O BRILHO DAS CIDADES

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O BRILHO DAS CIDADES
O BRILHO
DAS CIDADES
A R O TA D O A Z U L E J O
O azulejo é um objeto de aparente simplicidade: uma placa
de cerâmica, com uma das faces revestida por uma superfície
vidrada, geralmente suporte de decoração.
Existe no entanto, por detrás desta aparente simplicidade,
uma história complexa, com uma existência de vários milénios,
durante a qual o azulejo revelou uma notável capacidade para
refletir os fatores económicos, sociais, tecnológicos, estéticos,
políticos e religiosos que constituem a vida dos povos.
Como tantas outras descobertas da técnica, o azulejo nasce
nos dois primeiros impérios agrários, no Egito e na Mesopotâmia.
Expande-se por terra e por mar, por rotas onde se cruzavam
cristãos e muçulmanos, com os seus produtos e as suas ideias,
sejam especiarias ou seda, conhecimentos científicos
ou artefactos. À constatação da sua funcionalidade enquanto
revestimento protetor das arquiteturas juntou-se o natural
desejo do homem de se envolver em ambientes proporcionando
bem-estar e harmonia, imagem possível na terra de um desejo
absoluto do Paraíso. Não será a recorrente representação
da Natureza no azulejo uma sintomática manifestação humana
dessa procura?
As qualidades apontadas serviram aos homens
independentemente de credos. Não surpreende pois que
da Ásia Central à Europa Ocidental e Norte de África, o azulejo
tenha sido adotado e tornado suporte de imagens, nascidas
da sedimentação das culturas locais ou apropriadas de culturas
longínquas que as rotas davam a conhecer. Veja-se o caso
de Portugal que não inventou o azulejo mas o tornou seu.
Esta exposição, realizada quando tanto se reflete sobre o global
e o local, o comum e o identitário, conta uma longa história
onde é patente a capacidade do Homem para a compreensão
e aceitação de outras realidades, que são assimiladas como suas.
I. NAS ORIGENS
No Egito, na Mesopotâmia, na Assíria e na Pérsia
surgiram as primeiras utilizações de cerâmica
vidrada como revestimento, início de uma história
duradoura.
Como noutros domínios, Bizâncio desempenhou
um papel essencial, estabelecendo a ponte entre
o Oriente e o Ocidente, entre a Antiguidade
e a Idade Média, entre o mundo cristão
e o mundo islâmico.
A enigmática cerâmica dourada, a prodigiosa
complexidade geométrica dos alicatados
(composição decorativa constituída pela
combinação de secções recortadas de azulejos
com formas geométricas justapostas), a minuciosa
perfeição técnica da fabricação ou o protagonismo
que os azulejos assumem em interiores
e exteriores arquitetónicos são algumas
das grandes contribuições dos países
mediterrânicos para o domínio da cerâmica.
8
Painel de tijolo
vidrado «Arqueiro»
Irão, Susa, reinado
de Dário I (r. 522-486 a. C.),
período aqueménida
Cerâmica siliciosa vidrada
A. 198,5 cm; L. 79,5 cm
Musée du Louvre, Département
des Arts de l’Islam, Paris
Inv. Sb 23335
© Musée du Louvre,
Dist. RMN-Grand Palais/
Raphaël Chipault
12
Azulejo em forma
de estrela
Irão, Caxã, c. 1270
Lajvardina, pintura
vermelha e branca sobre
vidrado mate azul-escuro,
com folha de ouro
A. 19,9 cm ; L. 19,9 cm
Collection Gemeentemuseum Den
Haag, A Haia
Inv. OCE-1930-0011
© Collection Gemeentemuseum,
Den Haag
17
Atribuído à oficina de
Guido Andries di Savino
(act. 1512 – f. 1541)
Painel de Azulejos
Antuérpia, c. 1539
Cerâmica estanífera
pintada
H. 48 cm; L. 48 cm (painel)
Coleção do Gemeentemuseum
Den Haag, A Haia
Inv. OCE-1942-0063
© Collection of the
Gemeentemuseum Den Haag
II. PAREDES QUE FALAM
Ao longo da Idade Média, o Islão e o Cristianismo
encontraram nos textos sagrados não só a base
das suas crenças, como também um terreno
fecundo para a expressão estética.
A caligrafia foi para o mundo islâmico um
dos seus géneros artísticos mais importantes.
Os textos inscritos nas paredes das arquiteturas
religiosas converteram-na num grande livro
aberto em que os crentes recordavam as verdades
da sua fé.
Os espaços públicos, especialmente na Idade
Moderna, converteram-se em lugares carregados
de mensagens icónicas, avisos e advertências
com finalidades diversas.
A heráldica, as informações de interesse público,
as que indicam a propriedade dos edifícios,
a propaganda política ou os interesses comerciais
são alguns dos móbeis desta arquitetura escrita
e desenhada.
33
Azulejo em forma
de estrela de oito
pontas com conjunto
de personagens
e Shahnameh
Irão, 1296-1297
Cerâmica siliciosa,
decoração de reflexo
metálico sobre vidrado
opacificado
A. 21,6 cm; L. 21,1
Musée du Louvre, Département
des Arts de l’Islam, Paris
Inv. MAO 551
© RMN - Grand Palais (musée du
Louvre)/ Franck Raux
51.b
Azulejos didáticos
Coimbra (?), 1700-1750
Faiança pintada a azul
de grande fogo
A. 20 cm; L. 20 cm
Museu Nacional de Machado
de Castro, Coimbra
Inv. 7383
© Direcção-Geral
do Património Cultural/Arquivo
de Documentação Fotográfica
(DGPC/ADF) - José Pessoa
32
Painel com representação
de Ka’aba e outros
santuários de Meca
Kütaya, Turquia, primeira
metade
do século XVIII
Faiança siliciosa,
decoração policroma
sob vidrado transparente
A. 81 cm; L. 54 cm
Musée du Louvre, Département des
Arts de l’Islam, Paris
Inv. OA 3919/558
© RMN - Grand Palais (musée du
Louvre)/ Franck Raux
III. ORNATO E MENSAGEM
Se as mensagens alfabéticas ou simbólicas
podem ser lidas e interpretadas, também
os ornamentos informam sobre os povos
e as suas culturas. Decorações aparentemente
triviais, conservam em si valores e crenças
que não são evidentes.
Há intenções deliberadas na própria escolha
das fontes de inspiração deste universo,
nas transformações plásticas a que são
submetidas as formas da Natureza, na beleza
da sua própria geometria subjacente,
na repetição infinita dos motivos, nos
ornamentos fantasiosos que evocam gloriosos
tempos passados ou nos adornos exóticos
que remetem para remotas e lendárias culturas.
70
Painel de azulejos
Turquia, Iznik, c. 1575
Cerâmica siliciosa com
decoração policroma
sob vidrado
A. 48,6 cm; L. 49,5 cm
Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
Inv. 1668
© MCG-Fundação Calouste Gulbenkian/
Foto: Catarina Gomes Ferreira
90
58
Painel de alicatado
Argélia, meados do
século XIV
Faiança policroma
A. 58 cm; L. 34,5 cm
Museu del Disseny, Barcelona
Inv. MCB 100700
Legado de Emile Dreyfus, 1967
©Museu del Disseny de Barcelona/
Guillém Fernández-Huerta
Azulejo chinês
China, c. 1700-1730 ou
dinastia Kangxi
(1662-1722)
Porcelana com decoração azul
sob o vidrado
A. 13,1 cm; L. 13,1 cm
Nederlands Tegelmuseum, Otterlo
Inv. 10050
© Nederlands Tegelmuseum, Otterlo
IV. POÉTICAS NARRATIVAS
É o vínculo entre a arte e a literatura que,
nos países do Mediterrâneo, proporciona
as chaves de entendimento das poéticas narrativas,
desde o mundo antigo até ao presente.
Há séculos, as grandes epopeias definiram
os arquétipos dignos de emulação e penetraram
no conhecimento profundo da alma humana.
Os mitos gregos e romanos, as histórias bíblicas,
as vidas e mortes de profetas e mártires,
os grandes heróis da literatura universal,
os paraísos perdidos e os desejados
e também as pequenas histórias quotidianas
dos mortais – tudo encontra eco e reflexo
nestas grandes e pequenas páginas ilustradas
com cores resplandecentes que são
os painéis de azulejos.
119
Masséot Abaquesne
(at. Ruão, 1524-1557),
segundo desenho
de Luca Penni
O Dilúvio, A Descida
das Águas (painel direito
de um tríptico)
c. 1550-1560
Faiança esmaltada
A. 139,5 cm; L. 97 cm Musée national de la Renaissance Château d’Écouen
Inv. Ec.21 c
© RMN-Grand Palais (musée de la
Renaissance, château d’Ecouen)/
René-Gabriel Ojéda
127
Atribuído a Juan Flores
(1520-1567)
Três azulejos de rodapé
com jogos de crianças
Talavera (?), c. 1564-1565
Cerâmica estanífera
pintada
A. 13 cm; L. 27 cm
Coleção Família Cardoso Pinto
D.R. / Foto: Carlos Azevedo
138
Painel «La Xocolatada»
Barcelona, 1710
Faiança policroma
A. 122 cm; L. 386 cm
Museu del Disseny de Barcelona
Inv. MCB 52770
Legado Joaquín de Cárcer,
Marquês de Castellvell
©Museu del Disseny de Barcelona/
Guillém Fernández-Huerta
V. O AZULEJO SOB
O SIGNO DO PROGRESSO:
SÉCULOS XIX E XX
As mudanças introduzidas pela Revolução
Industrial geraram as modernas
tecnologias, máquinas e processos
industriais aplicados à Cerâmica desde
inícios do século XIX que permitiram
o aumento extraordinário do uso
e da produção do azulejo, passando
assim a ser parte integrante das modernas
arquiteturas e paisagens urbanas, agora
ao serviço de novas funcionalidades
e estéticas. Nesta produção cerâmica,
abundante e múltipla, é possível identificar
duas funções principais: puro ornamento
e registo de imaginário.
140
William Frend De Morgan
(1839-1917)
William Morris (1834-1896)
Painel de revestimento
mural
Reino Unido, 1876-1877
Faiança esmaltada
A. 100 cm; L. 63,5 cm
Paris, musée d’Orsay, don de
la Société des Amis du
musée d’Orsay, 1989
Inv. OAO 1210
© 2013. White Images/Scala, Florence
158
Max Laeuger
(1864-1952)
Pavão
Alemanha, Kandern,
1908-1910
Cerâmica com
engobes; técnica de
tubagem, vidrado
A. 120 cm; L. 180 cm
Nederlands Tegelmuseum,
Otterlo
Inv. 03547
© Nederlands Tegelmuseum,
Otterlo
Bülent Erkmen (1947)
Painel de azulejos
Istambul, Iznik Tiles
& Ceramics, 2009
Grés vidrado
A. 94 cm; L. 117,3 cm
Museu Nacional do Azulejo,
Lisboa
Inv. 9000 Az
© Direcção-Geral do
Património Cultural/Arquivo
de Documentação Fotográfica
(DGPC/ADF) – Luísa Oliveira, 2013
Comissários
Alfonso Pleguezuelo
(Professor catedrático,
Universidade de Sevilha)
João Castel-Branco Pereira
(Diretor,
Museu Calouste Gulbenkian)
Horário
De terça a quinta-feira: 10 – 18.00h
Encerra à segunda-feira e feriados:
25 de dezembro e 1 de janeiro
VISITAS ORIENTADAS
25 OUTUBRO 2013 –
26 JANEIRO 2014
Terças e quintas-feiras 15.00h
(duração 60 minutos) – €1
Galeria de Exposições Temporárias
Fundação Calouste Gulbenkian
2013
Novembro – 5, 7, 12, 14, 19, 21, 26, 28
Dezembro – 3, 5, 10, 12, 17, 19
Exposição organizada
pelo Museu Calouste Gulbenkian
2014
Janeiro – 2, 7, 9, 14, 16, 21, 23
Para grupos mediante marcação prévia:
De segunda a sexta-feira
Das 10.00h às 12.00h
e das 14.30h às 16.30h
Tel: 21 782 3800
Fax: 21 782 3014
[email protected]
CONFERÊNCIAS
Fundação Calouste Gulbenkian
Auditório 3 – 18.00 horas
4 novembro
PARTICULARIDADES DE UM QUADRADO
DE BARRO VIDRADO: O AZULEJO
FIGURATIVO EM PORTUGAL
Ana Paula Correia
ESAD-Fundação Ricardo do Espírito
Santo Silva / FCSH-Universidade Nova
de Lisboa
11 novembro
AZULEJOS ISLÂMICOS
John Carswell
SOAS-School of Oriental and African
Studies, Londres
18 novembro
A DECORAÇÃO POLICROMA NO PALÁCIO
DE DARIO EM SUSA E A HISTÓRIA DO
SEU RESTAURO
Béatrice André-Salvini
Departamento de Antiguidades Orientais,
Museu do Louvre
25 novembro
O REAL ALCÁZAR DE SEVILHA.
CASA DE AZULEJOS
Alfonso Pleguezuelo
Universidade de Sevilha
www.museu.gulbenkian.pt
www.gulbenkian.pt
Imagem de capa: Azulejo representando um busto de um jovem, Pérsia, Ispaão, c. 1620. Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa (Inv. 1566 A). © MCG-Fundação Calouste Gulbenkian/Foto: Catarina Gomes Ferreira
170
Fundação Calouste Gulbenkian
Galeria de Exposições Temporárias
25 OUT 2013 · 26 JAN 2014

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