1 “QUE A FORÇA ESTEJA COM VOCÊ

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1 “QUE A FORÇA ESTEJA COM VOCÊ
“QUE A FORÇA ESTEJA COM VOCÊ”:
narrativa transmidiática, comunicação e consumo na ficção seriada Star Wars1
Vicente Martin Mastrocola2
Resumo: Este trabalho pretende cartografar a apropriação estratégica de narrativas
transmidiáticas na indústria do entretenimento; estudar a utilização sistemática de múltiplas
plataformas nas grandes séries midiáticas de âmbito global, servindo-se de um exemplo
consagrado da indústria do entretenimento: a ficção seriada Star Wars. Por fim, investiga-se o
desenho Star Wars – Clone Wars e seus múltiplos desdobramentos em cadeia de produtos e a
importante participação dos fãs no processo de sustentação da marca.
Palavras-chave: Comunicação e consumo. Entretenimento. Narrativa transmidiática. Star
Wars.
Abstract: This paper pretends to mapping the strategic appropriation of transmedia narratives
in the entertainment industry; study the systematic use of multiple media platforms in large
series of global, pouring himself a celebrated example of the entertainment industry: serial
fiction Star Wars. Finally, we investigate the design Star Wars - Clone Wars and its multiple
ramifications in the product chain and the important participation of fans in support of the
brand process.
Keywords: Communication and consumption. Entertainment. Transmedia narrative. Star
Wars.
1. Introdução e apresentação do objeto
É interessante examinar a indústria do entretenimento como espaço privilegiado de
mediação, construção de narrativa e consumo de serviços e bens (materiais e simbólicos). Pela
primeira vez nesta indústria é possível perceber com bastante clareza um caminho amplo a ser
explorado estrategicamente com base em uma franquia de filmes de cinema ampliando seu
Trabalho apresentado no Seminário Temático “Serialidade e Narrativa Transmídia”, durante a I Jornada
Internacinal GEMInIS, realizada entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, na Universidade Federal de São Carlos.
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Doutorando em Comunicação e Práticas de Consumo (ESPM, São Paulo), pesquisador do GECCO (Grupo
CNPq de Pesquisa em Comunicação, Consumo e Entretenimento), Professor de Criação Digital no curso de
Graduação em Comunicação Social da ESPM-SP onde atua como Supervisor do Depto. de Criação. Também
leciona a disciplina Gaming Concepts na Miami Ad School, unidade ESPM – SP. E-mail para contato:
[email protected]
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consumo para diferentes tipos de plataformas midiáticas e, de alguma maneira, colaborando
para tornar esta indústria uma das mais pujantes do mundo em termos de lucratividade.
A escolha da série Star Wars como objeto desse trabalho não foi casual. Afinal, como aponta
Mascarello (2006, p. 337) juntamente com o filme Tubarão (Jaws, Steven Spielberg, EUA,
1975), a série que no Brasil recebeu o título de Guerra nas Estrelas (Star Wars, George
Lucas, EUA, 1977) inaugura o que se classifica como blockbuster high concept, que pode ser
definido pelo abandono progressivo da estrutura narrativa típica do filme hollywoodiano de
meados dos anos 1960, e também por assumir uma posição privilegiada de carro-chefe
absoluto de uma indústria fortemente integrada. Daí em diante, torna-se uma cadeia maior da
produção e do consumo midiáticos (cinema, TV, vídeo, jogos eletrônicos, parques temáticos,
brinquedos, desenhos animados etc.).
São muitas as estratégias dessa indústria, mas não nos cabe aqui examinar todas elas.
Chama-nos a atenção aquelas que procuram transformar as narrativas de ficção seriada em
filmes, livros, games e muitas outras mercadorias, materializando a experiência midiática em
produtos dos mais variados tipos.
Afinal, é indispensável que se considere a determinação da forma fílmica (o estético)
pela nova paisagem da indústria de entretenimento visando principalmente os atributos
econômicos e de lucro que produtos desse tipo podem gerar (MASCARELLO, 2006, p. 337).
Com esta afirmação, propõe-se que no atual cenário do entretenimento é perfeitamente
estratégico pensar em soluções para desdobrar em diversos produtos uma obra inicial, como
por exemplo, os filmes de ficção da saga Star Wars.
Para tanto, trazemos para esta nossa discussão a noção de narrativa transmidiática
proposta por Jenkins (2008, p.47) que aponta que esta é uma prática que a indústria do
entretenimento se apropriou para desdobrar uma narrativa a partir de uma plataforma
principal (em geral um filme, livro ou série de TV) em diversos subprodutos (jogos,
quadrinhos etc.), ampliando, assim, o espectro possível para a interação com
fãs/consumidores envolvidos no processo de fruição da obra.
A noção de narrativa transmidiática proposta anteriormente e o aprofundamento nos
estudos relacionados ao trinômio comunicação-consumo-entretenimento, revela que uma
produção de ficção seriada como Star Wars torna tangível todo um imaginário narrativo em
uma série de mercadorias. Portanto, entendemos na discussão proposta neste texto que a
indústria de entretenimento é forte produtora de mercadorias e de significados dos mais
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variados tipos. Afinal, a essência dessa estratégia é a produção de uma linha narrativa que
pode ser “lida”, fruída ou até mesmo consumida de múltiplas maneiras.
Retomando à ficção seriada Star Wars, vê-se os filmes de cinema como principal eixo
temático de um grande universo narrativo, com uma linha de produtos (DVDs, roupas, jogos
de video game, etc.) que podem expandir a narrativa principal, apresentando novos
personagens, cenários, perspectivas etc.. Para se estabelecer uma ideia de grandeza da linha de
produtos originária do filme, nos princípios dos anos 1980, as vendas de mercadorias
vinculadas à série Star Wars foi estimada em um valor que atingia a soma de 1,5 bilhão de
dólares anuais (MALTBY, 1998, p. 24).
Mascarello (2006, p. 347) lembra que Star Wars possui uma importância histórica
como produto contemporâneo de entretenimento e objeto de consumo, pois constitui o
primeiro (e maior até hoje) exemplo do chamado “filme-franquia”, inaugurando o surgimento
da indústria de negócios conexos intimamente associada, é claro, à prática (deflagrada pelo
filme) das famigeradas sequências.
Dentro da enorme miríade de possibilidades para se estudar tal produto da indústria do
entretenimento, iremos nos ater a um desdobramento específico da ficção seriada Star Wars: a
primeira temporada da série de animação Clone Wars (Star Wars: The Clone Wars – The
complete season one, George Lucas, EUA, 2009). A série de animação é composta de 22
episódios com média de duração de 20 minutos que foram exibidos na televisão através do
canal Cartoon Network. A trama da série em questão se passa entre os filmes de cinema O
Ataque dos Clones (Star Wars: Episode II – Attack of the Clones, George Lucas, EUA, 2002)
e A Vingança dos Sith (Star Wars: Episode III – Revenge of the Sith, George Lucas, EUA,
2005).
É interessante observar que a série de animação Clone Wars mantém os personagens
mais emblemáticos que temos nos filmes, como Anakin Skywalker, Obi-Wan Kenobi e o
Senador Palpatine, mas cria toda uma nova safra de personagens, cenários e criaturas que só
irão figurar no universo do desenho animado. Estrategicamente, a animação derivada do
filme, também cria seus próprios desdobramentos.
Na imagem a seguir, inclusive, podemos ver uma personagem que foi criada
exclusivamente para a série de animação, trata-se da jovem aprendiz do herói Anakin
Skywalker, chamada Ahsoka Tano (em destaque entre os quatro personagens centrais do
cartaz).
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Figura 1 – Material promocional da série Clone Wars.
Fonte – Cad Bane Has a Blog http://goo.gl/321rvl (Último acesso em 4/2014)
É interessante frisar que a personagem Ahsoka Tano, que vemos em destaque na
imagem anterior, nunca é sequer mencionada em um filme da franquia Star Wars. Ela surge
como um personagem exclusivo da animação, o que divide a opinião de fãs que acompanham
a série em múltiplas plataformas.
A animação utiliza uma linguagem moderna de desenho animado computadorizado e
3D. Ela ressignifica alguns personagens dos filmes em um estilo completamente diferente e
estilizado daquele que foi exibido nos filmes, mas mantém a ideia geral do universo de Star
Wars atrelada em sua essência.
Clone Wars chega como um importante produto derivado dos filmes e, visando
materializar graficamente a ideia destes desdobramentos da franquia em questão, propomos
uma imagem que nos permite visualizar uma primeira dimensão básica de produtos que foram
originados dos filmes da série Star Wars, incluindo a animação Clone Wars com seus próprios
desdobramentos. Deve-se frisar que há um número muito maior de produtos oriundos da
franquia e que aqui deseja-se apenas apresentar uma primeira ideia visual desse processo de
desdobramento em múltiplas plataformas tão característico de nosso objeto de estudo.
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Figura 2 – Interligação entre os diferentes conteúdos e plataformas de Star Wars
Fonte – Elaboração própria do autor
A figura anterior mostra como o conteúdo se desdobra partindo do produto principal
(filmes de cinema) em brinquedos, quadrinhos, blu-rays e a animação Clone Wars. Esta
última (em destaque na área vermelha da imagem), por sua vez, origina seus próprios
desdobramentos como brinquedos, quadrinhos, blu-rays, games etc.
Dada a enorme dimensão de desdobramentos é mais interessante entender a ficção
seriada Star Wars como um “sistema solar”, onde existe um produto principal central (no
caso, os filmes de cinema) relacionado a uma série de outros produtos que orbitam este
sistema. A força que os mantém relacionados é a narrativa original que se prolifera em outras,
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caracterizando uma narrativa multiplataforma ou transmidiática, que permite diferentes níveis
de envolvimento por parte dos fãs ou consumidores da franquia.
Partindo destas premissas iniciais, vamos detalhar a ideia de narrativa transmidiática –
cerne deste estudo - sempre mantendo como foco a série de animações Star Wars – Clone
Wars.
2. Narrativa transmidiática
Quando se aponta a série de ficção Star Wars como um produto de entretenimento
com características transmidiáticas e multiplataforma deve-se, primeiramente, delimitar o que
se enquadra como transmidiático no âmbito do objeto de estudo.
Reforçando a ideia de Jenkins (2008), uma narrativa transmidiática se desenrola
através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira
distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal deste tipo de narrativa, cada meio contribui com
o que faz de melhor a fim de que, por exemplo, uma história apresentada no cinema possa ser
expandida na forma de seriado de televisão, romance e quadrinhos, seu universo explorado
em games ou experimentado como atração de um parque de diversões.
Dentre as diretrizes que regem os múltiplos fluxos narrativos, verifica-se que o
conteúdo das outras plataformas não deve replicar o que é exibido na TV (por exemplo),
funcionando como material complementar para certos tipos de fãs da série. A série Clone
Wars, por exemplo, se desenrola entre os episódios II e III dos filmes de cinema e
complementam informações sobre os filmes e trazem novos personagens e cenários conforme
supracitado.
Todo o conteúdo extra em torno da produção deve operar como adendo. Coerente com
este tipo de lógica, observa-se a regra de que o entendimento do desenrolar de uma série de
ficção no cinema não esteja estritamente vinculado ao consumo dos conteúdos periféricos que
são oferecidos ao público, ou seja, que não obrigue nenhum consumo extra de produto para
que haja compreensão plena de uma trama principal. A animação Clone Wars é
compreensível mesmo se o espectador não tenha assistido aos filmes; logicamente, as
experiências de entendimento da trama são diferentes nesse caso, mas a ideia geral é possível
de ser captada somente através da animação.
Entende-se que nesse tipo de produção cada elemento funciona como ponto de acesso
à franquia como um todo. É fundamental garantir que cada acesso à franquia possa ocorrer de
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modo autônomo, para que não seja necessário assistir ao filme para apreciar o game, e viceversa. A intenção é que a compreensão obtida por meio da interação do fã-consumidor com os
diversos tipos de mídia colabore para ensejar tal profundidade de experiência que seja capaz
de induzir cada vez mais consumo.
Igarza (2008, p.82) argumenta que o momento em que vivemos, de forte
convergência de meios, enriquece os dispositivos tecnológicos e consequentemente amplia a
experiência do consumidor, permitindo diferentes microuniversos de se manifestarem no
celular, no cinema, na TV ou em outra plataforma de comunicação. Igarza aponta que todas
estas plataformas convergentes são pontos de contato com os consumidores e potencialmente
utilizáveis como ambientes para expor narrativas, inclusive as que se desdobram em
muliplataformas como as chamadas narrativas transmidiáticas, pois independente do meio, se
fala em narrar histórias.
Já Castells (2009, p. 54) complementa o pensamento anterior de Igarza ao postular que
o processo de comunicação, historicamente falando, é definido pela tecnologia que permeia a
comunicação, as características dos emissores e receptores, seus códigos culturais e
protocolos e escopos de comunicação.
Entretanto, este cenário de forte convergência que permite a ampla utilização das
estratégias transmidiáticas para produtos de entretenimento possui um elemento-chave: o fãconsumidor para quem os múltiplos desdobramentos de produtos são – estrategicamente –
projetados. Iremos discutir sobre esta intrincada figura no próximo tópico.
3. Fãs-consumidores/Consumidores-fãs.
Não é o objetivo deste texto explorar e classificar todos os tipos de consumidores
existentes na contemporaneidade. Porém, iremos nos ater à figura de um consumidor
específico que surge neste ambiente: o fã-consumidor ou fansumer. Castro (2010, p.96-97)
define o fansumer, como uma figura “responsável pela geração e veiculação de volumosos
dados sobre suas preferências de consumo, funcionando como endosso entre pares”. Essa
intrincada figura ajuda a estabelecer parâmetros para a lógica econômica de uma indústria de
entretenimento integrada horizontalmente, onde uma única empresa pode ter raízes em vários
diferentes setores midiáticos e dita o fluxo de conteúdos através de suas diversas plataformas
de distribuição (JENKINS, 2008, p. 135). Em outras palavras, percebe-se que ficções seriadas
como Star Wars abrem inúmeras possibilidades de consumo (como a animação Clone Wars)
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para os diferentes tipos de indivíduos pelo fato de desenvolver a trama principal em diversas
outras plataformas.
Vale ressaltar, entretanto, que a lógica de uma marca atrair fãs-consumidores não é
privilégio da indústria do entretenimento ou de consagradas franquias do cinema. Marcas
como Apple e Nike, por exemplo, também congregam em suas fileiras os fansumers que
estamos tratando nesta discussão.
A figura de um fansumer é um dos pilares que justifica o desdobramento de um
produto em múltiplas plataformas. No caso da animação Clone Wars, vemos um produto
focado em um público infantil, mas que também congrega outras gerações de fãs da série Star
Wars como espectadores. A ampla disponibilidade de conteúdo da franquia de ficção
científica abordada aqui permite diferentes tipos de relação com a marca, do mais superficial
(um indivíduo que só assistiu os filmes) ao mais profundo (um indivíduo que viu os filmes,
leu os quadrinhos, comprou os games e assistiu ao seriado Clone Wars).
Em relação a estes múltiplos níveis de envolvimento com a marca Star Wars, serve-se
aqui da observação de Jenkins (2006, p. 41), sobre o significado cultural do fã:
Não se torna um fã apenas por assistir regularmente determinado programa,
mas por traduzir esta experiência em algum tipo de atividade cultural, por
compartilhar ideias e impressões sobre o programa com os amigos, por
ingressar em uma comunidade de fãs que compartilham interesses em
comum. Para os fãs, é natural que o consumo deflagre a produção, a leitura
gere a escrita, a cultura do espectador se torne cultura participativa.
Nota-se, principalmente, que uma ficção seriada com características transmidiáticas
como Star Wars busca unir seus consumidores em núcleos de discussão, tanto presenciais
como digitais, para que estes indivíduos não apenas assistam à série, mas que até mesmo
virem
co-produtores
da
mesma,
pois
há
uma
enorme
quantidade
de
filmes
caseiros/independentes3 feitos por fãs que utilizam o universo de Star Wars.
O fã-consumidor, ou fansumer, desempenha um papel fundamental para as estratégias de
comunicação transmidiáticas, mas é preciso dizer que a internet também possui uma grande
importância neste cenário. A internet – como locus privilegiado de estudos de comunicação –
se mostra um espaço fértil para que os fãs comprem produtos, façam downloads de episódios
de Clone Wars, joguem games online (como Star Wars: Old Republic) ou simplesmente
busquem/discutam informações em sites de redes sociais com outros fãs.
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Os chamados fan-films ou fan-fics.
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Segundo Ford, Green e Jenkins (2013, p.294), os membros da audiência estão usando
os textos da mídia à sua disposição para forjar conexões com o outro, para mediar as relações
sociais e fazer sentido do mundo em torno deles. Os fansumers de Star Wars se apropriam do
material criado pela franquia justamente para formarem comunidades de discussão e – até
mesmo – produção de conteúdo.
A marca Star Wars, ao utilizar uma estratégia transmidiática, percebe no fansumer e
na internet dois importantes pilares para criar conteúdo para múltiplas plataformas. A primeira
temporada da animação Clone Wars é prova disso e nos mostra como um subproduto da série
pode gerar sua própria cadeia de produtos. A franquia pode utilizar a internet como um
primeiro espaço para trailers e teasers da série e como um “termômetro” para avaliar a
participação e consumo dos fãs e explorar novos desdobramentos de produtos.
No próximo tópico discutimos alguns pontos sobre metodologia e realizamos algumas
observações sobre a importância da internet no processo de aproximação da figura do fãconsumidor e dos espaços virtuais para discussão do universo de Star Wars.
4. Sobre a metodologia
Conforme mencionado no início deste texto, esta discussão propõe examinar a
franquia de ficção seriada cinematográfica Star Wars (especificamente a animação Clone
Wars), sua estratégica transmidiática e o papel dos fansumers (que muitas vezes surgem como
co-autores e produtores de conteúdo) dentro deste cenário. Para dar suporte à complexidade
do objeto em questão utilizou-se uma abordagem multimetodológica que prevê alguns
procedimentos
específicos.
Lopes
(2006)
defende
o
uso
de
uma
abordagem
multimetodológica e transdisciplinar para se alcançar resultados mais precisos e menos
fragmentados em pesquisas dentro do campo da comunicação.
Este trabalho utilizou uma pesquisa bibliográfica para a parte de fundamentação
teórico-conceitual da argumentação proposta, por meio de autores da comunicação, consumo
e cibercultura. Empreendeu-se, também, uma observação empírica de caráter netnográfico na
internet (em sites de redes sociais digitais verificando a atuação dos fansumers), utilizando
princípios estudados por Hine (2000, p. 63-64) que propõe que a etnografia virtual é utilizada
como uma ferramenta para enxergar possíveis respostas na internet que dizem respeito à
maneira que os indivíduos se comunicam e interpretam (e reinterpretam) informações através
de plataformas de comunicação digital. Hine ainda afirma que a mídia interativa é um espaço
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privilegiado que oferece muitos desafios e oportunidades para se pesquisar, a autora propõe o
argumento de que o ciberespaço não é para ser pensado “como algo separado de qualquer
conexões com a vida real e interação face a face (...) O desafio da etnografia virtual é explorar
a formação de fronteiras e como são formadas conexões, especialmente entre o virtual e o
real (ibidem, p. 64).
A atenta observação dos fãs no ambiente digital revela pistas interessantes para o
nosso trajeto e endossa a estratégia transmídia utilizada pela franquia de ficção. Ao
mergulharmos na web, podemos encontrar espaços criados por usuários como é o caso do site
Wookiepedia – The Star Wars Wiki4. O nome Wookieepedia carrega uma carga simbólica
muito relevante aos fãs da série Star Wars. Alude a um famoso personagem da série chamado
Chewbacca, um piloto alienígena, parceiro do personagem Han Solo (Harrison Ford) e
membro de uma raça chamada wookiee. O nome do site faz uma paródia com o conhecido site
de conteúdo enciclopédico colaborativo Wikipedia, criando o nome Wookieepedia.
O site Wookieepedia foi criado e é atualizado utilizando por meio de uma ferramenta de
publicação gratuita chamada Wikia. O Wikia, segundo o próprio site da marca, é um espaço
on-line que reúne uma coleção de sites criados em comunidade, onde a ideia principal é
conectar pessoas com interesses e paixões similares; o que corrobora com a questão do fãconsumidor novamente. É possível encontrar Wikias de muitas outras franquias da indústria
do entretenimento, como Harry Potter e Indiana Jones.
Sites de redes sociais digitais, como a Wookiepedia e tantos outros (Facebook, Twitter,
Instagram etc.), permitem que o usuário transite entre diferentes conteúdos e tenha a
possibilidade de ser leitor ou também criador de seu próprio conteúdo; permitem que o
usuário experimente diferentes tipos de imersão com a marca Star Wars. Este tipo de site
colaborativo reúne de maneira sistemática todo o conteúdo das múltiplas plataformas,
registrando o que faz parte dos filmes, animações e do universo expandido (games, livros,
quadrinhos etc.). De certa forma, este tipo de espaço digital também serve como fonte de
pesquisa para o polo produtor investigar o que os fãs estão discutindo, desejando e
produzindo; por isso insistimos na ideia de que se forma um verdadeiro ecossistema
comunicacional.
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O site pode ser visualizado na URL http://starwars.wikia.com/wiki/Main_Page (Último acesso em
4/2014)
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Sendo assim, rumamos para a última parte desta discussão onde apontamos algumas
considerações e deixamos um convite para novas pesquisas e estudos relacionados a este
assunto.
Considerações Finais
Em meados da década de 1970, o produtor e diretor do primeiro filme da franquia,
George Lucas, já havia compreendido o negócio multimilionário de entretenimento como algo
que ia além do filme exibido no cinema. Em entrevista sobre os bastidores e curiosidades da
série de ficção, Lucas afirma que recusou receber parte dos lucros de bilheteria do estúdio
Twentieth Century Fox e assinou um contrato onde pedia exclusividade em participação
monetária em todos os produtos derivados da franquia. Naquela época o diretor foi alvo de
zombaria na indústria do cinema, pois nenhum grande grupo da indústria do entretenimento
acreditava que uma produção cinematográfica conseguisse gerar tantos produtos derivados a
ponto de render mais retorno financeiro que o faturamento da própria bilheteria do filme.
Star Wars provou que isso era possível. Logo após o lançamento do primeiro filme,
que rapidamente se firmou como um ícone da cultura pop, uma série de produtos como
miniaturas, lancheiras, camisetas e jogos com os personagens do filme chegaram ao mercado.
Mais do que um visionário, Lucas provou ser um grande entendedor dos rumos da indústria
do entretenimento.
A série de ficção Star Wars reforçou a ideia de que um filme poderia ir além das telas,
podendo sua narrativa ser prolongada em uma série de histórias em quadrinhos e livros, que
contavam histórias paralelas às do filme, com foco em outros personagens.
A saga criada por George Lucas provou ao cenário de entretenimento da época que os
fãs queriam muito mais do que somente acompanhar o que era exibido nas telas dos cinemas.
Queriam ir além: discutir hipóteses, trocar ideias e até mesmo criar e compartilhar suas
próprias histórias criadas com os personagens do filme.
As
estratégias
transmidiáticas
aplicadas
em
Star
Wars
geraram enormes
desdobramentos de produtos, como o exemplo que trouxemos para esta discussão: a série de
animação Clone Wars. A animação, por si só, já gera toda uma cadeia de produtos derivados
ampliando ainda mais o escopo transmídia da franquia.
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Conforme ressaltamos, o fã-consumidor, a internet e o forte momento de convergência
tecnológica são elementos importantes para que as estratégias transmidiáticas se materializem
dentro da contemporaneidade.
A dimensão que o universo de Star Wars atingiu, transformou-o em um produto de
sucesso e em 30 de outubro de 2012 o grupo Disney comprou a marca por uma quantia
superior a 4 bilhões de dólares5. Mais do que isso, ao anunciar a compra da franquia, a Disney
também comunicou que novos filmes serão produzidos; o Episódio VII (ainda sem nome) será
lançado em 2015 e em meados de 2014 já está programado o lançamento de uma nova série
de animação intitulada Rebels6. Antes mesmo da nova animação ser lançada, já foi anunciada
uma linha de brinquedos (endossando a ideia que abordamos neste trabalho). Certamente, nas
mãos da Disney iremos ver a franquia criar um fôlego ainda maior e ser perpetuada para
outras gerações.
Ao observarmos a enorme gama de possibilidades utilizada pela franquia Star Wars,
percebemos o quão fértil é o terreno para pesquisarmos mais sobre este tema. Percebemos
também a necessidade de trazer este debate para a superfície e ampliar o diálogo cada vez
mais entre outras visões sobre o assunto. Esta é uma discussão que está longe de se esgotar.
Que a força esteja conosco nesta jornada.
Referências Bibliográficas
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CASTRO, Ativando o interator: apropriações mercadológicas na cibercultura. Conexiones Revista iberoamericana de comunicación, nº 2, Barcelona, 2010. Pgs. 93-100
FORD, Sam; GREEN, Joshua; JENKINS, Henry. Spreadable Media: creating value and
meaning in a networked culture. New York and London: New York University Press, 2013.
HINE, Christine. Virtual ethnography. Londres: Sage Publications, 2000.
IGARZA, Roberto. Nuevos medios: estrategias de convergencia. Buenos Aires: La Crujía,
2008.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
5
Conforme visto em http://www.tecmundo.com.br/filmes/32068-disney-compra-lucasfilm-e-anunciastar-wars-episodio-7-para-2015.htm (Último acesso em 4/2014)
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Um teaser trailer pode ser visto em https://www.youtube.com/watch?v=O1_F7zg4B30 (Último acesso
em 4/2014)
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JENKINS, Henry. Fans, bloggers and gamers: exploring participatory culture. New York:
NYU Press, 2006.
LOPES, M. I. V.. O campo da comunicação: sua constituição, desafios e dilemas. Revista
FAMECOS, Porto Alegre: PUC-RS, nº 30, agosto 2006, pp. 16 a 30.l
MALTBY, R. Nobody knows everything: post-classical historiographies and consolidated
entertainment. IN: NEALE, S. e SMITH, M. (orgs.). Contemporary Hollywood cinema.
Londres: Routledge, 1998.
MASCARELLO, Fernando. Cinema hollywoodiano contemporâneo. In: MASCARELLO,
Fernando (org.). História do cinema mundial. Campinas: Papirus, 2006.
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Star Wars: Episode IV - A New Hope. Star Wars: Episódio IV - Uma nova esperança,
George Lucas. EUA, 20th Century Fox Film, 1977. 121 min.
Star Wars: Episode V – The Empire Strikes Back. Star Wars: Episódio V – O Império
contra ataca, Irvin Kershner. EUA, 20th Century Fox Film, 1980. 124 min.
Star Wars: Episode VI – The Return of the Jedi. Star Wars: Episódio VI – O retorno de
jedi, Richard Marquand. EUA, 20th Century Fox Film, 1983. 131 min.
Star Wars: Episode I – The Phantom Menace. Star Wars: Episódio I – A ameaça fantasma,
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Star Wars: Episode II – Attack of the Clones. Star Wars: Episódio II – Ataque dos clones,
George Lucas. EUA, 20th Century Fox Film, 2002. 143 min.
Star Wars: Episode III – Revenge of the Sith. Star Wars: Episódio III – A vingança dos
sith, George Lucas. EUA, 20th Century Fox Film, 2005. 139 min.
Star Wars: The Clone Wars – The complete season one. George Lucas. EUA, Warner Bros
Pictures, 2009. 503 min.
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