Monografias
Transcrição
Monografias
IGEPRI Monografias O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de Direito Internacional Público Clara Maria Faria Santos Volume 4 | Ano 2 | 2012 Nota: Todo conteúdo publicado pela Monografias Igepri é de total responsabilidade de seu(s) autor (es). As opiniões expressadas nesse caderno não representam as opiniões do periódico, nem do Conselho Editorial e nem dos órgãos filiados a este caderno. IGEPRI Monografias Monografias IGEPRI é uma publicação bimestral do Instituto de Gestão Pública e Relações Internacionais (IGEPRI). Sua missão é servir de espaço alternativo à publicação de pesquisas científicas elaboradas por jovens acadêmicos dedicados ao estudo e ao debate de temas relativos à Gestão Pública e às Relações Internacionais no Brasil e no mundo. Com potencial de influenciar e intervir no processo decisório governamental nas suas diversas esferas, contribuindo com novas propostas para a elaboração de políticas públicas, efetivação de controle social, suporte à advocacia de idéias e a busca de transparência no trato dos assuntos públicos. Conselho Editorial Cristina Soreanu Pecequilo (UNIFESP - Osasco) Luis Antônio Francisco de Souza (UNESP – Marília) Heloísa Pait (UNESP – Marília) Luis Francisco Corsi (UNESP – Marília) Janina Onuki (USP – Instituto de Relações Internacionais) Marcelo Fernandes de Oliveira (UNESP – Marília) – Editor José Blanes Sala (UFABC) Marcelo Passini Mariano (UNESP – Franca) Karina Lilia Pasquarielo Mariano (UNESP – Araraquara) Miriam Cláudia Simoneti Lourenção (UNESP – Marília) Lidia Maria Vianna Possas (UNESP – Marília) Tullo Vigevani (UNESP – Marília) O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" Faculdade de Filosofia e Ciências Campus de Marília, SP Clara Maria Faria Santos O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de Direito Internacional Público Marília, SP 2007 Clara Maria Faria Santos Clara Maria Faria Santos O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de Direito Internacional Público Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais. Área de Concentração: Internacional Público Orientador: José Blanes Sala Marília, SP 2007 Direito O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP Clara Maria Faria Santos O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de Direito Internacional Público Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais. Área de Concentração: Internacional Público Direito Banca Examinadora: ___________________________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. José Blanes Sala Universidade Estadual Paulista - UNESP Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília ___________________________________________________________________________ Membro: Prof. Dr. Tullo Vigevani Universidade Estadual Paulista - UNESP Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília ___________________________________________________________________________ Membro: Prof. Dr. Sérgio Luiz Cruz Aguilar Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM Local: Universidade Estadual Paulista - UNESP Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília 2007 Clara Maria Faria Santos Dedico este trabalho aos meus pais, os quais amo muito. E aos meus avós, João Vicente (in memoriam) e Tereza (in memoriam); Totó (in memoriam) e Lurdinha, pelos quais tenho grande admiração. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP Agradecimentos Agradeço primeiramente aos meus pais, José Luis e Nilza, por serem os maiores incentivadores não só da minha vivência acadêmica, mas de todas as decisões que eu tomo nesta vida. Agradeço a meu irmão, Lucas, a quem admiro muito, por sempre me apoiar em momentos delicados. Agradeço a minha vó Lurdinha, por toda ajuda que me ofereceu durante o curso. Agradeço a meu grande amor, Rodolpho, pela imensa paciência. Mas, principalmente, agradeço por acreditar em mim nos momentos de maior desânimo. Agradeço aos meus amigos, Isabela, Haroldo, Fábio e Vitão, que estivem sempre ao meu lado durante os momentos bons e ruins desta jornada. Agradeço à FAPESP, pelo apoio à minha pesquisa. Agradeço às funcionárias da biblioteca, em especial, a Alessandra; e aos funcionários do escritório de pesquisa, Silvia e Roni, por toda atenção e ajuda. Agradeço aos meus professores, Tullo Vigevani, e Sérgio Aguilar, por toda força que deram ao meu trabalho. Agradeço à professora Lídia Possas, um exemplo que ficará para todos de amor ao magistério. Enfim, agradeço imensamente ao meu orientador, Blanes Sala, um mestre muito querido, que com todo seu incentivo, dedicação e apoio me mostrou o quanto é fascinante fazer pesquisa. Clara Maria Faria Santos Resumo O objetivo deste trabalho é analisar a personalidade jurídica dos municípios sob a perspectiva do Direito Internacional Público. Pretende-se reconhecer que os municípios podem possuir personalidade internacional, o que contribuiria de maneira significativa para o embasamento jurídico das relações externas firmadas por estas entidades, ajudando na busca de soluções para os problemas locais. Parte-se da premissa de que a doutrina do Direito Internacional Público reconhece que os estados federados, em determinadas situações, possuem personalidade jurídica internacional limitada, pois são capazes de assumir certos direitos e obrigações no plano externo. Assim, deseja-se demonstrar que, tendo os municípios a mesma capacidade apresentada pelos estados federados, é possível reconhecê-los como sujeitos parciais do Direito Internacional. Palavras-chave: Direito Internacional Público. Sujeitos de Direito Internacional. Municípios O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP Abstract This work proposes to analyze the juridical personality of the municipalities under the perspective of the International Public Law. We intend to recognize that the cities can possess international personality, what it would contribute in significant way for the legal basement of the external relations firmed by these entities, helping in the resolution for the local problems. We start from the premise that the doctrine of the International Public Law recognizes that the federated states, in determined situations, possess limited international juridical personality, because they are capable to assume certain rights and obligations in the external plan. Thus, we desire to demonstrate that, having the cities the same capacity presented by the federated states, it is possible to recognize them as partial subjects of the International Law. Key-Words: International Public Law. Subjects of International Law. Municipalities Clara Maria Faria Santos Sumário 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................8 2 ASCENSÃO DE ENTIDADES SUBNACIONAIS COMO ATORES NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E SUJEITOS NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ...............11 2.1 A perspectiva das Relações Internacionais..........................................................................11 2.1.1 Paradiplomacia .................................................................................................................15 2.2 A perspectiva do Direito Internacional Público ..................................................................18 2.2.1 Personalidade Jurídica Internacional ................................................................................20 3 OS ESTADOS FEDERADOS E A PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL .27 3.1 Os estados federados ...........................................................................................................27 3.2 A personalidade jurídica internacional dos entes federados segundo as doutrinas de Direito Internacional ..............................................................................................................................30 3.2.1 Capacidade jurídica internacional das entidades subnacionais ........................................42 3.2.2 Filiação em Organizações Internacionais .........................................................................47 3.2.3 Direito de Legação............................................................................................................48 3.2.4 Responsabilidade internacional ........................................................................................48 3.2.5 Ius stand in iudicio............................................................................................................52 3.2.6 Capacidade para celebrar tratados ....................................................................................52 3.3 Casos....................................................................................................................................54 3.3.1 Alemanha..........................................................................................................................54 3.3.2 Bélgica ..............................................................................................................................56 4 OS MUNICÍPIOS E A PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL ....................59 4.1 Analogia aos estados federados...........................................................................................59 4.2 Casos....................................................................................................................................62 4.2.1 Convenção de Madri sobre a cooperação transfronteiriça e Protocolos adicionais .........64 4.2.2 França ...............................................................................................................................69 4.2.3 Argentina ..........................................................................................................................72 4.2.4 Brasil.................................................................................................................................73 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................76 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................78 O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 8 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho está inserido no projeto de pesquisa “Gestão Pública e Inserção Internacional das Cidades” apresentado à FAPESP pelas seguintes instituições: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP) e Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), cujo objetivo central é fazer “a reflexão sobre o fenômeno da crescente incorporação do tema da inserção internacional e da integração regional na agenda dos governos subnacionais de nível local” (VIGEVANI, 2006a, p. 6). Inserido como uma sublinha de pesquisa no tema “Caracterização do Marco Jurídico de Atuação Internacional dos Municípios Brasileiros”, o presente trabalho, também financiado pela FAPESP por meio de Bolsa de Iniciação Científica, destina-se a analisar a personalidade jurídica internacional dos municípios sob a pespectiva do Direito Internacional Público (ou simplesmente Direito Internacional). Essa temática se faz presente especialmente a partir da década de 90, quando os municípios passaram a atuar significativamente como atores internacionais, estabelecendo acordos para o desenvolvimento local com diversas outras entidades, sejam elas subnacionais, estatais, Organizações Internacionais ou entidades privadas. A partir do reconhecimento dos municípios como atores internacionais, levantou-se o questionamento da sua personalidade jurídica internacional, que até o presente momento não foi reconhecida por diversos teóricos das Relações Internacionais e do Direito Internacional. Nesse sentido, deseja-se demonstrar que é possível atribuir aos municípios a personalidade jurídica internacional, ainda que limitada. Tal reconhecimento será feito com base no estudo da doutrina do Direito Internacional Público que reconhece aos estados federados uma personalidade internacional parcial e condicionada a situações específicas. Demonstrando que os municípios podem satisfazer as condicionalidades requeridas aos estados federados, eles também poderão ser qualificados como sujeitos parciais de Direito Internacional Público. A análise da doutrina de Direito Internacional abrange o estudo da obra de juristas consagrados de diversos países, tais como C. Rousseau, A. Verdross, J. Barberis, M. Shaw, A. Pellet, sobre a personalidade jurídica internacional dos estados federados no decorrer do século XX até os dias atuais. A análise se estende a interpretação da doutrina para aplicação aos municípios. A discussão abrange a consolidação de um direito europeu que garante às Clara Maria Faria Santos 9 coletividades subnacionais locais a capacidade para firmarem acordos internacionais com outras subunidades do mesmo tipo. Ressalta-se que o presente estudo tem caráter prioritariamente teórico, dessa forma, os casos abordados por este trabalho se destinam a exemplificar o objetivo proposto, de maneira a deixar claro a possibilidade de existência da personalidade jurídica internacional parcial dos municípios. A presente temática se faz importante pela crescente participação dos municípios fora das fronteiras de seus Estados, estabelecendo relações com outras entidades em prol do desenvolvimento local, visto que o status de sujeito de Direito Internacional proporcionaria o estabelecimento de relações mais estáveis e seguras juridicamente com os demais sujeitos internacionais. Isto por que, explica Shaw (1997, p. 137), sem a personalidade jurídica, as instituições e grupos não podem operar, uma vez que não possuem a capacidade de impor e sustentar reclamações. Assim, o reconhecimento da personalidade jurídica internacional dos municípios se justifica pela possibilidade de efetiva inserção destes no cenário internacional em busca de cooperação para o desenvolvimento local e resolução de problemas internos, não somente como atores políticos, mas principalmente como sujeitos de Direito Internacional, ainda que com limitações no seu campo de atuação. É importante apontar que neste estudo estamos lidando com municípios e estados federados, entidades governamentais de caráter público inseridos dentro de uma hierarquização do Estado, e que têm definições bastante específicas, como veremos adiante. No entando, de maneira geral, lidamos com outros tipos de entidades infra-estatais, que não possuem uma definição jurídica igual em todos os países, uma vez que a organização dos Estados varia, por serem unitários, federativos ou descentralizados. Assim, as denominações dessas entidades infra-estatais variam de acordo com o autor, podendo ser denominadas entidades subestatais, subnacionais, coletividades territoriais, autoridades locais, mas são sempre entidades que exercem funções territoriais e regionais semelhantes no Direito Interno de cada Estado (ROUSSET, 1998, p. 16). Na prática, estamos tratando de estados federados, regiões, comunidades autônomas, cantões, länder, departamentos, províncias, municípios, cidades, distritos, comunas ou seja qual for a denominação específica que essas entidades subnacionais recebem em seus respectivos países. Portanto, quando tratarmos da sistematização do objetivo central do trabalho, serão utilizados os conceitos específicos de estados federados e municípios, mas quando a referência for feita de maneira ampla, será utilizada a denominação de entidades subnacionais. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 10 Para um melhor entendimento do tema, o trabalho foi estruturado em três eixos de análise. O primeiro tem como objeto de estudo os processos que levaram a ascensão de entidades subnacionais como atores nas Relações Internacionais e como sujeitos no Direito Internacional Público. Para tanto, serão definidos conceitos fundamentais para o entendimento do tema, na área de Relações Internacionais, como paradiplomacia, e na área do Direito Internacional, como personalidade jurídica internacional. O segundo eixo se detém na análise dos estados federados como sujeitos parciais de Direito Internacional Público. Detalhando as doutrinas que sustentam esse reconhecimento e alguns casos existentes na atualidade. O terceiro eixo é dedicado ao estudo dos municípios como sujeitos parciais de Direito Internacional. A partir da constatação da existência da personalidade jurídica internacional dos estados federados, pretende-se buscar e analisar as raízes teóricas interpretativas que a doutrina do Direito Internacional Público oferece, a fim de constatar a possibilidade de afirmação da personalidade jurídica internacional dos municípios. Serão apresentados exemplos de casos que demonstram a viabilidade teórica deste reconhecimento. Clara Maria Faria Santos 11 2 ASCENSÃO DE ENTIDADES SUBNACIONAIS COMO ATORES NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E SUJEITOS NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 2.1 A perspectiva das Relações Internacionais A atuação de entidades subnacionais, incluindo os estados federados e os municípios, no cenário internacional remonta a tempos antigos, no entanto, no atual Sistema Internacional, este fenômeno ganhou destaque nas últimas décadas. A análise das Relações Internacionais foi a primeira a sentir o grande impacto da ascensão destes novos atores no cenário externo. Por isso, o estudo das Relações Internacionais, deixando de ter um enfoque exclusivo sobre a atuação dos Estados nacionais, passou a pesquisar mais a fundo a ascensão de novos atores no cenário externo, o que gerou um foco de interesse de análise das entidades subnacionais, principalmente no contexto da integração regional (HOCKING, 2004, p. 79). A ascensão das entidades subnacionais como atores internacionais está ligada às transformações que os processos de globalização e regionalização impuseram aos Estados, pois, na medida em que estes foram perdendo capacidade de promover o desenvolvimento local, as entidades subnacionais foram impulsionadas a procurar a solução para seus problemas internos fora das fronteiras nacionais (KEATING, 2004, p. 50). Mariano, K. e Mariano, M. (2006, p. 44), além da intensificação dos processos de globalização e regionalização, ligam a ascensão internacional das entidades subnacionais ao fim da ordem bipolar. O fim da bipolaridade é um fenômeno do final dos anos 80, quando o antagonismo Leste-Oeste baseado no equilíbrio de poder foi substituído por um cenário hegemônico tendendo à multipolaridade, tendo a liderança militar dos Estados Unidos e a divisão de poder econômico entre as demais potências mundiais (JOS, 2002, p. 7). Neste cenário internacional, além das entidades subnacionais, outros atores passaram a exercer papéis cada vez mais importantes, como as instituições multilaterais, empresas multinacionais e organizações nãogovernamentais. A aceleração do processo de globalização, nos anos 70, caracterizou o sistema internacional pela falta da implementação de uma nova ordem econômica mundial, reivindicada pelos países em desenvolvimento. O vácuo deixado pela continuidade de políticas liberais propiciou que atores econômicos, como as empresas transnacionais, O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 12 passassem a tratar o mundo como um espaço unificado, onde era possível desenvolver estratégicas de investimento, produção, comercialização, baseadas na especulação monetária ou financeira, tendo cada vez menos limite e controle (JOS, 2002, p. 8). A globalização, no entanto, deve ser entendida como um processo mais profundo, que envolve outros aspectos da vida internacional que não o econômico. Tal é o ensinamento de Santos (2003, p. 433), para quem a globalização é um processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de considerar como sendo local outra condição social ou entidade rival. Este processo é, então, um fenômeno multifacetado, com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais e religiosas interligadas de maneira complexa (SANTOS, 2002, p. 26). A integração regional, outro fator que influenciou a emergência dos entes subnacionais como atores internacionais, constitui-se num fenômeno que tem início na Europa nos anos 40, com o intuito de promover o comércio e o desenvolvimento regional por meio da integração entre os mercados nacionais. Nas lições de Hurrell (1995, p. 26), a regionalização diz respeito ao crescimento da integração da sociedade em uma região e aos processos muitas vezes não dirigidos de interação social e econômica. Como bem observa Blanes Sala (1996, p. 711), a formação de blocos econômicos, em especial a União Européia (UE), contribuiu para a limitação das soberanias nacionais, visto que os Estados constituintes objetivavam mais que a integração econômica, eles buscavam uma vasta zona de política comum. Neste sentido, a soberania foi se esvaziando na medida em que a UE notou que os verdadeiros responsáveis pelo sucesso das políticas econômicas e pelo respeito às liberdades de circulação eram os níveis subnacionais. Neste cenário consolidado, Kugelmas e Branco (2002, p. 179) entendem que as entidades subnacionais têm deixado de ser unidades administrativas voltadas à resolução interna de seus interesses, com uma autonomia restringida à sua fronteira nacional. Com a nova dinâmica imposta pela internacionalização e regulamentação dos mercados econômicos, elas passaram a assumir uma condição política, no sentido de definir relações e estratégias de desenvolvimento e afinidades regionais. Por isso, a crescente inserção das entidades subnacionais no cenário internacional tem como plano de fundo não somente as transformações ocorridas no cenário internacional ou dentro dessas regiões, mas também o declínio da capacidade estatal para controlar seus territórios e proteger o comércio local frente ao mercado global (KEATING, 2004, p. 53). Isto quer dizer, então, que os Estados nacionais vêm perdendo capacidade de atuar como agentes Clara Maria Faria Santos 13 promotores do desenvolvimento regional, transferindo essa responsabilidade para os níveis locais de governo (MARIANO; BARRETO, 2004, p. 22). No contexto da integração regional podemos verificar claramente o surgimento das entidades subnacionais como atores internacionais, pois, uma vez que as entidades subnacionais ganharam grande destaque, a União Européia procurou estabelecer uma ponte de interlocução e decisão direta com as entidades regionais e locais, passando por cima do que seria direito de intermediação exclusivo da entidade estatal soberana (BLANES SALA, 1996, p. 711). Um exemplo a ser lembrado é o Comitê das Regiões1 que, conforme ensina Stuart (2004, p. 119), foi uma resposta aos novos desafios da integração. Considerando que os processos de integração regional proporcionam maiores condições para o desenvolvimento das atividades externas das entidades subnacionais, é possível observar o surgimento da Rede de Eurocidades2 na UE e, no âmbito do Mercosul, a atuação da Rede de Mercocidades3. O incentivo à atuação internacional dos municípios é também promovido pelas Nações Unidas (ONU). Por uma Resolução da Assembléia Geral, “El hermanamiento de las cuidades como medio de cooperación internacional” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1971), a ONU encoraja a aproximação entre as cidades e considera que a cooperação internacional das entidades subnacionais tem uma grande importância na aproximação dos povos. Mais recentemente, os municípios vêm se articulando nas Nações Unidas pelo programa ONU-Habitat4, que possui diversos trabalhos de cooperação com governos locais para promover o desenvolvimento urbano sustentável. A ONU-Habitat em parceria com a 1 O Comitê das Regiões foi inicialmente previsto pelo art. 189 do Tratado de Maastricht de 1992, mas só institucionalizou-se em 1994. É formado por representantes dos poderes regionais e locais da União Européia e tem caráter consultivo, devendo ser acionado antes da adoção de decisões da UE que afetem diretamente os poderes regionais e locais no domínio da política regional, meio ambiente, educação e transporte. Disponível em: <http://europa.eu/institutions/consultative/cor/index_pt.htm>. Acesso em: 16 mar. 2007. 2 A rede Eurocidades foi fundada em 1986 e atualmente conta com mais 130 cidades associadas de grande porte, espalhadas em mais de 30 países na Europa. A Eurocidades busca promover uma rede internacional de cooperação entre os membros da UE e países vizinhos. O objetivo é desenvolver um permanente “diálogo territorial” na Europa, cobrindo políticas que afetam os governos locais e regionais. Disponível em: <http://www.eurocities.org/main.php>. Acesso em: 19 abr. 2007. 3 A rede Mercocidades foi fundada em 1995 e atualmente possui 181 cidades associadas da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile e Bolívia. O objetivo principal da rede é favorecer a participação dos municípios no processo de integração regional, promover a criação de um âmbito institucional para as cidades no Mercosul e desenvolver o intercâmbio e a cooperação horizontal entre as municipalidades da região. Disponível em: <http://www.mercocidades.org/index.php?module=htmlpages&func=display&pid=2>. Acesso em: 19 abr. 2007. 4 A ONU-Habitat, United Nations Human Settlements Programme, é uma agência das Nações Unidas para o desenvolvimento humano. É mantido pela Assembléia Geral para desenvolver cidades social e ecologicamente sustentáveis. Disponível em: <http://www.unhabitat.org/>. Acesso em: 10 abr. 2007. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 14 Associação Cidades e Governos Locais Unidos5, que vem intervindo de maneira cada vez mais significativa na formação de uma agenda para o programa da ONU, consolidam a atuação internacional dos municípios de forma organizada para a busca de seus interesses (SALOMÓN; CANO, 2006). Diante do fenômeno da atuação internacional das entidades subnacionais, muitos autores passaram a considerar essas unidades, incluindo os estados federados e os municípios, como atores internacionais, tais como Panayotis Soldatos e Saskia Sassen6. Mas, segundo Barbé (2003, p. 137-138), foi Richard W. Mansbach7 um dos primeiros autores a incluírem os atores subnacionais na listagem dos atores internacionais, classificados de acordo com a corrente transnacionalista como atores governamentais não centrais. Outros atores listados segundo esta corrente são os Estados; atores governamentais interestatais ou OIs; atores não governamentais interestatais, como empresas e organizações não-governamentais; atores intraestatais não governamentais, como partidos políticos, sindicatos; e os indivíduos. Convém invocar aqui Soldatos (1990, p. 34-35), que com precisão observa que o papel dos estados federados e de outras entidades subnacionais nas Relações Internacionais não é novo, tão pouco são as suas razões na atualidade. No entanto, a atividade externa das entidades subnacionais das sociedades industriais avançadas pode ser caracterizada como um novo fenômeno nos seguintes aspectos: primeiro, em termos qualitativos, essas atividades têm se realizado de forma mais direta e relativamente mais autônoma do que costumava ser, e têm se desdobrado sobre seus próprios recursos domésticos de serviço exterior e montantes financeiros para perseguir seus objetivos externos; segundo, em termos quantitativos, não há 5 A Associação Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), ou United Cities and Local Governments (UCLG), é uma rede de cidades criada em 2004 com o objetivo de ser uma porta voz dos municípios e de seus representantes ante a comunidade internacional, proporcionando um foro de intercâmbio para os governos subnacionais e um local para o desenvolvimento de políticas conjuntas. Difunde os valores locais, buscando o desenvolvimento, a democracia e a descentralização. Atualmente conta com mais de 1000 cidades membros diretos e 112 associações de governos locais. Disponível em: <www.cities-localgovernments.org>. Acesso em: 10 abr. 2007. 6 Cf.: SOLDATOS, Panayotis. Federalism and international relations: the role of subnational units. Oxford: Claredon Press, 1990; SASSEN, Saskia. The Global City: New York, London, Tokyo. Princeton: Princeton University Press, 2001; ALDECOA, Francisco; KEATING, Michael. Paradiplomacy in action: the foreign relations of subnational governments. Londres: Frank Cass Publications, 2000; MICHELMANN, Hans J.; HOCKING, Brian. Localizing foreign policy: non-central government and multilayered diplomacy. New York: St. Martin’s Press, 1993; CASTELLS, Manuel; BORJA, Jordi. As Cidades como atores políticos. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 45, jul. 1996. 7 MANSBACH, Richard W.; FERGUSON, Yale H.; LAMPERT, Donald E. The web of world politics: non-state actors in the global system. New Jersey: Prentice Hall, 1976. Clara Maria Faria Santos 15 precedentes no número das relações estabelecidas por esse tipo de entidade, seu ritmo tem acelerado enquanto que as suas esferas de atuação e contato têm aumentado. Portanto, diante da nova configuração da política internacional, surgida no pósGuerra Fria e consolidada pelos processos de globalização e regionalização, a análise das Relações Internacionais passou a se preocupar em entender o surgimento de novos atores no cenário internacional. Muitos analistas se dedicaram ao estudo de um novo ator em especial, as entidades subnacionais, pelo protagonismo que vêm assumindo na busca do desenvolvimento local pela via internacional. 2.1.1 Paradiplomacia A atuação das entidades subnacionais no campo das Relações Internacionais, como observa Bogéa Filho (2001, p. 28), tem formas variadas na intensidade, na freqüência e nos objetivos, sendo predominantemente econômicos, comerciais, técnicos, culturais e apenas parcialmente políticos. Corroborando a opinião de Bogéa filho, Lessa (2002, p. 24) identifica, dentre a infinidade de motivos que levam as entidades subnacionais a buscar uma inserção externa, no plano econômico: a promoção de investimentos, a ampliação de mercados, a intensificação de negócios entre empresas, a transferência ou absorção de tecnologia e o estímulo ao turismo; e em regiões contíguas: a implementação de programas mais duradouros de cooperação transfronteiriça, a promoção de obras de infra-estrutura e a resolução de problemas de interesse comum relativos à produção, ao comércio e ao meio ambiente. Nunes (2005, p. 9) complementa que os motivos da atuação das entidades subnacionais no plano externo também podem ser identificados pela emergência de alguns temas, em especial nos anos 90, de relevância para as administrações locais já que podem incidir em suas competências constitucionais ou trazer conseqüências sobre seus territórios, tais como mudanças climáticas, terrorismo, direitos humanos, AIDS e desenvolvimento sustentável. Duchacek (1990, p. 2) lembra ainda que temas mais antigos, como investimentos, transferência de tecnologia e energia, migração, tráfico de drogas e epidemias, passaram a exigir soluções integradas entre as entidades subnacionais e a agenda internacional dos países, constituindo-se em mais uma razão para a inserção internacional das entidades subnacionais. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 16 Entre os meios mais comuns utilizados por estas entidades para promover seus interesses e afirmar sua competência internacional no exterior, Duchacek (1990, p. 14) aponta: 1) o estabelecimento de escritórios permanentes de representação no exterior, em capitais ou centros comerciais e industriais, principalmente no intuito de estimular o comércio, atrair investidores e promover o turismo; 2) envio de missões para o exterior de governadores, prefeitos, líderes e outros representantes dos governos locais; 3) envio de missões de técnicos e profissionais com o objetivo de colher informações; 4) realização de feiras e exposições comerciais e industriais; 5) estabelecimento de zonas de comércio exterior e de cooperação internacional; e 6) participação de representantes dos governos subnacionais na preparação de conferências internacionais, ou mesmo na representação diplomática formal dos governos nacionais nas capitais estrangeiras. Observa-se, porém, que a atuação internacional das entidades subnacionais nem sempre encontra respaldo na política do governo central ou mesmo na legislação constitucional deste Estado. Assim, como bem percebeu Keinert (2002, p. 126), existe uma tensão nova nas relações entre o nível nacional e os níveis subnacionais, com estes tentando alargar prerrogativas, o que pode configurar-se como resgate de uma nacionalidade, de um idioma e de uma literatura ou pode significar apenas encontrar novas formas de conduzir seus assuntos próprios e de relacionamento com outros níveis governamentais, inclusive internacionais. A problemática do poder conduz à questão das competências respectivas ao Estado e às entidades subnacionais. Se de um lado os entes subnacionais parecem preocupados em defender as competências já adquiridas e até mesmo alargá-las, de outro lado, os Estados cuidam para que a ação exterior subnacional não usurpe suas competências soberanas, para que seus compromissos internacionais sejam respeitados e para que sua unidade e integridade territorial não sejam afetadas pela maior implicação das entidades subnacionais no sistema jurídico internacional (JOS, 2002, p. 29). Faz-se necessário, portanto, explicar que as ações externas das entidades subnacionais não se confundem com a política externa do Estado nacional. A atuação dos níveis locais de governo se dá de forma limitada, e as relações entre entidades subnacionais raramente interferem nas relações interestatais. A respeito, merecem ser registradas as palavras elucidativas de Vigevani (2006b, p. 105), para quem, na literatura e na práxis, apesar dos riscos, dificilmente identifica-se o conflito entre as políticas locais e a política exterior do Estado nacional. Clara Maria Faria Santos 17 Isto porque, os acordos firmados pelas entidades subnacionais, em geral, não lidam com temas que são restritos à União, como segurança nacional, guerra e paz, mas com temas que, dentro da sua esfera autônoma de ação, dizem respeito à administração e desenvolvimento local, como investimento, comércio e meio ambiente (DUCHACEK, 1990, p. 2). A propósito, Meersch e Ergec (1986, p. 305) afirmam que as Constituições que prevêem competência para os estados federados concluírem tratado o fazem com limites, justamente para que as atividades das entidades federadas não prejudiquem a coerência da política externa da federação. Ainda assim, para evitar os riscos de uma possível incoerência entre a política externa nacional e as ações externas das entidades subnacionais, é comum que as Constituições federais reservem para o governo central um tipo de controle sobre a atividade externa dos membros da federação. Entre outros, pode-se citar o caso dos Estados Unidos, que segundo a Constituição federal (ESTADOS UNIDOS DA ÁMERICA, 1787), art. 1º, seç. 10, ali. 3, os estados federados podem assinar compacts ou agreements desde que autorizados pelo Congresso nacional. Meersch e Ergec (1986, p. 305) avaliam, contudo, que na prática, esta exigência é interpretada de uma maneira flexível: somente devem ser submetidos à autorização do Congresso os acordos que contenham cunho político ou que avancem sobre a prerrogativa da autoridade federal. No mais, são freqüentes os acordos puramente técnicos que não são objeto de apreciação do Congresso, sem que essa omissão afete a validez do acordo. Diante das esferas de atuação nacional e subnacional, a literatura diferencia a política externa do Estado da paradiplomacia. Esta, nas lições de Cornago Prieto (2004, p. 251), pode ser definida como: O envolvimento de entidades governamentais subnacionais nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos formais e informais, permanentes ou provisórios (ad hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional. A paradiplomacia, portanto, não deve ser vista como concorrente da política externa, mas como uma forma de dinamizar a economia local, buscando oportunidades, recursos e soluções que essas entidades subnacionais não mais encontravam no âmbito nacional. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 18 2.2 A perspectiva do Direito Internacional Público A ascensão dos atores subnacionais no cenário global não é um fenômeno isolado. Diversas outras entidades têm atuado internacionalmente com diferentes propósitos e a tendência da teoria jurídica internacional, combinada com as novas idéias do sistema internacional, ao que Shaw (1997, p. 38) chamou de sofisticação da doutrina positivista, é romper com a ênfase exclusiva na atuação do Estado e reconhecer a participação efetiva desses novos atores como sujeitos de Direito Internacional Público. Da mesma forma que os teóricos de Relações Internacionais, os pesquisadores do Direito Internacional Público encontram as origens da flexibilização da doutrina no sentido de acolher novos sujeitos, nas mudanças ocorridas a partir da segunda metade do século XX. Como nos ensina Shaw (1997, p. 36), o Direito Internacional, assim como o Interno, é reflexo dos valores sociais, econômicos e políticos da sociedade que os aplica, dessa forma, o seu desenvolvimento vai ao encontro das noções prevalecentes de Relações Internacionais, pois a sua sobrevivência depende da harmonia com a realidade de seu tempo. O desenvolvimento das sociedades, observa com muita propriedade Shaw (1997, p. 36), provoca consequentemente uma contínua tensão entre as regras já estabelecidas e as idéias que procuram mudanças no sistema, assim, um dos principais problemas do Direito Internacional é determinar quando e como incorporar novos padrões de comportamento e as novas realidades na sua estrutura já existente, de forma que o direito permaneça atual e o sistema não se torne demasiado corrompido. É fato, porém, que o Sistema Internacional tem uma nova realidade que, na visão de Jos (2002, p. 8), provocaram sobre o Direito Internacional modificações de ordem quantitativa e qualitativa. As transformações quantitativas são representadas pela proliferação de instituições e normas, ensejando uma crescente “jurisdização” da vida internacional. Isto explica, por exemplo, o surgimento de novas ramificações do Direito Internacional, como Direito Internacional do Meio Ambiente, Direito Econômico Internacional, Direito Penal Internacional. Enquanto que, as transformações qualitativas são sentidas pelo reconhecimento dos atores internacionais da necessidade da regulação da vida coletiva pelos princípios, pelas instituições, pelas regras coordenadas, assim como pelas fontes claramente identificadas e aceitas (JOS, 2002, p. 9). Ou seja, há um sentimento cada vez mais compartilhado de que as Clara Maria Faria Santos 19 Relações Internacionais devem ser regidas por um certo número regras, que conferem direitos e obrigações, dotadas de aceitação comum. Em mais uma contribuição para o tema, Jos (2002, p. 9) pontualmente observa que a nova realidade do Sistema Internacional é marcada ainda pela predominância dos Estados, mas umas das suas principais evoluções é a diversificação de seus atores e em certa medida de seus sujeitos de direito. Atualmente, as pessoas de Direito Internacional Público são, na listagem de Mello (2004, p. 350): 1) coletividades estatais, incluindo o Estado federal, Confederação de Estados, Uniões de Estados, Commonwealth, Estados compostos por subordinação, Estados exíguos, protetorados, Estado vassalo, Estados clientes, Estados satélite e Estados Associados; 2) coletividades interestatais, são as Organizações Internacionais; 3) coletividades não estatais, incluindo os beligerantes, os insurgentes, as nações, a Santa Sé, territórios sob mandato e tutela internacional, a Soberana Ordem de Malta, Comitê Internacional da Cruz Vermelha, territórios internacionalizados, sociedades comerciais; 4) o indivíduo. Segundo os ensinamentos de Mello (2004, p. 375), os membros de um Estado federal apenas excepcionalmente podem ser considerados sujeitos de Direito Internacional. Isso ocorre nos casos em que o Estado reserva a seus membros constituintes competência em matéria internacional. No entanto, como veremos a diante, existem outras interpretações, e uma das mais aceitas entende que os estados federados são sujeitos de Direito Internacional desde que suas relações com o exterior sejam autorizadas pelo governo federal e sejam reconhecidas pela comunidade internacional. Assim, no que se refere às entidades subnacionais, a Federação parece ser a forma mais propícia para a atuação de suas partes constituintes no cenário global, pois lhes proporciona autonomia para administrar os seus interesses. Contudo, não se deve esquecer que há países os quais, mesmo não tendo adotado a forma federativa, reservam em suas constituições competências exclusivas aos níveis subnacionais. Este é o caso, por exemplo, da Espanha, que, não sendo formalmente federal, permite grande autonomia a três de suas unidades subnacionais, a Catalunha, o País Basco e a Galícia (KUGELMAS; BRANCO, 2002, p. 169), inclusive autorizando constitucionalmente que suas comunidades autônomas estabeleçam relações exteriores. Enfim, temos uma nova realidade do Sistema internacional, entendida num contexto no qual as concepções tradicionais de atuação única dos Estados nacionais no plano externo têm dado lugar a sistemas de administração descentralizada propiciando a atuação internacional de entidades subnacionais. A incorporação de novos sujeitos de direito parece O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 20 ser a tendência do Direito Internacional, que para se adaptar ao contexto externo, passa cada vez mais a criar normas para o relacionamento dos atores internacionais. Nesse contexto, o reconhecimento da personalidade jurídica internacional das entidades subnacionais, sublinhando aqui os municípios, torna-se fundamental para a estabilidade das relações externas geridas por estas unidades na busca do desenvolvimento local dentro do exercício das suas competências internas. Antes de iniciar efetivamente o estudo da personalidade internacional dos estados federados e municípios, é preciso que alguns conceitos sejam definidos. O primeiro deles diz respeito ao próprio conceito de personalidade jurídica internacional. 2.2.1 Personalidade Jurídica Internacional O objetivo deste trabalho é reconhecer que os municípios podem possuir personalidade jurídica internacional, ou seja, podem ser considerados sujeitos de Direito Internacional Público. Vejamos o que se entende por este conceito. Sobre o assunto, Reale (2002, p. 227) explica que numa relação jurídica, duas ou mais pessoas ficam ligadas entre si por um laço que lhes atribui, de maneira proporcional ou objetiva, poderes para agir e deveres a cumprir. O titular, ou seja, aquele a quem cabe o dever a cumprir ou o poder de exigir, ou ambos, é que se denomina sujeito de direito. Montoro (2005, p. 525) nos ensina que todo direito possui, então, pelo menos, dois sujeitos: um ativo, outro passivo. O ativo é o titular do direito subjetivo, é aquele que tem a prerrogativa de exercê-lo e exigir a prestação assegurada pela ordem jurídica; e o passivo é a pessoa obrigada a realizar a prestação. Em sentido amplo, “sujeito de direito” inclui os dois casos e pode ser definido como o titular de direitos e obrigações na relação jurídica. Ao conceito de pessoa liga-se a idéia de personalidade. Montoro (2005, p. 567) entende que personalidade é a aptidão fundamental para ser sujeito de direitos e obrigações. Por sua vez, Diniz (2002, p. 116) detalha o assunto, explicando que sendo a pessoa natural ou jurídica sujeito das relações jurídicas e a personalidade a possibilidade de ser sujeito, ou seja, uma aptidão a ele reconhecida, toda pessoa é dotada de personalidade. Os municípios, assim como os estados federados e a União, são classificados como pessoas jurídicas de Direito Público Interno (MONTORO, 2005, p. 580), ou seja, entidades Clara Maria Faria Santos 21 que visam à consecução de certos fins, a quem a ordem jurídica atribui capacidade para ser titular de direitos e deveres (DINIZ, 2002, p. 206). A capacidade é a maior ou menor extensão dos direitos da pessoa. A capacidade das pessoas jurídicas estende-se a todos os campos do direito compatíveis com sua natureza (MONTORO, 2005, p. 582). Adverte Reale (2002, p. 232) que se, em sentido amplo, poderíamos estabelecer uma sinonímia entre personalidade e capacidade, sendo a personalidade a capacidade in abstracto de ser sujeito de direitos ou obrigações, ou seja, de exercer determinadas atividades e de cumprir determinados deveres decorrentes da convivência em sociedade; em sentido estrito e próprio, no entanto, o conceito de capacidade não se confunde com o de personalidade; a palavra capacidade por si mesma indica uma extensão do exercício da personalidade, como que a medida da personalidade em concreto. Assim, nem todas as pessoas jurídicas possuem a mesma capacidade, isto é, a possibilidade de exercer certos atos e por eles serem responsáveis. Isto porque a capacidade pressupõe certas condições de fato que possibilitam o exercício de direitos (REALE, 2002, p. 232). Sendo a idéia de sujeito de direito todo ente que possui direitos e deveres perante determinada ordem jurídica, diz Mello (2004, p. 345), pessoas internacionais são, então, os destinatários das normas jurídicas internacionais. Para o conceito de sujeito de Direito Internacional, porém, é possível encontrar diferentes definições. Barberis (1984, p. 19) descreve duas teorias a partir das quais, ponderando sobre seus pontos fortes e fracos, propõe um conceito de sujeito de direito que permite superar as falhas das teorias citadas e propiciar um conceito coerente com a realidade jurídica internacional. A primeira delas é a Teoria da Responsabilidade, defendida principalmente por Constantin Eustathiades8 e Wilhelm Wengler9. Para Eustathiades (EUSTATHIADES, apud BARBERIS, 1984, p. 23) é sujeito de direito aquele que se encontra em uma das duas situações: 1) ser titular de um direito e poder fazê-lo valer mediante reclamação internacional; 2) ser titular de um dever público e ter a capacidade de praticar um delito internacional. O que ambos têm em comum é a responsabilidade. Por sua vez, Wengler (WENGLER, apud BARBERIS, 1984, p. 23-24) entende que há uma distinção entre o ato antijurídico, ou delito, 8 Cf. : EUSTATHIADES, Constantin T. Les Sujetos du Droit International et la Responsabilité Internationale: nouvelles tendances. Recueil des Cours, Haya, v. III, 1953, p. 397-633. 9 Cf.: WENGLER, Wilhelm. Der begriff des Völkerrechtssubjektes im Lichte der Politischen Gegenwart, Die Friedens-Warte, t. 51, 1951/53. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 22 de um lado, e a responsabilidade, do outro, sendo que o ato antijurídico é o antecedente de uma sanção, enquanto que responsabilidade é ser destinatário dela, independentemente de ter sido ou não o ato antijurídico. Assim, para Wengler, é sujeito de direito aquele que pode ser destinatário de uma sanção internacional. Por outro lado, há a Teoria Pura do Direito, formulada por Hans Kelsen10. Barberis (1984, p. 20) explica que o conceito de sujeito de direito para esta teoria está vinculado à noção de validez pessoal da norma jurídica. Desta forma, para que um indivíduo seja sujeito de direito, é suficiente que uma norma da ordem jurídica preveja que uma de suas condutas contenha direitos e deveres. Para Kelsen (KELSEN, apud BARBERIS, 1984, p. 22), as normas de Direito Internacional, como qualquer outra ordem jurídica, regulam sempre as condutas humanas, de uma forma direta ou indireta. Desta forma, a Teoria Pura considera sujeitos da ordem jurídica internacional toda entidade ou indivíduo que seja destinatário direto desta ordem. Assim quando se diz que uma entidade ou uma pessoa jurídica é destinatária direta de uma norma de Direito das Gentes, significa que esses indivíduos têm um direito ou um dever coletivo e que suas condutas estão reguladas somente indiretamente pela ordem jurídica internacional (BARBERIS, 1984, p. 22). Argumentando contra a concepção da Teoria da Responsabilidade, Barberis (1984, p. 24) observa que o direito regula determinadas condutas como permitidas, proibidas ou obrigatórias, isto quer dizer que quando um indivíduo está juridicamente autorizado a fazer algo, ou está proibido de determinado ato ou é obrigado a cumprir determinada prestação, sua conduta, como homem, encontra-se regulada pela ordem jurídica; mas, quando a norma jurídica o faz destinatário de uma sanção, não se pode dizer que a ordem jurídica regula sua conduta como homem, pois a sanção é um ato coercitivo que a autoridade impõe ao indivíduo independentemente de sua vontade, portanto, não se trata de um ato do indivíduo e não se pode dizer que neste caso o direito regula a conduta do sancionado. Seria, então, incoerente pensar numa situação em que uma norma jurídica preveja sanções aos indivíduos, ou seja, a responsabilidade, sem atribuí-lhes nenhum direito ou obrigação. Por sua vez, a Teoria Pura do Direito é o ponto de partida para a determinação de sujeito de direito para Barberis. O autor (BARBERIS, 1984, p. 25) esclarece que esta teoria falhou em especificar dois pontos, primeiramente em determinar se o sujeito de direito é aquele cuja conduta está prevista na ordem jurídica como conteúdo de direitos e obrigações, 10 Cf.: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7. ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006; e KELSEN, Hans. Principios de derecho internacional público. Tradução para o espanhol de Hugo Caminos e Ernesto C. Hermida. Buenos Aires: El Ateneo, 1965. Clara Maria Faria Santos 23 ou basta que seja de direitos ou obrigações; e em segundo lugar, a teoria de Kelsen falhou em especificar o que se entende por destinatário direto de uma norma internacional que outorgue um direito ou imponha uma obrigação. Partindo das lacunas deixadas pela teoria de Kelsen, Barberis sugere uma concepção que nos parece ser a mais acertada. Segundo o autor (BARBERIS, 1984, p. 25), sujeito de Direito Internacional é aquele cuja conduta está prevista direta e efetivamente pelo Direito das Gentes como conteúdo de um direito ou de uma obrigação. O titular de um direito ou obrigação pode ser não quem figura como tal em um tratado, mas quem efetivamente faz valer o direito e assume a obrigação. Barberis (1984, p. 26) ainda esclarece que a obrigação não se confunde com a responsabilidade. Quem assume efetivamente uma obrigação é quem cumpre a prestação e, em caso de descumprimento, paga as indenizações, interesses ou prejuízos correspondentes. Diante desta definição, surge o questionamento de como determinar se uma entidade subnacional é destinatária direta e efetivamente de um direito ou uma obrigação do Direito Internacional. Em outras palavras, procuramos determinar as situações nas quais as relações externas das entidades subnacionais são regidas pelo Direito Internacional Público, de forma que estas entidades possam ser reconhecidas como sujeitos parciais de Direito Internacional. Como vimos, as entidades subnacionais são pessoas jurídicas de Direito Público Interno, exercendo normalmente funções de administração interna. No entanto, essas entidades vêm atuando cada vez mais no cenário internacional, estabelecendo contatos e celebrando acordos com entidades estrangeiras. Então, as relações entre os sujeitos subnacionais com entidades internacionais são regidas por qual ramo do direito? O direito divide-se tradicionalmente em público e privado. Montoro (2005, p. 147) explica que essa divisão se faz para melhor ordenar a vida social. Assim, as relações sociais em que o Estado11, como tal, é parte, são reguladas pelo Direito Público; as relações dos particulares entre si são reguladas pelo Direito Privado. Montoro (2005, p. 147) esclarece que o Direito Público regula a organização e a atividade do Estado considerado: em si mesmo; em suas relações com os particulares; e em suas relações com outros Estados. O autor (MONTORO, 2005, p. 148) explica que o Estado 11 O sentido de Estado utilizado aqui por Montoro (2005, p. 148) é amplo, entendido como: 1) o Poder Público representado, no Brasil, pela União, estados, municípios e pelas suas ramificações, como os ministérios, secretarias, departamentos etc.; extrapolando para outros países, teríamos o poder central ou federal; os poderes descentralizados, como estados, províncias, regiões, comunidades; e o poder local, como os municípios, comunas e coletividades; 2) as autarquias e outros órgãos, que têm personalidade jurídica distinta do Estado; 3) as Organizações Internacionais. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 24 também pode figurar como um simples particular, em casos especiais, nos quais participa de uma transação jurídica, não na qualidade de Poder Público, como no caso em que, por exemplo, locatário de um prédio, ele figura na condição de inquilino, sujeito, como os demais, ao Direito Privado. Dentro do Direito Público encontra-se ainda a divisão entre o Direito Interno e o Direito Internacional. Accioly (2002, p. 1) pondera que o primeiro se destina a reger as relações jurídicas no interior do sistema jurídico nacional, enquanto que o segundo, as relações entre os diferentes sistemas nacionais, englobando os Estados, Organizações Internacionais e demais atores internacionais. Montoro (2005, p. 484) comenta que o Direito Internacional Público, como qualquer outro ramo do direito, é uma regra de vida social, aplicável à comunidade ou à sociedade internacional, visando o bem comum. O Direito Internacional tem também uma vertente Privada, a qual regula as relações entre particulares revestidas de elementos de estraneidade. Destas classificações, então, é possível concluir que as relações internacionais dos governos subnacionais com Estados nacionais estrangeiros; com Organizações Internacionais ou entre si só poderiam ser reguladas pelo Direito Internacional Público, uma vez que se tratam de entidades do Poder Público estabelecendo contatos com sistemas jurídicos estrangeiros para o exercício de uma função pública, que normalmente se traduz na celebração de acordos para a promoção e o desenvolvimento local. Entretanto, não podemos caracterizar os acordos externos feitos pelas entidades subnacionais de maneira simplificada, pois acordos internacionais regidos pelo Direito Internacional Público, denominados aqui de tratados, só são válidos se as partes contratantes forem reconhecidas como pessoas de Direito Internacional. Isto é o que nos indicam Dinh, Daillier, e Pellet (2001, p. 192) ao lembrarem que a condição fundamental para a celebração de um acordo regido pelo Direito Internacional é a qualidade de sujeito Direito Internacional. Comentam os autores (2001, p. 192): Se os autores de um ato jurídico intitulado tratado não são sujeitos de Direito Internacional, a ausência de capacidade internacional põe o problema da existência deste ato enquanto tratado, nas não o da sua validade. O ato já não corresponde à definição estrita do tratado, mas pode ser válido enquanto ato jurídico. Assim, para determinarmos se as relações externas concluídas por entidades subnacionais são regidas pelo Direito Internacional Público e, portanto, se estas entidades são sujeitos parciais do Direito das Gentes, é preciso saber se estas entidades são capazes de Clara Maria Faria Santos 25 assumir direitos e deveres no cenário internacional, tal como a Corte de Justiça Internacional em parecer consultivo (1949, p. 179), definiu pessoa jurídica internacional com a qual a concepção de Barberis vai ao encontro. Segundo a CJI, pessoa jurídica internacional é aquela que tem a capacidade para ser o titular de direitos e deveres de acordo com o Direito Internacional e que tem a capacidade de fazer prevalecer os seus direitos por meio de reclamação internacional. Esclarecendo que (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 1949, p. 179, nossa tradução), “os sujeitos de direito em um sistema legal não são necessariamente idênticos em sua natureza ou na extensão de seus direitos, e a sua natureza depende das necessidades da comunidade.”12 Fica claro, diante deste parecer, que a capacidade internacional não é atributo exclusivo dos Estados e não oferece o mesmo alcance para todas as pessoas jurídicas internacionais, de forma que cada um desses sujeitos tem limitações de acordo com a sua natureza. Nesse sentido, diferentes sujeitos terão diferentes direitos e deveres. A personalidade é, então, um fenômeno relativo que varia de acordo com as circunstâncias, envolvendo sempre o julgamento e a percepção do contexto, da natureza e das necessidades da comunidade internacional como um todo (SHAW, 1997, p. 138). Os governos subnacionais, então, possuindo capacidade para firmarem acordos internacionais regidos pelo Direito Internacional Público, assumem direitos e obrigações no plano internacional. A partir deste momento, pode-se reconhecer a personalidade jurídica internacional destas entidades, pois se tornam destinatárias diretas de regras do Direito Internacional Público. Barberis (1984, p. 25, nossa tradução) coloca a questão da seguinte forma: Determinar se uma província, um Cantão ou um Länder é sujeito de direito internacional eqüivale a determinar se existem casos em que suas obrigações e seus direitos no plano exterior são diferentes dos que, em última instância, é titular o Estado federal. Se esta distinção existe, o Estado membro é um sujeito de direito internacional.13 12 No original: “the subjects of law in any legal system are not necessarily identical in their nature or in the extent of their rights, and their nature depends upon the needs of the community.” 13 No original: “determinar si una provincia, un cantón o un Land es sujeto de derecho de gentes equivale a precisar si existen casos en que sus obligaciones o sus derechos en el plano internacional son distintos de los que, en última instancia, es titular el Estado federal. Si esta diferencia existe, el Estado miembro es sujeto de derecho internacional.” O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 26 Para Barberis, sujeito de Direito Internacional é aquele que possui competências exclusivas para lidar com determinado assunto no exterior. Desta forma, estados federados e municípios que possuem esfera de ação diferente do Estado federal podem ser considerados pessoas internacionais, uma vez que não tendo o Estado competência para lidar com determinados temas, resta à entidade subnacional tratar do assunto, recorrendo inclusive a relações externas, sendo assim sua capacidade internacional reconhecida pelo Estado nacional. Desta forma, tendo as entidades subnacionais capacidade jurídica internacional reconhecida, podem ser consideradas pessoas do Direito das Gentes, pois suas relações exteriores, neste caso, são regidas diretamente pelo Direito Internacional Público, ou seja, são capazes de assumir direitos e deveres no cenário internacional. Dessa forma, as entidades subnacionais, como afirma diversos autores, podem ser sujeitos parciais de Direito Internacional, desde que sua capacidade internacional seja reconhecida. As condições para o reconhecimento dessa capacidade, entretanto, não são consenso entre os autores. Suscita-se, então, o seguinte questionamento: quais são as condições que determinam a capacidade jurídica internacional das entidades subnacionais, de forma que essas entidades sejam destinatárias diretas de regras do Direito Internacional e, portanto, sujeitos de Direito Internacional Público? Para responder a esse questionamento, analisaremos mais detalhadamente a questão da personalidade jurídica internacional dos estados federados na doutrina do Direito Internacional e, ao cuidar dela, responderemos à questão acima formulada, especificamente no item dedicado à capacidade internacional das entidades subnacionais (3.2.1). Clara Maria Faria Santos 27 3 OS ESTADOS FEDERADOS E A PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL 3.1 Os estados federados O reconhecimento da personalidade jurídica dos municípios não é um debate freqüente no Direito Internacional, isto porque o estudo dos estados federados como sujeitos de Direito Internacional Público teve até recentemente maior atenção dos estudiosos. Isto se explica em parte, por que os Estados federais são classificados como estados compostos por coordenação, assim como as uniões reais, as uniões pessoais e as confederações, enquanto que os membros federados são considerados entidades dependentes ou subordinadas a um Estado, tal como o foram os protetorados, colônias, possessões, mandatos, territórios sob administração, entre outros. Em virtude do estudo da personalidade jurídica internacional das uniões pessoais e reais ter sido de grande interesse durante muito tempo, assim como o estudo da personalidade jurídica internacional das colônias e protetorados durante o predomínio de impérios coloniais na Ásia e África (FELDMAN, 1985, p. 376) e o estudo da personalidade internacional dos estados federados, após a Segunda Guerra, quando da participação de repúblicas da extinta URSS, Bielo-Rússia e Ucrânia, nas Nações Unidas14, então, as entidades dependentes, no contexto conflituoso que permeou todo o século XX, tiveram mais destaque nas Relações Internacionais e acabaram por ter maior interesse de estudo para o Direito Internacional Público que unidades menos expressivas para a época, como os municípios. O conceito de Estado federal pode ser entendido diante da contraposição de suas especificidades com as características do Estado unitário e da Confederação de Estados. Para cada uma dessas duas composições estatais, encontramos uma diferença fundamental com relação à organização do Estado federal, no que concerne respectivamente ao Direito Constitucional e ao Direito Internacional. 14 Diz Accioly (1956, p. 131) que, em fevereiro de 1944, uma emenda à Constituição soviética conferiu a cada república da União o direito de entrar em relações diretas com Estados estrangeiros, concluir acordos e trocar representantes diplomáticos com eles. O fim visado era talvez conseguir que algumas dessas partes da União soviética, apesar de não gozarem de verdadeira autonomia interna, em face do poder supremo soviético, viessem a figurar como unidades à parte na organização mundial que se previa devesse constituir-se logo após o término da guerra ainda em curso. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 28 Enquanto que no Estado unitário o poder central reserva para si maiores competências em detrimento de suas partes constituintes, no Estado federal, a divisão de competências é mais ampla. Le Fur (1896, p. 47) explica que os Estados federativos conservam, com atribuições mais ou menos reduzidas, um governo central cujas decisões atingem todos os membros naquilo que está inscrito nos limites de sua competência, e cada membro exerce influência sobre o poder central. A diferenciação entre os Estados confederados e os Estados federais se faz pela existência de soberania externa das partes constituintes. Isto significa que, nas Confederações, os seus membros conservam a personalidade internacional, enquanto que, nas Federações, a personalidade das partes é cedida ao poder central. Assim definem Silva e Accioly (2002, p. 88-89): Confederação de Estados é uma associação de Estados Soberanos, que conservam integralmente sua autonomia e sua personalidade internacional e, para certos fins especiais, cedem permanentemente a uma autoridade central uma parte de sua liberdade de ação. [...] Estado Federal é a união permanente de dos ou mais Estados, na qual cada um deles conserva apenas sua autonomia interna, sendo a soberania externa exercida por um organismo central, isto é, pelo governo federal, plenamente soberano nas suas atribuições, entre as quais se salientam a de representar o grupo nas relações internacionais e a de assegurar a sua defesa externa. Portanto, como observa Baracho (1986, p. 21), a teoria jurídica do Estado federal determina-se pelos poderes constituídos da soberania, que dá personalidade jurídica de Direito Público à União, e da autonomia, que caracteriza os estados membros como entidades federativas componentes. Essas concepções são, contudo, tradicionais e não levam em consideração as mudanças no Sistema Internacional, que ocasionaram importantes transformações na organização do Estado. Por isso, encontramos Estados unitários que reservam grande autonomia para suas partes constituintes, como Portugal e Espanha, e Estados federativos que dividem com seus membros federados a competência para manter relações externas. A nova realidade, que abrange a crescente atuação das unidades federadas no plano externo, possibilitou que novas interpretações da teoria do federalismo surgissem. Kugelmas e Branco (2002, p. 163) afirmam que há um abismo entre os modelos clássicos de federalismo e o que vem sendo concretamente praticado na experiência de vários países, sugerindo que isso se tornou um desafio às teorias historicamente consagradas ao limite de ser necessário uma reformulação destas. Clara Maria Faria Santos 29 Kugelmas e Branco (2002, p.166) acuradamente registram que a realidade contemporânea vem alterando amplamente os referenciais teóricos e os ordenamentos constitucionais, visto que os governos subnacionais vêm atuando externamente de maneira ativa em vários países, mesmo no caso das circunscrições administrativas dos países unitários15. E mais adiante acrescentam (KULGEMAS; BRANCO, 2002, p.166, grifo dos autores): Isso tem mostrado que não é porque as unidades federadas estão atuando na cena internacional, que os países federativos estão deixando de sê-lo, se nos detivermos em uma definição rigorosa. O fato é que a realidade contemporânea vem moldando novas relações entre o Estado federal e suas unidades constituintes. Um rápido panorama das relações exteriores dos Estados federais tem indicado um cenário fluido e mutável, nos quais as possibilidades de atuação externa das unidades subnacionais são distintas de país a país. [...] Num certo sentido é possível especular que alguns pressupostos típicos dos sistemas confederados possam estar ganhando força. Num sentido mais específico, Bogéa Filho (2001, p. 23) destaca que o Direito Internacional também parece refutar a distinção entre Federação e Confederação feita pela Ciência Política a partir da competência sobre política externa: Segundo os ensinamentos de direito internacional, uma unidade federativa de um Estado federal pode atuar diretamente no cenário internacional e nem por isso o Estado a que pertence deixará de ser uma federação e passará a uma confederação, como indicariam os estudiosos em ciência política. O federalismo possibilita um maior espaço de atuação para os componentes subnacionais de um Estado, pois atribui a esses componentes a autonomia para lidarem com assuntos de seu interesse. Em alguns casos, a Constituição federal chega a reservar matérias de atribuição exclusiva às partes federadas. Assim define Rezek (2002, p. 225): Dizem-se autônomas as unidades agregadas sob a bandeira de todo Estado federal. Variam seus títulos oficiais – províncias, estados, cantões, repúblicas – e varia, sobretudo, o grau de sua dependência da união a que pertencem. 15 Sobre esse tema, kugelmas e Branco (2002, p. 166) observam ainda que: “Embora o federalismo apresente em sua estrutura uma forma de organização de poder descentralizada e, talvez, mais democrática, é a forma unitária que continua sendo a mais adotada. O sistema unitário é caracterizado pela centralização do poder político, com o governo central controlando toda a vida política do Estado. Podemos apontar entre as causas de sua vigência, o tamanho diminuto da maioria dos países, um passado de formação nacional relativamente homogêneo, sociedades com um nível de eqüidade socioeconômica equilibrada, um controle mais efetivo da unidade nacional, em meio a um passado de conflitos internos e por guerras e rivalidades com estados vizinhos.” O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 30 No caso da ação externa das entidades subnacionais como já havia comentado Verdross, limita-se às matérias de sua autonomia interna. Meersch e Ergec (1986, p. 304) comentam que o Direito Internacional não limita em nada a capacidade dos estados federados de concluírem tratados, ou seja, que as limitações de ordem interna são inoperantes na ordem jurídica internacional. Mas ao se observar o Direito Interno, de uma maneira geral, a competência para celebrar tratado da autoridade central não é atingido pela repartição de competências legislativas entre a Federação e os estados membros. Isto quer dizer que, as entidades subnacionais, em geral, atuam internacionalmente apenas dentro das suas competência internas. A concepção contemporânea de federação, expõe Bogéa Filho (2001, p. 25), tem provocado a adaptação da legislação de diversos Estados no sentido de ensejar a participação dos seus membros constituintes na formulação e na implementação de políticas voltadas para os interesses externos destas entidades federadas; visto que, os imperativos da interdependência entre as nações estendeu a busca de soluções externas para problemas internos locais. Isto permitiu o fortalecimento do papel dos governos locais, estaduais e municipais, ampliando suas competências externas, pois, por serem instâncias mais próximas dos cidadãos, conhecem melhor as condições locais e o que é necessário para aumentar o bem-estar da sua população. Para Keinert (2002, p. 125), a redefinição do federalismo, relativa aos modos institucionais de oferecer às partes constituintes dos Estados maiores possibilidades de tomar iniciativas de acordo com seus interesses, é decorrente dos processos de integração regional, assim como de um relativo enfraquecimento dos Estados nacionais enquanto detentores únicos de soberania, dos processos de reforma desses Estados na direção da descentralização e do anseio de maior participação da sociedade civil nas decisões do que se entende por globalização. 3.2 A personalidade jurídica internacional dos entes federados segundo as doutrinas de Direito Internacional A Federação, como estudado no capítulo anterior, é a forma de Estado que oferece melhores condições à atuação de suas partes constituintes, embora não a única, por assegurar na Constituição federal a autonomia e, em muitos casos, a competência internacional para Clara Maria Faria Santos 31 seus membros federados. Pretende-se agora relatar o que a doutrina de Direito Internacional discorre sobre a personalidade jurídica internacional das entidades subnacionais, com destaque para os estados federados. Embora não seja consensual, a discussão a respeito da capacidade internacional de entes federados não é recente. Ela tem sido debatida por muitos teóricos do Direito e chegou a ser matéria de interesse em pareceres da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas16 nas sessões preparatórias para a assinatura da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Lauterpacht (1953, p. 95), em seu relatório sobre o Direito dos Tratados da Comissão de Direito Internacional, tece oportunas considerações sobre o assunto ao discorrer que não é necessário, ou talvez apropriado, refutar o caráter de tratado a um instrumento pela mera razão de haver partes neste acordo membro constituinte de um Estado federal, desde que a Constituição deste Estado autorize suas partes constituintes a celebrarem acordos com outras unidades federadas ou com Estados soberanos. O relator (LAUTERPACHT, 1953, p. 139) pondera ainda que a atribuição, pela lei constitucional do Estado em questão, do treaty-making capacity aos membros federados se equipara a uma delegação de poder do governo central, na ausência de tal autoridade conferida pelo Estado federal, os entes federados não são dotados de poder para concluir tratados; este fato é enfatizado no ocasional requerimento de expressa autorização pela autoridade federal e em conformidade com o interesse de outros membros da Federação17. E mais adiante, Lauterpacht (1953, p. 95) discorre que não tem havido disposição nas cortes de justiça nacionais no sentido da refutação destes acordos feitos por estados federados 16 Estabelecida em 1948, a Comissão de Direito Internacional analisa e opina sobre o desenvolvimento e a codificação do Direito Internacional. A Comissão conta com 34 membros eleitos para um mandado de cinco anos e realiza sessões anuais em Genebra, na Suíça. Na sua primeira sessão, em 1949, a Comissão deu grande prioridade para a codificação do Direito dos Tratados, que foi matéria da segunda, terceira, oitava e da 13ª a 18ª sessões em 1950, 1951, 1956, 1959 e de 1961 a 1966. A Comissão indicou sucessivamente J. L. Brierly, Hersch Lauterpacht, Gerald Fitzmaurice e Humphrey Waldock como os Relatores Especiais para esse assunto na primeira, quarta, sétima e décima terceira sessões em 1949, 1952, 1955 e 1961, respectivamente. Disponível em: <http://www.un.org/law/ilc/index.htm>. Acesso em: 19 abr. 2007. 17 Lauterpacht continua (1953, p. 139): “For according to international law it is the Federation which, in the absence of provisions of constitutional law to the contrary, is the subject of international law and international intercourse. It follows that a treaty concluded by a member state in disregard of the constitution of the Federation must also be considered as having been concluded in disregard of the limitations imposed by international law upon its treaty-making power. As such it is not a treaty in the contemplation of international law. As a treaty, it is void. Moreover, as unlike in the case of protected States a State member of a Federation is not prima facie a subject of international law, it would seem that there is in this case no question of the treaty being merely voidable at the option of the Federal State.” O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 32 o caráter de tratados. Em geral, as relações entre membros de federações têm sido consideradas pelos supremos tribunais em questão governadas pelo Direito Internacional. Por sua vez, em seu Terceiro Relatório sobre o Direito dos Tratado, Fitzmaurice (1958, p. 24) concluiu que as unidades federadas atuam como agentes da federação, sendo esta a única possuidora da personalidade internacional e responsável pelo tratado e por sua implementação. Posteriormente, Waldock (1962, p. 37), no seu Primeiro Relatório sobre o Direito dos Tratados, afirmou que embora em certos tipos de federação, acordos entre as partes constituintes possam parecer similares a tratados, não parece ser apropriado classificar esses acordos como um exercício da capacidade internacional para celebrar tratados. Por outro lado, talvez possa ser ir muito longo em direção contrária negar toda e qualquer possibilidade de uma capacidade para celebrar tratados independente para o estado componente de uma Federação, especialmente naqueles casos onde a legislação constitucional e Estados estrangeiros reconhecem ao estado federado como possuidor de uma certa medida de personalidade internacional e, embora os exemplos não sejam numerosos, são importantes para o Direito dos Tratados. Destas discussões resultou que a redação preliminar da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, nossa tradução), era explicita ao reconhecer a capacidade internacional dos membros de uma federação, o art. 5º, par. 2º seria assim redigido: “Estados membros de uma união federal podem possuir capacidade para concluir tratados se essa capacidade for admitida pela constituição federal, e dentro dos limites por ela descritos.”18 Embora este artigo não tenha sido incorporado no texto final da Conferência de Viena de 1969, a sua exclusão não pode ser vista como a rejeição do treaty-making capacity dos entes federados19. Uma passagem da discussão a respeito de tal artigo descrita no Relatório Final da 14ª sessão da Comissão de Direito dos Tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1962, p. 164, nossa tradução) pode elucidar melhor as questões que se levantaram sobre o assunto: 18 No original: “States members of a federal union may possess a capacity to conclude treaties if such capacity is admitted by the federal constitution and within the limits there laid down.” 19 Dentre os vários motivos que podemos encontrar para explicar a supressão deste parágrafo da redação final da Convenção de Viena, podemos citar os citados por Lissitzyn (1968, p. 22), segundo o qual nenhum relator negou que os membros de um Estado federal possam possuir treaty-making capacity, mas havia controvérsias sobre a base legal desta capacidade (se de Direito Constitucional, de Direito Internacional, ou de ambos), sobre a formulação da cláusula e sobre a conveniência de se fazer referência expressa sobre membros federados numa convenção que tinha a finalidade de normatizar acordos entre “Estados”. Clara Maria Faria Santos 33 Acordos entre dois membros de uma Federação têm certa similaridade com tratados internacionais e, em alguns casos, certos princípios do Direito dos Tratados tem sido aplicados a eles por analogia. Contudo, esses acordos operam com o regime constitucional do Estado Federal, e colocá-los expressamente nos termos deste artigo poderia trazer conflitos entre o direito internacional e o direito interno. [...] Mais freqüentemente, o poder de celebrar tratados é exclusividade do Governo federal, mas não há regras de direito internacional que proíba os membros federados de serem investidos do poder de celebrar tratados com outros Estados.20 Afinal, a própria Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1969) esclarece no art. 3º, que regula os acordos feitos entre os Estados e outros sujeitos de Direito Internacional, que outras entidades possuem a capacidade para celebrar tratados21. Lauterpacht (1953, p. 95) argutamente observa que embora o termo “Estado” usado no art. 1º da Convenção22 deva ser considerado uma referência em primeiro lugar a acordos concluídos entre Estados totalmente independentes, não se trata de um impedimento jurídico internacional para outras comunidades que são costumeiramente chamados de estados, como os estados federados, em decorrência de sua coesão política, autonomia interna e status histórico concluam tratados governados pelo Direito Internacional. Não obstante, quando este estado subordinado ou dependente pretende concluir um tratado em discordância das obrigações e acordos internacionais que limitam sua capacidade contratual, esse instrumento pode ser considerado nulo por causa de sua incapacidade. Accioly (2002, p. 29) lembra que: As Convenções de Viena de 1969 e de 1986 tiveram o grande mérito de estabelecer que o direito de firmar tratados deixou de ser atributo exclusivo dos Estados e pode ser exercido também pelas demais pessoas internacionais, sendo que em 1986 ficou ainda esclarecido que tal direito pode ser exercido por sujeitos do direito internacional que não Estados e organizações intergovernamentais. 20 No original: “Agreements between two member States of a federal State have a certain similarity to international treaties and in some instances certain principles of treaty law have been applied to them by analogy. However, those agreements operate within the legal regime of the constitution of the federal State, and to bring them expressly within the terms of the present articles would be to risk a conflict between international and domestic law. [...] More frequently, the treaty-making capacity is vested exclusively in the federal Government, but there is no rule of international law which precludes the component States from being invested with the power to conclude treaties with third States.” 21 Art. 3º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1969) diz que: “O fato de a presente Convenção não se aplicar a acordos internacionais concluídos entre Estados e outros sujeitos do Direito Internacional, ou entre estes outros sujeitos do Direito Internacional, ou a acordos internacionais que não sejam concluídos por escrito, não prejudicará: a) a eficácia jurídica desses acordos; b) a aplicação a esses acordos de quaisquer regras enunciadas na presente Convenção às quais estariam sujeitos em virtude do Direito Internacional, independentemente da Convenção; c) a aplicação da Convenção nas relações entre Estados, reguladas em acordos internacionais em que sejam igualmente partes outros sujeitos do Direito Internacional.” 22 Art. 1º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1969) diz que: “A presente Convenção aplica-se aos tratados entre Estados.” O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 34 A doutrina de Direito Internacional Público, normalmente não reconhece que, agindo sob a delegação do Estado central, os Estados federados tenham capacidade jurídica internacional própria. Por isso, alguns autores rejeitam a personalidade internacional dos Estados federados, por considerarem que, ao assumir compromissos na esfera internacional, o fazem em nome do Estado, portanto, agem como agentes do poder central23. Nesta linha de pensamento, pode-se citar Rezek (1984, p. 32), que em seu livro Direito dos Tratados, de 1984, abona a opinião de que “Estados federados, exatamente porque federados, não têm personalidade jurídica de direito internacional público, falecendolhes assim, a capacidade para celebrar tratados a título próprio.” Posteriormente, em seu livro Direito Internacional Público: Curso Elementar, publicado pela primeira vez em 1989, Rezek (2002, p. 225) reitera sua posição, afirmando que estados federados não possuem capacidade para “exprimir voz e vontade próprias na cena internacional.” E, adiante pondera que (2002, p. 227): Não há razão por que o direito internacional se oponha à atitude do Estado soberano que, na conformidade de sua ordem jurídica interna, decide vestir seus componentes federados de alguma competência para atuar no plano internacional, na medida em que as outras soberanias interessadas tolerem esse procedimento, conscientes de que, na realidade, quem responde pela província é a união federal. No entanto, a opinião mais aceita entre os doutrinadores entende que os estados federados podem possuir capacidade internacional, visto que essa possibilidade não é vedada pelo Direito internacional. Isso está ligado, entretanto, a dois fatores: ao reconhecimento dessa capacidade internacional pelo poder central e pela comunidade internacional. É interessante notar pela descrição das obras dos autores estudados que a condição de existência da capacidade internacional dos entes federados variou ao longo dos anos. Ela passou exclusivamente da autorização do poder central para a inclusão do reconhecimento desta capacidade pela comunidade internacional. Observa-se ainda que este segundo requisito passou a ser o mais enfatizado, de forma que a personalidade jurídica internacional de 23 Cf.: KELSEN, Hans. Principios de Derecho Internacional Público. Buenos Aires: El Ateneo, 1965; WILDHABER, Luzins. Treaty-Making Power and Constitution: an International and Comparative Study. Basiléia: Helbing & Lichtenhahn, 1971; MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz de. O poder de celebrar tratados. 1993. Tese (doutorado em Direito Internacional) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993; RODRIGUES, Gilberto Marcos Antônio. Política externa federativa: análise de ações internacionais de estados e municípios brasileiros. 2004. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004; BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 3. ed. Oxford: Clarendon Press, 1979. Clara Maria Faria Santos 35 entidades federadas passou de uma concepção que dizia respeito puramente ao Direito interno, para um enfoque centrado no Direito Internacional. Feldman (1985, p. 358) exprimiu muito bem essa idéia ao observar que algumas das características da personalidade jurídica no Direito Internacional atual são: 1) participação nas relações jurídicas internacionais; 2) vontade autônoma dos participantes nas relações jurídicas internacionais; 3) posse dos próprios direitos e deveres em relação a outra pessoa jurídica internacional. O autor (FELDMAN, 1985, p. 359) alerta que esta lista poderia continuar, mas o importante é perceber dois aspectos evidentes: a consideração das peculiaridades jurídicas internacionais na definição da noção de personalidade jurídica; e a tentativa de transferir as características da personalidade jurídica internacional do Direito Interno para o Direito Internacional Público. Oppenheim (1961, p. 185), em seu livro International Law: a Treatise, publicado pela primeira vez em 1905-1906, lecionava que a opinião de que os Estados membros de uma Federação carecem de estatuto jurídico dentro da comunidade de nações é infundada, embora os estados federados não sejam sujeitos de Direito Internacional em seu sentido pleno, detêm personalidade jurídica para determinados propósitos. Assim prescreve Oppenheim (1961, p. 186, nossa tradução): Há que se reconhecer que os estados membros de um Estado federal podem ser pessoas internacionais apenas em certo grau. Não podem ser à primeira vista sujeitos plenos de Direito Internacional, ou seja, pessoas internacionais com todos os direitos e deveres reconhecidos pela personalidade internacional. Sua situação neste plano, no caso de existir, fica oculta pelo Estado federal, são estados soberanos parcialmente e, por conseguinte, pessoas internacionais unicamente para certos fins.24 A propósito, Bogéa Filho (2001, p. 19) considera que Oppenheim apresentou uma inovação quando suas considerações atribuíram aos estados componentes de uma Federação uma posição que não lhes era conferida tradicionalmente no campo das Relações Internacionais. Para Oppenheim (1961, p. 186), a personalidade internacional dos membros de um Estado depende das características da Constituição federal. Dessa forma, no caso de um 24 No original: “Hay que reconocer que los Estados miembros de un Estado federal solamente pueden ser personas internacionales en cierto grado. No pueden ser desde luego sujetos del Derecho internacional plenamente, es decir, personas internacionales con todos los derechos y deberes reconocidos a la personalidad internacional. Su situación en este plano, si es que tienen, queda eclipsada por el Estado federal; son Estados soberanos parcialmente, y, por consiguiente, personas internacionales únicamente para ciertos fines.” O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 36 Estado federal assumir sozinho a representação internacional de seus estados componentes, estes não deteriam competência alguma para estabelecerem relações externas. A justificativa para isto encontra-se na divisão das competências entre o Estado federal e seus membros constituintes: se um Estado federal compartilhar sua competência em matéria internacional com seus estados membros, estes, então, serão pessoas de Direito Internacional, podendo agir apenas dentro dos limites desta competência. Nos dizeres de Accioly (1956, p. 124), em Tratado de Direito Internacional Público, editado pela primeira vez em 1933, “a personalidade externa de cada um de seus membros desaparece inteiramente na pessoa do Estado federal.” O autor reitera esta opinião em seu livro Manual de Direito Internacional Público, publicado em parceria com Silva em 1948. Os autores (SILVA; ACCIOLY, 2002, p. 89) sustentam que numa união federal: A personalidade externa existe somente no superestado, isto é, no Estado federal. Os seus membros, ou seja, os Estados Federados, possuem simplesmente a autonomia interna, sujeita esta, entretanto, às restrições que forem impostas pela constituição federal. No entanto, Accioly (1956, p. 560) pondera que a capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações por meio de tratados, embora derivada da soberania, foi reconhecida a outras entidades, como às coletividades e às Organizações Internacionais. Accioly explica que, quanto às unidades componentes dos Estados compostos, tal capacidade depende da forma ou da natureza do Estado composto, ou, antes, do grau de soberania conservada por cada unidade. Por isso, ressalva o autor (ACCIOLY, 1956, p. 561): Ocorre que membros de Estados federais, que em princípio não têm competência para tratar com Estados estrangeiros, possam estabelecer acordos internacionais, como é o caso da Suíça, a Alemanha e da Rússia regida pela Constituição federal da União Soviética de 1977. Observamos que Accioly é bastante conservador em suas ponderações, considerando o fator da soberania estatal para o reconhecimento da capacidade jurídica internacional. Mas, como o próprio autor observa que a outras entidades foi reconhecida a capacidade para celebrar tratados, acreditamos que este fator não é determinante para a personalidade jurídica internacional dos entes federados, sendo o conceito de autonomia mais apropriado para a questão. Assim também se posiciona Rezek (2002, p. 225), para quem a soberania não é pressuposto da capacidade para celebrar tratados. O autor cita o exemplo das Organizações Clara Maria Faria Santos 37 Internacionais, que não são soberanas e possuem o poder contratual regido pelo Direito das Gentes. Nestes casos, terminologia melhor empregada seria o conceito de autonomia. Verdross (1969, p. 137), autor de Völkerrecht, cuja primeira edição data de 1937, tem um entendimento mais amplo sobre a questão e nos elucida que a Constituição de um Estado federal pode atribuir competências em matéria internacional a seus membros componentes, visto que o Direito Internacional dá liberdade aos Estados descentralizarem suas organizações. Mas, continua Verdross (1969, p. 137) com suas valiosas lições, o que pode determinar realmente a capacidade jurídica internacional de um membro federado é o reconhecimento de estado federado como pessoa jurídica internacional por meio de uma norma de Direito Internacional. Tal reconhecimento, diz o autor, pode ser feito por um tratado internacional ou por negócios jurídicos bilaterais, porém, estende-se apenas àqueles assuntos delimitados dentro da esfera de ação autônoma do ente federado. Por isso, Verdross (1969, p. 138) considera evidente que, neste caso, tem-se uma personalidade jurídica internacional parcial. Isto porque, a entidade em questão, apesar de submetida ao ordenamento jurídico do conjunto estatal a que pertence em sua relação com o Estado central e as demais partes constituintes deste Estado, converte-se em sujeito parcial de Direito Internacional para os Estados que o reconhecem como tal. Assim, Verdross (1969, p. 138-139, nossa tradução) conclui que: Pode-se afirmar que a personalidade jurídica internacional dos membros de uma federação [...] é uma exceção. Só ocorre quando há um título jurídico internacional especial (tratado internacional ou reconhecimento constitutivo) que a institua, uma vez que unicamente os Estados soberanos e a Igreja Católica são sujeitos de Direito Internacional comuns e os demais não podem alcançar esta qualidade se não em virtude de uma regulamentação jurídica internacional concreta.25 Verdross (1969, p. 139) entende que o reconhecimento de um membro federado como sujeito parcial de Direito Internacional tem sempre um caráter constitutivo, ou seja, não sendo sujeitos originários do Direito Internacional, são sujeitos que tiveram sua personalidade internacional parcial reconhecida pela comunidade internacional. Individualmente esta personalidade se afirma por meio de acordos internacionais com outras pessoas jurídicas internacionais, assim, a personalidade internacional das partes de uma Federação, como 25 No original: “Podemos afirmar que la subjetividad jurídico-internacional parcial de los Estados miembros y los Estados vasallos es la excepción. Solo se da cuando hay un título jurídico-internacional especial (tratado internacional o reconocimiento constitutivo) que la instituya, toda vez que únicamente los Estados soberanos y la Iglesia católica son sujetos del D. I. común y que los demás no pueden alcanzar esta calidad si no es en virtud de una regulación jurídico-internacional concreta.” O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 38 qualquer outra, só é possível sobre a base do Direito Internacional e nunca sobre a base de uma delegação, sempre derrogável, do Direito Interno. Schwarzenberger (1967, p. 57), em A Manual of International Law, cuja primeira edição é datada de 1947, sem maiores considerações, nota que em uma Federação é normalmente o Estado federal que detém a personalidade internacional e não seus estados membros. Mas ressalva que (SCHWARZENBERGER, 1967, p. 57, nossa tradução): A existência de direitos limitados de legação e de poderes para celebração de tratados, reservados a alguns membros do Reich alemão entre 1871 e 1918, prova que esta tipologia serve apenas para propósitos de classificação, e não como norma padrão.26 Segundo os ensinamentos de Rousseau (1966, p. 123), em Droit International Public, publicado em pela primeira vez 1957, no plano internacional, os Estados federais são semelhantes aos Estados unitários, no entanto, cada Estado possui peculiaridades internas e externas, de forma que alguns Estados autorizam suas partes constituintes a concluir tratados, outros admitem a aplicação não uniforme dos tratados sobre seu território, em razão das competências legislativas dos estados federados; outros ainda dispõem de diferentes formas sobre a responsabilidade internacional dos atos praticados pelos membros da federação. Mello (2004, p. 214-215), em seu livro Curso de Direito Internacional Público, editado pela primeira vez em 1968, afirma que além dos Estados soberanos, das Organizações Internacionais, dos beligerantes e da Santa Sé, outros entes internacionais possuem a capacidade internacional, e acrescenta que os membros de uma Federação também podem concluir tratados internacionais em certos casos especiais, ou seja, na hipótese do Direito Constitucional permitir aos estados federados o direito de firmar convenções. A competência internacional dos estados federados, no entanto, é vista por Mello (2004, p. 215) como uma exceção: A própria História, neste particular, pouco nos esclarece, uma vez que a evolução tem modificado a noção de capacidade das partes contratantes nos tratados internacionais. A única observação de ordem geral que se pode fazer é que os Estados-membros de uma Federação e os dependentes geralmente possuem o direito de convenção apenas para determinadas matérias. 26 No original: “The existence of limited rights of legation and treaty-making power reserved to some of the member States of German Reich between 1871 and 1918 proves that this typology serves merely purposes of classification, but is not a matrix of legal rules.” Clara Maria Faria Santos 39 Lissitzyn (1968, p. 83), em seu artigo de 1968 “Territorial Entities Other than Independent States in the Law of Treaties” publicado no Recueil des Cours, oferece-nos um panorama bastante esclarecido sobre o assunto, quando sustenta haver ampla evidência para confirmar que acordos firmados por entidades dependentes, nas quais figuram os estados federados, podem ser, e freqüentemente são, considerados válidos legalmente, ainda que alguns desses acordos, possam ter caráter essencialmente do Direito Privado, uma espécie de contrato regido pelo Direito Interno, pode haver também acordos de caráter misto, contendo obrigações regidas pelo Direito Internacional Público e compromissos regidos pelo Direito Privado. Em alguns casos, ensina o autor (LISSITZYN, 1968, p. 84), as entidades dependentes atuam como agentes ou órgãos do Estado, ou o contrário, o Estado faz um acordo em nome do seu componente, não possuindo nestes casos a personalidade internacional. Mas, em outros casos, as entidades dependentes fazem um acordo por si mesmas, exercendo um real treaty-making capacity. Assim também se posicionam Dinh, Daillier e Pellet (2003, p. 193), em Droit International Publique, publicado pela primeira vez em 1975, quando afirmam que a capacidade internacional de entidades descentralizadas de um Estado remete ao Direito Interno: Uma instituição descentralizada pode concluir um tratado se esta capacidade lhe for reconhecida pelo direito constitucional do Estado de que depende, entendendo-se que os outros Estados nunca serão obrigados a concluir um tratado com tal entidade mas são livres de o fazer. Desenvolvendo melhor esta questão, Dinh, Daillier e Pellet (2003, p. 193) frisam que, na prática, as soluções encerradas são várias: algumas constituições federais excluem qualquer possibilidade de concluir tratados que beneficiam os estados federados; outras reconhecem esta capacidade: de uma maneira geral, no quadro das competências legislativas do estado federado, ou somente em certos domínios. A partir dos anos 80, as publicações sobre esse tema passaram a considerar um fator que Verdross já na década de 50 apontava como fundamental para a caracterização da capacidade internacional dos entes federados: o reconhecimento desta capacidade pela comunidade internacional. É o que apregoa Cunha e Pereira (1981, p. 371-372), no livro Manual de Direito Internacional Público, de 1981, no qual discorrem que os estados federados normalmente não O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 40 possuem capacidade jurídica internacional, pois o Estado federal reserva para si a atuação na esfera internacional, não obstante, em certas hipóteses, verificam-se exceções à regra, e noutras, os estados sem capacidade evoluem de forma a adquiri-la. Isto acontece se (CUNHA; PEREIRA, 1981, p. 371-372): A constituição federal consentir a intervenção dos Estados federados na vida internacional, e se qualquer, ou quaisquer, normas de Direito Internacional positivo considerarem esses Estados como seus destinatários diretos, estar-se-á em presença do que Verdross chama um sujeito parcial de Direito Internacional. Estudando o assunto em Los Sujetos del Derecho Internacional, publicado em 1984, Barberis (1984, p. 60) sustenta que as relações exteriores se encontram regulamentadas de diversas maneiras nas Constituições dos Estados federados: em alguns deles, os membros federados possuem alguma competência exclusiva nesta matéria, que, geralmente, consiste na capacidade de concluir certos tratados internacionais. Como exemplo, o autor (BARBERIS, 1984, p. 60) cita as Constituições da Suíça e da Alemanha. Com palavras elucidativas, Barberis (1984, p. 65) expõe que o que determina se um membro de um Estado é sujeito de Direito Internacional é a verificação se estes são destinatários diretos e efetivos de uma norma internacional que lhes imponha uma obrigação ou lhes outorgue um direito. Escrevendo sobre a perspectiva do direito soviético, Feldman (1985, p. 378) em seu artigo “International Personality”, de 1985, publicado no Recueil des Cours, diz que a questão parece ser resolvida sob a perspectiva da legislação constitucional, e alerta que as soluções encerradas em cada Estado difere substancialmente em cada caso. O autor afirma que enquanto a Constituição de 1977 da então URSS garante a personalidade jurídica dos membros da Federação soviética, muitas Constituições federais do Ocidente não reconhecem seus membros como sujeitos de Direito Internacional. A tendência de se considerar dois elementos fundamentais para o reconhecimento da personalidade jurídica internacional, os âmbitos o Direito Interno e do Direito Internacional, continua se firmando entre os teóricos internacionalistas. Nesse sentido, Shaw (1997, p. 156) em seu livro International Law, cuja segunda edição data de 1986, esposa a opinião de que o Estado federal tem uma personalidade, e que a personalidade e capacidade de seus membros no plano internacional só podem ser determinadas pela Constituição e pela prática desse Estado. Assim, conclui o autor (1997, p. 156, nossa tradução), “estados constituintes de uma Federação que sejam providos de uma certa competência internacional restrita podem ser Clara Maria Faria Santos 41 aceitos como possuidores de um grau de personalidade internacional.”27 Mas, além da garantia constitucional para tratar de assuntos externos, o que torna realmente uma entidade federal uma pessoa de Direito Internacional Público é o seu reconhecimento perante a Comunidade Internacional (SHAW, 1997, p. 157). Meersch e Ergec (1986, p. 302) no artigo “Les Relations Extérieures des États à Systéme Constitutionel Régional ou Fédéral”, publicado no periódico Revue de Droit International et de Droit Compare, professam basicamente as mesmas idéias, pois para se saber se uma entidade federada possui personalidade internacional, que lhe permita concluir um tratado, deve ser resolvida inicialmente sobre a base do Direito Interno, uma vez que o Direito Internacional não condena a repartição das competências dentro dos Estados. Afirmam, então, Meersch e Ergec (1986, p. 303) que a concessão de competências pela constituição federal é um pressuposto essencial para o treaty-making power das entidades federadas, mas esta condição não é suficiente para que elas assumam a personalidade jurídica internacional. Para isto, é necessário um segundo elemento, vindo da ordem internacional: o exercício efetivo no cenário mundial das competências atribuídas pela Constituição federal e o reconhecimento por parte dos Estados estrangeiros. Em última análise, os estados federados se tornam sujeitos de direito internacional em virtude do Direito Internacional e não do Direito Interno. Concluem, assim, Meersch e Ergec (1986, p. 304) que reunidas as duas condições citadas, nada se opõe que as entidades federadas sejam dotadas de personalidade internacional. No entanto, constata-se na prática que esta personalidade é parcial ou mesmo funcional. Nada impede que dentro das matérias de sua competência ainda que limitadas, as entidades federais apareçam não como órgãos do Estado federal, mas à semelhança dos Estados soberanos, sob o domínio direito e imediato do Direito Internacional. É de idêntico pensar Dehousse (1991, p.210), que em 1991, afirmava em sua publicação Fédéralism et Relations Internationales: une Réflexion Comparative, baseado nos ensinamentos de Yves Lejeune28, que para que o Direito Internacional possa elevar as entidades autônomas, como os estados federados, em sujeitos de Direito Internacional é necessário primeiro que essas entidades existam e possam, em virtude do Direito Constitucional federal, manifestar sua presença no cenário internacional, mas que a 27 No original: “Component states of a federation that have been provided with a certain restricted international competence may thus be accepted as having a degree of international personality.” 28 Cf.: LEJEUNE, Yves. Le statut international des collectivités fédérées à la lumière de l´experience suisse. Paris: L.G.D.J., 1984. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 42 habilitação constitucional para a atuação internacional dos membros de uma Federação não é suficiente, para se alcançar resultados concretos, ela deve estar acompanhada da aceitação pela comunidade internacional. Corroborando também essa idéia em artigo publicado no periódico Netherlands International Review, intitulado “Federal States in the International Legal Order”, Opeskin (1996, p. 365) pondera que, inicialmente, consideravam-se os Estados federais uma única pessoa internacional, mas que, atualmente, essa concepção, com propriedade, é considera muito rígida, para uma adequada análise da personalidade jurídica internacional das suas partes constituintes, é preciso a consideração de dois aspectos do problema, o interno e o externo. Opeskin (1996, p. 366) avalia que a posição dominante entre as correntes teóricas é que a Constituição do Estado é relevante na determinação da personalidade internacional dos seus membros, mas que a autorização constitucional não é suficiente, pois a efetiva atribuição da a personalidade internacional para as entidades subnacionais só é conferida pelo reconhecimento por partes dos membros da comunidade internacional. Por fim, confirmando uma tendência na doutrina, Wouters e Smet (2001, p. 5-6) em artigo intitulado “The Legal Position of Federal States and their Federated Entities in International Relations – The Case of Belgium”, de 2001, sublinham que a personalidade jurídica internacional das unidades federadas depende de duas condições fundamentais, uma vinda do Direito Interno, a atribuição constitucional de competência internacional; e outra vinda do Direito Internacional, o reconhecimento da entidade federada por outras pessoas jurídicas internacionais. 3.2.1 Capacidade jurídica internacional das entidades subnacionais Após o estudo aprofundado da doutrina que trata da personalidade jurídica de entidades subnacionais, podemos voltar ao questionamento inicial: quais são as condições que determinam a capacidade jurídica internacional das entidades subnacionais, de forma que essas entidades sejam destinatárias diretas de regras do Direito Internacional e, portanto, sujeitos de Direito Internacional Público? Como vimos, a condição de existência da personalidade jurídica internacional está ligada à existência de capacidade jurídica internacional. Desta forma, para determinarmos se Clara Maria Faria Santos 43 as entidades subnacionais podem ser sujeitos de Direito Internacional é preciso verificar os fatores que determinam a capacidade jurídica internacional dos entes subnacionais. Dentre os teóricos estudados, é possível apontar três distinções: 1) há autores que não reconhecem a capacidade internacional dos estados federados, pois acreditam que quando o fazem estão agindo sob a delegação de poder do Estado, e portando atuam como agentes da federação; 2) outros autores entendem que a capacidade internacional dos membros federados, não sendo proibida pelo Direito Internacional, torna-se matéria de Direito Constitucional do Estado, de forma que a atribuição de competência em matéria de relações externas já é suficiente para o reconhecimento da capacidade de celebrar tratados dos Estados federados; 3) teóricos mais modernos entendem que são duas as condições de validade da capacidade para celebrar tratados dos entes federados: a disposição nas Constituições federais das competências internacionais dessas entidades, sendo esta uma condição de validade do Direito Interno, e o reconhecimento dessa personalidade por outras pessoas jurídicas internacionais, sendo esta uma condição do Direito Internacional. No entanto, há algumas controvérsias a respeito dessas condições de reconhecimento da capacidade internacional dos estados federados. Alguns autores entendem que o reconhecimento pelo Direito Interno da capacidade internacional de entidades subnacionais não necessita ser de caráter constitucional, outros tipos de reconhecimento podem ser igualmente válidos, como a disposição em legislação infraconstitucional ou a simples autorização do poder central. O que suscita a dúvida se é possível reconhecer a capacidade jurídica internacional a uma entidade subnacional sem que esta tenha competência constitucional para estabelecer relações exteriores. Valem a respeito, as observações de Barberis (1984, p. 63), que expondo a situação do Canadá, conclui que o governo federal considera que a competência das províncias canadenses de concluir acordos internacionais não encontra sua fonte em uma cláusula constitucional, mas no pacto entre o Estado e as províncias, no qual se autorizam as províncias a concluir acordos exteriores. Sendo este um caso no qual um membro de um Estado federal possui a capacidade internacional sem a autorização constitucional. Apesar, da província de Quebec declarar que sua competência em matéria internacional deriva de fato da Constituição. Assim também se posiciona Lissitzyn (1968, p. 84), ao ponderar que a validade para os tratados celebrados por entidades subnacionais no Direito Internacional tem dois prérequisitos: além da voluntariedade dos outros contratantes para considerar essas entidades capazes de arcar com as obrigações legais internacionais; é preciso o consentimento do Estado O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 44 do qual fazem parte, sendo este expresso ou tácito. Desta forma, apenas a permissão do poder central já seria suficiente para o reconhecimento da capacidade internacional de uma entidade subnacional. É possível verificar nas considerações dos autores acima, portanto, que o aspecto interno do reconhecimento da capacidade jurídica internacional de entidades subnacionais pode ter outra fonte além da atribuição de competência internacional pela Constituição nacional, existindo casos nos quais a competência internacional dessas entidades encontra-se em outro tipo de autorização do poder central. Verdross considera ainda uma outra possibilidade, na qual a capacidade internacional de uma entidade subnacional possa ser reconhecida mesmo sem o consentimento de Estado do qual faz parte. No dizer expressivo do autor (VERDROSS, 1969, p. 138, nossa tradução): Por regra geral, o reconhecimento da personalidade parcial de um estado federado só é possível com o consentimento do Estado federal, uma vez que apenas este pode determinar o grau de autonomia de seus membros. Entretanto, nada impede que, excepcionalmente, uma parte deste Estado amplie sua competência, ainda que contra a vontade do conjunto, sendo reconhecida, dentro destes limites, por terceiros Estados como sujeito parcial de Direito Internacional.29 Contudo, Lissitzyn (1968, p. 84) salienta que a validade dos acordos feitos por uma entidade dependente sem o consentimento do Estado a que pertence pode ter sua validade contestada, pelo princípio do controle efetivo, ou seja, se um Estado protestar contra a conclusão do acordo e, se necessário, suspender a sua execução, o acordo se torna inválido. O outro aspecto relevante da atribuição da capacidade internacional aos entes subnacionais é o reconhecimento dessa capacidade por outros membros da comunidade internacional. Nas lições de Silva e Accioly (2002, p. 97), para os defensores da doutrina do efeito declarativo, o reconhecimento é um ato unilateral pelo qual o Estado admite a existência de outro, e para os defensores da tese atributiva, o reconhecimento do ponto de vista do Direito Internacional é um ato bilateral pelo qual aos Estados é atribuída por consenso mútuo personalidade internacional, e distingue o nascimento histórico do nascimento da pessoa internacional. 29 No original: “Por regla general, este reconocimiento solo será posible contando con el asentimiento del Estado federal, puesto que normalmente es este que puede determinar el margen de autonomía de sus miembros. Pero, excepcionalmente, cabe que una parte del Estado amplíe su competencia incluso en contra de la voluntad del conjunto, siendo reconocido dentro de estos límites por terceros Estados como sujeto parcial del D. I.” Clara Maria Faria Santos 45 De forma prática, o reconhecimento de novos sujeitos de Direito Internacional pode ser expresso ou tácito, mas deve sempre indicar claramente a intenção do Estado que o pratica: no primeiro caso, faz objeto de alguma declaração explícita, em nota, tratado, decreto; no segundo caso, resulta implicitamente de algum ato que torne aparente o tratamento de novo Estado como membro da comunidade internacional, é o caso, por exemplo, de início de relações diplomáticas ou da celebração de um tratado com esse Estado (SILVA; ACCIOLY, 2002, p. 98). Dissertando a respeito da participação da Ucrânia e da Bielo-Rússia na ONU enquanto repúblicas subordinadas à extinta URSS, Opeskin (1996, p. 365) comenta que a entrada de um ente federado em uma Organização Internacional é uma maneira da comunidade internacional expressar o reconhecimento dessas entidades como pessoas de Direito Internacional; outras formas se constituem na troca de representantes, a celebração de tratados com outros Estados, a posse de imunidade na jurisdição nacional e a manutenção de reclamação em foro internacional em relação a brechas no Direito Internacional. Normalmente, o reconhecimento da capacidade jurídica internacional de entidades subnacionais pela comunidade internacional constitui-se na celebração de um tratado entre a entidade subnacional que possui competência para tratar de assuntos externos e uma pessoa de Direito Internacional Público, como um Estado ou uma Organização Internacional. Assim, o reconhecimento da capacidade internacional de entidades subnacionais pela comunidade internacional se dá conforme as partes contratantes. Beltrán García (2001, p. 135) nos oferece uma contribuição ao definir uma classificação dos tipos de acordos em função das entidades contratantes: − acordos entre coletividades regionais com ius ad tractatum e Estados. Neste tipo de acordo, revela-se o tipo de reconhecimento clássico da personalidade jurídica de entidades subnacionais, pois a entidade federada tem sua capacidade jurídica internacional reconhecida pelo Direito Interno, ou seja, atribuição de competência em matéria internacional; e pelo Direito Internacional, pela celebração de um acordo com uma pessoa de Direito Internacional Público; − acordos entre coletividades regionais com ius ad tractatum: são acordos entre entidades subnacionais que possuem competência interna para celebrar tratados. Beltrán García (2001, p. 135) acredita que este tipo de acordo não se configura em verdadeiros tratados, na medida em que não entram no âmbito de aplicação do Direito Internacional Público, mas são regulados pelo Direito Público Interno de cada Estado a qual pertence a entidade subnacional. Contudo, a autora destaca O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 46 o caso da Constituição da Áustria (ÁUSTRIA, 2000), art. 16, par. I, que considera tratados todos os acordos celebrados por seus Länder com entidades subnacionais vizinhas30. Embora Beltrán García (2001, p. 136) entenda que a redação do artigo constitucional austríaco esteja errada e que o Direito Internacional não admite que um acordo entre entidades descentralizadas seja um tratado, não é essa opinião que Lauterpacht (1953, p. 139, nossa tradução) defendeu nos relatórios da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas durante a preparação da Convenção de Viena sobre o Direito dos tratados de 1969, ao inferir que “tratados assinados por unidades de um Estado federal são tratados no sentido atribuído pelo Direito Internacional.”31 Lauterpacht (1953, p. 139) nos elucida que esse tipo de acordos é concluído em conformidade com a capacidade contratual requisitada pelo Direito Internacional do membro federado em questão, já que o Direito Internacional autoriza os Estados a determinar a capacidade para concluir tratados de suas divisões políticas. − acordos exteriores entre coletividades regionais sem ius ad tractatum e Estados. Neste caso, falta um dos elementos do reconhecimento da personalidade jurídica internacional, que é o reconhecimento da capacidade internacional da entidade subnacional pelo Direito Interno. Não obstante, lembra Beltrán García (2001, p. 137), há países onde os entes subnacionais estão autorizados a concluir acordos com Estados e Organizações Internacionais, como é o caso da Itália, porém, acredita a autora que estes acordos são regidos pelo Direito Interno, não se configurando a personalidade jurídica da entidade subnacional; − acordos exteriores entre coletividades regionais sem ius ad tractatum ou com entidades de menor competência. Nesta situação, os acordos celebrados podem reger-se pelo Direito Interno, pelo Direito Privado ou podem configurar-se em acordos sem valor jurídico, não conferindo a personalidade jurídica internacional aos entes subnacionais; Enfim, para determinarmos se os acordos efetuados pelos estados federados são tratados e, portanto, regidos pelo Direito Internacional Público, é preciso saber quando estas entidades são capazes de assumir direitos e deveres no cenário internacional. 30 Art. 16, par. I da Constituição da Áustria (ÁUSTRIA, 2000): “In matters within their own sphere of competence the Laender can conclude treaties with states, or their constituent states, bordering on Austria.” 31 No original: “treaties thus concluded by State members of Federal States are treaties in the meaning of international law.” Clara Maria Faria Santos 47 A doutrina de Direito Internacional Público aponta duas condições para o reconhecimento da capacidade jurídica internacional: a atribuição de competência para o estabelecimento de relações externas e o reconhecimento dessa capacidade pela comunidade internacional. Estabelecidas estas condições, Verdross (1969, p. 133) entende que os membros de um Estado federal ou outras entidades subnacionais são sujeitos que possuem a capacidade jurídica plena, mas adverte que possuem a capacidade de agir limitada, sendo estes chamados de sujeitos parciais de Direito Internacional. Verificamos, assim, que há uma distinção entre a capacidade jurídica e a capacidade de agir. A primeira se refere àqueles requisitos que tornam um ente sujeito de Direito Internacional, isto é, que o transformam em sujeito de direitos e deveres perante a ordem internacional. A capacidade de agir diz respeito à realização de atos válidos no plano jurídico internacional (MELLO, 204, p. 348). A capacidade jurídica plena dos sujeitos parciais, nas considerações de Verdross, pode ser entendida como resultado do reconhecimento da personalidade jurídica internacional destas entidades por uma norma de Direito Internacional, ou seja, pela conclusão de um tratado por esta entidade com outra pessoa jurídica internacional. No entanto, Shaw entende que é preciso mais um fator para o reconhecimento da capacidade jurídica dos entes federados, que é a atribuição de competência em matéria internacional a estas entidades subnacionais pela Constituição federal. Por sua vez, a capacidade de agir limitada, no entendimento de Verdross (1969, p. 138), é resultado da delimitação de autonomia interna. Isto quer dizer que os Estados federados só podem celebrar acordos sobre as matérias da sua esfera de ação autônoma determinada pela legislação interna. Consuetudinariamente, os Estados possuem capacidade jurídica internacional para exercer o direito de legação, tornarem-se membros de uma Organização Internacional, submeter um caso à apreciação de uma corte de justiça internacional e principalmente concluir tratados (COULÉE, 2002, p. 95). Por sua vez, os estados federados têm usufruído a capacidade jurídica internacional para exercer estas mesmas atividades, mas com restrições que decorrem de sua capacidade de agir limitada. 3.2.2 Filiação em Organizações Internacionais O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 48 Os estados federados e as entidades subnacionais em geral têm o direito de se filiarem em Organizações Internacionais, mesmo com status menor (PELLET, 2002, p. 198), um caso de destaque, apesar de excepcional, constitui-se na participação de repúblicas da extinta URSS, Bielo-Rússia e Ucrânia, nas Nações Unidas. Entretanto, casos de filiação de entidades subnacionais a organizações de vocação universal e específica parecem ser, atualmente, mais freqüentes e possuir maior legitimidade32. 3.2.3 Direito de Legação O envio e recebimento de representantes diplomáticos também têm se constituído numa prática comum entre os Estados federados e as entidades subnacionais. Embora em grande parte o exercício do direito de legação seja feito de maneira informal, ou seja, sem a autorização expressa pelo Estado central, há Constituições que prevêem a troca de delegações para os membros constituintes do Estado, como acontece na Suíça33. 3.2.4 Responsabilidade internacional A responsabilidade internacional, definida por Ruzié (1961, p. 91), é um instituto segundo o qual um sujeito de Direito Internacional, que tenha imputado um ato ou uma omissão contrária às suas obrigações internacionais, tem de reparar o sujeito de Direito 32 Cf.: SOREL, Jean-Marc. La prise em compte des collectivités territoriales non-étatiques par les organisations internationales à vocation universelle. In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales non-étatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002; PELLET, Alain. La participation des collectivités territoriales non-étatiques aux organisations internationales: le cas de l’Organization Mondiale du Tourisme (OMT). In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales nonétatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002. 33 Diz o art. 56 da Constituição da Suíça (SUIÇA, 1999) sobre as relações dos Cantões com o estrangeiro: “1) Les cantons peuvent conclure des traités avec l’étranger dans les domaines relevant de leur compétence. 2) Ces traités ne doivent être contraires ni au droit et aux intérêts de la Confédération, ni au droit d’autres cantons. Avant de conclure un traité, les cantons doivent informer la Confédération. 3) Les cantons peuvent traiter directement avec les autorités étrangères de rang inférieur; dans les autres cas, les relations des cantons avec l’étranger ont lieu par l’intermédiaire de la Confédération.” Clara Maria Faria Santos 49 Internacional que tenha sido vítima desse ato ou omissão, em seu próprio nome ou em nome de seus residentes ou agentes. Pereira (2000, p. 26) esclarece que a responsabilidade internacional é atribuída nos casos em que um sujeito de Direito Internacional pratica por meio de seus órgãos ou por meio de um outro Estado ou uma Organização Internacional, um fato ou ato lícito ou ilícito, consciente do dano efetivamente causado; fato ou ato realizados contra um dever ou uma obrigação estabelecidos em qualquer dispositivo do Direito Internacional; ou contra uma obrigação internacional, afetando com isso um Estado estrangeiro ou súdito deste, assim como uma Organização Internacional. Quanto aos estados federados, Pereira (2000, p. 191) expõe que, a partir do fim do primeiro quartel do século XX, a responsabilidade internacional para o cumprimento de obrigações foi imposta ao Estado encarregado de conduzir a política externa das entidades subordinadas ao governo central. É nesse sentindo que o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1969) diz que os Estados não podem invocar as disposições de seu Direito Interno para justificar o não cumprimento de um tratado, sem prejuízo ao art. 4634. Seguindo esta determinação, Dinh, Daillier e Pellet (2003, p. 193) entendem que o Estado central é o responsável pelo não cumprimento dos acordos celebrados pelos estados membros, salvo se estes tiverem manifestadamente excedido as competências que lhes são reconhecidas pelo Direito Interno. A Redação Preliminar da Convenção sobre responsabilidade internacional dos Estados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2001) trata dos estados federados como órgão do Estado e apenas a este atribui a responsabilidades pelos atos daqueles. Pons Rafols e Sagarra Trias (2006, p. 38) inferem que esta redação está de acordo com a concepção de que somente os Estados são sujeitos de Direito internacional e, por isso, a responsabilidade internacional é totalmente atribuída a estes, ofuscando, assim, as atividades externas de entidades subnacionais. Diz o art. 4º do projeto de artigos da referida convenção (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2001, nossa tradução): 34 O art. 46, par. 1º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1969) por sua vez, dispõe que um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para celebrar tratado, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu Direito Interno de importância fundamental. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 50 1. A conduta de qualquer órgão do Estado deve ser considerada um ato deste Estado pelo direito internacional, quer este órgão exerça funções legislativas, executivas, judiciárias ou de outro tipo, qualquer que seja sua posição na organização do Estado, mesmo se for um órgão do poder central ou uma unidade territorial deste Estado. 2. Entende-se por órgão qualquer pessoa ou entidade que possua status de acordo com o direito interno do Estado.35 Wouters e Smet (2001, p. 26) confirmam que, embora o princípio da responsabilidade internacional exclusiva do Estado federal tenha sido aplicado freqüentemente pelas cortes e arbitragens internacionais nos casos envolvendo estados federados, é possível se fazer ressalvas em relação a ele. Primeiramente, os autores lembram que a exclusiva responsabilidade internacional do Estado pelo não cumprimento do Direito Internacional por uma entidade federada falha ao não levar em conta o recente desenvolvimento na organização dos Estados e os recentes casos ocorridos no Direito Internacional. Uma vez que o status de sujeito de Direito Internacional não é mais atributo exclusivo dos Estados e que outras entidades de diferentes naturezas e com diferentes capacidades foram reconhecidas como tal, os autores (WOUTERS; SMET, 2001, p. 26) acreditam ser sensato que a responsabilidade internacional tenha uma correspondente adaptação. Essa adaptação parece conveniente quando observamos que na definição de responsabilidade internacional, os estados federados são tratados como agentes do Estado federal. Assim, nos casos em que há o exercício completamente autônomo de suas competências, o ente federado pode assumir responsabilidade internacional (WOUTERS; SMET, 2001, p. 28). É o que patente nos mostra Di Marzo36 (DI MARZO apud DAVID, 1983, p. 490), num estudo que analisou 300 acordos realizados por estados federados, principalmente da República Federativa Alemã, Suíça, Canadá e Estados Unidos, concluindo que a responsabilidade internacional depende da situação da assinatura do acordo, definindo a seguinte tipologia: 1) na hipótese de um acordo concluído de maneira totalmente autônoma, dentro dos limites de suas competências, o estado federado possui a responsabilidade exclusiva ao respeito de suas disposições, ou, pode-se dizer, a responsabilidade primária, 35 No original: “1. The conduct of any State organ shall be considered an act of that State under international law, whether the organ exercises legislative, executive, judicial or any other functions, whatever position it holds in the organization of the State, and whatever its character as an organ of the central Government or of a territorial unit of the State. 2. An organ includes any person or entity which has that status in accordance with the internal law of the State.” 36 Cf.: DI MARZO, L. Component Units of Federal States and international agreements. Alphen aan de Rijn: Sijthoff & Noordhoff, 1980. Clara Maria Faria Santos 51 enquanto que o Estado federal possui uma responsabilidade subsidiária; 2) na hipótese de um acordo concluído por delegação do Estado federal ao estado federado ou em conjunto entre ambos, a responsabilidade decai sobre o Estado federal, enquanto que o membro federado fica com uma responsabilidade subsidiária; 3) na hipótese de um acordo concluído pelo governo federal em nome do estado federado, a responsabilidade é exclusiva do Estado federal; 4) enfim, na hipótese de um acordo concluído pelo estado federado em violação a suas competências, este será válido se a autoridade federal o aprovar e nulo, no caso contrário. Podemos inferir a partir dos ensinamentos de Di Marzo que teriam responsabilidade internacional aquelas entidades federadas a quem fosse reconhecida a personalidade jurídica internacional. Em juízo semelhante, Oppenheim (1961, p. 503) entende que os membros de uma Federação cometem violações ao Direito Internacional apenas na esfera de atuação para a qual tenham status internacional e na qual, consequentemente, disponham de deveres próprios, de forma que somente a análise de cada caso permitirá determinar se a responsabilidade pela violação ao Direito Internacional será imputada ao estado federado violador ou ao Estado federal de que faça parte. Sintetizando, Oppenheim (1961, p. 504) conclui: no caso em que um estado membro de uma Federação disponha de certo grau de personalidade internacional, o estado membro, e não a Federação, será normalmente responsabilizado por sua conduta ilícita dentro da esfera de atividade para a qual detenha personalidade internacional. Em uma visão diferente sobre o tema, Pellet (2002, p. 200) argumenta que estados federados e entidades subnacionais podem possuir um certo grau personalidade internacional, possuindo, assim, direitos; contudo, não se pode determinar com clareza quais seriam as obrigações que poderiam lhes corresponder, de forma que estas entidades não poderiam ver sua responsabilidade exigida, por que ninguém comete um ilícito que não possa ser atribuído. Esclarecendo o assunto, David (1983, p. 488) expõe que, na realidade, a falta de prática e de jurisprudência no sentido de uma responsabilidade internacional própria dos estados federados é resultado essencialmente da raridade de situações onde juridicamente esta responsabilidade pode ser encontrada, o que não implica na sua inexistência. Diz o autor que (DAVID, 1983, p. 488), de fato, a doutrina parece admitir a hipótese de uma responsabilidade internacional própria dos estados federados por certas violações do Direito Internacional, e implicitamente, prática e jurisprudência tendem a corroborar esta situação, mas sempre de maneira pontual, parcial e limitada. Crawford (2002, p. 165) conclui que, se existe uma responsabilidade internacional própria das entidades subnacionais coexistindo com a responsabilidade internacional de seus O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 52 Estados, até o momento, ela não encontrou verdadeiramente seu terreno de ação. Neste sentido, Wouters e Smet (2001, p. 30) acreditam que a essa tendência da responsabilização dos estados federados por atos ilícitos no Direito Internacional é ainda incipiente e para sua efetiva aplicação, algumas regras de Direito Internacional terão que se adaptar a ela, iniciando pela atribuição do ius stand in iudicio. 3.2.5 Ius stand in iudicio A capacidade para submeter um caso a apreciação de uma corte de justiça internacional é ainda a mais recente para os estados federados. Lauterpacht (1953, p. 95) acredita que a Corte Internacional de Justiça provavelmente são teria competência para tal, e a um tribunal arbitral internacional é improvável que seja solicitado a discorrer sobre a interpretação ou a aplicação desse tipo de tratado, a menos que ele seja convencido que possa atuar no caso, ainda que incidentemente, ou no caso das partes aceitarem se submeter à decisão do tribunal. Não é sem razão que Pellet (2002, p. 205) pondera que as entidades subnacionais teriam capacidade de se representarem em foro internacional se fosse criada uma jurisdição que tivesse competências para se pronunciar sobre a petição dessas entidades. 3.2.6 Capacidade para celebrar tratados A capacidade mais evidente dos estados federados, à qual dedicaremos mais atenção, é a capacidade para celebrar tratados. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1969), no art. 2º, par. a, define tratado como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, que conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica.” Mello (2004, p. 212) frisa que a Convenção de Viena excluiu da sua regulamentação os tratados celebrados entre outros sujeitos de Direito Internacional que não os Estados, todavia, tal fato não significa que esses tratados não tenham força legal e não sejam regidos Clara Maria Faria Santos 53 pelas suas normas. É importante lembrar que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986, regulamentou os tratados concluídos pelas Organizações Internacionais. Este fato pode ensejar outras iniciativas para a regulamentação dos acordos assinados por outros sujeitos de Direito Internacional. Devemos também fazer uma diferenciação entre a capacidade para celebrar tratados, conhecida como treaty-making capacity, da competência para celebrar tratados, treaty-making power. Medeiros (1993, p. 206) ensina que o primeiro conceito se refere a um atributo inerente ao sujeito de Direito Internacional, um predicado da sua capacidade internacional, enquanto que o segundo faz referência aos poderes constituídos de um sujeito para formar e declarar a vontade em assumir compromissos internacionais. Para o reconhecimento da capacidade de celebrar tratados dos estados federados, é necessário que a estes sejam atribuídas competências para realizar esse tipo de ato internacional. Pellet (2002, p. 203) explica que as entidades subnacionais não têm competências inerentes para lidar com assuntos externos, mas a elas pode ser atribuído esse tipo competência, por que elas têm a capacidade de exercê-las. Assim, muitos dos acordos internacionais concluídos pelos estados federados não são tratados, pois se o estado federado não possuir competência para lidar com assuntos externos, o Direito Internacional Público não reconhece a sua capacidade jurídica internacional. Os acordos celebrados pelos estados federados podem, então, ser classificados de acordo com suas competências, ou também, conforme o reconhecimento de sua capacidade internacional. Dessa forma, alguns desses acordos podem pertencer à alçada do Direito Internacional Privado, enquanto outros podem constituir acordos informais sem validade jurídica, outros ainda podem ser regidos pelo Direito Interno do Estado ao qual a entidade federada faz parte ou pelo Direito Internacional Público. Na prática não é fácil distinguir os diversos acordos internacionais efetuados pelos estados federados, mas podemos estabelecer algumas distinções. Os acordos internacionais negociados por estados federados regidos pelo Direito Internacional Privado ocorrem quando estes governos, tratando com entidades privadas estrangeiras, aceitam se submeter ao regime do Direito Privado. Constituem, portanto, contratos internacionais. Os acordos internacionais informais ocorrem quando o estado federado em questão não possui capacidade jurídica internacional, de forma que suas relações externas não estabelecem vínculo jurídico, portanto não são regidos por nenhum direito (BELTRÁN O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 54 GARCÍA, 2001, p. 94). Craen (1983, p. 391) qualificou estes acordos de non-binding agreements, ou seja, acordos informais realizados sem nenhum tipo de autorização do poder central, em contraste com os binding agreements, ou, acordos formais autorizados legalmente pela Federação. As atividades informais são baseadas principalmente em resoluções, declarações conjuntas e gentlemen’s agreements. Esses tipos de acordos não conferem aos Estados federados a personalidade jurídica internacional, pois o poder central é o único a possuir a capacidade internacional (CRAEN, 1983, p. 392). Os acordos formais podem ser regidos pelo Direito Público Interno ou pelo Direito Internacional Público. Os acordos regidos pela legislação interna não se constituem em tratados, pois de alguma forma a capacidade das partes subnacionais contratantes não é reconhecida. Por fim, os acordos internacionais que se constituem em verdadeiros tratados são aqueles concluídos por estados federados que possuem capacidade jurídica internacional, ou seja, estados federados que são autorizados internamente a manter relações exteriores e a quem a comunidade internacional reconhece essa capacidade. 3.3 Casos Vale a pena, então, observar como alguns países lidam concretamente com a atuação de seus membros constituintes. O caso de maior destaque é o Alemanha, pois possui uma longa tradição federalista. A Bélgica se constitui em um exemplo recente de país que reformou sua Constituição para permitir que suas partes constituintes possam estabelecer relações exteriores. Podemos citar ainda outros exemplos como Argentina, Canadá, Estados Unidos, Áustria e Suíça. 3.3.1 Alemanha O caráter federativo da Alemanha, assim como a reconhecida possibilidade de atividade internacional de suas partes constituintes, estiveram fortemente presente desde sua Clara Maria Faria Santos 55 unificação em 1871. Accioly (1956, p. 126) contabiliza que compunham a Alemanha de então quatro reinos, seis grão-ducados, cinco ducados, sete principados, três cidades livres e um território do Império, tudo sob a presidência hereditária do rei da Prússia, que tinha o título de Imperador alemão. Era este quem representava o Império nas relações exteriores, contando com um conselho de representantes diplomáticos das diferentes unidades do Império, o chamado Bundesrat. Após a Primeira Guerra Mundial, em 1919, o regime monárquico alemão cedeu lugar a uma República, o Reich. Os estados constituintes do Reich passaram a ser denominados de Länder. Embora o art. 78 da Constituição versasse que as Relações Internacionais eram da alçada exclusiva do Reich, permitia que, nas matérias incluídas na competência legislativa dos Länder, estes poderiam celebrar tratados com Estados estrangeiros, desde que aprovados pelo Reich (ACCIOLY, 1956, p. 127). No início dos anos 30, com a implantação do regime nazista, entretanto, a competência em matérias internacionais foi completamente extinta (BOGÉA FILHO, 2001, p. 35). O fim da Segunda Guerra modificou mais uma vez a situação. A Alemanha foi dividida em duas principais áreas de influência. A parte ocidental reconstituiu-se autônoma com a adoção de uma Constituição federal em 23 de março de 1949 (LISSITZYN, 1968, p. 41). Nesta Constituição (ALEMANHA, 1949), que após a reunificação passou a valer para todo o território alemão, o art. 32 sobre Relações Exteriores versa que: 1. Compete à Federação conduzir as relações com Estados estrangeiros. 2. Antes de se firmar um tratado que afete circunstâncias particulares de um estado, este deverá ser ouvido oportunamente. 3. Dentro dos limites de sua competência legislativa, e com a aprovação do Governo Federal, os estados poderão firmar tratados com Estados estrangeiros. Podemos verificar, então, que os Länder possuem capacidade para concluir tratados, ainda que limitada pelas suas competências legislativas. Na prática, os acordos assinados pelos Länder têm a tendência de tratarem apenas de questões locais transfronteiriças (LISSITZYN, 1968, p. 41). Isto por que os Länder fizeram um acordo com o governo central, Lindou Convention, em 1957, segundo o qual o governo dos Länder é consultado pelo governo federal na ocasião deste concluir um acordo que trate das matérias referentes à jurisdição do Länder, garantindo a unidade federada efetiva participação na formulação da política externa alemã (PRAZERES, 2004, p. 292). Diante da disposição constitucional da competência dos estados federados alemães para concluir acordos internacionais e na ocasião deste celebrar um acordo com outro sujeito O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 56 de Direito Internacional, é reconhecida na literatura e na prática, aos Länder, a personalidade jurídica internacional parcial. 3.3.2 Bélgica O reconhecimento do treaty-making capacity dos componentes federados da Bélgica é resultado de um longo processo, ligado ao processo de transformação do país da forma unitária para a federal. As reformas do Estado iniciaram-se em 1970, quando foram criadas três regiões com competências para lidarem com certas áreas da esfera econômica, e três comunidades, com competências para tratarem da área cultural e de educação, incluindo a cooperação internacional nestes campos (WOUTERS; SMET, 2001, p. 7). No entanto, formalmente, o poder para celebrar tratados permanecia ainda uma prerrogativa do governo central. Essa situação se modificou somente com a terceira reforma do Estado em 1988, quando a capacidade jurídica internacional das Comunidades dentro das suas competências foi reconhecida (WOUTERS; SMET, 2001, p. 7). Há que se notar que por falta de regulamentação, essa capacidade não teve aplicação na prática por algum tempo. Foi apenas em 1993, com a quarta reforma do Estado, que o treaty-making power das Comunidades e das Regiões foi de fato estabelecida. A reforma visava dar mais autonomia às entidades federadas e eliminar o “déficit democrático”, definido como a falta do controle parlamentar sobre a assinatura de tratados pelos governos, garantindo a coesão das relações externas da Bélgica (WOUTERS; SMET, 2001, p. 8). O art. 167, par. 1º, 2º e 3º da Constituição (BÉLGICA, 2005, nossa tradução) reza que: 1. O rei conduz as relações internacionais, sem prejuízo das competências das comunidades e regiões de desenvolverem a cooperação internacional, incluindo a celebração de tratados, cujas matérias estão dentro das suas competências estabelecidas pela Constituição e em razão desta. 2. O Rei conclui os tratados, à exceção daqueles que versam sobre matéria disposta no parágrafo 3. Esses tratados somente terão efeito após a aprovação das Câmaras. 3. Os governos das comunidades e das regiões em conformidade com o artigo 121 concluem, cada um para aquilo que lhe interessa, tratados sobre matéria de Clara Maria Faria Santos 57 competência de seus Conselhos. Esses tratados somente terão efeito após a aprovação do Conselho.37 A Constituição belga, então, determina que o governo federal não pode concluir tratados sobre matérias de competência das Comunidades ou das Regiões, pois reversa o treaty-making power para cada componente da Federação apenas aquilo que concerne às competências internas de cada um. Em outras palavras, explicam Wouters e Smet (2001, p. 8), a Constituição extrapola a divisão interna das competências para o plano internacional de uma forma paralela: o Rei, as Comunidades e as Regiões podem celebrar tratados nos assuntos referentes às suas respectivas competências legislativas. Este princípio é conhecido como “in foro interno, in foro externo”. Entretanto, Wouters e Smet (2001, p. 10) advertem que uma completa separação da política nos níveis da Federação e dos entes federados não é possível, nem mesmo é desejável. Isto por que os tratados, em geral, lidam com assuntos que vão além da esfera de competência exclusiva de cada autoridade, possuindo assim uma natureza mista. Desta forma, são comuns a cooperação vertical, entre as autoridades federal e federada, e a cooperação horizontal, entre as autoridades federadas. Para diminuir os riscos de incoerência nas ações externas entre o governo federal e as entidades federadas, foi criado um órgão de concertação para as Relações Internacionais (WOUTERS; SMET, 2001, p. 14). Além disso, o art. 167, par. 2º e 3º da Constituição (BÉLGICA, 2005) prevê que nenhum tratado terá validade sem a aprovação da respectiva casa legislativa, seja do Governo federal, das Comunidades ou das Regiões. Portanto, a respeito do reconhecimento externo da capacidade internacional das entidades federadas belgas, a Constituição do país fornece uma consistente base para o seu estabelecimento, uma vez que, proibindo o governo federal de fazer acordos dentro da esfera de competências dos componentes federados, obriga os demais sujeitos a negociarem com as últimas (WOUTERS; SMET, 2001, p. 12). Verificamos, então, que o reconhecimento da capacidade internacional dos estados federados belgas tem se consolidado na esfera internacional pelos diversos tratados concluídos por Estados estrangeiros com as 37 No original: “Art. 167 § 1er. Le Roi dirige les relations internationales, sans préjudice de la compétence des communautés et des régions de régler la coopération internationale, y compris la conclusion de traités, pour les matières qui relèvent de leurs compétences de par la Constitution ou en vertu de celle-ci. § 2. Le Roi conclut les traités, à l'exception de ceux qui portent sur les matières visées au § 3. Ces traités n'ont d'effet qu'après avoir reçu l'assentiment des Chambres. § 3. Les Gouvernements de communauté et de région visés à l'article 121 concluent, chacun pour ce qui le concerne, les traités portant sur les matières qui relèvent de la compétence de leur Conseil. Ces traités n'ont d'effet qu'après avoir reçu l'assentiment du Conseil.” O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 58 Comunidades e Regiões da Bélgica. Wouters e Smet (2001, p. 12) citam alguns exemplos, como o tratado entre a Comunidade Flamenga e a Holanda sobre cooperação nas áreas de cultura, educação, ciência e bem estar social de 17 de janeiro de 1995; tratado entre o Governo Flamengo e o Governo da República da África do Sul sobre cooperação nas áreas de cultura, ciência, tecnologia e esportes de 28 de outubro de 1996; acordo de cooperação entre o Governo da República da Bolívia, o Governo da Comunidade Francesa e o Governo da Região da Valônia de 18 de maio de 1999. Clara Maria Faria Santos 59 4 OS MUNICÍPIOS E A PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL Os municípios, assim como os estados federados, são divisões administrativas internas de um Estado. Têm um funcionamento comum nos diversos países e apesar de receberem denominações diferenciadas, o mais comum é serem chamados de cidades. Para o nosso estudo, duas características devem ser ressaltadas como pré-requisito de análise do reconhecimento da personalidade jurídica internacional destas unidades: a personalidade jurídica de Direito Público Interno e a autonomia administrativa. 4.1 Analogia aos estados federados O estudo acerca da personalidade jurídica internacional dos municípios se faz presente na atualidade diante do crescimento das relações externas praticadas por essas unidades. Esse movimento se tornou comum nas últimas décadas em virtude dos fenômenos da globalização e da integração regional, que colocou novos desafios para a administração local. Como vimos, os municípios mantém contato com diversas entidades estrangeiras, seja subnacionais, nacionais, Organizações Internacionais ou entidades privadas. O questionamento que se coloca diz respeito à capacidade internacional dos municípios para firmarem compromissos regidos pelo Direito Internacional Público. Ou, em outras palavras, questiona-se a possibilidade de atribuição da personalidade jurídica internacional aos municípios. Conforme estudado no capítulo anterior, os estados federados podem possuir personalidade jurídica internacional desde que a sua capacidade internacional seja reconhecida pelo Direito Interno do país a que pertence e pela comunidade internacional. Assim, considerando um município, investido pela legislação de seu país de competência para estabelecer relações externas e, tendo este município de fato usufruído desta competência para firmar um acordo com um Estado, uma Organização Internacional ou uma outra entidade subnacional também devidamente autorizada a concluir acordos internacionais, entende-se que não há empecilho em reconhecer este município como sujeito parcial de Direito Internacional. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 60 Atente-se, entretanto, a diferenciação que alguns autores fazem em relação ao reconhecimento da capacidade internacional a um estado federado e em relação ao reconhecimento da capacidade internacional ao município. Assim se posiciona Dominicé (2002, p. 57), para quem uma distinção deve ser feita quando se trata de estados federados que podem ser habilitados a concluir tratados internacionais, pois têm as características essenciais de um estado, exceto a soberania internacional, o que os diferenciaria da situação de outras entidades subnacionais, que não podem ser comparadas a Estados. Mas, como bem demonstra Coulée (2002, p. 104), no caso de uma Federação, os estados federados foram beneficiados pela transferência de competências suficientemente importantes para que se possa considerar que eles são detentores de uma parte do jus tratacti, todavia, a evolução do direito atual, favorável às entidades subnacionais, deve a partir de agora ser colocada em evidência com a conclusão de tratados internacionais pelas entidades subnacionais por si mesmas, reconhecendo assim a capacidade de concluir tratados para os demais entes subnacionais, como os municípios. Complementando este pensamento, Albert (2002, p. 38) frisa que a questão do reconhecimento constitucional das relações exteriores emana da estrutura do Estado, mas a forma federal não parece ter a exclusividade do reconhecimento das competências externas de seus membros, visto que na Europa encontramos poucos casos federalista de destaque. É, então, na evolução do Direito Internacional que os municípios conquistam cada vez mais um status jurídico no cenário internacional em direção ao reconhecimento de sua personalidade internacional. Não obstante, verificamos que a atribuição da personalidade internacional às entidades subnacionais não pode ser desvinculada da dimensão interna do direito, visto que é a legislação nacional que determina a autonomia dessas entidades e a existência de capacidade internacional, por meio da atribuição de competência para manter relações externas. É neste sentido que Mello (2004, p. 270) afirma que as coletividades territoriais não estatais, incluindo os municípios, têm personalidade jurídica internacional se o Estado as autorizarem a realizar atos internacionais. Portanto, tal como para os estados federados, os municípios só podem ser reconhecidos como pessoas parciais de Direito Internacional se a legislação interna lhes conferir capacidade jurídica internacional e se a comunidade internacional lhes reconhecer essa capacidade. Faz-se oportuno destacar, sobre o reconhecimento interno da personalidade internacional dos municípios, o comentário de Albert (2002, p. 37), segundo o qual, os Clara Maria Faria Santos 61 fundamentos constitucionais de uma capacidade jurídica para agir internacionalmente das entidades subnacionais são raramente formuladas explicitamente, tendo suas origens jurídicas no Direito Internacional e na evolução do Direito Interno de cada Estado, desde que a Constituição não se oponha. Dessa forma, ressalvamos mais uma vez que a fonte constitucional da capacidade internacional das entidades subnacionais no Direito Interno não é consenso entre os autores, e que a atual evolução do direito vem reconhecendo a capacidade internacional de entidades subnacionais, como os municípios, sem que esse reconhecimento seja expresso na Constituição. Essa parece ser a situação de grande parte dos municípios, possuindo autorização para estabelecer relações exteriores que conste de legislação infraconstitucional, ou apenas autorização tácita. Embora, a atribuição de competência em matéria internacional aos municípios seja uma situação incipiente, ela vem se modificando, principalmente na Europa. Isto por que é possível observar que os processos de integração regional fomentam as atividades subnacionais, pois, ao expor as fragilidades da administração local frente à integração econômica, tendem a proporcionar mecanismos para que essas entidades possam estabelecer relações externas para procurar resoluções para suas dificuldades internas. Na União Européia, a atuação internacional de entidades subnacionais vem se consolidando institucionalmente, juridicamente e, segundo Beltrán García (2001, p. 121), também vem se consolidando por meio de um costume internacional que ampara o direito das entidades subnacionais de concluírem acordos externos. Explica a autora que é possível identificar na Europa os elementos necessários à formação deste costume, que inclui a prática estatal uniforme, desenvolvida durante um período de tempo, que constata consentimento dos Estados frente aos acordos internacionais realizados pelas regiões européias; somado a este elemento material, há o elemento subjetivo ou opinio iuris, que representa a convicção jurídica dos sujeitos de Direito Internacional – Estados e Organizações Internacionais – de que o respeito ao ius contrahendi dessas regiões deriva hoje em dia de uma norma de Direito Internacional obrigatória. Segundo Beltrán García (2001, p. 162), o nascimento deste costume está ligado à Convenção-quadro Européia para a Cooperação Transfronteiriça das Coletividades e Autoridades Locais de 1980 e seus protocolos adicionais; enquanto que a constatação do elemento subjetivo do costume internacional se encontra principalmente nos vários instrumentos jurídicos e políticos derivados dessas Convenções, que consistem em modificações legislativas internas favoráveis a estes acordos e a celebração de tratados O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 62 bilaterais de âmbito específico que aprofundam e ampliam a competência das entidades subnacionais para concluírem acordos internacionais. Beltrán García se refere aos acordos externos das entidades subnacionais no âmbito da Convenção de Madri em termos de ius contrahendi, que não atribuiria a estas entidades a capacidade jurídica internacional. Isto por que a autora (BELTRÁN GARCÍA, 2001, 135) defende que acordos concluídos entre entidades subnacionais são regidos pelo Direito Público Interno. Ao contrário, Lauterpacht (1953, p. 139) defende que esses acordos podem ser regidos pelo Direito Internacional, pois são concluídos em conformidade com a capacidade contratual, requisitada pelo Direito Internacional. Portanto, ao reconhecer que as entidades subnacionais possuem a capacidade internacional, a Convenção de Madri (CONSELHO DA EUROPA, 1980) e seus protocolos adicionais (CONSELHO DA EUROPA, 1995 e 1999) podem ser um instrumento de reconhecimento da personalidade parcial dessas entidades subnacionais. A esse respeito, Pellet (2002, p. 198) traz valiosa contribuição ao estudo do assunto ao ensinar que, para definir se as entidades subnacionais têm personalidade, deve-se definir se elas têm direitos e obrigações no plano internacional, o que de fato verificamos: elas possuem poucos direitos e ainda menos obrigações, sempre derivados da vontade do Estado; mas de fato possuem direitos e obrigações no âmbito internacional. Portanto, a partir da constatação que os municípios possuem capacidade jurídica internacional para sustentar direitos e deveres no plano internacional, respeitadas as condições para a sua validade de reconhecimento desta capacidade no Direito Interno e no Direito Internacional, a exemplo dos estados federados, devemos reconhecer a personalidade internacional dos municípios in statu nascendi. 4.2 Casos Na atualidade, poucos países possuem legislação própria que autorize a atuação externa dos seus municípios. Mas é possível verificar que os processos de integração regional e organização estatal interna que privilegia a descentralização são fatores que contribuem para a mudança dessa situação. Assim, verificamos na integração regional da Europa um fator importante de estímulo para a ação subnacional, pois as inovações jurídicas trazidas pelo processo de Clara Maria Faria Santos 63 integração possibilitaram que os atores subnacionais tivessem um novo status internacional. Jos (2002, p. 24) identifica os principais avanços em termos institucionais, processuais, operacionais e normativos. No plano institucional (JOS, 2002, p. 25), o Conselho da Europa e a União Européia têm construído estruturas permanentes de representação das entidades subnacionais. O Conselho da Europa38 criou em 1994 o Congresso dos Poderes Locais e Regionais da Europa39, enquanto que a Comunidade Européia constituiu o Comitê das Regiões. Esta institucionalização proporcionou às entidades subnacionais o avanço em termos processuais, uma vez que estes organismos passaram a ser consultados antes da adoção de medidas que dizem respeito diretamente às competências e interesses essenciais dos entes locais e regionais. Blanes Sala (2004, p. 182) lembra da participação extrainstitucional dos poderes locais e regionais no âmbito da integração européia, ou seja, a participação que intervém nas decisões sem formar parte do corpo institucional comunitário; é neste tipo de participação que se encontra um maior número de formas de intervenção, constituindo-se em conferências e associações de cooperação inter-regional, atividades de lobbies e de oficinas regionais. No plano operacional, a política regional da UE toma iniciativas de associação das entidades subnacionais à projetos de cooperação que ensejam o desenvolvimento econômico e social. A contribuição que nos interessa sobremaneira, porém, está no plano normativo. O Conselho da Europa adotou uma série de textos importantes dos quais se destacam a Convenção de Madri e seus dois Protocolos adicionais. Jos (2002, p. 25) destaca ainda os seguintes textos: Charte européenne de l’autonomie locale, Convention européenne suar la participacion des étrangers à la vie municipale et regionala, projet de Charte européenne de l’autonomie régionale. 38 O Conselho da Europa foi criado em 1949 e é a mais antiga organização política do continente, agrupando um total de 46 países. O Conselho é distinto da União Européia, composta por 27 membros, mas nunca nenhum país aderiu à União sem primeiro ter pertencido ao Conselho da Europa. Dentre as principais realizações estão: a elaboração de 200 convenções ou tratados europeus com força de lei e dos quais muitos são abertos à adesão de Estados não-membros, sobre matérias que vão desde os direitos do homem à cooperação cultural; e recomendações aos governos, definindo princípios diretores em matéria de direito, saúde, comunicação social, educação, cultura e esporte. Disponível em: <http://www.coe.int>. Acesso em: 14 mar. 2007. 39 Em 1957, junto ao Conselho da Europa, foi criada a Conferência dos Poderes Locais e Regionais da Europa. Em 1994, a Conferência foi sucedida pelo Congresso dos Poderes Locais e Regionais da Europa, tornando-se uma instância de consulta do Conselho da Europa com duas Casas de representação, uma para as autoridades locais e outra para as autoridades regionais. Disponíveis em: <http://www.coe.int/T/Congress/Default_en.asp>. Acesso em: 26 abr. 2006. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 64 No entanto, os avanços mais significativos no que diz respeito à situação jurídica das entidades subnacionais em matéria de relações exteriores são resultado das inovações do Direito Interno (JOS, 2002, p. 17). Este é o caso da França, que iniciou um processo que conferiu autonomia para que suas possessões além-mar e as autoridades locais do continente pudessem conduzir algum tipo de cooperação com seus vizinhos estrangeiros. As ações dentro do sistema interamericano não são tão avançadas quanto o sistema europeu, mas não deixam de ser significativas no reconhecimento da importância dos entes subnacionais. Um grande déficit no continente americano é ausência de dispositivos comuns que legalizem e legitimem a ação subnacional no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) ou no âmbito de organizações de integração regional. Um ponto em comum com o tratamento do Conselho da Europa, diz Jos (2002, p. 27), é a ênfase na descentralização, porém com uma originalidade marcante. Enquanto na Europa a questão gira em torno da autonomia das liberdades locais, na América, foca-se o desenvolvimento da democracia participativa. No âmbito Mercosul, mesmo não existindo nenhum acordo específico que incentive a descentralização ou a cooperação subnacional, é possível verificar a reforma constitucional da Argentina, que ofereceu autonomia às províncias e a Buenos Aires para que possam conduzir determinadas relações externas. É o que ocorre também no Brasil, embora com uma dimensão muito mais restrita. Desta forma, embora as inovações do Direito Interno sejam restritas, não são isentas de um toque universalista, na medida em que mais e mais Estados se convençam da necessidade de incentivar legalmente as relações externas de seus membros subnacionais. 4.2.1 Convenção de Madri sobre a cooperação transfronteiriça e Protocolos adicionais O contato entre as entidades subnacionais européias desenvolveu-se sob o aspecto da jumelage40 ou, das trocas sócio-culturais entre cidades fronteiriças. Este movimento não se 40 Movimento de geminação de cidades (também chamado towntwinning ou jumelage de villes), que despontou na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Abre vias para conhecer melhor a vida quotidiana dos cidadãos de outros países da Europa, trocar idéias e experiências, desenvolver projetos conjuntos sobre questões de interesse comum, como a integração local, o ambiente, o desenvolvimento econômico, ou a diversidade cultural. A Comissão Européia subvenciona iniciativas de geminação que incluem programas educativos sobre tópicos de interesse europeu. Disponível em: <http://ec.europa.eu/towntwinning/index_fr.html>. Acesso em: 16 mar. 2007. Clara Maria Faria Santos 65 restringiu aos municípios, uma vez que as regiões também passaram a agir intensamente nas atividades externas na Europa; o movimento da mesma forma não se restringiu a cooperação fronteiriça, atingindo proporções continentais e mundiais. O Conselho da Europa teve um papel importante e pioneiro em favor da legitimação e da promoção da cooperação das entidades subnacionais (ROUSSET, 1998, p. 59), isto porque foi assinado em seu âmbito a Convenção-quadro européia sobre a cooperação transfronteiriça das coletividades ou autoridades locais de 1980 (CONSELHO DA EUROPA, 1980)41, também denominada Convenção de Madri e os Protocolos adicionais a Convençãoquadro, de 1995 (CONSELHO DA EUROPA, 1995)42 e de 1998 (CONSELHO DA EUROPA, 1998)43. De acordo com a art. 1o, as partes na Convenção de Madri se comprometem a facilitar e promover a cooperação transfronteiriça das coletividades e autoridades locais sob sua jurisdição. Essa cooperação deve se estender somente às competências internas de cada coletividade. O art. 2o define cooperação como uma forma de concertação que visa o desenvolvimento das relações fronteiriças entre coletividades ou autoridades locais. Por coletividades ou autoridades locais, a Convenção entende como as coletividades, autoridades ou organismos que exercem funções territoriais e regionais semelhantes no Direito Interno de cada Estado. De acordo com o art. 2o ainda, Estados membros poderão assinar acordos interestatais para melhor regulamentar da cooperação das coletividades e autoridades locais e se comprometem, segundo o art. 4o, a facilitar a solução de dificuldades de ordem jurídica, administrativa ou técnica que possa oferecer obstáculo à cooperação. À época da assinatura da Convenção de Madri, a cooperação subnacional parecia uma ameaça à soberania dos Estados, por essa razão, o texto foi redigido de forma bastante prudente (DOLEZ, 1996, p. 1005). Quinze anos após a assinatura da Convenção, o Conselho da Europa avaliou que havia duas deficiências fundamentais no processo de cooperação transfronteiriça: por um lado, faltava o engajamento efetivo dos países para promover a cooperação entre as coletividades locais, uma vez que os Estados eram apenas convidados a 41 Foi assinada em 21 de maio de 1980 em Madri, mas entrou em vigor apenas em 22 de dezembro de 1981 com as quatro primeiras ratificações. Atualmente conta com 34 países que ratificaram a Convenção. Disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/fr/Treaties/Html/106.htm>. Acesso em: 22 out. 2006. 42 Foi assinado em 9 de novembro de 1995 em Strasbourg, entrando em vigor em 1 de dezembro de 1998. Atualmente conta com 8 assinaturas sem ratificação e 17 países que ratifcaram a Convenção. Disponível em: <http://conventions.coe.int/treaty/fr/Treaties/Html/159.htm>. Acesso em: 22 out. 2006. 43 Foi assinado em 5 de maio de 1998 em Strasbourg, e entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2001. Hoje conta com 8 assinaturas sem ratificação e 15 países que ratifcaram a Convenção. Disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/fr/Treaties/Html/169.htm>. Acesso em: 22 out. 2006. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 66 facilitar a cooperação; por outro lado, o texto não reconhecia verdadeiramente o direito a estas coletividades para concluir acordos transfronteiriços, faltando às coletividades os instrumentos jurídicos necessários para cooperar eficientemente (DOLEZ, 1996, p. 1006). Para resolver esta lacuna, os Estados partes na Convenção modificavam seu direito interno, como a França, ou assinavam acordos bilaterais ou multilaterais, como a Convenção Benelux de 12 de setembro de 1986, a Convenção Germano-holandesa, assinado em Isselburg-Anholt em 23 de maio de 1991, o acordo franco-italiano, assinado em Roma em 26 de novembro de 1993, o acordo franco-espanhol, assinado em Barcelona, em 10 de março de 1995, o acordo franco-alemão, assinado em 3 de maio de 1995, que posteriormente teve as adesões de Luxemburgo e Suíça (DOLEZ, 1996, p. 1006-1007). Mas, foi apenas com a assinatura do Protocolo adicional em 1995 que as lacunas da Convenção-quadro puderam ser sanadas. O Protocolo adicional reconheceu claramente a capacidade jurídica das coletividades territoriais de conduzir acordos de cooperação com entidades subnacionais estrangeiras e trouxe um esclarecimento ao regimento jurídico da cooperação transfronteiriça, oferecendo às coletividades um novo instrumento de cooperação. O reconhecimento da capacidade jurídica dos entes subnacionais de concluir acordos exteriores, segundo Dolez (1996, p. 1008), encontra-se no art. 1o do protocolo o qual reza que cada parte contratante reconhece e respeita o direito das coletividades ou autoridades territoriais submetidas a sua jurisdição de concluir, dentro dos limites de sua competência, acordos de cooperação transfronteiriça com coletividades ou autoridades territoriais de outros Estados, respeitando os engajamentos internacionais do país a que pertence. Com forte influência da legislação francesa, o protocolo adere à condição de que a cooperação deve se limitar às competências de cada coletividade territorial, Dolez (1996, p. 1009) interpreta, então, que o protocolo se ajusta claramente à doutrina majoritária, a qual entende que a cooperação transfronteiriça não é uma nova competência das coletividades locais, mas um modo de exercício das competências já existentes. Ainda sob influência da legislação francesa, o protocolo entende que a cooperação deve ser respeitar os compromissos internacionais feitos pelo governo central. Um dos objetivos do Protocolo adicional era de criar mecanismos jurídicos de cooperação para as entidades subnacionais. Um desses mecanismos é a afirmação do valor jurídico dos acordos concluídos no quadro de cooperação transfronteiriça; o outro mecanismo é a criação de organismos transfronteiriços. É no art. 2º que encontramos o reconhecimento do valor jurídico da cooperação convencional entre as entidades subnacionais. De acordo com este artigo, as decisões tomadas Clara Maria Faria Santos 67 em um acordo de cooperação transfronteiriça são colocadas em prática pelas coletividades ou autoridades locais dentro do quadro jurídico nacional em conformidade com o Direito Interno. Essas decisões, assim, tem valor jurídico e seus efeitos que se ligam aos atos das coletividades ou autoridades locais dentro da ordem jurídica nacional. A cooperação feita por organismos criados com esse propósito está prevista nos artigos 3º, que diz, os acordos de cooperação transfronteiriços concluídos pelas coletividades ou autoridades territoriais podem criar um organismo de cooperação transfronteiriça com ou sem personalidade jurídica. As entidades subnacionais dispõem, a partir daqui, de três possibilidades: - a criação de um organismo sem personalidade jurídica. Trata-se da forma mais antiga de cooperação descentralizada, constituindo-se em conferências ou comunidades de trabalho para institucionalizar as relações entre as entidades subnacionais (DOLEZ, 1996, p. 1015); - a criação de um organismo com apenas uma nacionalidade com personalidade jurídica de direito privado ou público. Dolez explica (1996, p. 1017) que o Protocolo permite que as entidades subnacionais façam parte de um agrupamento exterior, mas abre também a possibilidade para entidades estrangeiras participarem das estruturas nacionais; - a criação de um organismo com personalidade jurídica pública plurinacional. A assinatura do segundo Protocolo adicional em 1998 permitiu que a cooperação subnacional na Europa se expandisse, transformando-se de transfronteiriça para interterritorial, abrangendo-se assim as relações de entidades subnacionais que não são vizinhas. De forma que as disposições da Convenção-quadro e do primeiro Protocolo adicional aplicam-se igualmente a este tipo de cooperação. Albert (2002, p. 40) lembra que a Convenção de Madri e seus protocolos têm dois limites marcantes: trata-se de uma cooperação apenas entre entidades subnacionais e uma dinâmica que se restringe à Europa. Apesar dessas limitações, a questão que se faz relevante é se esse quadro jurídico é suficiente para conferir a personalidade jurídica às entidades subnacionais. Sobre o assunto, Dolez (1998, p. 1010) pondera que as Relações Internacionais são da alçada dos Estados e a cooperação transfronteiriça não pertence ao Direito Internacional Público. Assim, o autor acredita que a Convenção de Madri e esses Protocolos adicionais não conferem personalidade internacional às entidades subnacionais, uma vez que os acordos concluídos por essas entidades têm sua fonte no Direito Interno de cada país. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 68 Entretanto, devemos considerar que os Estados são a origem da personalidade das entidades subnacionais, pois é a partir deles que elas podem operar. Dominicé (2002, p. 56) exprimiu muito bem esta noção ao inferir que interrogar-se sobre a contribuição das entidades subnacionais para a formação do Direito Internacional é lembrar primeiramente qual é a contribuição dos Estados, para examinar em seguida nesta perspectiva qual pode ser o papel das entidades subnacionais, isto por que os Estados são a origem do Direito Internacional e nos casos em que encontramos competências legislativas supranacionais, ou um poder de regulamentação em favor de uma Organização Internacional, são atribuições de competências consentidas pelos Estados por meio de convenções. Da mesma forma, a capacidade internacional dos estados federados tem origem no Direito Interno e isto de modo algum tira a validade do reconhecimento da personalidade jurídica internacional destas entidades, mas, ao contrário, é um requisito indispensável para a sua existência. O que devemos, de fato, considerar para analisar a personalidade internacional das entidades subnacionais é o reconhecimento da capacidade jurídica internacional destas unidades. A partir do momento que, como constata Dominicé (2002, p. 57), as entidades subnacionais podem ser parte de convenções internacionais, podem igualmente ser chamadas a participar da elaboração de textos jurídicos destinados a tornar-se seja instrumentos convencionais, seja atos jurídicos de Organizações Internacionais, participam, assim, da formação de Direito Internacional. E, neste caso, fica evidente a existência da sua capacidade jurídica internacional. Pellet (2002, p. 203, nossa tradução) coloca sabiamente a questão da seguinte maneira: [...] a partir do momento que constamos que uma entidade tem direitos e obrigações sobre o plano internacional, podemos dizer que existe a personalidade. Esta conclusão é dedutiva e não indutiva. [...] O que é um sujeito de Direito Internacional Público? Qualquer um [...] que tenha capacidade de sustentar direitos e obrigações. As entidades subnacionais têm essa capacidade? Parece-me que sim. [...] se o Estado autoriza a coletividade a agir em seu nome próprio, a se representar independentemente, trata-se de uma personalidade delegada pelo Estado, mas ela existe. [...] Não é necessário falar em termos de poder, mas de competência. As entidades subnacionais não têm competências inerentes, mas a elas podem ser reconhecidas competências, por que elas têm a capacidade de exercê-las. Não se trata de uma personalidade funcional como das Organizações Internacionais, poderíamos dizer que elas têm uma personalidade para tudo aquilo que concerne seu território.44 44 No original: “[...] à partir du moment où on contaste qu’une entité a des droits et des obligations sur le plan international, on peut dire qu’elle a la personalité juridique. Ma démarche é déductive et non pas inductive. [...] Clara Maria Faria Santos 69 Assim, ao verificarmos que as entidades subnacionais de fato assumem direitos e deveres no plano internacional e respeitando o que a doutrina de Direito Internacional Público prega – o reconhecimento interno e externo da capacidade internacional dessas entidades – podemos considerar que as entidades subnacionais possuem personalidade internacional e que a Convenção de Madri seus Protocolos contribuem para o reconhecimento desta personalidade. 4.2.2 França A França constitui-se num exemplo de destaque no que diz respeito aos avanços do Direito Interno para a legalização das ações internacionais de seus entes subnacionais, que se constituem em regiões, departamentos e municípios. Embora unitária, a França possui uma legislação infraconstitucional que garante às suas partes constituintes a autorização para manter relações de cooperação descentralizada com outras entidades subnacionais estrangeiras, abrangendo questões como promoção econômica, turística, cultural e ajuda humanitária e de urgência. Em parte, a atitude francesa pode ser entendida pela abundante atividade nas cidades e regiões através das fronteiras com a Alemanha, Espanha, Itália e Bélgica, o que proporcionou um efeito multiplicador das relações externas das coletividades locais (KUGELMAS; BRANCO, 2002, p. 169). Já em 1957, as numerosas relações fronteiriças ensejaram a criação da Federação Mundial das Cidades Unidas45 com status de organização não-governamental (JOS, 2002, p. Qu’est que ce qu’un sujet de droit international? Quelqu’un qui a la capacité d’avoir des droits et des obligations. Les collectivités territoriales non-étatiques ont-elles cette capacité? Il me semble que oui. [...] si l’État autorise la collectivitá territoriale à agir en son nom propre, à se représenter elle-même, certes il s’agit d’unepersonalité déléguée par l’État, mais il existe. [...] Il ne faut pas parler en terme de pouvoir mais de competénce. Les collectivités territoriales non-étatiques n’ont pas des competénces inhérentes mais elles peuvent se voir reconnaître des competénces parce quelles ont la capacité d’en exercer. Je ne pense pas qu’il s’agisse d’une personnalité pour les organisations internationeles. Ce qui voudrait dire qu’elles ont une personnalité pour tout ce qui concerne leur territorialité propre.” 45 A Federação Mundial das Cidades Unidas, criada em 1957, conta com mais de 1400 autoridades locais associadas. Em 2004, fundiu-se com a União Internacional de Cidades e Poderes Locais, formando a Cidades e Governos Locais Unidos, maior organização mundial de governos locais, com a pretensão de se tornar a voz única e defensora da autonomia local democrática na cena internacional, em particular na ONU e nas suas agências. Disponível em: <http://www.fmcu-uto.org/>. Acesso em: 15 de maio de 2007. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 70 18), permitindo que as entidades subnacionais se relacionassem internacionalmente com algum tipo amparo jurídico. Diante da demanda interna e da iniciativa da Convenção de Madri de 1980, a legislação francesa modernizou-se, legitimando as relações de cooperação transfronteiriça das entidades locais por meio de leis infraconstitucionais. Jos (2002, p. 18) explica que, apoiandose no princípio de livre administração prevista no art. 72 da Constituição (FRANÇA, 1958), foi aprovada a lei de descentralização em 1982 (FRANÇA, 1982b), com a qual as competências legais internas das coletividades locais tiveram uma nova dimensão (ROUSSET, 1998, p. 34), e a essas entidades foi possível iniciar cooperação com coletividades territoriais estrangeiras fronteiriças por meio do Conselho Regional e com o consentimento do governo. Ainda em 1982, a lei relativa à organização das regiões de alémmar, Guadalupe, Guiana, Martinica (FRANÇA, 1982a), possibilitou a essas regiões a atuação externa para a solução de problemas locais, dando início a uma série de leis que aumentaram progressivamente as competências dessas regiões para tratarem de seus assuntos externos. Rousset (1998, p. 29) avalia que a cooperação por meio destas leis ainda era muito limitada, pois autorizava a participação apenas do Conselho Regional, excluindo os departamentos fronteiriços. Outra limitação se fazia em relação à outra parte na cooperação, que se restringia às autoridades limítrofes descentralizadas. Por fim, as possibilidades de atuação fora da fronteira francesa eram restritas, pois o único instrumento possível de cooperação era a concertação46. Foi apenas nos anos 90 que a perspectiva da legislação se ampliou, abrangendo a cooperação descentralizada. A lei sobre a administração territorial da República de 1992 (FRANÇA, 1992) autorizou expressamente as coletividades locais a concluir convenções com autoridades descentralizadas estrangeiras dentro de suas competências e em respeito às orientações internacionais da França. Desta forma, o campo de atuação para as coletividades locais em âmbito internacional se ampliou, ainda que tenha permanecido sob o controle administrativo do governo francês, uma vez que as referidas convenções só entram em vigor a partir da comunicação oficial ao representante do Estado. Em caso de litígio relativo à aplicação das convenções acordadas entre as entidades subnacionais, este deverá ser apreciado judicialmente no país onde aparecerem os elementos do litígio, ou em local estipulado entre as partes (ROUSSET, 1998, p. 41). 46 Entendimento entre as partes sobre um assunto, sem vinculação jurídica em âmbito internacional. Clara Maria Faria Santos 71 As condições dos acordos internacionais das entidades subnacionais francesas segundo a lei sobre a administração territorial de 1992 (FRANÇA, 1992) são as seguintes: 1) limite quanto às partes contratantes, que se constituem nas cidades, departamentos, regiões e agrupamentos, como sindicatos, distritos e comunidades urbanas, do lado francês e entidades similares estrangeiras de outro; 2) limite quanto às competências internas das entidades subnacionais; e 3) respeito aos engajamentos internacionais da França. Rousset (1998, p. 39) lastima que os Estados e as Organizações Internacionais tenham sido excluídos das partes contratantes possíveis, pois tira a oportunidade das entidades subnacionais francesas participarem de diversas operações de cooperação técnica e cultural. A evolução da normativa continuou com a lei de orientação para o desenvolvimento e a organização do território de 1995 (FRANÇA, 1995), que dispôs sobre os instrumentos jurídicos apropriados para a cooperação internacional das coletividades locais dentro da integração regional (JOS, 2002, p. 19). Esta lei tornou possível a criação de agrupamentos de interesse público para implementar e gerir, durante um tempo determinado, todos os projetos e programas de cooperação com as coletividades locais da Comunidade Econômica Européia. Rousset (1998, p. 43) questiona se os acordos de cooperação negociados pelas coletividades locais pertencem ao domínio do Direito Internacional ou do Direito Interno. Na sua opinião, as convenções estão no campo do Direito Interno, pois são submetidas ao controle do direito comum, consistindo na transmissão à autoridade local e, não havendo objeção, publicação. É nesse sentido que o Conselho de Estado francês, num parecer de 25 de outubro de 1994, entendeu que os acordos feitos pelas entidades subnacionais não estavam na esfera do Direito Internacional Público, pois estão submetidos às regras de legalidade interna (ALBERT, 2002, p. 40). Rousset (1998, p.77), no entanto, reconhece claramente que as entidades subnacionais francesas, incluindo os municípios, possuem capacidade jurídica para conduzir ações externas, consagrada pela legislação interna, baseada na lei sobre a administração territorial de 1992, e pelo Direito Internacional Público, embasada na Convenção de Madri de 1980 e no Protocolo Adicional de 1995. É nesse sentido que autores, como Pellet, reconhecem que as coletividades territoriais da Europa, nas quais podemos enquadrar os municípios franceses são reconhecidos como sujeitos parciais de Direito Internacional Público, pois a elas é reconhecida a capacidade internacional. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 72 4.2.3 Argentina O estudo da legislação Argentina tem uma significativa importância para o nosso trabalho, pois, como destaca Colacrai e Zubelzú (2004, p. 337) as atividades externas de suas províncias têm sido acompanhadas por uma legislação adequada. Isto inclui uma reforma na Constituição federal, em 1994, aumentando as competências internacionais das províncias e reformas nas suas próprias Cartas provinciais para regulamentar essas competências. O art. 123 da Constituição federal (ARGENTINA, 2004) reza que cada província será regida por sua própria Constituição, na qual é assegurada a autonomia municipal e regulados o alcance e conteúdo das ordens institucional, política, administrativa, econômica e financeira. O art. 124 complementa que as províncias podem celebrar convênios internacionais, com conhecimento do Congresso Federal, desde que não sejam incompatíveis com a política externa da Nação e não afetem as faculdades delegadas ao Governo federal ou o crédito público da Nação. Entretanto, o art. 126 ressalva que não podem editar leis sobre cidadania e naturalização, tampouco nomear ou receber agentes estrangeiros. O art. 129 (ARGENTINA, 2004), no entanto, tem um maior interesse para nós, uma vez que transformou Buenos Aires na primeira cidade autônoma da Argentina, possuindo também competências para atuar no cenário internacional. Segundo o referido artigo, a cidade de Buenos Aires tem um regime de governo autônomo, com faculdades próprias de legislação e jurisdição. Regulamentando este artigo, a lei de garantia dos interesses nacionais sobre a cidade de Buenos Aires (ARGENTINA, 1995), sancionada em novembro de 1995, art. 14 rege que: [...] a cidade de Buenos Aires poderá celebrar convênios e fazer financiamento internacional com entidades públicas e privadas, sempre que não sejam incompatíveis com a política exterior da nação e não afete o crédito público da mesma, com a intervenção que corresponda às autoridades do Governo da Nação. Colacrai e Zubelzú (2004, p. 334) lembram ainda que esta lei fomenta a instalação de sedes e delegações de organismos internacionais e do MERCOSUL na cidade de Buenos Aires. Diante da atribuição de competência internacional à cidade de Buenos Aires e de um possível acordo com um sujeito de Direito Internacional, em conformidade com doutrina de Clara Maria Faria Santos 73 Direito Internacional Público é possível reconhecer Buenos Aires como sujeito parcial de Direito Internacional. 4.2.4 Brasil A Constituição de 1988 do Brasil (BRASIL, 1988) permitiu mecanismos novos para uma maior descentralização e autonomia das entidades federadas brasileiras. O art. 1º da Constituição prevê que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos estados, do distrito federal e dos municípios, e o art. 18 estabeleceu que cada uma dessas entidades da Federação tem autonomia de organização político-administrativa. Prazeres (2004, p. 295) explica que em matéria de política externa, no entanto, a Constituição de 1988 ainda mantém a centralização do poder central na representação internacional do país. Nesse sentido, o art. 21, inc. I, diz competir à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de Organizações Internacionais; por sua vez, o art. 84, inc. VIII determina competir privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; e o art. 49, inc. I dispõe competir exclusivamente ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Devemos considerar, entretanto, o art. 52, inc. V e VII (BRASIL, 1988), que dispõem: Compete privativamente ao Senado Federal: V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal; Dessa forma, podemos considerar que os entes federados do Brasil, incluindo os municípios, possuem competência para celebrar acordos internacionais de natureza financeira, ao que muitos autores consideram tratados na acepção do Direito Internacional quando realizados com Organizações Internacionais (MELLO, 1994, p. 300). Devemos observar que esta personalidade internacional é muito limitada, se estendendo somente aos acordos de natureza financeira. É por isto que alguns autores O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 74 sugerem reformas na legislação brasileira, de forma a aumentar as competências internacionais dos estados e municípios. Essa possibilidade foi de fato experimentada por André Costa, ao apresentar um projeto de emenda constitucional (PEC) (BRASIL, 2005) ao Congresso Nacional, que acrescentaria um parágrafo ao art. 23 da Constituição para permitir que estados, distrito federal e municípios pudessem promover atos e celebrar acordos ou convênios com entes subnacionais estrangeiros. A PEC apresentada pelo então deputado foi considerada inadmissível pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em parecer apresentado pelo relator Ney Lopes. Segundo o relator, o projeto é uma afronta à autonomia reconhecida aos entes estatais uma vez que para a prática dos tais atos internacionais necessitaria de autorização da União. Diz Lopes (2006, p. 3) “autorizar, neste caso, é exercer poder sobre a vontade de outrem, e a Constituição da República não abriga muitos casos do exercício desse poder.” Lopes ainda entende que não há nada no texto constitucional que impeça estados, distrito federal e municípios de celebrar atos internacionais com quaisquer pessoas estrangeiras, sejam elas dotadas ou não de personalidade jurídica de direito internacional. Segundo o relator, a liberdade de celebrar esses atos é decorrente da autonomia declarada no art. 18 da Constituição da República e sua liberdade é ampla e submissível a apenas dois limites: aos casos nos quais o legislador constituinte deliberou restringi-la (art. 52, inciso V) e ao próprio conjunto de competências atribuídas aos entes estatais pela Constituição da República. Com esse parecer, Lopes não está sugerindo que os entes federados brasileiros tenham personalidade jurídica internacional. Lopes entende que os atos internacionais os quais os estados e municípios podem celebrar não são tratados e não provêem do Direito Internacional. Este entendimento também é comum à Consultoria Jurídica do Itamaraty, que rechaça a atuação externa direta de unidades federados no Brasil (PRAZERES, 2004, p. 301). Em evento promovido pelo Ministério das Relações Exteriores sobre negociações internacionais de estados e municípios, realizado em Brasília em 8 de agosto de 2006, o consultor jurídico do Itamaraty, Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros (MEDEIROS apud BORGES, 2006) afirmou em seu discurso sobre “Ação Externa dos Estados e Municípios” que municípios não têm capacidade jurídica para celebrar tratados internacionais, podem apenas assinar convênios. Esses convênios seriam acordos internacionais não regidos pelo Direito Internacional Público. Podemos, contudo, fazer uma interpretação diferente. A personalidade internacional de entidades subnacionais depende, como vimos, do reconhecimento da sua capacidade Clara Maria Faria Santos 75 internacional. Esta, por sua vez, é vinculada ao reconhecimento da possibilidade de estabelecer atividades externas pelo Direito Interno e ao reconhecimento desta capacidade pela comunidade internacional. Segundo teóricos internacionalistas, o reconhecimento dado pelo Direito Interno deve ser fruto de legislação constitucional, mas há outros autores, como Lissitzyn, que acreditam que esse reconhecimento pode ser dado apenas pela autorização do poder central. Desta forma, podemos entender que o reconhecimento da possibilidade de atuação internacional dos municípios brasileiros registrado por Lopes e Medeiros pode se constituir numa autorização válida do governo federal para o estabelecimento de ações externas regidas pelo Direito Internacional. Pois, neste caso tendo os municípios assinado um acordo com um sujeito de Direito Internacional, teríamos os dois pré-requisitos para o reconhecimento da capacidade jurídica dessa entidade: o reconhecimento da comunidade internacional e a autorização do poder central. Outra forma da autorização federal para a atuação externa dos municípios brasileiros pode ser registrada por meio da criação de uma agência no intuito de conhecer e controlar as ações autônomas externas de seus entes federados, a Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA)47. Assim, podemos reconhecer a personalidade internacional parcial das entidades federadas brasileiras, no caso os municípios em especial, não apenas para a competência descrita no art. 52, inc. V da Constituição, mas também para acordos internacionais celebrados por estas entidades com outras pessoas jurídicas internacionais na esfera de suas competências autônomas. Isto porque, a semelhança do que ocorre, por exemplo, na França, o direito de contratar internacionalmente reconhecido às entidades subnacionais não constituem uma competência nova que se atribui a elas, mas trata-se de um modo particular de exercício das competências normalmente atribuídas às elas. É interessante notar, assim, que o princípio constitucional de livre administração é suficiente para fundamentar juridicamente a ação internacional das entidades subnacionais (ROUSSET, 1998, p. 41). No Brasil, então, podemos fazer referência constitucional à autonomia conferida pelo art. 18 da Constituição (BRASIL, 1988). 47 A AFEPA é uma unidade de assistência direta e imediata ao Ministro de Estado das Relações Exteriores. Sua competência é promover a articulação entre o Ministério das Relações Exteriores e o Congresso Nacional e providenciar o atendimento às consultas e aos requerimentos formulados; promover a articulação entre o Ministério e os Governos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com o objetivo de assessorá-los em suas iniciativas externas e providenciar o atendimento às consultas formuladas. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/portugues/ministerio/sitios_secretaria/afepa/afepa.asp>. Acesso em: 20 jan. 2007. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho, intentou-se, a partir doutrina de Direito Internacional Público que lida com a personalidade internacional de estados federados, reconhecer que os municípios podem ser qualificados de sujeitos parciais de Direito Internacional. A temática foi ensejada pela constatação de que essas entidades subnacionais vêm atuando no cenário internacional com freqüência cada vez maior nessas últimas décadas, com significativa importância para o desenvolvimento local, motivo pelo qual, as Relações Internacionais passaram a considerar estas entidades como atores internacionais. O questionamento acerca da existência de personalidade jurídica dos municípios acompanha também a evolução do Direito Internacional, pois este, na medida em que se desenvolve, modifica a concepção de sujeito de Direito internacional, no sentido de ampliar o seu alcance (BEREZOWSKI, 1938, p. 5), englobando as transformações ocorridas nas Relações Internacionais. A jurisdização das relações externas dos municípios, ensejando o reconhecimento da sua personalidade internacional, constitui-se num importante instrumento para a validação da ação internacional destas unidades. Neste sentido, podemos nos valer das considerações de Rousset (1998, p. 23), para quem a ausência do enquadramento jurídico para as ações internacionais de entidades subnacionais parece inoportuno, pois lhes permite uma liberdade que pode trazer riscos a elas mesmas, pois os erros de apreciação dos formuladores de política local em uma possível avaliação subestimada das implicações de um engajamento nas Relações Internacionais além do quadro tradicional das relações protocolares podem comprometer a defesa dos interesses locais; e ao Estado há o risco de um possível desrespeito das entidades subnacionais aos limites traçados pela política externa do país, por ausência de um enquadramento jurídico que impeça tal fato. Em virtude disto, tentou-se demonstrar que, tendo a doutrina de Direito Internacional Público reconhecido que os estados federados, em determinadas situações, podem possuir a personalidade internacional, os municípios ao se encontrarem nesta mesma situação também podem ter a sua personalidade internacional reconhecida. A doutrina aponta que as condições para existência desta personalidade são o reconhecimento da capacidade jurídica internacional da entidade em questão por parte do Direito Interno do país a que pertencem e por parte do Direito Internacional Público. Na prática, o reconhecimento da capacidade internacional dos estados federados, apontada na doutrina, pelo Direito Interno constitui-se na atribuição de Clara Maria Faria Santos 77 competências para as entidades federadas lidarem com assuntos internacionais pela legislação do Estado; e o reconhecimento da capacidade internacional dos entes federados pelo Direito Internacional constitui-se na celebração de um acordo entre a unidade federada e um membro da comunidade internacional. Os estados federados foram reconhecidos como sujeitos de Direito Internacional Público, pois ao longo da História foram assumindo direitos e deveres no plano internacional, por meio do estabelecimento de contatos com outros sujeitos internacionais e com a conclusão de tratados. As relações externas dos estados federados ensejaram reformas legislativas em diversos países no sentido de reconhecer a capacidade internacional dessas entidades, conferindo-lhes competência em matéria internacional. Este é o caso, por exemplo, da Alemanha e da Bélgica. Os municípios vêm passando pelo mesmo processo. Eles atuam cada vez mais expressivamente nas Relações Internacionais, estabelecendo contatos e concluindo acordos com outros sujeitos internacionais. Ou seja, os municípios vêm assumindo direitos e deveres no plano internacional. Esses direitos e deveres assumidos pelos municípios demonstram que essas entidades têm capacidade internacional, ainda que limitada. Diante da capacidade internacional dos municípios, seria possível reconhecê-los como sujeitos parciais de Direito Internacional Público. Contudo, à semelhança dos estados federados, o reconhecimento da personalidade jurídica internacional dos municípios está sujeita a duas condições, à atribuição de competência em matéria internacional pela legislação interna e ao reconhecimento dessa personalidade pela comunidade internacional. No nosso entendimento, essas condições vem sendo gradativamente sanadas, em casos como da Argentina, que reformou recentemente sua Constituição, ou de maneira mais ampla, proporcionada pela integração regional, como na União Européia que ensejou a assinatura do Protocolo para a Cooperação Transfronteiriça das Coletividades e Autoridades Locais. É por isso que Pellet (2002, p. 198) conclui, na nossa opinião de forma acertada, que estas entidades são sujeitos, ao menos potenciais, de Direito Internacional Público. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 78 REFERÊNCIAS ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. 2. ed. Rio de Janeiro: MRE, 1956. v. 1. ALBERT, Jean-Luc. L’action externe des collectivités infra-étatique. In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales non-étatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002. ALEMANHA. Constituição da República Federal de 23 de maio de 1949. Disponível em: <http://www.brasilia.diplo.de/Vertretung/brasilia/pt/03/Constituicao/indice_20geral.html>. Acesso em: 22 out. 2006. ARGENTINA. Constituição da República, reformada em 24 de agosto de 1994. Disponível em: <http://www.senado.gov.ar/web/interes/constitucion/cuerpo1.php>. Acesso em: 19 jan. 2007. ARGENTINA. Ley n. 24.588 de 8 de novembro de 1995 de garantia de los intereses del Estado nacional en la ciudad de Buenos Aires. Disponível em: <http://infoleg.mecon.gov.ar/infolegInternet/anexos/30000-34999/30444/norma.htm>. Acesso em: 19 jan. 2007. ÁUSTRIA. Constituição Federal, reformada em 2000 . Disponível em: <http://www.ris.bka.gv.at/erv/erv_1930_1.pdf>. Acesso em 8 maio 2007. BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. BARBÉ, Esther. Relaciones internacionales. 2. ed. Madri: Tecnos, 2003. BARBERIS, Julio A. Nouvelles questions concernant la personalité juridique internationale. Recueil des Cours, Haya, v. 179, n. I, p. 145-304, 1983. BARBERIS, Julio. Los sujetos del Derecho Internacional. Actual. Madrid: Tecnos, 1984. Clara Maria Faria Santos 79 BÉLGICA. Constituição Federal, reformada em 26 de março de 2005. Disponível em: <http://www.senate.be/doc/const_fr.html#art167>. Acesso em: 22 out. 2006. BELTRÁN GARCIA, Susana. Los acuerdos de las comunidades autónomas españolas: marco jurídico actual y perspectivas de futuro. Barcelona: Universitat Autònoma de Barcelona, 2001. BEREZOWSKI, Cezary. Les sujets non souverains du Droit International. Recueil des Cours, Haya, v. 65, n. III, p. 1-85, 1938. BLANES SALA, José. Caracterização do marco jurídico de atuação internacional dos municípios brasileiros. Linha de pesquisa. In: VIGEVANI, Tullo (Coord.). Gestão pública e inserção internacional das cidades. São Paulo: CEDEC/PUC/FUNDAP, projeto de pesquisa apresentado à FAPESP, 2005. BLANES SALA, José. La participación extrainstitucional de las regiones europeas en los instrumentos de política regional comunitaria. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. BLANES SALA, José. O conceito de soberania do Estado ante o fenômeno de integração econômica e união política. In: CASELLA, Paulo Borba. Contratos internacionais e direito econômico no MERCOSUL. São Paulo: LTr, 1996. BOGÉA FILHO, Antenor Américo M. A diplomacia federativa: do papel internacional e das atividades externas das unidades federativas nos estados nacionais. 2001. 195 f. Dissertação (Mestrado) – XLII Curso de Altos Estudos, Instituto Rio Branco, Brasília, 2001. BORGES, Cássia. Encontro discute formas como os municípios devem negociar internacionalmente. Agencia de Notícias da Confederação Nacional de Municípios, Brasília, 9 ago. 2006. Disponível em: <http://www.montadas.pb.gov.br/v4/conteudo.asp?iId=35027>. Acesso em: 8 maio 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa de 5 de dezembro de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 jan. 2007. BRASIL. Projeto de Emenda à Constituição n. 475 de 3 de novembro de 2005 para acrescentar parágrafo ao art. 23 da Constituição Federal para permitir que Estados, Distrito Federal e Municípios possam promover atos e celebrar acordos ou convênios com entes O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 80 subnacionais estrangeiros. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/353232.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2007. BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 3. ed. Oxford: Clarendon Press, 1979. COLACRAI, Miryam; ZUBELZÚ, Graciela. Las vinculaciones externas y la capacidad de gestión internacional. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. CONSELHO DA EUROPA. Convention-cadre européenne sur la coopération transfrontalière des collectivités ou autorités territoriales de 21 de maio de 1980. Disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/FR/Treaties/Html/106.htm>. Acesso em: 22 out. 2006. CONSELHO DA EUROPA. Protocole additionnel à la Convention-cadre européenne sur la coopération transfrontalière des collectivités ou autorités territoriales de 9 de novembro de 1995. Disponível em: <http://conventions.coe.int/treaty/fr/Treaties/Html/159.htm>. Acesso em: 22 out. 2006. CONSELHO DA EUROPA. Protocole n° 2 à la Convention-cadre européenne sur la coopération transfrontalière des collectivités ou autorités territoriales relatif à la coopération interterritoriale de 5 de maio de 1998. Disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/fr/Treaties/Html/169.htm>. Acesso em: 10 abr. 2007. CORNAGO PRIETO, Noé. O outro lado do novo regionalismo pós-soviético e da Ásiapacífico: a diplomacia federativa além das fronteiras do mundo ocidental. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Reparation for injuries suffered in the service of the United Nations, parecer consultivo de 11 de abril de 1949. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/icjwww/icjhome.htm>. Acesso em: 19 ago. 2006. COULÉE, Frédérique. Collectivités territoriales non-étatiques et champ d’appplication des traités internacionaux. In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales non-étatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002. CRAEN, Frank L. M. van de. The federated state and its treaty-making power. Revue Belge de Droit International, Bruxelas, v. XVII, n. 1, p. 377-424, 1983. Clara Maria Faria Santos 81 CRAWFORD, James. Collectivités territoriales et droit internacional de la responsabilité. In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales non-étatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002. CUNHA, Silva; PEREIRA, Maria Assunção do Vale. Manual de Direito Internacional Público. Coimbra: Almedina, 1981. DAVID, Eric. La responsabilité des États féderaux dans les relations internationales. Revue Belge de Droit International, Bruxelas, v. XVII, n. 1, p. 483-504, 1983. DEHOUSSE, Renaud. Fédéralism et relations internationales: une réflexion comparative. Bruxelas: Bruylant, 1991. DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2. ed. Tradução de Vítor Marques Coelho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro.18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1. DOLEZ, Bernard. Le Protocole additionnel à la Convention-cadre européenne sur la coopération transfrontalière des collectivités ou autorités territoriales. Revue Generale de Droit International Public, Paris, n. 4, p. 1005-1022, 1996. DOMINICÉ, Christian. Les collectivités territoriales non-étatiques el la formation du droit internacional. In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales non-étatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002. DUCHACEK, Ivo D. Perforated sovereignties: towards a typology of new actors in international relations. In: MICHELMANN, Hans J.; SOLDATOS, Panayotis (Orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. Oxford: Clarendon Press, 1990. ESTADOS UNIDOS DA ÁMERICA. Constituição de 14 de maio de 1787. Disponível em: <http://www.archives.gov/national-archivesexperience/charters/constitution_transcript.html>. Acesso em: 21 out. 2006. FELDMAN, David. International personality. Recueil des Cours, Haya, v. 191, n. I, p. 343413, 1985. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 82 FITZMAURICE, Gerald G. Third Report on the Law of Treaties. Yearbook of the International Law Commission, Nova Iorque, 1958, v. II. Disponível em: <http://untreaty.un.org/ilc/publications/yearbooks/Ybkvolumes(e)/ILC_1958_v2_e.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2006. FRANÇA. Constituição da República de 4 de outubro de 1958. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/html/constitution/constitution.htm>. Acessado em: 22 out. 2006. FRANÇA. Loi n. 82-1171 de 31 de dezembro de 1982a portant organisation des regions de Guadeloupe, de Guyane, de Martinique et de la reunion. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acessado em: 22 out. 2006. FRANÇA. Loi n. 82-213 de 2 de março de 1982b relative aux droits et libertes des communes, des departements et des regions. Disponível em: < http://www.legifrance.gouv.fr>. Acessado em: 22 out. 2006. FRANÇA. Loi n. 92-125 de 6 de fevereiro de 1992 relative à l'administration territoriale de la République. Disponível em: < http://www.legifrance.gouv.fr/texteconsolide/MCEBB.htm>. Acessado em: 22 out. 2006. FRANÇA. Loi n. 95-115 de 4 de fevereiro de 1995 d'orientation pour l'aménagement et le développement du territoire. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr>. Acesso em: 22 de out. 2006. HOCKING, Brian. Regionalismo: uma perspectiva das Relações Internacionais. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. HURRELL, Andrew. O ressurgimento do regionalismo na política internacional. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 23-59, 1995. JOS, Emmanuel. Collectivités territoriales non-étatiques et système juridique international dans le contexte de la mondialisation. In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales non-étatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002. Clara Maria Faria Santos 83 KEATING, Michael. Regiones y asuntos internacionales: motivos, oportunidades y estrategias. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. KEINERT, Ruben Cesar. As novas relações internacionais e as esferas subnacionais de governo no Brasil. In: VIGEVANI, Tullo (Coord.). Gestão pública estratégica de governos subnacionais frente aos processos de inserção internacional e integração latino-americana. São Paulo: CEDEC/PUC, relatório final apresentado à FAPESP, 2002. KUGELMAS, Eduardo; BRANCO, Marcello Simão. Os governos subnacionais e a nova realidade do federalismo. In: VIGEVANI, Tullo (Coord.). Gestão pública estratégica de governos subnacionais frente aos processos de inserção internacional e integração latinoamericana. São Paulo: CEDEC/PUC, relatório final apresentado à FAPESP, 2002. LAUTERPACHT, Hersch. Report on the Law of Treaties. Yearbook of the International Law Commission, Nova Iorque, v. II, 1953. Disponível em: <http://untreaty.un.org/ilc/publications/yearbooks/Ybkvolumes(e)/ILC_1953_v2_e.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2006. LE FUR, Louis. État fédéral et Confédération d’État. Paris: Machal et Billard, 1896. LESSA, José Vicente da Silva. A paradiplomacia e os aspectos legais dos compromissos internacionais celebrados por governos não-centrais. 2002. Tese (Mestrado) – XLIV Curso de Altos Estudos, Instituto Rio Branco, Brasília, 2002. LISSITZYN, Oliver J. Territorial entities other than independent States in the Law of Treaties. Recueil des Cours, Haya, v. 125, n. III, p. 1-91, 1968. LOPES, Ney. Relatório da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania sobre o Projeto de Emenda a Constituição n. 475/2005, 2006. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/388392.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2007. MARIANO, Marcelo Passini; BARRETO, Maria Inês. Questão subnacional e integração regional: o caso do MERCOSUL. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. MARIANO, Marcelo Passini; MARIANO, Karina L. Pasquariello. Uma interpretação do conceito de estado subnacional à luz das teorias de Relações Internacionais. In: VIGEVANI, Tullo (Coord.). Gestão pública estratégica de governos subnacionais frente aos processos de inserção internacional e integração latino-americana. São Paulo: CEDEC/PUC, relatório final apresentado à FAPESP, 2002. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 84 MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O poder de celebrar tratados: competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados à luz do direito internacional, do direito comparado e do direito constitucional brasileiro. 1993. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1993. MEERSCH, Walter Jean Ganshof van der; ERGEC, Rusen. Les relations extérieures des États à systéme constitutionnel régional ou fédéral. Revue de Droit International et de Droit Comparé, p. 297-333, 1986. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, v. I, 2004. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito constitucional internacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA FRANÇA. Disponível em: <http://www.diplomatie.gouv.fr/fr/article-imprim.php3?id_article=26301>. Acesso em : 16 mar. 2007. MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 26. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. NUNES, Carmen Juçara da Silva. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. 2005. Tese (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. OPESKIN, Brian R. Federal States in the international legal order. Netherlands International Review, Bruxelas, v. XLIII, p. 353-386, 1996. OPPENHEIM, Lassa. Tratado de Derecho Internacional Publico. 9. ed. Tradução de Lopez Olivan e Castro-Rial. Barcelona: Bosch, 1961. v. I. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de maio de 1969. In: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Coletânea de Direito Internacional. 3. ed. São Paulo: RT, 2005. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts. Resolução da Assembléia Geral 56/83 de 12 de dezembro de 2001. Disponível em: Clara Maria Faria Santos 85 <http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft%20articles/9_6_2001.pdf>. Acesso em: 2 maio 2007. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Draft articles on the Law of Treaties. Yearbook International Law Commission, v. II, 1966. Disponível em: <http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft%20articles/1_1_1966.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2006. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. El hermanamiento de las cuidades como medio de cooperación internacional. Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, A/RES/2861 XXVI, 1971. Disponível em : <http://www.un.org/spanish/documents/ga/res/26/ares26.htm>. Acesso em: 14 mar. 2007. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the International Law Commission covering the work of its fourteenth session, 24 abr. - 29 jun. 1962. Yearbook International Law Commission, Nova Iorque, v. II, 1962. Disponível em: <http://untreaty.un.org/ilc/publications/yearbooks/Ybkvolumes(e)/ILC_1962_v2_e.pdf>. Acesso em: 15 de ago. 2006. PELLET, Alain. Débats: les collectivités territoriales non-étatiques sujets du Droit International?: sous la présidence de Patrick Daillier. In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales non-étatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002. PEREIRA, Luis Cezar Ramos. Ensaio sobre a responsabilidade internacional do Estado e suas conseqüências no Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2000. PONS RAFOLS, Xavier; SAGARRA TRÍAS, Eduard. La acción exterior de la generalitat at en el nuevo estatuto de autonomía de Cataluña. Revista Electrónica de Estúdios Internacionales, n. 12, 2006. Disponível em: <http://www.reei.org/reei%2012/EstatutoCatalan(reei12).pdf>. Acesso em: 2 maio 2007. PRAZERES, Tatiana Lacerda. Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades federadas brasileiras. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984. O Reconhecimento dos Municípios como Sujeitos de DIP 86 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. RODRIGUES, Gilberto Marcos Antônio. A inserção internacional de cidades: notas sobre o caso brasileiro. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. ROUSSEAU, Charles. Derecho Internacional Publico. 3ª ed. Tradução de Fernando Gimenez Artigues. Barcelona: Ediciones Ariel, 1966. ROUSSET, Michel. L’action internacionale des collectivités locales. Paris: L.G.D.J., 1998. RUIZ FABRI, Hélène. Débats: les collectivités territoriales non-étatiques sujets du Droit International?: sous la présidence de Patrick Daillier. In: SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Jornée d’etudes: les collectivités territoriales non-étatiques dans le système juridique international. Paris: Editions A. Pedone, 2002. RUZIÉ, David. Droit International Public. 12. ed. Paris: Dalloz, 1961. SALOMÓN, Mónica; CANO, Javier Sánchez. El proceso de articulación de las autoridades locales como actores políticos y el sistema de Naciones Unidas. Agenda ONU, Barcelona, v. 6, p. 151-190, 2005. SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos de globalização. In: SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). A globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. SANTOS, Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. SCHWARZENBERGER, Georg. A manual of International Law. 5. ed. London: Stevens & Sons, 1967. SHAW, Malcolm N. International Law. 4. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. Clara Maria Faria Santos 87 SOLDATOS, Panayotis. An explanatory framework for the study of federated state as foreign-policy actors. In: MICHELMANN, Hans. J.; SOLDATOS, Panayotis. Federalism and international relations: the role of subnational units. Oxford: Claredon Press, 1990. STUART, Ana Maria. Regionalismo e democracia: o surgimento da dimensão subnacional na União Européia. In: VIGEVANI, Tullo et al. A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC/UNESP/EDUSC/FAPESP, 2004. SUÍÇA. Constituição de 18 de abril de 1999. Disponível em: <http://www.admin.ch/ch/f/rs/101/a56.html>. Acesso em: 2 maio 2007. VERDROSS, Alfred. Derecho Internacional Publico. 4. ed. Tradução de Antonio Truyol y Serra. Madrid: Aguilar, 1969. VIGEVANI, Tullo (Coord.). Gestão pública e inserção internacional das cidades. São Paulo: CEDEC/UNESP/PUC-SP/ FGV-SP, primeiro relatório apresentado à FAPESP, 2006a. VIGEVANI, Tullo. Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: São Paulo e o contexto brasileiro. In: VIGEVANI, Tullo (Coord.). Gestão pública e inserção internacional das cidades. São Paulo: CEDEC/UNESP/PUC-SP/ FGV-SP, primeiro relatório apresentado à FAPESP, 2006b. WALDOCK, Humphrey. First Report on the Law of Treaties. Yearbook International Law Commission, Nova Iorque, v. II, 1962. Disponível em: <http://untreaty.un.org/ilc/publications/yearbooks/Ybkvolumes(e)/ILC_1962_v2_e.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2006. WOUTERS, Jan; SMET, Leen de. The legal position of federal States and their federated entities in international relations - the case of Belgium. Leuven: Institute for International Law, Working Paper n. 7, jun. 2001. Disponível em: <http://www.law.kuleuven.ac.be/iir/nl/wp/WP/WP07e.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2006. Monografias IGEPRI é um produto do Instituto de Gestão Pública e Relações Internacionais da Univerisidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Nosso trabalho tem por objetivo promover e difundir ideias e práticas transparentes de Gestão Pública nos âmbitos das Relações Internacionais. Os trabalhos aqui presentes são de autoria exclusiva de seus idealizadores e possuem o intuito de enriquecer cada vez mais o conhecimento nessas áreas.