fontes epistemológicas do jogo

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fontes epistemológicas do jogo
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LABORATÓRIO DE BRINQUEDOS E JOGOS – Coordenador Prof Marcos Teodorico
FONTES EPISTEMOLÓGICAS DO JOGO
E DO DESENVOLVIMENTO
Significado e teorias do jogo
Nesta obra nosso propósito é de analisar e discutir o desenvolvimento e a
aprendizagem infantil, a partir da atividade lúdica preferida pelas crianças, isto é, o
jogo como atividade psicopedagógica.
Utilizamos a palavra jogo para nos referir ao brincar, aquela predominante na
língua portuguesa quando se trata da atividade lúdica infantil. Nossa poção nesta
obra em utilizar a palavra jogo em detrimento da palavra brincar prende-se ao fato
de que jogo é de utilização universal, inclusive nos estudos relacionados com as
atividades lúdicas da infância. Aparece sempre na linguagem
utilizada
por
renomados psicanalistas, psicólogos e pedagogos que tratam do desenvolvimento
infantil.
Jogo se origina do vocábulo latino “iocus”, que significa diversão, brincadeira .Em
alguns dicionários aparece como sendo a “atividade lúdica com um fim em si
mesma, embora ocasionalmente possa se realizar por motivo extrínseco”.
Analisando a literatura pertinente, pode-se dizer que jogo apresenta significados
distintos, uma vez que pode significar desde os movimentos que a criança realiza
nos primeiros anos de vida agitando os objetos que estão ao seu alcance, até as
atividades mais ou menos complexas, como certos jogos tradicionais e/ ou o
desporto institucionalizado. A partir dos séculos XIX e XX o estudo científico do
jogo ganha novas dimensões. Surgem teorias que dão destaque a esta atividade
com enfoques variados e, em certos casos, bem divergentes.
Entre elas destacam- se a teoria do recreio, de Shiller (1875), que preconiza que o
jogo serve para recrear-se, isto é, que sua finalidade intrínseca é o recreio; a teria
de descanso, de Lazarus (1883), em que o jogo é visto como atividade que serve
para descansar e para restabelecer as energias consumidas nas atividades sérias ou
úteis; a teoria do excesso de energia, de Spencer (1897), que observou o jogo dos
animais e concluiu que o jogo tem como função a descarga de energia excedente; a
teoria de antecipação funcional, de Groos (1902), que analisa o jogo como um préexercício de funções necessárias para a vida adulta; e a teoria da recapitulação, de
Stanley Hall (1906), que vê o jogo como forma de reprodução da espécie.
Outra visão teórica que toma corpo a partir do início do século XX baseia-se nos
estudos de Claparède (1911). Para esse psicólogo, o desenvolvimento psicológico
não se realiza sozinho, não é resultado do desenvolvimento das forças inatas que o
indivíduo adquire pela herança .
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O desenvolvimento do indivíduo “ é o resultado, ao mesmo tempo, das
determinações da natureza, ainda misteriosa, que foram transmitidas pela herança,
e da ação do meio ambiente”. Por essa razão, a variação do ambiente pode
repercutir na morfologia animal, provocar regressão dos órgãos que eram úteis e
desenvolver os órgãos estimulados. São dois os instrumentos a que a criança
recorre instintivamente: o jogo e a imitação. Neste sentido afirma que o “animal
não joga porque é jovem, mais por ser jovem é que pode jogar”.
No decorrer do século XX, essas teorias vão provocar a realização de outros estudos
relacionados com o jogo infantil, criando muitas controvérsias, mais com relação à
origem do jogo do que sobre seu valor no desenvolvimento infantil. Elkonin, por
exemplo, lembra que há muito tempo o jogo dos animais e do homem despertou o
interesse de filósofos, pedagogos e psicólogos, mas que somente no final do século
XIX se tornou objeto de investigação psicológica especial de K. Groos. A partir daí
muitos estudos passaram a analisar o jogo sob vários pontos de vista, constituindo
uma ampla literatura.
Para Freud, Melanie Klein e S. Hall, os jogos são de origem biológica; para
Winnicot, Elkonin e Vygotsky,de origem social. Para Garvey (1977), o jogo é ao
mesmo tempo produto e marca da herança biológica do homem e da sua
capacidade criadora de cultura. Wallon e Piaget, mesmo tendo partido de objetos de
estudos diferentes, opinam que o conteúdo dos jogos varia segundo o meio físico e
social da criança. Goraigordobil, mais tarde, posiciona-se favorável a esse ponto de
vista. Na visão de Shterev, os jogos são um fenômeno histórico no desenvolvimento
da cultura humana:
“ a atividade laboral é primária, inicial, enquanto a atividade dos jogos aparece
posteriormente”. O ponto de vista marxista de Plejanov – “ o jogo é filho do
trabalho “- é, na opinião de Shterev, um dado muito importante, porque contrapõe
a visão de uma série de teóricos burgueses, como ele os denomina, que analisam o
jogo simplesmente do ponto de vista biológico, e não como um fenômeno socialhistórico. Para Shterev, as teorias do atavismo de S. Hall, e a do excesso de
energia, de Groos, entre outras, foram as que “biologizaram” o jogo como instinto
do homem. Do ponto de vista biológico, o jogo do homem e o dos animais estariam
muito próximos, mas, ainda Shterev, há entre eles uma diferença fundamental: o
jogo, no que se refere ao seu conteúdo e enfoque, é característico do homem e tem
caráter reflexivo. O aspecto bastante claro entre os teóricos que estudam o jogo é
que as maiores divergências se situam no que se refere à origem , e muito pouco
no que se refere ao valor.
Para Borja, o valor do jogo para os povos e para os indivíduos tem um caráter
inquestionável; basta que se analisem os hábitos dos antigos persas e gregos. O
enfoque dado pela autora se sentiu no âmbito pedagógico e cognitivista: “à medida
que vai jogando, a criança se põe em contato com as coisas e aprende
inconscientemente suas qualidades e defeitos.” Não é suficiente dizer a uma criança
que uma faca corta, que o carvão suja e que fogo queima. Jogando,
experimentando e comprovando é que ela aprende essas propriedades das coisas e
dos objetos.
Apesar de pontos de vista diferentes sobre a natureza e a classificação dos jogos,
parece haver uma convergência em relação ao seu valor. Portanto, muitos autores,
embora partindo de referenciais teóricas diferentes, atribuem aos jogos infantis
valor inestimável no desenvolvimento infantil. O que se observa na prática,
contudo, é que esses estudos muito pouco tem influenciado na estruturação
curricular, pois as instituições de ensino, ainda, tem explorado muito pouco o jogo
como recurso psicopedagógico.
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O recomendável seria que as disciplinas curriculares responsáveis pelas expressões
e práticas corporais utilizassem o jogo como objeto de estudo e como ferramenta
pedagógica, considerando que já faz algum tempo que investigações relacionadas
ao tema vem atribuindo valor destacado ao jogo infantil como alavanca de
desenvolvimento e de aprendizagem.
São muitas as características que se atribuem aos jogos, analisadas a partir de
diferentes pontos de vista. Encontramos abordagens em que o jogo é visto como
atividade de prazer, espontânea e voluntária, como afirma Goraigordobil. Outros,
como Vygotsky, dizem que a característica do jogo não é somente prazer, mas
também desprazer, dependendo do tipo de jogo.
Estudos atuais evidenciam que o jogo, mais que determinadas atividades ou tipo
de atividades (físicas, intelectuais, de relação etc.), pode ser considerado uma
atitude. Callois nos ajuda refletir nesse sentido. Para ele, o jogo é “uma atividade
livre e voluntária, fonte de alegria e diversão”. Uma atividade com fim lúdico em
que a pessoa se vê obrigada a participar, cessa de ser jogo e se converte em
obrigação, em moléstia da qual a pessoa procura logo se livrar .
“Somente se joga se quer, quando se quer e o tempo que se quer”; arremata
dizendo que nesse sentido o jogo é uma atividade. Outra abordagem interessante
em relação ao jogo e seu significado é adotada por Buytendijk: “jogar é sempre
jogar com alguma coisa.” O vínculo com o objeto não nasce pela recepção de
impressões, por ver ou ouvir, mas sobretudo com o tocar, apalpar, isto é de uma
unidade de percepção e de movimento. Nessa linha de raciocínio, nem todos os
sentidos tem a mesma importância no que se refere ao jogo; guardam uma relação
diversa com o movimento do próprio corpo. O tato, além de nos pôr em relação
direta com as coisas, nos oferece nesse contato a vivência de nosso próprio existir.
Ao apalpar, as sensações e os movimentos se encontram enlaçados em um círculo
funcional. Essa dialética que Buytendijk estabelece na análise do significado do jogo
conduz a reflexões que vão além da visão do jogo como atividade. Reitera ainda
que sua afirmativa anterior deve ser bem entendida, isto é, “jogar não consiste
somente em que o indivíduo jogue com alguma coisa, mas também em que alguma
coisa jogue com o jogador.”
Conclui dizendo que quanto mais plena estiver essa última condição, tanto mais
duradoura e intensa será a forma do jogo. Essas colocações nos levam a refletir e
ao mesmo tempo levantar pelo mínimo duas hipóteses:
1) O jogo é mais a atitude que o indivíduo adota do que na realidade uma
atividade; ou
2) Existe uma relação dialética entre a atitude que o indivíduo adota e a atividade
que ele seleciona. Essas e outras questões pretendemos discuti-las melhor no
momento em que analisarmos algumas características do jogo infantil a partir
de observações e estudo etnográfico de crianças de três a cinco anos de idade.
Os jogos, historicamente, são de grande valor, não apenas interesse que
universalmente despertam nas crianças, mas também pela alegria que elas
manifestam ao jogar. Para Medeiros, os jogos “trazem, ainda, a grande vantagem
de oferecer, aos que deles participam, excelentes oportunidades para o
desenvolvimento físico, mental, emocional e social”. Na realidade, essas afirmativas
quando se trata do jogo infantil, partem do pressuposto de que todo jogo é
indicativo de boa saúde, sem sequer questionar o componente simbólico, que indica
o nível de desenvolvimento em que a criança se encontra.
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Por um lado, aceitamos a tese de que a criança é capaz de jogar sozinha ou com os
iguais, indicando que atingiu determinados níveis de desenvolvimento psicossocial;
por outro lado, é fundamental que se analisem os papéis que ela assume no jogo.
Para isso, tudo parece indicar que o adulto deve estar preparado para fazer a leitura
do jogo da criança, interpretar seu significado simbólico e, em alguns casos, quando
utiliza o jogo como ferramenta de trabalho, também para “implicar-se” no jogo e,
dessa forma, alavancar o desenvolvimento nossas convicções pedagógicas sobre a
importância da intervenção do adulto no jogo infantil.
A Educação Física de Base, através das atividades recreativas, historicamente tem
utilizado o jogo como um dos seus conteúdos programáticos, priorizando os jogos
motores tradicionais, os brinquedos cantados e as atividades rítmicas. Os
brinquedos cantados e as atividades rítmicas parecem não ser considerados como
jogos nos estudos de psicanalistas e psicológos no decorrer deste século.
São os pedagogos e, especialmente, os professores de Educação Física que as
utilizam através da recreação como atividades curriculares por atribuírem a elas um
grande valor pedagógico, porém, sem estudarem com profundidade o componente
simbólico que está inserido em toda atividade lúdica da criança. Os autores
analisam as diferenças existentes entre o jogo das crianças e o jogo dos adultos, e
isso nos parece ser um ponto de discussão fundamental, principalmente para que
possamos utilizá-los como recurso pedagógico.
Parlebás, com seu modelo matemático, analisa os elementos sociológicos do
desporto e faz referências relevantes aos jogos tradicionais e seu valor pedagógico.
Para ele, definir é em parte estabelecer as características de onde ele se realiza,
como: dimensões e normas; eventual compartimentação; natureza e consistência
(materiais e elementos de plena natureza). Essas colocações, na sua visão, estão
claras, uma vez que, quando se refere às categorias do espaço ludo-desportivo,
classifica o espaço de jogo em espaço domesticado e selvagem.
Entre esses dois limites se encontra um terceiro tipo que ele denomina de
semidomesticado, cujo grau de domesticação é variável e difícil de medir. Apesar
de Parlebás ter estudado os elementos da sociologia do desporto, sua contribuição
poderá ser muito significativa para o estudo do jogo infantil, ou da
etnomotricidade, como ele prefere denominar. Vejamos alguns conceitos
desenvolvidos pelo autor. Define como espaço domesticado um espaço
condicionado, isto é, preparado para que ali ocorram determinados tipos de jogos (
ginásio, piscinas, estádios, etc.) Segundo ele, este tipo de espaço não apresenta
surpresa e, portanto, não será portador de nenhuma informação para o praticante,
que poderá desencadear, com toda tranquilidade, automatismos motores
adquiridos. Por outro lado, define o espaço selvagem como o meio no qual se
desenvolve o jogo que oculta o imprevisto .
O praticante deverá desvendar constantemente a informação, enquanto atua, e o
papel de suas decisões motrizes se tornará de importância capital. Requer, a todo
momento, tomada de informações e tomada de decisão motriz dotadas dos riscos
da improvisação .
Acrescenta Parlebás que “o condicionamento do espaço intervém indiretamente
sobre a vertente de informações e, portanto, nas decisões das condutas motrizes.”
Finaliza dizendo que a lógica interna de cada especialidade de jogo depende do
lugar de sua realização. É evidente que toda essa análise é feita a partir da prática
dos jogos desportivos, em que a pessoa que atua, num ou noutro espaço, domina
as técnicas da modalidade que pratica .
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Resta saber que influências teriam estes espaços no desenvolvimento psicomotor
da criança que, através da exploração espacial e temporal dos jogos espontâneos e
dirigidos, vai adquirindo automatismos e construindo seu esquema corporal.
De qualquer forma, a variável espaço físico poderá ser um elemento útil de análise
do jogo infantil, uma vez que, atualmente, algumas práticas corporais utilizam
espaços fechados para realizar sua proposta pedagógica, sem considerar na
maioria das vezes que a pré- história do jogo infantil ocorreu em espaços abertos
sem nenhuma interferência direta do adulto.
A pré-história do jogo infantil fundamenta-se em toda experiência lúdica que a
criança experimenta, só ou em grupo, em casa ou nos mais distintos espaços
lúdicos por onde transita no dia-a-dia, que formam a base de sua construção
corporal antes de ela chegar à escola, seja esta formal ou não-formal. O adulto, na
escola, ao propor as atividades lúdicas de jogo para as crianças, geralmente
esquece ou desconsidera sua bagagem lúdica, e isso às vezes torna a atividade
escolar enfadonha, pouco atrativa, não despertando o interesse da criança. Outro
aspecto que merece análise no estudo realizado por Parlebás se refere a dois
critérios que distinguem o jogo desportivo dos demais jogos. O primeiro é a
situação motriz e o outro é a codificação.
A situação motriz é fundamental no desporto institucionalizado. Paralelamente, nos
jogos que previlegiam a ficção, isto é, os jogos simbólicos, que também põem em
ação comportamentos motores (como os jogos de papéis, fictícios, de fazer de
conta, de disfarce, de simulação, etc.), o comportamento adotado é secundário:
mesmo estando presente, estará subordinado ao fantasma, ao imaginário do
simbolismo que a criança apresenta, são barreiras para que ela represente
determinados papéis, principalmente aqueles que ela procura imitar de outras
crianças.
No caso da codificação, os jogos desportivos estão codificados por regras próprias,
universalizadas e determinadas para cada modalidade, ao passo que em certas
atividades lúdicas (como os jogos e/ ou certos jogos tradicionais) elas não são
submetidas a estritas normas exteriores nem obedecem a um sistema de regras.
Trata-se de atividades ludomotrizes modificadas ao gosto do praticante.
Quando se entra neste campo de estudo, observam-se as distintas dimensões
atribuídas ao jogo, que variam segundo as concepções de cada autor sobre o
desenvolvimento humano. Por exemplo, o jogo, para Russel, por ser uma atividade
geradora de prazer, não se realiza com uma finalidade exterior, mas
por si
próprio. Para Buytendijk, o fato de o jogo ser uma atuação prazerosa não é motivo
suficiente para que todas as atuações desta classe sejam chamadas de jogo. Para
Vygotsky, o prazer não pode ser considerado uma característica definitiva do jogo,
pois as teorias que ignoram o fato que o jogo completa as necessidades da criança
acabam desembocando numa intelectualização pedante do mesmo.
Entretanto, não se deve ignorar que a criança satisfaz certas necessidades através
dele. Acrescenta Vygotsky: se não somos capazes de compreender o caráter
especial dessas necessidades, não poderemos entender a singularidade do jogo
como forma de atividade. As idéias desse psicólogo de formação marxista em
relação ao jogo infantil serão discutidas com mais profundidade, juntamente com os
enfoques de Wallon e Piaget, no momento em que analisarmos o jogo a partir das
teorias psicológicas.
Medeiros quando fala de sessões de jogos e de seu planejamento e execução, faz
algumas recomendações com relação a sua utilização na escola. Entre elas
destacamos a que se refere à variação da programação de uma sessão para a
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seguinte, afim de enriquecer a experiência das crianças e aumentar o número de
atividades que elas possam realizar.
Destacamos esse aspecto porque entendemos possível enriquecer a recomendação
do ponto de vista pedagógico, isto é, se em cada sessão introduzimos elementos
novos, variando a programação, esses elementos devem ser entendidos, no
mínimo, de duas formas: por um lado, fazendo com que as atividades e condutas
de jogo que as crianças experimentam evoluam de forma a auxiliar na sua
construção corporal; por outro lado, oportunizando a utilização de novos objetos
para serem manipulação pala criança, e assim oportunizar vivências corporais
distintas, isto é, as mais variadas possíveis. Isso significa que o mais importante
não é aquilo que as crianças podem realizar no sentido estrito do termo, mas sim
tudo aquilo que podem experimentar e vivenciar corporalmente por si mesmas e
em relação com as outras com quem compartem suas atividades. Devemos ter
presentes todos esses aspectos ao estudar o jogo como um componente curricular,
para evitar interpretações que podem falsear sua função pedagógica.
Os jogos permitem liberdade de ação, pulsar interior, naturalidade, atitude e,
consequentemente, prazer raramente encontrados em outras atividades escolares,
devendo por isso ser estudados pelos educadores como mais uma alternativa
pedagógica a serviço do desenvolvimento integral da criança.
O jogo é preferido pela criança sadia como forma de preencher seu tempo livre.
Podemos interpretá-lo de distintos pontos de vista, dependendo do momento e do
espaço em que ocorre, do conteúdo e da estrutura que a criança utiliza para jogar.
De qualquer forma, a observação de crianças nos indica que o jogo lúdico é uma
variável presente no comportamento infantil de forma permanente. Portanto,
continuar a estudá-lo poderá ser uma forma de contribuir para entender cada vez
melhor o seu valor como componente curricular.
Nesta obra não trataremos do jogo de uma forma genérica. Centraremos o debate
e a discussão especificamente no jogo infantil, descrevendo, analisando e
interpretando o seu significado simbólico, com a finalidade de expandir as teorias
existentes e apontar alternativas para sua utilização como componente pedagógico.
Jogo e desenvolvimento infantil
Muitos estudos científicos nos últimos anos passaram a considerar o jogo como um
elemento importante no desenvolvimento da criança, e seus resultados começam a
provocar muitas reflexões, tanto no âmbito da psicologia evolutiva como da
pedagogia, sobretudo sobre sua aplicabilidade educacional e a atuação docente.
Ao mesmo tempo, esses estudos passaram a ser um estímulo para investigações
inovadas com objetivo de aprofundar o conhecimento sobre a verdadeira origem e o
significado do jogo infantil.
Na realidade, as teorias do recreio de Shiller (1875), do descanso de Lazarus
(1883), do excesso de energia de Spencer (1902), e da recapitulação de Hall
(1906) são as que vão desencadear, no século XX, outros estudos que provocam
grandes controvérsias na forma de pensar o jogo como atividade que beneficia o
desenvolvimento e a aprendizagem. Discutiremos as implicações do jogo infantil no
processo de desenvolvimento da criança com base na investigação que realizamos
com crianças de três a cinco anos de idade, de ambos os sexos e em distintos
contextos sócio-culturais. Inicialmente, para situar o tema em questão,
analisaremos alguns enfoques teóricos que relacionam o jogo com o
desenvolvimento infantil.
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O rastreamento teórico que fizemos sobre o assunto indica que poucos pedagogos
se dedicaram a teorizar sobre o jogo infantil. Estudos neste sentido estão mais nos
campos da filosofia , da psicologia e da psiquiatria.
Os pedagogos, historicamente , são os que mais tiram proveito das teorias sobre o
jogo como recurso pedagógico, as em contrapartida pouco o utilizam como objeto
de estudo. Os estudos pedagógicos que merecem ser destacadas por relacionar o
jogo com o desenvolvimento são os de Froebel (1782- 1852).
López e Aller, quando tratam da educação pré-escolar, fazem referências
importantes a Froëbel quando dizem que ele, no final do primeiro terço do século
XIX, propõe o lema ensinar deleitado, com o propósito de fazer desaparecer a rotina
e o cansaço das escolas. Frobël foi o primeiro a sistematizar o ensino pré-escolar.
Em sua obra La Educación del Hombre, publicada em 1826, sustenta que a
educação é um processo de desenvolvimento. Desta publicação de Froebël se
extraem importantes preceitos, pontos essenciais do sistema froebëliano que se
denominam leis pedagógicas.
Quando se fala da lei das transformações assinala que o desenvolvimento do
homem requer um curso progressivo, não-interrompido. Na sua opinião, a tarefa do
pedagogo consiste em dirigir esse desenvolvimento tendo sempre presentes as leis
progressivas da natureza humana. Esse processo se realiza por meio do jogo e da
linguagem; graças ao jogo, o espírito humano se desenvolve e graças à linguagem
se transmite o profundo sentido do mesmo.
A este respeito, Froebël reconheceu o valor do jogo na atividade espontânea, uma
vez que favorece o desenvolvimento cerebral e contribui para formação do caráter.
A ele se deve a afirmação de que “na infância a lei da atividade é a lei do jogo”.
Como pedagogo, sua contribuição consiste em relacionar o jogo com o
desenvolvimento, e a sua contribuição é internacionalmente reconhecida e
respeitada.
O filósofo e psicólogo Groos (1902) foi o primeiro a constatar o papel do jogo como
fenômeno do desenvolvimento do pensamento e da atividade. A tese da
antecipação funcional vê no jogo um exercício preparatório necessário para a
maturação, que se alcança no final do período infantil.
Outros estudos também procuram relacionar o jogo da criança com seu
desenvolvimento. Freud, M. Klein e Hall consideram o jogo como sendo de origem
biológica. Entretanto, Vygotsky, Winnicott e Elkonin, que aprofundam a discussão e
consideram o jogo como ingrediente importante e facilitador do desenvolvimento,
entendem que o jogo é de origem social. Para Garvey, o jogo é ao mesmo tempo
produto e marca da herança biológica do homem e de sua capacidade criadora de
cultura.
Por outro lado, Piaget, e Wallon, ainda que tenham partido de marcos
epistemológicos bem distintos, opinam que o conteúdo dos jogos varia segundo o
meio físico e social da criança, negando, em consequência, tudo o que seja
exclusivamente ressurreição hereditária, como propunham Hall (1906) e seus
seguidores.
Coma teoria do egoncentrismo, Piaget entende que a inteligência é uma forma de
adaptação ao meio, e o jogo é basicamente uma forma de relação da criança com o
contexto no qual ela está inserida; neste sentido, adverte que a criança elabora e
desenvolve suas estruturas mentais através das diversas atividades lúdicas.
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Vygotsky concorda com a tese de que o jogo facilita o desenvolvimento da
imaginação e da criatividade, mas destaca que a imaginação nasce no jogo; para
ele, antes do aparecimento do jogo não há imaginação. Para Winnicott, Chateau e
Shiller o jogo é um trabalho de criação e construção que está na origem de toda a
experiência cultural do homem.
No decorrer deste século, estas e outras teorias tem sido as contribuições que mais
influenciam os estudos sobre o jogo da criança. Apesar de ainda existirem muitas
controvérsias e pontos de vista bastante divergentes, existe um ponto comum com
relação ao jogo infantil, isto é, os diferentes investigadores concordam que o jogo
desempenha um papel importante no desenvolvimento da criança. As investigações
no campo da psicologia com relação ao jogo, como os estudos de Wallon, Piaget,
Vygotsky, Elkonin, para citar alguns, vem despertando muitas reflexões
relacionadas com o binômio desenvolvimento / jogo infantil.
Entre os estudos que merecem especial atenção se destaca o desenvolvimento por
Goraigordobil, pelo rastreamento histórico feito pela autora com relação ao jogo
infantil e, mais especificamente, por considerar que o jogo e o desenvolvimento
infantil correm paralelos. Por isso suas contribuições oferecem importantes
reflexões para o estudo do jogo relacionado com o desenvolvimento, uma vez que
focaliza a atividade lúdica como recurso pedagógico.
Goraigordobil destaca as contribuições do jogo no desenvolvimento integral,
indicando que ele contribui poderosamente no desenvolvimento global da criança e
que todas as dimensões do jogo estão intrinsecamente vinculadas: a inteligência, a
afetividade, a motricidade e a sociabilidade são inseparáveis, sendo a afetividade a
que constitui a energia necessária para a progressão psíquica, moral, intelectual e
motriz da criança.
Do ponto de vista intelectual, destaca a autora, o jogo estimula o desenvolvimento
das capacidades de pensamento e a criatividade infantil; do ponto de vista
psicomotor, distingue o jogo como principal fator no desenvolvimento da força, do
controle muscular, do equilíbrio e dos sentidos em geral; do ponto de vista da
sociabilidade, o jogo é uma atividade que implica relação e comunicação entre os
iguais, e isso ajuda a criança a conhecer as pessoas que a rodeiam e a aprender
normas de comportamento social; do ponto de vista afetivo, o jogo é uma atividade
de treinamento que permite à criança se expressar livremente.
Após analisar a temática, Goraigordobil sintetiza as contribuições do jogo para o
desenvolvimento integral da criança, afirmando que o jogo é a atividade por
excelência da criança, uma atividade vital que possibilita à criança se conhecer a si
mesma e a formar conceitos sobre o mundo.
Ortega, em recente estudo, coloca um marco conceitual para a interpretação
psicológica do jogo infantil. Examina as diferenças existentes entre os pontos de
vista de Piaget e de Vygotsky em relação ao jogo da criança, sem esquecer que os
dois atribuem um grande valor ao jogo no desenvolvimento infantil. Ortega, ao
analisar a articulação crítica dessas duas construções teóricas, afirma que elas são
marcos que nos permitem explorar de forma concreta o jogo infantil de conteúdo
simbólico-social.
Suas conclusões finais sobre este tema incidem na necessidade de um trabalho de
análise e conceitualização de um marco teórico para delimitar a natureza específica
do jogo infantil. Nesse aspecto, isso não se aplica unicamente aos estudos
experimentais; deve se incorporar à linha sócio-histórica proposta pela escola
vygotskyana.
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Depois de analisar as estreitas relações existentes entre o jogo e o desenvolvimento
da criança, pode- se inferir que não existe lugar para a polêmica, já que parece
haver acordo entre os autores citados. Tudo indica que as discussões teóricas
existentes entre desenvolvimento e aprendizagem são bem mais polêmicas do que
considerar o jogo como uma atividade importante no desenvolvimento da criança.
Portanto, se por um lado existe uma certa concordância entre os estudiosos em
considerar o jogo como impulsionar do desenvolvimento, por outro, são bem
divergentes as teorias que tratam do binômio desenvolvimento- aprendizagem .
Antes de analisar outras perspectivas teóricas sobre o jogo e alcançá-las com o
desenvolvimento infantil para formar um marco de referência para interpretar este
estudo, é importante discutir as teorias que relacionam desenvolvimento com
aprendizagem, segundo uma análise feita por Vygotsky, pela relevância que seus
estudos começam a ter no âmbito da psicologia e, sobretudo, da pedagogia no
momento atual.
Fonte: Aprendizagem & Desenvolvimento Infantil: Simbolismo e Jogo.
Autor: Airton Negrine. Editora Prodil. Porto Alegre, pág. 9 a 20, 1994.
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