Tribunal de Justiça de Santa Catarina
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina Apelação Cível n. 2007.053736-4, da Capital Relator: Des. Subst. Stanley da Silva Braga APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE CUMPRIMENTO CONTRATUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. AFASTAMENTO. OBESIDADE MÓRBIDA. NEGATIVA DA ADMINISTRADORA DO PLANO DE SAÚDE (UNIMED) DE REALIZAR CIRURGIA DE REDUÇÃO DE ESTÔMAGO. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA RESTRITIVA DO PROCEDIMENTO PRETENDIDO. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECUSA INJUSTIFICADA DO CONVÊNIO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. O Magistrado pode e deve exercer juízo crítico e aceitar como suficientes as provas apresentadas, dispensando as outras, quando a tendência é que a lide seja julgada antecipadamente, conforme o previsto pelo Código de Processo Civil, art. 330, I. Se a cirurgia bariátrica, indicada nos casos de obesidade mórbida, não está expressamente excluída da cobertura do plano de assistência médica e há lista taxativa das áreas médicas cobertas sem o devido destaque quanto à restrição, deve a operadora de plano de saúde arcar com as despesas do procedimento cirúrgico. O plano-referência estabelecido na Lei 9.656/98, artigo 10, aplicável à espécie, prevê a cobertura das patologias relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde. Dentre as enfermidades está indicada a obesidade mórbida, sendo devida a cobertura, uma vez ausente limitação contratual expressa e válida (Ap. Cív. n. 2009.010482-4, de Rio Negrinho, Rel. Des. Henry Petry Júnior, j. 16-10-2009). Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.053736-4, da comarca da Capital (1ª Vara Cível), em que é apelante Unimed de Joinville Cooperativa do Trabalho Médico, e apelada Ana Cristina de Abreu: ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais. RELATÓRIO Nos termos da decisão de Primeiro Grau (fls. 171-176): "Ana Cristina de Abreu ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA DE CUMPRIMENTO CONTRATUAL contra Unimed - Cooperativa do Trabalho Médico alegando, em resumo, que atua como técnica de enfermagem junto ao Serviço Público Federal, filiada ao Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, que por sua vez firmou contrato particular de prestação de serviços médicos e hospitalares com a ré, em vigor a partir de 18.10.2002. Acrescentou que contou com os serviços oferecidos através do convênio diversas vezes, e que atualmente em virtude do excesso de peso (obesidade mórbida) vem enfrentando sérios problemas de saúde, entre eles síndrome dos ovários, comprometimento dos músculos e cartilagem artículas de ambos os joelhos. Sustentou que necessita realizar cirurgia de redução do estômago para a perda do peso, sendo que tal solicitação feita à ré restou negada porque a patologia foi considerada pré-existente, não coberta pelo plano de saúde. Asseverou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, e que a cláusula a respeito de doenças pré-existentes é abusiva e nula de pleno direito, além do que não foi submetida a qualquer exame quando da adesão ao plano. Requereu a procedência do pedido para que a ré seja condenada ao custeio integral da cirurgia bariátrica (redução do estômago). Devidamente citada, a ré contestou argüindo, em preliminar, ilegitimidade ativa. No mérito esclareceu acerca a natureza do contrato firmado entre as partes, destacando a ausência de cobertura no caso de doença pré-existente, que foi o caso da autora, devendo prevalecer a cláusula VII - 7.1, "r", da avença. Postulou a improcedência do pedido. A autora replicou. Nos autos em apenso (ação cautelar) concedeu-se a liminar para determinar que a ré autorizasse a cirurgia da autora, com as despesas médico-cirúrgicas e médicohospitalares previstas no contrato, e a mesma, na petição inicial, expôs seus motivos, que são os mesmos da ação principal. A ré igualmente contestou". Restando o litígio assim decidido na Instância a quo: "Diante do exposto, julgo procedentes os pedidos formulados na ação ordinária de cumprimento contratual e ação cautelar inominada para condenar o réu a arcar com o custeio integral da cirurgia bariátrica (redução do estômago) da autora pelo método laparoscópica. Condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) para ambos os autos, consoante art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, considerando a complexidade da causa e tempo de duração". Foi aforado Recurso de Apelação Cível (fls. 179-206) por Unimed de Joinville Cooperativa do Trabalho Médico que teceu argumentação e concluiu requerendo a anulação da sentença em virtude do cerceamento de defesa; a reforma da sentença para julgar extinto o feito sem a análise do mérito ante a ilegitimidade ativa da apelada com inversão ao ônus da sucumbência; a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido por entender se tratar de doença preexistente; a inversão do ônus da sucumbência e, por fim, caso entenda que a apelante deva suportar os custos da cirurgia, sejam minorados os honorários advocatícios. Contrarrazões às fls. 212-219. Regularmente preparado, a tempo e modo, ascenderam os autos a esta Instância. VOTO Da admissibilidade: Presentes os pressupostos legais o recurso é conhecido. Do julgamento: Preliminares: Foram suscitadas as preliminares de cerceamento de defesa e ilegitimidade ativa ad causam. Cerceamento de defesa Preliminarmente, arguiu a apelante, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, ao argumento de que não lhe restou oportunizada a produção das provas requeridas, o que deve ser afastado, a um, porque diante do óbice insuperável ínsito no art. 401, do CPC e, a dois, por já pacificado na jurisprudência pátria, inclusive a emanada por esta Corte de Justiça, que: Para autorizar a instrução do processo com prova testemunhal, é requisito essencial que os demandados acostem aos autos, ao menos, início de prova escrita acerca do que alega para desconstituir o título, conforme preceituam os arts. 401 e 402, I, do Código de Processo Civil (Ap. Cív. n. 2004.0255136, de São José. Rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, j. 28-6-2007), o que ocorre no caso vertente, viabilizando a aplicação imediata do preceito ínsito no art. 330, I, do CPC. Portanto, a ausência de nulidade pelo julgamento antecipado da lide é indiscutível, pois estavam presentes os requisitos necessários para ensejar a decisão antecipada, tendo em vista a natureza do litígio. Extrai-se da lição do Ministro Luiz Fux: O julgamento antecipado da lide poupou o legislador das severas críticas que se lançava outrora contra a inutilidade do ato. Segundo um velho comentarista do Código Processual: "as audiências eram reuniões inúteis, nas quais se consumia tempo com formalidades escusadas e sem qualquer efeito prático, servindo mesmo para facilitar rasteiras e as manobras dos profissionais espertos (Curso de Direito Processual Civil, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 777). Com base nos entendimentos anteriores e das provas trazidas aos autos pela autora, afasta-se, pois, o pedido de cerceamento de defesa. Ilegitimidade ativa ad causam A apelante sustenta a ilegitimidade ativa ad causam, ao fundamento de que a autora possuía o plano de saúde Unimed por intermédio de cooperativa de trabalho onde exerce suas funções, ou seja, pelo SINTUFSC - Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Santa Catarina. Todavia, a tese lançada no apelo não merece guarida, pois o SINTUFSC funciona apenas como intermediário ou como forma de garantir aos seus funcionários um plano coletivo, não tirando do contratante direto (autora) sua legitimidade para pleitear seus direitos. Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DEMANDA AJUIZADA POR BENEFICIÁRIO DE PLANO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ALEGAÇÃO DE CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. NEGATIVA DA ADMINISTRADORA DO PLANO DE SAÚDE EM FORNECER PRÓTESE IMPORTADA PARA TRATAMENTO DE PATOLOGIA. AFIRMAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE PRÓTESE SIMILAR DE FABRICAÇÃO NACIONAL. QUALIDADE E DURABILIDADE INFERIORES. RECUSA INJUSTIFICADA. RECURSO DESPROVIDO. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA DE URGÊNCIA. DEFERIMENTO DO PLEITO NESTA INSTÂNCIA RECURSAL. I - Possui legitimidade ativa ad causam a pessoa apontada como beneficiária em contrato de plano de saúde em grupo, haja vista ser detentora do direito material postulado em juízo, afigurando-se perfeita a relação de pertinência subjetiva formada entre as partes. Ademais, frisa-se que, via de regra, os contratos em grupo (v.g. seguro, previdência privada, plano de saúde) não são firmados individualmente pelos beneficiários, mas pelo representante da empresa ou entidade que o interessado integra. II - Afigura-se injustificada a recusa da administradora de plano de saúde em fornecer ao usuário prótese importada necessária ao tratamento de sua patologia sob a alegação da existência de uma prótese similar de fabricação nacional, quando esta última não possui a mesma qualidade e expectativa de durabilidade e adaptação ao organismo do paciente. III - Viável a concessão da antecipação da tutela específica (obrigação de fazer), ainda que em sede recursal, devendo o juiz determinar as providências que assegurem o resultado prático do inadimplemento, consoante o disposto no art. 461, caput, do Código de Processo Civil (Ap. Cív. n. 2008.001965-6, da Capital. Rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 12-8-2008) (Grifo nosso). Ainda: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FIRMADO ENTRE A INTELBRÁS E COOPERATIVA MÉDICA (UNIMED). DEMANDA AJUIZADA POR BENEFICIÁRIO DO PLANO DE SAÚDE. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM AFASTADA. Consoante previsão contratual, a condição de beneficiário legitima o usuário do plano de saúde a figurar no pólo ativo de ação indenizatória, embora o contrato de prestação de serviços médicos e hospitalares tenha sido firmado entre INTELBRÁS e a Cooperativa Médica (UNIMED) (Ap. Cív. n. 2009.038244-2, da Capital. Rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 22-11-2010). Assim, afasta-se a preliminar aventada. Mérito: Antes de adentrar no mérito, é preciso consignar que todo e qualquer plano ou seguro de saúde está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35 da Lei n. 9.656/98, ao dispor que: "aplicam-se as regras desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada ao consumidor com contrato já em curso a possibilidade de optar pelo sistema previsto nesta lei". Trata-se de ação ordinária de cumprimento contratual interposta por Ana Cristina de Abreu em face de Unimed - Cooperativa de Trabalho Médico. A autora possui convênio com a apelante desde 1995 quando iniciou trabalhando no Hospital Universitário da Capital como Técnica de Enfermagem concursada (fls.25-27). Desde então, a autora usufrui do plano de saúde e em outras ocasiões já utilizou serviços prestados pela apelante. Em decorrência do excesso de peso (obesidade mórbida), a autora passou a ter vários problemas de saúde, inclusive, o comprometimento severo dos membros inferiores, sendo aconselhado por seu médico a realizar a cirurgia de redução do estômago (fls. 35 e 37 da cautelar inominada em apenso). Tendo a autorização negada por se tratar de doença preexistente, recorreu ao Judiciário para a solução do caso, ajuizando uma ação cautelar inominada para obter a autorização para a realização da cirurgia de redução de estômago e que foi deferida. O que a apelante alega é que a autora omitiu que a doença era preexistente, fato que não coincide com a realidade, uma vez que, não há menção no contrato à doenças e, também, a insurgente não solicitou que fosse feito exame no momento da contratação do plano. O plano-referência estabelecido na Lei 9.656/98, artigo 10, aplicável à espécie, prevê a cobertura das patologias relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde. Dentre as enfermidades está indicada a obesidade mórbida, sendo devida a cobertura porquanto ausente limitação contratual expressa e válida. O Código de Defesa do Consumidor é, como se sabe, plenamente aplicável aos contratos relativos a plano de saúde porque, nesse tipo de avença, estão presentes os três elementos da relação jurídica negocial disciplinada pelo referido diploma, a saber: o consumidor (art. 2°); o fornecedor (art. 3°, caput); e o objeto da prestação, que, no caso, consiste na prestação de serviços de assistência à saúde, mediante pagamento de prestação pecuniária mensal (Ap. Cív. n. 2005.040782-1, da Capital, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 5-10-2009). Em seu art. 51 e incisos considera abusivas e nulas de pleno direito, entre outras, cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com os princípios da boa-fé, do equilíbrio contratual e da igualdade, constitucionalmente preconizados. Ainda no art. 47 do Código de Defesa do Consumidor: "As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Vê-se que os princípios da boa-fé e do eqüilíbrio contratual devem emanar de toda relação de consumo, sob pena das estipulações contratuais daí advindas serem consideradas nulas de pleno direito. Assim, em julgado deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. DEMANDA AJUIZADA POR BENEFICIÁRIO DE PLANO DE SAÚDE ACOMETIDO DE OBESIDADE MÓRBIDA, DIABETES TIPO II E HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA. NEGATIVA DA ADMINISTRADORA DO PLANO DE SAÚDE (UNIMED) DE REALIZAR CIRURGIA DE REDUÇÃO DE ESTÔMAGO (GASTROPLASTIA). INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA RESTRITIVA DO PROCEDIMENTO PRETENDIDO. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECUSA INJUSTIFICADA DO CONVÊNIO. RECURSO DESPROVIDO. I- A relação estabelecida entre as partes é tipicamente de consumo, aplicando-se, por conseguinte, para a resolução do conflito, o Código Consumeirista que, dentre outros escopos, destina-se a promover o equilíbrio contratual e a evitar que o consumidor sofra algum prejuízo, porquanto parte mais fraca, por via de regra, em relações desta espécie. II- Havendo cláusula no contrato de prestação de serviços médicos e hospitalares que previa a cobertura de cirurgia gastroenterológica (que engloba, de modo geral, tanto os procedimentos no estômago como no intestino) afigura-se injustificada a recusa da administradora de plano de saúde de realizar cirurgia de redução de estômago (gastroplastia), ainda mais quando o convênio deixa de elencar taxativamente e de maneira inequívoca os serviços que não estariam incluídos, dentre eles o pretendido pela autora. Dessa forma, interpreta-se o contrato de modo mais favorável ao contratante, nos termos do art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, reconhecendo-se, assim, a obrigatoriedade da requerida arcar com o procedimento cirúrgico pretendido pela paciente (Ap. Cív. n. 2006.038669-2, de Capivari de Baixo. Rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. 26-7-2010). Não merece prosperar o pedido da apelante, uma vez que, documentos juntados pela apelada demonstram que em 2001 possuía um peso de 86,5kg (fl. 42) e já era afiliada ao convênio desde 1995. E em 2004 quando foi realizada a cirurgia possuía cerca de 124kg (fl.48) com apenas 24 anos de idade. Resta claro e evidente que a obesidade mórbida desenvolveu-se no decorrer da contratação. Portanto, entende-se que a ré deixou de cumprir com o contrato estipulado, merecendo a sentença permanecer incólume. Ônus de sucumbência Quanto aos ônus sucumbenciais, estes permanecem inalterados. Honorários advocatícios Consoante o art. 20, § 4º do Código de Processo Civil, considerando a complexidade da causa e o tempo de duração despendido, mantém-se o valor estipulado, mantendo a sentença incólume. DECISÃO Nos termos do voto do relator, esta Primeira Câmara de Direito Civil, à unanimidade, resolveu conhecer do recurso e negar-lhe provimento. O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Carlos Prudêncio, com voto, e dele participou o Exma. Sra. Desembargadora Denise Volpato. Florianópolis, 15 de março de 2011. Stanley da Silva Braga relator