a batalha do passo do rosário

Transcrição

a batalha do passo do rosário
A BATALHA DO PASSO DO ROSÁRIO
MINISTÉRIO OA GUERRA
BIBLIOTECA DO EXÉRCITO
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General V. Benício da Silva
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, Cap. /. E. Paulo Soter da Silveira (Tesoureiro)
SEDE
EDIFÍCIO DO MINISTÉRIO PA GUERRA
3.° pavimento
Praça d a República
RIO DE JANEIRO
BIBLIOTECA DO EXÉRCITO
VOLUMES 167-168
A Batalha do
Passo do Rosário
Posto q pequeno o livro, não íoi
pouco o disvelo e trabalho no seu contexto; porquanto a composição em memórias desbaratadas he tão fácil, como
laboriosa a empresa de ajuntar as partes para organizar o corpo.
SEBASTIÃO PEREIRA DE SÁ.
(História Topográfica e Bélica da
Nova Colónia do Sacramento do Rio
da Prata).
TASSO FRAGOSO
. GENERAL DE BHIGADA
2. a EDIÇÃO
RIO DE JANEIRO
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À MEMÓRIA
DO
BARÃO DO RIO BRANCO
cuja ação pública e cujos escritos são
exemplo invejável de entranhado amor
ao Brasil e de intensa fé nos seus,
gloriosos destinos.
Como testemunho de admiração
e de saudade
t
TASSO FRAGOSO
ADVERTÊNCIA PRELIMINAR
£ não temos um livro, um artigo sequer, que nos diga a verdade a respeito
dessa lembradíssiraa batalha de Ituzãigo.
MARTIM FRANCISCO.
(Contribuindo — Pág. 154.)
0 projeto que hoje realizo com a publicação deste modesto
estudo é uma preocupação antiga de meu espírito.
Logo aos primeiros passos de minha vida como oficial do
exército, senti com mágoa a deficiência de minha* preparação
histórica. Reconheci sem demora não só que' me falecia em
geral o conhecimento dos 'fastos da Pátria, mas sobretudo o de
seus grandes eventos militares.
Foi no estrangeiro que a comprovação dessa verdade mais
me compungiu a almaj pois, "assim como a ausência aumenta a
amizade", o peregrinar em terra alheia exalta o patriotismo.
^E por que seria a História Militar do Brasil tão descurada
na antiga Escola da Praia Vermelha, quando ali estanciei durante a melhor quadra de minha vida? Nesta Escola que era
um foco memorável de trabalho e de civismo, e em que espíritos
de escol, como Benjamin Constant, para citar apenas o nome
de um morto, doutrinavam com sedutora mestria e grande
elevação moral?
Talvez se possa explicar tão surpreendente antinomia refletindo que, nos últimos anos anteriores ao advento da República, se havia arraigado no espírito de muitos, sobretudo de
— 8 —
republicanos, a falsa ideia de que a democracia verdadeira e a
fraternidade real entre os povos deviam assentar preliminarmente
no esquecimento e até na maldição de certos" fatos do passado,
os quais na verdade só deveríamos julgar transportando-nos à
época em que se realizaram, isto é, repondo-os no respectivo
ambiente social. Daí o estado de alma da geração militar a
que pertenci e do meio que a preparava, onde, conforme.de
uma feita já^> revelei, havia um como temor de falar em guerras, em presença de moços que não tinham para com ^os velhos
guerreiros do Paraguai, que desfilavam diante deles alquebrados
pela velhice e com as fardas rebrilhantes de condecorações, o
respeito e a estima que, sem dúvida, mereciam como dignos e
leais servidores da Pátria comum. Filiávamos todos os acontecimentos sociais direta e exclusivamente aos governos dominantes, e lhes atribuíamos, em nosso espírito de mancebos inexperientes, todos os males e, por' conseguinte, todas as guerras.
Passá-las em silêncio, ou, melhor, ignorá-las era, pois, castigar
esses governos com a punição merecida e, ao mesmo passo, dar
testemunho de republicanismo inquebrantável e modelar.
Aplacada a tormenta, o meu espírito serenou; vieram os
anos, o trato dos homens e o comércio dos livros. Fui vendo
por mim mesmo a veracidade do velho conceito de que a História é mestra da vida, fonte perene de patriotismo e que, portanto, não deve ser desconhecida notadamente de militares.
Pouco e pouco me convenci de que o estudo dos episódios guerreiros das gerações que nos precederam, feito com serenidade
e reflexão, é salutar aos moços que vestem farda, pois lhes
fortalece o espírito, retempera o caráter e proporciona sólidos
• elementos para julgarem questões imprevistas e por vezes, incandescentes, em que as paixões dominantes, sem as luzes da
verdadeira História, acarretariam os maiores desatinos.
E assim me embrenhei na meditação do passado. Quanto
mais o investigava para saciar a minha extrema curiosidade e
ignorância, mais se me afigurava urgente a necessidade de
chamar para êle a atenção de meus jovens companheiros de
armas. Destarte desabrochou o pensamento de tomar notas e
— 9
coordenar as minhas leituras não para meu uso exclusivo, senão
para os poupar ao trabalho a que, embora com deleite, me estava
entregando.
A Batalha do Passo do Rosário, que hoje sai a lume, é a
primeira tentativa modesta nesse sentido. Fi-la não para 03
que sabem, pois seria inútil e não comportaria o cunho elementar de que se reveste, mas para os meus jovens patrícios que
ingressam ao exército ou que só há pouco alcançaram o posto
de oficial, os quais, estou certo, acolherão jubilosos e complacentes quem se proponha guiá-los na jornada e mostrar-lhes por
vezes, subindo a uma colina dos arredores, alguns recantos da
paisagem que se perde para trás acercando-se do longínquo
horizonte.
Pensei a princípio atacar diretamente o assunto; a reflexão, porém, mostrou-me o proveito que haveria, e até mesmo
a necessidade, de preludiar o lance guerreiro com seus antecedentes históricos. Bosquejei com esse intuito uma ligeira
síntese da história pátria, na parte que o problema mais reclamava, e só depois meti "ombros a êle.
Esforcei-me por ser tão sereno quanto se pode ser em questões dessa natureza; manejei a pena pedindo inspirações aos
meus sentimentos de verdadeira estima aos vizinhos com quem
no passado tivemos lutas.
Consultei todos os documentos acessíveis e na medida em
que mo permitiram os meus deveres profissionais. Não me corri
de beber em todas as fontes, ainda as mais humildes, sem nenhuma preocupação de as dissimular, antes com o firme propósito de tornar bem patente que apenas elaborava modesta
compilação. Porfiei em que os autores do drama e os escritores
dignos de fé depusessem por mim; na parte concernente à narrativa da batalha deixei que falassem de preferência as testemunhas presenciais, e por isso me escondi à sombra delas sempre
<{ue pude.
Apesar disso, estou lealmente convencido da imperfeição
do meu trabalho, em que, sem dúvida, haverá deficiências e até
erros involuntários. Mas, como não levei a mira em produzir
obra impecável, senão em travar algumas vigas para esboçar um
andaime capaz de ser prestadio a outrem na construção definitiva de um belo edifício, nem me envaideço, nem me arrependo
da minha ousadia. Considerarei ventura inestimável a crítica
10 —
dos mestres, pois será frutuosa, praza aos Céus! a uma nova
•edição deste humilde ensaio.
Como o leitor verá, reuni documentação gráfica copiosa,
múltiplas vezes com o só intuito de,clarear mais a inteligência
de certos episódios.
Relativamente à batalha, tínhamos os desenhos preciosos
de Adolfo António F. de Seweloh, oficial de engenheiros do
nosso exército e ajudante de ordens do general Barbacena. Durante as operações, escreveu esse distinto oficial um diário, que
é hoje para os brasileiros guia tão indispensável, como o de
Brandsen para os argentinos. A Revista do Instituto Histórico
publicou-o em seu volume trígésimo-sétimo, mas esqueceu tanto
as plantas do campo de batalha, que o capitão Ladislau de Santos
Titara havia revelado ao público em suas Memórias do Grande
Exército Libertador da Sul América, como os esboços de nossos
acampamentos durante a marcha estratégica de Barbacena. Felizmente o Barão do Rio Branco, a cujas mãos havia ido parai
o original do diário de Seweloh, em que figuram desenhados no
texto os ditos esboços, mos tinha dado a conhecer, o que me
facilitou agora, graças à gentileza de S. Excia. o Sr. Ministro
das Relações Exteriores, Dr. Azevedo Marques, copiá-los no arquivo respectivo e divulgá-los aqui pela primeira vez. Mas quer
esses desenhos, quer as plantas acima referidas, não passam de
croquis elaborados à vista por Seweloh; e, posto demonstrem seu
alto valor profissional, carecem de precisão. Em vista disso,
solicitei e obtive de S. Excia. o Sr. Ministro da Guerra, Dr, Calógeras, fosse' a Comissão da Carta, com sede no Rio Grande do
Sul, encarregada de levantar a planta topográfica do campo de
batalha e adjacências, ou de grande trecho do rincão formado
pelo rio Santa Maria e o Imbaé, ou Ituzãigo, seu afluente da
margem direita. O chefe e os camaradas dessa laboriosa comissão, infelizmente tão mal julgada, pois parece viver esquecida
e condenada pelo silêncio, mas a que o futuro fará certamente
a merecida justiça, brindaram-nos com uma planta que vem
- 11 preencher lacuna sensível, e mais com um plano em relevo e
esboços panorâmicos, o que tudo poderá o elitor apreciar dentro
em breve.
Rejubilo-me com o testemunhar-lhes aqui a minha crescente
estima pela sua tenacidade, patriotismo e resignação, e o meu
reconhecimento.
Aproveitei, como era natural, todos os trabalhos argentinos
te orientais que pude haver à mão.
A esse respeito cumpre chamar a atenção do leitor para
a diferença radical entre o modo por que o assunto foi tratado
entre nós e nas repúblicas do Prata.
Logo depois da batalha, deram os principais chefes do
exército brasileiro as partes que lhes competiam, de modo que
ficamos de posse de uma primeira narrativa, embora oficial, da
luta empenhada, ao passo que na Argentina só apareceu até
hoje a parte de Alvear e a de seu chefe de Estado-Maior, o
General Mansilla, as quais não bastam à reconstituiçao integral
da peleja. Em compensação, vários dos oficiais que nela participaram, assim argentinos como' orientais, e alguns de alta categoria, escreveram memórias, que suprem lacunas, completam
a exposição de Alvear e Mansilla, e por vezes a desmentem. Foi
graças a essas memórias que, com o andar do tempo, a batalha
do Passo do Rosário entrou a ser vista a outra luz em ambas
as margens do Prata, ao menos por espíritos superiores e independentes como o Professor Clemente Fregeiro, e que se vai
confirmando a sinceridade, ou antes rude franqueza, com que,
desde o primeiro instante, fizeram os brasileiros as suas declarações. Algumas memórias, como a do coronel Iriarte e do general
José Maria Paz, são por nós esperadas com ansiedade; i demora
em as dar à luz gera a suspeita de que são acordes com algumas
anteriores, isto é, de que reduzem Alvear, e a batalha que êle
pretendeu ter conduzido, às suas justas e merecidas proporções.
Não toquei de propósito na famosa questão das bandeiras.
Seria tarefa escusada e pretensiosa depois da obra íisrefutável
- 12 -
do nosso ardente e talentoso patrício José Carlos de Macedo
Soares, e a que êle deu o título expressivo de Falsos Trofeus
de Ituzãigo.
Tasso Fragoso,
General *ie Brigada
25 de setembro de 1921.
Marquês de Barhacena
PRIMEIRA
PARTE
Os antecedentes históricos do conflito
Não ee devem julgar as cousas pelo
apetite senão pela razão.
JOÃO DE BARBOS — (Panegírico a El-
rei D. João III, edição de 1791, página 30).
Nada de documentos, nem notas explicativas. Tudo, pois, resumido sinteticamente, com precisão e clareza.
VIEIRA FAZENDA —
(Prefácio
do D.
João VI, de Henrique Câncio).
I
Formulação do problema — Descobrimento da terra e primeiras explorações
geográficas — Primeiras tentativas de colonização — Divisão do Brasil em
capitanias hereditárias
O descobrimento da América por um genovês ao serviço
de Espanha, realizado precisamente na mesma época em que
Portugal Hda\a por chegar à índia, velejando ao longo do continente africano, despertou naturais ressentimentos entre os dois
países. A concorrência, resultante da orientação para um objetivo comum, tornou imprescindível delimitar-se a zona de atividade marítima desses dois povos que pareciam votados às grandes explorações da superfície terrestre.
Sabedor do êxito feliz da travessia de Colombo, procurou
logo D. João II acautelar os interesses de seu reino. Julgava
Portugal com direito às terras descobertas, em vista das concessões que lhe haviam feito vários pontífices, "como retribuição
dos serviços prestados ao Cristianismo por alguns príncipes da
dinastia de Avis". "O papa Calisto III declarara inerentes ao
mestrado da ordem de Cristo em Portugal a administração e
padroado das terras adquridas e por adquirir, desde o cabo Bojador até a índia, e Xisto IV confirmara ao rei D. João II
as bulas de seus predecessores" (1).
Não obstante estes solenes compromissos, pediu Espanha
ao chefe da Igreja Católica a confirmação do direito de posse
(1)
Porto Seguro — História do Brasil — pág. 67.
14 —
das terras cuja existência acabava de revelar. Alexandre,VI
•logo lha deu; pela bula de 4 de maio de 1493 dividiu a esfera
terrestre por um meridiano sito 100 léguas a oeste das ilhas
dos Açores e de Cabo Verde, e declarou ficarem pertencendo
a Portugal todas as terras que se descobrissem no hemisfério
de leste, e a Espanha as do outro hemisfério.
D. João II de nenhum modo se quis conformar com essa
resolução; pensou até, refere o visconde de Porto Seguro, em
dirimir a contenda na própria zona do conflito, aprestando para
esse fim uma armada ao mando do glorioso Francisco de Almeida. Chegada a Espanha a notícia da atitude decisiva do monarca lusitano, cuidaram os reis católicos de acordar-se amigavelmente com o vizinho, pedindo-lhe a nomeação de embaixadores
que discutissem a questão. Portugal enviou a Barcelona, onde
se achava a corte, o doutor Pedro Dias e Rui de Pina, mas de
tal embaixada nenhum resultado se colheu.
"Assim — escreve Capistrano — nem os reis de Espanha,
nem a cúria romana estavam pelas consequências que a coroa
portuguesa tirava de bulas e tratados antigos; urgia, pois, achar
novas bases de negociações. Foi mandado de Barcelona para
a corte portuguesa Garcia de Herrera, a dar notícia da próxima
partida de outra embaixada incumbida de tratar a questão, para
a qual se pedia benigno acolhimento. Composta de Garcia de
Carbajal e Pêro de Ayola, partiu, de fato, a 2 de novembro e
foi recebida friamente; não tem pé nem cabeça, disse desdenhoso
D. João II, aludindo a um que era coxo e a outro de fraco
espírito. Por sua vez, a 8 de março de 1494, el-rei mandou
Rui de Sousa, senhor de Usagres e Berengel, João de Sousa,, seu
filho, almotacé-mor, e Árias de Almadana, corregedor dos feitos
cíveis na corte de Lisboa e do desembargo do paço, os quais
conferiram em Medina de Campo e levaram a negociação a bom
resultado, assinando com Henrique Henriques, mordomo-mor,
Gutierres de Cadernas, comissário-mor de León e contador-mor,
e doutor Rodrigo Maldonado de Talaveras, todos do conselho
real, a 7 de junho, o tratado de Tordesilhas, primeiro capítulo
da história diplomática da América" (1).
Em vista desse tratado, o meridiano demarcador ficaria
não mais a 100 léguas, porém a 370 a oeste das ilhas de Cabo
Verde.
(1)
Capriatano de Abreu — Sobre a colónia do Sacramento — pág. 8.
- 15
-É claro, para as pessoas versadas em Geografia, que â
definição da linha imaginada para solução da contenda faltavam
todos os elementos de precisão. Não se caracterizava suficientemente nem a grandeza da unidade de extensão — a légua —
(e havia-as de mais de um cumprimento), nem o ponto das ilhas
de Cabo Verde destinado à origem da,contagem. Por outro
lado, tratando-se de uma linha cujo traço na superfície terrestre
só a resolução de um problema ainda hoje difícil, qual a determinação precisa de uma longitude, permite achar, compreende-se
desde logo a possibilidade de invasões recíprocas nos territórios
limítrofes, ainda que os dois países conquistadores timbrassem em proceder invariavelmente com a mais escrupulosa
honestidade.
Dessa circunstância acidental e ao parecer remota, agravada pelo génio aventureiro de dois povos e pelas ambições dinásticas da coroa portuguesa, defluíram acontecimentos gravíssimos na vida dos colonos lusitanos e espanhóis e de seus
descendentes na América do Sul.
A batalha do Passo do Rosário é, como espero tornar claro
ao leitor numa pintura sintética, a sua repercussão longínqua e,
sem dúvida, mais grave.
. Sabe-se como Pedro Álvares Cabral, à testa de numerosa
armada, descobriu inesperadamente o Brasil em fins de abril
de 1500. Singrava o almirante lusitano para a índia, com o
intuito de continuar os trabalhos do grande Vasco da Gama,
isto é, de abrir o Oriente ao comércio de sua pátria e dilatar
a fé crista, a ferro e fogo, se houvesse mister, quando avistou
no dia 22. depois de sinais indicadoras de terra, uma montanha
elevada> a que deu o nome de monte Pascoal, para marcar com
uma solenidade do calendário católico a data precisa de tão importante descobrimento. Quem já uma vez lobrigou, correndo
ao longo da costa brasílica, esse acidente geográfico salientando-se na linha litorânea, pode facilmente imaginar o encanto
dos primeiros navegantes, ao verem-se atraídos por esse mamilão
gigantesco, baliza excepcional com que a nova terra se denunciava aos forasteiros e, sem dúvida, compassado com a sua desmesurada superfície.
— 16 —
O problema que naquela sazão continuava de pé no domínio
geográfico era sempre o da comunicação com o Oriente. Buscando-a no rumo de leste e mais ou menos na altura da Europa,
esbarrara Colombo com a terra firme; velejando em latitudes do
hemisfério meridional, Cabral também via fechar-se-lhe em
frente o caminho marítimo. Mas a esperança de que de novo
se abrisse, não longe dali, permanecia inabalável, e achava expressão no nome de ilha de Vera Cruz, com que a.princípio se
denominou a terra encontrada.
Antes de prosseguir na rota, mandou Cabral a seu rei a
notícia do imprevisto acontecimento.
Cronologicamente não fora o almirante o primeiro em ver
terras de nosso país- A 18 de novembro de 1499, Vicente
"Yanes Pínzon saíra de Paios com 4 caravelas e a 26 de janeiro
do ano seguinte (1500) avistara um promontório do nosso litoral,
<jue denominou Santa Maria de Ia Consolación; seguira para o
norte beirando a costa*, passara por um rio, a que chamou Mar
Dulce, e mais tarde por outro.que ficou conhecido pelo seu
próprio nome (rio Oiapoque). Logo depois dele, zarpara, também de Paios, Diogo de Lepe (dezembro de 1499), e avistara por
sua vez costas do norte; prosseguira caminho quase na esteira
de Pinzon.
D. Manuel, rei de Portugal, embora preocupado com os
problemas que o Oriente lhe deparava, não podia desinteressar-se
<]a descoberta de Cabral. Era uma terra nova, que de juro lhe
pertencia, e, demais disso, nova solicitação à atividade marítima
dos portugueses para a busca de solução análogo à que movera
a energia e perseverança * de Colombo. Daí o envio de uma
frota exploradora, destinada a percorrer a costa e adquirir unia
primeira ideia de seu contorno. A expedição partiu de Lisboa
•em maio de 1501, acercou-se da terra e aproou para o. sul;
a 16 de agosto avistou o cabo de São Roque, e continuou marcando outros pontos notáveis, inclusive a baía de Guanabara, até
o cabo de Santa Maria, por 32 graus de latitude meridional.
Américo Vespúcio, que fazia parte da comitiva como piloto,
penetrou ainda mais para o sul, até "uma terra inóspita c
grande".
Em junho de 1503 saiu do Tejo uma expedição de seis caravelas, ao mando de Gonçalo Coelho, em busca de passagem
para a índia pela navegação geral ao rumo de oeste. Tocou em
nossas costas e não logrou levar a termo a sua tarefa; descobriu a
ilha de Fernando de Noronha. Américo Vespúcio vinha na arma-
17
<da, mas dela separou-se. Segundo Vanihagen, Coelho atingiu o rio
da Prata Destarte ficou a cruzada para a índia transformada
em um novo reconhecimento do litoral atlântico.
Dada a. agitação marítima daqueles tempos, bem como a
emulação resultante da cobiça insaciável, nada mais natural que
haver sido nossa orla litorânea visitada por aventureiros de diversos países, de alguns dos quais ficou traço imperecível na
História pátria. Sem dúvida muitas das embarcações portuguesas que metiam proa para o Oriente, a fim de reproduzir o ciclo
de Vasco da Gama, vinham ao Brasil para refrescar, para fins
de comércio ou mesmo por simples curiosidade geográfica.
Poucos anos depois um fato importanto, ocorrido na região
do istmo que punha em contacto as duas Américas, lançava imprevista luz sobre a incógnita geográfica levantada pela travessia
tíe Colombo. De uma expedição, saída de S. Domingos, em
1510, para explorar a terra firme, cujos contornos as viagens anteriores ao mar das Antilhas começavam a delinear, fazia
parte o fidalgo espanhol Vasco Nunes de Balboa. Iam todos
em busca de ouro; aportaram a costa de Darièn. Dentro de
pouco tempo, Balboa assumia a direção do bando, graças às
suas qualidades pessoais, sobretudo a sua valentia e popularidade. Vencendo os extraordinários tropeços que a topografia
local e os indígenas lhe ofereciam, lutando com a fome e as
enfermidades, logrou Balboa ver por surpresa, em setembro de
. 1513, a superfície desmesurada do Oceano Pacífico. " Homem
inteligente, compreendeu a importância geográfica do espetá•oulo majestoso que a sorte lhe descortinava. Dizem que se
abeirou da praia, e, enquanto caminhava entre as ondas, levando
.numa das mãos a espada e na outra uma bandeira em que havia
uma imagem da Virgem, tomou posse das águas em nome dos
reis de Castela.
• •^
"Nesse mesmo ano (1513) uma armada portuguesa de dois
navios extendeu muito o horizonte geográfico pela zona temperada. Devassou, segundo um contemporâneo, seiscentas a setecentas léguas de terras novas; encontrou na boca de um caudaloso
rio diversos objetos metálicos; teve notícia de serras nevadas ao
Ocidente: julgou ter achado um estreito e o extremo meridional
do continente, 0 capitão, talvez João Lisboa, levou para o reino
um machado de prata; e este nome, apegado ao soberbo rio,
18 —
ainda hoje proclama a primazia dos portugueses ao sul, como o
das Amazonas perpetua a passagem dos espanhóis ao norte" (3).
' Chegada à Europa a notícia do feifo de Balboa, não se
demorou Espanha em aproveitá-lo, persistindo com afinco na investigação de uma brecha no longo maciço terrestre contra que
vinham abordar as suas caravelas, e mercê da qual lhe fosse
permitido retomar a viagem a oeste pelo mar de Balboa.
• Com esse intuito João Diniz de Solis deixa o porto de Lepe
na Andaluzia a 8 de outubro de 1515, reconhece a costa do
Brasil e penetra afinal na embocadura do rio da Prata (fevereiro
de 1516). Avança por êle, e fundeia junto à ilha que se chamou
mais tarde de S. Gabriel, perto da futura colónia do Sacramento;
prossegue depois até a ilha de Martim Garcia. Mais adiante,
desejoso de pisar terra, desembarca com alguns companheiros no
litoral da república do Uruguai, mas os terríveis charruas, índios
moradores na região, saem-lhe ao encontro e matam-no a frechadas. A expedição retrocede a Espanha, sob o comando do
sub-chefe Francisco Torres.
- ^Teriam os espanhóis encontrado a aberta que tanto ambicionavam para correr ao Oriente?
Convinha tirá-lo a limpo. Disso se encarregou nova expedição sob a direção suprema de Fernando de Magalhães, piloto
português ao serviço de Castela. Saindo de Sanlúcar em setembro de 1519, toca Magalhães no Rio e, singrando- para o
sul,' entra em janeiro do ano seguinte (1520) no estuário do
Prata. Avança por êle, como seu antecessor, e manda penetrar
depois no rio Uruguai^ que se toima assim conhecido. Crente
de que não é ainda aquele o caminho ambicionado, prossegue
ao longo da costa argentina, investe pelo estreito que hoje com
justiça lhe guarda o nome, e sai no mar de Balboa, que o acolhe
sereno e, por isso, conquista o nome de Pacífico, por que é hoje
conhecido. Magalhães sucumbemais tarde nas Filipinas, porém
a viagem não se interrompe; seu companheiro Sebastião Elcano
salva, em uma única embarcação, o restante dos expedicionários
e chega a Sanlúcar a 7 de setembro de 1522, fechando o circuito
da primeira circumnavegação. Destarte se imortalizavam os
navegantes e ganhava a ciência uma das mais sólidas provas da
esfericidade terrestre.
,
.
Como era de prever, Carlos V, então rei de Espanha, não
(3)
Capítulo* de História Colonial, de Capistrano de Abreu— pág. 27.
— 19 —
perde tempo; em abril de 1526 põe em movimento outra expedição ao mando de Sebastião Gaboto, para, trilhando a mesma rola.
de Magalhães, apossar-se das ilhas descobertas. Gaboto toca em
Pernambuco, na feitoria fundada por Cristovam Jacques, e aí
colhe as primeiras notícias cisandinas; vai a Santa Catarina,,
onde encontra dois homens que haviam pertencido à expedição
de Solis e que lhe relatam os incidentes da viagem descrevendo
com entusiasmo as terras que haviam visto (4). Seduzido peia
ideia de grangear prata e ouro, desiste da viagem ao Oriente
e faz se ao rumo do Prata. Dobra o cabo de Santa Maria, penetra no estuário e fundeia, a 6 de abril de 1527, em frente
à ilha de S. Gabriel. Após ligeira demora, avança para o
norte nas embarcações menores; segue o Uruguai até a boca de
um rio,^a que chamou S. Salvador, e nessas paragens levanta
nm fortim,1 para defender-se dos indígenas. Penetra depois no
Paraná e sobe por êle; chegando à embocadura de um rio que
corria da esquerda, portanto afluente da margem direita (rio
Cacaraná), constrói outro forte a que dá o nome de Espírito
Santo. Persiste sempre no Paraná e ascende por êle até o salto
de Apipe. Retrocede à confluência do Paraguai e avança por
este até muito acima da atual cidade de Assunção, até um ponto
conhecido sob o nome de Frontera. Contam que os índios daqueles sítios lhe mostraram ouro e prata trazidos do Peru por
Aleixo Garcia, aventureiro cuja história não está bem esclarecida.
Afirmam ter sido um português que saiu de S. Vicente, se adentrou pelos sertões, e logrou chegar aos confins do Peru pelo
Paraná e Paraguai, Já de regresso, carregado de despojos, foi
morto pelos próprios índios que o tinham acompanhado.
A viagem de Gaboto é, como se acaba de ver, uma primeira
infiltração naval na América do Sul. Enquanto as caravelas
portuguesas delineavam a costa de nosso Brasil, Espanha penetrava no âmago da zona meridional e ia balizar a rota por onde
primeiro encaminharia toda a sua civilização para aquelas bandas, e por onde depois drenaria a corrente comercial das zonas
centrais e das que demoram a oeste do Paraná e do Paraguai.
Em seguida a Gaboto, vem Diego Garcia (1528) com o
intuito de prosseguir nos trabalhos de Solis. Acha seu posto
(4) Cristovam Jacques esteve duas vezes no Brasil. Na primeira, ainda no
reinado de D. Manuel, visitou o rio da Prata, onde se pSs em contacto _CDin
alguns companheiros de Solis, de "quem obteve notícias sobre aB riquezas íncásicaí-.
Do Prata volveu a Pernambuco c aí fundou uma feitoria.
,
— 20 —
ocupado e, como não pode harmonizar-se com o rival, regressa
a Espanha. 'Em 1529 os índios argentinos chamados timbués
assaltam o forte de Espírito Santo e matam-lhe toda a guarnição ; a curto trecho os charruas, índios uruguaios, fazem o mesmo
com o de S. Salvador. Gaboto resolve volver a Espanha, onde
aporta em meados de 1530.
Até essa época quase nada havia feito Portugal pelo povoamento regular do Brasil. As incursões dos estrangeiros e
a dificuldade de a elas obstar, enquanto não houvesse em terra
núcleos de população permanentes e bem organizados, haviam
tornado patente a necessidade de cuidar-se com presteza de tão
complexo problema. Não bastava a Portugal dizer que o Brasil
lhe pertencia, para tê-lo seguro, se, pelo abandono de seu litoral,
já então ponto de escala quase obrigado dos espanhóis que navegavam para o sul, o deixasse exposto às invasões de seus concorrentes. Por outro lado, a notícia da infiltração de Gaboto por
dentro do Paraná^e do Paraguai, dizem que acentuara ainda mais
no espírito da monarquia portuguesa o ardente desejo de também
ir ao Prata e ali fundar uma colónia, ideia, como verificará o
leitor, que nela se conservará latente até 1680, quando afinal
•i transformará em-realidade.
A expedição portuguesa de Martim Afonso de Sousa, em
1530, obedece a essa ordem de cogitações. O chefe éra um
moço de trinta anos e veio munido de poderes excepcionais.
Trazia como incumbência tomar posse de todo o território até
a linha meridiana de demarcação. Acompanhou-o, como comandante de uma caravela, seu irmão Pêro Lopes de Sousa,
*jue nos legou um diário da viagem. Zarparam do Tejo a 3
«e dezembro de 1530. Ao acercarem-se da terra, perto da ponta
de Olinda, deram numa nau francesa carregada de pau-brasil.
Tocaram em Pernambuco. 0 chefe mandou Diogo Leite, com
<luas caravelas, explorar o rio do Maranhão, o que ele buscou
fazer alcançando a foz do Gurupí, entre os atuais Estados do
Maranhão e do Pará. Martim Afonso continuou para o sul;
fez escala na Bahia, no Rio, em S. Vicente e Cananea; foi assim,
com intercadências, até o arroio Chuí, nossa atual fronteira
meridional com o Uruguai, e onde uma tempestade destruiu a
nau capitânia e causau outros prejuízos. Assentou-se em conselho que a esquadra ficaria ao norte do cabo de Santa Maria
e que Pêro Lopes iria sozinho desempenhar o encargo de tomar
posse do Prata,, nele levantando padrões. . Diz Varnhagen que
21 —
Pêro Lopes cumpriu a tarefa, subindo pelo Paraná e pelo
Uruguai.
Na rota para o norte, Martim Afonso entra de novo em
S. Vicente e resolve fundar a vila desse nome (22 de janeiro
de 1532). Esta data passou assim a ter na história do Brasil
importância excepcional, pois lembra a criação do primeiro
núcleo sistemático de habitantes de nosso, território.
De S. Vicente expede Martim Afonso para a Europa, portador de notícias, a Pêro Lopes, o qual de regresso encontra
franceses em Pernambuco. Os intrusos tinham chegado em uma
nau por nome La Pèlerine, para fins de comércio; depois de
se apossarem à viva força da feitoria portuguesa ali existente,
haviam erguido no mesmo lugar uma fortaleza. t*ero Lopes
pôs-lhe cerco e Bombardeou-a durante 18 dias. Vendo ôs franceses que de fora lhes não podiam acudir com auxílios, propuseram capitular, o que foi aceito. Deixando na fortaleza gente
sua, às ordens de um Paulos Nunes, Pêro Lopes seguiu o rumo
da pátria.
Entrementes tomara D. João III a. resolução oportuna de
dividir u Brasil em capitanias hereditárias. Na dificuldade de
povoá-lo com emigrantes espontâneos em número suficiente,
porque os portugueses preferiam a índia à terra de Santa Cruz.
e de manter esquadras de vigilância ao longo da costa, aceitou
o alvitre de fracionar a ourela do mar em quinhões separados
para cada donatário. Um quinhão ou capitania tinha de frente
certo número de léguas, contadas na linha da costa, e delimitava-se com os vizinhos por paralelos tirados das extremas da
frente marítima até ao encontro do meridiano de demarcação.
Devemos a Varnhagen um mapa de extrema clareza com os lindes
aproximados dessas capitanias.
0 pensamento da coroa portuguesa vem expresso nitidamente numa carta de El-rei a Martim Afonso, em que se lê:
"Depois de vossa partida se praticou se seria
meu serviço povoar-se toda essa costa do Brasil, e algumas pessoas me requeriam capitanias em terra dela.
Eu quisera, antes de nisso fazer cousa alguma, esperar
por vossa vinda, para com vossa informação fazer o
que me bem parecer, e que na repartição que disso
se houver de fazer, escolhais a melhor parte. E porém
porque depois fui informado que de algumas partes
faziam fundamento de povoar a terra do dito Brasil,
— 22 —
• •
.
•! '
x
'
—
22
—
-considerando eu com quanto trabalho se lançaria fora
/• a gente que a povoasse, depois de estar assentada na
.terra, e ter nela feitas algumas forças (como já em
Pernambuco começava a fazer, segundo o Conde da
Castanheira vos escreverá), determinei de mandar demarcar de Pernambuco até o Rio da Prata cinquenta
léguas de costa a cada capitania, e antes de se dai
a nenhuma pessoa, mandei apartar para vós cem
léguas, e para Pêro Lopes, .vosso irmão, cinquenta, nos
melhores limites dessa costa, por parecer de pilotos
Í de outras pessoas de quem'se o Conde, por meu manHido, informou; como verei pelas doações que logo
mandei fazer, que vos-enviará; e depois de escolhidas
sstas cento e cinquenta léguas de costa para vós c
para o vosso irmão, mandei dar a algumas pessoas que
requeriam capitanias de cinquenta léguas cada uma;
" e segundo se requerem, parece que se dará a maior
1
parte da costa; e todos fazem obrigações de levarem
< gente e navios à sua custa, em tempo certo, como vos
o. Conde mais largamente escreverá; porque êle tem
cuidado de me requerer vossas cousas, e eu lhe mandei
que vos escrevesse" (5).
As diferentes capitanias em que o Brasil ficou dividido
tiveram sorte vária, conforme a região da costa, as qualidades
pessoais dos donatários, os recursos de que .dispunham e a resistência oferecida pelo gentio. Ante a brutalidade e má fé com
que alguns invasores o tratavam, era natural que o indígena
americano tudo fizeses para de novo lançar ao mar aquela horda
de gente estranha, que parecia vinda com ó fito exclusivo de lhe
roubar as terras e de o martirizar.
A Martim Afonso de Sousa tocaram duas porções da costa,
o. primeira da barra de S. Vicente até cerca da de Paranaguá,
e a segunda do rio Juquiriqueré até a barra de Macaé. Esta
última continha a nossa encantadora baía de Guanabara, Só a
primeira foi colonizada e de fato prosperou. Brás Cubas fundou
a povoação de Santos, origem da. atual cidade deste nome, antes
de meado o século.
Pêro Lopes recebeu três quinhões separados: o primeiro,
da barra de Paranaguá ao sul de Laguna,'não foi colonizado;
<5)
Porto Seguro — Hhfória do Brasil — . 1 . " volume, págs. 132-133.
MAPPA DO BRAZIL
E
TERRITÓRIOS
LIMITROPHES
— 24 —
no segundo ou de S. Amaro, da barra de Santos ao rio Juquiriqueré, fundou-se a vila de Santo Amaro, mas nada se conseguiu
nele por causa da hostilidade dos Tamoios; no terceiro, delimitado pelo sítio do Marco no rio Igaraçu e a baía da Traição,
ergueu-se a vila da Conceição, na ilha de Itamaracá, nome este
por que a colónia "se tornou-conhecida.
A Pêro de Gois tocou a capitania da Paraíba do Sul, da
barra de Macaé até perto do rio Itapemirim. 0 donatário
fundou a vila da Rainha,, mas foi infelicíssimo na empresa, de
que acabou desanimando.
Vasco Coutinho recebeu a porção que ia do* rio Itapemirim
ao limite norte do atual Estado do Espírito Santo. Fundou a
vila-do Espírito Santo, perto da qual se ergueu, em 1551, a vila
da Vitória, hoje capital do referido Estado. 0 proceder irreguiar do donatário e as perseguições dos1 indígenas obstaram à
prosperidade da capitania.
Pedro de Campos Tourinho, cuja posse se estendia do rio
Mucurí ao Jequitinhonha, desembarcou no porto em que Cabral
fundeara e mais adiante levantou uma povoação na margem do
rio Buranhen. Sua capitania, chamada de Porto Seguro, prosperou pouco, apesar da brandura do gentio e da ordem e justiça
nela reinantes.
Da capitania de Ilhéus, doada a Jorge de Figueiredo
Correia, não se conhecem' com precisão as extremas; crê-se que
começava no Jequitinhonha e terminava no Jaguaribe. 0 representante do donatário fundou a povoação de S. Jorge no porto
de Ilhéus; administrou mal a capitania, irritando os colonos, que
o expulsaram. Daí o malogro da empresa.
Francisco Pereira Coutinho entrou na posse de toda a costa
desde a baía de Todos os Santos até o rio S. Francisco. Fundou
sua primeira povoação, denominada Vitória, na ponta pinturesca
da atual cidade de Salvador, que ainda hoje conserva aquele
nome. Depois de alguma prosperidade, as lutas entre os colonos
e o gentio acabaram produzindo a morte do donatário e o infeliz
sucesso da sua obra.
Pernambuco coube a Duarte Coelho, desde a foz do S.
Francisco até à do Igaraçu. O ilustre guerreiro, que tanto' s<;
afamara na Ásia, fundou Igaraçu e Olinda e deu grande impulso
à capitania.
As quatro capitanias restantes do norte foram concedidas:
a António Cardoso de Barros (do rio Mossoró ou Jaguaribe ao
Mundaú); a Fernando Álvares de Andrade (do Camocim, no
— 25 —
Ceará, à ponta dos Mangues Verdes, no Maranhão); e a João
de Barros e Aires da Cunha (da ponta dos Mangues Verdes até
o rio Gurupí e da baía da Traição à barra do Mossoró ou talvez
do Jaguãribe). Como Álvares de Andrade e João de Barros
não pudessem deixar o reino, fizeram sociedade com Aires da
Cunha, que se pôs a caminho para a América! A frota deste
aportou em Pernambuco, daí velejou para o norte e, como não.
foi. permitido aos viajantes fixarem-se em Ceará-mirim, por
causa dos Pitiguares, tomou rumo do Maranhão. Desapareceu
a embarcação em que viajava o mesmo Aires da Cunha, sem
jamais dela se haver notícia. Nove navios chegaram à ilha do
Maranhão, que os colonos chamaram da Trindade. Ao cabo de
algum tempo, depois de aí se haverem, instalado, começaram as
hostilidades dos indígenas, que por fim os compeliram a uma
retirada, de certo cheia de peripécias e sofrimentos. - Tempos
depois, (em 1556) sairam com o mesmo destino dois filhos de
João de Barros, a quem o gentio enfurecido pelas tropelias que
lhe haviam feito os predecessores, não permitiu a permanência
na região do norte..
A tentativa de colonização da costa setentrional do Brasil
maíogrou-se, portanto, de modo completo; vão-se passar ainda
muitos anos antes que, sob o estímulo da usurpação dos franceses, se colonize o Maranhão e o Pará, e se penetre definitivamente no rio Amazonas.
Volvamos um instante o olhar para acontecimentos que se
passaram na região nordeste da América do Sul e que muito
contribuirão para o melhor entendimento de nosso assunto.
II
Explorações espanholas ao norte e a oeste da América do Sul — Primeiras tentativas de colonização do Rio da Prata — Continuação das explorações no
interior — Corrente espanhola e corrente portuguesa — Malogro das capitanias
— Governo Geral do Brasil — Exploração e conquista do nordeste e do
norte até o Amazonas — Domínio holandês
Descoberto o arquipélago das Antilhas pelos espanhóis, foi
logo por eles transformado numa espécie de base de operações
marítimas para novas explorações geográficas no rumo de oeste.
Penetrando no mar das Antilhas, viram sem demora erguer-selhes em frente a barreira de terras da América Central e da costa
nordeste da América do Sul. Tiveram, pois, de enfrentá-la, desembarcando das naus, guerreando o gentio e aproveitando-se
dele como guia nas excursões pelas florestas e pelos rios. A corrente conquistadora, não podendo prosseguir no rumo do ocidente, como o descobrimento de Balboa o havia demonstrado,
teve de cindir-se em dois ramos: um que avançou para o norte
•e outio que se orientou para o sul. É evidentemente este último"
o que mais interessa à História do Brasil. Nos primeiros
tempos as caravelas' percorrem a costa adjacente ao mar das
Antilhas, sondando-lhe os contornos. Os conquistadores desembarcam em lugares apropriados e travam relações com o gentio;
mais tarde fundam no litoral núcleos de população, donde a
conquista de terra a dentro vai irradiar-se com lances heróicos
e indescritíveis. brutalidades. A partir de 1525 os espanhóis
penetram na Colômbia de modo decisivo; Bastidas funda Santa
Marta ; -perto da boca do rio Madalena. Em 1532, começa-se a
exploração deste rio. que desde logo se apresenta como um caminho aberto pára o avanço até o coração do país. Em 1537
lança Quesada os fundamentos de Santa Yêde Bogotá.
A conquista de Venezuela começa em Cumaru (1523) e
'Coro (1527) e passa logo depois (1528) a uma companhia
alemã chamada dos Welser. a quem o Imperador Carlos V
-confia em má hora tão escabrosa tarefa. Os alemães nada fizeram de verdadeiramente útil; limitaranvse a espoliar o gentio,
enraivecê-lo e exterminá-lo com violências, de que a História.
guarda, ciosa., imperecível memória. Já então estavam em parte
desnaturados os objetivos da progressão para o oeste; já não
— 28 —
se aspirava a um caminho para as índias, nem à glória de deweobrir o mundo e possuir novas colónias; queria-se a todo o
transe alcançar uma região quase divina denominada 0 Dourado
(El-Dorado), em que as riquezas, sobretudo em ouro, seriam
incontáveis. ^Onde estaria localizada tão misteriosa região?
Ninguém o sabia, mas urgia achá-la o mais breve possível. Supunham-na jacente no vale superior do Amazonas ou ao norte
dele, e para lá se dirigiam. É óbvio que não se poderia imaginar maior incentivo à cobiça humana e à atividade ambulatória.
nem explicação mais natural à rapidez dos progressos geográficos em nosso continente e às cenas de selvageria com que o»
forasteiros algumas vezes os macularam.
Exemplo típico dessa verdade é a conquista do Peru por
Francisco Pizarro e Diego de Almagro, dois soldados "rudes e
ignorantes, que não sabiam ler, nem escrever".
. Para assenhorear-se da terra misteriosa em que dominava
a civilização extraordinária e surpreendente dos Inças, fêz Pizarro duas investidas Saiu primeiro de Panamá por mar em
1525, seguido logo depois por Almagro. Velejaram pelo Pacífico, tocaram no porto de Pinas e lutaram com os indígenas da
costa. Nessa primeira investida foram até a baía de Tumbes,
onde encontraram os primeiros sinais da civilização incásica. Em
fins de 1527 regressaram a Panamá. Pizarro foi a Espanha
entender-se com seu rei. Em julho de 1529, estando este ausente, deu-lhe a rainha o poder de conquistar o Peru. Pizarro
volveu à América e, em janeiro de 1531, fêz a segunda investida para a realização de sua empresa. Os expedicionários
foram obrigados a desembarcar no porto de São Mateus, ao norte
da linha equinocial, e a seguir por terra até Tumbes; internaram-se a partir daí e alcançaram Cajamarca, em cujas cercanias
se encontrava o inça Ataualpa (novembro de 1532). . Pizarro
apossou-se dele por traição, tomou-lhe quanto, ouro pôde, sob
promessas de resgate, e acabou mandando executá-lo. Começou
então grande agitação em todo o país; as explorações geográficas realizaram-se no meio de' uma guerra civil desenfreada, àv,
que os índios eram sempre as vítimas imbeles, e que só principiou a aplacar-se quando o antigo império peruano foi erigido
em viee-reinado (1543). Como não nos interessam, basta-nos
saber que Pizarro chegou a Cuzco em setembro de 1533 e tempos
depois (1535) fundava Lima, onde afinal sucumbiu às mãos
dos amigos de Almagro, em junho de 1541. Antes de sua morte,
fizeram-se duas grandes investidas geográficas: uma no rumo
29
do sul, que acarreou a descoberta do Chile, e outra no de leste,
que revelou ao mundo a corrente portentosa do Amazonas. A primeira operou-se em dois tempos. No primeiro, é Almagro que
comanda a expedição: sai de Cuzco em julho de 1535 e avança
pelos planaltos andinos, com um punhado de aventureiros, seduzidos pelo desejo de conquistar grandes riquezas. Regressa ao
ponto de partida pelo litoral, sem haver logrado a realização
de seus sonhos e depois de ter tratado cruelmente os índios
daquela zona. O coração estremece
escreve Prescott — com
a narrativa de tais atrocidades, perpetradas contra um povo inferior ou que. pelo menos, não tinha outro crime senão o de
defender o seu território. A segunda tem por capitão a Valdivia. Irrompe do Peru em princípios de 1540, e avança pelo
deserto de Atacama, até alcançar um vale fértil e povoado de
um rio, que os naturais chamavam Mapocho. Ali levanta Valdívia os alicerces da atual Santiago, capital do Chile (12 de
fevereiro de 1541).
A segunda investida é posta em obra por Gonçalo Pizarro.
a quem Francisco Pizarro confia o encargo de tomar posse do
paía.jda-canela.e conquistar.o Dourado. Gonçalo sai de Quito
(começo de 1540), vence a cordilheira e desce para a bacia do
Amazonas. Ardente de cobiça, luta com a selva equatorial, por
onde abre caminho, e com os indígenas, de quem pretende arrancar o segredo, da sede do Dourado. Como ninguém lho pode
revelar, nada lhe refreia a indignação; não têm poder sobre êle
incontáveis sofrimentos. Chegando à borda d^ Coca, constrói
um bergantim e manda nele Orellana, com 50 homens um pouco
mais adiante à busca de mantimentos (dezembro de 1540). As
águas ligeiras e misteriosas dò rio lançam Orellana do Coca ao
Napo e deste ao Amazonas, em cuja boca êle sai a 26 de agosto
de 1541.
Não se pode ler sem comoção,a narrativa dessa aventura
singular. Seguimo-la com interesse vendo as inquietações dos
navegantes acossados pelos indígenas, que os atacavam em inumeráveis esquadras de grosseiras embarcações, e de que eles
fugiam amendrontados. É preciso ter-se visitado o Amazonas
para se compreender a energia daqueles espanhóis, num cenário
ijue os esmagava com a sua selvática grandeza.
Do exposto vê o leitor, contemplando uma carta da América
do.Sul, que, enquanto os portugueses abordavam esse continente
pela sua costa oriental, os espanhóis, vindo das Antilhas, tendiam a acercar-se da margem setentrional do Amazonas e, numa
30
arremetida memorável para o sul, avançavam pelo Peru e peioChile. Se, por outro lado, ponderar que outra corrente espanhola se insinuava pela bacia do Prata, subindo para o norte,
chegará à conclusão de que as duas últimas procurariam pôr-se.
o mais cedo possível em comunicação entre si, e que todas operariam um movimento envolvente em torno dos portugueses, de
que afinal resultaria o balizamento de nossa dilatada fronteira
terrestre.
Se a corrente espanhola do Peru se houvesse orientado de,
preferência para leste, é provável, dado o avanço que levava
sobre a dos portugueses, que o Brasil atual não fosse senhor
do curso do Amazonas. 0 que nos salvou, nesse momento geográfico decisivo, foi o fato de a ambição espanhola estar voltada
para o império dos Inças e para o sul. Sem dúvida a bacia
do Amazonas era uma atração sedutora para cruzar as terras
do interior, mas a »ua orientação afastava os conquistadores da
rota do ouro, e punha-os em 'frente de uma natureza agreste,
de selvas impenetráveis, e de índios, ferozes e pobres, que lhes
deviam parecer muito inferiores aos súbditos do inça Ataualpa.
í Poderiam eles hesitar entre a humanidade, a penúria e o calor
da região sub equatorial e a amenidade dos planaltos que se
abriam para o sul, e que lhes recordavam a terra nativa? De
certo que não.
Quanto aos espanhóis que se internavam no Prata, só lhes
restava remontar a corrente. Eram barcos seus únicos meios de
locomoção e a superfície do rio a única estrada relativamente
livre, que a região incógnita lhes deparava. Suas linhas de operação estavam, pois, escritas pela natureza no rumo geral do
setentrião.
.
v
Enquanto Portugal cuidava de promover a conquista e povoamento do Brasil mediante a criação das capitanias, esforçava-se Espanha por fazer o mesmo no rio da Prata. Mas, talvez
porque seu território fosse mais limitado e a preocupasse/)
desejo de pôr^se em ligação direta com a corrente hispano-peruana. lançou mão de solução diferente; nomeou chefes supremos, denominados Adelantados, que viriam a América conquistar
novas terras à sua custa, como os Adelantados da mãe-pátria
haviam reconquistado aos Mouros as que eles tinham usiirpado.
O primeiro Adelantado foi Pedro de Mendoza; sua jurisdição territorial compreendia 200 léguas, contadas na direção
do estreito de Magalhães, a partir da fronteira dos domínio»
portugueses.
— 31 —
* Mendoza chegou aô rio da Prata em princípios de 1535,
à testa de uma expedição numerosa e luzida. Fundearam os
navegantes perto da ilha de S. Gabriel, mas foram obrigados
pelos charruas a passar para a margem direita do rio, onde dominavam, como vimos, os índios querandis. Aí desembarcaram
e lanharam os alicerces de uma povoação (fevereiro de 1535),
a que deram o nome de Porto de Santa Maria de Buenos Aires.
Ao cabo de algum tempo os índios começaram a hostilizá-los,
e, auxiliados pelos charruas, travaram batalha campal, de que
saíram desbaratados.
Mendoza resolveu deixar na povoação um pequeno contingente, e com os restantes prosseguiu pelo rio. Sobre as ruínas
do antigo forte do Espírito Santo fundou outra povoação: a Boa
Esperança. .Daí expediu João de Ayolas. e Martinez de Irala,
para continuar a exploração e abrir comunicação com o Peru.
Os dois loco-tenentes remontaram o, Paraguai, fundaram Assunção (agosto de 1536) e foram até o porto da Candelária, onde
levantaram um forte. Ayolas deixou aí Irala com as embarcações e ordenou-lhe que o esperasse certo tempo, enquanto se
dirigia por terra à fronteira do Peru, em busca de ligação com
os compatriotas que por lá peregrinavam. Parece que não
chegou a destino; na volta sucumbiu às mãos dos selvagens.
Mendoza fêz-se de veia para Espanha desanimado e faleceu na
travessia. Irala regressou a Assunção e, eleito mais tarde governador7 empossou-se do seu cargo. Recolheu a essa cidade
os poucos habitantes de Buenos Aires e fez dela, diz um historiador, "a capital das conquistas espanholas do rio da Prata".
0 segundo Adelantado, Álvaro Nunes Cabeza de Vaca, foi
assumir seu posto de modo original: desembarcou em Santa
Catarina e daí rompeu por terra para a sede do governo (outubro
de 1541), com metade dos que o acompanhavam, enquanto os
demais continuavam por via marítima.
Uma vez no Paraguai, cuidou sem • detença de retomar o
problema das comunicações com o Peru, pondo-se ele mesmo
à testa de uma das expedições (setembro de 1543), nada, porém,
conseguindo. Acabou deposto e enviado preso a Espanha.
Irala subiu de novo ao governo mediante eleição. Foi nesse
período que se lembrou de fundar uma povoação na margem
esquerda do rio Uruguai, em terras da atual república desse
nome 0 "capitão João Romero iniciou a empresa com 120
soldados, lançando as bases do povoado S. João, mas os atentos
32 —
e irreconciliáveis charruas expeliram mais uma vez os espanhóis
de seu território.
Como fora de prever, também lhe acudiu a ideia de persistir nas expedições ao Peru. Em novembro de 1547, empreendeu a, terceira viagem nesse rumo; avançou primeiro pelo rio
Paraguai e depois, por terra, na direção noroeste. Alcançou
afinal a fronteira peruana, onde colheu notícias dos distúrbios
no Peru; daí expediu o capitão Nuflo de Chaves ao encontro
de La Gasca, comissário del-rei naquele império. Iniciava-se
destarte uma ligação ardentemente ambicionada. Para firmar
as comunicações, pensou depois Irala na criação de um povoado
intermédio, o que Chaves realizou após a morte dele com a
fundação de Santa Cruz de Ia Sierra, na atual Bolíyja_JJL56!i).
Ainda no governo, visitou Irala a província de.Guairá (1553),
' vasto território a leste do rio Paraná, no estado brasileiro
deste nome, e onde mais tarde, como veremos, fundaram oa
jesuítas numerosas reduções. Aí ergueu o grande administrador
a vila de Ontiveros, nas cercanias do Salto Grande do Paraná:
mais tarde ordenou a fundação de Ciudad Real, quase na confluência do Pequirí com o Paraná.
Depois de Irala rebentou mais uma vez a guerra civil, que
só se aplacou com a chegada de Zárate, novo adelantado (1573).
o qual tentou a criação de um povoado na margem esquerda do
Uruguai (Pueblo de S. Gabriel). Os charruas atacaram de novo
os recém-vindos e os expulsaram, como haviam feito a seus predecessores. Zárate morreu em Assunção (1575).
Pouco antes de sua vinda ocorrera uni fato importante, que
demanda referência especial: a fundação da cidade de Santa Fé
por João de Garay, na margem direita do Paraná (junho d**
1573). 0 leitor já viu como os' espanhóis que penetraram no
. Prata fizeram da cidade de Assunção seu centro de operações,
e como foram fruátrados seus desejos de ter outro, núcleo dr
população mais vizinho da beira do Atlântico. A necessidade
porém; deste ponto intermédio ficava.de pé e até cada vez mais
se acentuava. Daí a importância económica da ideia posta em
obra por Garay. Por outro lado, nesse meio tempo, a corrente
exploradora do Peru difundia-se pelo norte da Argentina, enquanto a do Chile a invadia pelo ocidente. Em 1550 a primeira
fundava a cidade de Barco (Santiago dei Estero), na margem
do rio Dulce. Tucuman (1565) e Córdoba (julho de 1573),
-esta última quase ao mesmo tempo em que nascia Santa Fé.
Destarte a corrente peruana e a platense vinham encontrar-se na
Mapa extraído, com simplificações, de um D'Anville (1748), para
mostrar a situação das reduções jesuíticas.
— 34 —
borda do Paraná. Espanha, tendo de declarar a qual das dua^ficaria entregue a jurisdição da margem direita do grande tio
decidiu-se pela segunda.
Uma vez no poder (1576-1580), Garay prossegue na mesma
orientação e funda definitivamente a cidade de Buenos Âire»
(junho de 1580). Basta relancearmos a vista sobre um mapn
e examinarmos a bacia do Prata, para logo compreendermos qu*ela estava reservada a- servir de porto de saída a tudo quanta
promanasse do noite e de oeste,°e a obstar à entrada dos intruso>
tí ao comércio ilícito.' A capital de nossa vizinha surgiu, poiíde fatalidades económicas e geográficas. Enquanto o problema
capita] era avançar para o interior desconhecido e sondá-ln.
compreende-se que Assunção tivesse a importância que de fain
lhe coube; logo, porém, que a vida colonial tendeu a organizar-se e as questões de saída para o mar livre ganharam vulto,
isto p, que cresceu em volume o movimento em sentido contrário
Buenos Aires alçou-se depressa ao lugar que de certo lhe competia, e que tanto a diferença do Rio de Janeiro.
0 último adelantado é Torres de Vera y Aragon
(1587-1591)) cuja ação principal é atrair os índios de'entre
o Uruguai e o Paraná. Sucede-lhe Hernando Árias de Saavediii.
vulgarmente conhecido por Hernandarias, eleito governador peloroolonos. Esteve três vezes à testa do poder, que abandonou definitivamente em 1618. Foi quem propôs ao rei ficassem separados os governos do Paraguai e do rio da Prata, o que viria
facilitar a administração. Tal medida era o atestado palpitante
da marcha ascensional de Buenos Aires e do declínio inevitável
de Assunção.
Nesse governo sobrevêm um acontecimento de importância
capital na história do sul do Brasil: o apelo sistemático às comunidades'religiosas, sobretudo aos jesuítas, para a civilização
dos aborígenes da bacia do Prata. Até aquele instante, salvo
casos particulares, a exploração . geográfica e a conquista ?r
faziam pela força bruta, quase sempre com o auxílio do indígena
e contra êle próprio. A maioria dos europeus que se transplantavam para esse lado -do Atlântico, viam no pobre selvícola UIP
ser inferior, que lhes dificultava a posse da terra, e cujo único
préstimo se devia resumir no trabalho extenuante, sob um reginif
de escravidão. Nada lhe deixavam, nem mesmo as mulheres e
as filhas, de que muitos se logravam à força, para usar a lín/
guagem de um dos mestres da língua. Não devemos, portanto
admirar-nos de que esses humildes fetichistas, passados os pri-
O.RIO-GRANDE do
SUL EM 1634
segundo o mappa
mais antigo
Da "História do Rio Grande do Sul" por Carlos Teschauer S. J.
— 36
meiro<* contactos com os europeus e as primeiras desilusões, permanecessem em guerra aberta com os usurpadores. 0 espetáculo
era o mesmo em todo o continente. -Já salientei o que se deu
com os charruas da margem esquerda do Uruguai: a resistência
obstinada que ofereceram a quantos espanhóis ousaram pôr pé
nas belas coxilhas de que se julgavam senhores. Contam que
Hernandarias marchou à testa de uma expedição, em 1603,
contra os guaranis das margens do Uruguai, e que, não podendo
vencê-los pelas armas, se capacitara da necessidade de os reduzir
pela conquista pacífica, mediante o auxílio do Evangelho, solução que Felipe III logo aprovou, em carta que lhe dirigiu,
datada em 5 de julho de 1608. Surgiram destarte- os núcleos
de população indígenas, ou as chamadas reduções, de entre o
Uruguai e o Paraná, da margem esquerda do Uruguai (no atuaí
Estado do Rio Grande do Sul) e da margem esquerda do Paraná
(no atual Estado deste nome). Quem hoje percorre a província argentina de Corrientes e o nosso Estado do Rio Grande do
Sul, acha inúmeros vestígios desse empreendimento gigantesco
para a época em que foi executado. A toponímia local vai lembrando ao viandante as agruras daquele apostolado, o sangue
daqueles morticínios e as lágrimas daquelas vítimas. São Luís.
São Borja, São Nicolau e tantos outros nomes semelhantes são
ecos longínquos daqueles tempos de atividade conquistadora e
desapfedada. em qu« as vítimas se denunciam às nossas saudades
e quiçá aos nossos remorsos.
Ao padre Roque Gonçález, jesuíta paraguaio, coube a gloriosa tarefa de penetrar em o nosso Rio Grande e de aí fundar,
em São Nicolau (1626), o primeiro posto avançado da civilização. Depois de peregrinações incansáveis, em que se dedicara
à obra da catequese com raro devotamento, sucumbiu às mãos
de malvados, que com o aniquilamento de sua frágil vítima
apenas lograram realçar-lhe as virtudes.
Sucedem-lhe outros dignos companheiros, que persistem na
tarefa encetada e ^ão grupando em lugares adequados aquelas
populações esparsas e selvagens, na esperança de as arrancar
do esíado inferior em que se encontravam e de lhes preparar
as almas para a mansão celeste.
Perscrutando um mapa da América do Sul, com o desejo
cie vislumbrai o segredo daquelas penetrações pelo continente,
não pode um observador, ainda que pouco arguto, deixar dí:
ver «]uanto a geografia da região, a resistência do gentio e a
proximidade das correntes de povos antagónicos influíram na
37 —
partilha das terras virgens do continente. Enquanto os espanhóis
penetravam pela embocadura do Prata, como por um desfiladeiro, e daí subiam, ao arrepio da corrente, as águas dos rios
que o constituem, os portugueses abordavam o litoral do Brasil
em vários pontos, espraiavam-se lateralmente pela periferia, e
afinal pelo álveo do Amazonas; ao passo que aqueles progrediam
em movimentos divergentes, estes tendiam a reunir-se no interior.
Remontando para o norte, a corrente espanhola nem avançou
demais nesse rumo, nem infletiu para leste, senão que pendeu
logo para o noroeste, atraída pelas seduções do El-Dorado e pela
corrente fraterna que lhe vinha ao encontro paralelamente ao
Pacífico Parece todavia natural que a penetração pelo Uruguai
e pelo Paraná não fosse sustada. Mas, além das razões expostas,
convém lembrar que desse lado os portugueses estavam tão próximos que facilmente poderiam chocar-se com seus rivais. Em
vez de avançar, convinha, pois, aos espanhóis premunirem-se
nessa direçao. As missões jesuíticas se me afiguram uma flanco-^
guarda, com que a corrente espanhola do rio ~díT Prãtã~iè~preservou de um grande perigo que a ameaçava na frente de leste.
Ponderando tudo isso, bem como a resistência indómita do
charrua e a particularidade de a maior parte da costa do Rio
Grande ser inóspita e desprovida de recortes que ofereçam abrigo
às embarcações, penso que teremos base para explicação cabal
da razão por que o Rio Grande e a republica o*o Uruguai ficaram
incólumes, durante quase dois séculos, vendo passar-lhes_na_yjzln^ã^^^]çÕr^QÍÍÍI3^Icflã^sJajdpxes. Só quando os portugueses, num avanço ousado, fundarem a Colónia do Sacramento,
em frente a Buenos Aires, o problema tomará novo aspecto e
orientará aquelas terras ferozes para novos destinos.
Poucos anos depois da divisão do Brasil em capitanias hereditáriaSj, reconhecia o governo português a impropriedade da
solução que havia adotado. A criação de múltiplos governos
locais, alguns sem elementos de força ou prosperidade, enfraquecia a situação geral do país e tornava-o fácil presa da cobiça
dos estrangeiros. Estes não tardariam a buscar as nossas costas,
quer pelos estímulos normais da época, a saber sede de ouro
e ambição de conquista, quer como medida complementar de
operações de guerra travadas na Europa. As lutas no velho
continente traziam sempre, como corolário, o ataque às possessões longínquas dos contendores. É assim que vemos o litoral
do Brasil assaltado múltiplas vezes por flibusteiros. Urgia, pois,
a presença de uma autoridade superior, que conduzisse com mãos
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firmes e vigilantes os negócios da colónia, e dispusesse dos elementos materiais indispensáveis ao cabal desempenho de seus
deveres. Daí a criação do governo geral (7 de janeiro de 1549).
Dessa forma a alta administração do país se foi transiu itindo
por íargos anos. com ligeiras modificações. Em 1573 criam-se
dois governos gerais, que de novo se fundem em 1577; em 1608
sobrevêm novamente dois governos, do norte e do sul, porém
a unidade logo se restabelece em 1613.
Nos meados dõ século XVI, é óbvio, pelo que referi, que
os portugueses só haviam tomado pé num terço, mais ou menos*.
da orla litorânea, de Pernambuco a S. Vicente; nela haviam
criado, com largos intervalos, alguns núcleos de população. Tornava-se necessário fazer desses centros bases de operações paia
a penetração no interior e para a difusão pelo litoral^ seja na
ctireçr.o do Amazonas, seja na da bacia do Prata. Às dificuldades inerentes ao problema em si mesmo juntavam-se duas outras
capitai?: a resistência do gentio e as tentativas dos concorrenteestrangeiros? com que esse mesmo gentio em geral simpatizava.
Poder-se-ia dizer que se tratava do assalto de uma extensa fortaleza que cumpria investir alravés de terrenos quase insuperáveis, atacando ao mesmo tempo os sitiados e as tropas do exterior
que lhe vinham em socorro. Esta só consideração basta para
extremar a conquista e colonização portuguesa do Brasil da conquista e colonização espanhola do rio da Prata, onde, coino •veremos, os* estrangeiros nada tentaram até começo <io século
dezenove.
Na história de nosso país surgiam assim, nessa conjuntura,
três problemas, para cuja solução iriam congregar-se os esforços
de gerações sucessivas, e que acabariam' cobrindo de glória os
portugueses e seus descendentes brasileiros, quer dizer a ampliação da conquista pela exploração rápida e em vários rumos da
nova terra, a submissão, aliás muitas vezes desumana, do gentio
que a habitava, e a repulsa dós estrangeiros que não cessavam
de saltear-nos, buscando instalar-se à viva força em vários ponto?
de nossa costa.
Uma das primeiras e sérias tentativas nesse sentido é a cio?
franceses no Rio de Janeiro, em 1555. Vieram sob o comando
de Villegaignon e fixaranvse na iíha que ainda hoje lhe guarda
.o nome Mem de Sá. governador geral do Brasil, parte da
Bahia, sede do governo, para expulsá-los (1560) e logra seu intento de modo incompleto, porque os inimigos se dispersam
e. com auxílio dos indígenas, se refugiam no continente. Anos
CARTA
BRAZILHOLLAMDEZ
no
SÉCULO XVIi
P.M. NETSCHER
1853
— 40 —
— 40 —
depois, Estácio de Sá, sobrinho de Men de Sá, surge na entrada
da Guanabara (1565), a mandado da coroa portuguesa, e desembarca junta ao Pão de Açúcar. Luta quase dois anos contra
os intrusos e os indígenas, e só os vence definitivamente com
auxílio do tio, que se apresenta na entrada da baía a 19 de
janeiro de 1567. Esta tentativa dos franceses para a "criação
de uma França Antártica apressou a fundação de nossa encantadora metrópole.
Exemplo característico da resistência do selvícola-é o levante que eles organizam, nesse período, juntando-se, de Cabo Frio
a S. Vicente,, para atacar os portugueses e os afastar da terra.
Essa confederação dos Tamoios produziu grande sobressalto na
colónia, deu lugar a um ataque à vila de S. Paulo (1562),
fundada oito anos antes (1554), e só terminou graças à intervenção dos jesuítas Nóbrega e Anchieta.
Em 1581 Portugal proclama seu rei a Felipe II; começou
para o pequeno e valoroso reino o período que se chamou de
cativeiro à coroa de Espanha e que só findou sessenta anos depois,
com a ascensão de D. João IV ao trono português. Nesse interregno a vida do Brasil não se interrompe, mas a circunstância
de espanhóis e lusitanos estarem regidos por um mesmo monarci
modifica certos acontecimentos nas colónias da América do Sul.
A conquista e colonização litorânea prossegue para o norte,
rompendo de Pernambuco. Ataca-se primeiro a Paraíba. São
precisas várias investidas por mar e por terra (1574-1586); o
gentio bravo e feroz opõè-se à entrada dos estrangeiros. Há
mister rechassar naus francesas que já com ele comerciavam,
mas afinal tudo se vence, graças ao próprio gentio. .Em 1590
também se logra expulsar os franceses de Sergipe, onde se funda
S. Cristovam.
É ainda de Pernambuco que parte a expedição de Manue]
Mascarenhas, para a conquista do Rio Grande do Norte (1597) ;
que ela leva a têrmo-e de que resultam os fundamentos de Natal.
Mascarenhas edifica o forte dos Reis Magos e entrega o comando
dele a Jerônimo de Albuquerque.
Para a conquista do Ceará parte primeiro Pêro Coelho
(1603), que ataca os índios de Ibiapaba, mas é forçado a recuar,
baldo de recursos e de gente; seguem-se-lhe os padres Francisco
Pinto e Luís Filgueiras, que abalam de Pernambuco e chegam
à serra.de Ibiapaba; o primeiro morre supliciado pelos tapuias
(11 de janeiro de 1608), enquanto o segundo se salva pela fuga:
só o terceiro expedicionário, Martím Soares Moreno, leva a
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empresa a bom termo, lançando os fundamentos da atual cidade
de Fortaleza (20 de janeiro de 1612).
A corrente de avanço pelo litoral, no rumo de noroeste, não
pára aí; já agora não quer sustá-la o governo português, pois
são patentes as vantagens que dela decorrem para a posse efetiva
e a defesa da terra. Dom Diogo de Menezes, governador geral,
manda Jerônimo de Albuquerque fundar uma capitania no porto
de Camocim; além do Ceará. Albuquerque combina a expedição
com Martim Moreno que se lhe junta no Ceará; enquanto o primeiro parte a desempenhar sua tarefa, veleja o segundo ao longo
da costa para explorar o Maranhão. Albuquerque levanta umforte na Baía de Jericoaquara (1613), antes de Camocim, e regressa a PernambucoMoreno — refere Capistrano de Abreu —-navega pegado à
lerra, graças ao pequeno calado da lancha; entra pela boca do
Preá, e alcança por águas interiores a baía hoje chamada de
S. íofié (Estado do Maranhão). Aí colhe notícias da presença
de franceses na ilha de S. Luís. Fugindo às insídias dos Tupinambás.. faz-se ao mar e vai surdir na costa de Venezuela,
levado por ventos contrários. De lá passa a S. Domingos e
depois a Sevilha, em abril de 1614.
Pouco antes (6 de agosto de 1612) haviam os franceses
desembarcado no Maranhão e aí fundado uma cidade, a que
deram o nome de S. Luís, em honra a Luís XIII, rei de França.
A origem dessa tentativa de colonização francesa na costa setentrional do Bra8Íl'provinha de um gentil-homem, Carlos des Vaux,
que no seu regresso à Europa, em 1603, depois de haver tido
contacto com os índios da costa, aventara a Henrique IV a ideia
da ocupação do Maranhão, salientando o prazer com que os
franceses seriam recebidos pelos mesmos índios. O rei encarregou Des Vaux e Daniel de Ia Touche, senhor de Ia Ravardière,
de perscrutarem o ânimo dos selvagens. Na volta deles, já
morto Henrique IV, organizou-se uma companhia "para realizar
a sedutora ideia da criação de uma França Equatorial. Mas os
portugueses estavam prevenidos e já dispunham, como vimos, de
um posto avançado no Ceará. Fácil se lhes tornou, portanto.enviar de Pernambuco uma expedição ao mando de Jerônimo de
Albuquerque, que foi desembarcar na baía de São José, em
região fronteira à ilha de S. Luís, e num lugar chamado Guaxenduba Logo no primeiro' choque Albuquerque derrota os
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franceses (19 de. novembro de 1614) (1), Os contendotepactuaram tréguas e resolveram entregar aos respectivos governos a decisão sobre a posse das terras. Reforços posteriores
e sobretudo a chegada de Alexandre de Moura, como novo chefe,
enquanto os franceses continuavam isolados, determinaram a
vitória decisiva dos portugueses com a tomada do forte de S.
Luís. e a expulsão de seus dignos rivais.
Terminado esse episódio, a corrente conquistadora avança
ainda mais sempre no 'mesmo sentido: Alexandre de Moura
ordena a Francisco Caldeira Castelo Branco'que siga ate o GrãoPjtrá em demanda do rio das Amazonas. Castelo Branco execuia
d ordem, entra no rio Pará e funda, na baía de Guajará. Nossa
Senhora de Belém, atual capital desse Estado (1616).
Pouco tempo depois, começava no Brasil uma grave crise,
que durante trinta anos (1624-1654) deveria cindir em doiV
ÍKWPO grande país, deixando parte dele em mãos do estrangeiro.
Uma vez liberta do jugo de Espanha. Holanda não arreíeceu o ódio que lhe tributava, e por isso não se descuidou de lhe
perturbar a vida, aíacando-a na sua navegação e nas suas eo!<V
nias. A criação da Companhia das índias Ocidentais, emprê-,)
de grandes privilégios assegurados pelo Estado, e destinada ;i
conquistas no Brasil., foi um dos recursos mais eficazes de que
lançou mão.
A primeira investida holandesa iez-se contra a Baía (maio
de 1624). mas não teve êxito duradouro, pois a ocupação da
«idade não chegou a um ano. Renovou-se, por isso, seis anos
depois (1630). Desta vez os holandeses conquistam Olimla
e Recife e se aferram na costa oriental, que só abandonarão em
1654 De Recife se dilatam para o norte até o Rio Grande
do Norte e para o sul até Porto Calvo.' mas ficam adstritoà ourela do oceano, apesar da cooperação que lhes presta o
traidor Calabar, profundo conhecedor da topografia daquela
zona. Os brasileiros não desanimam: guardam contacto com
os invasores, resistem aos índios que os atacam pelas costas <•
voltam de novo à peleja, sempre que é possível. Em janeiro
de 1637 o príncipe João Maurício, Conde de Nassau-Siegeu.
assume o governo do Brasil holandês, toma a ofensiva na direção
(1) De l.aslre — escreve Rio Branco — que era um jovem cirurgião francês,
foi enviado ao campo brasileiro para pensar os ferídes: "Jamais — disse é/e je n'ai vu de si honnêtcs gens, et si entífírs corame iis som: mais ils avaiem
Bien besoin de moi. M. de Ia Ravardière ies a bica obligés de. préférrr let:rMfsw? aux fiens; mais Ia France ne scra jamais sans courtois-ic .
— 43
do sul e chega viu.rioso ao rio S. Francisco. Tenta debalde conquistar a Baía. A luta prossegue, sem arrefecimento para os
brasileiros. A libertação de Portugal do jugo da Espanha imprime-lhe nova orientação. Holanda assina com Portugal um
armistício de dez anos, que ela mesma rompe conquistando, no
Brasil. Sergipe até o rio Real e S. Luís do Maranhão, donde os
Batavos são expulsos pelos patriotas ao cabo de dois anos (1644).
Ao passo que declina o poder holandês, cresce em entusiasmo
o ardor patriótico dos brasileiros, que mais uma vez se congregam, sob o nome de independentes, para libertar a mae-pátria
âki dominação estranha- A corrente reacionária se reorganiza,
cresce de volume desde a partida de Nassau, acerca-se novamente
do litoral e vai tomando aos poucos os centros de resistência do
inimigo, a quem já de pouco valem os reforços que recebe.
0 general Barreto de Menezes derrota-o, a 19 de abril de 1648em batalha campal nas colinas dos Guararapes e de novo o desbarata nas mesmas colinas no ano seguinte (19 de fevereiro de
1649). Mas, embora sitiados por terra no Recife, os holandeses
ainda resistem cinco anos, porque ainda dominam as estradas
marítimas. Somente quando a frota portuguesa de Jaques de
Magalhães os bloqueia e Barreto lhes assalta os últimos fortes
exteriores, se confessam derrotados e capitulam (janeiro
de 1654).
Fechava-se assim uma das páginas mais fulgentes de nossa,
história, uma das que mais hão contribuído para consolidar e
desenvolvei- o nosso patriotismo e fazer-nos sentir a grandeza da
missão que o destino nos reserva. Infelizmente não temos para
com a memória dos nossos grandes antepassados, a quem devemos a defesa da Pátria, isto é. dos Vieiras, dos Henrique Dias,
des Negreiros, dos Felipes Camarões, dos'Barbalhos. dos Barieios. e tantos outros o culto que. em verdade, merecem.
Historiando essa quadra, com imensa cópia de documentos
e" criteriosas reflexões, disse Netscher que Vieira era credor da
admiração dos seus compatriotas e que sua biografia não devia
ser escrita por estranhos.
III
Novas explorações do interior — Influência das bandeiras no conhedfnento e
delimitação de nosso território — Centro de irradiação paulista — Centro
de irradiação baiano
Enquanto parte do Brasil gemia sob o domínio de Holanda,
a corrente exploradora do norte, a que me vinha referindo, continuava a prosseguir; mas agora, ao atingir o Pará, abandonava
a costa e se orientava na direção geral de oeste pelo álveo do
Amazonas. Havendo chegado a Belém dois leigos franciscanos
descidos do Peru, compreendeu logo o governador do Estado.
Jácome R. de Noronha, o proveito que advirá da abertura de
comunicações por via fluvial com os espanhóis daquela região,
caso se refizesse em sentido contrário a viagem de Orellana.
Encarregou, pois, Pedro Teixeira dessa empreitada. Teixeira
saiu de Cametá em outubro de 1637 e, subindo o Amazonas, desembarcou no porto de Payamino, a oitenta léguas de Quito,
para onde partiu sem demora e onde foi bem recebido das autoridades espanholas. Ao cabo de cêfca de dois anos (dezembro
de 1639). fundeava de novo em Belém.
Já expliquei como no flanco da corrente espanhola que
acendia no Paraguai e no Paraná começaram os jesuítas a ocuparse dos índios, tirando-bs das selvas e reunindo-os em povoados,
chamados reduções, onde pretendiam civilizá-los. Havia desses
centros no Paraguai, na atual província de Corrientes e a leste
do rio Paraná, Consultando-se uma carta geográfica dos fins
do século XVII ou do começo do século XVIII, nota-se quão
numerosos eram esses núcleos de catequese católica, sobretudo
em certa região do atual Estado do Paraná, então conhecida pelo
nome de província de Guairá. Toda essa obra humanitária e
louvável dos jesuítas estava destinada a completo extermínio.
Uma vez fundada em cima do planalto, começou a vila de
S. Paulo a prosperar com rapidez e ali, como no resto do Brasil,
logo se impôs o problema do trabalhador, especialmente agrícola, vista a deficiência dos colonos e o desejo que estes nutriam
de se forrarem às tarefas pesadas. Ora, como a solução que lhes
parecia mais fácil e natural era escravizar os índios, eles não
hesitaram um instante e começaram essas correrias pelo interior.
— 46 —
que irradiavam de S. Paulo e iam às extremas do território da
colónia, revelando-lhe os primeiros traços geográficos e criando
novos títulos de posse. Para essas caçadas de índios, "não há
nenhuma desculpa", no dizer severo, mas justo, de Handelmann:
o brilhante historiador afirma que "elas constituem uma - das
manchas mais negras da história do Brasil".
Saindo em busca do índio para o senhorear, e quiçá depois
vender, é óbvio que os mamalucos paulistas teriam de chocar-se
com os padres jesuítas que lhe serviam de guia, donde se originariam conflitos difíceis de resolver. Por outro lado, estando
os referidos padres sob a jurisdição de Espanha, que se julgava
senhora daquelas terras, as investidas dos brasileiros contra a^
reduções implicariam questões de fronteira entre os conquistadores rivais.
Rio Branco deixou-nos uma relação sumária e proficiente
de algumas excursões nestas linhas:
"De 1573 a 1578, no governo de Brito e Almeida, muita*
expedições penetraram no interior das terras. Sebastião Tou<rinho, que já havia alcançado Minas Gerais pelo rio Doce.
partiu de Porto Seguro (1573) até as montanhas dos Órgão?
(Rio de Janeiro) depois,,tomando a direção noroeste, atravessou
o território de Minas Gerais e desceu o Jequitinhonha. Dias
Adorno penetrou até Minas pelo rio de Caravelas. Bastião Á1-.
_ vares, saindo de Porto Seguro, Gabriel Soares de Sousa (autor
do Tratado descritivo do Brasil, em 1587), saindo da Bahia, £kt
mingos Martins Cão, do Espírito Santo, antes de 1598, Marçp^
de Azeredo Coutinho, na mesma época, dirigiram expedições an
S. Francisco e Minas. Martim de Sá, partindo do Rio de Janeiro,
ultrapassou a cadeia da Mantiqueira em 1592. Foram, porém,
mais numerosas as expedições saídas de S. Paulo".
"No tempo do domínio espanhol (1580-1640), os paulistas,
que foram os pioneiros do Brasil no centro e no sul do Império,
avançaram até muito-longe no interior das-terras, em-buscade
ouro e dando caça aos índios, que reduziam à escravidão a fim
de ter gente para as plantações da costa. Atacados pelos selvagens limitaram-se a princípio à defensiva, depois tomaram a
resolução de se desembaraçar dos inimigos. A primeira guerra
ofensiva dos paulistas, dirigidos por Jerônimo Leitão, foi feita
contra os Tupiniquins do Anhembi, hoje Tietê, que contava,
segundo os jesuítas, trezentas aldeias e 30.000 combatentes.
Essas aldeias foram quase todas destruídas e grande número de
índios reduzidos à escravidão. A guerra durou seis anos. De
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1592 a 1599, fizeram segunda guerra de extermínio, sob a direção de Afonso Sardinha, depois sob a de Jorge Correia e João
do Prado, contra os selvagens do rio Jeticaí, hoje Rio Grande,
o qual. com o Paranaíba, forma o Paraná. Já nos primeiros
anos do sécuio dezesete (1601-1602), os paulistas chegavam a
Sabará, no interior de Minas Gerais, como o demonstra o Roteiro
de Glimmer. Uma terceira grande expedição, que parece ter
sido dirigida por Nicolau Barreto, Manuel Preto e muitos outros
habitantes de S. Paulo, avançou mais ao norte (1602) e assolou
durante cinco anos as aldeias e acampamentos índios do Paraupaba, isto é, do Alto Araguaia. Pretendem que em 1592
Sebastião Marinho tenha chegado a Goiaz".
:
'Ein 1606 os paulistas só podiam pôr em pé de guerra,
para essas expedições 1800 homens, sendo que 300 eram brancos
e 1500 índios; quase todos providos de armas de fogo e protegidos nos combates por uma couraça de couro estofada de algodão.
Aumentaram de número com a inclusão de aventureiros do Rio
de Janeiro e Espírito Santo, e com índios prisioneiros. Manuel
Preto tinha, só êle, 1000 combatentes índios nas suas terras da
Expectação, perlo de S Paulo. Dava-se a essas expedições ao
interior o nome de bandeiras e aos indivíduos que as compunham
o de bandeirantes".
"Próximo do ano 1620, as expedições de S. Paulo começaram a dirigir-se contra os selvagens que habitavam as,costas
meridionais do Brasil. Milhares de índios Patos foram trazidos
a S. Vicente e Rio de Janeiro. Em 1627 os paulistas viram-se
atacados pelo cacique Taiáobá, aliado dos jesuítas espanhóis.
No ano seguinte, para se vingarem da agressão, talaram as fronteiras da província de Guairá. Os espanhóis e jesuítas do Paraguai davam este nome ao território compreendido entre o Pa»
ranapanema, o Itararé, o Iguaçu e a margem esquerda do Paraná. Viam-se aí, em 1630, duas pequenas cidades habitadas
por espanhóis: Ciudad Real, à beira do Pequirí, perto de sua
embocadura do Paraná, e Vila Rica, no Ivaí, assim como muitas
aldeias de índios sujeitos aos jesuítas do Paraguai. Loreto e
Santo Inácio, à margem esquerda do Paranapanema, fundadas
em 1610. eram as mais antigas e importantes dessas missões.
As entras datavam de menos tempo: Ângelus, formada com os
\inaios do chefe Taia6bfi (1628) e S. Tomé (1628), no Curumbataí; Concepción dp/los Gualachos, perto da nascente deste rio;
San Pahlo (1627'f 4 Santo António (1628), à margem direita
do Ivaí; San-José (1624) e San-Xavier (1623), em dois afluen-
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tes da margem esquerda do Tibagí; Encàrnación (1625), JesusMaria (1630) e Sara Miguel, na margem esquerda deste, rio e
San-Pedro (1627) a leste do Tibagí. Na boca do Iguaçu possuíam os espanhóis a redução de Santa Maria Maior (1626)
e no Paianá, do confluente do Acaraig para o sul, muitas outras,
que formavam a província do Paraná. Desde 1620 tinham eles
começado a criar estabelecimentos à margem do Uruguai e de
seus afluentes, numa região chamada, na época, Uruaig."
"Em 1630, os paulistas, dirigidos por António Raposo Ta. vares, que tinha sob suas ordens Frederico de Melo, António
Bicuio, Simão. Álvares e Manuel Morato, subiram a ribeira de
Iguape, transpuseram a cadeia de, Paranapiacaba e caíram sobre
a parte meridional da província de Guairá. Bicudo apòderou-se
de San Miguel; Álvares, de Santo António; Morato, de Jesus
Maria "Vimos — diziam eles — expulsar-vos deste país, pois
nos pertence^ e não ao rei de Espanha".' No ano seguinte,
apossaram-se de San Pablo e de San Xavier, repeliram nesta
última aldeia um ataque dos espanhóis de Vila Rica, depois tomaram San Pedro e Concepción de los Gualachos. Os jesuítas
reuniram em Loreto e Santo Inácio todos os.índios que haviam
logrado escapar a essas razzias, e tomaram a resolução de abandonar a província de Guairá para se irem estabelecer entre o
Paraná e o Uruguai (1631), onde já possuíam muitas missões.
Só conservaram deste lado as reduções de Santa Maria Maior
do Iguaçu e de Natividad do Acaraig, evacuadas em 1633. Após
a partida deles, os paulistas apossaram-se das cidades espanholas
Àe Vila Rica e Ciudad Real (1631), que destruíram completamente. Graças à intervenção do bispo do Paraguai, que se encontrava, na ocasião, em viagem pastoral na primeira dessas eidades, seus habitantes puderam partir sem serem inquietados o
forain estabelecer-se nas margens do Jejuí (Paraguai)".
"Em 1632 os paulistas transpuseram o Alto Paraná e apoderaranvse de três reduções de índios Itatines, que os jesuítas
acabavam de fundar a oeste do Rio Pardo (Mato Grosso), bem
como da cidade espanhola de Santiago de Jerez, situado num
.planalto da cadeia de Amambaí, perto das nascentes do Aquidauana. Muitos espanhóis estavam de conivência com eles. r
foram fixar-se em São Paulo".
"De 1624 a 1626, haviam os jesuítas do Paraguai conseguido estender seus estabelecimentos por grande parte do território que hoje forma a província brasileira do Rio Grande do
Sul. Quando foi da primeira invasão dos paulistas (1636), a?
Esquema para indicar as-primeiraspenetrações no Bras
e nos países limitrofes. Ten, por escopo dar una idea singel
do fenotnefwsem fienÂwn£tj)^etensão & rigor. Âprove.i.-tarani
se nele eãgumas^arituLçaes cU> "Mias Histórico de tâ, feptiblic<iArgertíina."cfe8iedrna. eJeyer, ea colaéóraçãopracios&d
gentrai Tfoftdoft e do capitão Ja$iKLriíe de Mattos,
49 —
reduções ou aldeias jesuíticas eram em número de quinze, entre
o Ijuí ÍJiuii) e a Serra Geral, ao norte, o Ibícuí (então Ibicuití)
e o Jacuí (Igaí, chamado também Phasido) ao sul, o Uruguai,
a oeste, e o Taquarí (então Tebicuarí ou rio do Espírito Santo),
a leste. A parte oriental desse território era conhecida sob o
nome de província do Tape., Esses estabelecimentos foram destruídos, como os da província de Guairá, logo após sua fundação
Raposo Tavares deixou São Paulo com seu exército (setembro
de 1636) e a 3 de dezembro tomou Jesus Maria de Jequi (Rio
Pardo), depois de um combate de seis horas. As reduções de.
San Cristóbal, San Joaquim e Santana foram evacuadas, mas os
paulistas fizeram grande número de prisioneiros e repeliram um
ataque dos índios' dirigidos pelo padre Romero. A redução de
Natividad de Araricá foi abandonada; ficou aos jesuítas, no território do Tape, tão somente a colónia de Santa Teresa de Ibituruna, a qual lhes foi arrebatada no ano imediato (dezembro
de 1637). Em 1638 os paulistas completaram a destruição dos
estabelecimentos espanhóis situados ao oriente do Uruguai. Vencedores em Caaro, em Caazapaguazu, onde o combate durou dois
dias, em Caazapamini e em San Nicolas, forçaram os jesuítas a
emigrar com os índios que puderam escapar a essa catástrofe, e
que foram incorporar-se às reduções localizadas entre o Uruguai
e o Paraná, ou formar nessa região novas aldeias, algumas das
quais conservaram os nomes das que haviam sido destruídas. Em
1641 (março), os paulistas tentaram atacar essas missões, mas
foram repelidos pelos guaranis perto de Mbororé (margem direita do Uruguai). Suas expedições encaminhavam-se, nessa
época, mais para oeste e norte que para o sitl; alcançaram a
parte setentrional do Paraguai, o distrito de Santa Cruz de.Ia
Sierra, e as cordilheiras do Peru. Em 1636 um de seus chefes,
Francisco Pedroso Xavier, tomou e destruiu a segunda Vila Rica.
no rio Jejuí (Paraguai), assim como muitas aldeias índias dos
arredores. Perseguido por Andino, antigo governador do Paraguai, esperou-o nas montanhas de Maracajú, e, depois de um
combate, forçou-o à retirada" (1).
De S. Paulo irradiaram, pois, os bandeirantes paulistas
tanto no rumo do sul como no de oeste e do norte, ou num
setor aproximado de 180°. Essas investidas eram estimuladas
a princípio, como disse, pelo desejo de cativar índios. Logo,
(1)
Esquisse de VHistoirc du Brêsil — págs. 125-131.
— :50 —
>orém, que a notícia da existência de ouro e pedras preciosas
;m nosso território alvoroçou a cobiça dos habitantes, elas obeleceram a nova orientação e rumaram em novos azimutes. Todas
;ontribuiram para que o Brasil meridional fosse varado em diversos sentidos e ficasse conhecido em suas grandes linhas geográficas.
Ainda não existe história completa das bandeiras, escrita
;om o espírito sintético que o assunto requer e acompanhada da
locumenlação gráfica indispensável, para que se nos desenhe
:om nitidez a formação territorial de grande parte do Brasil.
E a lacuna é deveras sensível, pois já há muito se compreendeu,
em vista da tradição e do que se encontra esparso nos escritores,
a importância capital desses bandos de aventureiros no conheci
mento da geografia e no povoamento de nossa Pátria. São principalmente esses destemerosos caminhantes que, nos primeiros
séculos íipós o descobrimento, vão a Mato Grosso, Goiaz, Minas
e Bahia, e logram fechar o circuito periférico dos reconhecimentos geográficos brasileiros, pondo-se em contacto com <>
maravilhoso Amazonas. •
A. exploração e povoamento de Minas é exemplo típico da
ação proveitosa dos bandeirantes. Do litoral e de São Paulo
partem inúmeros com objetivos idênticos. Já vimos no trecho
transcrifo de Rio Branco a direção geral tomada pelos principais
exploradores saídos da Bahia para o sul, no século dezesete.
Entre as bandeiras paulistas postas em movimento com essa
orientação avulta a de Fernao Dias Pais Leme saída de São
Paulo em julho de 1674.
"Era um varão de sessenta anos de idade — escreve o
professor Carlos Gois — barba patriarcal, que lhe descia até o
peito, cabelos arruivados, já meio embranquiçados, olhos azuis,
pele aha e fina, nariz aquilino, alto de estatura, membros reforçados. Chefe de numerosa família, possuía seis filhas e
dois filhos já todos crescidos e alguns casados".
As façanhas que praticou transformaram-no em figura caracteristicamente brasileira da energia sertanista.
"Sete anos gastou ele — prossegue Carlos Gois — de São
Paulo até Itacambira (Norte de Minas), tendo percorrido a
pé.cerca de dois mil quilómetros, ou sejam trezentas e quarenta
léguas, sendo obrigado a abrir caminho no mato fechado, a
enfrentar as feras, a vadear rios, a galgar serras, sofrendo toda
sorte de privações, passando fome e sede vendo morrer a cada
passo, acometidos de febres, muitos dos seus companheiros".
— 51 —
— 51 —
"Nesse seu percurso prestou assinalados serviços ao nosso*
Estado: Transpôs a serra da Mantiqueira, fundou o sítio quemais tarde deu origem à cidade de Baependí, fundou o arraial
de Ibituruna, o de Santana de Paraopeba (hoje município He
Bonfim), o de S. João de Sumidouro (hoje município do Riodas Velhas) (chamado naquela época rio Maimii), fundou oarraial de Itacambira e aí descobriu por fim, na serra que é
hoje a Serra do Grão Mogol, as tão celebradas pedras verdes,
que êle supunha fossem esmeraldas, mas, na verdade, não passavam de turmalinas . ." (2).
Foi a essa energia máscula e excepcional, patenteada sobretudo em sete anos de peregrinação em Minas (1674-1681).
que o nosso glorioso poeta Olavo Bilac rendeu merecida homenagem nuns versos primorosos a que chamou: 0 caçador de esmeraldas, e de que extraio a seguinte estrofe:
Nesse louco vagar, nessa marcha perdida.
Tu foste, como o sol, uma fonte de vida:
Cada pagada tua era um caminho aberto!
Cada pouso mudado, uma nova conquista!
E enquanto ias, sonhando o teu sonho egoísta,
Teu pé, como o de um deus, fecundava o deserto.
Borba Gato, genro de Fernao Dias Pais Leme e seu companheiro de jornada continua as façanhas do.sogro; funda
Sabará e dizem que permanece vinte anos no sertão mineiro
(1680-1700).
António Rodrigues Arzão sai de Taubaté, alcança o rio
Doce, desce por êle e vai ter afinal à capital do Espírito Santo,
com amostras do ouro que havia colhido.
O descobrimento de zonas auríferas na região de Minas
põe em marcha numerosos aventureiros. Surgem com rapidez
diversos núcleos de povoação: Mariana (vila em 1711), Caetú
(idem em 1714), Vila Rica (idem em 1711), Serro (em 1714).
S. João del-Rei (em 1713), & &.
Um exame da carta — pondera Handelmann — mostra
que todas essas velhas localidades se encontram situadas num
pequeno espaço e ao redor de um maciço que verte aguas
para o norte (rio S. Francisco), para leste (rio Doce) e para
o sudoeste (Rio Grande-Paraná).
(2)
Histórias da Terra Mineira.
— 52 —
— 52 —
A nossa expansão para oeste e noroeste é outra página
imorredoura da história das bandeiras.
Em 1647 o paulista Manuel Correia alcança o Amazonas
cruzando pelo sertão de Goiaz, e parece que penetra até a região
setentrional de Maio Grosso;
Manuel de Campos Bicudo (cujas entradas no sertão afirmam te>: chegado ao número de 24) explora desde o planalto
dos Paiecis à parte meridional do Paraguai. Entre 1670 e
1673, secundo Washington Luis, atinge o divisor das águas do
Amazonas e do Prata. Dessa viagem memorável, ficou a lenda
de que ele avistara uma serra em cujos penhascos havia desenhos simbólicos da paixão de Cristo, e que recebeu o nome
expressivo de Serra dos Martírios. Quase na mesma época
outro puulista audaz, Bartolomeu Bueno da Silva, cognominado
pelos índios o Anhanguera, interna-se com uma bandeira e vai
até o Araguaia.
Cèrna de 40 anos depois da exploração de Bicudo (1716),
um filho dele, por nome António Pires de Campos, que o acompanhara quando menino pelo sertão, resolve, inspirado pelas
reminiscências vagas da serra dos Martírios^ retomar o trabalho
paterno e sair em busca de grandes riquezas. Desce provavelmente o Tietê e depois o Paraná, sobe talvez o Anhanduí, de
cujas cabeceiras se traslada para as do Aquidauana, tributário
do Paraguai; ascende por este e vai indo pelo Cuiabá e o
Coxipó-mirim. Prossegue afinal por terra, embalado pelas recordações fascinantes da sua meninice.
O oontinuador de António Pires é Pascoal Moreira Cabral
Leme, outro paulista de grande renome (1716). Leme também
sobe o Paraguai e o Cuiabá até a confluência do Coxipó-mirim;
depois abandona as canoas e explora por terra. Afinal descobre em sbundância o metal cobiçado. Luta porfiadamente com
o gentij. Em 1718, encontra-se casualmente com outros exploradores (bandeira dos Macieis e bandeira de Fernando Dias
Falcão) ; todos conjugam esforços para o mesmo objetivo. 0 descobrimento de ouro em Mato Grosso atrai sem demora grande
número de aventureiros, sobretudo de S. Paulo; o primeiro
arraial dos paulistas embrenhados no sertão de oeste constitui-se
em abril de 1719. Em 1722 Miguel Sutil, filho de Sorocaba,
sobe o rio Cuiabá para ir a uma roça que mandara plantar:
daí envia dois índios em busca de mel, alimento saboroso com
que a natureza acode aos sertanistas desapercebidos ou famintcs
na floresta; os índios mostram a Sutil um local onde se lhe
— 53 —
— 53 —
depara c ouro em abundância. Junto a essas minas, chamadas
do Sutil, ergue-se definitivamente a futura capital de Mato
Grosso (Cuiabá).
A caça do ouro e do índio prossegue para oeste sem interrupção. Dois irmãos paulistas — Fernando e Artur Pais de
Barros •— encaminham-se para o sertão de Guaporé. Vao-lhe
no rastro inúmeros forasteiros e muita gente que abandona
Cuiabá; estabelecem-se nas margens daquele rio. E assim desponta Pouso Alegre, depois Vila Bela (1752), como sentinela
avançada de nossos lindes ocidentais.
Em 1742 um português, Manuel Félix de Lima; acompanhado de paulistas e de índios, faz uma arremetida aventurosa
para o norte, aproveitando a rede ainda quase desconhecida do
Amazonas. Embarcarem canoas no Guaporé, passa" ao Madeira
e vai afinal surdir no grande rio. Continua por via fluvial
até Bel'm, fechando o primeiro grande circuito sobre a nossa
vasta superfície territorial. Destarte a corrente de exploração
e povoamento que vinha pelo litoral do nordeste e do norte, e
que já se infiltrara, como vimos, no álveo do Amazonas, liga-se
pela esquerda às expedições terrestres saídas do sul, isto é, de
S. Paulo, no rumo geral do noroeste. De Belém foi Manuel
Félix a Lisboa, reclamar a recompensa do notável descobrimento
que havia realizado abrindo para o norte, até o Atlântico nova
saída às terras longínquas de Mato Grosso. Um dos seus companheiros, Joaquim Ferreira Chaves, regressa a Cuiabá subindo
o Tocantins.
Em junho de 1722 parte de S. Paulo a bandeira famosa
de Bartolomeu Bueno da Silva, filho do Anhanguera, cujo nome
êle perpetua. Impele-o a mesma ideia vaga e sedutora de reencontrar a serra dos Martírios, que avistara em menino, quando,
em companhia do pai, ensaiava os primeiros passos na vida rude
de sertanista. Bartolomeu Bueno avança debuxando, segundo
Washigton Luís, a estrada que serviria depois de ligação entre1
S. Paulo e Goiaz; atravessa o atual triângulo mineiro, penetra
nas terras goianas e, depois de múltiplos trabalhos, consegue por
fim achar ouro; mas a seira dos Martírios escapa-lhe sempre
como intangível visão. Bartolomeu não esmorece; segue avante,
apesar do desânimo de alguns companheiros. Chegam todos à
extrema penúria; a fome obriga-os a nutrirem-se de cães e cavalos da própria tropa. Bartolomeu, qual outro emulo de Fernão
Pais Leme, não dá ouvidos nem a súplicas, nem a conselhos
para o imediato regresso; avança sempre ao clarão da fantasia
— 54 —
— 54 —
--que lhe absorve o espírito. Chega ao Araguaia. As novas dos
padecimentos da bandeira induzem o governador de S. Paulo,
Rodrigo César de Menezes, a projetar uma expedição de socorro.
Felizmente, em outubro de 1725, Bartolomeu está de volta à terra
natal e anuncia descobertas'tão grandes e frutuosas como as dr
Cuiabá.
A Bahia é sem dúvida, outro grande centro de irradiação
geográfica e expansão para o interior. Mas aí a determinante
das investidas não é unicamente a caça do índio e do ouro, a
•criação do gado junta-se a esses dois fatôres e arrasta as populações do litoral, num movimento centrífugo, embora porventura
mais lento, para o interior do território. Avança-se, como em
S. Paulo, dentro de um amplo setor.
" F i a m os criadores de gado — escreve Basílio de Magalhães — auxiliados eficazmente pelos bandeirantes paulistas,
alguns dos quais se transmudaram também em estancieiros, os
fatôres de uma larga expansão geográfica, operada quase toda
no século XVII, sem violação das balizas do pacto de Tor
desilhas*.
"É .íiovimento peculiar ao norte do país".
"A marcha desse fenómeno desenvolveu-se do sertão baiano
« sergipíirise em direção ao ponto onde mais se acurva o curvo
S. Francisco, e daí ; bracejando pela extrema ocidental de Pernambuco, derivou pelas cabeceiras do Parnaíba até as margens
deste".
"Essa foi a grande irradiação".
. **A pequena, de efeito secundário na conquista das terras
interiores, estende se, desde o último quartel do século XVI,- pela
faixa campestre d-j "mimoso", próximo das povoações de beiraAtlântico, pois que então os índios ainda vedavam a penetração
dos seus mais remotos domínios aos lusos e aos mamalucos setentrionais. A ocupação definitiva de Sergipe, em 1590. deu
impulso à avançada dos criadores baianos, que ganharam assim
área mais ampla até a margem direita do S. Francisco. Aí essa
expansão deu de encontro com a que vinha de Pernambuco
A incorporação de Sergipe e Alagoas, feita pelos flamengos
explica se tanto pelo elastérip a que visava alcançar o Brasil a
Companhia das índias Ocidentais, como por serem então as terra?
ribeirinhas do alto S. Francisco o abastecedouro animal de todo
o norte".
"A este impulso, que se prolonga até meado" do século
XVII, no seu primeiro momento histórico, — proporcionaram
—55-
as invasões neerlandesas adminículo considerável, pois que as
marchas e contra marchas dos beligerantes e as retiradas famosas pelo interior, desde o Rio Grande do Norte e o Ceará
até o rio Real, tornaram conhecida e devassada essa comprida
zona sertaneja" ( 3 ) .
Segundo Borges de Barros, as primeiras bandeiras baianas
podem ser grupadas consoante três orientações: 1.°) as que se
internaram pelos rios do sul, em busca de ouro e pedras verdes,
levando a linha de penetração até Minas Gerais (Tourinho,
Spinosa, Lucas de França, Martins Carvalho, Bastião Alvares,
Pedro Comes da Franca, Domingos Homem del-Rei e Domingos
Gonçalves Prado) • ^ 7 ) as que procuraram ouro na região
central "e que, enveredando pelo Paraguaçu, descobriram as
serras centrais, que eles denominaram Garerú, Borracha, Sincorá
e assim percorreram os vales daqueles rios e os dos rios de
Contas. Jacuípe e Gavião, chegando a Jacobina e daí passando
ao vale do Salitre e à margem do S. Francisco (Vasco Rodrigues
Caldas, Melchior Dias Moreira, João Coelho de Sousa, Gabriel
Soares, Francisco da Rocha e Cristovam da Rocha Pita) ;&fy as
que batwam os índios Maracás, Aimorés, Patachos e Mongoiós,
abrindo estradas para Conquista e a região central (Gaspar Rodrigues Adorno, Pedro Gomes, Elias Adorno, Fernão Carrilho,
Manuel Araújo Aragão e André dà Rocha Pita) (4).
Un'a das investidas mais interessantes do centro baiano
é a do 2.° Francisco Dias de Ávila, em julho de 1698, no rumo
geral do norte. Ávila junta seu bando no rio Salitre; forman-no
900 homens de seu regimento, 200 índios mansos, 100 mamaluoos um corpo de 150 escravos, um comboio de munição de
boca e-dtí gueira, e vários missionários (5). Põe-se em marcha
para o vale do rio Parnaíba, atravessa-o, cruza a serra do
Itapzcuru e penetra" no atual Estado do Maranhão. Bate os
índios Cariris e acerca-se do rio Mearim. Se o houvesse descido teria fechado com os exploradores do litoral um pequeno
circuito, que se poderia chamar do nordeste, idêntico ao que
as bandeiras saídas para Minas haviam traçado com as paulistas eu. torno da região central litorânea.
(3) Expansão Geográfica do Brasil até fins do século XVII - - págs. 109
e 110.
(4 e 5) Bandeirantes e Sertanistas Baianos — pág. 21.
— 56 —
Discorrendo sobre a expansão gerada pela pecuária, escreveu Capistranc, com o saber e precisão que todos lhe admiram.
esta -rápida* síntese:
"A criação do gado primeiro se desenvolveu nas cercanias
da cidaoe do Salvador; a conquista de Sergipe estendeu-a à
margem direita do São Francisco. Na outra margem veio dar
menos forte e menos acelerado movimento idêntico partido de
Pernambuco. Ao romper a guerra holandesa estavam inçadas
de gado as duas bandas do rio em seu curso inferior. Nem
por outro motivo as incorporou Maurício de Nassau ao território da Companhia das índias Ocidentais, e os patriotas da
liberdade*^ divina com tanto afinco'a defenderem.
Foi o gado acompanhando o curso de S. Francisco. O povoado n.aior, a Bahia, atraiu todo o da margem meridional, que
para lá ia por um caminho paralelo à praia, limitado pela linha
dos vaus.
i
Mais tarde, à medida que a-criação se afastou do litoral
outros caminhos se tornaram necessários. Um dos mais antigos
passava por Pombal no Itapicuru, Geremoabo no Vaza-barris.
e, atingindo o S. Francisco acima da região encachoeirada.
chamou o gado da outra margem. Esta, pertencente a Pernambuco por todos os títulos, ficou de fato baiana, foi povoada por
baianos, e como o chapadão do S. Francisco se estreita depois
da graifie volta, onde ao contrário atinge sua maior expansãc
o do Parnaíba., consumou-se aqui a passagem de um para outro.
. e enconíraram-se os baianos com a gente vinda do Maranhão,
0 riacho do Terra-Nova e do Brígida facilitaram a marcha para
o Ceará Pelo do Pontal e pela serra dos Dois Irmãos passaram
os camiiiíjos do Piauí. Nem o Parnaíba teve poder para conter
a onda invasora: Pastos Bons foi povoado por baianos, e até
meados do século XVIII teve comunicações unicamente com
a Bahia".
Tendo presente esta nossa resenha, embora imperfeitíssima.
e contemplando uma carta da América do Sul, compreenderá o
leitor imediatamente a importância do modelado do solo brasileiro nas explorações preliminares que dele fizeram os primeiro?
habitantes do litoral e na forma por que as correntes de povo;s
mento se foram espraiando pelo interior. Saltará logo à vista,
como já fiz notar, a influência decisiva dos rios, sobretudo a
do S. Francisco; para que primeiro chamou a atenção de seu>compatriotas o douto professor Capistrano de Abreu. "Se o
Tietê — escreve êle em sua tese de concurso — foi o caminha
— 57
de Minas Gerais, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande
do Sul, de Goiaz e Mato Grosso, o S. Francisco foi o caminho
para parte de Goiaz, do Piauí, do Ceará, de Minas Gerais e
Rio de Janeiro".
0 S. Francisco merece, pois, ser denominado um dos grandes caminhos da civilização brasileira.
Para completar as linhas gerais do quadro esboçado, deveria terminar, se dispusesse de tempo e fosse esse o meu propósito,'
referindo os trabalhos das missões religiosas ao norte do Brasil.
sobretu *o no vale do Amazonas. Revocando-os à memória, reconhecerá o estudioso da história pátria a exatidão deste conceito
sintético de João Ribeiro:
" 0 jesuíta, o criador e o paulista bandeirante são os fatôres
da grandeza territorial. Os jesuítas congregam e aldeiam os
índios nas margens dos grandes rios do Amazonas e Paraná;
os criadores desvendam o sertão do norte; e os paulistas todo a
centro e o oeste até Goiaz e Mato Grosso".
IV
.Primeiros esforços para a posse do Prata — Fundação da colónia do Sacramento
— Lutas em torno dela — Fundação de Montevidêu — Expansão sistemática para o sul — Poss* e povoamento do Rio Grani*
Voltemos, porém, um pouco atrás, para reatar o fio da
exposição.
0 ataque paulista à guarda de flanco da corrente espanhola
•que ascendia no Prata, isto é, às missões jesuíticas esparsas a
leste do Uruguai e do Paraná, tinha conseguido afastar a influência estrangeira em grandes tratos dos territórios meridionais. Era então dilatadíssima a zona entre o Atlântico e esses
dois rios, que os europeus não tinham senhoreado, e de que só
possuíam notícias vagas. Já frisei a circunstância de haver o
charrua obstado por largo tempo, a partir dos primórdios da
conquista, a que os forasteiros es!anciassem na margem esquerda
do Uruguai, onde êle dominava.
' A quem pertenciam de direito essas terras? Ninguém
poderia dizê-lo. A linha divisória era sempre o meridiano de
Tordesilhas; porém, não só não havia sido balizada no terreno,
mas se transformara numa espécie de linha oscilante, que os
contendores ambiciosos ora deslocavam para leste, ora para
oeste, ao sabor de seus interesses momentâneos. 0 que é, porém,
fora de dúvida é que persistia na coroa portuguesa o ardente
desejo de fixar a boca do Prata como extrema meridional de
sua colónia. A carta do rei a Martim Afonso, acima transcrita,
torna-o patente. A história regista ainda a doação, em 1674,
de duas capitanias ao Visconde de Assecae João Correia de Sá,
seu irmão, nas terras outrora pertencentes a Gil de Gois, a que
mais tarde o rei acrescentou trinta léguas até a boca do rio
da Prata (1).
Dado esse estado de espírito, não nos deve causar hoje
admiração que o rei pensasse em povoar sem detença aquelas
paragens, implantado nelas um marco vivo, isto é, uma colónia,
(J)
Capistrano de Abreu — Sobre a Colónia do Sacramento — paga. 26 e 27.
60
para testemunhar seus projetos, e habilitá-lo a anteparar no momento oportuno os golpes de seus vizinhos. Era evidentemente
uma tentativa prenhe de riscos. Basta refletir que ficaria de
permeio uma terra extensa, ainda não colonizada e quase desconhecida, e um trecho de costa desprovido de abrigos, para
compreender quão difíceis seriam as comunicações e sobremodo
fáceis os ataques dos espanhóis que habitavam Buenos Aires.
Militarmente considerada, a empresa equivalia à instalação de
um posto avançado distante demais do grosso das forças e só
a êle associado mediante ligações demasiado incertas. Tudo
isso se vai patentear de modo expressivo nos acontecimentos
subsequentes, e bastará para explicar a natureza precária da
tentativa e por fim o seu malogro absoluto. Por outro lado não
se pode deixar de admitir que, se a coroa portuguesa houvesse
aguardado, para se fixar no Prata, que ali chegasse a corrente,
aliás morosa, de sua colonização, quer litorânea, quer interior,
correria o perigo de só alcançar o estuário do rio depois de já
dele se haverem apossado os colonos de Espanha, pois é óbvio
que tudo lhes indicava a vantagem de dominarem ambas as
margens de um curso de água, perto de cuja boca já haviam
edificado uma cidade e que na sazão era a única saída de que
dispunham.
O problema se apresentava à coroa portuguesa como a
tomada de posse de um objetivo longínquo, que cumpria levai"
a termo do melhor modo, e antes que o inimigo o atingisse,
nada obstante os perigos consideráveis inerentes a tal empresa.
Dessa tarefa incumbiu D. Pedro a D. Manuel Lobo, governador do Rio de Janeiro (1678). Lobo fêz-se de vela para o
sul, com sete embarcações e tropas combatentes; penetrou na
boca do Prata, avançou até as ilhas de S. Gabriel, e, no 1.° de
janeiro de 1680, fundou, em frente delas e na margem esquerda
do rio, a Colónia do Sacramento, "a qual deu origem — escreveu
Porto Seguro — a tantas guerras, a tantos cuidados, a tantas
intrigas, a tantas negociações feitas e desfeitas, e a tantos gastos' .
Ao ter conhecimento da chegada dos portugueses, po"r indivíduos que se entregavam ao corte de lenha, resolveu José oV
Garro, governador de Buenos Aires, intimá-los a que se retirassem e, caso não fosse obedecido, desalojá-los pela força. Reuniu
um exército de 3.000 índios guaranis das missões jesuíticas e.
290 espanhóis, e pô-lo sob o comando do mestre de campo Vera
Mujica. A tropa marchou para a Colónia e, na madrugada d-7 de agosto de 1680, tomou-a de assalto. Conta-se que o plano
— 61 —
de Mujica tinha sido colocar na frente dos índios, que estavam
organizados militarmente e comandados por espanhóis, uns
4.000 cavalos soltos, para receber as primeiras descargas da artilharia portuguesa e, por conseguinte, poupar os combatentes;
porém que desistiu dessa ideia original, em vista de reclamações
dos índios, temerosos de que, com os tiros, fugissem os cavalos
•e os atropelassem. Lobo foi levado a Buenos Aires, onde esteve
preso oito meses no calabouço do forte, daí o transferiram para
Cordoba de Tucuman; os colonos sobreviventes foram remetidos
a vários pontos.
Não demoraram as reclamações de Portugal e as explicações
de Espanha. 0 tratado provisional de 7 de maio de 1681 restabeleceu a cordialidade entre as duas potências, mandando que
a Colónia fosse restituída a Portugal, "com munições, efeitos e
fortificações", e os prisioneiros postos em liberdade (2). A questão de direito ficou para se ventilar mais tarde; nomearam-se
árbitros, fizeram-se reuniões, mas a nada de positivo se chegou;
o problema geodésico, isto é, o traçado do meridiano de partilha
continuava sem definição terrestre, de modo que se tornava impossível qualquer acordo definitivo.
A Colónia foi-nos devolvida em 1683, por intermédio de
Duarte Teixeira. De posse dela, começaram os portugueses a
desenvolvê-la e a acautelar-se contra novas surpresas; seu progresso foi grandemente facilitado pelo comércio ilícito. Como a
política económica das metrópoles reclamasse para cada uma o
monopólio da importação e exportação, e destarte a vida se
tornasse caríssima, havia fortes estímulos para o contrabando,
que ganhava terreno rapidamente e encontrava na Colónia desaguadouro oportuno e bem localizado.'
O primeiro assalto ao posto avançado dos portugueses no
rio da Prata, marca o início de lutas que se sucederam com
interrupções, durante cerca de um século, até que o perdemos,
pode-se dizer, definitivamente. Nesse período os conflitos no
sul seguiam o ritmo das guerras europeias, em que Portugal e
Espanha se viam envolvidos, e lhes serviam de ecos remotos.
Durante a guerra de sucessão de Espanha, D. Pedro II
assinou com esta potência um tratado de aliança ofensiva e defensiva (13 de junho de 1701), pelo qual Portugal entrava na
posse definitiva das ilhas de S. Gabriel e do território da Colónia
(2) Em vista disso D. Manuel Lobo recobrou 8 sua Uberdade e voltou
a Buenos Aires, onde faleceu a 7 de janeiro de 1683.
— 62 —
do Sacramento. Mas dois anosv depois o rei lusitano mudava
de frente, e, arrastado pelos ingleses, firmava o tratado de
Methuen (16 de maio de 1703), que colocava Portugal ao lado
de Inglaterra e lhe acarreava ainda uma vez a inimizade dos
espanhóis.
A repercussão americana não se fêz esperar muito tempo:
Felipe V ordenou a Valdez Inclán, governador de Buenos Aires,
que tomasse Colónia. Reuniu Inclán os soldados de que dispunha e pediu aos jesuítas muitos índios das reduções. 0 contingente dos selvícolas, depois de marchar para o sul em três
colunas, duas pelo rio e uma pelo interior, juntou-se perto da
Colónia no dia 4 de novembro de 1704; trazia 6.000 cavalos.
Os atacantes estavam sob o comando do Sargento-Mor Baitasar
Garcia Ros. Encontrava-se à testa da Colónia Sebastião da Veiga
Cabral, que pôs todo o empenho em resistir à investida. Os espanhóis deram diversos assaltos e até recorreram a minas; combateu-se em terra e no rio. Afinal os assaltantes cercaram a
praça, na esperança de a render pela fome. Cabral então abandonou-a, após seis meses de sítio, por ordem de seu governo,
que lhe mandara esta determinação, em vez de reforços que
lhe havia pedido. Depois de inutilizar em terra quanto pôde,
ganhou o oceano com sua gente, rompendo a linha de bloqueio.
Diz um escritor que não foram olvidados nem os santos, riem as
alfaias das igrejas.
A paz de Utrecht (1713) pôs termo à guerra de sucessão
de Espanha; seguiu-se-lhe o tratado entre esse país e Portugal,
de 6 de fevereiro de 1715, no qual "a Colónia e o seu território'7
eram cedidos à monarquia portuguesa "para possuí-los em plena
e inteira soberania; renunciando os espanhóis a todo o direito ou
pretensão sabre o terreno contestado91'.
Varnhagen afirma que tinham sido dadas instruções secretas
ao plenipotenciário espanhol, Conde de Osuna, a fim de que a
redação do artigo referente ao caso admitisse a interpretação,
que depois se lhe daria, de ser território da Colónia somente o
que não ultrapassasse o alcance do tiro de canhão.
O governo português confiou a Manuel Gomes-Barbosa,
então governador de Santos, o encargo de receber de novo a
Colónia, o que êle executou, em princípio de 1716, sob protesto,
visto lhe haverem querido impor a interpretação .que acabo de
referir. Sabendo então Gomes Barbosa que era intento dos espanhóis ocupar militarmente a enseada de Montevidéu, levou o
fato ao conhecimento do governo da metrópole. Essa resolução
MAPA DA REGIAO DOSUL DO BRASIL
— 64
dos adversários, caso chegasse a prática, seria um grande contragolpe no plano dos portugueses; firmava a interpretação
capciosa já referida, tendia a isolar a Colónia e lançava as bases
do povoamento dos territórios circunjacentes. Urgia atalhá-la, e,
por isso, a coroa portuguesa deu ordem, em junho de 1723,
3. Aires de Saldanha de Albuquerque, governador do Rio de
Janeiro, que mandesse sem demora tomar posse da sobredita
enseada. Saldanha despachou para esse fim a Manuel de Freitas
Ia Fonseca, com 150 homens; a nau guarda costa deveria servirlhe de apoio. A expedição de Fonseca executou pontualmente
as ordens recebidas; desembarcou na enseada de Montevidéu, e
aí começou a entrincheirar-se. Bruno Maurício de Závala, então
governador de Buenos Aires, apresentou logo reclamações ao
governador da Colónia, e como a resposta hão o satisfizesse,
tomou o alvitre de expulsar os intrusos pela violência. Começou
a reunir gente e material. Diante disso, e da dificuldade de
receber auxílios, Freitas da Fonseca abandonou a empresa e
" recolheu-se ao Rio de Janeiro, onde ele e seus oficiais foram
encarcerados em consequência do mau êxito. Závala chegou à
enseada de Montevidéu e nela levantou o forte de S. José.
A providência que os portugueses haviam tentado tomar,
;
e de que os espanhóis já tinham cogitado, apresentava vantagens
tão promissoras para a posse definitiva da margem esquerda do
Prata, que de certo não seria abandonada pelos vencedores. Obedecendo à ordem dè Madrid, Závala fundou, a 24 de dezembro
de 1726, a atual cidade de Montevidéu, capital da República
do Uruguai. Serviram-lhe de base, refere um historiador, sete
famílias trazidas de Buenos Aires e compostas de 36 pessoas.
Em vista do pé em que libravam as cousas no rio da Praia.
é óbvio que cada dia se tornava pior a situação dos portugueses;
seu posto avançado vivia sob a ameaça contínua de novos assaltos
e em torno dele iniciavam os vizinhos o povoamento do litoral.
Cumpria, pois, abrirem-se outras linhas de comunicação entre o
Rio de Janeiro e a afastada Colónia, e essas, para ficarem seguras, só poderiam ser encontradas na terra firme, quer dizer,
deveriam ser estradas através do Paraná, de Santa Catarina e do
Rio Grande do Sul. Não fora prudente utilizar para tal fim
o rio Uruguai, visto estar povoado em ambas as margens de
índios, que afinal obedeciam às ordens de Espanha. As correrias
dos paulistas na direção sudoeste e ao longo do litoral serviriam
.agora para facilitar a solução desse novo problema.
— 65 —
Laguna, nosso posto .costeiro mais avançado no rumo do
sul, havia sido fundado em 1676, pelo paulista Domingos de
Brito Peixoto, que se fizera acompanhar de dois filhos Francisco •
de Brito Peixoto e Sebastião de Brito Guerra. Conta-se que,em 1715, o primeiro destes filhos, já então capitão-mor de
Laguna, mandou, por ordem do governo, examinar as campanhas
do sul até a Colónia, e que a turma exploradora se internou até
a aldeia dos charruas chamada S. Domingos Soriano, donde regressou com a notícia de que as terras estavam limpas de forasteiros, mas inçadas de índios, a cujo cativeiro lograra escapar
com dificuldade.
Em sua História do Rio Grande do Sul, o Padre Teschauer
faz referência a uma segunda expedição composta de 40 homens
brancos e 25 escravos, que atravessou a campanha e arrebanhou
na Vacaria do Mar, pertencente às Reduções, grande porção
fie gado (3).
Também se conta que um João de Magalhães foi à mesma
diligência em 1726, e chegou com 30 homens ao Rio Grande.
Naturalmente muitos indivíduos, seduzidos pelas vantagens do
sertão brasileiro, embrenharam-se nesse rumo, sem deixar vestígios escritos de suas empresas.
"De 1715 a 1718 — escreve Rio Branco — começaram a
formar-se os primeiros estabelecimentos Iagunistas ao norte do
Jacuí. Em 1725 já havia a povoação de Santo António da
Patrulha". Em 1722, diz Galanti, o governador de S. Paulo
ajustou com Luís Pedroso de Barros a abertura de uma estrada
pelos sertões ao sul de S. Paulo, na direção da Colónia; e em
1736 Manuel Dias da Silva, no intuito de fazer uma diversão
aos espanhóis que sitiavam a povoação portuguesa do Prata,
.atravessou em três meses aquele imenso território e levantou
um padrão nos campos da Vacaria com esta inscrição: Viva o
.muito alto e muito poderoso Rei de Portugal, D. João V, Senhor
dos domínios deste sertão de Vacaria.
O sucessor de Závala foi D. Miguel de Salcedo. Chegou
ao Prata com intenções hostis, logo favorecidas por acontecimentos ocorridos na Europa. Um incidente minúsculo e aíé ridículo
ameaçara,romper a harmonia entre Portugal e Espanha (1735),
(3) Segundo esse autor, Vacaria do Mar, região entre o mar e o Uruguai,
•onde se reunia grande quantidade de gado bravio, não deve ser confundida com a
Vacaria dos Pinhais ou a Vacaria atual, distante setenta léguas das Sete MíssSes,
e formada por campos ricos de pastos e cercados por espessa mata de araucárias,
haviam os índios guardado para seu uso enormes rebanhos de gado.
Rio da Prata
— 67 —
A — Cortina que ata oa dois baluartes e junto da qual estava a barraca do brigadeiro António Pedro de Vasconcelos, comandante cm chefe (n. 1). N. 2:
barraca do capitão. Z: porta falsa. N. 3: barraca da guarnição que a defendia,
sob o comando do capitão Macedo Pereira.
B — Baluarte de Santo António, defendido pelo major Botelho de Lacerda, com
nove canhões. N. 4: barraca da guarnição.
C — Cortina do sul, defendido por cinco postos ao mando dos oficiais Abreu.
Pereira da Silva, Saraiva da Cunha, Gonçalves Negrão e Teodorico Guerreiros, e armada com 11 canhões. Ns. 5, 6, 7, 8 e 9: barracas da guarnição.
D — Baluarte de São João, defendido pelo tenente de mestre de campo general
Pedro Gomes de Figueiredo e capitão Rodrigues Figueira, com nove canhões.
N. 10: barraca da guarnição.
E — Cortina do norte, defendida por cinco postos ao mando dos oficiais Magalhães, Oliveira, Correia, Mascarenhas de Figueiredo e Francisco Fernandes,
com sete canhões. Ns. 11, 12, 13, 14 e 15: barracas da guarnição.
F — Cidadela, com Igreja paroquial, palácio do governador, hospital real, quartéis,
casa da palamenta da artilharia, hospício de Santo António e corpo da guarda
principal, ao mando do ajudante Pereira da Fonseca.
G — Casas reais do trem, fundadas na praia do mesmo nome. Continha todo o
armamento de reserva da praça, arreio e munições de boca e de guerra.
A cargo do alferes Ferreira da Silva. Defendida por sete canhões,
H — Bateria de Santa Rita, defendida pelo alferes Correia de Morais, com três
canhões. N. 16: barraca da guarnição.
I — Bateria de S. Pedro de Alcântara, defendida pelo capitão Ferreira de Brito,
cora oito canhões. N. 17: barraca da guarnição.
L — Galera Penha de França e patacho Camaragípe, armados em guerra com
26 canhões.
M — Fortificações projetadas para a defesa da praça.
N — Torres projetadas.
O — Armamento projetado para a bateria de S. Pedro de Alcântara.
P — Idem para a de Santa Rita.
Q — Estrada coberta e fosso do novo projeto.
R — Capela de Santa Rita.
S — Colégio dos padres jesuítas.
f — Capela de S. Pedro de Alcântara.
V — Capela de Nossa Senhora da Conceição, demolida e roubada pelos castelhanos.
X — Capela de Nossa Senhora de Nazareth, também arrazada pelos ditos.
Z — Aa duas portas da praça e a porta falsa aberta durante o sítio.
N. 18: casa do sargento major da Praça, António Rodrigues Carneiro. N. 19:
cosa» do escrivão da matrícula." N. 20: moinho de vento, levantado depois do
aítio para moenda de grão. N. 21:. quartel dos caboclos. N. 22: bairro do sul,
srrazado a ferro e fogo pelos castelhanos. N. 23: bairro do norte, igualmente arrazado. N. 24: casas do mestre de campo engenheiro, também arrazadas. N. 2?r
brecha aberta pela artilharia dos castelhanos. N. 26: trincheira por onde o?
eitiadorea se comunicavam, inclusive com a sua cavalaria na baixa de Nazareth.
H. 27: primeira bateria levantada pelo inimigo, na ladeira da Conceição, com
quatro peçaa. N. 28: segunda bateria do inimigo, levantada no moinho de vento,
com 10 peças. N. 29: terceira bateria, com seis peças. N. 30: barraca do reverendo
padre Tomás Berly, de seus companheiros, religiosos jesuítas, e procurador das
Missões, comandante da cavalaria tupia, acampada na baixa de Nazareth. N. 31;
duas lanchas das com que o inimigo se comunicava com suas embarcações. N. 32:
arraial para onde o inimigo se retirou em janeiro de 1736, meia légua distam;;
du praça.
A praça estava defendida por 80 canhões e 935 combatentes.
— 68 —
mas fora felizmente afastado, graças à intervenção de Inglaterra.
Salcedo, porém, não quis perder a oportunidade, e, sem dúvida
por ordem da metrópole, entrou a chicanar com o governador
António Pedro de Vasconcelos, com respeito à questão dos limites da Colónia, e por fim ordenou-lhe que se retirasse. Não
sendo atendido, abriu campanha, por terra e por mar. Moveu
uma fiotilha de doze*velas e pôs um campo um exército de 5.000
homens, composto era sua maioria de gente das missões jesuíticas.
Vasconcelos, embora apenas dispusesse de 935 homens, não descoroçoou e fêz rosto ao atacante. Salcedo ocupou e fortificou
as ilhas de S. Gabriel, apertou o sítio e abriu brecha, de que não
logrou utilizar-se. No ano seguinte (1736) havendo chegado
grandes reforços, vindos do Rio, Bahia e Pernambuco, Vasconcelos obteve supremacia, compeliu o inimigo a abandonar as
ilhas, a afastar-se 3 milhas dos muros da praça e por fim a
desistir de seu intento. " 0 governador Vasconcelos — escrevn
Capistrano de Abreu — resistiu com um esforço e heroísmo,
que lembra algumas das mais belas páginas da história portuguesa na índia" (4).
Em setembro de 1737 chegou à Colónia a notícia do armistício de Paris, de 16 de março desse mesmo ano, pelo qual
deveriam cessar na América as hostilidades, até novo ajuste.
Entrementes tivera o governador do Rio de Janeiro, Gomes
Freire de Andrade, a ideia de reconquistar Montevidéu e atacar
Buenos Aires. A expedição que aprestou com esse propósito.
e cuja. direção confiou ao brigadeiro José da Silva Pais, chegou
a Montevidéu, após demora em Santa Catarina, e ali encontrou
tudo prestes para eficaz resistência, razão por que renunciou a
empresa (19 de setembro de 1736). Apesar disso Gomes Freire
não esmoreceu: tomou o acertado alvitre de a encaminhar para
o Rio Grande. Silva Pais abordou à praia ao sul da entrada
desse rio, que é como se sabe o canal de saída das águas captadas
pela Lagoa dos Patos e pela Mirim, pôs pé em terra (19 de
fevereiro de 1737) e, nos locais que lhe pareceram propícios,
estabeleceu fortes. Levantou o primeiro, a que deu o nome de
Jesus Maria José, a leste do saco da Mangueira; meia légua a
oeste deste, conta Rio Branco, ergueu o segundo, que denominou
de Santana. Em setembro, informa o mesmo autor, depois de
prontos estes dois fortes, e estabelecida a guarda do Taim,
(4)
Loc cit. — pág. 28.
Planta copiada do livro do alferes Silvestre Ferreira da Silva sobre o sitio posto à Colónia pelo;
espanhóis em 1735
— 70
seguiu embarcado para a lagoa Mirim, explorou-lhe as margens,
construiu o reduto de S. Miguel e colocou uma guarda no Chuí.
No dia 1.° de novembro estava de regresso ao forte de Santana,
onde encontrou a notícia de terem sido expedidas ordens para
a suspensão das hostilidades. Rio Branco diz ainda que, entre
os anos de 1747 e 1750, o forte de Santana foi mudado, com
o nome de São Pedro, para o sítio em _que está hoje a cidade
do Rio Grande.
Basta relancearmos os olhos sobre uma carta, para verificarmos quão judiciosa foi a deliberação do governador Gomes
Freire. A estratégia mais elementar impunha aos portugueses
apossarem-se da costa; os pontos adequados a esse fim não se
mostravam numerosos; para leste e norte de Montevidéu, o que
se oferecia em melhores condições era, sem dúvida, o escolhido
pelo brigadeiro Pais. 0 Rio Grande formaria um posto intermédio para as ligações com a Colónia; partindo dele não só se
facilitaria o encontro com os exploradores brasileiros que viessem pela terra a dentro no rumo do sul, senão que também se
obteria um ponto de partida mais favorável para a cruzada terrestre até a mesma Colónia. Outra medida oportuna foi a
ocupação militar da ilha de Santa Catarina, constituída em capitania subalterna, e cujo governo.o mesmo Silva Pais inaugurou
<íin março de 1739.
O fundador do Rio Grande, que era um oficial de grande
merecimento, teve a intuição perfeita de tudo isso. "Em carta
de 12 de abril de 1737 dirigida a Gomes Freire de Andrade,
mostrava que a ocupação do Rio Grande era muito mais lítil
ao Brasil que a de Montevidéu: "O ponto é criar gente de
cavalo e que saiba fazer o serviço como cá se costuma... Já
se acham corridas mais de duzentas vacas, espero cresça o número e já se acham marcadas para S. Majestade mais de mil,
<iue faço conta passá-las a outra parte para um rincão de admiráveis pastos, donde andam também as cavalhadas; quero ver
se se pode ajuntar alguma eguada para que, pela produção
destes gados, se sustente a guarnição, e sobeje, e haja cavalaria
para todo o serviço; eu procuro que todos saibam andar a cavalo,
que é* muito preciso. . . Como a terra da entrada do rio é
baixa, faço tenção levantar na ponta do norte um grande atalaião
de madeira para servir de baliza. . . e hei de procurar descobrir
algum morador que seja pescador e prático da barra para que
viva junto dela, e sirva de piloto da barra para as embarcaç õ e s " . . . Outra carta de 21 de junho mostra que já tinha
Planta de Montevideo, copiada do livro do alferes • Silvestre Ferreira da Silva sobre
o sitio da Colónia em 1735
— 72 —
estabelecido estâncias e invernadas e que se ocupava de organizai
o regimento de dragões, servindo de casco 120 que trouxera
(pedia 150 ou 200 soldados da Colónia do Sacramento "já
acostumados a laçar e campear"). V. Excia. me pergunta —
dizia êle — que interesses poderá ter S. Majestade neste novo
estabelecimento; e ainda que eu não posso dar inteira informação
porque todo me entrego a segurar este posto, e a sua guarnição,
por ora sempre me parece pode dar mais que quaisquer dos
outros até esse Rio, por ser capaz a terra de dar admiráveis
frutos, poderem-se estabelecer cortumes de toda a casta de couros
e solas, que melhor que em outras partes aqui se curtem, proverem-se de muitos gados -as terras do norte por se poderem
buscar a esses campos de Xueú (Chuí?) para cá que dentro de
três dias se podem conduzir; de se fazer quantidade de xarque,
courama e peixe seco, e introduzirem-nos com muita facilidade
os Minuanes os cavalos que quisermos. Também me seguram
haver minas nas cabeceiras deste Rio Grande, porém isto necessita-se de maior averiguação, e, finalmente, para a conquista da
Colónia esta é a única porta por donde se lhe pode introduzi]"
socorro". (Carta de 21 de junho de 1737 a Gomes Freire de
Andrade) (5).
Os acontecimentos até aqui resumidos permitem conceber
um primeiro esboço das duas correntes colonizadoras do Brasil
meridional até a beirada do Prata. O primeiro esforço fecundo
é realizado pelos missionários, que criam reduções a leste do
Uruguai e do Paraná. Uma vez expelidos pelos paulistas, a
posse do território fica indecisa; Portugal, porém, arrisca afoitamente um passo definitivo: funda a Colónia do Sacramento.
Contra ela se obstinam os espanhóis, valendo-se da proximidade
em que se encontravam e do isolamento do posto avançado. Aos
portugueses não se lhes entibia o ânimo: tentam fundar Montevidéu, como posto intermédio, e abrir comunicações pelo interior.
Malograda a empresa, recuam para o norte e instalam-se no Rio
Grande, enquanto os espanhóis resolvem vir povoar a margem
esquerda do rio da Prata, de que mais tarde se aproveitarão
como base de partida, a fim de irradiar no rumo do norte. Por
seu lado os portugueses continuam esforçando-se pela conservação de seu posto avançado — a Colónia do Sacramento —
enquanto da região de S. Paulo, em que já lograram firmar-se.
(5)
Efemérides
Brasileiras, pelo Barão do Rio Branco — paga. 115-116.
— 73 —
abrem antenas para o sul, na esperança de vencerem as distâncias
e de se porem em contacto com a mesma Colónia. São, pois,
duas correntes de conquista e povoamento que marchara em sentido contrário, apertadas entre o oceano, a leste, e o Uruguai
e o Paraná, a oeste; fatalmente terão de encontrar-se. A linha
de separação desenhará por muito tempo na superfície terrestre,
como dentro em pouco verificaremos, uma fronteira precária e
oscilante entre os dois povos conquistadores.
V
Primeiras tentativas de harmonia mediante um tratado de limites — Tratado de
1750 — Primeiros lindes entre o Brasil e as possessões espanholas — Primeira demarcação — Resistência dos índios guaranis — Anulação do tratado
— Novas lutas no sul — Invasão áos espanhóis — Perda e reconquista do
Rio Grande
Depois do armistício de 1737, Portugal e Espanha começaram a sentir a necessidade de pôr termo a esses conflitos nas
zonas fronteiriças de suas colónias da América do Sul.
"Estas continuadas disputas — escreveu Rio Branco —
acabaram por convencer os dois governos de que era conveniente
determinar de modo claro e permanente os limites de seus domínios na América e nas índias Orientais, renunciando a pretensões
que o progresso dos conhecimentos geográficos tinha tornado
insustentáveis".
Para tão simpáticas e salutares disposições de espírito
devem sem dúvida ter contribuído os laços de família criados
pela circunstância de uma filha de D. João V, rei de Portugal,
se haver casado com Fernando VI e uma infanta espanhola
contraído núpcias com D. José, filho de D. João V.
A supressão definitiva da contenda só poderia ser obtida
pelo abandono completo do meridiano de Tordesilhas, que ninguém jamais determinara, nem respeitara, e pelo ajuste de uma
nova linha de limites, capaz de harmonizar os interesses antagónicos e de prestar-se a uma fácil difinição no respectivo
terreno.
D. João V de Portugal e Fernando VI de Espanha fizeram
por isso o tratado de Madrid, de 13 de janeiro de 1750, obra
^m que colaborou o patriotismo e valor de um brasileiro ilustre,
Alexandre de Gusmão.
O exame desse interessante documento deixa no leitor a
mais grata das impressões. Paira nele um desejo ardente de
concórdia, um apelo decisivo à fraternidade humana na delimitação de conquistas feitas sem outro freio que não o egoísmo
dos invasores.
"Os sereníssimos reis de Portugal e Espanha — preludia
o tratado — desejando eficazmente consolidar e estreitar a
— 76 —
sincera e cordial amizade que entre si professam, consideraram
que o meio mais conducente para conseguir tão saudável intento,
é tirar todos os pretextos e alhanar os embaraços, que possam
ao diante alterá-la, e particularmente os que se podem oferecer
com o motivo dos limites das duas Coroas na América, cujas
conquistas se teem adiantado com incerteza e dúvida, por se
não haverem averiguado até agora os verdadeiros limites duqueles domínios, ou a passagem donde se há de imaginar a
linha divisória, que havia de ser o princípio inalterável da
demarcação de cada Coroa. E considerando as dificuldades
invencíveis, que se ofereciam- se houvesse de assínalar-se estu
linha com o conhecimento prático, que se requer; resolveram
examinar as razões e dúvidas, que se oferecessem por ambas as
partes,- e à vista delas concluir o ajuste com recíproca satisfação
e conveniência".
Os artigos subsequentes descrevem a fronteira, sempre
traçada de preferência pelo álveo dos rios e cumiada das serras,
"balizas que em nenhum tempo se confundem, nem dão lugar
a disputas". Começava a raia divisória "na Barra, que forma
na costa do Mar o Regato, que sai ao pé do Monte de Castilhos
grande, de cuja falda continuará buscando em linha reta o mais
alto ou cume dos Montes, cujas vertentes descem por uma parte
para a Costa, que corre ao norte do dito Regato ou para a Lagoa
Mirim, ou dei Meni; e pela outra para a Costa, que corre do
dito Regato ao sul, ou para o Rio da Prata: De sorte que os
cumes dos Montes sirvam de Raia dos Domínios das duas
Coroas; e assim continuará a fronteira até encontrar a origem
principal e cabeceiras do Rio Negro e por cima delas continuará
até a origem principal do Ibicuí, prosseguindo pelo álveo deste
rio abaixo até onde desemboca na margem oriental do Uruguai";
continuava pelo álveo do Uruguai até o Pepiri ou Pequiri; em
seguida pelo "álveo deste até a sua origem principal"'; atravessava pelo mais alto do terreno "até a cabeceira principal do
rio mais vizinho que desemboque no rio Grande de Coritíba, por
outro nome chamado Iguaçu"; prosseguia pelo álveo do Iguaçu
até a sua confluência no Paraná, pelo álveo deste até a boca
do Igureí, seu afluente da margem direita; entrava pelo Igurcí
até a sua principal nascente; "daí buscava em linha rela a
principal nascente do rio mais vizinho que desague no Paraguai pela sua margem oriental"; continuava pelo Paraguai
até a Lagoa dos Xarais; atravessava a lagoa até a boca do jaurú
e ia em linha reta até a margem austral do Guaporé em frente
Limites do Brasil coin o Estado Oriental segundo os tratados de 1750 e 1777
— 78
à boca do Sarau, "baixava depois por todo o curso do Guaporé
até mais abaixo da sua união com o rio Mamorê, que nasce
na Província de Santa Cruz de Ia Sierra, atravessa a missão
dos Moxos, e formam juntos o rio chamado da Madeira, que
entra no das Amazonas ou Maranon pela sua margem austral";
continuava "pelo álveo destes dois rios já unidos até a paragem
situada em igual distância do dito rio das Amazonas ou Maranon e da boca do dito Mamoré"; e seguia "desde aquela paragem por uma linha leste oeste até encontrar com a_ margem
oriental do Javarí, que entra no Rio das Amazonas pela sua
margem austral; prosseguia pelo álveo do Javarí até a sua foz no
Amazonas, depois por este rio até a boca mais ocidental do
Japurá; avançava pelo álveo do Japurá e "pelos mais rios que
a ele se ajuntem e que mais se chegarem ao rumo do Norte,
até encontrar o alto da Cordilheira de Montes, que medeiam
entre o Rio Orinoco e o das Amazonas ou Maranon'*; seguia
pelo cume desses montes até onde se estendessem os domínios
de uma e outra monarquia.
À celebração do tratado servira de base uma carta geográfica do Brasil, também chamada mapa das cortes, no qual se
condensava toda a geografia da colónia portuguesa sabida até
aquela data (1).
Contemplando-se tão interessante documento, vê-se que os
contornos do Brasil de 1750 são ainda os de hoje, salvo pequenas modificações.
Uma vez celebrado o tratado de limites, restava pô-lo em
execução locando a raia mediante balizas apropriadas.
Em 1751 nomearam os dois governos os comissários que
se deviam encarregar da demarcação. Dividiu-se em duas partes
a extensa linha de fronteira: a meridional, de Castilhos Grande
ao Jaurú e a setentrional, do Jaurú ao norte do Equador. Para
comissário demarcador da segunda escolheu Portugal primeiro
a Francisco Xavier de Mendonça, Capitão-General do Pará, e
depois a D. António Rolím de Moura, Capitão-General de Mato
Grosso;_para. a primeira, o Capitão-General .de Minas, Rio e
S. Paulo, Gomes Freire de Andrade. Espanha nomeou para
o sul ó Marquês de Valdelirio, do conselho das índias, e para
o norte o chefe de esquadra D. José Iturriaga. Deram-se ins(1) A fronteira no atual Estado do Rio Grande do Sul náo aparece traçada
de acordo com o tratado, porque o mapa já estava terminado quando Espanha
resolveu modificar o que prometera, isto é, dar-nos como limite o Rio Negro,
afluente do' Uruguai, e não o Ibicuí, como afinal estipulava o tratado.
79 —
truções r ambas as comissões mistas, bem como às tropas ou
partidas em que cada uma delas se teria de subdividir. A comissão do sul celebrou sua primeira conferência em 9 de outubro
de 1752.
Deveria decompor-se, segundo mandavam as Instruções
para as comisssões demarcadoras (Tratado de 17 de janeiro de
1751) em três partidas. A primeira reconheceria a fronteira
desde Castilhos Grande até a entrada do rio Ibicuí no Uruguai;
a segunda deste ponto até a passagem sita na margem oriental
do Paraná em face da boca do Igureí; e a terceira da boca do
Igureí ao Jaurú. A primeira partida demarcou de Castilhos
Grande até Santa Tecla, um pouco ao norte da atual cidade de
Bagé; aí sairam-lhe ao encontro os índios guaranis das Missões
(1754), protestando contra a invasão das terras que Deus e
S. Miguel lhes haviam dado.
0 artigo 16.° do tratado de 1750 mandava entregar a Portugal, em troca da Colónia do Sacramento, que esse país restituía a Espanha, as povoações ou aldeias da margem oriental
do Uruguai, "das quais sairiam os missionários com todos os
móveis e efeitos, levando consigo os índios para os aldear em
outras terras de Espanha; os referidos índios poderiam levar
também todos os seus bens móveis e semoventes, e as armas,
pólvoras e munições que tivessem".
O tratado exigia pois, em troca do abandono da Colónia
do Sacramento, a posse pelo Brasil de grandes tratos de terra
a leste do rio Uruguai; porem, como neles estavam aldeados
muitos índios guaranis, em núcleos chamados reduções impunha-se a expulsão de toda essa pobre gente, naturalmente para
o outro lado do sobredito rio (2).
A um espírito contemporâneo e francamente emancipado,
a medida tomada sob pretexto de conciliação só pode aparecer
como sobremodo iníqua e até desumana. Compreende-se, portanto, que os selvícolas se houvessem revoltado contra os demarcadores,. recusando-se a um êxodo e a uma espoliação, cujos
fundamentos de nenhum modo poderiam compreender ou achar
razoáveis. E destarte se desencadeou o que se chamou mai?
tarde a guerra guaranítica! Diz-se que foi grandemente provocada pelos jesuítas e que, se estes últimos não houvessem açulado
os índios a uma resistência armada, tudo se houvera passado
(2) Eram sete os núcleos, a saber: São Miguel, São João, São Borja, SSo
Laís Gonzaga, São Lourenço, Santo Angelo e São Nicolan.
Plano da Fortaleza de St. Tecla
Feita de taipa pelos castelhanos em um sítio eminente, e descoberto nos ano- ti-'
1774 e 1775, vencida, arrazada e queimada pelos portugueses no mês
de março de 1776
LEGENDA
A — Igreja.
B — Casa do Comandante.
C — Casa do Tenente-Coronel engenheiro.
D — Corpo da Guarda.
E — Quartéis da tropa.
F — Cozinhas.
G — Praça com curral, onde metiam 150 animais.
H — Armazéns.
I — Espaldões que levantavam depois do sítio para não serem "infiados"?
L — Rochedo, cortado a precipício.
M — Portão com ponte.
N — Portão de socorro e de sortida.
O — Hospital.
P — Poçaa dágua com mais de 120 palmos de fundo, abertos na rocha.
O fosso em todo o recinto era também aberto na rocha. A altura da muralha
desde a berma ao alto do parapeito tinha trexe palmos, e os baluartes de S. Migusl.
Santo Agostinho, eram a cavaleiro mais alto sete palmos que tôda_ a muralha.
Elevado e desenhado pelo Alferes de Dragões Manoel Carvalho de Souza.
Extraído de: "J. M. de Figueiredo. Correspondência com o Marechal
Bohm".
Manuscrito existente oa Biblioteca Nacional, na seção competente
— 81 —
em perfeita harmonia. Não me parece que existam provas realTnente cabais desse conceito apaixonado; mas também delas não
precisamos na atualidade para olhar com simpatia o movimento
patriótico desses indígenas. ^Como poderiam esses desventurados conciliar-se com a ideia de abandonar casa, terreno e plantações por paragens a que se não encaminhariam voluntariamente? Se se aplaude a um civilizado de hoje o seu afeto entranhado ao solo que o destino lhe deparou, ipor que negá-lo
a um indefeso selvagem? E tudo isso desabava sobre ele como
remate de hostilidades seculares, em que brasileiros, portugueses
« espanhóis haviam pompeado mais ferocidade do que cordura.
Diante da resistência esboçada, retrocederam os demarcadores; em uma reunião celebrada na ilha de Martim Garcia, resolveram atacar os índios se até 15 de agosto de 1753 não se
houvesse iniciado a mudança (3). E assim começou essa guerra
injusta! Fêz-se em duas campanhas: na primeira (1754), portugueses e espanhóis marcham separados. Estes partem de Buenos
Aires, sob o comando de Andoanègui, seguem pela margem esquerda do Uruguai, enquanto uma flotilha os acompanha subindo
o mesmo rio; mas não ultrapassam o Casupá, donde, por deficiência de recursos e em vista do rigor da estação, retrocedem
até Dayman (perto da cidade do Salto). Aí são atacados por
bandos de índios de La Cruz e Japejú, aos quais facilmente repelem. Os portugueses abalam do Rio Grande, sob as ordens
de Gomes Freire de Andrade, atravessam embarcados a lagoa
dos Patos, sobem o Jacuí, tocam em Santo Amaro, e vão até Rio
fardo, com a intenção de ocupar a fortaleza de Jesus Maria José,
junto da qual acampam. Atravessam o rio Pardo numa ponte
de 18 canoas (feita por paulistas) e prosseguem por terra até
as fraldas do Botucaraí. As dificuldades encontradas e a retirada da coluna espanhola, cujo fito era avançar até S. i3orja
e daí cair sobre os povos das Missões, obrigam Gomes Freire
a esquivar a peleja e a firmar com os índios um pacío de tréguas
(14 de novembro de 1754).
' ' Na segunda campanha (1755-1756) portugueses e espanhóis juntam-se com antecedência em Sarandí nas cabeceiras do
rio Negro, fortes de 3.000 homens (4), e avançam.contra o inimigo. Nas margens do Vacacaí logram matar, numa pequena escaramuça, o morubixaba Tiraraiú, também chamado Sepé (7 de
(3 e 4)
Capistrano de Abreu — Sabre a Colónia do Sacramento — pág. 32.
82 —
fevereiro de 1756), ao que parece, principal chefe dos guaranis
na resistência heróica que ofereciam a seus encarniçados perseguidores, É essa incontestavelmente a figura mais simpática
destes acontecimentos!
Quanto esse índio sobreleva, na singeleza de sua vida e na
pobreza de seus recursos materiais de resistência, bem como no
seu incomparável devotamento patriótico, a sanha incoercível de
seus adversários, a que não minguavam saber guerreiro, nem instrumentos aperfeiçoados de destruição!
A 10 de fevereiro de 1756, travou-se a batalha de Caaibaté
ou Caibaté, cerro situado perto das nascentes do Cacequí (talvez
não longe da atual cidade de S. Gabriel), em que os guaranis
foram completamente balidos; aos aliados tornou-se então fácii
ocupar as missões da margem esquerda do Uruguai"
Para dar ideia da violência do ataque envolvente dos hispano-lusos contra os selvícolas e da impotência material destes,
basta dizer que, em seu.diário das operações, o capitão Jacinto
Rodrigues da Cunha, testemunha de vista, afirma que o exército
português só teve um ferido com três flechadas (o Coronel de
dragões Tomás Luís Osório) e um soldado fuzileiro morto de
um lançaço (5). As perdas dos espanhóis, segundo Teschauer.
não passaram de três mortos e dez feridos. Os índios mortos
são computados no mínimo em 400, e no máximo em 1.511,
conforme os autores (6).
"Um poeta de mais talento do que brio — pondera Capistrano de Abreu num assomo espontâneo de justiça — cometeu
a indignidade de arquitetar um poema épico sobre esta campanha deplorável" (7).
Apesar da vitória militar, a demarcação no sul não pôde
ser ultimada, tantos foram os atritos e dificuldades geográficas
que surgiram entre castelhanos e brasileiros. Gomes Freire
volveu desanimado ao Rio de Janeiro, onde aportou em 20 de
abril de 1759, após uma ausência de sete anos e dois meses.
O tratado de limites de 1750 encontrava a mais viva oposição nos dois países que o tinham celebrado. "Os portugueses
(5) Revista do Instituto Histórico — tomo XVI, pág. 235.
(6) Faço votos ardentes por que o heróico Estado do Rio Grande do Sul
festeje o centenário de nossa independência erguendo era uma de suas belas
coxilhas um monumento ao índio Sepé, e desse modo renda merecida homenagem
aos primeiros povoa d ores do território e lance, com o bronze imo rred ouro, um
pregão do amor que eles lhe dedicavam e que, por ventura .nossa, se transmitiu
às gerações que os substituíram.
(7) O autor refere-se ao poema Uruguai, de Basílio da Gama.
• Invasão de Ceballos (1763) de Vertiz (1773) ao Rio Grande do Sul
-- 84 -
lastimavam-se de que somente à Espanha fora proveitoso. Dizia-se
que fora extorquido a Portugal, como lesivo á este reino e vantajoso para a corte de Madrid, porque cedendo-se por ele a praça
e Colónia do Sacramento, entrava no domínio castelhano toda
a borda setentrional do Prata e as terras, que daquele ponto decorrem para o norte até o monte de Castilhos e o rio Ibicuí,
e se alcançavam como irrisório equivalente sete aldeias de índios
miseráveis nos paramos da margem oriental do Uruguai. Com
o que vinha a Espanha a fechar inteiramente o rio da Prata,
não só aos portugueses, senão a todos os demais povos europeus.
Retorquiam os espanhóis encarecendo as grandes conveniências
que o tratado trouxera a Portugal. Acusavam ò plenipotenciário
castelhano de haver sacrificado os interesses de sua pátria aos
respeitos que lhe impunha a sua rainha, a qual sendo portuguesa,
era como tal inclinada a favorecer a terra do seu berço" (8).
Por outro lado os jesuítas tentavam afastar as violências que
o tratado prescrevia contra os índios. "Os do Paraguai — escreve Rio Branco — dirigiram representações ao rei da Espanha
e ao Vice-rei do Peru, reclamando contra a cessão das sete mi?sões do oriente do Uruguai, e pedindo ao rei que reconsiderasse
o seu ato".
Vê-se, pois, quais os sentimentos de antipatia que despertava
o ajustado com respeito a limites na América meridional. Essas
dificuldades cresceram depois, como já disse, com as provenientes
dos embaraços para o balizamento da linha de fronteira em todo
•o seu dilatado curso. Tais fatos contribuíram para que D. José 1
de Portugal e D. Carlos III de Espanha anulassem por um novo
tratado, de 12 de fevereiro de 1761, o que; seus antecessores
haviam convencionado em 1750. "Todas as cousas pertencentes
aos limites da América e Ásia" se restituíam "aos termos dos
Tratados, Pactos e Convenções que haviam sido celebrados entre
as duas coroas contratantes, antes do referido ano de 1750"
(art. 1.°).
Destarte voltava-se ao ponto de partida ou ao já célebre
meridiano de Tordesilhas; Portugal guardava a posse da Colónia
do Sacramento.
No ano seguinte (1762) estalou, na Europa, nova guerra
entre Portugal e Espanha. Dera-lhe azo a coligação dos Bombons, isto é, de França, Espanha e Nápoles contra Inglaterra
(8) Latino Coelho — História Militar de Portugal — vol. II, pág. 4.
Invasão de Ceballos (1763) e de Vertiz (1773) ao Rio Grande do Sul.
— 85 —
(15 de agôslxrde 1761). Portugal tentara ficar neutro, mas
os ingleses arrastaram-no para luta. pondo-o do lado deles. A repercussão americana não tardou muito.* D. Pedro de Ceballos,
que havia sucedido a Andoanègui no governo de Buenos Aires,
intimou a guerra a Gomes Freire de Andrade, em carta de 15 de
julho de 1762. Em princípios de outubro do mesmo ano apresentou-se com cerca de 6.000 homens em frente da Colónia, na
resolução firme de a conquistar. "Tinha_apenas desembarcado
— refere Varnhagen — e em começo as primeiras baterias de
sítio, de que ao todo haviam resultado na praça 18 mortes,
quando no dia 29 desse mesmo mês, o governador Vicente da
Silva da Fonseca, sem poder alegar falta de munições de guerra,
nem de boca, sem ter havido assalto, sem brecha aberta, esquecido
dos exemplos que tinha para imitar do seu bravo e heróico predecessor António Pedro de Vasconcelos, cometeu a-cobardia de
entregar ao inimigo a praça que jurara ao rei defender até' a
última extremidade" (9).
O Visconde de S. Leopoldo encontra atenuantes para o procedimento de Fonseca, que êle afirma ter-se batido com bravura,
embora baldo de recursos, e só haver entregado a praça em caso
extremo (30 de outubro de 1762).
Varnhagen atribui a morte de Gomes Freire de Andrade,
ocorrida no 1.° de janeiro de 1763, à notícia da perda da Colónia.
Gomes Freire temia esse desastre, pôs todo o empenho em o
conjurar e afinal, compungido de dor, não lhe pôde sobreviver
à realização.
Da Colónia seguiu Ceballos para o norte, dirigindo-se contra
o Rio Grande; apftssou-se em caminho dos fortes de Santa Teresa
e S. Miguel; no dia 12 de maio de 1763 entrava vitorioso na
vila de S. Pedro (10). Daí passou ao outro lado do canal do
Rio Grande e penetrou cerca de uma légua no interior. Tendo
os beligerantes recebido notícias do tratado de paz assinado em
Paris (1.° de fevereiro de 1763) e ignorando-lhe os pormenores,
assentaram num armistício fixando limites provisórios (6 de
(9) História do Brasil — 2° vol.( pág. 934.
(10) O forte de Santa Teresa foi levantado na angustura de Castilhoa pelo
Coronel Tomás Luís Osório, a 15 de outubro de 1762. Era um verdadeiro forte
de barreira, destinado a fechar o caminho do litoral entre Montevidéu e o Rio
Grande. Osório foi acusado por largo tempo de havê-lo entregado cobardemente
a D. Pedro de Ceballos. Dessa mácula libertou-o o Dr. Fernando Osório, na bela
biografia de seu pai, o Marquês do Herval, As minúcias da vida de Tomá3
Osório e da rendição do forte são'muito interessantes. e encontram-ae no 1.°
volume, de págs. 53 a 66.
O forte de S. Miguel ficava ao norte do de Santa Teresa.
— 86 —
agosto de 1763). Conta-se que Ceballos soubera~das pazes antes
do contendor, e guardara sigilo prosseguindo na ofensiva.
0 artigo 21 do tratado mandava restituir aos portugueses
todas as suas colónias na América, África e índias Orientais,
*'no mesmo pé em que estavam, e na conformidade dos Tratados
precedentes, que subsistiam entre as cortes de Espanha, de França
e de Portugal antes da presente guerra"
Apesar dessa disposição claríssima, Espanha só restituiu
a Colónia, guardando Martim Garcia, Dos Hermanos e Rio
Grande do Sul.
•^Que restava a Portugal? Fazer reclamações platónicas ou
romper em operações de guerra. Em vez disso preferiu simular
amizade e secretamente ordenar a seus subordinados na América,
a quem provia dos necessários recursos, reconquistassem o mais
depressa possível quanto haviam perdido com a invasão dos espanhóis. Daí uma série de contradições aparentes, de satisfações insinceras dadas a Espanha e de censuras simuladas a funcionários do Brasil. Era a mesma comédia — reflete Galanti de D. João IV em Pernambuco.
Os portugueses começaram criando o forte de S. Caetano,
acima da vila de S. José do Norte. Partindo daí mandaram
Manuel Marques de Sousa, com 40 homens, invadir a campanha
ocupada pelos espanhóis. Ao mesmo tempo o governador Jos^
Custódio tentava um assalto à cidade do Rio Grande, infelizmente com mau êxito. A fim de evitar, caso fosse vitorioso, que
os espanhóis lograssem escapar, havia ordenado a vinda do
Coronel José Casimiro Roncalli, do quartel de Rio Pardo, com
200 dragões para operar de combinação com êle.
0 revés, porém, não o desanimou; três dias depois marchou
contra os fortes que os espanhóis ainda mantinham na margem
esquerda do canal, e tomou-os sem combate, porque o inimigo
com a sua aproximação os tinha abandonado. Dessa forma conseguimos repeli-lo para a margem oposta do mesmo canal.
Estava dado o primeiro passo-para a reconquista das term^
perdidas.
t
7
Em vista desses acontecimentos, reatou-se a guerra a ]est^
do rio Uruguai. D. Juan José de Vertiz y Salcedo, governador
de Buenos Aires, abalou de Moritevidéu, em novembro de 1773.
à frente de um exército de 4.000 homens. Seu plano de cam- panha era marchar contra Rio Pardo, isto é, atacar o adversário
onde êle provavelmente menos o esperava; dera antes ordem ao
governador do Rio Grande, D- José Molina, que se lhe ajuntasse
PLANTA DO FORTE DE SANTA TERESA
(Extraida do tomo XXI da Revista do Instituo Histórico — 1845)
- 88 com suas tropas. Encaminhou-se para o distrito de Bagé e no divisor de águas entre o arroio Bagé e o Piraí-mírim levantou um
forte a que pôs o nome de Santa Tecla, na mesma elevação, escreve Varela, em que anos antes os demarcadores haviam sido detidos pelos índios de Sepé. Avançou depois para rio Pardo, que
não logrou tomar em razão de um estratagema dos defensores,
os quais, para atemorizá-lo, embandeiraram o forte e salvaram,
sob o pretexto de uma recepção ao governador José Marcelino,
Houve troca de cumprimentos; Vertiz retirou-se, declarando jà
haver terminado a sua diligência. Espanha, porém, não concordou com esse procedimento, antes deu ordens terminantes (5 de
agosto de 1774) para nova campanha de reconquista.
O plano de Vertiz inspirava-se em uma sã doutrina militar;
mirava a repelir os portugueses para a margem norte do rio
Jacuí, mediante a conquista de Rio Pardo e de toda a campanha
ao sul daquele rio. Como os espanhóis já se encontravam de
posse do Rio Grande, a operação trazia como resultado pôr a
lagoa dos Patos e o rio Jacuí entre os contendores. Seria uma
vitória brilhantíssima e de consequências extraordinárias. Obtida
e conservada, teríamos o nosso Rio Grande do Sul reduzido a
quase metade do que é hoje. Na história da formação do heróico Estado meridional é, pois, esse um dos momentos mais
críticos. A repulsa dos espanhóis mais para o sul impunha-se,
portanto, como medida imprescindível e da máxima urgência.
Entretanto prosseguiam os apercebimentos de ambos os contendores; Portugal acumulava tropas e recursos no Rio Grande.
na previsão de uma guerra que se lhe afigurava inevitável.
Conta-se que o Vice-rei do Brasil, Marquês do Lavradio, chegou
a privar-se de sua guarda de honra, para que não faltassem
tropas no extremo sul. Pombal enviou, para ali dirigir as operações, o Tenente-General Henrique Bohm, "um dos mais hábeis
e bravos oficiais do Conde de Lippe, e o engenheiro-mor Marechal
Jacques Funck, sueco", que servira com distinção às ordens do
Marechal de Saxe.
"Bohm desembarcou na Laguna, e empreendeu por terça
a marcha para o Rio Grande, à testa, diz Alcides Cruz, da.-*
seguintes tropas, que vieram a formar o exército do Sul e forani
depois reforçadas:
— Um esquadrão de dragões da guarda dos Vice-reis do
Brasil, numerando 61 praças, sob o comando do Capitão Camilo
Maria Tonnellet Mena; — o regimento de Moura, do. qual
vieram *nessa ocasião 3 companhias com 350 praças (depoi*
Carta corográfica elevada por Manuel Uiz^ do Couto Reys,
Tenente de Granadeiros do Regimento de Infantaria de Santos,
no ano de 1777. Copiada pelo Ajudante Engenheiro José
Correia Rangel em 1792, Faz parte do Arquivo do Estado-Maior.
Gabinete PhotoEraphieo.do E. H. do Exercito
PLANTA
DO RIO G R A N D E
90
vieram mais 4 companhias que elevaram o efetivo do corpo a
679 praças); — 3 companhias do regimento de Bragança, com
350 praças (posteriormente chegaram mais 4 companhias, perfazendo então o total de 661 homens); — o de Estremoz com
627 homens; o 1.° regimento do Rio com 791 homens; — 60
artilheiros de Lagos, — e 115 no Rio com 16 peças.
Assim é — acrescenta o mesmo autor — que devido à diligência e presteza das autoridades militares de então, em breve
tempo o continente contou 6.717 homens em pé de guerra, constituindo o famoso Exército do Sul, composto dos regimentos de
Moura,'Estremoz e Bragança, com 1.917 homens; dragões do
Rio Grande, 380; 1.° regimento do Rio de Janeiro, 791; aventureiros da Laguna e do Continente, 554; infantaria de S. Paulo,
813; Legião de S. Paulo (cavalaria, infantaria e artilharia).
1.012; artilharia do Rio e cavalaria auxiliar, 615".
Como já estávamos de posse da margem esquerda do canal do
Rio Grande, nosso problema consistia agora em partir daí e conquistar não só a outra margem, mas também a vila de S. Pedro.
As nossas posições, segundo Varnhagen, eram as seguintes:
1)
2)
3)
4)
5)
Bateria
Bateria
Bateria
Bateria
S. José
de S. Pedro.
de S. Jorge.
.
da Conceição.
das Figueiras ou do Patrão-Mor.
do Norte.
E as dos castelhanos do outro lado:
1)
2)
3)
4)
Bateria do Pontal da Mangueira.
Bateria da Trindade.
Bateria de Santa Bárbara ou do Mesquita.
Fortaleza da Barra.
Em 1776 chegou uma esquadra portuguesa ao mando de
Mac-Dowell. Travou-se, a 21 de fevereiro, um combate naval
em frente â vila, cujo desenlace foi desfavorável a Portugal. Mas
o General Bohm não se deixou abater, çenão que ao contrário
tomou a resolução de se apossar por assalto 'dos fortes da
margem direita. No dia 1.° de abril de 1776 festejaram os
portugueses e brasileiros o aniversário natalício da rainha, sobretudo para simular despreocupação da guerra, e na madrugada
do dia seguinte, embarcaram em lanchas e jangadas, como as do
norte, atravessaram o canal, desembarcaram na margem oposta
e assaltaram improvisamente os fortes castelhanos'
RIO GRANDE DE SÃO PEDRO DO SUL
LEGENDA:
A — Vila de S. Pedro do Rio Grande <ía
parte do Sul.
B — Forte da Vila.
C— "
do Ladino.
D — " da Mangueira.
E— "
da Trindade.
F — " do Triunfo.
G— "
do Mosquito.
H — " da Barra.
I — " do Arroto.
L — Vila de S. José do Rio Grande <Ja
parte do Norte,
M — Forte da Fronteira do Norte.
N — " do Patrão Mor.
O— ''
da Conceição.
P — " de S. Jorge.
Q — " t\n Lagamar.
Segundo uma gravura da planta tirada pelo Brigadeiro Engenheiro José Custódio
•de Sá, existente no Arquivo cartográfico do E. M. do Exéictto.
-
92 -
O plano de Bohm, muito bem concebido, consistia no seguinte :
a) uma coluna de ataque contra o forte de Santa Bárbara.
Ponto de embarque: Pontal da Barra.
b) outra contra o forte da Trindade. Ponto de embarque:
sítio das Figueiras ou do Patrão-Mor.
c) uma terceira contra a ponta da Macega, para divertir
os espanhóis desviando-lhes a atenção das operações na margem
direita do canal^ Ponto de embarque: S. José do Norte.
Tomaram-se rapidamente os fortes da Trindade e de Santa
Bárbara. A bandeira de Castela só ficou flutuando na fortaleza
da Barra, que era obra grande, de cinco baluartes e grossa artilharia. No quarto dalva do dia 2 de abril, diz o Visconde de
S. Leopoldo, divisou-se do forte da Trindade a referida fortaleza
ardendo em chamas. A guarnição dela havia-se retirado para
o sul.
Atacada pela nossa, a esquadra espanhola pôs-se em fuga
e quase toda se perdeu quando tentava transpor a barra.
Desse modo, pode-se dizer que estavam os portugueses senhores de toda a margem direita do canal. Preparavam-se para
assaltar a vila, quando souberam que D. José Molina a tinha
evacuado, deixando nela copioso despojo e oitenta feridos confiados à nossa piedade.
0 plano de Bohm não se limitava à reconquista do Kin
Grande, mas previa 'outras operações do lado do interior. Foi
assim que êle ordenou a partida, do Rio Pardo, de uma coluna
de 400 a 500 homens, ao mando do Sargento Mor Rafael Pinto
Bandeira, com a incumbência de tomar o forte de Santa Tecla.
Bandeira pôs-se em campo e, a 26 de março de 1776, lograva
seu intento de modo brilhante, pois obrigava a guarnição a
render-se, após curto sítio e arrasava o forte. Em 31 de outubro do mesmo ano apoderou-se, por assalto e de improviso
da -trincheira de S. Martinho, construida em cima da Serra e
considerada como chave das sete Missões Orientais.
O governo português recompensou-o dessas façanhas promovendo-o a Coronel de uma legião de tropas ligeiras e fazendolhe mercê do hábito da Ordem de Cristo, com duzentos mil réi^
detença.
VI
Criação do vice-reinado do,Prata — Novo ataque doa espanhóis ao Brasil — Conquista de Santa Catarina por Ceballos — Perda da Colónia do Sacramento —
Segundo tratado de limites — Malogro da segunda demarcação — Situação
crítica de Portugal na política internacional europeia — Repercussão na
América das lutas europeias — Conquista das missões do Uruguai pelos
brasileiros
Pelo que acabo de relatar, verifica-se que a grande investida
dos espanhóis no rumo do norte, a qual os havia levado a firmarem-se em dois pontos do terreno de indiscutível valor tático
e estratégico, a saber o Rio Grande e Santa Tecla, sofria agora
repulsa enérgica em sentido contrário. Espanha, porém, compreendeu claramente o perigo que a ameaçava e não se demorou,
na execução das medidas que o deviam conjurar.
Começou fundando um governo central e forte no Rio da
Prata (1776), onde criou um více-reinado, à semelhança do que
Portugal fizera antes no Brasil. Em vista dessa medida, o novo
vice-reinado compreendia os governos do rio da Prata, Paraguai,
Tucuman, Charcas e Cuyo.
Nomeou para vice-rei D. Pedro de Ceballos, antigo governador de Buenos Aires, e pô-lo a caminho da América à frente
de poderosa expedição, para vingar — diz um historiador —
os atropelos dos portugueses. "Constava a expedição — escreve
um autor argentino — de 12 navios de guerra e mais de 100
transportes, que conduziam 9.000 soldados às ordens do Marquês
4e Casa-Tilly".
Ceballos fez rumo diretamente para Santa Catarina, aonde
chegou em fevereiro de 1777. Pode-se logo imaginar quanto lhe
foi fácil, no decorrer de uma empresa efetuada com o máximo
sigilo, apossar-se de uma ilha no extremo do país, provida de
fracos recursos e de muito poucos defensores.
Varnhagen estigmatiza o procedimento das guarnições. dos
fortes, que os desertaram e passaram para o continente, mas
realça o do alferes José Correia da Silva, do regimento pernambucano, que, "não desejando passar pela vergonha de render-se,
se meteu pelo sertão e foi ter a Pernambuco, com a bandeira,
que não consentiu ver desonrada"'.
— 94 —
De Santa Catarina projetou Ceballos ir desembarcar, na
enseada de Castilhos, e daí avançar até o forte de Santa Teresa
para abrir a campanha no Rio Grande; como, porém, não lho
consentiu um pampeiro, arribou a Maldonado, donde se encaminhou para Montevidéu e em seguida para Colónia, que êle
sitiou. O Coronel Francisco José da-Rocha, governador da.
praça, vendo-se cercado e baldo de recursos, e compreendendo
a sorte que o aguardava, pediu capitulação honrosa. Ceballos
reteve o parlamentado para ganhar tempo e continuou nos aproches; no dia 2 de junho intimou-lhe a rendição incondicional,
a que êle sé submeteu no dia seguinte (3 de junho de 1777).
• Os oficiais foram remetidos para o Rio de Janeiro e as praças
espalhadas pelo interior do vice-reinado. No intuito de obstar
a que de futuro voltasse Colónia à posse dos lusitanos, mandou
Ceballos "minar com fornilhos as muralhas para as fazer saltar
e cegar o porto", ao mesmo passo que "derribava os principais
edifícios*'.
"A população da Colónia — lê-se num compêndio de história uruguaia — ascendia em, 1777 a 2.600 habitantes. 'Ag
casas eram de pedra e cal, feitas com boas madeiras trazidas do
Rio de Janeiro. Constavam geralmente de dois andares, com
grandes sacadas e bonitas janelas; sobresaía a do governador
português. A Igreja, colocada em pequena eminência, denunciava-se ao longe com suas torres.
Assim em poucos dias se transformou num montão de ruínas
a obra que a paciência, operosidade e zelo guerreiro dos portugueses tinha construído em 90 anos de trabalhos, dotando o
Uruguai de uma das povoações mais formosas e ricas da jurisdição platense" (1).
'
Terminada essa façanha, apressou-se Ceballos a reforçar
'as tropas de Vertiz, que haviam marchado na direção do norte.
A chegada, porém, de ordens terminantes das respectivas metrópoles, para suspensão das hostilidades, atalhou a prossecução
da luta.
"Foi durante esta guerra — escreve Galanti —- que os paulistas, esses heróis do sertão, fundaram a colónia de Iguatemí,
exploraram os campos do Guarapuava e abriram diversas estradas na direção do sul, a fim'de irem combater com os espanhóis.
Levantaram neste mesmo tempo os portugueses o forte do Prín-
(1)
Ensaio de História Pátria, por H. D., pág. 189.
— 95 —
cipe da Beira (1776), no Guaporé, e o de Nova Coimbra (1770
em Mato Grosso".
0 povoamento do Rio Grande do Sul havia crescido extraordinariamente; além dos colonos recebidos por via marítima,
muitos vinham chegando pela costa e pelo interior; vários núcleos
de povoação se foram assim esboçando. Sentindo a míngua de
gente e a vantagem de povoar aquelas solidÕes, resolveu o governo português consentir na emigração de muitas famílias das
ilhas dos Açores e da Madeira, até o número de 4."000 casais,
enquanto pela campanha surgiam múltiplas estâncias. Em 1740
fundara-se Santo António da Patrulha; em 1741 Capela Grande,
depois Nossa Senhora da Conceição do Viamão; em 1742 Conceição do Arroio; em 1754 a povoação e freguesia de Bom Jesus
do Triunfo desmembrou-se da de Viamão. Outros pontos, como
Santo Amaro e Jesus Maria José do Rio Pardo deveram seu aparecimento à necessidade de criação de depósitos de munições
e víveres para as tropas em operações de guerra. Em junho de
1747 já o presídio do Rio Grande se transformara em vila.
Em 13 de agosto de 1760 toda a circunácrição territorial do sul
desmembrava-se de Santa Catarina e passava a formar uma capitania à parte, subordinada ao Rio de Janeiro. Com a invasão
dos espanhóis, a capital mudou-se primeiro do Rio Grande
para Viamão, e depois para Porto dos Casais, atual Porto
Alegre (1773).
Os castelhano"s também por seu lado não descuraram o problema fundamental do povoamento. Viana fundou Salto (1756),
depois da guerra guaranítica, e Maldonado (1757); Ceballos a
vila de 5. Carlos (1762) ; e Gregório Soto, Paisandu (1772).
Poucos meses depois da interrupção da guerra, Portugal e
Espanha assinaram segundo tratado de limites, chamado de Santo
Ildefonso (1.° de outubro de 1777).
"Os artigos do tratado — lê-se em Varnhagen — foram
ditados pela Espanha, quase de armas na mão, e os pactos não
podem deixar de parecer-se aos do leão com a ovelha timorata" (2).
Em todo o caso era uma segunda tentativa séria para finalizar a contenda sobre os lindes das possessões espanholas e portuguesas. A linha de* fronteira, desde o rio Pepirí-guaçu até
o norte do Equador, continuava a ser a mesma de 1750; modificava-se, porém, em benefício de Espanha, o trecho entre o mar
(2)
História âo Brasil — 2.° rol, pág. 991.
- 96 e a foz daquele rio, deslocando os limites mais para ò interior
do Brasil. Restituia-se a Portugal a Ilha de Santa Catarina, em
troca do que êle cedia ao sul, inclusive a Colónia do Sacramento.
Pelo artigo 3.° a linha divisória partiria do mar, "no arroio
Chuí e Forte S. Miguel inclusive, e seguiria as margens da
Lagoa Mirim a tomar as cabeceiras ou vertentes do Rio Negro,
as quais, como todas as outras dos rios que vão a desembocar
nos referidos da Prata e Uruguai, até a entrada neste último Uruguai do dito Pepirí-guaçu, ficarão privativas da mesma Coroa
de Espanha com todos os territórios que possui e que compreendem aqueles países, inclusa a referida Colónia do.Sacramento c
seu território, a ilha de S. Gabriel e os demais estabelecimentos
que até agora tem possuido ou pretendido possuir a Coroa de
Portugal até a linha que se formará, etc".
As instruções para a segunda demarcação foram expedidas
de Aranjuez, em 6 de junho de 1778, ao Vice-rei das províncias
do Rio da Prata. Segundo nelas se especificava, devia a comissão de limites fracionar-se em 4 divisões: a l. a balizaria a
raia desde o mar até o Salto Grande do Paraná; a 2. a da boca
do Iguatemí à do Jaurú; a 3. a deste ponto à boca mais ocidental
do Japurá; e a 4. a desta boca ao extremo da linha ao norte do
Equador.
Os trabalhos dessas demarcações são indubitavelmente os
mais interessantes efetuados no Brasil, pelo muito que, por intermédio deles, ganhou a geografia da colónia.
"A primeira divisão do sul — descreve Porto Seguro --ficou do nosso lado sujeita ao Vice-rei do Rio de Janeiro, que
nomeou primeiro comissário o governador do Rio Grande, Sebastião Xavier da Veiga Cabral, o qual teve por concorrente
espanhol D. José Varela y Ulloa, e lhes coube demarcar os
limites desde o mar até a foz do Pepirí-guaçu havendo passado à segunda divisão o que segue daí até o Iguaçu, que ante?
se lhe destinara. Os comissários, com seus engenheiros astrónomos, se avistaram no Chuí, no dia 5 de fevereiro de 1784, e
começaram os trabalhos com atividade, porém com mui frequentes desinteligências".
Esses trabalhos duraram vários anos e, infelizmente, nunca
puderam concluir-se. Cada ponto da raia' dava lugar a dúvidas,
sofismas e discordâncias intermináveis. Discutia-se sobre eles.
reflete Handelmann, como se fossem trechos de ricas províncias,
e não de terras desertas; e enquanto os comissários entretinham
polemica, os comandantes de fronteira avançavam seus postos e
CARTA
DA
C O L Ó N I A E CIDADE
DO
SACRAMENTO
NO GRANDE RIO DA PRATA
PODEROSÍSSIMO REY
E
ENHOR
D.JOAO V &
PELO
NOVA
AO
TOPOGRAPHICA
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povoações, no intuito de garantir a maior fração de zona disputada, o que ainda mais agravava a desarmonia entre os demarcadores. Parece ter havido má vontade de ambos os lados; nenhum dos litigantes se achava satisfeito com a linha acordada, e
por isso lhe embaraçava voluntariamente a definição concreta.
O tratado de 1777, como o de 1750, não conseguiu pôr fim
à questão de limites na América Meridionai, não só pelos motivos
referidos, mas também pela circunstância de se haver de novo
quebrado a paz entre as grandes potências da velha Europa.
A revolução francesa, abalando os alicerces da antiga sociedade,
e abrindo novos horizontes à vida humana, repercutiu fundamento, como era de prever, entre os povos da península ibérica.
Os governos desta não souberam compreender o alcance do extraordinário acontecimento; adotaram conduta hesitante, quando
não repressiva, e tiveram afinal de ceder, harmonizando seus
interesses egoístícos com a ambição desenfreada do grande corso.
Destarte Portugal e Espanha, que se achavam vinculados por um
pacto solene de amizade (tratado de 11 de março de 1778),
atiravam-se um contra o outro, na esperança de fugir cada qual
à sanha irrefreável de Bonaparte. Pelo tratado de Santo Ildeíonso, de 18 de agosto de 1796, Espanha aderiu à França.
Portugal, que não reconhecera a Convenção e entrara na coligação de Londres, de que Espanha se separara pelo tratado de
Basileia, ficou assim exposto aos ataques desses dois países. No
intuito de fugir a tão crítica situação, propôs pazes à França, por
intermédio do ministro António de Araújo Azevedo. Firmou-se
o tratado de 10 de agosto de 1797, não ratificado por Portugal,
graças ao voto de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que o repeliu,
•entre outros motivos, "por se haver -nele consagrado cederem-se
a França, as terras do Brasil além de Calçoene".
A partir daí, a situação de Portugal tornou-se cada vez
mais arriscada; Napoleão não o perdia de vista, na esperança
de ferir Inglaterra através de seu diminuto satélite. Serviu-lhe
de instrumento Carlos IV de Espanha, a quem acenou, entre
outros proventos, com parte do reino lusitano. Carlos IV aceitou
o projeto e assinou o tratado de Madrid de 29 de janeiro de
1801. No mês seguinte Espanha e França declararam guerra
a Portugal. Houve um simulacro de campanha, que apenas durou
semanas. "As tropas espanholas e portuguesas — escreve notável historiador contemporâneo — manobraram de modo a
evitar-se".
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Portugal acabou cedendo; firmou o tratado de Badajoz
(6 de junho de 1801), pelo qual se comprometeu a pagar quinze
milhões de francos à França, a entregar-lhe todas as terras ao
norte do furo meridional do Araguarí (no Estado do Pará) e a
modelar a fronteira de Espanha em proveito desta nação.
Com o rompimento das duas metrópoles europeias, ressurgiram conflitos entre as colónias espanholas e portuguesas da
América do Sul. O incidente, que parecia dever passar quase
despercebido nestas zonas remotas, permitiu-nos, como mostrarei
dentro em pouco, reconquistar todo o terreno a leste do rio Uruguai, em que assentavam as. sete missões jesuíticas. Os espanhóis por seu lado tentaram firmar-se em Mato Grosso. D. Lázaro
de Ia Ribera, governador do Paraguai, atacou o forte de Coimbra
(16 de setembro de 1801). Diante porém da resistência obstinada
do Tenente-Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra, um dos
oficiais da comissão demarcadora nomeada em consequência do
tratado de 1777, retirou-se a 25 de setembro, depois de haver
efetuado vários ataques. Intimado a capitular, Almeida Serra
deu ao castelhano resposta decisiva, por onde se lhe pode aferir
do valor militar: Em todos os tempos, disse êle, a desigualdade
de forças havia sido um estímulo que animava os portugueses;
por isso êle e os seus se defenderiam até uma.das duas extremidades: ou a de repelir o inimigo, ou a de sepultarem-se debaixo
das ruínas do forte.
Apesar do procedimento quase sempre tímido e submisso
de Portugal, Napoleao insistia na sua má vontade, na ânsia de
golpear Inglaterra. "Entre este país — escreve Oliveira Martins -r— que não admitia a hipótese de prescindirmos da sua proteçao, e a França que exigia de nós, depois da paz de 1801, o
entrarmos na liga franco-espanhola contra a Inglaterra, Portugal
debatia-se numa impotência absoluta, vazio de força, de inteligência, e de audácia". Velando o plano de conquista, Napoleao
formulou exigências inadmissíveis: encerramento dos portos aos
navios ingleses, sequestro e confiscação de todos os bens e prisão
dos súbditos de Inglaterra. Mesmo assim, Portugal esforçou-se
por chegar a acordo, mas debalde, porque sobreveio o tratado
de Fontainebleau (27 de outubro de 1807), entre França e
Espanha, no qual se retalhava o país e se apeava do trono a
dinastia de Bragança, e afinal a invasão dos franceses. Diante
do perigo iminente e ao parecer insuperável, achou melhor D.
João VI voltar costas ao invasor e pôr-se em seguro na sua vasla
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colónia do outro lado do Atlântico. Aos 20 de novembro de 1807,
Junot transpunha a fronteira do reino e aos 29 do mesmo mês
levava âncoras no Tejo a frota encarregada de subtrair a família
real portuguesa à vingança de Bonaparte.
Com a notícia do rompimento entre Portugal e Espanha
(1801), o governador do Rio Grande do Sul, Sebastião Xavier
da Veiga Cabral, previu logo o reencetamento da luta; mas, em
vista dos poucos elementos de que dispunha para a guarda de
tão extensa linha de fronteiras, tomou a princípio atitude defensiva; moveu algumas tropas para a zona da raia e conservou-se
vigilante. Só com esse movimento, atemorizaram-se os espanhóis; foram abandonando algumas de suas guardas avançadas
(de S. José, de Santo António da Lagoa e de Santa Rosa) e as
vertentes da Lagoa Mirim; destas partiram para Cerro Largo,
onde poucos anos antes o Vice-rei do Rio da Prata, D. Pedro de
Melo de Portugal e Vilhena, havia levantado trincheiras e fundado uma povoação, que em sua honra se ficou chamando Vila de
Melo. Destarte podíamos avançar até o rio Jaguarão e cobrirnos com ele. Na região do Rio Pardo também os espanhóis haviam retirado para o sul, desertando certos de seus postos de vigilância (guarda de Batoví, Taquarembó, etc).
Logo que chegaram ordens terminantes para início das hostilidades, Cabral resolveu tomar a ofensiva na direção de Cerro
Largo e ao sul de Rio Pardo. Confiou o comando da coluna
destinada aquela operação ao Coronel Manuel Marques de Sousa,
então comandante da fronteira do Rio Grande, e o da coluna de
Rio Pardo ao Tenente-Coronel Patrício José Correia da Câmara,
comandante da fronteira respectiva.
Noa primeiros dias de outubro de 1801, Marques de Sousa
tomou posição com suas tropas (800 homens e um parque de
artilharia) nas margens do Jaguarão e daí deu princípio às operações contra o inimigo. Começou batendo parte dele no "Passo
do Perdiz", com uma pequena fração de suas forças, e foi depois
sitiá-lo em Cerro Largo, onde êle se rendeu (30 de outubro de
1801). assinando uma capitulação.
A coluna de Correia da Câmara encontrou diminuta resistência; só um corpo de tropas, ao mando do Coronel D. José
Inácio de Ia Quintana, simulou certa oposição e logo desapareceu.
Quase ao mesmo tempo em que se desenrolavam estas operações regulares, surgia um acontecimento imprevisto, que ia per-
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mitir-nos, como já disse, ficar de posse do território chamado
dos sete Povos do Uruguai. Um grupo de vinte civis, sob o
comando de Manuel dos Santos Pedroso, apresentou-se na guarda
avançada de S. Pedro, e ofereceu-se para atacar os castelhanos.
O comandante dessa guarda indicou-lhe a de S. Martinho, contra
a qual eles arremeteram. Logo depois José Borges do Canto,
desertor do regimento de dragões, também se apresentava na
mesma guarda com 15 companheiros e o mesmo intuito. Designaram-lhe como objetivo S. Lourenço. Canto pôs-se em marcha
a 3 de agôslo para a estância de S. Pedro, onde encontrou gente
de Pedroso; daí atirou-se contra um acampamento de castelhanos
e de índios, a uma légua do povo de S. Miguel, de que soubera
durante a marcha. Derrotou-os e teve a ventura de ver os índios
se lhe juntarem, sob promessa de que vinha para ajudá-los a &e.
libertarem do jugo espanhol. Em seguida foi cercar o povo de
S. Miguel, em que se encontrava D. Francisco Rodrigo, governador das Missões daquém do Uruguai, e obrigou-o a render-se,
após alguns dias de assédio. Correu às missões de S. João e
S. Angelo, que logo se lhe entregaram. Tendo Santos Pqdroso
chegado com um reforço de quarenta homens e havendo percebido Canto quão urgente se fazia cuidar dos passos do rio Uruguai, para que o inimigo não acudisse com auxílios, encarregou
Pedroso de vigiá-los. Sabendo também que o governador espanhol
deposto reunia gente em caminho, enquanto se retirava de S. Miguel, e carregava um grande parque, foi detê-lo no povo de S.
Luís e fê-lo retrogradar de novo a S. Miguel e aí permanecer
como refém. Entrou depois sem oposição em S. Borja, que defendeu, no mesmo dia, de um assalto dos espanhóis. Ao saber
o governador do Rio Grande do Sul das proezas de Canto, mandou levantar-lhe à nota de desertor e promoveu-o a Capitão de
' milícias. Para obviar às desavenças, que já se esboçavam, entre
ele e Pedroso, nomeou o Sargento-Mor José de Castro de Morais
comandante da Província de Missões.
A campanha de expulsão dos espanhóis da margem esquerda
do Uruguai na zona das missões continuou com auxílio dos dois
cabos de guerra que a haviam iniciado. "No mês de setembro
{1801) — diz o Visconde de S. Leopoldo — em que havia sucedido no governo da província o Sargento-Mor Joaquim Félix
da Fonseca Manso, dobraram os espanhóis esforços paia recuperá-la". Nós persistimos na ideia judiciosa de guardar os passos,
por onde eles às vezes vinham acometer-nos e que também transpúnhamos para os agredir do outro lado.

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