Os adolescentes e as drogas

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Os adolescentes e as drogas
Os adolescentes e as drogas
OS ADOLESCENTES E AS DROGAS
No consultório, os pais de adolescentes e de jovens, de ambos os sexos, me perguntam quais
foram as razões que levaram seus filhos a experimentar drogas, a repetir a experiência inicial,
e as usarem até mesmo se tornarem dependentes químicos. Nunca lhes faltou carinho, amor e
coisas materiais. Aparecem culpas de pai e de mãe, alguns acreditam que erraram na
educação, ou foram frouxos ou rígidos demais; outros casais se separaram quando os filhos
ainda eram pequenos, outros vivem juntos para manter aparências, outros acreditam que, por
se amarem demais, não tiveram tempo para amar os filhos. Há muitos também que dedicaram
todo o seu tempo para ganhar dinheiro e oferecer tudo material que a família precisou. Outros
se culpam por terem deixado as crianças sob os cuidados de babás, empregadas ou das avós
e de tias solteironas.
Quem deles tem razão, quem é o mais culpado? Se pudéssemos fazer uma gincana dos mais
culpados, todos partiriam com os mesmos pontos iniciais. A conclusão óbvia é que há
dependentes de todos os tipos de pais, de todos os tipos de famílias, de todas as raças e
religiões, de todos os modelos de educação. As drogas são bastante sociais e democráticas,
pois unem pela tristeza, ricos e pobres, árabes e judeus, machões e homossexuais,
democratas e comunistas.
Os adolescentes e os jovens sempre me confessam que começaram a usar drogas nas
escolas com os colegas de classe. Inicialmente o fizeram por curiosidade e por um grande
impulso que sempre os acompanhou. A condição primeira que almejam é pertencer ao grupo
dos bagunceiros da sala, aqueles lá do fundo da classe, da fila do lado das janelas e que não
prestam atenção em nada. Brigam com os educadores, com os diretores, com os funcionários
da escola, e quase sempre seus pais dão razão e apoio às suas reclamações e lamúrias,
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achando que estão sendo perseguidos por serem vivos e espertos demais para a escola.
A segunda condição que preenchem é a de querer pertencer ao grupo dos nóias da escola, os
que não entram nas aulas, ficam perambulando pelos bares e lojas de jogos de computadores
e que, na grande maioria, já experimentaram drogas. Começaram com a cerveja nos botecos,
fumam cigarros na frente dos pais, já fizeram uma incursão pela maconha e gostaram dos seus
efeitos, namoram a cocaína e o mesclado. A obtenção das drogas lhes é muito fácil e
vendê-las aos novos
noinhas
traz, além de alguns lucros, a garantia para as drogas de amanhã, fato muito importante para
quem pretende se firmar no mundo das drogas.
Os noinhas começam a usar drogas ilícitas depois de terem bebido nas redondezas da escola,
nas baladas, nas discotecas, nas festas nas casas dos colegas, com o beneplácito dos pais
dos anfitriões, e o primeiro uso de drogas, normalmente a maconha, é apenas uma questão de
tempo. Há uma grande tendência no Brasil a considerar-se o álcool como algo absolutamente
necessário para desinibir os jovens, e que não faz mal, desde que utilizado com moderação. As
grandes cervejarias incitam a todos a usar a droga que produzem com moderação. Mas que
jovem ou adolescente toma álcool com moderação, caso esteja longe de sua família e na
companhia de outros jovens iguais a ele, e tão impulsivos e competitivos como ele mesmo?
Mas quem mesmo é o noinha? É, quase sempre, um adolescente agitado, irritado, pavio curto,
desatento, cabeça dura, impulsivo, até pode ser inteligente, mas vai mal na escola, empurra
tudo com a barriga, tem baixa tolerância ao não e às frustrações, é do contra, gosta de
aparecer. Pode ser ansioso e até um pouco depressivo. Quando criança preenchia a maioria
dos critérios de Déficit de Atenção, Hiperatividade e Impulsividade. Não que seja
necessariamente portador de TDAH, ou seja, do Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade, mas é que as características dos portadores do TDAH jovens e adolescentes
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são muito parecidas com aquelas dos portadores do Transtorno Bipolar e do Transtorno de
Humor Depressivo.
Como conclusão, a grande maioria dos usuários de drogas em potencial, sofre de
comorbidades psiquiátricas, na maioria das vezes não diagnosticada, e que perturbam a vida
do jovem e do adolescente de maneira muito significativa e importante.
A maconha lhe cai bem, pois acalma uma impulsividade que nunca o liberta, possui também a
propriedade de torná-lo calmo, zen, reflexivo, com os sentidos bastante aguçados. Ele até
acredita ter ficado mais vivo e esperto do que era antes que não usava a droga. A cocaína
ainda mete medo em toda a gangue. O noinha se declara inimigo das drogas artificiais, com
exceção do ecstasy. Esta droga o atrai, é a droga das baladas, dá um tremendo pique a quem
a usa. Ora, esquecemos também das bombas da academia, mas estas foram “receitadas” pelo
professor do irmão do amigo, lá da academia. Este professor é de confiança. É usá-la por dois
meses e ficar bombado, como as gatas gostam. Não podemos também deixar de citar os
remédios que algumas vezes rouba da mãe, aquelas pílulas de dormir, que o médico dela
receitou para serem tomadas quando briga com o pai, ou quando se estressa com ele. São os
benzodiazepínicos, medicamentos calmantes, entre os quais se destacam o Lorax, o Lexotan,
e que, se tomados juntos com o álcool, dão muito barato.
Uma noite, alto em álcool, cerveja ou uísque, subtraído lá do bar de casa. Brigado com os pais
e com a namorada, chapado de maconha, aquela três por um, a forte, enriquecida com haxixe
paraguaio, o colega nóia mais antigo oferece uma carreira de cocaína da boa e grátis. Aparece
o medo de se viciar, como os colegas que já se viciaram, mas não dá para resistir, a
impulsividade fala mais alto e a carreirinha é cheirada. O
noinha se
sente o máximo, poderoso, senhor de si, conselheiro de Deus, e, ao mesmo tempo, calmo e
até concentrado, do jeito que ele sempre gostou de se sentir.
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A repetição do ato insano é questão de tempo, e este tempo é amanhã. São dez, ou vinte
carreirinhas cheiradas com prazer e volúpia, e a dependência química acabou de se instalar,
ganhando um novo cliente. Agora a maconha é coisa do passado, ela só será usada quando
não houver cocaína, ou farinha, na gíria dos nóias. O álcool será usado para turbinar ou
acalmar os efeitos do uso da farinha. A nova rainha agora é a cocaína, e com ela será gasto o
dinheiro da mesada, da venda da guitarra, dos patins, do som, do casaco de couro, até da
venda do querido e amado skate.
Faltando dinheiro, praticará pequenos roubos em casa, de onde roubará joias, cheques,
pequenas somas em dinheiro. Depois assaltará velhos e donas de casa, entrará no tráfico de
drogas, mas pouco a pouco, com a finalidade de obter mais farinha, para o seu uso próprio,
que cada vez vai se tornando maior e maior. O grande desafio será garantir a droga de hoje,
pois a sensação de não ter a companhia da amiga farinha é das mais desagradáveis, e, só de
pensar, já entra em síndrome de abstinência ou bode, na gíria dos noias.
Outro dia, mais ou menos uns seis meses depois, alguém vai lhe oferecer uma pedra de crack,
outra droga que ele havia jurado nunca usar, pois esta vicia demais e leva o nóia ao vício
incurável. Justo nesse dia, ele está sem farinha, e com vontade de usar. A pedra lhe é de uma
atração fatal, e decide que vai usar só uma, só uminha. O que ele não sabe é que a pedra é de
efeito avassalador, traz grande prazer, como ele nunca sentiu antes, nem com a querida e
amada cocaína. Só que uma pedra não satisfaz, é preciso usar várias; dez, vinte, trinta num só
dia. Não se come mais, não se faz mais sexo, não se lembra mais da namorada, não se tem
mais nem ânimo para roubar ou traficar. O
nóia
do crack atingiu o máximo valor da escala dos noias.
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Esta pequena história é a história de todos os que começaram com características de
desatenção, hiperatividade e impulsividade, beberam álcool com os colegas, fumaram cigarros
no grupo, experimentaram e gostaram da maconha com os colegas de escola, caíram e
afundaram na cocaína, e se desintegraram no crack.
Neste cenário, onde está a culpa dos pais casados, descasados, frouxos ou rígidos demais,
japoneses, judeus, brancos, negros ou brasileiros como todos nós? Por experiência adquirida
em consultório, em milhares de horas de terapia com adolescentes, jovens, moços e adultos
usuários de drogas, afirmo que as drogas entraram em suas vidas pelas mesmas portas,
aquelas da curiosidade, da impulsividade, e do não saber dizer não.
Vejo culpa nos pais que não querem ver que seus filhos estão usando drogas, que negam ou
minimizam o uso de drogas dos filhos, que acreditam que é só coisa de adolescentes, que
passará com o tempo. Sei que para muitos, o tempo de reação é fundamental, pois se perdem
milhares de filhos queridos por atraso na detecção e no ataque à dependência química, que
flertou, namorou, se instalou e progride a passos gigantescos na destruição da vida de nossos
filhos e de entes queridos.
Quando um pai descobre que seu filho usa drogas, a primeira coisa que ele diz aos pais é que
só usa maconha, e o faz somente nos fins de semanas. Em metade dos casos, o adolescente
ou o jovem já usou cocaína, ecstasy, bombas, e até crack, na forma de mesclado. Já
apresentou sintomas psicóticos, já teve sérias alucinações, já esteve em favelas comprando
drogas, já se drogou com marginais.
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Não há milagre nos tratamentos da dependência química, o que há é um trabalho sério, a ser
entregue a profissionais também sérios, que vão gerenciar um tratamento multidisciplinar, com
tratamento médico para procurar acertar o biológico do dependente, somado a tratamentos
psicológicos e sociais. Há que se ter muito cuidado de não entregar o filho nas mãos de
aventureiros, que se dizem especialistas, e visam apenas tirar dinheiro dos pais, fragilizados
pelos dramas que vivem. Só se interna dependente químico que preencha condições de
internação, e esta internação, mesmo se feita em clínicas especializadas e de boas condições
de tratamento, não garante que o dependente vá parar com o uso de drogas após internação.
Antes de tratar o dependente químico, procure bons profissionais, solicite um diagnóstico do
problema do jovem, peça ao profissional, se realmente for necessário internar o paciente, que
lhe indique boas clínicas ou comunidades que tratem do doente com carinho, rigidez e
eficiência. Visite a clínica ou comunidade, confira seus últimos resultados, sua hotelaria,
observe o tipo de tratamento, e, sobretudo, se utilizam tratamentos “doze passos”.
Serenidade é o mais importante para todos os que se preocupam com a recuperação
do dependente, há boas técnicas que, se bem utilizadas, trazem excelentes resultados na
solução do problema de drogas na família.
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