Revista Crescer Como falar de morte com seu filho?

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Revista Crescer Como falar de morte com seu filho?
Revista Crescer
Como falar de morte com seu filho?
Saiba de que maneira as crianças entendem a perda e veja o que fazer nesse
momento.
Simone Tinti
Siobhán é uma garota que vive em um casarão em Dublin, Irlanda, com seu
pai. Sua mãe morreu quando ela tinha apenas três anos e, agora, a menina
está se esquecendo da fisionomia dela...”Já havia procurado em todos os
cantos da casa. Encontrou velhos livros da mãe, uma echarpe e um par de
extravagantes sapatos verdes, mas nenhuma fotografia”.
Esse é um trecho de É a Cara da Mãe (Galerinha Record), livro de Roddy
Doyle que aborda um tema nada fácil de abordar com as crianças: a morte.
Como afirma o próprio autor, ele partiu de uma experiência de sua mãe para
escrever esse livro. “Minha avó morreu quando minha mãe tinha a mesma
idade da personagem. Eu cresci sabendo disso, até que resolvi escrever essa
história”, diz. A dificuldade em falar sobre o tema, inclusive, é retratada na
história, por meio do silêncio do pai de Siobhán, “um sujeito legal, mas meio
parado e muito triste”, que não gostava de conversar. E que nunca disse à
garota uma palavra sobre sua mãe. “Na verdade, ninguém jamais falou sobre a
mãe com Siobhán”. Cabe à garota, portanto, encontrar um jeito próprio de não
se esquecer...
Quando chega o momento de falar sobre morte com as crianças, os pais se
enchem de dúvidas: devo contar que o avô está muito doente e pode morrer?
Como explicar o que é uma perda como essa? Como diz Cristina Mendes
Gigliotti, psicóloga clínica do Hospital M´Boi Mirim, em São Paulo, a primeira
atitude é contar a verdade. “É preciso explicar para a criança o que é a morte.
Deve-se dizer que faz parte do ciclo da vida, que é inevitável”, afirma. Para ela,
as explicações de que a pessoa “foi viajar” ou “foi passear” não são indicadas.
“Quem viaja, geralmente volta. E a criança também pode pensar ‘por que ele
não se despediu de mim?’”, diz. Aliás, isso também deve acontecer no caso de
um bicho de estimação – situação em que, geralmente, a criança tem o
primeiro contato com a perda. Aproveite a situação para já explicar sobre o
ciclo da vida.
Mas, como explica Cristina, a melhor maneira de a criança entender o que é a
perda é explicar de uma maneira lúdica. Você deve contar a verdade, mas à
resposta para a tradicional pergunta “e para onde ele foi?”, vale usar a
criatividade. “Muitas crianças acham que a pessoa virou uma estrela ou que foi
para o céu...nessa hora, o simbolismo é fundamental”, afirma a psicóloga. Ou
seja, a criança vai entender o que aconteceu à maneira dela.
O processo de luto, como diz Cristina, tem diversas fases. Assim como os
adultos, as crianças passam por isso também. “Começa com a negação, passa
por uma época de muitas perguntas, depois por uma tristeza profunda, e só
então chega à aceitação”, diz. Portanto, se você está preocupada por seu filho
estar mais agressivo ou mais isolado depois de uma perda, saiba que esse
comportamento é normal. “Se, por exemplo, a criança chora à noite, antes de
dormir, é algo natural nesse processo e até uma maneira de defesa”, diz. O
alerta só vale em caso de exagero, quando a tristeza passa a atrapalhar o dia a
dia.
Mais uma vez, e sempre, a conversa é o mais importante. Quando o caso é de
alguém doente, a preparação deve começar ainda no leito do hospital (ou em
casa). Em O Guarda-chuva do Vovô (editora DCL), livro de estreia de Carolina
Moreyra na literatura infantil, a personagem principal, que também é uma
garota, diz como percebeu que algo estava acontecendo com seu avô. “Um dia
achei o vovô diferente e perguntei pro meu pai se ele estava encolhendo”.
Para a psicóloga Cristina, se o hospital permitir a entrada de crianças, elas
devem, sim, visitar o doente. “É uma maneira de fechar um ciclo e de a criança
vivenciar os últimos momentos com aquela pessoa querida”, diz. Os pais
precisam, no entanto, tomar certos cuidados. “As visitas não devem atrapalhar
a rotina e também não dá para voltar do hospital e deixar seu filho sozinho ou
ocioso...é preciso conversar, explicar o que está acontecendo, e depois, propor
alguma outra atividade. Os livros, desenhos e filmes são bons aliados nessas
horas”, diz. O pai da garota de É a Cara da Mãe, apesar de não gostar de
conversar, às vezes lia para ela. “Toda sexta-feira ele trazia um livro novo para
casa. Quando percebia que a menina estava olhando para ele, o pai sorria...”.
Outra maneira de confortar a criança é definir um “objeto de amor”. Assim
como os chamados objetos de transição, pode ser uma peça de roupa, um
objeto pessoal, acessório ou até mesmo um livro que tenha ligação com a
pessoa que morreu. Ou então, um livro ou filme que serviu de amparo nesse
momento. “Esse objeto é o que vai representar o vínculo com aquela pessoa
que seu filho perdeu e pode dar uma sensação de segurança. É algo que ajuda
a não se sentir tão sozinha. No caso de morte de pais ou mães, principalmente,
esses objetos são muito importantes”, diz Cristina. Em o O Guarda-chuva do
Vovô, o “objeto de amor” está no título. E a escolha não foi feita por acaso,
como diz a autora. Ela escreveu o livro por causa da morte de seu próprio avô.
“Ele ficou muito doente e faleceu um pouco depois do meu primeiro filho (hoje
com três anos) nascer. Como estava com um bebê muito pequeno, não pude
me despedir dele e fiquei com algo entalado dentro de mim. Em um dia de
chuva, acabei pegando o guarda-chuva dele emprestado. E ficava pensando,
‘puxa, isso é tudo o que eu tenho do meu avô’...”, conta.
Carolina afirma que a obra foi uma maneira de ela mesma botar um sentimento
para fora. Como não pôde se despedir do avô da maneira que gostaria, decidiu
fazer isso por meio da literatura. Na hora de escolher a maneira de descrever
esse sentimento, não teve dúvidas: colocou-se na situação de uma criança, a
partir de um interesse crescente por literatura infantil. “Como eu vinha
pensando sobre essa linguagem há algum tempo, vesti a pele da criança que
provavelmente eu fui e passei a descrever o que via desse novo ponto de
vista”, diz. Escrever, como ela conta, foi fácil, e o livro saiu de uma só vez.
“Sentei na frente do computador, ainda com meu filho no peito, e escrevi todo o
texto”.
Como a criança entende a morte em diferentes idades
Até 6 anos
O vínculo afetivo maior é com os pais (ou os cuidadores) e os irmãos. Quando ocorre uma morte
fora desse círculo, a criança vai perceber que algo aconteceu, mas o sentimento de perda não
será tão grande. De acordo com Cristina, não é indicado ir a velórios e enterros até essa idade.
“Não há regras, pois cada criança tem uma sensibilidade diferente. Cabe aos pais decidir. Mas,
no geral, os menores ainda têm muitos medos e fantasias”, diz.
A partir de 7 anos
A criança começa a criar outros vínculos (na escola, principalmente) e, com isso, passa a sentir
mais intensamente as perdas fora do círculo familiar. Ela passa a compreender melhor a morte,
e é possível falar mais abertamente com ela sobre o assunto.
Fonte: Cristina Mendes Gigliotti, psicóloga da área de Oncologia Clínica do Hospital M´Boi
Mirim, em São Paulo
Livros para criança que falam sobre perdas
O Guarda-chuva do Vovô, de Carolina Moreyra e ilustrações de Odilon Moraes
Editora
DCL
Obra vencedora do prêmio FNLIJ nas categorias Criança e Escritor Revelação
É a Cara
Galerinha
da
Mãe,
de
Menina
Editora
Roddy
Doyle
e
ilustrações
Nina,
Vovó
Nana,
Brinque-Book
A
Poltrona
Editora
de
de
Freyia
de
Margaret
Vazia,
de
Wild
Sandra
e
Saruê
Ziraldo
Melhoramentos
ilustrações
e
Blackwood
Record
de
ilustrações
de
Ron
Brooks
Marcelo
Boffa
Melhoramentos
O Jogo da Amarelinha, de Graziela Bozano Hetzel e ilustrações de Elizabeth Teixeira
Editora
Manati
A Velhinha que Dava Nome às Coisas, de Cynthia Rilant e ilustrações de Kathryn Brown
Editora
Brinque-Book
Mas
Por
Editora
Era Uma
Ilustrações
Editora
A Vida
Editora
quê?!
Vez
Íntima
um
de
A
História
Reino
Sonolento,
de
de
de
Lispector
Laura,
de
Cosac
Clarice
Elvis,
Leo
de
Cunha
André
e
e
Peter
Schössow
Naify
Ricardo
Benevides
Neves
Record
ilustrações
de
Flor
Opazo
Rocco
O Segredo é não ter Medo, de Tatiana Belinky e ilustrações de Guto Lacaz
Editora
34
Sapato
Furado,
Editora Global
de
Mario
Quintana
e
ilustrações
de
André
Neves
Fonte: http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI79831-15151,00.html
A morte entra em cena
O tema desperta a curiosidade na fase em que a criança é capaz de elaborar
idéias mais complexas
Redação Crescer
Mãe, você vai morrer?", pergunta Carolina de Oliveira, 5 anos, à mãe,
Alessandra. Desconcertada, a advogada respira fundo e responde: "Sim, a
mamãe vai morrer um dia como todas as coisas da natureza, os animais e as
plantas". E a menina investiga: "Pedra morre, mãe?" Alessandra explica que
não. "Mas carro morre, né? Outro dia você falou que ele morreu..."
Alessandra deu o tom certo na conversa com a filha. Entre os 4 e os 6 anos,
muitas crianças travam algum diálogo semelhante com os pais e a resposta
deve ser a mais natural possível, "porque a curiosidade sobre a morte também
é", observa a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, coordenadora do
Laboratório de Estudos e Intervenções sobre Luto, da PUC-SP.
É comum o tema surgir nessa idade, em que a linguagem mais desenvolvida
da criança permite que ela elabore idéias mais complexas, como a de ter
consciência de que é uma pequena parte de um mundo maior e depende de
seus pais. "A percepção de que pode perdê-los — às vezes despertada pela
morte de algum parente ou animal de estimação — é o que pode levar ao
questionamento
sobre
a
morte",
explica
a
psicóloga.
No conto de fadas
A possibilidade da morte também é semeada na imaginação de seu filho pelas
histórias infantis e contos de fadas. A lista é enorme: Cinderela, Branca de
Neve, Bernardo e Bianca, Dumbo, Bambi. "A mensagem dessas histórias é
clara: sem mãe, são grandes as chances de encrenca e daí para a criança
pensar no que pode acontecer com ela é um pulo", lembra a pediatra Denise
de Andrade Moreira. Desse "pulo" vem o medo do abandono, de ficar só, do
desconhecido. É o receio que está na base da questão da morte para a
criança, segundo a psicóloga Maria Helena. Para algumas, ela ressalta, isso
pode até refletir-se em problemas para ficar longe dos pais, na escola ou na
casa de amigos. Mas a situação costuma ser passageira. "A conversa franca e
tranqüila dos pais com o filho, sempre que ele demonstrar esse receio, é o que
basta para afastar os temores", assegura a especialista.
Pensamento Mágico
A curiosidade sobre a morte também pode ser fruto da imaginação fantástica
das crianças. Elas são capazes de acreditar que tudo o que desejam vai
acontecer, que se estiverem com raiva dos pais seus pensamentos "maus" vão
atingi-los e até levá-los à morte. Sentimentos de culpa podem surgir por conta
disso e, caso você os perceba em seu filho, deve assegurar a ele que os
pensamentos não têm tal poder, nem para o bem nem para o mal. E que é
normal as pessoas se chatearem, sentirem raiva mesmo umas das outras em
algum momento. Conversando, elas sempre se entendem, como com você e
seu filho.
Fonte: http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI16623-15134,00.html

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