori
Carmo Neto foi reconduzido a mais um mandato de três anos à frente da União dos Escritores Angolanos, na sequência do pleito eleitoral
realizado no dia 20 de Abril, em Luanda. Os
membros da associação de escritores votaram
ao longo de todo o dia, no culminar de um processo marcado pela tranquilidade.
A Lista A venceu a eleição com 56 votos. A
Lista B, liderada por António Gonçalves, obteve
um total de 24 votos. Foram registados 3 votos
em branco e um nulo.
“Procuramos cumprir com tudo o que está
estatuído e regulado para procedimentos desta
natureza”, disse a escritora Amélia Dalomba,
presidente da Comissão Eleitoral, ao ler a acta
do processo eleitoral e do escrutínio dos votos.
A Comissão Eleitoral foi igualmente integrada
pelos escritores António Panguila, Nok Nogueira, Kanguimbo Ananaz e António Pompílio. O dia
29 de Abril é o da tomada de posse da nova direcção, cujo presidente da mesa da Assembleia-Geral é o escritor Adriano B. de Vasconcelos.
Carmo Neto disse ao jornal Cultura que depois de eleito o Secretário-Geral “deixou de haver listas na UEA”.
Deu a conhecer que é prioridade no seu novo
mandato o reforço da capacidade interna de
realização e produção de programas culturais, a
procura de espaços no exterior do país para promoção das obras dos membros e a descoberta
de novos talentos através de concursos literários e da publicação de originais recomendados
pela mesa de leitura da instituição. Com o apoio
do Governo provincial do Bengo será levado a
cabo um concurso de promoção da leitura.
Referiu que já foram encetados contactos
preliminares para acções conjuntas com a Faculdade de Letras da Universidade Agostinho
Neto e a Universidade Independente e que existe a promessa da CPLP para publicação, em Portugal, de obras de autores pouco conhecidos naquele país.
Entre as acções para a divulgação dos livros
de autores nacionais no estrangeiro está prevista a participação de delegações da UEA na
Feira Internacional do Livro de Frankfurt, Alemanha, e em outras em França, Japão e EUA.
A UEA, fundada a 10 de Dezembro de 1975,
congrega actualmente um total de 122 escritores. O incentivo à escrita, à promoção da literatura, do livro e da leitura são as suas principais
actividades.
v
o
e
16 | LETRAS
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Faculdade de Ciências Sociais
da Universidade Agostinho Neto
Cultura
Publicações científicas
à disposição do público
Isaquiel Cori
A
Faculdade de Ciências
Sociais (FCS) da Universidade Agostinho Neto
lançou, recentemente,
nas suas instalações, em Luanda, o
número 4, volume II, da “Mulemba”,
revista semestral angolana de ciências sociais.
O número tem como temática
central “Múltiplos olhares sobre o
Estado e a Sociedade numa era global” e ajunta, na secção “Intervenções”, as conferências apresentadas
no segundo colóquio da FCS, com o
mesmo tema, realizado em Outubro
de 2012.
A revista, cujo editor é o antropólogo e docente Virgílio Coelho, existe
desde 2011 e reúne textos resultantes de pesquisas científicas e reflexões nos domínios da antropologia,
ciência política, comunicação social,
geo-demografia, gestão e administração pública, história, psicologia
social e sociologia.
De edição esmerada, a “Mulemba”,
através dos números já publicados, oferece aos
leitores uma boa amostra da produção intelectual da FCS e reafirma a sua condição de centro
gerador de saber.
Ao contrário do que se poderia pensar, os textos contidos na “Mulemba” não se encerram no
hermetismo académico e corporativista, não se
refugiam numa qualquer torre de marfim e muito menos se dedicam à inglória empreitada de
descobrir o sexo dos anjos. A leitura da revista está perfeitamente ao alcance do mais comum dos
mortais, seja pela escrita cuidada e acessível ou
pelos temas abordados, em sintonia com o nosso
tempo, a nossa sociedade e o nosso mundo.
Artigos como “A nova geografia eleitoral [em
Angola]: o caso das eleições de 2008”, do cientista político Alberto Cafussa, “O Mali: destruição
de um Estado africano na era global”, do antropólogo Arlindo Barbeitos ou “As ciências sociais
e humanas interpeladas para o desenvolvimento endógeno do continente [africano]”, do historiador Boubacar Keita, além de todos os outros,
enriquecem imediata e necessariamente o conhecimento da nossa actual realidade política,
social e histórica.
A “Mulemba”, efectivamente, apesar de considerada especializada, tem tudo para alargar a
sua circulação além do cicuito universitário. O
espectro das ciências sociais, alás, é tão amplo
que abarca praticamente todas as áreas de interesse da sociedade.
O projecto editorial da FCS vai mais longe.
Prova disso foi o lançamento, em parceria com a
editora portuguesa Pedago, dos livros “O Antigo
e o Moderno: A produção do Saber na África
Contemporânea”, de Paulin J. Hountondji, “A Invenção de África: Gnose, Filosofia e a Ordem do
Conhecimento”, de V. Y. Mudimbe, e ”Sociologia
das Brazzavilles Negras”, de Georges Balandier.
Os mencionados autores são consagrados africanistas com reputação firmada nos meios académicos do continente e não só.
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
LETRAS | 17
Parceria editorial
A Edições Mulemba da FCS celebrou recentemente, com a editora portuguesa Pedago, um protocolo de cooperação com vista à
publicação de conteúdos do interesse de ambas as editoras. A Pedago é uma editora académica
que se tem especializado na tradução e publicação, em Portugal,
de um vasto conjunto de autores
no campo das ciências sociais.
“Esta parceria com a Edições
Mulemba da Faculdade de Ciências
Sociais da Universidade
Agostinho Neto constitui uma oportunidade
de alargarmos o nosso
catálogo com a inclusão
de inúmeros autores africanos e africanistas que não
se encontram publicados em
língua portuguesa. Os seus trabalhos têm a particularidade de
apresentar uma visão endógena do
continente africano, dos seus paí-
ses e das suas problemáticas, ou seja, uma visão construída a partir de dentro”, disse ao
jornal Cultura Pedro Manuel Patacho, editor,
tradutor e responsável da Pedago.
“Acredito que a publicação desses trabalhos e a sua ampla divulgação em Portugal,
tanto nas livrarias como nas universidades
e junto da comunidade científica e académica em geral, constituirá uma grande originalidade, projectando esse pensamento
africano endógeno para o exterior, em língua portuguesa, como há muito vem sendo
feito nas academias francófonas e anglo-saxónicas”, referiu.
Quanto ao facto das editoras francesas e
anglo-saxónicas há muito publicarem autores africanos com uma importante presença nas academias desses países, ao contrário do que aconteceu em Portugal, Pedro Patacho afirmou: “Essa é uma boa pergunta! Mas não tenho nenhuma resposta
para ela. Talvez ela devesse ser dirigida aos
professores e investigadores portugueses
que há várias décadas se têm preocupado
com as questões africanas, que têm as suas
ligações a África, ao meio editorial e a vários centros de estudos africanos, em várias universidades portuguesas”.
Acrescentou: “Eu apenas posso partilhar com os vossos leitores a minha surpresa ao verificar que, com algumas raras e
pontuais excepções, as editoras académicas portuguesas têm simplesmente ignorado o trabalho dos grandes pensadores
africanos cujos contributos para pensar
África para além do africanismo foram notáveis e geradores de uma nova ordem para as ciências sociais em África. Observar o
importante trabalho editorial que fizeram
grandes editoras francesas como a Présence Africaine, a Karthala, a L´Harmattan, a
Puf, entre outras, é simplesmente revelador do atraso português nesta matéria e do
brutal silenciamento de certas abordagens
e autores”.
O editor deu a conhecer que a Edições
Pedago e a Edições Mulemba criaram várias colecções conjuntas - Colecção Reler
África; Colecção Biblioteca de Ciências Sociais e Humanas; Colecção Oficina de Ciências Sociais e Humanas; Colecção Estudos
Angolanos; Colecção Horizontes das Ciências Sociais e Humanas; e a Colecção Incubadora das Ciências Sociais e Humanas.
“Toda a coordenação científica destas
colecções de livros é realizada em Angola,
por professores da Faculdade de Ciências
Sociais da Universidade Agostinho Neto.
Quer dizer, são os colegas angolanos que
definem e recomendam as obras a serem
publicadas. Esse trabalho de selecção prévia dá origem aos nossos planos editoriais
conjuntos para o exercício de cada ano académico, onde também estão integradas revistas científicas”.
Uma vez consensualizado um plano editorial anual o trabalho prossegue em Portugal onde a Pedago faz todo o o trabalho
editorial e gráfico, com o acompanhamento dos coordenadores científicos das colecções. Quando prontas, as publicações são
distribuídas nas livrarias em Portugal e
promovidas junto da academia em Portugal e noutros países de expressão portuguesa. A outra parte é encaminhada para
Angola onde é promovida pela Edições Mulemba da Faculdade de Ciências Sociais da
Universidade Agostinho Neto.
“Os custos da parceria são partilhados. O
objectivo da Edições Pedago e da Edições
Mulemba é claro: queremos ser no futuro
breve uma referência mundial no domínio
da publicação de autores africanos e africanistas em língua portuguesa”, sublinhou
Pedro Patacho, que anunciou, para a segunda quinzena de Julho, a publicação de
livros de Jean-Marc Ela, Axell Kabou e
Teophile Obenga.
18 | ARTES
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Cultura
Magias de Ricardo Paula
Do chão do céu ao azul da alma
E
José Luís Mendonça
u vou comprar uma tela com uma paisagem bucólica de Ricardo Paula para pendurar na minha sala de estar. Das quatro expostas no hall do Instituto Camões, no conjunto da mostra “Magias ou o Azul do Chão do Céu”, fico indeciso entre Cascata e Paisagem IV. Em breve serei muito rico e hei-de comprar esta última. É uma tela dupla para uma só intimidade com a água (o rio)
e a terra inóspita. Será Kalandula? O pincel de Ricardo Paula é extraordinariamente diacrónico em relação à paleta de cores.
Parece um chão que se esfregou em Deus todo-poderoso e lhe desmatou as cores solenes em pedaços de fios infinitos.
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
E hei-de levar também as amendoeiras (a
rosa e a prata) para apaziguar as almas dos
que me visitam e dos que me vivem. Ricardo Paula expressa em traços imperfeitos e
inconclusivos toda a magia e a inocência
que há na alma das crianças a sonhar o dia.
Porque elas é que sabem e sonham/ que o
sonho comanda a vida...
Com essa mesma técnica de falsa imprecisão texturizada, as tintas de Ricardo Paula
modelaram a figura carismática e decisiva,
o olhar promissor e futurista do Presidente
da República, José Eduardo dos Santos.
Ricardo Paula convoca as mulheres brancas para uma solidão corpórea que deixa
ARTES | 19
antever, nos rostos ocultos, paixões secretas e aspirações voluptuosas, a pele dessas
mulheres, todas elas pintadas de trás, põe
em relevo a curva coloquial das bundas, fogo e vinho que acende a alma do visitante.
Nas mulheres negras vê-se o rosto de um
Continente: a perene ruralidade, a colagem
à madeira virgem e ao sonho, à simplicidade, à incontinente procriação.
Entra-nos pelos olhos a força da cascata,
da montanha e da pedra negra.
A arte de tourear é nobre sem a morte do
animal. Por isso, Ricardo Paula des(desenha) o touro. Tourada de cores mentais.
Tematicamente dividida em PAISAGEM
(4 quadros); BOTÃNICA (3); INFÂNCIA
(10); MULHER (17 quadros); HOMEM (4), a
exposição das 38 telas privilegia a figura feminina, seminua, o nú tantalizante, o nú vivo e carnal, como aquele poema de Pablo
Neruda: “Plena mulher, maçã carnal, lua
quente, / espesso aroma de algas, lodo e luz
pisados, / que obscura claridade se abre entre tuas colunas? / que antiga noite o homem toca com seus sentidos?”
As crianças vêm a seguir, como se o mundo fosse um brinquedo gigante, onde elas
sabem brincar com milhões de amigos imaginários que talvez não são deste mundo
cruel.
20 | ARTES
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Hildebrando de Melo:
Cultura
“Porque é que os africanos
permitem ser tratados desta forma?”
R
Matadi Makola
ebento da geração africana melhor posicionada na estética da recepção, Hildebrando de Melo é
do grupo e rumo da novidade de artistas plásticos proeminentes das novas estéticas africanas e
que de forma isolada atravessam em igualdade criadora os temporais supostamente descontrolados do pós-modernismo, atento à elevada fruição artística, à disciplina, ao rigor e à carga fenomenológica das forças ambivalentes do momento de choque entre passado, presente e futuro africano.
Sempre aberto ao desafio de ultrapassar as sequelas históricas que ainda beliscam a explosão artística
africana, este jovem do Huambo entrega-se à luta mais uma vez ao representar o país e o continente numa residência artística a ter lugar de 14 de Maio a 24 de Junho em Manchester, Inglaterra. E foi em volta
desta sua participação que o artista plástico desembrulhou as questões colocadas nesta entrevista:
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
ARTES | 21
M.M - O que aspira e que tese sustenta no seu
trabalho?
H.M - Julgo que a mesma tese de sempre: a vida. De
onde nasce a vida? São sempre as mesmas questões
pelas quais nos debatemos. A existência de Deus. Os
desastres naturais. A fome. São, entre muitos, estes os
motins que sustentam a minha obra. E claro, espero
alcançar o mundo, entrar na grande indústria e mercado da arte contemporânea mundial. Por algum sítio
tem de se começar, primeiro Luanda e depois atingir
outras metrópoles no mundo inteiro.
Matadi Makola - Há sinais de outros artistas
africanos?
Hildebrando de Melo - Que eu tenha conhecimento
não. Julgo ser eu o primeiro africano.
M.M - O que representa para si esta presença na
residência artística em Manchester?
H.M - É uma nova experiência, visto que não tenho
memória de uma situação similar no meu curriculum.
Nunca estive em nenhuma residência artística, vai ser
a primeira experiência, e é também o reconhecimento
de um trabalho que tenho vindo a desenvolver que é
reconhecido. Fico muito contente por isso, também
por serem instituições do estrangeiro a olharem e a
valorizarem a minha obra. Deixa-me um pouco esperançado por serem sinais de que pelo menos estamos
a fazer alguma coisa e a contribuir para o mundo no
domínio da estética pelo diálogo inter-cultural.
M.M - Qual é o objectivo?
H.M - O objectivo é ver e analisar o desempenho artístico de quem está na residência, mudando um artista para outro ambiente: como será? Qual é o seu aproveitamento? São perguntas que nos assaltam, mas julgo que as respostas só vêm a posterior. No meu caso,
eu vivo num meio urbano africano, nomeadamente
Luanda, como será estar em Manchester num meio
mais calmo? Será que produzirei mais, ou menos? Ou
será que a minha obra só se alimenta da urbe de Luanda e da minha cultura? São estas questões que são
boas de fazer e cujas respostas só virão com a experiência, e é isso que vou aproveitar fazer: testar.
M.M - Como está a concepção pictural
do projecto “Vírus”?
H.M - Para ser aceite na residência artística é preciso esboçar um projecto ou uma antevisão do que vai
ser o trabalho que farás. Então eu escolhi este tema,
por também ter chegado a altura que a minha pintura
começa a ficar com esta dinâmica, mais viral. Daí ter
escolhido este título. A minha pintura está a passar
por uma fase peculiar, ficou mais amorfa como um vírus que se encolheu, tem mais linhas rectas nos fundos. Tem e ficou com outra dimensão ainda mais universalista. Usando termos científicos, é como um vírus que esta hospedado e vai se integrando e desintegrando.
M.M - Participação artística africana na cena
mundial: época, mentalidade e o artista plástico.
H.M - Eu julgo que nos é negado um pouco a existência e afirmação. Não é um comentário racista mas é o
que é, e é um pouco o que também tenho vivenciado
pelo mundo fora. Nós negros ainda somos relegados
para segundo plano. Salvo raras excepções, tudo vai
parar ao gueto, em denominações específicas como:
Centro de Arte Contemporânea Africana ou Museu de
Arte Contemporânea Africana e Universidade de Estudos Africanos. Agora eu questiono: existe alguma
de Estdos Europeus? E porquê? Porque é que os africanos permitem ser tratados desta forma? Enquanto
não nos respeitarmos a nós próprios não poderemos
esperar respeito das outras pessoas, não é?! Falta filósofos no continente, escritores e também pintores
bons. Posso afirmar porque somos muito poucos em
comparação com os restantes continentes.
M.M - Realidade africana e (re)criação artística:
semelhanças e discrepâncias?
H.M - A realidade é triste. Já todos nós sabemos.
Basta ouvir o noticiário em relação a África, nunca coisas boas e só coisas más. Mas acho que o mundo também está assim.
Os africanos nunca deixaram de criar porque a criação está consubstanciada com a vida.
Mas a grande questão acho que tem a ver com o que
já falei, o espaço dessa criação aonde é que é situada e
quem a consome? Ou por outra, não é a mesma reciclada e mandada de outra forma, já com os rótulos e
etiquetas europeias?
M.M - UNAP: que palavras possíveis?
H.M - Revolução de mentes, talvez. Um trabalho sério e a coisa vai.
22 | ARTES
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Ndaka, Wiza e Sinedima em “Caminhos do Som”
O afro-jazz e o natural
apagão do português
Matadi Makola
A
final a noite de jazz trazia
no seu útero um efusivo
clarão de nós, e tudo veio
ao de cima quando fomos
confortavelmente embalados pelo
umbundu de Ndaka e kikongo de Wiza, isto já no âmago da mesma. Uma
noite de jazz dominada pelas línguas
nacionais, este pormenor brilhante
que fez a noite reluzir mais ainda e
nos dar a sensação de estarmos num
estado vivo e lúcido da aurora de nós.
A língua, por um lado, tem sido
um dos pontos mais vulneráveis das
acepções estéticas da nova geração.
Tocar em línguas nacionais estéticas
recepcionadas maioritariamente
em inglês é, admissivelmente, “uma
dor de cabeça” de uma mão cheia de
cantores que prefere arriscar estereótipos e complexos que só a extrapolada interpretação sociológica do
conceito africano lhes concede defesa, sem esquecer o estado inanimado a que ficam sujeitos.
Mas nada disso estava prescrito na
noite de 19 de Abril, a do natural apagão do português, a do afrobeat se
unir com magnitude às línguas africanas, sendo que foi este o objectivo de
seu introdutor, o nigeriano Fela Kuti.
Quem acorreu ao CEFOJOR para
assistir ao primeiro ao vivo do programa radiofónico “Caminhos do
Som” da emissora FM Estéreo com
certeza guardou com satisfação
aquelas cerca de três horas de música oferecidas em alusão ao Dia Internacional do Jazz, celebrado a 30 de
Abril, e conduzidas com carisma pelo jornalista Moisés Luís.
Para nos deixar adentro da noite,
isto quando o relógio já marcava a
hora 20, o guitarrista Zé Mweleputo
aqueceu-nos com uma exibição electrizante, deixando também que se
marcasse com distinção a presença
da banda Smooth Wave, composta
pelos músicos Clóvis (guitarra); Bigão (baixo); Vado (bactéria); Osvaldo
(Piano) e que contou com a meritória
presença do saxofonista Gyiora.
Foi precisamente às 21h quando
Ndaka subiu ao palco, trazendo na
mão a sua inseparável cabaça. No
primeiro gole do seu líquido ainda
por desvendar, Ndanka tomou as rédeas do palco, mas foi com o segundo gole que a sua voz tomou cadências mais elevadas, no decurso do
sincrético “Ovakiaile”, tema em que
o cantor nos propõe uma união de
gerações.
Ndaka traz “Ombembwa” no terceiro gole, a sua segunda proposta
musical, um afro-jazz de ritmo acelerado com influências rock e no
fundo a hipnotizante melodia do saxofone de Gyiora, que matou qualquer hipótese da noite ser igual a todas e mostrou a integração “rebelde” deste resultado triunfal entre o
umbundu e o jazz, que só findou com
mais um gole.
Depois de mais três goles, inicia
com voz tocante o badalado “Ndjolela” e recebe dos presentes o descuidado de ninguém saber falar umbundu. Mas este “absurdo” não acanhou a elevação de Ndanka em mais
uma actuação de jazz tracejada com
brilhantismo de sabor a sul de Angola. O músico findou a sua participação com “Orele”, a sua quarta proposta musical.
Antecedido pelo músico Gari Sinedima, Wiza deixou a noite repleta
de carga nordestina. “Kileli” foi a primeira de seis propostas musicais
executadas num kikongo orgânico,
com travessias “enérgicas” de jazz e
kilapanga que, findadas, nos trouxeram de volta ao português.
Cultura
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
Wyza
Seu chão, matéria e alma
voa nas asas
do kilapanga
Analtino Santos
Fotos de Rita Soares
U
tilizando-a de maneira confluente, Wyza traz como
núcleo da sua proposta estética a revitalização desta
parte de nós que é o kilapanga, sobrepondo-a às
tendências do afrobeat. O resultado desta construção
harmónica desafia uma crítica que ainda procura
alicerçar as singularidades musicais desta explosão africana que se afirme ao ouvido absoluto da estética da vanguarda que se movimenta atrás dos holofotes da superfície pop, resultando com a designação de Word Music, indício,
certamente, dos potênciais artistas que, ao se singularizarem no
presente, marcarão a posterioridade numa escala além da África.
João Sildes Bunga, o nosso Wyza, segue os que traçam a africanidade como caroço e alma de uma
época determinante para o
continente, período contextual da necessidade da
(im)posição libertária da sua
alma e personalidade artística que poderão posteriormente cimentar nos
anais a sua participação
na criação imagética do
“novo mundo” por descurtinar e quebrar as
barreiras que as estórias e estorietas da
História a submetem
na guetização da
criação.
ARTES | 23
24 | ArtES
Analtino Santos - Estes últimos meses
com uma agenda muito preenchida
Wyza - Sim, Brasil com Dodô Miranda,
início de Março show no Bahia para gravação de imagens do documentário África Visita África, depois tocar para turistas no
cruzeiro do National Geographic, a participação no primeiro ao vivo de Caminhos dos
Sons, no final de Abril uma temporada com
duas apresentações no projecto A Nossa
Música, coordenado pela Irina Vasconcelos, e na segunda quinzena de Maio um
show organizado pelo Tony Nguxi.
A.S - Fale dos shows no Brasil e do documentário
W- África Visita África: é a África que foi
ao longe. Tomei contacto não apenas com a
música mas com outras manifestações culturais afro-brasileiras como a culinária, comendo kikuanga, as religiões, o candomblé;
entrando em terreiros do côncavo bahiano.
Falei com pesquisadores como Zé do Boi, o
guitarrista de viola baiana Roberto Mendes
e o mais velho Riachao, que com os seus 82
anos dança e anda sem apoio de bengala.
Tem muita firmeza, e é impressionante.
Quanto a shows, toquei com a Orquestras Sinfónica Tradicional, que acaba de
convidar-me para participar no seu próximo disco, e a Orquestra Sinfónica Popular
Brasileira de Camaçary. Já com bandas, actuei com o Magari, que é um músico que diz
tocar semba e que lá na Bahia está no auge.
É de louvar esta iniciativa dele, mas é preciso reconhecer que o que ele toca ainda não
é semba. Espero que se materialize a sua
intenção de chegar em Angola e tomar contacto com a nossa música.
A.S - Já passaram cinco anos depois do
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
terceiro cd “Bakongo”, para quando o
quarto?
W - Provavelmente este ano. Tenho várias músicas concluídas. Agora que recebi
um convite da National Geographic para
gravar nos Estados Unidos, penso produzir
lá. Mas deixo reafirmado que apoios complementares sempre serão uma mais-valia.
A.S - Parece que caiu nas graças deste
canal de gravação dos States
W - Não sei. Mas de uma coisa tenho certeza: é um tipo de actuação diferente dos
outros palcos por onde passei. Actuar para
cerca de 200 pessoas de diferentes nacionalidades que não entendem a nossa língua
mas que ficam presos a linguagem universal que é a música. No fim perguntam: como é possível tocar de forma tão difícil e
cantar ao mesmo tempo de forma livre? E
eu respondo que não tive escola e que agradeço a Deus e a minha etnia por proporcionar este dom de fazer música. E mesmo assim nem sempre somos valorizados na
nossa terra.
A.S - Agora um pouco de historia do
“Kintsona”, o seu primeiro trabalho discográfico com uma proposta totalmente
diferente dos demais, meio zouk...
W - O “kintsona” é das poucas músicas
que não se identificam com o que eu gosto
de fazer. Quero desde já agradecer ao João
Alexandre por ter produzido este álbum,
ou seja, ter o prazer de fazer o meu primeiro filho, pois se assim não fosse teria apenas dois. Ele tinha uma maior experiência
na kizomba, ma eu já era conhecido nesta
minha onda. Olha que Salif Keita, Lokua
Kanza e outros já tocaram zouk. Penso que
faz parte da minha trajectória, até porque
Cultura
às vezes fazemos coisas que não nos agradam. Mas foi bom.
A.S - “África Yaya” e “Bakongo”
W - “África Yaya” é já uma patente. Produzido pelo Reinaldo Maia, brasileiro, foi proposto pela minha produtora, a Maianga
Produções de Sérgio Guerra, por quem tenho grande consideração. Eu disse que
queria uma sonoridade diferente. Eu gosto
de músicas estranhas, ou seja, exóticas. E
deu naquele disco. Depois o “Bakongo” foi
um outro brasileiro, Maurício Pacheco, que
trabalha com Gabriel o Pensador, Vanessa
da Matta e outros artistas. Foi um disco não
tão complicado como o “África”. Acredito
que o próximo será mais simples. Tenho
muita coisa destes cinco anos sem lançar.
Eu ainda não fiz o meu disco, pode ser este.
A.S - Cinco anos sem discos, mas com
vários shows fora
W - Quando fizemos música para eternidade o nosso disco nunca acaba porque
eles não entram na moda, porque elas vivem em movimento, dai continuar a receber convites para actuar fora e, às vezes,
dentro do pais. E agora canto com convicção de mim, não como no início de carreira
quando só pensava em lançar apenas discos, sendo aquele jovem que cantava em kikongo e que receava não ser possível conquistar Angola e o mundo. Mas agora fazendo nos Estados Unidos e com a Putumayo
mais portas se abrirão, pois eles têm uma
grande rede de distribuição.
A.S - Colaborações
W - Destaco o Paulo Flores, não apenas
por ter participado no Xé Povo, mas por ter
apostado em mim depois do “Kintsona” e
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
da minha passagem nos Vozes Negras. Tem
um lado humano muito forte. Foi ele quem
me levou à Maianga Produções.
A.S - Principais influências
W - Salif Keita, Lokua Kanza, Habib Koite,
Omou Sankaré, Manu Dibangu, Fela Kuti e
muitos outros, como Michael Jackson na
dança. Porque quando miúdo gostava de
dançar, apenas mais tarde olhei para o seu lado musical. Já na sonoridade musical, o funk,
afrobeat e o kilapanga. O Kilapanga vem antes de todos os outros, aliás, o kilapanga é a
minha raiz; o kilapanga mora em mim; eu sou
o kilapanga. Qualquer toque que dou, qualquer canção minha tem o kilapanga, pois eu o
transporto. O kilapanga é o meu chão.
A.S - Não notamos nenhum artista angolano
W - Não. Olha, a característica da minha
música é relativamente nova por cá. Eu gosto
dos Irmãos Kafala, Mito Gaspar e Gabriel
Tchiema porque partilhamos até certo ponto
as mesmas sonoridades. Actualmente já há
uma tendência em fazer esta onda musical
A.S - Olhando para as influências, parece que não está preocupado com os
ArTeS | 25
gostos angolanos
W - Eu não sou minimalista. Eu gosto viajar alto. Antes dos últimos dois discos eu dizia que não queria fazer música apenas para Angola mas sim para o mundo, e quem
me acolher é o meu povo. Em Angola não
ouvem o que faço porque não é semba, não
é kuduro nem kazukuta. A minha música
não convém para aquelas danças indecentes nem transporta mensagens disparatas.
Não é música para as farras, mufetadas, maratonas e shows imediatistas. É um pouco
da mesma forma que o jazz e outras músicas alternativas e aparentemente não comerciais. Não queremos relaxar.
A.S - Falou do jazz e da música alternativa, quando acaba de participar no primeiro ao vivo de “Caminhos do Som” de
Moisés Luís, um dos programas impulsionadores destas tendências musicais
W - Moisés é um amigo e temos partilhado muitas coisas. Ele tem contribuído muito para a criação e reforço dos amantes destes estilos e incentivado jovens artistas. A
própria Rádio FM STÉREO também facilita
ao introduzir na sua grelha um leque de artistas destes estilos. Ele faz a diferença.
A.S - Também tem apoiado a Casa da
Musica da fundação cultural israelita
Arte e Cultura
W - Sim. Abracei este projecto de uma instituição estrangeira que tenta ajudar a nossa
cultura proporcionado aulas de música a jovens angolanos. É de louvar. Infelizmente
aqui são sempre ajudadas as mesmas pessoas. São sempre os mesmos para os shows e
projectos que se dizem sociais. Mas penso
que poderão surgir outras casas e coisas, eu
mesmo estou tão motivado que se tivesse
apoio materializava este meu sonho que é o
de ensinar e ajudar as crianças e jovens a
custo zero. Eu aprendi e recebi a minha primeira guitarra a custo zero, daí estaria a ser
injusto pensando em não retribuir desta forma. Devemos apostar na formação do homem, pois é desta forma que também podemos reduzir a pobreza cultural.
A.S – Umas das suas actuações ficou
marcada pela participação de um exímio tocador de kora
W - Eu adoro a África e a kora. Daí partilhar o palco com este irmão africano que
carrega este instrumento. Gostaria de conhecer mais países africanos onde respiram a cultura africana. Infelizmente não
sentimos isto aqui, de tal forma que há estrangeiros que dizem não encontrarem a
África em Angola. Lembro-me de ter sido
desencorajado por um artista angolano
aquando da nossa participação na Expo do
Japão quando pretendia comprar a kora,
alegando não ser nosso instrumento e eu
respondi-lhe se a guitarra era também de
nossa autoria.
A.S - Como está o processo da produção do seu DVD?
W - Como já disse, os apoios estão todos canalizados para os do semba, kizomba, kuduro, aqueles dos outdoors e das publicidades.
A.S - Como tudo começou?
W - Minha mãe tocava kissange e eu
aprendi a tocar com ela, lá no mato. Eu era o
cassule e os meus irmãos estudavam na aldeia, e para me consolar ele cantava para
mim. Fazíamos kissange, mas a guerra
trouxe-nos para Luanda, onde não encontramos material para produzirmos mais.
Tempo lindos, e não tinha pretensão nenhuma em ser músico quando tocava o meu
kissange. Depois aprendi guitarra, que
agradeço a Deus pelo dom.
Sobre África Visita África
O documentário está a ser gravado em
Angola e na Bahia e pretende mostrar algumas diferenças e semelhanças entre a
cultura baihana e angolana. O filme
acompanhará Wyza e Dodô Miranda em
visitas a músicos baihanos que têm uma
forte herança musical africana em seus
trabalhos, como Mateus Aleluia, Roberto
Mendes, Gabi Guedes, Dão, as Ganhadeiras de Itapuã e outros. Além desses encontros musicais, o documentário vai
acompanhar a visita de Wyza e Dodô Miranda a algumas cidades onde a cultura
africana é forte, precisamente Santo
Amaro, Cachoeira e Salvador.
26 | GRAFITOS NA ALMA
Akiz Neto
Potencial da palavra:
um percurso plástico
o exercício da palavra o artista é, com toda a propriedade filosófica, o responsável de toda a projecção envolvente de sua arte. A arte que se propala da nuance conceptual, por que é
produzida. Ou seja o sintagma adjectival que irá definir o seu universo discursivo-filosófico e, certamente, representar ou espelhar o resultado do seu
saber fazer. Sem este objecto concreto e
de elevada remetência conceptual o
pressuposto articulado não lhe pertenceria a afirmação de artista.
O artista é o criador. Aquele que se projecta de suas tensões vivenciais, o que chamamos nós de tensões ético-cognitivas da
personagem, na perspectiva de as vivenciar. Procurando com isto um universo estético capaz de se lhe dar maior luminosidade em critérios de inspiração. Para tal é
importante que o homem das artes, quer
da literatura, música, teatro, dança, humor,
arquitectura, etc., se afirme conforme as
normas morais que regem à conduta do
próprio homem que se dimensiona na referida arte. Ele deve produzir o seu próprio génio tendo em conta a harmonia que
se projecta das formas, das cores, dos contornos, dos movimentos (gestos), etc. Programar para propalar-se o poder estético
da criação verbal que se lhe deve o amor.
A essência da própria mensagem deve
ser proposta na preocupação do criador
para o entendimento, a compreensão estética e simultaneamente ético. Neste processo é importante resplandecer ou seja
esclarecer conteúdos que cumpram com
zelo e respeito à filosofia da moral, isto é,
da ética. Esta preocupação plástica é realmente um exercício nítido do artista. Recorrendo ao psicólogo O. M. Lourenço,
quanto a esta temática, escreveu o seguinte «a pessoa mais desenvolvida moralmente é a que constrói a ideia de princípios éticos prescritivos e universais.». Estou plenamente de acordo com esta posição do psicólogo, e mais, cumpre-me dizer
que esta afirmação fornece-nos uma magia interpretativa assente nos princípios
éticos. Logo transporta-nos para a compreensão da etiologia. Se eventualmente
alguém naturalmente pronunciar palavras imorais – asneiras – no seio do povo
com ideias de princípios éticos prescritivos universalmente, certamente ele não
será bem sucedido por esta população. E a
vida plástica nos aponta para a fortaleza
que se direcciona ao juízo estético como
caracterização evidente, no sentido de se
conseguir uma densidade estética, que se
remete ao processo de criação verbal.
Para tal é importante que o artista se caracterize na identificação com atitudes positivas, devendo para o efeito apurar suas
vivências e, logicamente, além da sua plástica, saber equacioná-las e dimensioná-
N
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
las, para que se anuncie daí o belo que deve
ser buscado do melhor verbo. O verbo projectado da melhor escolha do artista.
Assim, “em busca do melhor verbo” entende-se pelo assentamento metódico de
pesquisa precisa, e na hora exacta, para
que a expressão do criador tenha, além do
carácter ético; o belo, quer dizer a beleza
textual. O belo produz sensações específicas na alma do intérprete, logo a beleza
textual deve ser imprescindível. Esta expressividade do estético vigora quando se
sente da palavra projectada um fundo
ameno capaz de transportar o sentimento
que em simbiose com a melodia partilham
dentro do espírito do autor como do leitor,
do ouvinte ou do assistente.
“Potencial da palavra: Percurso Plástico
e seus Componentes Críticas” remete-nos
a um reflexo profundo que se deve ter sobre o verbo. Cumpre observar aqui que o
verbo é a palavra proferida nas suas diversas vertentes filosóficas, e para este caso
que estamos a tratar, que é o da arte, a palavra ganha um estatuto especial. É o pensamento que se identifica e se prolifera no
momento; é o discurso, o núcleo do sintagma verbal numa trajectória dada para que
se crie um conjunto harmonioso e coeso
para a musicalidade, daí a necessidade de
se cultivar a voz, em todos os passos ensaísticos do autor. Por exemplo o crítico literário Dubroca quanto a esse propósito, a
de cultura da voz, disse que “à voz é necessária uma respiração lenta e consciente
nasalação, e não pela boca, e que a expiração deve corresponder com o tempo de
pausa ou emissão de voz”. Daí se conclui
que o público aprecia mais a musicalidade
do que as palavras. Esta intervenção não
está intimamente registada para o verbalismo exclusivo, e sim representa a essência da plasticidade artística para que possamos, das ideias já criadas pelo poeta,
músico, teatrólogo, humorista, etc. obter
ideias bem estruturadas e audíveis com
prazer. Porque o artista deve necessariamente trabalhar para este sentido. Todos
os artistas, e não só, precisam do verbo,
porque é o verbo que lhes proporciona a
beleza de seus trabalhos, de modo que este
seja agradável ao ouvido, à visão e ao tacto,
portanto ao espírito. Porém para um mosaico artístico bem estruturado precisamos que o verbo seja admitido a uma crítica [pessoal ou particular], geralmente para tocar a uma suavidade maior de seu
conteúdo. A crítica representa geralmente
a chave funcional à ponte da existência de
uma obra de arte literária, teatral, musical,
humorística, etc., cujo objectivo é o de avaliar o mérito do conteúdo. Esta actividade
– crítica – consiste em julgar, apreciar ou
dar opiniões de acordo ao critério de crítica analítica que se queira sobre o valor de
trabalhos intelectuais ou artísticos, quando se trata de arte como é o caso, e geral-
Cultura
mente a crítica apresenta-se por escrito,
fundamentalmente para o caso literário.
Logo a essência da própria mensagem deve ser argumento à base da apreensão estética e também ética.
Por exemplo um músico”ku durista” que
faz as suas”letras de rua” se lhe deve aproveitar o talento, por aquilo que lhe é inato.
Porque ao introduzir calões e gíria em seu
contexto, o ”ku durista”está exprimindo os
seus sentimentos e daí o rufar de tambores, como simbologia de África, que obedecem a um certo ritmo e, certamente, complementado por outros componentes instrumentais, surgindo daí a grande batida
ou seja a musicalidade dentro dos parâmetros da cultura angolana, para o caso exclusivo. Fazendo um outro reparo com propósito semelhante, mas a um humorista, este
sem o verbo dirigido para o belo; cumpre
dizer, para o estético e o ético, simplesmente escandaliza o público que o assiste.
É por isso que encontramos beleza na filosofia discursiva quer dos escritores, humorista, músicos, teatrólogos, dançarinos,
etc., porque tudo se orienta ou se projecta
para agradar o público.
No exercício dessas empreitadas, a linguagem escrita, falada e gestual é o verdadeiro pilar da existência da arte. Porém, é
importante seleccionar bem o verbo para
que possamos, da dicção, da audição e do
tacto interpretar os conteúdos e encontrar
neles um folclore ou valor que não faça
perder o norte dialógico entre as pessoas.
Mesmo quando se deseja criticar um governo, se deve projectar a angústia com
responsabilidade do verbo, quer dizer o
elemento como o potencial da palavra em
trâmites artísticos.
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
DIÁLOGO INTERCULTURAL | 27
Maria Eugénia Neto em São Tomé
´Imaginava o verde que tem, imaginava a ilha tão verde como é. O resto, não imaginava. Não fazia a mínima ideia de como pudesse ser.’’
Conceição Lima
M
aria Eugénia Neto esteve recentemente em São Tomé. Uma estada
privada e discreta, acompanhada
da nora e de uma neta. Pouco menos
de uma semana. Encontrou-se com o Presidente
da República, Manuel Pinto da Costa, ‘’um encontro entre velhos amigos’’, confraternizou com intelectuais e artistas, alguns membros do governo,
responsáveis pela Fundação Agostinho Neto em
São Tomé, descendentes de angolanos que assumem orgulhosamente a sua dualidade cultural.
Passei por cá em 1960, quando o meu marido
vinha preso de Angola para Lisboa. Mas não saí
do aeroporto. O meu marido veio primeiro e eu
vim depois, com o nosso filho, Mário Jorge, bebé,
tinha sete meses. Vim no avião seguinte, misturada com refugiados da Bélgica que tinham saí-
do do Congo. Destino obrigatório dessa curta visita a São Tomé, foi a roça Agostinho Neto, a antiga e imponente Rio do Ouro, rebatizada após a
independência em homenagem ao primeiro
Presidente angolano e autor de Sagrada Esperança. Maria Eugénia Neto confessou-se emocionada ao visitar esse local tão emblemático do
poderio dos roceiros no período colonial, guardião da memória da trágica saga dos chamados
contratados angolanos deportados para as ilhas
como ‘’indocumentados’’ para fazer florescer as
roças do cacau e do café e, hoje, símbolo dos laços entre São Tomé e Príncipe e Angola.
Foi aí que, em Setembro de 2012, teve lugar
uma cerimónia solene de celebração dos 90º
aniversário do nascimento do primeiro presidente angolano, com a sociedade civil são-tomense em peso a ouvir o Reitor da Universidade
Lusíada, Mário Pinto de Andrade discorrer sobre a personalidade política de Neto, antes de
serem oferecidos exemplares do livro Agostinho Neto e a Libertação de Angola.
Ao visitar a roça, não pude deixar de pensar na
sorte de todos os angolanos que ali sofreram e
morreram num tempo em que os nossos povos
não eram donos dos seus destinos. Também não
pude deixar de pensar no gesto das autoridades
são-tomenses quando decidiram dar o nome do
meu marido a esse lugar, que é quase uma cidade,
vê-se que tem infraestruturas muito boas, mas é
pena estar quase abandonada, apesar de funcionar ali o Gabinete da Câmara Distrital. Foi uma
boa ideia, porque para além das instalações serem amplas, sempre é uma presença permanente
do Estado, dá uma certa sensação de segurança e
obriga a um certo comportamento das pessoas.
Sábado. No Club de Santana, uma estância à
beira-mar e recuada para quem avança em direção ao Sul, um grupo de intelectuais, artistas, alguns membros do governo, responsáveis da
Cultura e da Fundação Agostinho Neto de São
Tomé responde ao convite para um almoço de
confraternização com a autora de E na floresta
os bichos falaram e Presidente da Fundação
Agostinho Neto. Entre as iguarias, o muzongué e
o mufete fazem bastante sucesso.
28 | DIÁLOGO INTERCULTURAL
O ministro da Cultura, Jorge Bom Jesus, dá as
boas-vindas e profere um rasgado elogio dos laços que unem os dois países e povos. Agostinho
Neto é a sombra tutelar – todos o evocam. Alguém
declama excertos de Um bouquet de rosas para ti,
dedicado pelo líder nacionalista angolano, na prisão, à que viria a ser sua esposa. Afinal, Sagrada
Esperança marcou, de um ou de outro modo, todos os presentes.
Caíram todos na armadilha
dos homens postados
à esquina
E de repente
no bairro acabou o baile
e as facetas endurecerem na noite
Todos perguntam por que foram presos
ninguém o sabe
e todos o sabem afinal(….)
Cessam os ruídos dos talheres, calam-se as vozes, desce sobre os presentes a força do poeta denunciando as gargalhadas cruéis da cidade ilumidada/ para banalizar um acontecimento quotidiano/ vindo no silêncio da noite do musseque
Sambizanga: um bairro de pretos.
O cantor Zézito Mendes interpreta Velho Negro, Partida para o Contrato, Os Meninos do
Huambo e outros poemas angolanos. A académica são-tomense Inocência Mata, que com igual àvontade tem estudado e analisado a literatura das
ilhas e a literatura angolana, faz questão de sublinhar que Massacre de São Tomé, dedicado por
Agostinho Neto ´´à ilustre amiga Alda Graça’’, foi o
primeiro poema alusivo à sangrenta repressão de
são-tomenses pelas autoridades coloniais portuguesas em 1953. O jovem Katembe afirma com orgulho a sua ascendência e recria Havemos de voltar, adaptando-o à sua condição de angolano-descendente.
Na entrevista concedida no dia
seguinte, Maria Eugénia Neto
não escondeu a emoção.
Gostei especialmente do convívio, de ter podido estar com as pessoas, conversar com elas.
Os lugares têm um valor especial quando conhecemos as pessoas. Gostei também das músicas,
da ideia de se musicar poemas do Presidente e
poeta Agostinho Neto e de outros poetas angolanos.
A evocação de Agostinho Neto, a revisitação,
por são-tomenses, da obra poética do marido,
revestiu-se, afirmou ela, de um significado muito especial.
Agostinho Neto foi um grande personalidade
da cultura, um dos poetas maiores de África e
achei muito bem a ideia de se declamarem ali
poemas seus, porque é preciso que a África se
aposse ou melhor, se reaposse dessas figuras
que foram tão fundamentais nas lutas pela independência e pela libertação. Principalmente as
jovens gerações. Não é só de Angola que estou a
falar, é toda a África e mesmo do mundo. Ele foi
um poeta de tal importância, teve um papel tão
importante na luta pela libertação dos povos
que é preciso ter isso sempre presente.
Eis, afirma Maria Eugénia Neto, o objetivo
fundamental da Fundação Agostinho Neto: projetar o líder político, o nacionalista, o estadista, o
poeta militante, fazer da sua personalidade e da
sua vida uma bandeira, um exemplo, ‘’porque
nós bem que estamos a precisar’’.
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Acho que ainda não me recuperei da perda e
talvez seja um pouco doentio, porque vivo embrenhada na personagem. Manter viva a memória, conservar os seus pertences, publicar inéditos, não permitir que a memória se perca, estou
sempre atenta. É uma certa forma de combater a
morte, de impedir que a sua morte signifique a
morte de tudo aquilo que ele representou e representa. Agora o Estado angolano apoia e depois de muito batalhar, construiu-se esse mausoléu esplendoroso.
Maria Eugénia Neto sublinha a aposta da Fundação Agostinho Neto em publicar edições acessíveis ao grande público, edições de baixo custo,
destinadas sobretudo aos mais jovens.
Há tempos, pedi ao António Domingues, o
pintor de origem santomense, que ilustrasse a
‘’Sagrada Esperança’’. É uma edição muito bonita, em português, inglês e francês que está praticamente esgotada. Uma edição especial, de luxo,
para ofertas. Agora estamos a pensar em edições não luxuosas, edições que possam chegar
aos jovens, aos artistas, ao grande público, para
Cultura
permitir que a obra do poeta chegue às mãos do
povo.
A entrevista, testemunhada pela nora no salão do hotel, permite alguns interlúdios confessionais. Referindo-se às facetas do marido, Maria Eugénia Neto diz que se apaixonou pelo poeta, por ter sido esse o primeiro que conheceu.
Ainda estudante de Medicina, antes das consecutivas detenções, ‘’ele estava com a fina flor
progressista portuguesa, o MUD juvenil, uma
espécie da nossa Jota’’. Explica que, tendo sido
educada num colégio de freiras com uma educação religiosa, ‘’nunca militou’’ e que a aproximação a Agostinho Neto se deu ‘’por acaso’’.
O Humberto Machado, irmão do nosso camarada Ilídio Machado, o primeiro presidente do
nosso partido, estava em Portugal a estudar e
muita gente ia à casa dele, estudantes, gente da
diáspora, os marítimos, havia também um santomense, o Juca Espirito Santo, havia angolanos,
o Mário Pinto de Andrade, aqueles da Casa dos
Estudantes do Império. A minha casa ficava em
frente e a senhora pedia à minha mãe: deixe a
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
DIÁLOGO INTERCULTURAL | 29
Massacre de São Tomé.
Geny vir cá e a minha mãe deixava. Era só atravessar a rua.
Seguiu-se depois o ‘’contágio’’, o interesse por
‘’coisas culturais’’, a literatura então interdita ou
pouco recomendável aos olhos do regime que o
grupo devorava.
Eles liam coisas progressistas, depois passavam para mim. Liam muito, liam o Jorge Amado,
o John Steinbeck, os escritores negros norteamericanos, já não me lembro dos nomes, e eu
passei a frequentar o seu círculo. Foi assim, por
essa via, através sobretudo dessas leituras de
autores progressistas que eu comecei a ter aquilo que posso chamar de educação política, comecei a ter outra noção da realidade, a interessarme pelas coisas. Só ao fim de cinco anos é que namoramos, eu era novinha. Quando ele foi preso,
não tinha contacto com ninguém, eu disse à PIDE que era a noiva dele e tenho as cartas que trocámos, vamos a ver se as publicamos. Ainda não
sabemos muito bem se vale a pena, mas acho
que sim. Eu escrevia para ele dia sim, dia não. Isto foi no Porto e eu tinha uma tia que vivia ali há
cerca de 40 quilómetros de distância, que ia todas as semanas buscar a roupa dele para lavar,
houve muita solidariedade.
Maria Eugénia não tem dúvidas de que o poeta e o político se fundiam. ‘’ Todos os seus poemas conhecidos são políticos e foram catalisadores, foi uma poesia com função. Mesmo nos
poemas de amor, a causa nacionalista, a causa
africana, a causa dos negros está lá. ‘’
Mas ele escreveu poesia lírica, poesia pura de
amor que ele me deu num maço de tabaco. O homem da Pide estava a passar, eu tinha ido à cadeia vê-lo e ele deu-me esse conjunto de poemas
líricos, tudo escrito à mão, na mortalha. Tive
imensa pena de os ter perdido, não sei onde os
pus. Era um outro Agostinho Neto.
Para algumas vozes, um político-poeta guiado
por uma visão messiânica de si próprio, uma
personalidade obstinada. Para Maria Eugénia
Neto, ‘’um homem muito culto, muito determinado, com um claro sentido de História, uma espécie de fé inquebrantável no futuro. Isto sentese, lê-se na sua poesia.’’
Eu sei de cor quase toda a poesia dele. Gosto
muito de Bamaco, que é sobre o renascer da esperança em África, quando a África começa a
afirmar-se. E há um outro poema, não me lembro agora do nome, em que ele diz ´´selvas desbravadas escondem os caminhos por onde heide passar, mas hei-de encontra-los e descobrilos, seja qual for o preço.’’ Aí está tudo delineado,
está tudo dito.
A conversa deriva para uma poetisa, também nacionalista, também posterior estadista, que também partilhava uma espécie de fé
inquebrantável no futuro: Alda Espírito Santo, amiga e companheira de Agostinho Neto,
de Amílcar Cabral, de Marcelino dos Santos,
de Noémia de Sousa. A essa poetisa dedicou
Neto o poema
Foi quando o Atlântico
Pela força das horas
Devolveu cadáveres envolvidos em flores brancas de espuma(…)
Em nós a terra verde de São Tomé
Será também a ilha do amor.
Maria Eugénia Neto conhece o poema
e recorda-se bem da figura à qual foi dedicado
A
Alda fazia parte desse grupo da Casa
do Humberto Machado. Ela, a moçambicana Noémia de Sousa e outros. Acho
que se alguns de nós tivemos uma vaga ideia sobre como seria São Tomé, essa ideia foi transmitida por ela e por outros são-tomenses que
frequentavam o grupo. Acho que o poema lhe
foi dedicado porque era uma amiga e companheira, mas também porque ela era o símbolo
do povo de São Tomé e Príncipe, aquele poema
era para todo o povo são-tomense e ela era, digamos, o veículo. Foi uma homenagem, uma expressão de profunda fraternidade.
A convocação de Alda Espírito Santo despoleta a memória de Andreza Espírito Santo, tia
de Alda, ‘’a tia Andreza’’ para nacionalistas como Amílcar Cabral, Noémia de Sousa, Vasco Cabral, Marcelino dos Santos e outros que, impossibilitados de discutir questões políticas na vigiada Casa dos Estudantes do Império, se reuniam em casa da ‘’tia Andreza’’, na Rua Actor
Valle nº 37.
Sim a tia Andreza, lembro-me muito de ouvir
falar dela. Costumavam reunir-se ali naquela
casa, mas eu não ia. Mas o Marcelino (dos Santos) que está vivo, sabia e sabe muito sobre estas coisas e como estamos a recolher depoi-
mentos, a construir arquivos orais, o Marcelino
poderia falar sobre isso e sobre outras coisas.
Eu sei que a casa da tia Andreza foi muito importante e que muitas coisas eram discutidas
ali.
Os trinta minutos de entrevista solicitados já
se esgotaram. Maria Eugénia Neto tem ainda
tempo para voltar a defender, reiterando o discurso no Club de Santana, o aprofundamento
dos laços culturais entre São Tomé e Príncipe e
Angola.
Sim, é muito importante, há muita coisa em
comum entre Angola e São Tomé e Príncipe, laços de consanguinidade até, as manifestações
culturais, a culinária, toda a gente reconhece isso dos dois lados. Como disse, os artistas, os escritores, os intelectuais podem ser uma mola
impulsionadora dos laços culturais que deveriam ser mais fortes. O papel dos Estados é
criar o quadro, mas os artistas, os escritores, os
intelectuais, a sociedade civil têm muito a fazer
para dinamizar as trocas, reforçar o conhecimento mútuo, sabermos o que se faz de um lado e do outro. Isso serve para aumentar não só
o conhecimento, mas também a fraternidade e
a solidariedade que sempre existiram.
30 | DIÁLOGO INTERCULTURAL
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Cultura
Ainda a propósito
da morte de Chinua Achebe
Décio Bettencourt Mateus
O
meu primeiro contacto com a escrita
de Chinua Achebe,
falecido no passado
21 Março nos EUA, com 82 dois
anos de idade, aconteceu no início da década de 80, em minha
adolescência. Li o seu “Um Homem Popular”, edição do INALD,
comprado na (então?) tabacaria
Tem-Tudo, no Kinaxixi. O livro
causou em mim tal impressão,
que não só reli como adquiri outros exemplares que fui oferecendo e guardando na minha
pequena estante, respectivamente. Ainda hoje cuido com carinho o exemplar envelhecido
que tem sobrevivido ao tempo,
poeiras e mudanças.
Em “Um Homem Popular”,
Achebe impressionou-me pela
fluência e habilidade narrativa,
tom crítico e profundidade temática. Narra a estória do Sr.
Nanga, um político nigeriano,
popular, polígamo e corrupto.
Na verdade o escritor aborda
não só a sociedade nigeriana,
mas qualquer outra africana – e
não só –, em uma crítica que se
mantém actual e necessária. Depois li “A Flecha de Deus”.
“Um Homem Popular” de Chinua Achebe faz parte, indubitavelmente, dos livros que maior
impacto provocaram em mim.
Ou seja, é do melhor que já li em
termos de literatura!
Uma leitura que recomendo
aos adolescentes, jovens, intelectuais e políticos do meu país
(por onde andas INALD, mais as
publicações dos escritores africanos?). Uma leitura de reflexão
que seguramente ajudar-nos-á a
rever comportamentos política
e socialmente nocivos.
Albert Chinualumogu Achebe
– de seu nome completo – nasceu em Ogidi, sudeste da Nigéria, em Novembro de 1930; pertencia à etnia Igbo.
Achebe notabilizou-se internacionalmente no final da década de 50 do século passado, com
“Things Fall Apart” (Quando Tudo se Desmorona). Um romance
que vendeu acima de 8 milhões
de cópias e foi traduzido em
mais de 50 línguas, tornando-o
no escritor africano mais traduzido de sempre. Outros livros de
sucesso do nigeriano incluem
“No Longer at Ease”, “Arrow of
God” (A Flecha de Deus), “A Man
of the People” (Um Homem Popular) e “Anthills of Savannah”.
Em 2007 recebeu o prémio
Man Booker internacional, dos
de maior prestígio da língua inglesa. Além de romancista, é
contista, poeta, ensaísta e crítico. Foi professor universitário.
Em 1990, Chinua caminhava
de automóvel pelas estradas de
Lagos com o seu filho Ikechukwu e o motorista ao volante. Sofreram um acidente de viação. A
coluna vertebral do escritor sofreu danos irreversíveis. Ficou
paralítico da cintura para baixo,
passando o resto dos seus dias
numa cadeira de rodas.
Ainda que um pouco tardiamente não podia deixar de debitar palavras de agradecimento a
este gigante da literatura africana: MUITO OBRIGADO CHINUA
ACHEBE. DESCANSE EM PAZ!
Nota a propósito do artigo “Revisitando o processo dos cinquenta”
O
jornal Cultura incorreu numa omissão
editorial, que levou a que o artigo
“Revisitando o Processo dos Cinquenta - Apresentação do Livro
‘Angola - Processos Políticos da Luta pela Independência’ de Maria do Carmo Medina” tivesse saído a público sem a devida menção do
seu autor, o professor Fernando Oliveira. Pelo
facto, pedimos as nossas desculpas ao ilustre
jurista e aos nossos estimados leitores.
Fernando Oliveira nasceu no Huambo, em 1946.
É licenciado em Direito pela Universidade Clás-
sica de Lisboa. Pós-graduado em Direito Internacional pela Universidade de Direito, Economia
e Ciências Sociais de Paris. Curso de Direito Internacional Público da Academia de Direito Internacional de Haia. Investigador do Centro de
Estudos e Investigação da Academia de Direito
Internacional de Haia.
Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Sucessivamente,
membro da Comissão Instaladora da Faculdade
(1979), Coordenador Científico da Faculdade,
membro da Comissão de Gestão da Faculdade
e Director (posteriormente “Decano”) eleito
desde Fevereiro de 1997 a 2005. Regente das
disciplinas de Direito Internacional Público (1980
a 1998) e de Direito do Mar, desde 2001 até ao
presente. Professor Bibliotecário da Faculdade.
Professor convidado da Faculdade de Direito da
Universidade José Eduardo dos Santos
(Huambo).
Membro da Associação Internacional de Juristas
Democráticos. Delegado de Angola em diversos
comités e conferências internacionais de codificação do Direito Internacional, na Organização
das Nações Unidas e na Organização de Unidade Africana.
Director de Gabinete do Ministro da Informação
no Governo de Transição (1975). Auditor da Procuradoria da República (1976/1978). Director de
Gabinete Jurídico do Ministério da Justiça
(1978/1986). Conselheiro do Ministério das Relações Exteriores (1990/2000). Consultor do Ministério dos Petróleos e do Banco Mundial.
Advogado em Angola, desde 1973.
Principais publicações: “A Defesa do Consumidor” (1973), “Textos de Direito Internacional, I”
(1981); “Textos de Direito Internacional,
II”(1985); “Le rôle du mercenariat en Afrique une approche juridique”(1985);“Defesas Penais
- Peças Forenses”(1990); “Praticando o Direito,
peças forenses”(1998); “Prédio Comfabril – A re
paração de uma ilegalidade. Recurso para o Tribunal Supremo”(1999);”Conditions environnementales attachés à l’aide au Développement.
Ecologie contre souveraineté (2002); “O Sangue
e o Solo da Cidadania: Jus Soli ou Jus Sanguinis?”(2004); “Questões Fiscais e Administrativas
– Peças e Pareceres” (2005); “Breve Glossário
de Latim para Juristas” (10ª edição, ampliada,
2008); “Textos de Direito Internacional – Vol I”
(2012).
Cultura | 29 de Abril a 12 de Maio de 2013
Quinito e Dipanda,
no Roque Santeiro
BARRA DO KWANZA | 31
Boaventura Cardoso
Q
uinito tinha escolhido propositadamente aquele local em que, tinha anos, havia se encontrado com seu
grande amigo Saiundo. Talvez ele próprio não soubesse justificar a razão de
tal escolha. Certo era que, desde aquele primeiro encontro com Saiundo, no
Roque Santeiro, aquele grande mercado informal fazia parte da sua vida. Ali
tinha passado horas a reviver um pouco da sua trágica existência. Ao se
aproximarem dele, Quinito se levantou para que o filho reparasse logo em
que estado físico ele se encontrava.
Não foi necessário que o seu amigo fizesse o mínimo gesto para que ele
identificasse o filho, ou dissesse uma
qualquer palavra. Lhe reconheci logo
nas suas feições, me vieram à memória as imagens que retenho dele desde
que lhe deixara de ver. Dipanda, o seu
filho, estava ali! Lhe abraçou com fervor e disse baixinho: “meu filho!” Dipanda, embaraçado, apercebe-se que
o pai soluça e, vivamente emocionado,
desata a chorar. O amigo de Quinito
sentia-se feliz e igualmente emocionado, apesar de aparentar ser um homem forte, pouco dado a sentimentalismos. Passantes paravam e olhavam
e depois continuavam a andar em direcção a outros pontos do movimentado mercado. Uma mulher de panos, levando um embrulho na cabeça, ainda
que parou para ver a cena, mas depois
retomou passo dela dizendo lamúrias
numa das línguas nacionais. Depois os
três foram para uma barraca onde se
sentaram e pediram bebidas. Dipanda
observou que queria um refresco.
E Quinito, depois de ter feito muitas
perguntas ao filho, sobre a sua vida,
seus estudos, quantos irmãos tinha,
onde vivia e com quem, como estava
Tita, começou a contar as contas do
seu longo rosário. Dipanda foi confirmando então o que já tinha ouvido dizer do pai: um grande e anónimo he-
rói! De facto, Dipanda ao longo de vários anos foi ouvindo a mãe falar-lhe
das façanhas do pai, dos confrontos
nos musseques de Luanda , da sua heroicidade no meio de grandes combates naqueles idos anos, da sua bravura, da sua áurea de grande comandante, mesmo depois que ele tinha partido para as frentes de combate durante
muito tempo ainda que as pessoas lhe
chamavam no nome dele de o glorioso
comandante Quinito. E Dipanda, sempre curioso, aproveitava todos os momentos em que a mãe estivesse bem
disposta para lhe assediar com as
muitas perguntas sobre o glorioso
passado do pai. E assim foi anotando
num caderno os fragmentos mais importantes da vida do pai que não conhecia, mas que sabia ter sido um
grande combatente. E em conversa
com os amigos contava as cenas em
que o pai tinha sido o principal protagonista se empolgando como se ele
próprio tivesse vivido aqueles episódios. Sem que a mãe imaginasse o que
ficava a fazer no quarto, acordado até
altas horas da madrugada, Dipanda
foi escrevendo aquilo que teria sido a
vida do pai, fazendo recurso à sua imaginação quando fosse necessário
preencher longos períodos de tempo
em que, pensava algo de particular devesse de ter acontecido. Curioso, no
seu íntimo, Dipanda foi alimentando a
ténue esperança de que um dia lhe iria
conhecer pessoalmente, sem imaginar sequer as dificuldades e os perigos por que o Quinito deveria estar a
passar. Talvez esse sentimento lhe fosse instilado pela mãe que, ao lhe falar
do pai, fazia-o com muito entusiasmo
sem nunca sequer admitir a hipótese
de que o seu Quinito pudesse não pertencer já a este mundo.
Quando acabou de lhe contar como
e em que circunstâncias tinha perdido
a perna esquerda, reparou que uma
tristeza muito grande ensombrara o
rosto alegre de Dipanda. Mas logo disfarçou, mudando de assunto, recordando que só duas semanas depois de
ele ter nascido é que lhe fora ver pela
primeira vez, não pudera ir a casa antes porque estava destacado na Tourada, que a cidade toda estava em estado
de alerta máxima, que em Luanda se
ouviam os rebentamentos de lá em Kifangondo, que o inimigo era um exército poderoso e forte que vinha do Norte
com o objectivo de impedir que a Independência fosse proclamada a onze de
Novembro de mil novecentos e setenta
e cinco. Depois de muito hesitar, Dipanda lhe perguntou quantos filhos tinha feito durante o tempo todo que tinha estado nas frentes. Quando lhe
respondi que nenhum, que ele era só o
meu único filho só, Dipanda não escondeu sua grande satisfação, cara dele se
iluminou de muito grande contentamento. Ante o espanto do filho, Quinito
lhe adiantou nas razões: tinha sido
vontade dele nunca fazer filhos com
mulher de ocasião. Tinha sonhado que
um dia pudesse casar-se e constituir
família segundo os ensinamentos da
Santa Madre Igreja. Disse que o filho
podia assim imaginar o quantas vezes
pensara nele, apesar de distante, nesses longes matos. Não lhe revelou, claro, por respeito, que apesar desse juramento dado, ele tinha tido muitos casos com várias mulheres. Para disfarçar a saudade e angústia por nunca ter
sabido dele, nem ao menos ter tido
uma sua fotografia recente, seu muito
carinho por ele se manifestava nas
crianças que foi encontrando por essas
andanças. E lhe falei então do miúdo
Ndala, de Xangongo, que hoje é um general muito estrelado.
(Extracto do romance “NOITES DE VIGÍLIA”)
32 | NAVEGAÇÕES
29 de Abril a 12 de Maio de 2013 |
Nos 15 anos de capoeira de Cabuenha
Cultura
“Chamar a dikanza de reco-reco
é uma ofensa muito grave”
Matadi Makola
Foto: Rita Soares
D
os rastos da segunda quinzena de Março ainda
ressoam nos murmúrios pouco efémeros os momentos do 2º Encontro Nacional de Abadá Capoeira, que ao abrir com a Orquestra de Birimbau
em homenagem aos mestres Kamosso e Kituxi ganhou vida
sonora, sacando ousadamente do seu repertório uma versão do “Mufete” de André Mingas em arranjos de capoeira.
Do certame, ficou registada a apresentação do livro
“Percursão do Berinbau de Barriga: sua técnica e sua escrita”, do brasileiro Rodrigues Moraes, e a oferenda musical
de algumas canções do músico Boa Nova, que é justamente
conhecido nas lides capoeristas por “ Pavarotti da capoeira”
devido ao seu tom firme e elevação lírica.
Mas isso não era o fim. Além do festival de cantiga no Elinga Teatro e do aulão de capoeira na Nova Marginal de
Luanda, a boda do branco e da ginga, que contou com
presentes difíceis de serem tidos como modestos, nomeadamente Cornélio Caley, Mestre Kamosso e
Mestre Cascão, trazia também no fundo a homenagem aos15 anos de capoeira de Cabuenha, este
aluno e amigo engajado dos mestres homenageados.
O pequeno Moniz (Cabuenha) do bairro Nelito
Soares cresceu em corpo e
em espírito e se revestiu
das filosofias e crenças de
muitos antepassados que com
a dança e luta capoeira imanaram para outros níveis do entendimento humano. É com facilidade
que os sorrisos lhe atravessam os
lábios. Alto e robusto, os seus cabelos soltos e as missangas no pulso e
pescoço são as primeiras “fofoqueiras” à vista que denunciam a sua liga-
ção material ao continente berço.
Pedido a falar, Cabuenha nos explica que começou aqui em
Angola em 98 e posteriormente deu continuidade nos lugares onde passou, respectivamente Portugal e Brasil. Para ele,
é sempre como se fosse um sonho de criança fazer capoeira
com essa estrutura tão evolutiva, tendo presente as províncias de Kuando-Kubango, Malanje, Huambo e outras, sinais
que na sua consideração indicam o fazer renascer das nossas
manifestações culturais, sendo objectivo da capoeira usar a
arte como instrumento de integração social e de resgate dos
valores culturais e cívicos.
Num exercício de modéstia e realismo, diz mais adiante: “é
claro que nem todos serão mestres. Quem reconhece o mestre
é a comunidade capoerista, e para tal é preciso ter no mínimo
mais de 25 anos de capoeira. Kituxi e Kamosso são mestres.
Eles têm muita vivência. É preciso entender a profundidade da
vida e não se manter céptico às dinâmicas em volta. Os mestres
são pessoas um pouco iluminadas ou coisa parecida e devem
um grande respeito à tradição oral, e eu ainda não sou isso”.
E continua: “a capoeira tem essa força que mexe bastante
com os alicerces da auto-estima. Não vou dizer que a capoeira humaniza, mas ajuda a humanizar. É uma filosofia de vida
aberta e que leva a viajar bastante, com exercícios constantes
de pesquisa sobre as raízes culturais, elevando-se a partir da
música, dança, luta, história e filosofia”.
Desafiado a ir buscar-se do seu baú das recordações, conta
que já lá vão muitos sonhos nestes 15 anos de capoeira e que
antigamente iam à Ilha de Luanda a pé. Sem ser tomado por
nostalgias, recorda que tinha sonhos de dar vários mortais,
como girar o peão e a virada de quatro giradas, exercícios que
sempre lhe chamavam a atenção.
Foi na capoeira onde aprendeu tudo, e hoje já crescido o
que mais lhe marca é o facto da capoeira ter ajudado a se encontrar como angolano. É esta arte que o levou a “arriscar”
esse um pouco de kimbundo que de vez em vez exercita. Contar e cantar em kimbundo são virtudes que deve à capoeira,
onde aprendeu o hungo e a dikanza; onde diante de mestres
como Fontinha e Kamosso chamar a dikanza de reco-reco é
uma ofensa muito grave.
Leitores vencedores
do desafio Nº XXVIII
Sinónimos, Língua
Portuguesa
Questão: Antónimo
da palavra: Humildade
Resposta: Soberba
Não existiram leitores
vencedores.
Efemérides Culturais
2013– Ano das Matemáticas do planeta Terra
2005-2014- Decénio das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável
2005-2015- Segundo Decénio Internacional das Populações Indígenas do Mundo
2013-2022 - Decénio internacional da aproximação das culturas

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