O Espartilho como Peça de Vestuário e Formação Social RESUMO

Transcrição

O Espartilho como Peça de Vestuário e Formação Social RESUMO
O Espartilho como Peça de Vestuário e Formação Social
RESUMO
O presente trabalho tem como finalidade analisar uma peça musealizada a
fim de identificar questões que possam ser trabalhadas a partir dela. Com isso,
seria possível identificar os usos e razões que justifiquem esse uso, além de
deixar explícitas as questões sociais envolvidas nesse processo.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura visual. Espartilho. Moda. Museu.
Thais Guaragna Morales 1
INTRODUÇÃO
A formação de um acervo museológico pode se dar de diferentes formas:
compra, doações, empréstimos... O objeto escolhido para essa pesquisa foi um
espartilho, cuja forma de aquisição foi doação ao Museu Joaquim Felizardo.
Partindo dele, há inúmeros questionamentos que podem ser feitos para que
possamos entender mais sobre ele mesmo e como era a sociedade à qual ele
pertenceu. Essa problematização ainda permite que consigamos refletir sobre as
influências que o objeto e a sociedade em que estava inserido causaram nos dias
atuais. Como base para este artigo, serão trabalhadas ideias de alguns autores do
campo da museologia, pesquisas realizadas sobre a história da moda e das
vestimentas ao longo dos séculos, além de questões de gênero, que acabam
influenciando em todas as relações do dia-a-dia.
Devido a fatores estéticos, de saúde, e do próprio cotidiano, foi-se deixando
de utilizar a peça, e disso resulta que grande parte das pessoas a conhece apenas
pelo nome e por fotos, sem nunca as ter visto ou tocado. Lima diz que
1
Graduanda do curso de bacharelado em Museologia da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: [email protected]. Trabalho realizado como parte
da avaliação para a disciplina BIB3240 – Cultura Material e Cultura Visual na Museologia Brasileira,
ministrada pela Profª Fernanda Carvalho de Albuquerque em 2016/1.
“para que fontes materiais e iconográficas possam ser apropriadamente
tratadas de modo a permitir o desenvolvimento de problemas relativos ao
funcionamento da sociedade, é fundamental a consideração do circuito de
produção, circulação, reciclagem e descarte dos objetos e dos suportes
iconográficos. Essa consideração implica reconhecer os vários sentidos,
usos e funções que as coisas materiais vão adquirindo ao longo de sua
existência. ” (1995, p. 27)
Ainda há de se considerar que a entrada dessa peça no Museu a
transforma em um documento, relativo a uma época, diferentes culturas e uma (ou
várias) vidas. Essas associações criarão o contexto de espaço e tempo onde a
peça se insere, assim estabelecendo aquilo que será transmitido pela instituição
após a musealização, durante pesquisa e exposições.
A ideia que direciona a escrita desse trabalho é a solução de questões
relacionadas à fabricação, uso, significado social e características físicas da peça
em questão. Cabe ressaltar que a peça instiga inúmeros questionamentos, mas
apesar disso ela nem sempre fornece as respostas necessárias a essas
perguntas.
A PEÇA
A relação entre objetos de outros tempos e a época em que vivemos
permite compreender variadas situações com as quais lidamos diariamente.
Nossos comportamentos e ideias são resultado do que foi vivido por nossos
antepassados e, em certos momentos, encontramos objetos que podem ser a
representação disso. Para que possamos identificar o que eles têm a nos dizer,
Barbuy (1995) que questionemos deles suas formas, ornamentos, símbolos,
marcas, quem e como os fez, quem os utilizou, como os utilizou e seu significado.
Partindo destes questionamentos, foi iniciada uma análise do espartilho, a fim de
identificar tudo aquilo que ele poderia nos dizer.
A peça não possui símbolos nem marcas, além das próprias do tempo, já
que foi produzido por volta dos anos 1900. Pequenas manchas decorrentes da
oxidação do metal das presilhas estão presentes ao redor da peça. De
ornamentos, há apenas uma faixa de renda, que representa a feminilidade e até
certo romantismo da peça.
Quem produziu a peça e como ela foi feita são questões que não temos
como responder. A ausência de etiquetas, fitas ou outras formas de identificação
impossibilita que tenhamos essas respostas; ainda assim, como a peça foi feita é
algo que podemos pensar sobre, tendo em mente os métodos de produção de
vestimentas da época: o tecido é algodão, as barbatanas e fechos são metálicos,
e as costuras dão a impressão de terem sido feitas em máquina de costura. De
qualquer forma, fica difícil acreditar que essa peça tenha sido produzida em
grande escala, tanto pela questão do trabalho manual como pela questão do
tamanho, já que espartilhos costumam ser feitos sob medida para se adequar
perfeitamente ao corpo daquela que vai vesti-lo.
O uso, certamente, causa curiosidade a quem vê a peça. Invoca inúmeras
histórias que poderiam ser reais ou não, mas que simplesmente surgem em nossa
cabeça. O espartilho sobre o qual falamos aqui foi recebido pelo museu no ano de
1980, por uma doação de Ida Della Mea Bucholz. Não temos informações acerca
de quem seria essa mulher, se uma personalidade ou apenas alguém comum que
tinha o desejo de moldar seu corpo às modas de outrora. Sabe-se apenas que a
doadora já é falecida, e não se encontra sua família em nenhum dos endereços
fornecidos à época da doação e presentes na ficha do objeto.
Como foi usado é algo que Barbuy (1995) também levanta, como sendo
importante para o histórico da peça, dizendo que “a relação das pessoas com os
objetos que as cercavam podia ser muito diferente daquela que conhecemos hoje,
mesmo quando se trata de objetos que continuaram em uso”, que é exatamente o
caso dos espartilhos. Hoje em dia ainda pode-se encontrar uma grande variedade
de modelos à venda, com a mesma intenção de alterar a silhueta, embora por
razões distintas de antigamente.
Essa mesma relação da peça com quem a usava e o por que desse uso,
traz à tona dúvidas sobre seu significado. Barbuy (1995) diz em seguida que
“todos os objetos que nos cercam estão relacionados com nosso tempo, com a
sociedade à qual pertencemos”. Podemos e devemos questionar estes
significados para tentar encontrar respostas e razões para as coisas e situações
como vivemos hoje.
A QUESTÃO SOCIAL
Desde os anos 1750 a.C, na Grécia, as vestimentas femininas já
apresentavam características que marcavam bastante a cintura. A próxima
informação de moda que se tem a respeito do uso dos ‘corpetes’ data do século
XII, na Europa Antiga, onde eram usados bem justos acompanhados de saias
amplas. Nessa época se inicia a exploração do espartilho como peça de moda.
Por vezes, eles eram endurecidos com tela engomada e papelão, e suas
barbatanas costumavam ser de metal, embora em certos momentos também
tenham sido produzidas em madeira.
Ao longo do tempo, o uso dos espartilhos foi deixado de lado por vezes,
mas retornando em seguida, o que dificulta a criação de uma linha do tempo
exata. Ainda assim, quando presente, era muitas vezes combinado com
anquinhas e anáguas, para que a cintura parecesse menor. Meninas começavam
a utilizá-lo ainda bem novas, principalmente em áreas mais urbanizadas. Isso
prova uma ligação muito íntima entre moda e corpo feminino. Essa relação deixa
claro que o corpo que mais sofre influências do meio social é o feminino.
Ao fim da Revolução Francesa, os trajes mostravam um certo rompimento
com o passado; exemplo disso é o abandono dos espartilhos, liberando os
movimentos e permitindo atividades antes impedidas. Porém, as modas variaram
e acabaram retornando com o passar do tempo. Durante o século XIX, o ideal de
beleza era o corpo curvilíneo e a cintura fina. Assim foi, que até os anos 1950,
aproximadamente, os espartilhos foram e voltaram incontáveis vezes.
Seu uso, ainda, pode ser relacionado com as funções sociais femininas do
período: da mesma forma que o corpo feminino estava preso ao espartilho, sua
vida estava presa às funções de mãe, esposa e dona de casa, além de estar
confinado no interior das residências. Não podemos esquecer de mencionar,
também, os danos à saúde causados pelo uso dos espartilhos.
Os órgãos internos ficam
completamente
quando
deslocados
dentro
dos
espartilhos; o aperto nos
pulmões causado pelo uso
acarretava falta de ar e
freqüentes
desmaios
mulheres,
deveriam
que
se
nas
então
retirar
das
áreas sociais para afrouxar
Imagem: http://www.andreaschewedesign.com/blog/corsets-wearing
os cordões e liberar o ar.
As
costelas
eram
também
bastante
deformadas, por vezes
até
quebradas
decorrência
em
de
tamanho aperto.
Imagem: http://io9.gizmodo.com/x-ray-images-of-women-in-corsets-show-skeletons-ina-bi-545378783
CONCLUSÃO
Com este trabalho podemos perceber que independente da época utilizada,
os espartilhos sempre resultaram da intenção de alterar a forma do corpo
feminino, para o fim que fosse, sem se preocupar com os danos causados. Ainda
hoje há quem os utilize para afinar a cintura e acentuar suas curvas, mesmo que
sem a pressão social de outros tempos.
Partindo do espartilho trabalhado, pudemos obter mais dúvidas do que
respostas, porém, isso não quer dizer que não possamos trabalhar ainda mais
sobre ele e seus significados. O formato deste trabalho impede de ir ainda mais
longe, mas de qualquer forma restam muitas questões a serem feitas a essa peça.
Fica o conhecimento adquirido, e certa vontade de buscar mais dela, para
entender mais sobre o passado e mesmo sobre nosso presente.
REFERÊNCIAS
ALVES, Andressa Schneider; AYMONE, José Luis Farinatti. As continuidades no
vestir na história da modelagem do vestuário. Anais do 6º Congresso Internacional
de Design da Informação/5ºInfoDesign Brasil/6º Congic. Sociedade Brasileira de
Design da Informação, Recife, 2013.
BARBUY, Heloísa. Entendendo a sociedade através dos objetos. In: OLIVEIRA,
Cecília Helena de Salles. Museu Paulista: novas leituras. São Paulo: Museu
Paulista da Universidade de São Paulo, 1995.
GELLACIC, Gisele Bischoff. Uma breve história daquilo que não se vê: as lingeries
e as funções sociais femininas. Seminário Internacional Fazendo Gênero (Anais
Eletrônicos), Florianópolis, 2013.
LAVER, James. A Roupa e a Moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989.
LAVERTU, Shirley. Catalogues and women’s fashion. Canadian Museum of
History. < www.historymuseum.ca > Acesso em: 15/04/2016.
LEORATTO, Danielle; ARAÚJO, Denise Castilhos de. Alterações da silhueta
feminina: a influência da moda. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol. 35,
2013.
LIMA, Solange Ferraz de. As fontes iconográficas e a pesquisa histórica. In:
OLIVEIRA, Helena de Salles. Museu Paulista: novas leituras. São Paulo: Museu
Paulista da Universidade de São Paulo, 1995.

Documentos relacionados