A INDEPENDêNCIA DO BRASIL E A UNIDADE

Transcrição

A INDEPENDêNCIA DO BRASIL E A UNIDADE
Issn 0102-0382 • ano 121 • Nº 367 • jul/ago/set • 2013
a
independência
do brasil
e a unidade
nacional
Revista do Clube Naval • 367
1
Nesta edição:
operação secreta
• Pág. 36 • História
real e empolgante de
uma ação da Marinha
do Brasil contra o
contrabando organizado
• C-Alte Domingos
Castello Branco
4 editorial
• CF(IM) Osmar Boavista da Cunha Junior
6 EM PAUTA
• Notas sobre acontecimentos no CN
8 alocução
a independência do brasil e a unidade nacional
• V-Alte Fernando Manoel Fontes Diégues
12 palestra
uma opinião no congresso nacional
• Deputada Perpétua de Almeida
revolução na
energia: petróleo
e gás de xisto •
Pág. 20 •
A enorme importância da
exploração do xisto para
o potencial energético
das Américas • Joel
Mendes Rennó
15 transporte marítimo
modal marítimo. Um desafio
• CMG Luiz Paulo Guimarães
20 reserva energética
revolução na energia: petróleo e gás de xisto
• Joel Mendes Rennó
22 fuzileiros navais
os fuzileiros navais na guerra do futuro
24 marinha do brasil
besouros e helicópteros – os essenciais
• CMG Paulo de Paula Mesiano
28 marinha do brasil
99º aniversário da força de submarinos
• C-Alte Marcos Sampaio Olsen
tilápia com
batatas • Pág. 34
• Uma fábula sobre a
burocracia atravancando
o desenvolvimento do
país • CMG José Álvaro
da Costa Donato
30 abimde
o alicerce da indústria de defesa
• Carlos Afonso Pierantoni Gambôa
32 amazônia azul
o pré-sal brasileiro e a soberania no mar
• CT RM2 Marcos Poggi
33 navios da mb
a surpreendente carena do nae s. paulo
• CMG Sérgio LimaYpiranga Guaranys
34 fábula
tilápia com batatas
• CMG José Alvaro da Costa Donato
36 histórias navais
operação secreta
• C-Alte Domingos Castello Branco
alemanha – da
baviera a berlim •
Pág. 42 • Outra
viagem repleta de
informações e de
maravilhosos cartões
postais • CC Rosa Nair
Medeiros
42 viagens
alemanha. da baviera a berlim
• CC Rosa Nair Medeiros
50 segunda guerra
flores ao mar
• Israel Blajberg
52 fé católica
papa francisco. o pastor dos jovens de espírito
• Jornalista Antônio de Oliveira Pereira
54 fé católica
aviagem brasileira do papa francisco e a jornada
mundial da juventude
• V-Alte SergioTassoVásquez de Aquino
papa francisco:
o pastor dos
jovens de espírito •
58 reflexão
as divisões humanas
• Claudio Fabiano de Barros Sendin
Pág. 52 • Jornalista
Antônio de Oliveira
Pereira.
60 filosofia
monismo
• CMG Walter Arnaud Mascarenhas
a viagem brasileira
do papa francisco e
a jornada mundial
da juventude •
66 direito
o exercício da cidadania na era digital
e a democracia participativa
• Dr. Xisto da Silva Matto
70 personalidade
simch venerável mestre
• CMG Walter Sanches Sanches
73 homenagem
um exemplo ao país
• CMG Luiz Sérgio Silveira Costa
2
Revista do Clube Naval • 367
74 última página
opinião do leitor – Cartas dos leitores
Revista do Clube Naval • 367
3
Pág. 54 • V-Alte
SergioTasso Vásquez
de Aquino.
Dois artigos sobre o
Papa Francisco,
desde a sua posse até
a vinda ao Brasil.
A
Revista do Clube Naval, uma publicação
trimestral, não tem como objetivo divulgar a notícia cotidiana nem o conteúdo
de interesse do veículo de massa.
Todavia, tem excelente oportunidade
da análise tranquila e profunda dos fatos,
de suas causas e consequências, e assim, exercer a capacidade, exclusiva dos serem humanos, de garantir o
aprendizado pela experiência, promover e divulgar a
evolução tecnológica ou de ciência humana.
Alguns desses fatos têm a propriedade de despertar continuado interesse por séculos. É o caso da
Independência do Brasil, cujo aniversário o Clube Naval celebrou na Seção Solene da Semana da Pátria.
Tivemos a ocasião de assistir à excelente palestra proferida pelo Almirante Fernando Manoel
Fontes Diegues, renomado historiador, que trouxe
à consideração o tema sempre atual e relevante
da Unidade Nacional.
Prosseguimos, ainda neste número a dividir
o interesse dos nossos leitores entre a cultura
artística e social e a cultural profissional.
A seção “Em Pauta” faz sempre o registro
da história atual do nosso clube, da nossa sociedade, da nossa eterna reverência aos que
se tornaram heróis no sacrifício pela Pátria.
Prosseguimos atualizando notícias sobre
estudos e ações relevantes àqueles como
nós, que temos amor à profissão.
A Escola de Guerra Naval, através do
CEPE, vem cuidando de forma estável da
evolução da atualidade, em face às perspectivas da Guerra do Futuro.
Está consolidada a ideia de que, sem uma
base industrial de defesa fortalecida e sem o
investimento em Ciência Tecnológica e inovação, não haverá defesa possível. É um desafio
e uma missão para toda a nação brasileira,
muito além dos limites das Forças Armadas.
A garantia da nossa unidade nacional
é, ainda hoje, dever e tarefa de todos os
brasileiros.
CF (IM) Osmar Boavista da Cunha Junior
Nossa Capa
Issn 0102-0382 • ano 121 • nº 367 • jul/ago/set • 2013
a
independência
do brasil
e a unidade
nacional
•••
Clube Naval
Av. Rio Branco, 180 • 5º andar
Centro • Rio de Janeiro • RJ
Brasil • 20040-003
Tel.: (21) 2112-2425
Presidente
V-Alte (FN) Paulo Frederico Soriano Dobbin
Diretor do Departamento Cultural
CF(IM) Osmar Boavista da Cunha Junior
•••
José Bonifácio
Homenagem
a seus ideais na
construção do Brasil
independente.
• Unidade nacional
• Fim da escravidão.
• Distribuição justa
da riqueza.
• Educação para
todos.
Editoria
CF(IM) Osmar Boavista da Cunha Junior
CMG Adão Chagas de Rezende
Jornalista Responsável
Antônio de Oliveira Pereira
(DRT-MT. Reg. 15.712)
Direção de Arte e Diagramação
AG Rio - Comunicação Corporativa
[email protected]
(21) 2569-9651
Produção
José Carlos Medeiros
Adriana Guanaes
Diretor Cultural
Atendimento Comercial
Tel.: (21) 2262-1873
[email protected]
•••
As informações e opiniões emitidas em
entrevistas, matérias assinadas e cartas
publicadas são de exclusiva responsabilidade
de seus autores. Não exprimem,
necessariamente, informações, opiniões
ou pontos de vista oficiais da Marinha do
Brasil, nem do Clube Naval, a menos que
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publicadas, em todo ou em parte, necessita
da autorização prévia da Revista do Clube Naval.
•••
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•••
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CLUBE NAVAL REVERENCIA HERÓIS DA MARINHA,
MORTOS DA SEGUNDA GUERRA • Celebrada na Igreja da
Candelária, dia 10 de julho de 2013, às 10h, a Missa Solene em
memória dos integrantes da Marinha do Brasil e da Marinha
Mercante que perderam suas vidas.
Após a Missa, a homenagem continuou com o tradicional
almoço, no Salão Nobre da Sede Social.
SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM À SEMANA DA PÁTRIA • No Salão dos Conselheiros da
Sede Social, às 16h do dia 3 de setembro, durante a Sessão Solene em homenagem a Semana da Pátria, o
V-Alt (Ref) Fernando Manuel Fontes Diegues proferiu palestra sobre Unidade Nacional. Complementando a
solenidade, o coral do Clube Naval, sob a regência da CMG Sylvia
da Costa Orazen, interpretou cânticos cívicos alusivos à data.
Presentes, entre outras autoridades militares, Alte Leôncio, Alte
Karam e o Presidente do Clube Naval, V-Alte Dobbin.
VISITA À HELIBRaS E À EMBRAER • Uma
delegação de 25 sócios visitou, nos dias 18 e 19 de
setembro de 2013, as empresas Helibras e Embraer,
como parte do programa de conhecimento da indústria
brasileira de Defesa, setor aeronáutico.
A Helibras mostrou uma linha de montagem do
helicóptero EC-725, Super Cougar, do lote de 16 unidades entregues à Marinha brasileira.
A Embraer apresentou a influência no mercado aeronáutico, com ênfase no ramo da Defesa e o programa
de modernização das doze aeronaves A-4, do Esquadrão
VF-1 da Marinha brasileira, o controle de qualidade e a
criatividade da empresa. Na foto, a partir da esquerda:
Sergio Dias da Costa Aita (Segurança e Defesa –
Embraer), CMG Ney Moraes Carneiro, CMG Olney Ladeira de Souza e CMG Jocelei dos Santos Magalhães.
eventos e
comemorações
do clube naval
INAUGURAÇÃO DO 44 º SALÃO DE BELAS ARTES • Em 17 de
setembro, às 18h, no Salão dos Conselheiros da Sede Social, aconteceu a entrega de premiações aos artistas plásticos participantes do 44º Salão de Belas Artes.
Foram entregues medalhas e prêmios, onde destacamos o Prêmio Aquisição da
Obra, pelo Centro de Capitães da Marinha Mercante.
Foi também oferecido o Prêmio UCAI que
permitiu a exposição da obra no Vaticano.
Logo após, no Salão Nobre, foi inaugurada a exposição, com um coquetel servido
aos artistas e convidados.Veja a relação
completa de premiados e aprecie todas as
obras expostas em www.clubenaval.org.
br/, no link 44º Salão de Belas Artes.
66
SECRETARIA
ITINERANTE • Dia 23 de
agosto, no auditório do
CIAW, o Presidente do Clube
Naval,V-Alte Dobbin, juntamente com os Diretores,
proferiram palestra para oficiais alunos de diversos quadros, com a intenção de angariar novos associados para o
clube. Com essa visita obtivemos mais de 50 novos sócios.
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eventos e
comemorações
do clube naval
ALOCUÇÃO
A INDEPENDÊNCIA
DO BRASIL
E A UNIDADE
NACIONAL
Essência da
alocução do
Vice-Almirante
Fernando Manoel
Fontes Diégues,
no Salão Nobre do Clube Naval,
durante as comemorações da
Semana da Pátria.
A
Independência do Brasil foi um
desses momentos decisivos,
surgido de um impasse, da crise
de um sistema, que sempre agita
a vida das nações. Foi um momento de transição, um marco
político notável na evolução da sociedade
brasileira, que se credenciou, assim, após
300 anos de domínio e exploração coloniais,
a assumir livremente o seu futuro.
Nada tem de escandaloso – muito pelo
contrário, faz parte de sua índole – que
a colonização tivesse seguido um rumo
indiferente à formação de uma sociedade
mais integrada, ciosa da própria identidade
e, muito menos ainda, que fosse inspirado
em um projeto de fundação nacional.
O Brasil não fora criado para ser uma
nação. Não era essa, nem se poderia
esperar que fosse, a intenção de seus
descobridores.
Embalada no desejo de mudanças,
a ruptura com o passado colonial teria
de ser ao mesmo tempo uma exigência
e um produto natural da Independência.
Descortinavam-se, então, à sombra do
movimento, novas perspectivas e ideias
sobre o futuro do Brasil, entre as quais as
de José Bonifácio de Andrada e Silva, o
Patriarca da Independência, ministro do
Reino e Estrangeiros quando é proclamada
a Independência.
Talvez ninguém melhor do que ele tenha
exposto uma visão tão clara e inovadora –
até mesmo tão ousada – da importância
histórica desse momento. Talvez ninguém
mais do que ele tenha percebido e ressaltado a oportunidade que então se desenhava
para – segundo suas próprias palavras – a
“regeneração política da nação brasileira”.
Uma visão em que a realização da Independência não se resumiria a ser um fato
isolado, fechado em si mesmo, restrito à pura
Na primeira Sessão Solene da
atual diretoria do CN, a partir da
esquerda, CMG (IM-Ref) Haroldo
Rodrigues da Cunha Fonseca,
AE (RM-1) Alfredo Karam, V-Alte
Dobbin, Presidente do CN,
AE (RM-1) Mauro Cesar Rodrigues
Pereira e V-Alte Ilques Barbosa
Júnior, Comandante do 1º DN
88
e simples separação de Portugal. Pautar-seia pelos critérios e ditames de um projeto
político voltado para a superação do passado
colonial – e, não seria um exagero acrescentar: a construção de uma nova nação.
A Independência, para o Patriarca, se inscrevia no curso da história como fato gerador
de uma nova etapa de vida da nação. Uma
etapa cujo sentido as palavras de seu discurso de despedida por ocasião do regresso ao
Brasil já revelavam: o Brasil é país talhado
para uma “nova civilização”; é a terra ideal
“para um grande e vasto Império”.
Para a consumação, no entanto, desse
desígnio, certas condições deveriam ser
satisfeitas. A instrução dos brasileiros era
uma delas. Era preciso – afirmava o Patriarca
– criar uma extensa e bem distribuída rede de
ensino que transmitisse ao povo “os conhecimentos que são indispensáveis ao aumento
da riqueza e à prosperidade da nação”.
Também não ignorava a necessidade
de outras medidas ajustadas ao futuro que
antevia para o Brasil. Seria imprescindível
reformar costumes e padrões de convivência
social; estreitar os laços entre as províncias e
garantir a unidade nacional; abrir caminhos
que conduzissem a uma sociedade mais
homogênea, guiada pelas luzes da razão.
Uma dessas medidas contemplava a
abolição da escravatura, um “luxo inútil”,
que corrompia e perturbava o sossego da
nação. Nenhum país precisava – argumentava o Patriarca – de “braços estranhos e
forçados para ser rico e cultivado”, pois, “a
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riqueza só reina onde imperam a liberdade
e a justiça, e não onde moram o cativeiro
e a corrupção”.
A sobrevivência do Estado e a unidade
nacional, para ele, e outros próceres da
Independência, dependeriam da supressão
dos males e distorções vindos da fase colonial. O povoamento da terra, a administração
da justiça, o progresso e a paz interna estariam ameaçados sem a remoção dos entraves
sociais e culturais do passado colonial.
A Independência deveria traduzir-se, enfim, na consumação de um projeto político de
afirmação nacional; na criação de uma nação
livre e soberana. A legitimação do
governo central e o fortalecimento
da unidade nacional apresentavamse, assim, na visão do Patriarca,
como instrumentos decisivos da
consumação desse projeto.
A Independência do Brasil
não seria, no entanto, obra de um
instante. É certo que, com o Grito
do Ipiranga, ela se formalizaria
sem quaisquer reservas; mas, já
há algum tempo, o anseio de
emancipação se alastrara e se fortalecera pelo país afora; e adquirira
impulso, com a chegada ao Rio de
Janeiro, em dezembro de 1821, dos
decretos das Cortes de Lisboa que
confirmavam de uma vez por todas
o propósito da assembleia portuguesa de forçar o Brasil a retornar
à condição de colônia. Guindado
por D. João, em 1815, à categoria
de Reino Unido, o Brasil desfrutava
desde então, pelo menos sob o
ponto de vista jurídico, do mesmo
status político de Portugal.
Um dos decretos tornava evidente a intenção das Cortes de suprimir
quaisquer vestígios de um poder central no
Brasil que pudesse assegurar sua integridade
e a união entre as províncias. Determinava a
extinção dos tribunais superiores e de várias
outras repartições centrais, criadas no tempo
de D. João. Os Governadores das Armas
ficariam diretamente subordinados a Lisboa.
Os governos provinciais seriam privados
dos meios indispensáveis à manutenção da
ordem e à administração. A aplicação do
decreto – protestava José Bonifácio – traria
o desmembramento do Brasil “em porções
desatadas e rivais, sem nexo, e sem um
centro comum de força e unidade”.
As Cortes, por outro decreto, rematavam
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a liquidação entrevista no primeiro. Ordenavam o regresso de D. Pedro a Portugal,
de onde deveria viajar pela Europa para
aperfeiçoar a formação. À partida de
D. Pedro seguir-se-iam certamente – retrucava o Patriarca – a
desordem nas províncias
e a ruína política do
país. O grandioso futuro
reservado ao Brasil não
poderia prescindir de
“uma mola central de
energia e direção geral”,
da articulação de suas
“A riqueza
só reina onde
imperam a
liberdade e
a justiça,
e não onde
moram o
cativeiro e
a corrupção.”
Brasil e às Nações Amigas (agosto). Passa pelo
7 de Setembro. Tornar-se-á definitivamente
consciente de si mesma com a proclamação
de D. Pedro como Imperador Constitucional
(12 de outubro), sua coroação e sagração
(em 10 de dezembro).
A esperança de que a paz e a concórdia
pudessem reinar entre o Brasil e Portugal se
desvanece de uma vez. Como em todo ambiente de crise, a conjuntura destilava um
sentimento de incerteza em relação a seus
desdobramentos; e de urgência, quanto às
decisões que a liderança brasileira deveria
implementar. Seria ingênuo esperar que
José Bonifácio
partes a um governo central responsável por
reger a grande orquestra das províncias.
A tais decretos seguir-se-iam outros de
natureza militar. Um deles estipulava o envio
de novas tropas portuguesas a Pernambuco
e ao Rio de Janeiro.
A política das Cortes viria estimular a
indignação e a revolta dos brasileiros. A Independência irá se consumar na sequência de
acontecimentos que começa com a decisão
do príncipe de ficar no Brasil (9 de janeiro
de 1822) e com a criação do Conselho de
Procuradores Gerais das Províncias (16 de fevereiro). Irá se afirmar com a convocação da
Assembleia-Geral Constituinte e Legislativa
(3 de junho) e os Manifestos aos Povos do
99
os independentistas não fossem depararse com a reação do velho poder colonial,
com o antagonismo dos interesses que a
emancipação contrariava.
E, de fato, por seu alcance e implicações,
a consolidação da Independência não seria
uma tarefa fácil, livre de percalços e transtornos no caminho. Não se faria tranquilamente, sem resistências, sem resvalar para
o conflito. O inconformismo das Cortes e de
seus partidários no Brasil não tardaria a se
manifestar pela força das armas.
A Bahia iria transformar-se em um ponto
focal importante na manobra das Cortes
para a recuperação da ex-colônia. O principal
objetivo militar das Cortes seria o controle da
de oposição à Independência estavam no
Bahia. Em carta remetida ao rei, o general Malitoral. O transporte por terra era precário,
deira destacaria a importância estratégica da
se já não fosse inviável. O envio de tropas e
capital da província: “cumpre-me informar a
equipamentos só teria condições de efetivarV. M.” – dizia o chefe português – “que a cidade
se com relativa segurança pelo mar.
da Bahia, pela sua situação geográfica, pelo
O mar é o caminho pelo qual a Indepenseu comércio e população, é um daqueles
dência poderia ser levada às províncias mais
portos do Brasil que muito convém conservar
distantes; mas, por outro lado, é dele também,
para assegurar a estabilidade do reino”.
que partiriam as tentativas portuguesas de
Situada a meio caminho entre as proresgate do Brasil. A liderança brasileira não
víncias do Norte e do Sul, na Bahia iriam
ignora que estão sendo enviadas novas troconcentrar-se as tropas e navios que estavam
pas ao país. Não descarta a possibilidade de
sendo ou ainda seriam enviados ao Brasil. No
um ataque proveniente diretamente de Lisfinal de 1822, novos batalhões e mais de dez
boa ou, ainda, conduzido pelas forças navais
navios de guerra se somariam àqueles que já
estacionadas na Bahia e na Cisplatina.
se encontravam nas águas do Recôncavo, enConsiderando esse cenátre eles, a poderosa nau D. João VI.
Lord Almirante
rio,
José Bonifácio insiste na
Dominando a Bahia, poderia o
Thomas Cochrane,
partido português usá-la como tram- marquês do Maranhão, necessidade de o país dispor
polim para a recuperação do resto comandou a primeira de uma Marinha. Em uma de
esquadra brasileira
do Brasil; ou, no caso de a recupena Guerra da
ração mostrar-se inexequível, adotar
Independência
a proposta separatista apresentada
nas Cortes pelo deputado Soares
Franco: “conservaremos algumas províncias
ao norte do Brasil, pelo menos; faremos um
comércio útil com as outras, se imperiosas
circunstâncias as separarem”.
Também não seria desprezível a ameaça à unidade nacional representada pelas
forças estacionadas nas províncias do Norte – Grão-Pará, Maranhão e Piauí – onde
os Governadores das Armas rejeitavam a
autoridade de D. Pedro e se opunham à
Independência.
Esse quadro nebuloso abrangia ainda a
Cisplatina. Uma parte da tropa ali estacionada se rebelara contra D. Pedro e ocupava
Montevidéu. Navios de guerra da Coroa
suas cartas a Felisberto Caldeira Brant Pontes,
portuguesa estavam na capital e em outros
Encarregado de Negócios do Brasil em Lonportos da Cisplatina. A fidelidade dessa
dres, anuncia que um dos “pontos essenciais”
força à causa brasileira não era garantida,
a cujo atendimento o Governo então se
como mais tarde se verificaria, com a revolta
dedicava era a “defesa exterior deste Reino”.
e a adesão às Cortes dos comandantes de
Faltava ao Brasil, no entanto – observava
alguns desses navios.
o Patriarca – maior experiência das lides
O governo brasileiro teria de prepararnavais. Só o tempo poderia permitir que a
se para enfrentar as ameaças vislumbradas
Marinha chegasse “ao estado que reclama a
no cenário. Ele demandava uma resposta a
dignidade e a grandeza deste Império”.
várias questões: como neutralizar as forças
Um mês depois, em outra carta enviada a
enviadas de Lisboa? Como convencer as
Brant, o ministro já não crê ser apenas necesprovíncias do Norte a se unirem ao resto
sária, mas também urgente, “a prontificação
do Brasil? Como obrigar a tropa e os navios
de uma força marítima tal no Brasil, que possa
portugueses a deixarem a Cisplatina?
obrar em massa ou subdividir-se pelos diversos
Uma das medidas prioritárias para isso,
pontos da costa, segundo as ocorrências”.
seria a organização de uma Marinha, exigênA liderança política do Brasil indepencia natural da vastidão do espaço em que a
dente não se vê diante de situações ou de
influência e a vontade do poder central dehipóteses conflituosas com maior ou menor
veriam refletir-se. Os focos mais importantes
probabilidade de ocorrência. Ela se depara
10
10
com uma ameaça de contornos bem nítidos
e consistentes, com relação à qual deve
conceber o papel da Marinha.
O exame desse papel, no entanto, não
é tarefa exclusiva da liderança política ou
dos chefes navais da Independência; nem se
detém na consideração das circunstâncias do
momento. Não se refere apenas ao perigo
iminente representado pelas forças fiéis às
Cortes. Transcende o horizonte político da
simples separação de Portugal e se configura
sob a forma de uma visão de longo alcance
projetada na história.
Hipólito José da Costa é um dos que, em
vários de seus artigos no Correio Braziliense,
privilegia essa visão. Em sua opinião, o papel
da força naval brasileira não poderia limitarse à neutralização da esquadra portuguesa.
Era muito possível, que, se o Brasil não
dispusesse de “uma esquadra proporcional
à sua extensão de costas e multiplicidade
de portos” – escrevia o jornalista – fosse insultado “até por um bando de corsários que
deseje roubar-lhe suas riquezas; e, muito
mais é de recear, nesse caso, o ataque da
parte de alguma nação que possua forças
marítimas”. Seria um “descuido injustificável” – concluía – o Brasil “declarar-se
nação independente, e não adquirir os
meios de sustentar essa independência; e
os meios não são outros senão a criação
de poderosa força naval”.
As dificuldades relativas à formação
de uma Marinha teriam de ser avaliadas
e superadas sob a pressão do tempo e
dos acontecimentos. O material flutuante
existente no Rio de Janeiro, remanescente da armada portuguesa, é requisitado.
Intensificam-se nos estaleiros os trabalhos
de construção e reparos navais. É aberta
uma subscrição popular para a compra de
navios. O próprio imperador adquire e doa
ao estado o brigue Caboclo. Recorre-se
ao voluntariado brasileiro. Iniciam-se as
negociações para a contratação de oficiais
e marinheiros estrangeiros, que viriam reforçar a nascente Marinha brasileira.
Não vou aqui abordar, em toda a sua
extensão e de forma detalhada, a campanha naval da Independência. Mas acredito
que seria oportuno relembrar algumas das
consequências mais significativas da atuação
da Marinha na Independência.
A esquadra organizada no Rio de Janeiro
tem um papel decisivo no desfecho da guerra. A intervenção da Marinha nas províncias
cujos governos se declaravam fiéis às Cortes
Revista do Clube Naval • 367
e se opunham à Independência acentua o
desequilíbrio de forças a favor dos brasileiros, e acelera o processo pelo qual a posição
dessas províncias se torna insustentável.
A chegada da esquadra brasileira às
águas da Bahia neutraliza a força naval portuguesa e dissipa as esperanças de Madeira.
No Maranhão, um navio de guerra remata
a derrota das forças fiéis às Cortes e consuma a adesão da província à Independência.
No Pará, a Independência é proclamada
graças ao impacto político e moral da
presença do navio de Grenfell ao largo de
Belém. Na Cisplatina, os navios brasileiros
se impõem, no combate, aos do Brigadeiro
D. Álvaro da Costa, e constrangem o chefe
português à capitulação.
É essencialmente o mesmo o efeito da
intervenção da Marinha nas províncias: a
criação de uma descontinuidade estratégica, assinalando a aproximação, como
na Bahia, ou o próprio desfecho da luta,
como no Maranhão.
A intervenção não tem apenas consequências de ordem militar. Com a Marinha, um
elemento extrarregional, estranho ao dia a
dia das províncias, irrompe nos cenários de
conflito. Traz às províncias a imagem, materializada nos navios de guerra, de um poder
distante, mas ágil e resoluto. Reforça o conteúdo e a dimensão nacionais da luta pela
Independência. Nenhum outro instrumento
de ação teria melhores condições de conferir
ao conflito nas províncias um sentido político
tão convincente de afirmação da integridade
e da unidade nacionais.
Pode parecer, à primeira vista, que o
processo da Independência e consolidação
da unidade nacional nada tenha a nos dizer
sobre o tempo presente. Quase dois séculos
depois, são outros os problemas que enfrentamos, as aspirações que acalentamos,
as circunstâncias e dilemas que balizam a
presença do Brasil no cenário mundial.
Esse cenário, marcado por importantes
transformações nas relações de poder entre
as nações, na economia mundial, no campo
da tecnologia, no panorama dos valores e
tendências culturais, o Brasil luta por progredir, a despeito dos sobressaltos naturais do caminho, na construção da sociedade livre, justa
e solidária de que nos fala a Constituição.
Somos um país sem contenciosos políticos a superar, sem intenções agressivas ou
expansionistas em relação a outros países;
mas, levando em conta os ensinamentos
da história, seria muito provavelmente um
grave erro pensar, que, nesse mundo instável
e nervoso, a construção dessa sociedade
possa prosperar sem nunca deparar-se com
embaraços ou pressões externas – sobretudo
se a desejamos construída a partir de nosso
esforço criativo, de nossos ideais e opções.
O Brasil precisa, por isso mesmo, como
precisou na Independência, de uma Marinha
em condições de sugerir e acentuar uma
imagem confiável da vontade política do
Estado brasileiro. Uma Marinha capaz de
contribuir, nesse mundo globalizado, para
a manutenção da paz e da segurança internacionais; mas, também, capaz de inibir, se
necessário, iniciativas restritivas ou hostis à
liberdade de ação indispensável à construção
desse futuro que almejamos para o Brasil.
Não uma Marinha consagrada à satisfação de ambições de domínio imperial ou
conquistas territoriais; mas, sim, uma Marinha capaz de garantir, em seu campo próprio
de atuação, a continuidade e a segurança do
processo de amadurecimento do Brasil como
nação. Esse processo se prolonga aos nossos
dias, pois, no fim de contas, uma nação é um
projeto de vida coletivo em permanente execução. Não existe um momento da história
Treino da Armada
Imperial do Brasil, em
meados da década
de 1870.
Revista do Clube Naval • 367
11
11
em que possa ser vista como “pronta”.
Um dos mais importantes historiadores
do século XX, o francês Fernand Braudel,
observou, certa vez, em um de seus livros,
que a história não se reduz a uma simples
coleção de fatos excepcionais ocorridos no
passado, condenados a jamais se repetirem.
“O verdadeiro objetivo da história” – escreveu Braudel – “não é, talvez, o passado
– esse meio – mas o conhecimento dos
homens”. Daí, reconhecido o objetivo, ele
propõe uma singela, mas sugestiva, definição
para a história: é “o estudo das sociedades
graças ao passado, esse ‘meio’”.
O processo de elaboração da Independência e consolidação da unidade nacional –
esse passado sobre o qual procurei debruçarme e destacar alguns de seus pontos mais
cruciais – tem alguma coisa a nos dizer sobre
o tempo presente. Como um marco político
notável na formação da nacionalidade
brasileira, ele nos leva a renovar, nesta era
de transição e incertezas, a fé no vigor e no
destino dessa nacionalidade.
Ao iluminar e colocar em evidência
a atuação da Marinha em uma etapa tão
decisiva da história do Brasil, reforça nossa
convicção no papel que lhe cabe, e sempre caberá, na concretização de nossas
aspirações nacionais. Refulge, assim – esse
passado – como se fosse inspiração para os
desafios de nossos dias.
Nossa homenagem e nosso reconhecimento aos heróis da Independência. Eles nos
legaram, muitos com o sacrifício da própria
vida, exemplos de abnegação e amor ao
Brasil. Um patrimônio que não deve ser esquecido pelas gerações que vão nos suceder
e viver o Brasil e a Marinha do século XXI;
pois, uma nação não se constrói no vazio,
não amadurece sem a lembrança inspiradora
dos feitos de seus antepassados. n
UMA OPINIÃO
NO CONGRESSO
NACIONAL
PALESTRA
S
ou da Amazônia, uma região cobiçada pelo mundo. Nasci em um
dos seringais mais distantes, já
fronteira com o Peru. Costumo dizer que sou de um estado, o Acre,
que é hoje a porta de entrada do
Brasil para o Pacífico. E desde jovem aprendi
o quanto é necessário defendermos o patrimônio nacional e darmos o devido valor para
quem trabalha em prol do Brasil.
Sei que aqui também, neste ambiente,
estão pessoas compromissadas, que dedicam sua vida a darem o melhor de si,
cujas empresas contribuem com o desenvolvimento e com a geração de empregos,
e que ajudam na elevação da capacidade
do Brasil em resguardar sua soberania e
independência nacional.
Eleita pelo PCdoB, ao chegar ao Congresso Nacional, vi com maior grandeza o
quanto é necessário fortalecermos as ações
de Estado e o empresariado nacional. E nesse
caso específico, as estruturas que dão suporte
direta e indiretamente ao Sistema de Defesa
carece de um olhar especial e dedicado do
Poder Executivo e ao Poder Legislativo.
Ao presidir a Comissão de Relações
Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos
Deputados, no ano passado, decidi que ela
estaria inteiramente a serviço de um intercâmbio entre suas duas áreas: a política externa
e a defesa. Assim aprovamos um plano de
trabalho que, entre outras iniciativas, apontava
para a realização de dois grandes eventos no
sentido de reunir os principais formuladores,
executores e especialistas dessas duas áreas
de responsabilidade daquela comissão.
Fizemos então, em 2012, um grande
evento no parlamento para debatermos com
especialistas a realidade e os desafios da
Política e da Estratégia Nacional de Defesa.
Alguns dos senhores lá estiveram. Chamamos
o governo, as universidades, os empresários e
a sociedade. Percebemos que avançamos em
alguns pontos, mas a certeza tirada daquele
momento é que se faz obrigatório a conquista
de novos desafios. E nesse aspecto um dos
temas que mais me chamaram
atenção é o desafio empresarial
nos produtos de defesa.
Por ser um tema estrategicamente delicado, que envolve
ciência e tecnologia, soberania
nacional e valorização da nossa
indústria, é que decidi dar um
passo a mais.
Criamos a Subcomissão Especial de Acompanhamento dos
Projetos Estratégicos das Forças
Armadas. Que segundo palavras
do ministro da Defesa, Celso
Amorim, em recente entrevista para o jornal
da CREDN, afirmou: “o fato de o Legislativo
ter uma subcomissão para tratar desses
temas, é de extrema importância... É uma
grande novidade neste ano”.
Nessa subcomissão estamos acompanhando os programas iniciais da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica. O Prosub, o avião
KC 390, o helicóptero EC-725, a compra do
Guarani e o lançador de mísseis Astro 2020,
entre outros de vital importância para as Forças Armadas, que garantem a produtividade
da indústria nacional de defesa.
No acompanhamento da execução
desses programas, ora interagindo com o
governo, ora com estudiosos e empresários,
pretendemos, ainda este ano, propor ao
Palácio do Planalto um conjunto de medidas
que deem mais condições de estruturação e competitividade das
empresas, como por exemplo, a
formação do decreto que institui
o Regime Tributário das Indústrias de Defesa brasileiras, além
de ações que fortaleçam o Plano
de Articulação e Equipamentos
de Defesa (PAED).
Já identificamos que nosso
maior desafio é garantirmos permanentes fontes orçamentárias
para as três forças e condições
de financiamento que atendam
às necessidades das indústrias de produtos
de defesa. Esse é o nosso foco!
“Entre as 20 maiores economias do
A lógica
mais correta é a
de que os recursos
das Forças Armadas
não podem ser vistos
e nem tratados como
meros gastos, mas,
como investimento
estruturante de
longo prazo.
12
Revista do Clube Naval • 367
Foto de Renato Araújo
Palestra efetuada pela
Deputada Perpétua Almeida,
do PC do B do Acre, em 8 de
agosto de 2013, na FIRJAN,
e aqui reproduzida com a
sua autorização.
mundo, só investimos em defesa mais
que duas delas”, segundo disse o próprio
ministro da Defesa, Celso Amorim, em depoimento no Congresso brasileiro.
Mesmo assim, lamentavelmente, o governo brasileiro, por conta da sua política
econômica fez recentemente mais um contingenciamento no orçamento da Defesa de
cerca de um bilhão de reais. O orçamento do
Revista do Clube Naval • 367
ministério passou então de R$ 18,7 bilhões
para R$ 14,2 bilhões em 2013.
Para um país com as nossas características geográficas, que é liderança na
América Latina, referência no hemisfério sul
e que sonha com uma cadeira permanente
no Conselho de Segurança da ONU, essa
decisão do governo é desalentadora. Para
não dizer, assustadora!
13
Mas isso deve nos impulsionar a lutar
para que o Executivo repense essa medida.
E precisamos, com a máxima urgência, travar
esse debate no Congresso brasileiro, envolvendo mais atores nesse esforço conjunto.
Para mim, a lógica mais correta é a de
que os recursos das Forças Armadas não
podem ser vistos e nem tratados como
meros gastos, mas como investimento
TRANSPORTE MARÍTIMO
linhas de financiamento que garantam nosestruturante de longo prazo.
sas empresas em patamar cada vez mais
Ao investirmos em pesquisas e desenconsolidado no cenário internacional, onde
volvimento de equipamentos de uso dual,
as reais garantias a serem exigidas sejam
estamos investindo no Brasil. Estamos
o seu principal patrimônio: o patrimônio
melhorando substancialmente os níveis
intelectual, a sua criação.
qualitativos da sua educação, inserindo o
É urgente, então, que esse modelo de fiBrasil no seleto grupo de nações científica e
nanciamento seja repensado. Tenho compartitecnologicamente avançadas. E é com essa
lhado essa preocupação com vários parlamenpreocupação que iniciamos duas importantares, com a Secretaria Executiva do Ministério
tes articulações legislativas em andamento
da Defesa – em audiência direta com o dr. Ari
na Câmara dos Deputados.
Matos – e conversas já iniciadas com
A primeira é uma emenda, já
o ministro da Ciência e Tecnologia,
apresentada por mim em mediDr. Marco Antonio Raupp. Agenda
das provisórias que tramitam no
também importante para tratar do
Congresso, onde propomos que o
assunto será com o presidente do
direito de propriedade intelectual
BNDES, Luciano Coutinho.
e industrial sirvam de garantias
A outra ação, também de enverno acesso aos programas de figadura importante, é uma emenda
nanciamento.
que apresentei no projeto de Lei da
Ora, se sabemos que a capaciMineração que começa a ser debatitação técnica é demorada e cara,
da no Congresso, neste semestre.
a permanência de profissionais no
A emenda garante que uma
setor é dispendiosa e a concorrên- Ministro da Defesa,
cia internacional é acirrada, então
Celso Amorim parcela dos royalties da mineração
possa constituir um fundo para
temos que buscar alternativas para
financiamento, estruturação e manutenção
competir em níveis mais seguros.
da indústria de defesa, a exemplo do que já
Ao longo de décadas o parque industrial
ocorre em outros países.
de defesa foi menosprezado e os que conÉ também uma forma de compensar
seguiram sobreviver, de lá até aqui, tiveram
as perdas nos royalties do petróleo que
que, em alguns casos, cortar na própria carne
tinha uma parcela importante destinada a
para manterem suas estruturas de produção
Defesa, mais precisamente para
e seus técnicos capacitados.
a Marinha do Brasil.
Um Brasil forte, profissionalizado, com
Outra articulação que buscapacidade de criar e construir ciência, teccamos fazer, e julgo da maior
nologia e inovação, capaz de garantir a seguimportância, é garantir que não
rança de todos os brasileiros e a sua própria
haja mais contingenciamento
soberania exige empresas preparadas para
nas verbas da Defesa. Mas essa
a produção de equipamentos para as Forças
é uma tarefa quase inglória e
Armadas brasileiras e para a exportação
que precisa do envolvimento de
desses equipamentos a outros países.
todos, num “lobby do bem”.
O Inova Aerodefesa veio em boa hora,
E, nesse sentido, quero
onde a Finep, por meio do Ministério de
aqui registrar: temos que fazer
Ciência e Tecnologia, e o próprio BNDES
todo o esforço necessário para
apoiam a pesquisa, o desenvolvimento
convencermos e garantirmos
e a inovação nas empresas de produção
que os congressistas brasileiros
aeroespacial, defesa e segurança. Mas suas
compreendam a necessidade e
exigências estão distantes das necessidades
ajudem nas articulações para
das pequenas e médias empresas. A exigênque a indústria nacional tenha
cia de garantias patrimoniais e bancárias
capacidade de atender o que
para algumas empresas, chega a ser injusta.
a Marinha, o Exército e a Aeronáutica
Não podemos tratar – nesse caso em espenecessitam. Assim sendo, estamos garancífico – os diferentes de forma igual. Para
tindo que a proteção da nossa indústria,
alavancarmos nossa indústria de defesa é
o engrandecimento da nossa tecnologia
necessário um regime especial, onde os
e a capacidade financeira das nossas emdiferentes sejam vistos de forma diferente e
presas de defesa, estejam na ordem do
recebam o tratamento adequado.
dia dos debates legislativos.
De forma decisória, faz-se necessário
“O fato de
o legislativo
ter uma
Subcomissão
para tratar
destes temas,
é de extrema
importância...”
Nessas lutas: de novos parâmetros de
financiamentos de nossas indústrias, de
um fundo de investimento proveniente
dos royalties da mineração, do não contingenciamento do orçamento da Defesa
e, inclusive, da regulamentação que deve
ser participativa da Lei no 12.598, registro
aqui, me disponho estarmos juntos nessa
luta para sermos vitoriosos.
Os senhores podem contar com o meu
esforço na agenda da Câmara dos Deputados. Mas lembro: precisamos de muitos
outros mais.
A realidade do Congresso Nacional é de
um desafio de todo dia. Lá são inúmeros
temas que estão sendo debatidos. Cada um
deles exige de nós a responsabilidade que o
Brasil precisa. Nesse cenário infelizmente a
temática da defesa nacional ainda é carente
e há demanda reprimida. Precisamos avançar no tempo que foi perdido. Mas no tempo
do agora, podemos exigir mais de todos nós.
Exigir outras visões, outros comportamentos
e repactuar os compromissos recentes.
Quando discutíamos recentemente o Livro Branco de Defesa no Plenário da Câmara
(Pasmem! Ainda não foi votado!), muitos
líderes partidários sequer sabiam do que se
tratava. E percebam que ali estão a Estratégia
e a Política Nacional de Defesa.
Articularmos recursos perenes e um orçamento compatível com um país
do BRICS é um desafio gigante,
mas é a tarefa que se impõe no
momento. Por isso convido a todos
os envolvidos nesse tema a fortalecermos o diálogo no Congresso,
sensibilizando o parlamento,
mostrando o potencial das nossas
empresas e as dificuldades que
atravessam. Lembro: faz-se urgente garantirmos que as emendas
às quais me referi inicialmente,
sejam aprovadas na Câmara e
posteriormente no Senado. Reafirmo mais uma vez a necessidade
do “lobby do bem”, em defesa das
empresas brasileiras.
Portanto, senhoras e senhores,
talvez não seja um grande passo
o que estou fazendo ou propondo até aqui,
mas tenho ciência de que ao trabalharmos
em sintonia numa articulação do parlamento,
do empresariado, do Executivo, dos estudiosos da academia e incentivando a sociedade
a entender essa necessidade, estamos dando
uma contribuição para o Brasil. n
um
desafio
Modal
Marítimo
LUIZ PAULO GUIMARÃES *
A emenda
garante que uma
parcela dos royalties
da mineração
possa constituir um
fundo para
financiamento,
estruturação e
manutenção da
indústria de defesa,
a exemplo do que
já ocorre em
outros países.
14
Revista do Clube Naval • 367
Embora o propósito específico seja o de abordar os estudos de viabilidade de implantação do
modal marítimo como uma das alternativas que a Marinha do Brasil (MB) pode utilizar para a
distribuição de material de diversas categorias, no interior da Baía da Guanabara, é oportuno
enquadrar o assunto em contexto mais amplo que ajudará a fundamentar este artigo.
Revista do Clube Naval • 367
15
O Brasil e o transporte
marítimo internacional
O
transporte marítimo é responsável pela maior parte das trocas
comerciais internacionais do
Brasil, transportando principalmente commodities agrominerais, veículos, máquinas, e
equipamentos de ponta. Cerca de 75% das
trocas comerciais internacionais brasileiras
são transportadas pelo mar.
Embora os prejuízos por nossa incapacidade de transporte próprio sejam de amplo
conhecimento, transcreve-se, para quem não
teve a oportunidade de ler, alguns trechos do
artigo “Brasil à mercê das multinacionais”, recentemente escrito por Washington Barbeito
de Vasconcellos:
“Após muitas décadas de vida, a gente
se pergunta como é que certos absurdos
podem se perpetuar sem a devida reação
da sociedade. É o caso do setor marítimo.
O Brasil não tem sequer um navio porta
contêineres operando fora de suas costas.
Isso gera um déficit de fretes estimado em
US$ 20 bilhões anuais e deixa a nação à
mercê das multinacionais do mar”.
“Por qualquer critério, o país é uma das
maiores economias do planeta. E como se
pode pensar em uma potência sem navios?
Após o auge dos anos 80, em que chegou a
ter frota expressiva, dividindo com os estrangeiros suas cargas, ombro a ombro, o Brasil
caiu para uma situação inaceitável”.
“Com uma frota de pelo menos 12
navios, o Brasil poderia voltar ao transporte
internacional de contêineres, sem subsídios,
com imediata redução do déficit de fretes,
gerando emprego para marítimos e metalúrgicos e ainda reduzindo o custo Brasil, pois
haveria extraordinário impulso à cabotagem,
com enorme redução de custos na competição interna com o caminhão”.
O Brasil e sua
navegação de cabotagem
O Brasil tem mais de 4 mil quilômetros de
costa atlântica navegável e milhares de quilômetros de rios. Entretanto, levantamento realizado em 2012 mostra o desbalanceamento
dos modais utilizados na matriz de transporte,
em relação à tonelagem de carga transportada:
modal rodoviário – 65,6%; modal ferroviário
– 19,5%; modal marítimo – 14,9%.
A propósito, transcreve-se alguns trechos
de um recente artigo de autoria de João
Guilherme Araújo, Diretor do ILOS – Instituto
de Logística e Supply Chain:
“Melhorar a movimentação e distribuição
de bens e mercadorias no país é condição
primordial para um mercado que se pretenda
competitivo. Não basta ao país ser rico em
recursos naturais e matérias primas, perseguir menores custos de energia, aumentar
sua capacidade industrial e desenvolver
melhores processos produtivos. Há de haver um esforço direcionado a destravar o
nó da ausência de adequada infraestrutura
de transportes e os entraves de distribuição
física de nossos produtos.”
“Nesse sentido, a matriz de transporte
brasileira de cargas apresenta grandes possibilidades de aperfeiçoamento e melhor
balanceamento entre seus diferentes modais
especialmente se levarmos em consideração
a histórica concentração rodoviária brasileira.
Reforçamos, desde já, que não se trata de
uma disputa entre modais, mas, pelo contrário, gostaríamos de apresentar a oportunidade concreta de complementariedade e
colaboração multimodal.”
Interessante notar que o desbalanceamento na matriz de transporte brasileira,
privilegiando o transporte terrestre, contrasta
com os números apresentados no quadro a
seguir, que aponta as seguintes vantagens
para o modal marítimo: maior capacidade
de transporte de carga; menor consumo de
combustível; menos poluente; menor impacto
ambiental; menor custo operacional.
O transporte marítimo é o mais importante,
respondendo por quase 75% do comércio
internacional do Brasil. A navegação fluvial
no Brasil está numa posição inferior em relação aos outros sistemas de transportes. É
considerado o sistema mais barato e limpo,
contudo, o de menor participação no transporte de mercadoria no Brasil. Isto ocorre
devido a vários fatores: muitos rios do Brasil
são de planalto, apresentando-se encachoeirados e, portanto, dificultando a navegação;
alguns rios de planície, embora facilmente
navegáveis (Amazonas, São Francisco e Paraguai), encontram-se afastados dos grandes
centros econômicos do Brasil.
Algumas iniciativas existem para um
maior aproveitamento de nossa navegação interior, seja para transporte de
pessoal ou de carga, sendo necessário,
entretanto, que o transporte marítimo seja
tratado com mais atenção.
Neste particular, vamos nos ater aos
projetos existentes em São Paulo e no Rio
de Janeiro.
Em São Paulo
Há muitos estudos mostrando a possibilidade de São Paulo se tornar uma cidade
capaz de explorar o transporte fluvial em
seus dois principais rios: Pinheiros e Tietê.
O mais recente deles (2012), desenvolvido
no âmbito da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo
Quadro comparativo entre os modais de transporte
(Confederação Nacional do Transporte)
MODAIS
MARÍTIMO
FERROVIÁRIO
TERRESTRE
CONSUMO DE COMBUSTÍVEIS
4 LITROS
6 LITROS
(TRANSPORTE DE 1000 TON
POR DISTÂNCIA DE 1 KM) EMISSÕES DE GASES (CO²)
74 GRAMAS
104 GRAMAS
(TRANSPORTE DE 1000 TON
POR DISTÂNCIA DE 1 KM)
CUSTOS SOCIAMBIENTAIS
U$$ 0,20
U$$ 0,80
(U$$ / 100 TON A CADA 1 KM)
CUSTOS DE FRETE
R$ 40,00 R$ 80,00 (R$ PARA TRANSPORTE DE 1 TON / 1000 KM
15 LITROS
CAPACIDADE TRANSPORTE
DE CARGA
1 BARCAÇA
(900 TON)
O Brasil e sua navegação interior
O transporte hidroviário no Brasil é
um setor de infraestrutura multimodal que
integra o país através de seus recursos hídricos. O transporte hidroviário no Brasil é
dividido nas modalidades fluvial e marítima.
16
9 VAGÕES
(100 TON CADA) 35 CARRETAS
(26 TON CADA)
219 GRAMAS
U$$ 3,20
R$ 120,00
(FAUUSP), prevê a criação de um hidroanel
de 117 km de extensão que aliaria ao transporte hidroviário obras para tratamento de
lixo, despoluição das águas, combate a
enchentes, criação de parques e aumento
da capacidade do abastecimento de energia
Revista do Clube Naval • 367
e de água em São Paulo. Interligando a
rede fluvial seria construído um canal com
17 km de extensão.
Concluído, o hidroanel teria a função de
transportar lixo e outros resíduos urbanos,
como entulho de construção, sedimento
de dragagens, terra de escavações e lodo
das estações de tratamento de água e esgoto. Essa carga seria encaminhada a três
triportos de destino, em Itaquaquecetuba,
Carapicuíba e no dique da Billings da rodovia Anchieta, em São Bernardo do Campo. O
nome triportos vem de trimodal, por conta
da integração prevista, nesses pontos, com
o Rodoanel e o futuro Ferroanel.
De acordo com o professor da FAU e
coordenador do grupo responsável pelo projeto, Alexandre Delijaicov, “a meta é acabar
em até 30 anos com os aterros sanitários e
lixões da região metropolitana”.
No entanto, as embarcações devem também transportar passageiros – moradores e
turistas – e carga comercial, como hortifrutigranjeiros e material de construção civil.
Com o hidroanel, estima-se, haveria
redução na quantidade de caminhões, responsáveis por cerca de 440 mil viagens por
dia na região metropolitana. Dessa maneira,
São Paulo conseguiria cumprir a meta, prevista em lei estadual, de reduzir até 2020
as emissões de gás carbônico em 20% em
relação aos níveis de 2005.
rodoviário, aumentando a eficiência do
transporte no Estado; aproveitamento da infraestrutura portuária já existente (exemplo:
São Gonçalo e Caju - estaleiros desativados);
localização de terminais fora da cidade;
investimentos baixos e possíveis de serem
compartilhados com outras modalidades
(terminais multimodais); possibilidade de
aproveitar navios existentes, adaptando-os
para o transporte de cargas, reduzindo o
para o caótico trânsito da cidade do Rio de
Janeiro. Foi desenvolvido um projeto aquaviário para a Lagoa, onde pequenos barcos,
com capacidade de passageiros semelhante
a dos ônibus urbanos, cruzariam o espelho
d’água. Barcos fariam as rotas entre diferentes pontos, como o viaduto que dá acesso
ao Túnel Rebouças ao Corte do Cantagalo,
ou da Fonte da Saudade à Praia de Ipanema,
através do Canal do Jardim de Alah.
custo de fabricação; transporte de carga durante todo o dia, evitando as restrições de horário da ponte; oferta de novos empregos.
A MB e o modal
marítimo de abastecimento
Projeto de transporte público na
Lagoa Rodrigo de Freitas 2010
Projeto feito por dois escritórios de
arquitetura para utilizar a Lagoa Rodrigo de
Freitas, na Zona Sul, como uma alternativa
No Rio de Janeiro
Projeto COPPE/UFRJ - 2001 (Projeto de
Transporte Marítimo de Carga na Baía de
Guanabara e Praias Adjacentes)
Objetivos: desafogamento do trânsito; escoamento de cargas de forma mais eficiente, atendendo ao crescimento comercial, populacional
e industrial no Estado do Rio de Janeiro.
Benefícios: redução do fluxo de transporte
Revista do Clube Naval • 367
17
Toda a estrutura de abastecimento da
MB no RJ se encontra às margens da Baía
de Guanabara.
Antecedentes: A ideia de utilizar o modal
marítimo como forma alternativa de distribuição de material armazenado nos Órgãos de
de transporte, evitando o direcionamento,
para o mesmo local, de viaturas com capacidade ociosa; III) tornar mais fácil gerenciar
as informações relativas à tarefa entrega”;
b) baseado no insucesso de experiências anteriores, o modal marítimo não deve privilegiar o
transpo te de cagas em contêineres ou pallets;
c) as cargas devem ser acondicionadas em
caminhões e estes embarcados e deslocados via marítima até os Polos de Consumo
PC (novo conceito criado de pontos de recebimento de material, concentrando uma
ou mais OMC) :
Estudo de viabilidade
econômica do projeto
Elaborou-se em 2012, um estudo de
viabilidade econômica do projeto modal
marítimo, com as principais conclusões:
a) considerando o tempo de vida útil do
projeto (30 anos) e para atender a uma mesma grade de roteiros de transporte (quadro
anterior), o custo total do modal marítimo
é menor do que o custo total do modal terrestre em R$ 21.946.256,00 (valor presente);
b) até o 8° ano de vida útil do projeto, o cus-
ConcentraçãoNúmero
de OM/PC de OMC
Distribuição (OD) localizados no Complexo
Naval de Abastecimento (CNAb) – Av. Brasil
– RJ, é antiga na MB. De 1985 a 1988 a Diretoria de Abastecimento da Marinha (DAbM)
envidou esforços para a utilização do modal
marítimo e, em 2005, o Centro de Controle
de Inventário da Marinha (CCIM) efetuou entregas não sistemáticas utilizando
embarcação do Centro de Munição da Marinha (CMM). Os itens
de material eram colocados na
embarcação em contêineres ou
pallets e transportados até o cais
onde se localizava a Organização
Militar Consumidora (OMC). Além
de demandar equipamentos de
manobra de peso para o embarque e desembarque do material,
o abastecimento não atendia à
premissa de distribuição “porta
a porta”, o que deixou claro que
o modal marítimo não seria bem
sucedido, da forma como fora
realizado. (a figura ainda mostra
o DepSMRJ e o DepMEMRJ como
OM distintas)
O projeto modal
marítimo – cenário geográfico
Em 2008 foi iniciado o estudo de viabilidade do modal marítimo, em bases científicas, visando sua utilização de forma sistêmica
para abastecer as 166 OMC localizadas às
margens da Baía da Guanabara, em complemento ao modal rodoviário. A realização do
estudo foi determinada pela Secretaria Geral
da Marinha (SGM) e aprovada pelo Comandante da Marinha (CM). Na SGM, a realização
do estudo vem sendo coordenada, desde seu
início, pelo CMG(Ref-IM) Moraes ( Reco). Sua
atuação, com o apoio da SGM e DAbM, vem
sendo preponderante para o desenvolvimento
do projeto modal marítimo.
principalmente na Ponte Rio-Niterói.
Desenvolvimento
e conclusão do estudo
Após ter estudado a série histórica dos
itens de material demandados de cada OD,
ter levantado o quantitativo de recursos
PC1 – Centro do RJ (AMRJ, Com1ºDN e GptNavSE e EscNav)
62
PC2 – Ilha de Mocanguê (BACS, BNRJ, ComForSub e ComForSup)
68
PC3 – Ponta da Armação (BHMN, CAMR e GNHO)
15
PC4 – Ilha das Flores (BFNIF)
7
PC5 – Ilha do Governador (BFNIG, CIACFN e DepCMRJ)
11
PC6 – Ilha das Enxadas (CIAW)
1
PC7 – Ilha do Engenho (CMASM)
1
PC8 – Ilha do Boqueirão (CMM)
1
Total
166
d) os caminhões desembarcam nos PC
e abastecem as OMC, conforme grade de
roteiro abaixo:
Fatos geradores do estudo
Os fatos geradores do estudo são similares aos de projetos outros citados neste artigo.
Considerando a especificidade, destaca-se: a
vulnerabilidade do abastecimento, em razão
da dependência exclusiva do modal terrestre;
o alto custo operacional das viaturas; os óbices para abastecimento das OMC localizadas
em ilhas; a criticidade das vias terrestres,
por saturação e má conservação; restrição
ao trânsito de cargas por via rodoviária,
18
to total do modal terrestre é menor do que
o custo total do modal marítimo; o projeto
modal marítimo atinge o “break-even point”
humanos e materiais existentes nos OD e nas
OMC, a empresa contratada para modelar
o projeto chegou às seguintes conclusões:
a) para otimizar a distribuição do material fornecido pelos OD há necessidade
de ser criada uma Central de Operações
Logísticas (COL), com a finalidade de, em
moldes sistêmicos: I) possibilitar a unitização das cargas e a elaboração de um
cronograma ótimo de entrega de material;
II) otimizar o aproveitamento dos meios
Revista do Clube Naval • 367
entre o 8° e o 9° ano; c) durante todos os
anos de vida útil do projeto, o custo operacional do modal marítimo é inferior ao custo
operacional do modal terrestre.
Fase atual do projeto
Setembro de 2012 – foi realizado, com
sucesso, um exercício de abastecimento às
OM do Complexo Naval de Mocanguê via
modal marítimo (foi utilizada como embarcação uma EDVM).
Maio de 2013 – foi prontificada a concretagem da rampa de abicagem do Complexo
Naval de Abastecimento (CNAb), indispensável ao embarque do material dos OD.
Junho de 2013 – foi prontificado pelo
Centro de Projetos de Navios (CPN), o projeto
da embarcação a ser utilizada no modal
marítimo – chata de emprego geral (CEGE) –
(o projeto está em fase final de revisão pela
Diretoria de Engenharia Naval).
Julho de 2013 – foi prontificado e
aprovado pela Diretoria de Obras Civis da
Marinha o projeto básico de retificação da
rampa do Complexo Naval de Mocanguê,
o que permitirá, quando oportuno, que se
realize o processo licitatório de obras civis.
Considerações finais
“Sonhar sempre, persistir muito,
desistir nunca”
Chega-se ao ponto crucial do projeto,
qual seja, o de viabilizar recursos, principalmente:
• para as obras civis necessárias à retificação da rampa do Complexo Naval de
Mocanguê (atualmente utiliza-se a rampa
que está sendo cedida à Petrobras);
• para a construção de uma rampa na
área do Comando do 1° DN;
• para a construção de uma primeira
embarcação, o que permitirá a implementação parcial do projeto, possibilitando
que seja regularmente iniciado o abastecimento via marítima às OMC localizadas
no Complexo Naval de Mocanguê.
Sabe-se que os recursos são escassos,
mas o desafio está aceito e não há de
haver esmorecimento, pois todos que
conhecem o projeto, não só os Oficiais
Intendentes, mas especialmente os companheiros do Corpo da Armada, reforçam
o entendimento de que o modal marítimo
representará um “up grade” no Sistema de
Abastecimento da Marinha. n
*Capitão-de-Mar-e-Guerra (Ref-IM)
Revista do Clube Naval • 367
19
RESERVA ENERGÉTICA
Revolução na Energia:
petróleo e gás
de xisto
A
Joel Mendes Rennó*
exploração dos recursos minerais
de xisto betuminoso está promovendo, em diversos países,
notável progresso no setor de
energia, proporcionando expressivos resultados na produção
não convencional de petróleo e gás natural.
Está ocorrendo uma verdadeira revolução
nessa atividade, projetando mudança significativa na geopolítica energética.
Os dados e informações que pretendo
apresentar, representam o que há de mais
moderno no desenvolvimento dessa fonte
de energia.
Reservas de xisto betuminoso nos Estados Unidos, por exemplo, estão sendo exploradas vigorosamente nos últimos anos,
de modo que a produção de petróleo e gás
naquele país tem aumentado fortemente.
Apenas neste ano de 2013, a produção
local deverá ser acrescida de 3 milhões de
novos barris por dia. Até pouco tempo, os
Estados Unidos, maior consumidor mundial,
importavam de 10 a 11 milhões de barris
por dia, a fim de atender sua necessidade
diária de 18 a 19 milhões de barris. Metade
desse volume, 9 a 10 milhões de barris,
se destina a produzir gasolina, de modo a
atender sua frota de veículos de 300 milhões de unidades (automóveis, utilitários,
ônibus, caminhões etc.).
Presentemente, graças aos resultados do
aproveitamento de xisto, essa importação
já se encontra no nível de 7 milhões de
barris por dia. A Agência Internacional de
Energia, a mais conceituada instituição do
setor, sediada em Paris, estima que os EUA
deverão se transformar nos próximos 5 a 7
anos, no maior produtor mundial de petróleo, superando a Arábia Saudita e a Rússia.
Prevê-se que até 2030 os norte-americanos
serão importantes exportadores.
O xisto é uma formação rochosa, semelhante a uma bacia sedimentar, produtora
convencional de petróleo e gás, feita de
sedimentos depositados há milhões de anos
e que contém significativos volumes de gás
e petróleo retidos no seu interior. Até cerca
de 15 a 20 anos, o aproveitamento do xisto
não competia em preço com a exploração
convencional, daí o fato de que as reservas
existentes representavam, apenas, potencial
para o futuro. Mas o progresso chegou muito
mais rápido do que se imaginava.
Com o desenvolvimento tecnológico, descobriu-se um processo
de fracionamento das rochas de
xisto, liberando os hidrocarbonetos. As reservas desse mineral
encontram-se a uma profundidade
média de 2.000 a 2.500 metros e
pela perfuração de poços verticais,
combinados com a técnica de perfuração horizontal, estava aberto
o caminho para uma verdadeira
revolução no setor de energia. Nos
poços são injetados, sob pressão,
água, areias finas e fluidos de
fracionamento, produtos químicos.
Ao atingir a camada de xisto, essa
mistura “quebra”, por assim dizer,
a rocha, permitindo que petróleo
e gás fluam para a superfície. Essa técnica de
fracionamento encontra, naturalmente, muitos
questionamentos dos ambientalistas, e nos países onde esse processo tem sido empregado,
o assunto é amplamente debatido, tendo em
vista o volume de água necessário e os riscos
de afetar os reservatórios subterrâneos.
É importante mencionar a existência de
reservas de xisto em diversas nações, como
China, Canadá, México, Argentina e Brasil.
Assim, o atual êxito dos Estados Unidos poderá vir a ocorrer igualmente nesses países,
dependendo do esforço exploratório e das
condições existentes nas respectivas áreas.
Outro dado significativo do sucesso norteamericano, é que até o ano 2000 o gás de
xisto representava 1% da oferta de gás natural naquele mercado. Atualmente, já atinge
cerca de 30%. De forte importador, os Estados
Unidos passaram a ser potencial exportador e
os preços de gás caíram tanto que os reflexos
são sentidos até no Brasil, com a migração
de investimentos em petroquímica, intensa
usuária de gás, para o citado país.
As maiores reservas de xisto podem estar
na China, ainda que em alguns
lugares a ausência de água em
abundância dificulte a exploração. A China é uma prodigiosa
produtora e consumidora de
carvão, em que pesem os efeitos
da poluição.
O gás natural substitui com
vantagens o carvão e o petróleo
nas centrais termelétricas e em
inúmeros projetos industriais.
Se levarmos em conta o
pré-sal brasileiro e as reservas
de gás e petróleo de xisto nas
Américas (EUA, Canadá, México,
Argentina e Brasil), essa parte do
mundo pode se transformar proximamente em um novo Oriente
Médio em termos de energia.
Sem exagero! Realisticamente!
Como se sabe, a energia e sobretudo a
sua falta podem criar tensões políticas nacionais e internacionais. O petróleo é o vilão
usual. A política desse produto está tendo
papel significativo nas ambições nucleares
do Irã. Esse é um fato da maior importância,
Se levarmos
em conta o pré-sal
brasileiro e as
reservas de gás e
petróleo de xisto
nas Américas,
essa parte do
mundo pode se
transformar
proximamente
em um novo
Oriente Médio
em termos de
energia.
20
Revista do Clube Naval • 367
frequentemente noticiado.
Se tanto os EUA como a China forem
menos dependentes do Oriente Médio em
relação a petróleo e gás, como os maiores
consumidores mundiais, não terão problemas
para garantir os necessários recursos. Além
disso, a abundância de gás trará efeitos de
redução nos preços de petróleo, em geral.
No caso do nosso país, entendo que seria
da maior importância formular e implantar
uma política clara de desenvolvimento de
pesquisas e aprimoramento tecnológico,
tendo em vista prosseguir enfrentando o
grande desafio da energia. Esse desafio
contém oportunidades e reflexos na política
energética industrial, em especial quanto a
fertilizantes e indústrias de consumo intensivo de energia elétrica, como as de alumínio
e a siderurgia. Altamente rico em fontes
renováveis, com a sua matriz energética
preponderantemente hidráulica e dependente para assim continuar, do adequado
aproveitamento dos rios amazônicos, o Brasil
terá necessidade de buscar no seu território
e no mar, fontes de suprimento de gás e
Revista do Clube Naval • 367
petróleo a preços competitivos. Já possuímos
uma pequena produção de petróleo e gás
de xisto no estado do Paraná, na localidade
de São Mateus do Sul. É necessário, porém,
fazer muito mais. Nesse sentido, temos que
contar novamente com a valiosa contribuição da Petrobras, que por intermédio do seu
Centro de Pesquisas, o Cenpes, possui larga
tradição e competência no desenvolvimento
científico e tecnológico.
Informação pública recente dá conta de
que estão sendo realizados trabalhos de exploração, à procura de petróleo e gás de xisto,
com boas possibilidades de êxito, na bacia do
rio São Francisco, no estado de Minas Gerais.
A presença da energia é fundamental
para o desenvolvimento dos países e a consequente existência de paz entre as nações.
O Brasil com a sua impressionante
segurança alimentar, produção anual
21
superior a 170 milhões de toneladas de
grãos, 250 milhões de hectares agricultáveis,
dos quais apenas 75 a 80 milhões utilizados,
possui, além disso, vastos recursos para a
produção de energia. Sem essas duas condições, que felizmente privilegiam o nosso
país, segurança alimentar e energia, não há
nação que possa crescer e atender às efetivas
necessidades do seu povo.
É da maior importância, assim entendo,
prosseguir nos estudos e ações para aperfeiçoar ainda mais o nosso conteúdo de energia. E produzi-la em maiores quantidades e
a preços compatíveis. Por isso, não devemos
perder tempo. n
Membro associado do Rotary Club do Rio
de Janeiro – presidente indicado para o
período 2014/2015; presidente da Petrobras
– 1992/1999; presidente da Companhia
Vale do Rio Doce – 1978 /1979; membro do
Conselho Técnico da Confederação Nacional
do Comércio – CNC; membro do Conselho
de Administração da Empresa Mineração
Buritirama S.A.; membro da Associação
Promotora de Estudos de Economia – APEC.
*
FUZILEIROS NAVAIS
os FUZILEIROS
NAVAIS NA GUERRA
DO FUTURO
O
Um breve comentário sobre a
transformação do Centro de Reparos
e Suprimentos Especiais do Corpo de
Fuzileiros Navais (CRESUMAR) em
Centro Tecnológico do CFN (CTecCFN)
CESAR LOPES LOUREIRO*
Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) assinou no dia
30 de janeiro de 2012, em
cerimônia realizada no Salão 7
de Março do Comando-Geral do
Corpo de Fuzileiros Navais (CFN),
portaria que definiu o Centro de Reparos e
Suprimentos Especiais do CFN (CRESUMAR)
como instituição científica e tecnológica da
Marinha do Brasil alterando, de maneira
significativa, a história de uma Organização
Militar (OM) de mais de 40 anos.
Muito além do que uma simples modificação na sua denominação – CRESUMAR
para Centro Tecnológico do Corpo de
Fuzileiros Navais (CTecCFN) – essa decisão
agregou àquele Centro um novo viés de
atividades: executar tarefas de pesquisa,
desenvolvimento, serviços tecnológicos e
de inovação; e estabelecer parcerias com
instituições públicas e privadas dos setores
industrial, universitário e técnico-científico de
interesse para o CFN, sem prejuízo, contudo,
da sua vocação originária, de executar a
manutenção e o abastecimento das viaturas,
equipamentos e equipagens de uso pelos
Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais
(GptOpFuzNav) em todo o Brasil.
Recente artigo publicado pelo VAlte (RM1EN) Marcílio Boavista da Cunha na Revista do
Clube Naval no 365, sobre o 1o Seminário da
Escola de Guerra Naval (EGN) “Guerra Naval do
Futuro”, faculta valiosos subsídios para que se
dimensione o alcance dessa transformação.
Nesse artigo, o VAlte Boavista recorre a uma
taxinomia corrente na Marinha americana que
foi apresentada na primeira palestra daquele
seminário pelo professor Ítalo Pesce: a “divisão
tecnológica” própria de cada guerra: a do
presente; a do amanhã; e a do futuro. Segundo
essa classificação acadêmica, a guerra do presente será lutada com os meios existentes; a
guerra do amanhã com os meios e os sistemas
em processo de aquisição e de construção; e a
guerra do futuro com os meios ainda em processo de pesquisa e desenvolvimento. Assinala
ainda o VAlte Boavista que o planejamento
estratégico da Marinha do Brasil contempla
as necessidades da preparação para a guerra
do amanhã no Plano de Articulação e Equipamento da Marinha (PAEMB) e as necessidades
visualizadas para a guerra do futuro no Plano
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
22
é da sua jurisdição, para a guerra do futuro.
É um grande e novo desafio este que se
apresenta a todos os Fuzileiros Navais que
laboram na área do material. É evidente o
longo caminho a ser percorrido, já iniciado,
em 2012, logo após a Portaria do CEMA, com
a organização, no CTecCFN, de um Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação; com
a organização de uma Assessoria de Ciência
e Tecnologia no CMatFN; com a abertura de
lotação nesses setores para pesquisadores,
engenheiros, mestres e doutores; e com a
apresentação de subsídios para a realização
de diversos cursos nas mais variadas áreas
cientifico-tecnológicas a partir de 2014.
O CMatFN e o CTecCFN firmaram desde
já convênios e acordos com diversas instituições, dentre as quais se destacam o Instituto
Nacional de Tecnologia (INT), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
*Contra-Almirante (FN)
da Marinha (PDCTM). Fica patente no estudo
desses documentos que a base material necessária para uma Força será, cada vez mais,
intensiva em tecnologia.
Pode-se verificar, nesse contexto, que até
2011, as tarefas executadas pelo Comando do
Material do CFN (CMatFN), tendo como OM
finalística o então Cresumar, restringiam-se à
preparação material do Corpo para as guerras
do presente e do amanhã, realizando a manutenção, a aquisição e o abastecimento dos
armamentos, equipamentos e equipagens da
sua jurisdição. A partir do momento em que a
Marinha do Brasil agregou a essas competências as de pesquisar, desenvolver e inovar, o
CFN passou a perseguir uma nova dimensão:
capacitar-se em termos materiais, naquilo que
Revista do Clube Naval • 367
o Centro Federal de Educação Tecnológica do
Rio de Janeiro (CEFET-RJ) e o Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do Serviço
Nacional de Apoio à Indústria (SENAI-SETIQT),
além de algumas empresas privadas.
Alguns projetos começam a ser planejados, outros já estão em execução, todos rigorosamente orientados para as necessidades
operativas dos Fuzileiros Navais: o desenvolvimento de um sistema de estabilização para
a torre do carro de combate SK-105A2S, em
conjunto com um consórcio formado pela
Universidade de Campinas (Unicamp) e pelas
empresas Pollo Equipamentos e Saveway, de
São Paulo; o desenvolvimento de um protótipo de sistema para apoio à programação de
atividades de manutenção de equipamentos
da área de segurança, em conjunto com o INT
e a PUC-Rio, com financiamento da Fundação
Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), em
pleno andamento; e projeto e construção de
passadeiras flutuantes para a engenharia de
combate com a utilização de novos materiais,
em conjunto com a Ares Aeroespacial e Defesa S.A. também em execução.
Verifica-se, é bem verdade, que esses
projetos iniciais, em que pese estejam voltados para as reais necessidades da Força,
não constituem, ainda, a plena experiência
da pesquisa inovadora, credencial que
possibilitará ao novo CTecCFN ingressar,
definitivamente, na guerra do futuro. São,
contudo, os passos iniciais de uma trajetória irreversível, que permitirá ao CFN
ampliar, de maneira significativa, a sua
capacidade de combate contribuindo, também, para o desenvolvimento tecnológico
da Marinha do Brasil. n
Revista do Clube Naval • 367
23
marinha do brasil
Besouros e
Helicopteros
– os essenciais
Paulo de Paula Mesiano
Ano de 1998, o presidente FHC, atendendo a
uma solicitação de Marinha e ante à indiferença
da Força Aérea (FAB), autorizou a compra pela
Marinha de aviões para operarem no Nael
Minas Gerais. Foi grande a alegria da cúpula da
Marinha que apregoou que agora passava a
ter realmente uma aviação belicosa. Ofensiva,
incorporando-se aeronaves letais ao braço
aéreo da Esquadra que até então só contava
com helicópteros muito úteis, mas que não
passavam de besouros, enquanto os A-4s
adquiridos, aviões de ataque e interceptação
eram vespas ferozes.
O
s besouros e os helicópteros são
belicosos. Apesar da aparência
pacífica, discreta e inofensiva,
ao contrário dos aviões que,
tendo um design semelhante ao
das aves de rapina, sugerem ser
agressivos. Os aviões não são tão letais como
aparentam ser. Além de terem muitas limitações operacionais, requerem um apoio efetivo
para que possam cumprir com a sua missão,
tendo um custo-benefício discutível.
A MB adquiriu do Kuwait os A-4 Skyhawak, que passaram a ser designados pela MB
como AF-1, na versão monoplace de ataque
e interceptação, e AF-1A na versão biplace
de treinamento.
Foi grande a euforia e a satisfação com
esse novo Esquadrão que veio a se juntar aos
outros oito Esquadrões já existentes, e em
plena operação (cinco sediados em São Pedro
d’Aldeia e os outros três em Manaus, Ladário
e Rio Grande). Parecia que a Marinha tinha estreado e ganho a aviação com esse Esquadrão,
um mero componente para a defesa aérea da
Força Naval com a missão de interceptação e
ataque. Apenas mais um Esquadrão de uma
modesta mas aguerrida Aviação Naval.
A Marinha havia sido pioneira na utilização de aviões em suas atividades de
combate. Teve a primazia de ser a primeira
a ter a aviação militar no nosso país.
O presidente Venceslau Braz assinou o
decreto que criou a Escola de Aviação Naval
em 23 de agosto de 1916, dez anos após o
voo pioneiro do 14 Bis no campo da Bagatelle em Paris, onde Alberto Santos Dumont
mostrou ao mundo que se podia voar com
uma máquina mais pesada que o ar. Assim
foi iniciada tão importante atividade, como
deve ser, pela instrução.
Foram enviados ao cenário europeu na
1ª Guerra Mundial cinco aviadores navais
que operaram, inclusive, em combate com a
Naval Royal Air Fleet do Reino Unido.
Durante transcurso da 2ª Guerra Mundial
no ano de 1941 a Aviação Naval foi extinta
24
pelo presidente Getúlio Vargas para, juntamente com a Aviação Militar (do Exército),
formar a Força Aérea Brasileira (FAB), ao
gosto de Dohuet, Mitchell, Seversky e outros
defensores do Poder Aéreo, com uma Força
Aérea única, ao estilo da Luftwaffe e da
Réggia Aeronáutica Italiana.
A Lei nº 1.658, de 4 de agosto de 1952,
deu uma nova organização administrativa
à Marinha, e foi recriada a Diretoria de Aeronáutica da Marinha (DaerM), sendo o seu
Diretor o Almirante Olavo de Araújo, um dos
cinco aviadores navais que combateram na 1ª
Guerra Mundial, e que não havia passado para
o Ministério da Aeronáutica. Como a fênix, a
Aviação Naval renascia das cinzas, pleiteando
a Aviação Embarcada orgânica dos navios.
Como em 1916, a DAerM reiniciou suas
atividades ativando o Centro de Instrução
e Adestramento Aeronaval (CIAAN) com a
Instrução de Voo, utilizando as aeronaves e
instrutores de voo do Aeroclube do Brasil,
então em Manguinhos.
Revista do Clube Naval • 367
Os observadores aéreos navais (OANs),
como eram eufemisticamente chamados os
aviadores navais, passaram a pilotar helicópteros adquiridos das mais variadas formas e
fontes a partir de 1955, e começaram a voar
e a operar com a Esquadra, com a Hidrografia e com os Fuzileiros Navais.
O decreto do presidente da República
Humberto Castelo Branco em 1965 deu uma
solução salomônica ao problema: a Marinha
passou a ter direito a voar aeronaves de asa
rotativa (helicópteros), e a FAB através do 1º
Grupo de Aviação Embarcada teve acesso ao
Nael Minas Gerais, operando organicamente
S-2 Fs que denominavam de P-16, os quais,
durante o período de embarque passavam a
ser a arma aérea do Navio Aeródromo Minas
Gerais, o capitânia da Esquadra Brasileira.
Renascia então com os helicópteros, e voltava a existir oficialmente a Aviação Naval
que havia sido extinta em 1941.
O reinício foi discreto, sem alardes, não
foi saudado com a euforia com que os A-As
Revista do Clube Naval • 367
25
foram recebidos, mas foi muito mais significativo, oficializou no cenário nacional, que
aquelas aeronaves denominadas de OVNIs,
como eram pejorativamente tratadas pela
FAB, pois sabiam que eram helicópteros e
que eram da Marinha e operadas por marinheiros nacionais e não por infratores da lei
e da ordem, voavam legalmente.
Se não fossem esses helicópteros pairando no ar, voando sobre o mar e por todo o
território nacional, guarnecidos e pilotados
por marinheiros, não teria a MB condições
quando foram adquiridos os A-As, de ter a
rapidez com que ativou e passou a operar o
Esquadrão de Asa Fixa, com aeronaves bem
mais simples que os helicópteros do HS-1.
Os SH-3 são helicópteros atuais em uso
nas Marinhas do primeiro mundo, já os A-4 são
aviões muito bons, versáteis, robustos, mas são
aviões da época da Guerra da Coreia.
A MB não ganhou uma Aviação Naval
em 8 de abril de 1998, apenas passou a
contar com aeronaves de asa fixa, os A-4s
cognominados de Falcões, mas bem mais
simples que os SH-3, se bem que decolando
e pousando de forma espetaculosa, chamam
muito a atenção da mídia que sempre teve
dificuldades em compreender a Aviação
Naval. O nosso navio capital tido por “Belo
Antonio”, referindo-se a suposta impotência
porque não operava aviões, pois, por ignorância, não sabiam da operacionalidade e
letalidade dos helicópteros.
Os SH-3, na denominação da US Navy,
os Sea Kings foram substituídos pelos MH
16, os Sea Hawk que, além da guerra antissubmarino (ASW), passaram também a fazer
a guerra antinavio de superfície utilizando
mísseis, bem como fazendo a transmissão de
dados do seu radar para o navio controlador,
o que significa uma ampliação do horizonte
radar. É como se tivéssemos a antena do
radar do navio na altitude de operação e
distância do helicóptero. Os Guerreiros, como
são conhecidos, pairam no ar com discrição e
modéstia, com eficiência, eficácia e bastante
letalidade, como besouros.
Os besouros também pairam no ar, apesar
do seu modo desajeitado de voar, o que levou
certo e desavisado professor de Física a duvidar da sua dinâmica. Ele calculou o volume e
o seu peso, verificou o tamanho e a resistência
das suas asas membranosas, e chegou a uma
conclusão apressada de que o besouro era
inviável aerodinamicamente e só voava porque
não conhecia as leis da aerodinâmica.
A vontade de voar é muito importante,
tanto que os helicópteros que são aeronaves
similares aos besouros voam de acordo com
as leis da aerodinâmica, porque os pilotos
de helicópteros (helo drivers) são conhecidos
como besouros das leis da aerodinâmica, e
por terem necessidade e vontade de voar as
aplicam bem, e voam melhor que os aviões
porque fazem tudo que os aviões fazem e
mais o que só os besouros e helicópteros
são capazes de fazer.
A concepção do helicóptero é anterior
à do avião. O primeiro projeto de uma
aeronave com características de um helicóptero é de Leonardo da Vinci (1452-1519),
enquanto a concepção do avião só veio
muito tempo depois.
Coleóptero é um inseto que tem quatro
asas, um par membranoso e um par rígido. As
asas membranosas ficam recolhidas quando
em repouso. É um inseto que tem asas rígidas
superiores que, para os que não conhecem,
pensam ser impróprias para o voo, servindo
de mero estojo para as asas inferiores. As
membranosas quando se juntam às superiores ou rígidas (córneas) proporcionam o voo
do besouro, um inseto sui generis.
Quando os besouros distendem as asas
rígidas (córneas) com a intenção de voo com
as membranosas eles geram sustentação e
propulsão, como se fossem um helicóptero
em que as suas asas, que são as pás do rotor,
geram sustentação e propulsão, e não têm
semelhança com as asas dos aviões que são,
na realidade, um plano rígido.
O entendimento correto da aerodinâmica
26
é fundamental para a sobrevivência dos aviadores. Só com esse conhecimento, aprendido
e testado à exaustão no dia a dia, é que os
aviadores tiram o máximo proveito de suas
aeronaves com segurança. Os besouros conhecem muito bem as leis da aerodinâmica.
As leis da aerodinâmica dos besouros que
fazem parte da sua natureza e do seu ecossistema, e tiram delas o melhor proveito.
O besouro é uma aeronave que tem o
seu cockpit, a sua cabeça, na parte anterior
da sua fuselagem, o seu cefalotórax. Os
sistemas de asas se situam na parte superior da sua fuselagem. Nos helicópteros, no
cockpit vão os pilotos que são as cabeças no
comando. Atrás do cockpit vem a fuselagem
com um design volumoso e pesado, mas tão
lindo como o design de um besouro.
O sistema de asas na parte superior, centrado na cabeça do rotor onde são conectadas
as pás, que são na realidade as suas asas,
também são responsáveis pela propulsão
como se fossem seus hélices, daí a confusão
que muitos fazem em chamar os rotores de
hélices, quando na verdade eles são asas.
Os helicópteros, como as aves e os besouros, se sustentam e se locomovem com as
suas asas. Já os aviões se sustentam com as
asas de forma rígida e fixa, e se propulsionam
com as hélices ou com os jatos, dependendo
Revista do Clube Naval • 367
do tipo. As membranosas dos besouros ficam
guardadas embaixo das córneas quando
recolhidas e o besouro não está com intenção de voo. Quando as asas córneas estão
distendidas, quando há intenção de voo, as
asas membranas se agitam e se movimentam
para dar sustentação e movimentação aos
besouros, da mesma forma que as pás dos
helicópteros ao girarem dão sustentação e
movimentação aos helicópteros.
Quando o helicóptero se desloca para
frente, o piloto o pilota como um avião, podendo decolar e pousar corrido numa pista
de aeroporto como se fora uma aeronave de
asa fixa, os aviões. Além de poder decolar
e pousar verticalmente sem necessidade de
pista, o que os aviões não conseguem, a não
ser um novo desenvolvimento comparável
aos besouros que são os “Harrier”.
Não há dúvida de que o piloto de helicóptero é mais completo que o piloto de avião, se
bem que menos espetacular e charmoso, haja
vista o sucesso que o esquadrão de “Skyhawks” os AF-1 tem feito, operando na BAenSPA
ou embarcado a bordo do NAe São Paulo,
cujo pouso ou decolagem se reveste de um
clima de sensação, de espetáculo e de perigo,
enquanto os helicópteros pousam e decolam
de forma discreta e rotineira, sem nenhuma
espetaculosidade e conotação perigosa.
Revista do Clube Naval • 367
Mas aos helicópteros se requer muita
atenção. Os aviões decolam e pousam
de pistas ou do convés de um navioaeródromo, e os pilotos têm toda a sorte
de informações necessárias a um pouso e
decolagem seguros, já os helicópteros decolam e pousam em qualquer lugar e não têm
nenhum apoio de segurança de voo, a não
ser o que o piloto estima, desde a direção
e intensidade do vento como da resistência
do piso e dos obstáculos circundantes da
área escolhida para pouso.
Os helicópteros fazem tudo que os aviões
fazem, eles atacam com mísseis, foguetes,
bombas, torpedos e metralhadoras, e operam
de qualquer lugar, em terra, nas praias, nos
terrenos montanhoso, de bordo de naviosaeródromos ou de qualquer navio que tenha
uma plataforma adequada. Os helicópteros
são muito mais versáteis que os aviões.
A Marinha do Brasil sabe disso por ser a
detentora da mais proficiente frota de helicópteros do país, haja vista o incremento
operacional a um custo-benefício altamente
compensador, quer na Esquadra, na Hidrografia, na Antártida, no apoio administrativo,
na salvaguarda a vida do homem no mar, e
nas evacuações aeromédicas (EVAM), algumas feitas em alto-mar a mais de 200 milhas
do litoral, quando resgatam tripulantes de
27
navios que se acidentam e necessitam um
socorro mais efetivo do que o que podem
ter a bordo dos seus navios.
Hoje, um navio que não tenha o seu
helicóptero orgânico está em inferioridade
bélica. A Marinha soube aproveitar a oportunidade que lhe foi dada de ter helicópteros, e
o seu uso racional criterioso foi o fator básico
para vir a ter uma Aviação Naval pujante.
Só quem paira nos ares na Marinha
são os helicópteros enquanto não tivermos
“Harrier’s”. Por enquanto, os helicópteros são
os artilheiros desse campeonato fazendo
muito mais gols que os charmosos A-4.
Mas o que importa é que a Marinha
tem marinheiros embaixo, na superfície e
sobre o mar, efetuando o seu controle, defendendo a nossa soberania, privilegiando
o uso do mar para o Brasil. Independente da
aeronave, o que vale é o homem. Ele é um
guerreiro e não à toa que os pilotos do HS-1,
que voam o M-16, que é a aeronave naval
mais completa, são pilotos prontos 24 horas
para o combate, e têm como indicativo de
chamada Guerreiros. n
* Paulo de Paula Mesiano é
Capitão-de-Mar-e-Guerra Aviador Naval
Reformado e comandou o 1º Esquadrão
de Helicópteros Anti-Submarino.
99ºAniversário da Força de
Submarinos
MARINHA DO BRASIL
MARCOS SAMPAIO OLSEN*
A
obstinação do homem em
possuir um barco dotado de
capacidade de ocultação para
surpreender e destruir precede à
própria concepção do princípio
de Arquimedes – século III a.C.
O Turtle em 1776, no curso da guerra
da independência dos EUA, intentou prender à quilha da fragata britânica Eagle um
artefato explosivo, através de uma broca.
Extremamente engenhoso para a época,
o Turtle possuía tanques de lastro, torre
de observação com escotilha, tubos para
entrada e saída de ar, leme e hélices
vertical e horizontal.
Um fato colateral foi determinante para
o êxito desses submersíveis de guerra.
Em 1868, Robert Whitehead, um inglês a
serviço da Áustria, aperfeiçoou o torpedo
autopropulsado, atribuindo-lhe controles
que o mantinham numa corrida reta a uma
profundidade determinada.
Assim, na tarde de 22 de setembro de
1914, um rudimentar submarino alemão, de
tipo ainda propelido a gasolina, pôs a pique,
em questão de minutos, três cruzadores
britânicos de 12 mil toneladas.
O avanço tecnológico observado no
desenrolar da Primeira Guerra Mundial
propiciou profunda transformação no
submarino. Os pequenos barcos utilizados
para fins limitados tinham-se transformado em navios de considerável raio de ação
e ao seu armamento adicionados canhões
e minas. O submarino não mais se confinava ao papel defensivo, afirmara-se, então,
como arma ofensiva por excelência. Desde
o emprego em guerras, o submarino afundou mais navios do que qualquer outro
meio de destruição.
O Brasil não passou alheio ao desenvolvimento da tecnologia de submarinos. Destaco
o gênio inventivo de um dos precursores no
projeto de submersíveis no país, o Tenente
Engenheiro Naval Emílio Júlio Hess, que cedo
discerniu que “é o valor militar que justifica
28
28
o submarino e define sua importância como
arma de guerra”. O projeto do Submersível
Hess-Farfield assinalava: 175 ton de deslocamento; casco duplo; quatro tubos de torpedo;
28 milhas de raio de ação, a seis nós em
imersão; e uma tripulação de 10 homens.
Revista do Clube Naval • 367
O projeto, apesar de aplaudido pelo
Conselho do Almirantado, sessão de 26
de novembro de 1908, e autorizado pelo
Congresso, ainda assim não foi executado.
Furtava-se o Brasil à pesquisa e inovação,
dando lugar à perversa dependência
tecnológica externa.
Constando do Programa de Construção Naval de 1904, opta o Ministro de
Negócios da Marinha, por encomendar
ao estaleiro italiano Fiat – Saint Giorgio,
sediado em La Spezia, três submersíveis da
Classe Foca e um navio Tender.
Era criada, em 17 de julho de 1914 por
decreto do Exmo. Sr. Almirante Alexandrino
de Alencar, a Flotilha de Submersíveis, ficando subordinada administrativamente ao
Comando da Defesa Móvel do Porto do Rio de
Janeiro, sediado na Ilha de Mocanguê Grande.
Operativamente, a Flotilha era subordinada
Revista do Clube Naval • 367
ao Chefe do Estado-Maior da Armada. Em
1928, foi alterado o seu nome para Flotilha
de Submarinos e, por fim, no ano de 1963,
denominada Força de Submarinos, designação que permanece até os dias atuais.
A clarividência e operosidade de destacados “marinheiros até debaixo d’água”
propiciaram no decorrer desses 99 anos, uma
evolução consistente e continuada por variadas
classes de submersíveis e submarinos e, ainda,
a assimilação das atividades de escafandria,
mergulho saturado, mergulho de combate,
socorro e salvamento de submarinos sinistrados e medicina hiperbárica, acumulando conhecimento e desenvolvendo procedimentos
e doutrinas próprias de emprego.
Os submarinistas e mergulhadores, de
ontem e de sempre, não se assemelham, em
corpo e alma, a nenhum outro profissional.
Somos o que somos, o que valemos, o que
29
29
representamos. Uma vida de incertezas e um
cotidiano de entrega, na maneira de sentir e
de agir, acabam por nos fazer arrojados e um
tanto displicentes em presença do risco.
A negação do uso do mar integra o rol de
tarefas básicas atribuídas ao Poder Naval, sendo
este o que organiza, antes de atendidos quaisquer outros objetivos, a estratégia de defesa
marítima do Brasil. A Marinha do Brasil afiança
tal objetivo ao contar com uma força naval submarina diferenciada e crível, hábil no emprego
eficaz dos seus variados meios subordinados.
Reside aqui o alicerce da defesa nacional, por
meio de uma Força de Submarinos moderna e
aprestada para defender o patrimônio brasileiro
no mar e os caros interesses do nosso povo.
Glória à Flotilha! n
* Contra-Almirante
Comandante da Força de Submarinos
ABIMDE
o ALICERCE
DA INDUSTRIA DE
DEFESA
F
Carlos Afonso Pierantoni Gambôa *
undada em 1985 e hoje com 200
associadas, a Associação Brasileira
das Indústrias de Defesa e Segurança coloca-se como legítima
representante das empresas que
compõem a Base Industrial de
Defesa de nosso país. Esse abnegado grupo
de empresários que somente possui dois
clientes – Ministério da Defesa (Exército,
Marinha e Força Aérea) e Ministério da Justiça (Órgãos de Segurança a nível Federal,
Estadual e Municipal) é responsável por
expressiva fatia do intangível bem que nos
é tão caro – a soberania.
Entendemos com clareza que Defesa
e Segurança devem caminhar lado a lado
e, nesse particular, vivemos um momento
bastante favorável com as autoridades governamentais somando forças em prol de
consolidarmos a nossa soberania sem nos
descuidarmos da segurança interna. Assim
realizamos com sucesso a pacificação do
Complexo do Alemão no Rio de Janeiro e temos realizado com êxito as Operações Ágata
e Atlântico no controle de nossas fronteiras
terrestres e marítimas respectivamente.
A ABIMDE, como porta-voz dessas
indústrias, atua diretamente em cooperação com o Executivo, de modo especial
junto ao Ministério da Defesa, por meio da
Secretaria de Produtos de Defesa e seus
departamentos. Estamos também presentes
no Legislativo buscando apoio do Senado
e Câmara dos Deputados para os projetos
de interesse das empresas. Desse modo as
Comissões de Relações Exteriores e Defesa
Nacional das duas casas têm nos proporcionado oportunidade de apresentarmos
os pleitos da Base Industrial de Defesa
(BID), participar de debates e seminários
no Congresso Nacional, bem como visitado
as empresas para melhor conhecerem os
produtos e serviços fabricados no Brasil por
brasileiros e para brasileiros.
Controle
de nossas fronteiras
30
Revista do Clube Naval • 367
Pacificação do
Complexo do Alemão,
no Rio de Janeiro
tema atualizados e prontos a
atender os chamamentos dos
possíveis clientes.
Recebemos apoio governamental por meio da Apex-Brasil
para participação em eventos
internacionais onde expomos
os produtos brasileiros, apresentando ao seleto e competitivo
mercado a competência e a
criatividade de nossa engenharia. Nada vendemos diretamente, mostramos produtos
e serviços aqui produzidos e
Para que tenhamos Forças Armadas e
Órgãos de Segurança bem estruturados
necessitamos de uma base científica e tecnológica forte. Assim trabalhamos em estreita
cooperação com universidades e centros de
pesquisas, tendo entre nossas associadas
o CTMSP, CTA, IME, estamos realizando o
diagnóstico da Base Industrial em parceria
com a UFF e temos proferido palestras nas
Escolas de Altos Estudos das três Forças com
o propósito de transmitir aos oficiais, futuros
decisores em suas Forças, as capacidades e
limitações de nossas empresas.
Assessoria de imprensa bastante atuante
e parcerias com os principais veículos de comunicação da mídia especializada, mantemos
as associadas e os cidadãos interessados no
Revista do Clube Naval • 367
aqui utilizados com sucesso. Temos conquistado vários segmentos do mercado. A
cordialidade e hospitalidade dos brasileiros
são também grandes aliadas nessa tarefa. O
Brasil não tem inimigos.
As aeronaves a navios de superfície,
armamentos letais e não letais, misseis e foguetes, paraquedas e abrigos para desastres,
munições dos mais variados calibres, viatu31
ras blindadas etc. colecionamos inúmeros
casos de sucesso que atendem não só ao
mercado nacional como o internacional.
A lei de licitações nos permite fornecer
“Declarações de Exclusividade” as quais
dispensam o comprador público da abertura de processo licitatório, mantendo, entretanto com o comprador total liberdade
para decidir o material que deseja adquirir.
Esse mecanismo agiliza o processo de compra e dificulta a participação de vendedores
não capacitados.
Novas associadas se juntam a cada dia
fortalecendo a BID. Novos e desafiantes
programas são lançados pelas Forças Armadas (SISGAAZ, SISFRON, KC-390 e outros)
assegurando um crescimento harmônico
do setor com os demais setores de nossa
economia. A sociedade se beneficia da dualidade de inúmeros produtos. Aumenta o
interesse dos universitários pelo estudo do
tema “Defesa e Segurança”. A mídia, em suas
diversas versões, dedica espaço para o setor,
mostrando a necessidade de protegermos
o patrimônio do Brasil e desmistificando
a ideia de que o assunto deva ser tratado
somente por militares.
As empresas do setor devem ser motivo
de orgulho para os brasileiros e a ABIMDE
se orgulha de representá-las. n
*Vice-Almirante (Ref) e
Vice-Presidente Executivo da ABIMDE
AMAZÔNIA AZUL
NAVIOS DA MB
O pré-sal brasileiro e a
soberania
no mar
À
Marcos Poggi*
luz da geopolítica, e em face
de possíveis conseqüências a
prazos mais longos, a interpretação de analistas, repercutida
na imprensa, de que as estatais
chinesas teriam decidido participar do leilão de Libra principalmente para
melhor conhecerem as reservas do pré-sal
brasileiro, não deixa de ser preocupante(*).
Não, necessária e unicamente em função de
um possível risco China, mas porque tal hipótese reforça a percepção de que o potencial
de riqueza no mar brasileiro vem ganhando
significativo espaço na pauta de interesses
em vários centros de poder no planeta.
Por todos os motivos, há indícios de sobra
para que o Brasil se acautele diante do quadro
que se desenha, já há alguns anos, em relação
aos direitos de soberania do país no mar.
Cumpre evocar, nesse contexto, o nome do
eminente brasileiro Alexandre Tagore Medeiros
de Albuquerque, conhecido na Marinha como
Comandante Tagore, falecido em 2011, com
notável participação na Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). O
Comandante Tagore, entre outras importantíssimas funções de representação do Brasil em
fóruns internacionais, foi, por dois mandatos
consecutivos, presidente da Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU.
Em inúmeras ocasiões, Alexandre Tagore
(também um dos autores do livro “A Amazônia Azul, o mar que nos pertence”) nos alertou acerca da vulnerabilidade dos direitos
do Brasil sobre a chamada “Zona Econômica
Exclusiva” e a plataforma continental, limitadas, respectivamente a 200 e 350 milhas a
contar das linhas de base da costa. É nesse
espaço que se situa a totalidade das reservas
do nosso pré-sal. Lembrava Tagore que os direitos de soberania sobre esse espaço no mar
não constitui princípio aceito pela totalidade
das nações. Vários países são não aderentes
ao acordo, ou seja, não subscreveram ou rati-
Alexandre Tagore
nos alertou acerca da
vulnerabilidade dos
direitos do Brasil sobre
a chamada “Zona
Econômica Exclusiva”
e a plataforma
continental
ficaram adesão à Convenção da ONU, sendo
o mais importante deles os Estados Unidos
da América, que limitou sua concordância
ao acordo de pesca. O que, obviamente, não
quer dizer que a posição norte-americana
tenha, necessariamente, algum vínculo com
interesses maiores no pré-sal brasileiro. Já a
China, por seu turno, diga-se, de passagem
e a bem da verdade, é signatária e ratificou
o acordo. Em suma, tal quadro, obviamente,
apresenta um potencial de contenciosos que,
em nada, interessa ao nosso país.
Não custa lembrar que o Brasil já foi
protagonista de, pelo menos, dois episódios
envolvendo conflitos no mar no âmbito das
200 milhas, por coincidência os dois com
a França: o primeiro, conhecido como a
“Guerra da Lagosta”, que, em 1962 quase
nos levou ao conflito armado, quando ― após
o apresamento de barcos de pesca franceses
pela Marinha brasileira, nas águas do Nordeste ― ambos os países deslocaram navios
de guerra para a região; o segundo episódio,
em 2005, quando o Navio-Patrulha Guarujá
apreendeu, ao largo do litoral do Amapá, o
barco de pesca francês “Yannick 2”.
32
32
Obviamente, em situação de paz mundial,
nenhuma nação se aventuraria a, por exemplo,
colocar uma plataforma de exploração ou
produção de petróleo em águas da “Zona Econômica Exclusiva do Brasil”. Até porque, além
de suas certamente gravíssimas consequências
(independentemente das condições militares
do Brasil para se defender adequadamente de
uma hipotética agressão desse tipo), tal medida
iria requerer uma base de apoio logístico em
terra próxima, ou um aparato flutuante de
proporções inimagináveis. Contudo, como
é incerta a viabilidade da substituição, em
larga escala, dos hidrocarbonetos por outras
fontes de energia, nas próximas décadas, tais
dificuldades de exploração de petróleo e gás
na “Amazônia Azul” por outros países, à nossa
revelia, não constituem garantia suficiente de
tranqüilidade em relação aos riscos da cobiça
externa. Possa ela vir a se manifestar a partir do
Oriente ou do Ocidente. Pouco importa.
E, obviamente, mesmo que todos os
países reconhecessem os direitos de soberania sobre a “Zona Econômica Exclusiva”
e a plataforma continental, tal ameaça não
cessaria em caso de conflito armado. Isto
porque, se, na prática da guerra, os contendores invadem ou tentam invadir o território
terrestre inimigo, com mais facilidade e razão, invadirão ou tentarão tomar ou destruir
o que exista de importante no mar, haja lá a
convenção e as assinaturas que houver.
Por outro lado, restaria alguma dúvida
quanto às razões da decisão das gigantes
americanas Exxon e Chevron, e das britânicas
BP e BG, de ficarem fora do leilão de Libra.
Será que a explicação dessa desistência se
esgota na excessiva interferência estatal, nas
incertezas regulatórias e nos altíssimos investimentos requeridos no pré-sal brasileiro?
Ou haveria, além dessas, outras razões? Pelo
visto, ao menos uma conclusão parece óbvia:
a de que, ao contrário dos chineses, essas
gigantes não estão dispostas a fazer grandes
investimentos para conhecer, nos detalhes,
nossas reservas no pré-sal. Uma das hipóteses
cabíveis para explicar tal postura é a de que,
por qualquer razão, elas não tenham mesmo
interesse algum nesses campos petrolíferos.
Outra é a de que elas já possuam todas as
informações de que julgam precisar sobre
nossas reservas de petróleo no mar. n
A surpreendente
carena
SÉRGIO LIMA YPIRANGA GUARANYS*
O
s alunos brasileiros cursando
Construção Naval no MIT costumavam rir da palavra inicial
das aulas do Dr. Chapman,
catedrático de Arquitetura Naval,
invariável: Festival ou First of all
em inglês. Todavia dizia que apenas um
navio, a Arca, foi original, sendo os demais
cópias alteradas. Entretanto se houvesse
mais de uma dúzia de oficiais que tivessem
visto as obras vivas do NAE S. Paulo, talvez
fosse olvidável que a carena dele tivesse sido
invenção de um arquiteto naval francês, muito diferente da Arca citada pelo Chapman. O
navio é rápido, mercê da proa de destroier,
da redução traseira da superfície molhada
e do bulbo dianteiro e estável para garantir
do NAe S.Paulo
operação aérea imune ao estado do mar.
O S. Paulo possui uma proteção encouraçada, tendo a couraça sido utilizada para
adicionar empuxo ao momento endireitador,
assim contribuindo para limitar o balanço
transversal. Concorrem nessa limitação a
reduzida altura metacêntrica transversal, as
imensas bolinas reversas cujas almas medem 1,8 m em vez dos 0,6 m tradicionais,
divididas em três segmentos cada, repetindo
três vezes a reação do mar. Completam o
dispositivo estabilizador transversal dois
quilhas laterais que começam no final do
bulbo dianteiro e terminam no final do 1/3
de vante do comprimento entre p.p.
A notável estabilização longitudinal
decorre do bulbo, da altura metacêntrica
longitudinal e do perfil lateral das obras
vivas, que apresentam enorme redução de
calado entre os telescópios e o espelho de
popa. Esta redução decorre do arranjo de
turbinas propulsoras todas equidistantes da
perpendicular de ré em vez da usual fila de
AP, Cruzeiro, BP e Marcha AR, diminuindo
sensivelmente o caturro do navio.
*Capitão-de-Mar-e-Guerra (Ref)
*Marcos Poggi é Capitão-Tenente
RM2 e economista.
em O GLOBO, coluna de Miriam Leitão,
*noVide
dia 20/09/2013
Revista do Clube Naval • 367
Este NAE docou duas vezes no Brasil segundo manobra criada pela USP, pois a folga
entre a carena e os batentes da porta batel
do dique Rio de Janeiro é inferior a 0,5 m. Na
primeira docagem nenhum engenheiro da MB
esteve no dique, segundo indagação minha
junto ao Comte Hespanha, gerente do AMRJ.
A DEM não perguntou nem o Arsenal lhe
disse algo sobre os sulcos da corrosão hidráulica encontrada nos pés das oito pás de hélice.
A Marine Française enfrentou essa corrosão
enchendo os sulcos com o mesmo bronze
do hélice e determinando inspeção periódica
por mergulhador. Não foi indagada presença
de engenheiro naval na segunda docagem.
A MB substituiu o bronze de enchimento por
conjunto adesivo/endurecedor.
A carena do porta-aviões sucessor do S.
Paulo deverá ser evolução desta, justificando
Chapman, seja por trocar turbinas por motores
elétricos, seja por instalá-los em azípodos,
assim eliminando lemes, ou seja, por redução
da ilha mediante olhos de TV, assim apagando americano que a chamava de Vultur’s
Island (Ilha dos Urubus) é essencial... n
Revista do Clube Naval • 367
33
FÁBULA
TILÁPIA COM
BATATAS
José Alvaro da Costa Donato*
E
ra uma vez, em determinado país
deste nosso continente, um digno e descansado agricultor, que
conseguiu, a exemplo de seus
ascendentes, criar a sua família de
forma pacata e honesta, plantando, unicamente, batatas.
Enfrentando chuvas
e estiagens, altas e baixas
de preços, viu os seus filhos crescerem, estudarem e constituírem família, tudo
à custa da boa e velha batata.
Um desses filhos, o mais ousado, talvez
o mais empreendedor da família de batateiros – e na visão do patriarca, o mais teimoso
– por não mais aguentar ver a sua família
trabalhando duro e rezando aos santos de
plantão para que intercedessem junto aos
céus por uma boa safra, teve certo dia uma
ideia: se no nosso país o governo vem dando
uma atenção especial à piscicultura, por que
não partir para esse outro modelo de cultivo?
Afinal, depois de tanto esforço lutando com
a terra, seus antepassados que fizeram a
vida graças às batatas não haveriam de ficar
aborrecidos. Além do mais, na sua região
obteria todo o apoio necessário à nova
empreitada. O que dizer então do governo
central, que nos últimos tempos havia criado uma secretaria especial voltada única e
exclusivamente para os peixes?
Nosso empreendedor quase não dormia
direito pensando: já que o clima aqui na província é o melhor possível, por que não tentar
arrendar a represa do vizinho? Afinal, essa
barragem há décadas havia sido construída
por um político local, mas nenhuma utilidade
apresentava nos dias atuais. Ali, pode-se dizer, nunca se produziu um quilo de pescado
sequer. Na época em que foi construída, a
barragem reunia em suas margens belas
mulheres em grandes festas patrocinadas
pelo antigo dono, cujos filhos, na linha do
pai, a utilizavam apenas para passeios de
jet-ski com jovens muchachas. Hoje, abandonada, a quarentona represa serve de
deleite, apenas, a capivaras e garças, e já não
se ouvem os gritos estridentes das moçoilas ou
o barulho dos motores das embarcações.
Interessado na sua nova empreitada, o
rapaz, para orgulho – e ao mesmo tempo
decepção – do velho pai, passou a pesquisar
e colecionar toda sorte de livros e revistas
sobre piscicultura. Fez cursos, frequentou
seminários e congressos; e participava até
mesmo de uma lista de discussão na internet
sobre o assunto, onde muito aprendeu com
especialistas, produtores, ambientalistas,
biólogos, veterinários, engenheiros de pesca,
curiosos e piscicultores iniciantes como ele.
Na internet conheceu gente que realmente
ama a piscicultura e que vive disso; também
gente que tem a piscicultura apenas como
hobby; e ainda os que só estão no negócio
por acreditarem firmemente no país.
Seu entusiasmo cresceu ainda mais,
quando viu aquela secretaria especial ser
transformada num ministério, unicamente
34
voltado para os peixes – para inveja dos
bovinos, equinos, caprinos, suínos e galináceos – que nunca, na história daquele país,
haviam tido tamanha deferência.
Muito estranhou ao ver à frente da pasta,
administradores sérios mas sem nenhuma
intimidade com o tema. Gente que nunca pescou e que não sabe, sequer, a diferença entre
tilápias e sardinhas. Quando lhe explicaram
que isso tinha a ver mais com a política do
que com os peixes, simplesmente fingiu entender. Decepcionado mesmo ficou, quando
viu um estranho peixe, dizem até que de olho
rasgado, vir de outro continente para competir
nos freezers e bancadas de peixarias, com o
produto nativo, fruto do incansável trabalho
dos aquicultores do seu país.
Viu-se, com a implantação da Semana do
Peixe uma vez mais animado, e disse: agora
vai! De tão boa ideia, essa tal semana bem
que poderia ocorrer a cada semestre, depois
a cada trimestre e quem sabe no futuro, a
cada mês, até se transformar no Dia do Peixe.
Quem sabe um dia será assim? Pensou.
Havia descoberto que todo peixe consumido nas cidades mais próximas à sua província vinha de criatórios localizados a mais
de cem quilômetros de distância. Ouviu de
técnicos e gerentes de bancos, que o apoio
do governo central à aquicultura é irrestrito
e que anualmente até sobram recursos. Só
não entendia por que sobrava tanto dinheiro
e por que os piscicultores preferiam fazer uso
de seus próprios recursos. Se o seu velho
pai tivesse a mesma chance com as batatas,
certamente não a perderia.
Resolveu, com as bênçãos e o apoio do
velho, finalmente, colocar em prática tudo o
que havia começado a alinhavar para montar
o seu negócio, mas antes teria, ainda, que
avaliar os gastos com insumos. Checou os
tanques-rede, contatou produtores, promoveu cursos para dois vizinhos dos mais
interessados e que seriam seus futuros funcionários. Não teve problemas com o atual
proprietário da fazenda vizinha, uma vez
que o político, hoje aposentado, já não tinha
“aquele gás” e seus filhos não queriam mais
saber de roça. A represa, portanto, poderia
ser arrendada por um valor razoável, desde
que se comprometesse a manter as suas
características originais.
Faltava, somente, contatar o fornecedor
de ração; e foi então, nesse momento, que o
nosso destemido empreendedor começou a
perder o sono. Passou dias e noites apavorado. Não conseguia entender o porquê de a
Revista do Clube Naval • 367
ração para tilápias ser tão cara no seu país! E
se trocasse de espécie? Outro peixe comeria
menos? Como num país que possui até Ministério da Pesca a ração para peixes poderia
corresponder de 70 a 80% dos seus gastos?
E se pudesse alimentá-los com as sobras da
colheita da família? Não seria nada mau, em
verdade. Momentaneamente os custos quase
o fizeram desistir, mas ao se aconselhar com
o seu bom e velho pai escutou: meu filho,
não se esqueça que você é um batateiro e
um batateiro não desiste nunca!
Era tudo o que precisava ouvir para seguir
adiante. Mãos à obra! Só faltava, agora, o licenciamento. Coisa simples, pensou. Afinal, estava
num país de incentivos à piscicultura.
Primeiro passo, contatar a administração
do seu município. Depois, o governo da sua
província e por último, se necessário fosse, o
governo central. Estranhou, porém, quando
na Secretaria de Agricultura de sua região
lhe perguntaram, conhecendo a sua família,
se tilápia era uma nova variedade de batata.
Estranhou, também, ao tentar contatar o governo da província, que não existia sequer um
0800 ou endereço de e-mail para um serviço
de atendimento ao cliente a distância, por
meio dos quais pudesse sanar suas dúvidas.
A solução foi apelar para os DDD disponíveis.
Depois de diversas chamadas, foi finalmente
orientado a reunir os documentos relacionados
no site do governo da província e se dirigir,
pessoalmente, à capital, distante cerca de 400
km do seu município. Apesar de tudo esse não
seria o obstáculo que o faria desistir.
Ocorre que a coisa não era tão simples
assim. Antes de licenciar a sua atividade,
teria que requerer a outorga das águas e o
licenciamento da barragem arrendada. Um
total de 53 documentos, acreditem, alguns
até repetidos, para cada fase da burocracia.
E teria, ainda, que pagar por isso.
Depois de três ou quatro viagens à capital,
no período de quase um ano, quando sempre
havia alguma nova exigência – isso quando
tinha a sorte de encontrar o único funcionário
habilitado a lhe prestar informações precisas
– foi-lhe aconselhado buscar uma empresa
de consultoria, para que esta administrasse
a sua solicitação. Com isso, teria, obviamente, que desembolsar um pouco mais que o
previsto. Não entendia como encontrava toda
aquela dificuldade para usar uma represa que
durante quase 50 anos serviu apenas ao divertimento de gente que não produziu sequer
um quilo de alimento e de quem nunca havia
sido cobrado um tostão sequer.
Onde estavam as tais políticas de incentivo, tão propaladas pelo governo central? E os
bilhões na moeda local, destinados aos que
se arriscassem na atividade? Pela primeira
vez sentiu-se só. Teria que desenvolver a sua
piscicultura na ilegalidade, a exemplo de
muitos com os quais havia trocado ideias antes? Não! Afinal não foi assim que o seu pai
o havia educado. Almejava fazer a coisa da
forma correta, com honestidade. Quem sabe
pagando os impostos, as taxas, e reunindo
aqueles “poucos” documentos, pudesse um
dia, com o apoio de São Pedro – padroeiro
dos que com peixe labutam – começar o seu
trabalho e colocar em prática o seu sonho.
Passaram-se três longos anos e até
agora, acreditem, não conseguiu o nosso
incansável sonhador a autorização definitiva
para o seu projeto. Agora, já quase “jogando
a toalha”, aproveitou a visita de seu melhor
amigo, às margens da “quarentona” e na
presença do seu velho pai, para desabafar
sobre as dificuldades que vinha encontrando
há anos, apenas porque queria tocar seu
sonho dentro da legalidade.
O amigo de infância ouvia silenciosamente as suas lamentações e o único que
fazia era balançar a cabeça de um lado a
outro. Em determinado momento da conversa, o interlocutor quase não acreditando em
tudo que havia ouvido, coçou a cabeça, entreolhou o velho patriarca, deu dois tapinhas
no ombro do nosso herói e lhe disse:
– Quer saber de uma coisa meu amigo?
Vá plantar batatas! n
*[email protected]
Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1-FN)
e piscicultor, no município de
Vila Boa – GO.
Revista do Clube Naval • 367
35
HISTÓRIAS NAVAIS
O
Ã
Ç
A
R
E
P
O
A
T
E
R
SEC
domingos castello branco *
O
perfil das luzes da cidade do
Rio de Janeiro aparecia bem
delineado na ocular do periscópio, contrastando com o céu
negro, sem nuvens. O submarino navegava mergulhado, em
baixa velocidade, aproado ao “colar de
pérolas” de Copacabana, com uma visão
privilegiada do lindo espetáculo. O comandante Felipe “varreu”, com o periscópio, um
arco de 60 graus, pela proa, encantando-se
com o que via. Isso o levou a esquecer,
por alguns minutos, o motivo de estar ali,
com seu navio, cerca das 22 horas daquela
noite de sexta-feira.
O submarino operava em “navegação
silenciosa” e com a iluminação vermelha, adequada à navegação noturna. No
“compartimento de manobra” – de onde
se controla o navio – as ordens para o
pessoal do “quarto de serviço” eram ditas
em voz baixa. O mesmo ocorria com as
informações oriundas dos operadores dos
diferentes equipamentos de navegação, de
aplicação tática e de direção de tiro, que se
comprimiam no local apertado..
O procedimento era rotina para os
tarimbados submarinistas ali presentes. A
única diferença, a intrigá-los, era a razão
pela qual tinham saído do porto do Rio,
de repente e no mais absoluto sigilo. Na
véspera, na hora do licenciamento, foram
avisados de que o navio iria suspender
na sexta-feira, à tarde, para cumprir uma
missão de menos de uma semana.
O motivo para tanto mistério só lhes
fora anunciado pelo próprio comandante, no
fonoclama de bordo, após a desatracação da
OS SUBMARINISTAS
• Usque ad sub acquam nauta sum •
(Somos marinheiros até debaixo d’água)
horas, pela enorme quantidade e volume do
material transportado. A hipótese de entrar
na Guanabara fora descartada pelo risco de
exposição demorada do navio, em área de
muito movimento, mesmo à noite.
Fora constituído um grupo-tarefa (GT) para
executar a operação, que recebeu o nome de
“Riqueza Fácil”. Era chefiado pelo comandante
de um esquadrão de contratorpedeiros, do
qual foram designados dois navios (CTs), sendo um deles seu capitânia. O submarino (S)
fora destacado para o grupo-tarefa (GT) pela
Força de Submarinos, conforme determinado
pelo Comando-em-Chefe da Esquadra.
As reuniões de planejamento realizaram-se a bordo de um dos CTs. Os
comandantes dos três navios envolvidos
eram colegas de turma e o chefe do GT,
um pouco “mais antigo”, era muito querido
por todos. O ambiente descontraído dos
trabalhos dava margem a brincadeiras,
incentivadas pelo inusitado da situação.
Tal fato se refletiu na escolha dos indicativos-fonia dos participantes, a serem usados nas comunicações operativas.
O comandante do GT (grupo-tarefa) foi
nomeado “Meritíssimo”; o coletivo do
grupo era “Tribunal”; os CTs (contratorpedeiros) se tornaram “Defensor” e “Promotor”;
o S (submarino) passou a ser “Dedo-Duro” e o
mercante virou “Malfeitor”, acompanhado por
“ratos” e “baratas”, isto é, as lanchas e os barcos diversos, receptadores do contrabando.
Foram gerados dois documentos para
orientar a operação: um “Reservado” e outro
“Secreto”. O primeiro previa uma movimentação rotineira, para realizar exercícios antisubmarino (AS), nas proximidades da cidade
do Rio de Janeiro. O submarino sairia do
porto no início da tarde, seguido pelos CTs,
com destino a uma área ao sul da Ilha Rasa.
Ali, ficariam por três dias, em treinamento de
guerra AS, retornando ao porto ao final.
O documento “Secreto” previa que os
navios de superfície, ao chegarem à área
prevista, simulariam estar treinando guerra
AS, mesmo sem o submarino. Nessa condição, eles poderiam interceptar o mercante
base de submarinos, naquela mesma tarde.
Tratava-se de uma operação, conjunta com
dois contratorpedeiros, para apreender, em
colaboração com a Receita Federal, o maior
contrabando da história a tentar entrar no
Rio de Janeiro. Chamava-se Altaneiro (sic)
o navio portador da enorme muamba, que
partira da Coreia do Sul, onde fora construído. Era sua viagem inaugural...
O planejamento da operação baseavase em informações minuciosas prestadas
por um delator, inconformado por ter sido
alijado do grande negócio pelos próprios
parceiros. Esses formavam uma seleção que
incluía figurões da alta sociedade, grandes
comerciantes, banqueiros, bicheiros e, naturalmente, políticos. Daí, explicava-se o alto
grau de sigilo da operação. Era preciso muito
cuidado para que ela desse certo...
A chegada do navio fora estimada para
aquela noite, com base em informações do
sistema de controle de tráfego marítimo da
Marinha e de dados da Receita e da Polícia
Federal. Ele era de carga geral, com 140
metros de comprimento e 11 de calado,
carregado. Como tinha navegado no Pacífico
e cruzado o canal do Panamá, percorrera a
costa do Brasil e deveria aproximar-se do
Rio, vindo de Cabo Frio. Seu destino mais
provável seria a Ilha Grande.
Se o mar estivesse calmo, ele poderia
ficar parado ao largo de alguma praia próxima ao Rio, para desovar o contrabando,
com o apoio de lanchas de iate clubes e
barcos diversos, inclusive pesqueiros. Tal
faina deveria ocorrer à noite e levar algumas
36
Revista do Clube Naval • 367
Revista do Clube Naval • 367
37
infrator, caso ele cruzasse a área, o que fora
avaliado ter baixa probabilidade de ocorrer.
Já o submarino mergulharia, rumando para
uma posição entre a ilha Rasa e o Pão de
Açúcar, de onde iniciaria uma patrulha dessa passagem, com elevada probabilidade
de interceptar o “Malfeitor”.
O Altaneiro não deveria ser logo abordado, quando reconhecido. As instruções
eram para acompanhá-lo até o local da
“desova”. Pelos CTs, com luzes apagadas,
ou pelo S mergulhado, conforme quem o
interceptasse primeiro. Em qualquer caso,
a abordagem final seria efetuada pelos
CTs, e só deveria ocorrer em plena faina
de transbordo da muamba para as embarcações. Essa seria a forma de caracterizar o
flagrante do navio e, também, identificar e
apreender os barcos colaboradores.
Eram muitas as preocupações do Comandante Felipe, que efetuava varreduras
frequentes com o periscópio, os sonares e
o radar. O maior risco era o de colisão do
submarino mergulhado com o cargueiro ou
alguma embarcação menor, ou mesmo com
outro navio cruzando a área de patrulha.
Esses últimos eram menos perigosos por sua
fácil detecção e rumos mais constantes.
O problema mais sério seria o comportamento errático dos barcos menores, em
especial os pesqueiros, com deslocamentos
e paradas súbitas, lançando e recolhendo
redes de pesca. Tais circunstâncias eram
agravadas pela pequena profundidade da
área, impedindo a evasão do submarino em
direção ao fundo. Se um barco desses viesse
em sua direção, ele teria de vir à superfície
e sinalizar com luzes para evitar o pior. Felizmente, talvez por ser noite de sexta-feira,
o movimento era pequeno,
Súbito, ao ser içado o mastro do radar
e feita uma varredura, o operador acusou
um contato vindo do leste, a dezoito mil
jardas.¹ Três minutos depois, feita nova
observação, foi confirmado o contato.
Aproado ao submarino, com oito nós de
velocidade, ele aparentava ser um navio
de certo porte. Até então, os sonares não
o haviam detectado, nem o comandante
avistara suas luzes de navegação pelo periscópio. Ele foi designado “alvo 33”, para
fins táticos.² Silenciosamente, o submarino
“guarneceu postos de combate”.
Sem demora, apareceu outro alvo no
radar, também vindo da direção de Cabo
Frio. Firmemente aproado ao Rio de Janeiro, sua velocidade era um poço menor.
Foi designado “alvo 34”. Surgiram mais dois
alvos no radar: um vindo do oeste, da direção da Ilha Grande (designado “alvo 35”);
outro vindo do sul, oriundo do alto-mar
(“alvo 36”). Ambos aparentavam ser navios
demandando o porto do Rio.
A excelente equipe, que guarnecia a “manobra” em “postos de combate”, dava conta,
tranquilamente, de acompanhar esses alvos e
outros mais, para tudo que fosse necessário.
O comandante parou a máquina do
submarino, mantendo-o na cota periscópica,3
atravessado à direção de onde vinha o “alvo
33”, e em total silêncio, a fim de facilitar a
escuta dos operadores de sonar. Não demorou
a receber deles a confirmação de que o navio
era um mercante, grande, carregado. Tinha um
eixo só, com hélice de quatro pás, girando a
85 rotações. O radar informou sua distância de
9.500 jardas. Ele chegaria próximo ao submarino em cerca de 30 minutos. O outro navio,
vindo da mesma direção (“alvo 34”), estava
mais longe e bem mais próximo de terra, em
demanda da barra da Guanabara.
Felipe mandou içar o mastro de comunicações rádio e enviou, pela fonia, a
seguinte mensagem:
– Meritíssimo, Meritíssimo, aqui Dedo-Duro, aqui
Dedo-Duro: detectado provável Malfeitor, distância 9 mil
jardas, navegando paralelo 2
milhas costa; estimado cruzar
linha patrulha dentro 30 minutos. Vou me aproximar para
tentar identificação visual.
O comandante do GrupoTarefa acusou o recebimento
da mensagem:
– Dedo-Duro, Dedo-Duro,
aqui Meritíssimo, aqui Meritíssimo: ciente. Boa sorte.
O ambiente no compartimento de “manobra” do S ficou mais tenso, conforme o
mercante se aproximava. O comandante e o
imediato o observavam pelos periscópios de
ataque e de observação, enquanto a distância diminuía. Logo, avistaram a luz verde de
boreste do mercante. O radar informou que,
naquele rumo e velocidade, ele passaria a
cerca de 400 jardas do submarino, em seu
ponto de maior aproximação.
O comandante guinou o submarino e
começou a navegar, devagar, em rumo paralelo ao do mercante. O imediato estava com
instruções de fixar o periscópio na bochecha
do navio, para tentar ler seu nome, pintado
menor facilitou o acompanhamento pelo
submarino, pois diminuiu a resistência da
água nos periscópios e demais mastros,
quando içados.
Navegando na cota periscópica, com
todos os mastros arriados, o acompanhamento
do mercante era feito pelo sonar de proa, em
escuta passiva. O único ruído na “manobra”
vinha de um pequeno alto-falante, que reproduzia, baixo e com clareza, a batida das pás
de Malfeitor: “tchok. tchok, tchok, TCHOK!...
Tchok, tchok. tchok, TCHOK!...”.
Essa era a assinatura acústica do mercante, já registrada no banco de dados do submarino, juntamente com a assinatura eletrônica
de branco. Quando o submarino foi alcançado
pelo mercante, Felipe acelerou a máquina e se
aproximou mais dele. De repente, o imediato
conseguiu ler o nome e quase gritou:
– É ele! É ele! Comandante! É o
Altaneiro!!...
A equipe da “manobra” comemorou o
feito, sem fazer ruído. Imediatamente, o
comandante do GT foi avisado:
– Meritissimo, Meritíssimo, aqui DedoDuro, aqui Dedo-Duro: confirmado Malfeitor!...
Confirmado “Malfeitor”!... Vou segui-lo
mergulhado até local do crime!
O submarino deixou o mercante
ultrapassá-lo e passou a seguir suas
águas pela popa, bem próximo dele, em
38
manobra bastante arriscada, muito praticada no curso obrigatório de preparação
de comandantes de submarino. Dessa
forma, tanto ele como o imediato, nos
periscópios, puderam confirmar o nome,
pintado no “espelho de popa” do navio,
e ressaltado pela “luz de alcançado” do
alvo: “Altaneiro”, “Rio de Janeiro”.
Felipe, após a confirmação do nome,
aumentou para mil jardas a distância de
Dedo-Duro ao Malfeitor, por razões de segurança. Pouco depois, o mercante reduziu
a velocidade para cinco nós, ao passarem
pela praia do Leblon. Era um sinal de que,
provavelmente, pretendia “desovar” em
algum ponto da praia da Barra. A velocidade
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do radar do alvo, cuja emissão também fora
captada pelo submarino, pelo mastro de
contramedidas eletrônicas (CME).
A assinatura acústica indicava uma pá
do hélice desbalanceada, como característica
singular daquele navio. Qualquer variação
nas rotações do eixo seria percebida, de
pronto, pelo sonar do submarino. Nesse caso,
o mastro do radar do submarino seria içado
para aferir as variações de distância entre os
navios, prevenindo eventual colisão.
Foi enviada outra mensagem para o
comandante do GT:
– Meritíssimo, aqui Dedo-Duro: mergulhado, sigo águas Malfeitor, rumo paralelo praia Barra, distância terra 2 milhas,
velocidade reduzida para 5 nós; provável
chegada local desova em breve.
Ao que o comandante do GT respondeu:
– Dedo-Duro, aqui Meritíssimo: ciente;
manter-me informado situação com maior
frequência.
Isso era sinal de que os contratorpedeiros
estavam impacientes, como lobos ferozes,
para abandonar o tédio dos exercícios simulados na área ao sul da Ilha Rasa. O que
mais queriam era partir para cima de Malfeitor, a presa muito desejada por todos os
Revista do Clube Naval • 367
participantes da operação “Riqueza Fácil”.
Eram 23h30min de sexta-feira, quando
o operador de sonar informou, com voz
alterada:
– Alvo 33 reduzindo velocidade; 40
rotações!...; 30 rotações!..; guinando para
boreste!...; parou a máquina!...; máquina
parada!...
Felipe içou o periscópio e o conteirou
(girou) na direção de onde deveria estar
Malfeitor. Não viu nada! Perplexo, fez uma
varredura em torno da posição estimada do
navio. Foi quando avistou o lampejo de uma
lanterna portátil, deslocando-se em um dos
conveses do navio, depois outra e mais outra... O Altaneiro havia
apagado suas luzes de
navegação! A guerra
iria começar!...
O comandante observou o mercante se
aproximando, lentamente, do Pontal de
Sernambetiba, onde
existe uma ilha, formada por enorme pedra,
junto à praia do Recreio
dos Bandeirantes, na
época uma área quase
deserta. Nesse local, o mercante poderia se
abrigar em águas calmas e sem sofrer os
efeitos da fraca corrente marítima ao longo
da praia. Em pouco tempo, o cargueiro parou
a umas 300 jardas da reduzida arrebentação. Ali permaneceu, aproado à praia, sem
lançar o ferro,4 e controlando a posição com
eventual uso do hélice. Uma demonstração
de planejamento competente!
O comandante do S enviou mensagem
para o comandante do GT:
– Meritíssimo, aqui Dedo-Duro: Malfeitor
aproximou-se terra altura Pontal Sernambetiba; neste momento está no remanso leste
Pontal, 300 jardas da arrebentação, aproado
praia, sob máquina, sem largar o ferro, luzes
apagadas, uso lanternas individuais nos conveses indicam preparação desova.
Felipe posicionou o submarino a cerca
de 500 jardas pela popa do cargueiro, onde
encontrou profundidades de 200 pés (60 metros). Essa posição dava-lhe boa condição de
observar o movimento a bordo do mercante e
em seu redor. Além disso, poderia mergulhar
mais fundo para, com segurança, evadir-se
dos navios e embarcações envolvidos na
operação, no caso de se aproximarem dele.
Súbito, o operador de sonar informou:
39
– Lancha se aproximando por boreste
do alvo 33!...; mais de uma lancha se aproximando...; barco de pesca se aproximando
por bombordo do alvo 33...
Felipe, no periscópio de observação,
avistou as embarcações apagadas chegando
junto ao Altaneiro e atracando, a meia-nau,
nos seus dois bordos. Rapidamente, transmitiu mensagem para o comandante do GT:
– Meritíssimo, aqui Dedo-Duro: Malfeitor sendo cercado por ratos e baratas, todos apagados; observo grande movimento
nos conveses navio.
Ao que o comandante do GT respondeu:
– Dedo-Duro, aqui Meritíssimo: ciente,
ciente!... Informar quando desova completar
dez minutos.
A mensagem definitiva foi enviada
pouco depois, precisamente à 0h15min
de sábado:
– Meritíssimo, aqui Dedo-Duro: Malfeitor com ratos e baratas atracados
meia-nau; dois em cada bordo; mais ratos
e baratas nas proximidades aguardando
vaga para atracar contrabordo; desova em
andamento acelerado!
A resposta do comandante do GT foi:
– Dedo Duro, aqui Meritíssimo: ciente; despachei Defensor e Promotor, alta
velocidade, para interceptar e ocupar Malfeitor, ratos e baratas, prender tripulantes
e apreender material contrabando; será
empregado armamento necessário intimidação, evitando atingir navio, embarcações
e, principalmente, pessoas.
E concluiu:
– Congratulo Dedo-Duro pelo excelente desempenho cumprimento missão;
Dedo-Duro está autorizado regressar base;
Bravo Zulu!5
A resposta de Felipe foi:
– Meritíssimo, aqui Dedo-Duro: ciente.
Agradeço palavras prezado chefe; desejolhe sucesso concluir missão “Riqueza Fácil”;
retorno Base, navegando mergulhado até
clarear área da ação.
O sonar informou, de repente:
– Hélices alta rotação aproximando,
marcação três uno zero... Hélices característicos contratorpedeiros, 280 rotações...
Dois CTs aproximando alta velocidade em
silêncio sonar...
O comandante Felipe designou os CTs
como alvo 37 e alvo 38, tentando, sem
sucesso, avistá-los no periscópio, na marcação indicada pelo sonar. O radar foi então
empregado e os CTs apareceram na tela, com
nitidez, navegando um ao lado do outro. A
distância era de 15 mil jardas, diminuindo
rapidamente, com velocidade calculada de
25 nós (46km/h). A chegada na área da ação
ocorreria em 18 minutos.
O comandante continuou no periscópio, na busca visual dos alvos 37 e 38.
Com certeza, eles estavam navegando
apagados. O operador do radar, a cada
dois, três minutos, “cantava” as distâncias
diminuindo: “12 mil jardas, 9 mil jardas, 6
mil jardas, 4 mil jardas, 3 mil, 2 mil”...
Em seguida, o sonar informou:
– CTs diminuindo rotações...
Súbito, ouviram-se os ruídos abafados
de dois tiros de canhão e Felipe
viu um clarão surgir sobre Malfeitor, logo seguido de outro. Eram
granadas iluminativas disparadas
pelos CTs sobre Altaneiro e as
lanchas e barcos diversos, em sua
volta. Enquanto os paraquedas
luminosos desciam lentamente, o
cenário ficou todo visível, desnudando as atividades da desova,
que pararam imediatamente.
Os CTs entraram em cena,
com luzes acesas, disparando rajadas de metralhadoras antiaéreas
pesadas, com balas traçadoras
vermelhas, por sobre a área.
Estabeleceu-se o caos, semelhante a quando se acende a luz num
quarto escuro cheio de baratas.
Apavoradas, as embarcações
fugiram em várias direções, freneticamente jogando a muamba
n’água. Um dos CTs saiu perseguindo algumas delas, fazendo-as
parar, a fim de embarcar fuzileiros
navais para levá-las até o porto do Rio. O
outro contratorpedeiro aproximou-se do
Altaneiro, para apreendê-lo.
O comandante e o imediato estavam nos
periscópios, emocionados com o que viam,
quando o operador de sonar avisou:
– Alvo 33 deu máquinas atrás, com alta
rotação do hélice!...
Era o Altaneiro tentando fugir! O submarino estava pela popa dele, a cerca de
600 jardas. O brusco recuo do mercante
poderia aproximá-lo perigosamente do S.
Além disso, o CT, que cuidava dele, certamente o perseguiria na tentativa de fuga.
Rapidamente, Felipe girou seu navio para
fora e afastou-se da confusão, observando
tudo pelo periscópio.
O sonar informou:
– Alvo 33 parou a máquina...; alvo 33
deu adiante com alta rotação, está se aproximando...
O comandante assistiu pelo periscópio
essa manobra do Altaneiro, que havia
girado em sua direção e se aproximava
perigosamente do submarino. O navio
arrastava duas lanchas presas a ele, das
quais eram jogadas n’água caixas e caixas
de contrabando. Esse estranho conjunto
era seguido pelo CT, que o iluminava com
holofotes e lançava foguetes de sinalização
sobre os tripulantes e a muamba empilhada
em seus conveses. O outro CT também se
aproximava, perseguindo uma lancha em
alta velocidade, em violento ziguezague.
Os riscos de colisão eram grandes e o
comandante do S resolveu evadir-se. Para
tanto, mergulhou fundo e pousou suavemente, suas 2.400 toneladas, na areia do
solo submarino, a 60 metros de profundidade. Ali, permaneceram em silêncio, acompanhando, pelo sonar, a confusão na superfície. O pau estava comendo. De vez em
quando, a 30 metros acima deles, passava
uma lancha ou um CT em sua perseguição,
parecendo uma locomotiva. Aos poucos,
os ruídos foram enfraquecendo, indicando
que o campo de batalha distanciava-se,
na direção do Rio de Janeiro.
O tempo de espera foi aproveitado,
40
por Felipe e sua valente tripulação, para
relaxarem um pouco do duríssimo dia que
haviam enfrentado. O imediato mandou
servir sanduíches e uma calmante jacuba
de maracujá, para todos os 75 homens a
bordo. O comandante usou o fonoclama
para informar-lhes o que tinha ocorrido,
ressaltando o desempenho decisivo do
submarino para o cumprimento da missão
do Grupo-Tarefa.
O imediato, em seguida, anunciou que o
comandante havia concedido três dias de licença a todos, pelo excepcional desempenho
na caçada dos contrabandistas criminosos.
Um “viva” discreto percorreu todo o navio...
Então, o sistema de som inundou o submarino
com a “Tocata e fuga em ré menor” de Bach,
da qual Felipe gostava muito. Baixinho...
Algum tempo depois, o comandante
trouxe seu submarino à superfície. O radar não indicou qualquer alvo na direção
do Rio. Era sinal de que os CTs, o navio
mercante e as embarcações apreendidas
estavam na altura de Copacabana, prestes
a entrar na Guanabara.
O submarino navegou para o porto,
na superfície e na maior velocidade possível, atracando, ao amanhecer, na Base
de Submarinos, próxima a Niteroi. Houve
licenciamento geral. Felipe chegou em casa,
em Ipanema, com todos ainda dormindo.
Beijou a mulher e os filhos, deitou-se e
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“apagou” até o meio-dia. Tomou um café
reforçado e, como fazia com frequência, foi
caminhar na praia,
O comandante sentou-se na pedra do
Arpoador, com uma sensação estranha.
Quedou-se observando de perto o mar,
sempre misterioso. Algumas horas antes,
quando passara por aquele local, empenhara
sua vida e de seus homens. Ficou, por algum
tempo, repassando cada momento vivido
daquela história meio louca. Sentia-se um
tanto frustrado por ser absolutamente ignorado por todos que ali curtiam o espetacular
cenário daquele dia de sol.
Voltou para casa, almoçou tentando
contar para a mulher e os filhos pequenos
como tinha sido a “heroica” perseguição do
bandido “malfeitor”. A reação mais esperta
foi do filho mais velho, de seis anos, que
lhe perguntou o de sempre, isto é, se vira
algum tubarão... A mulher ouviu tudo um
pouco ausente. Estava preocupada com a
febre da caçula, de dois anos... Ao longo
do dia, Felipe leu os jornais, viu televisão,
arrumou alguns papéis, brincou um pouco
com os filhos e foi dormir, sentindo um
vazio e dominado pelo cansaço.
Acordou cedo no domingo e foi comprar
pão e leite, uma revista e jornais na banca
junto a seu prédio. Os jornaleiros eram dois
exuberantes italianos, calabreses, Carmelo
e Annunciatto, Os pais deles, muito amigos,
Revista do Clube Naval • 367
tinham lutado na II Guerra Mundial, embarcados nos cruzadores Zara e Fiume, afundados pelos ingleses na batalha do Cabo
Matapan, ao sul da Grécia, em março de
1941. O pai de Carmelo morrera no combate
e o de Annunciatto sobrevivera. Fora ele
que trouxera as famílias para o Brasil, onde
haviam se integrado totalmente.
Ambos os jornaleiros estavam excitadíssimos quando Felipe se aproximou da
banca. Começaram a lhe fazer uma série
de perguntas sobre a “guerra dos contrabandistas”, mostrando um jornal com uma
portentosa manchete: “Batalha naval!
Navios brasileiros atiram em brasileiros”.
Apanhado de surpresa,
Felipe foi evasivo, comprou
o jornal, dobrou-o e, constrangido, o colocou debaixo
do braço, como que para
escondê-lo. Alegou aos
italianos que precisava levar o pão para as crianças
e prometeu-lhes voltar a
tratar do assunto mais tarde. Evitou o porteiro e os
demais moradores e entrou
em casa. Sentou-se no sofá
e abriu o jornal, morto de
curiosidade.
Nas primeiras linhas, entendeu o que se passara. As
palavras escandalosas da
manchete traziam o apelo
midiático para vender o
jornal. Elas tinham sido pronunciadas pelo advogado
(dos mais caros da praça)
de um dos grandes contrabandistas envolvidos com a
muamba. Era óbvia a estratégia do profissional: desviar o foco do assunto, condenando a ação dos navios da Marinha.
A primeira página do jornal vinha recheada de fotografias de ações navais da
II Guerra Mundial no Pacífico, incluindo
desembarques de fuzileiros navais americanos. Não havia um contratorpedeiro
brasileiro entre eles. Muito menos o submarino de Felipe. A Marinha recusara-se a
tratar do assunto. A matéria era contada
na versão dos contrabandistas.
A enfase maior dizia respeito ao tiroteio
havido no convés do Altaneiro, que fora
iniciado por uma dúzia de mercenários,
embarcados no Panamá, para proteger a
muamba. Os criminosos, sem noção de
41
quem estavam enfrentando, tinham aberto
fogo contra os fuzileiros navais, quando
eles subiam a bordo para ocupar o navio.
Um sargento fora ferido e o chefe dos
mercenários morrera, com um tiro certeiro
na cabeça, além de terem outros feridos
menos graves entre eles.
O falecido era sobrinho do contrabandista que contratara o advogado...
Pior ainda, o jornal trazia, também, uma
entrevista com um deputado federal, da
oposição. Ele esbravejava contra a agressão aos brasileiros e os danos causados ao
navio, patrimônio nacional. Teatralmente
furioso, ameaçava pedir uma CPI no Congresso para apurar os fatos.
Felipe foi relaxando, conforme lia as
notícias. De repente, deu-se conta de que
estava dando graças a Deus por nada ter
sido mencionado sobre “seu navio”. Afinal,
a principal característica dos submarinos
é operar de modo furtivo. Os jornaleiros
nunca souberam metade do que, de fato,
acontecera. Além disso, os bravos submarinistas somos naturalmente modestos.
É melhor assim... n
*Contra-Almirante (Ref).
[email protected]
NOTAS
• (1)1 pé = 0,305m • 1 jarda = 3 pés =
0,915 metros • 1milha marítima =
2.000 jardas = 1.852metros
• 1 nó (velocidade) = 1 milha por hora
• 10 nós = 18,5km por hora
(valores aproximados).
(2) No universo dos submarinistas,
todos os navios, encontrados nos mares
por submarinos, são chamados de
“alvos” (inclusive os outros submarinos,
muito a contragosto).
(3) Cota periscópica – profundidade na
qual um submarino pode atingir a
superfície do mar com seus periscópios
e demais “mastros operativos”, como radar,
comunicações-rádio, contramedidas
eletrônicas (CME) e “esnorquel”
(aspiração de ar).
(4) Lançar o ferro – jogar a âncora n’água;
ancorar o navio (para mantê-lo em
posição).
(5) “Bravo Zulu” – Ação bem executada!
Parabéns! – do Código de Sinais Táticos.
Alemanha
VIAGENS
da
Baviera
a Berlim
Texto e fotos: Rosa
Nair Medeiros*
Possuidora de uma grande diversidade de belezas
naturais e atrações culturais, a Alemanha é um destino
turístico fascinante. Cada região apresenta as suas
singularidades, que vão de castelos de contos de fadas,
vilas medievais românticas a cidades com requintada
arquitetura e centros urbanos cosmopolitas,
com edificações de design inovador.
Seria necessária uma longa jornada para conhecer
tantas atrações, o que torna a escolha do roteiro
um delicioso desafio.
C
omeçamos essa viagem pela
festiva Munique, capital do
estado da Baviera. Famosa
pela Oktoberfest e pelas casas de cerveja, a cidade tem
muito mais a oferecer, apresentando um vasto patrimônio histórico
e magníficas galerias de arte.
A origem de Munique remonta
ao século X, quando monges fundaram um assentamento às margens
do rio Isar. Em 1158, o duque
da Saxônia Heinrich der Löwe
assumiu o controle do lugar. Um
século depois, a cidade tornouse a sede principal da dinastia
Wittelsbach; e em 1806 passou
a capital do então Reino da Baviera.
O coração de Munique é a Marienplatz,
dominada pelo prédio neogótico da Neues
Rathaus (Nova Prefeitura), construído entre
1867 e 1909. A sua torre abriga o relógio
Glockenspiel, um dos maiores carrilhões da
Europa, com 43 sinos de timbres distintos,
acompanhados por um desfile de 32 figuras. Multidões reúnem-se para vê-lo entrar
em ação. Atualmente, funciona no edifício
o escritório de informações turísticas e no
subsolo um restaurante e cervejaria. Na
praça também destacam-se a Coluna de
Maria, do século XVII, e a Altes Rathaus
(Antiga Prefeitura), reconstruída após a
Segunda Guerra Mundial.
As cúpulas verdes das torres da
Frauenkirche, um dos símbolos da cidade,
são avistadas da Marienplatz. A Catedral
de Nossa Senhora foi erguida no final do
século XV, em estilo gótico com traços
renascentistas. O seu interior é belo e iluminado, realçado pelos vitrais coloridos.
A famosa cervejaria Hofbräuhaus
também encontra-se nas imediações
da Marienplatz. Fundada em 1589 pelo
duque Wilhlem V, para atender à corte, a
cervejaria foi aberta ao público somente
em 1828. A animação fica por conta das
bandas típicas que ali se apresentam. O
amplo prédio, localizado na Platzl, precisou
ser reerguido após a Segunda Guerra.
Muitas das principais atrações da cidade estão situadas em uma área delimitada
A imponente
fachada da Neues
Rathaus domina a
Marienplatz
42
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Revista do Clube Naval • 367
43
pela Odeonplatz (uma grande praça) e os
portões antigos da cidade: Isator, a leste;
Sendlingertor, ao sul; e Kalrstor, a oeste. A
praça é cercada por edificações majestosas,
como a impressionante Theatinerkirche, de
estilo barroco. O interior da igreja é muito
iluminado, decorado com detalhes em
estuque branco. A partir da Odeonplatz
pode-se acessar o magnífico Residenz,
que foi sede da dinastia Wittelsbach
durante séculos. O complexo palaciano abrange o Antiquarium (um grande
salão renascentista), um teatro rococó,
os aposentos reais, capelas e museus
– destaca-se o Schatzkammer
(Tesouro), repleto de joias, coroas
e ornamentos.
As cúpulas verdes das
torres da Frauenkirche, um
dos símbolos de Munique
Prédio da
BMW Welt e a torre
do Olympiapark
1972. Os pavilhões em forma de tendas
gigantes e a torre de 290 metros de altura
figuram como símbolos de modernidade.
Outro belo lugar, a pouca distância da
cidade, é o Schloss Nymphenburg, um dos
maiores palácios barrocos do país, construído no século XVII. A antiga residência de
verão dos príncipes eleitores de Munique
foi transformada em museu. Os visitantes
podem conhecer a sua luxuosa decoração,
o parque com árvores seculares e canais, a
coleção de carruagens, de porcelanas e o
Museu do Homem e da Natureza.
Os castelos do rei Ludwig
Há passeios organizados que partem de
Munique com destino aos famosos castelos
do rei Ludwig II. A primeira parada é no
Schloss Linderhof, o menor dos palácios
Preciosos acervos
construídos pelo monarca, mas o único que
viu concluído. O seu aprazível jardim, em
estilo francês, apresenta construções ornamentais, como a Gruta de Vênus e a Casa
Banda típica
tocando na Hofbräuhaus
Os moradores de Munique
têm muito orgulho dos seus
museus e galerias de arte, pois
reúnem valiosos acervos. A Alte
Pinakothek (Antiga Pinacoteca)
possui centenas de telas de artistas europeus do século XIV
ao XVIII, incluindo trabalhos de
Peter Paul Rubens, Sandro Botticelli, Leonardo da Vinci. Na Neue
Pinakothek (Nova Pinacoteca)
O magnífico
Antiquarium,
salão renascentista
da Residenz
Marroquina. Construído
entre 1869 e 1878, está
localizado nas proximidades de Oberammergau,
povoado famoso pela
representação da Paixão
de Cristo, que ocorre a
cada dez anos, e por seu
artesanato.
A viagem prossegue
em direção ao exuberante
Schloss Neuschwanstein,
situado em um cenário
montanhoso, cercado
por lagos. Erguido entre
1868 e 1886, na vila de Schwangau (cerca de 130 quilômetros de Munique), não
chegou a ser inteiramente concluído –
apenas 14 salas do castelo podem ser
O Castelo de
Neuschwanstein
inspirou
Walt Disney
podem ser vistas pinturas e esculturas
europeias do século XVIII ao início do
século XX. Uma das mais importantes
coleções de arte moderna e contemporânea tem como endereço a Pinakothek
der Moderne. Esse espaço dedica várias
salas ao expressionismo, com trabalhos
de Emile Nolde e Max Beckmann. O
circuito expositivo também apresenta
a história do design.
Voltado para as ciências e as tecnologias utilizadas em diferentes períodos,
o Deutsches Museum é um dos mais
visitados; o seu acervo inclui embarcações, automóveis e aviões antigos.
Outra atração, especialmente para os
aficionados por carros, é o Museu BMW,
adjacente à sede da empresa. Do outro
lado, fica o edifício da BMW Welt, onde
o cliente pode conhecer e adquirir os
novos produtos da marca. Nas imediações
encontram-se as instalações do Olympiapark, palco dos Jogos Olímpicos de
44
Revista do Clube Naval • 367
Revista do Clube Naval • 367
45
visitadas, as demais permanecem vazias. A
arquitetura e a decoração dessa imponente edificação são uma mescla de estilos:
bizantino, no Salão do Trono; românico,
nos aposentos privados; e gótico, no impressionante Salão dos Cantores. A sua
arquitetura inspirou Walt Disney para a
construção do Castelo da Bela Adormecida.
A Marienbrücke (Ponte de Maria), construída 90 metros acima de um riacho, na
vila de Schwangau, proporciona uma linda
vista do Neuschwanstein.
Menos pomposo, mas igualmente merecedor de uma visita, o Castelo Hohenschwangau foi onde Ludwig passou grande
parte de sua juventude. A residência de
verão da família do rei Maximillian II (pai de
Ludwig) foi construída em estilo neogótico,
entre 1832 e 1836, em Schwangau.
Triberg,
uma das pequenas
e belas cidades da
Schwarzwald
A Floresta Negra
Prosseguindo pelo sul da Alemanha,
descortinam-se paisagens encantadoras.
Além da Baviera, a região inclui o estado
de Baden-Württemberg, onde está localizada a Schwarzwald (Floresta Negra), na
fronteira entre a França e a Suíça. Essa
impressionante área formada por montanhas e florestas constitui um dos grandes
parques naturais da Alemanha. Várias
cidadezinhas lindas, museus e fazendas
centenárias integram-se à paisagem
deslumbrante, onde se destaca o
verde de tons escuros das árvores.
A região também é famosa
pelos relógios cuco; os “Bollenhut”,
tradicionais chapéus com enormes
pompons vermelhos, usado em ocasiões especiais; pelas fontes termais,
localizadas especialmente na cidade
de Baden-Baden; e, claro, pelo delicioso bolo Floresta Negra.
Situada no lado ocidental da
Schwarzwald, Freiburg im Breisgau
constitui uma base para conhecê-la.
Essa bela cidade, cercada por montanhas, foi fundada em 1120. Além
de monumentos, museus, o centro
histórico possui praças animadas com
vários restaurantes e bares. O marco mais
importante da cidade é a Münster, a catedral
gótica, que começou a ser erguida no século
XIII e levou 300 anos para ser concluída. Em
frente à igreja, está a graciosa praça Münsterplatz, rodeada por construções imponentes.
A Münster
marca o
horizonte de
Freiburg
Um dos maiores
relógios cuco do mundo
está em Triberg
Outros destaques são o Augustiner Museum,
com uma coleção histórica da região do Alto
Reno, do século IX ao XX, e o Martinstor, um
dos portões medievais.
A pequena Titisee, às margens do lago
de mesmo nome, recebe inúmeros visitantes.
O portão
medieval de
Martinstor
46
Localizada na rota dos relógios,
a cidade é voltada ao comércio
desses tradicionais instrumentos
de medição do tempo. O trajeto
de trem de Freiburg a Titisee
acompanha a floresta, revelando
encantos da paisagem. Outra
pitoresca cidade é Triberg, onde
encontramos um dos maiores
relógios cuco do mundo. Mais
ao sul, em Fürtwangen pode-se
visitar o Museu Alemão de Relógios, que possui um vasto acervo.
Um belo lugar, especialmente no
verão, para uma panorâmica da
floresta e seus vilarejos é a montanha Feldberg. No inverno, a neve transforma
a paisagem, atraindo os esquiadores.
Outros pontos históricos são a Paulkirche, igreja construída entre 1786 e 1833
(não tem mais uso religioso); a Kaiserdom
(século XIII), sede das coroações de reis
germânicos entre 1562 e 1792; e o monumental prédio da antiga ópera. Todas essas
atrações estão perto do moderno bairro
dos bancos. A Goethe Haus, nos arredores
do centro histórico, também recebe muitos
visitantes. A casa, onde o escritor Johan
Wolfgang Goethe nasceu em 1749 e morou
até 1775, conserva móveis originais, como
a escrivaninha de Goethe.
Frankfurt possui excelentes museus;
alguns dos melhores estão concentrados
numa área na margem sul do rio Main,
chamada Museumsufer. Encontram-se ali
o badalado Städelsches Kunstinstitut, que
abriga uma das mais importantes coleções
de pinturas do século XIV ao XX, o Deutsches Architekturmuseum (Museu Alemão de
Arquitetura), o Deutsches Filmmuseum, com
exposições permanentes sobre o início do
cinema, e outras instituições culturais.
A melhor maneira de capturar o atual
“skyline” de Frankfurt é do terraço da Main
Tower. Dali, fica claro que é um grande
centro de negócios, mas que possui também muito charme.
Vale do Reno
Pode-se conhecer a partir de Frankfurt
um dos mais belos trechos do rio Reno. Os
passeios organizados fazem de ônibus o trajeto até o povoado de Assmannshausen, de
onde partem as embarcações. No percurso,
que vai geralmente a St. Goar, sucedem-se
As casas típicas
da praça Römerberg
Frankfurt am Main
Deixando a região da Floresta Negra,
o próximo destino é Frankfurt am Main, o
coração financeiro da Alemanha, no estado
de Hesse. A primeira vista impressiona por
seus arranha-céus, sendo chamada pelos
moradores de “Mainhattan”. No seu horizonte
destacam-se o Commerzbank, a Main Tower,
entre outros imensos edifícios. Sede do Banco
Central Europeu, do Banco Federal Alemão,
da Bolsa de Valores, essa capital de negócios,
também conhecida por suas feiras comerciais,
não tem propriamente um ambiente de metrópole; pois não é uma cidade grande.
O melhor lugar para sentir-se em um
“vilarejo” é a praça Römerberg, no compacto
centro histórico. Ali está a antiga Prefeitura
(Zum Römer) e um grupo de casas típicas
com fachada de madeira, chamado Ostezeile. No centro, a Fonte da Justiça, monumento
do século XVI. A maioria dos prédios precisou ser reconstruída após a Segunda Guerra.
Também compõe a Römerberg, a Igreja de
São Nicolau, consagrada em 1290 – hoje
pertencente a uma congregação luterana.
Revista do Clube Naval • 367
Frankfurt
e seus
arranha-céus
Revista do Clube Naval • 367
colinas pontilhadas de vinhedos, vários
castelos e vilarejos, cada um com seu
próprio festival do vinho.
Um pouco antes de St. Goar encontra-se
o pitoresco Rochedo de Loreley, formação
que se ergue sobre uma curva acentuada do
rio. Segundo a lenda, uma ninfa loira atraía
os marinheiros para a morte nesse local. Acima do povoado, mantêm-se firmes as ruínas
do espetacular Burgs Rheinfels (século XIII),
que foi o maior e mais importante castelo
às margens do Reno.
Castelos,
vinhedos e vilarejos,
atrações do Vale do Reno
47
O Tiergarten
Berlim, uma cidade pulsante
A capital da Alemanha impressiona pela
variedade de museus, palácios, edifícios
históricos e pelas construções com design
de vanguarda. Sem esquecer do passado,
Berlim redefine-se com olhar futurista e
mostra-se uma cidade pulsante, com uma
vida cultural efervescente.
O melhor lugar para iniciar a jornada é
pelo Brandenburger Tor (Portão de Brandemburgo), situado na extremidade ocidental
da Avenida Unter den Linden. Erguido entre
1788 e 1791 para celebrar as vitórias bélicas
prussianas, esse arco triunfal ficou durante
muitos anos próximo ao muro, que dividia
Berlim. A maioria das atrações históricas está
numa área relativamente próxima, como o
grandioso prédio do Reichstag (Parlamento
Alemão). Na década de 1990, depois da
queda do muro, o Reichstag recebeu uma
nova ala, o Domo de Vidro, projetado
pelo arquiteto britânico Norman Foster. A
estrutura futurista, com cerca de 50 metros
de altura, tem presença marcante. Também vizinho ao Portão de Brandemburgo
encontra-se o Memorial do Holocausto,
uma enorme e contundente sequência de
estelas de concreto construída em memória
aos judeus mortos sob o regime de Hitler.
No subsolo funciona um museu.
Seguindo na Unter den Linden, chega-se
à Bebelplatz, rodeada de edifícios imponentes do século XVIII, como a Catedral
de Santa Edwiges, a Antiga Biblioteca Real
e prédios da Faculdade Humboldt. Outra
praça especial, a barroca Gendarmenmarkt,
encontra-se a pouca distância. Ela reúne a
Catedral Francesa (Französische Dom) dos
huguenotes, a Catedral Alemã (Deutscher
Dom), ambas do século XVIII, e a Konzerthaus (1821), onde a Orquestra Sinfônica se
apresenta regularmente.
O maior e mais belo parque de Berlim é
repleto de lagos, estátuas e monumentos. O
Tiergarten fica no coração da cidade e abriga
a Coluna da Vitória (Siegessäule), erguida para
comemorar as conquistas da antiga Prússia
em diversas guerras. No topo, destaca-se a
estátua dourada da deusa Vitória. A partir do
parque é fácil acessar o Kulturforum (Fórum
Cultural), que reúne vários espaços como o inconfundível prédio da Filarmônica, projetado
pelo arquiteto Hans Scharoun em 1961, com a
melhor acústica da Europa. Destacam-se também a magnífica Gemäldegalerie, com 2.700
pinturas europeias dos séculos XIII ao XVIII, a
Neue NationalGalerie (Nova Galeria Nacional),
destinada a uma coleção de pinturas e esculturas do século XX, a Biblioteca Nacional e
um museu de instrumentos musicais.
Outro local que concentra os visitantes
é a moderna Potsdamer Platz, situada a
uma pequena distância do Fórum Cultural.
Devastada durante a Segunda Guerra e
abandonada na época da divisão entre Berlim Oriental e Ocidental, a praça é pontilhada
por edifícios vanguardistas, resultado de um
plano de rejuvenescimento.
A linda
Porta de Ishtar
da cidade de Babilônia,
no Pergamonmuseum
A Ilha dos Museus
Cinco instituições de importância mundial
estão na Museumsinsel (Ilha dos Museus). A
grande estrela é o Pergamonmuseum, erguido para abrigar o colossal Altar de Pérgamo,
datado de 197 a 158 a.C., com belos frisos
que ilustram a guerra entre deuses e titãs.
Reúne outros tesouros como a Porta de
Ishtar e mosaicos da Via das Procissões da
Babilônia, o Portão do Mercado de Mileto e
uma coleção de arte islâmica.
O Altes Museum (Antigo Museu), em
um prédio que lembra um templo grego, é
também destinado a obras da antiguidade.
O icônico Portão
de Brandemburgo
48
No Neues Museum (Novo Museu) está o
famoso busto da rainha Nefertiti, de aproximadamente 1340 a.C. A peça integra a
coleção egípcia, que ocupa três andares
desse belo espaço. As demais instituições
são a Alte Nationalgalerie (Antiga Galeria
Nacional), com um rico acervo de pinturas
e esculturas europeias do século XIX, e o
Bode-Museum, que reúne coleções de arte
antiga, bizantina, além de uma seção de
numismática. Compõe a arquitetura da ilha,
a belíssima Berliner Dom. A catedral protestante foi construída entre 1895 e 1905, em
estilo neobarroco.
Avista-se da Ilha dos Museus a futurista
torre de TV, Fernsehturm, com 368 metros
de altura, situada na Alexanderplatz. Elevadores possibilitam o acesso à plataforma
mirante na esfera prateada (a 203 metros),
onde se pode disfrutar de uma vista panorâmica. Acima do mirante há um restaurante
giratório. Nos arredores da Alexanderplatz
estão a Marienkirche, igreja do século XIII,
em estilo gótico, e o enorme prédio vermelho da Rotes Rathaus (1865), sede oficial da
Prefeitura de Berlim. O friso conhecido como
“Crônica de Pedra” retrata figuras históricas
e eventos que moldaram a região até a fundação do império alemão (1871).
Revista do Clube Naval • 367
do muro era o lugar para achar roupas de
grife. Embora vários designers e lojistas tenham migrado para outros bairros, ali ainda
se encontram excelentes lojas e modernos
centros comerciais.
Reserve um dia para conhecer Potsdam,
a capital do estado de Brademburgo, situada
a menos de 30 quilômetros de Berlim, às
margens do rio Havel. Repleta de arte e arquitetura, a cidade foi declarada Patrimônio
Cultural da Humanidade pela Unesco. Além
do centro histórico com magníficos edifícios,
possui lindos palácios. O Parque Sanssouci
é um dos mais bonitos complexos palacianos da Europa. A primeira construção foi o
Schloss Sanssouci (século XVIII), servindo
como residência de verão de Frederico,
o Grande. Videiras formam uma entrada
grandiosa. Com o passar dos anos houve
o acréscimo de outras edificações, como
o Neues Palais (1763-1768), um edifício
monumental em estilo barroco, e a Orangerie, amplo palácio para hospedar a realeza
estrangeira e outros convidados.
Charlottenburg e Potsdam
Uma boa maneira de começar o dia em
Berlim é passeando pelos jardins do Schloss
Charlottenburg, ponto central do bairro de
mesmo nome. Construído em estilo barroco
italiano, no século XVII, era uma das residências dos reis da Prússia. Mobília requintada e
obras de arte do século XVII ao XX ocupam
os cômodos do grande palácio da dinastia
Hohenzollern. Depois dirija-se à Kürfurstendamm, ou simplesmente Ku’damm, a grande
rua do comércio berlinense. Antes da queda
O magnífico
domo de vidro
do Reichtag
O prédio
do Reichtag
(Parlamento)
Ao retornar a Berlim, complete a visita
com um passeio de barco e descubra encantos não tão evidentes. De forma discreta,
podemos observar os sólidos alicerces de
prédios centenários, a leveza dos modernos
edifícios, o ritmo incessante das múltiplas
obras, a serenidade bucólica do Tiergarten
e a descontração dos berlinenses espraiando-se à beira do rio, no verão. Com essa
esplêndida vista do Spree, nos despedimos
da Alemanha, sabendo que ainda há muito
a ser visto. Um convite para outras incursões
por suas lindas paisagens, distribuídas pelas
diferentes regiões. n.
*Capitão-de-Corveta (T).
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49
FLORES
AO MAR J
segunda guerra
21 de julho
DIA EM MEMÓRIA
DOS MARINHEIROS
MORTOS EM
GUERRA
Israel Blajberg*
No friozinho da manhã uma neblina suave se estende pela baía
de Guanabara. Faltando pouco para encerrar o turno de serviço,
as sentinelas do 1o Distrito Naval aprestam-se para receber os
primeiros visitantes que vão chegando para embarcar no Navio
Patrulha (NPa) Gurupi. Sentado em um banco de cimento à
beira do antigo Cais dos Mineiros, um senhor idoso nos sorri.
Talvez tivesse sido um antigo marinheiro...
50
50
á se passaram 70 anos dos ataques
traiçoeiros de submarinos nazistas
que vitimaram quase 1.500 brasileiros. Mais de 30 navios foram
torpedeados. A cada 21 de julho
os últimos ex-combatentes ainda
retornam para cumprir o ritual das flores ao
mar, as medalhas reluzindo ao peito, boinas
azuis e verdes, o reencontro com antigos
companheiros na homenagem aos bravos
que honraram o juramento de, ao prestar
o serviço à pátria, defendê-la se for preciso
com o sacrifício da própria vida.
O pequeno ônibus conduz o grupo pelo
cais estreito da ilha Fiscal, onde os navios
patrulha do Grupamento Naval do Sudeste
(SE) se encontram atracados. Um deles foi
contemplado com uma missão honrosa, que
culminará com o lançamento de flores e pétalas ao mar diante da praia de Copacabana.
Chegamos. O Gurupi é um navio compacto de apenas 290tdw, com 25 tripulantes. O
comandante nos recebe. É um jovem capitãotenente que se emociona ao saudar os excombatentes. Logo suspendemos e estamos
singrando mansamente o canal ao longo da
ilha das Cobras. A cada navio ultrapassado
as continências e toques de apito renovam
o antigo ritual das Marinhas executado pelo
tenente encarregado da Divisão de Convés.
A neblina não é muito intensa, ocultando a
paisagem distante, mas permitindo divisar as
silhuetas navais próximas.
Descemos ao rancho, onde nos aguarda um bom café da manhã, e o carinho
da tripulação. Todos são extremamente
solícitos, revelando na conversa estarem
evidentemente muito felizes em terem os
veteranos a bordo.
O Gurupi é um navio moderno, construído paradoxalmente em 1996 na mesma
Alemanha que para essas mesmas águas
enviou os seus U-boats para atacar sem
Revista do Clube Naval • 367
aviso um país ainda rural, sem recursos
para fazer frente à tecnologia nazista que
pretendia impor a sua ideologia racista
equivocada a um país de iguais.
Mas grande esforço foi feito pelo povo
brasileiro, e a vitória final foi conseguida
com a participação de gente como os que
aqui estão a bordo.
Subimos ao passadiço acompanhando
as operações do navio. O comandante
observa pelo binóculo uma embarcação à
entrada da barra atravessando o canal que
iremos utilizar em seguida. Em princípio
parece tratar-se do Felinto Perry, navio de
socorro submarino da Marinha do Brasil,
mas a identificação eletrônica na tela revela
que se trata do Gyre, um navio de apoio que
também tem um helipad à popa.
Passando para mar aberto, observamos
a distância um comboio. O tenente chefe
de Máquinas informa tratar-se do Guajará,
da mesma classe que o Gurupi, dirigindo-se
para exercícios em Angra dos Reis, seguido
por duas lanchas da Capitania.
Divisamos ao longe a silhueta de um
barco de pesca em meio à neblina. Parece
bastante antigo, pintado de preto. Apareceu
de repente, no momento anterior não estava
ali. Alguns pescadores acenam para nós.
Tomando o binóculo, conseguimos saber o
seu nome: é o Shangri-la.
A esteira do comboio do Guajará faz
oscilar o pesqueiro lá próximo. As ondas
encobrem por vezes a sua silhueta, enquanto
os pescadores dão um último adeus, até
que ele de repente desaparece, como se
tivesse sido tragado pelo mar. Parecia que
os homens queriam nos dizer alguma coisa,
aparentavam cansaço, roupas simples, uma
saudação, talvez. De repente o mar naquela
direção ficou calmo, como se nenhuma embarcação tivesse jamais estado ali.
O Gurupi chegou ao local da cerimônia
diante de Copacabana. A tripulação formada
no convés e os veteranos alinhados diante
da coroa de flores ouvem a Ordem do Dia do
comandante de Operações Navais, louvando
os homens das Marinhas de Guerra e Mercante que se sacrificaram no cumprimento do
dever, desde Greenhalgh e Marcílio Dias até
os bravos da Corveta Camaquã, do Navio Auxiliar Vital de Oliveira e do Cruzador Bahia.
A grandeza dos seus exemplos será a
inspiração para vencer, com coragem, determinação, desprendimento e dedicação,
os desafios que se apresentarem para a
Marinha do Brasil.
Revista do Clube Naval • 367
A coroa de flores é lançada às águas,
perpetuando a homenagem aos bravos marinheiros ao oscilar suavemente no balanço
do mar, junto com punhados de pétalas que,
emocionados, os veteranos atiraram ao mar.
Os banhistas em terra aproveitam o sol
acolhedor da manhã, e, divisando ao longe
um navio diante da praia, pouquíssimos
se darão conta do que está acontecendo.
A homenagem é praticamente anônima,
invisível. Apenas um ou outro jornal dará
uma pequena nota, perdida nas páginas
internas, se tanto. Custa a crer que naqueles
dias remotos da década de 40, todos os dias
as manchetes dos jornais noticiaram os feitos
da Marinha do Brasil. Mas a vida é assim, e
fica a certeza de que, se um dia for preciso,
os homens e mulheres de uniforme branco
estarão sempre a postos.
Pensativos, os veteranos recordam os
tempos em que eles mesmos estavam ali, a
bordo de pesadas belonaves, em comboios
protegendo a navegação marítima, numa
época em que não havia as estradas de hoje,
garantindo a comunicação e o transporte de
passageiros, mercadorias e cargas estratégicas entre os portos brasileiros e do exterior.
Retornamos de volta ao cais. Logo
chega a hora do desembarque. O Gurupi
atraca ágil e fazem-se as despedidas. Na
volta para casa, a esperança de que no
próximo ano todos estaremos novamente
aqui, para prestar mais uma merecida
homenagem aos heróis do mar.
Mais um pouco e a noite vai chegando.
Os anjos do Senhor estão por ali aguardando a hora. No mar, os espíritos dos que
partiram durante a batalha sobrepairam
diafanamente. Eles se manifestam.
Tentam nos enviar uma mensagem,
reforçando que seu sacrifício não tenha
sido em vão, que o entendimento prevaleça para todas as nações.
Apenas as formas variam... Pode ser um
velho marinheiro solitário, sentado à beira do
cais... Pode ser um pesqueiro que reaparece,
com a tripulação acenando ao longe... n
N. do A. – Em junho de 1943, o pesqueiro Shangri-la desapareceu ao largo
de Cabo Frio. Seus dez tripulantes jamais
foram encontrados.
O mistério foi esclarecido em 1999
quando os arquivos militares americanos
foram abertos e revelaram que o Shangrila foi afundado a tiros de canhão pelo
submarino nazista U-199.
Mães e viúvas morreram na miséria,
esperando. Desarquivado o inquérito, em
31 de julho de 2001, o Tribunal Marítimo
finalmente reconheceu os dez pescadores
como heróis de guerra, e seus nomes
foram inscritos em junho de 2004 no
Monumento Nacional aos Mortos da II
Guerra Mundial.
* [email protected]
Professor da UFF e 2º diretor social
da SOAMAR-RIO
51
51
FÉ CATÓLICA
Papa Francisco
poderia ser dividida entre dois Papas? O
que teria provocado o anúncio da primeira
renúncia, em 20 séculos.
Voltando ao “nada por acaso”... O conclave para eleição de um novo Papa é um
ritual inalterado desde 1274, iniciado com
Papa Gregório X. Foi a Constituição Apostólica do Papa João Paulo II que consolidou a
eleição por votação direta, com cédula em
papel. Os Cardeais votam entre si, escrutinam, verificam a contagem e queimam as
cédulas. A cor da fumaça, quando branca,
informa uma escolha por maioria, quando
negra, uma nova eleição.
Ao renunciar, Bento XVI não perdeu sua
qualificação. Continuou mantendo o Titulo
Honorífico de “Sua Santidade”, ao qual foi
acrescentado o de “Papa Emérito”. Solução,
não por acaso..., criada em 2013. O seu Anel
Papal foi destruído conforme a tradição e
Bento XVI passou a trajar a ‘batina branca
clássica’. Ele se instalou em sua residência
de Castel Gandolfo, a 30km de Roma.
O conclave, iniciado em 11 de março,
elegeu em apenas dois dias um novo Papa.
O comunicado do dia 13, Habemus Papam,
o Pastor dos
Jovens de
Espírito
Antonio de Oliveira Pereira*
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho...
Porque cada pessoa é única para nós, e nenhuma substitui a outra...
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só...
Leva um pouco de nós mesmos e deixa um pouco de si.
Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada.
Há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada.
Esta é a mais bela realidade da vida...
A prova tremenda de que cada um é importante e que
ninguém se aproxima do outro por acaso!
Antoine de Saint-Exupéry
glio é homem de hábitos simples, próprios
de um cidadão despojado, possui coragem
para ouvir os menos favorecidos e promover
ações, alicerçadas em sua fé, na busca de diálogo com os governantes. Eleito, ele solicita a
substituição do trono dourado por uma cadeira
de madeira e a retirada do tapete vermelho,
demarcador de seu trajeto diário. Recusa-se a
vestir a tradicional estola vermelha e continua
usando calça e sapatos pretos. Não abandona
sua cruz de prata e passa a usar um anel papal
também de prata. Que mudanças ele fará além
das de caráter pessoal?
Ainda por não acreditar no “Por acaso...”
devo informar que:
O Papa Francisco foi eleito exatamente
por ser um homem capaz de enfrentar de
coração aberto a expressão máxima de sua
fé em Cristo, seguir os passos do maior edificador de mudanças da história da humanidade. Em entrevista ao Fantástico, ele afirmou
que, na reunião de trabalho dos Cardeais,
antecedente ao conclave, os objetivos da
Igreja e sua renovação junto aos fiéis foram
amplamente discutidos.
Parece existir o desejo de mudança na
V
ários leitores poderão afirmar terem lido o texto acima em outras
publicações, Afinal seria horrível
concordar que a vida acontece
por acaso... ao sabor do vento,
certamente eu não penso assim.
Quando, em 11 de fevereiro, o Papa
Bento XVI anunciou que iria renunciar no dia
28 do mesmo mês, dúvidas me abordaram
a procura de motivos. Como um homem
santo, segundo a Bíblia, poderia abdicar
de seu poder divino? A santidade espiritual
*Jornalista
foi lido pelo cardeal protodiácono e decano,
anunciando ao mundo, da varanda central
da Basílica de São Pedro, no Vaticano, que
o novo pontífice aceitou a eleição. O Papa
Francisco foi apresentado ao povo e deu a
sua primeira bênção Urbi et Orbi.
Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, é argentino, torcedor de futebol, ativista
político, contestador das ostentações. Um
pastor obstinado pelo contato pessoal com as
crianças, os jovens, os humildes. Único Papa
nascido nas Américas e Jesuíta. Padre Bergo-
52
condução dos destinos da Igreja Católica,
uma maior aproximação com o povo, um
pastoreio mais efetivo, em busca de recuperação de fiéis. Podemos entender que os
Cardeais eleitores de Francisco consideram
a importância destas proposições.
Ao chegar no Rio de Janeiro, em 22 de
julho de 2013, na Jornada Mundial da Juventude, o Papa foi recebido com entusiasmo
por uma multidão de católicos. Em poucos
minutos conquistou a todos. Uma empatia
imediata com o “povo do mundo”. Ele procedeu exatamente como na Argentina ou Roma,
o mesmo modelo de conduta com o povo.
Aproximou-se de todos, sem receio, com o
coração transbordante de amor ao próximo.
Despedindo-se do Rio de Janeiro e de
aproximadamente três milhões de jovens,
de 180 nações, em 28 de julho de 2013,
após alguns dias de convívio, ficou a certeza
de que o total respeito aos ensinamentos de
Cristo, a simplicidade, o falar ao coração, a
demonstração do afeto, do despojamento,
da humildade e do amor ao próximo são
os alicerces da fé.
O “acaso”, especificamente, neste caso,
foi um bem elaborado plano de Deus.
O Papa Francisco, em atitude de exortação a cumplicidade com o povo, pediu que se
rezasse muito por ele. Os jovens, inteiramente
comprometidos, se integraram na missão de
proclamar o evangelho para mundo.
Missão cumprida, em 29 de julho de
2013, o Papa Francisco chegou ao Vaticano.
Ficou a afirmativa cristã: Semeada a fé
colher-se-ão os bons frutos...
Papa Francisco, Sua Santidade passou
em nossa vida sozinho..., mas não foi só...
Levou um pouco de nós mesmos e deixou
um muito de si. Cumpriu-se a mais bela
realidade da vida...
Cada um é importante e ninguém se
aproxima do outro por acaso! n
Revista do Clube Naval • 367
Revista do Clube Naval • 367
53
FÉ CATÓLICA
A VIAGEM BRASILEIRA
DO PAPA FRANCISCO
EA
JORNADA
MUNDIAL DA
JUVENTUDE
Sergio Tasso Vásquez de Aquino*
O
Rio de Janeiro viveu em estado
de graça de 22 a 28 de julho de
2013, consequência da visita do
Papa Francisco e da realização
da Jornada Mundial da Juventude em terra carioca. Tal sublime
sentimento foi transmitido ao Brasil todo
e ao mundo pelos meios de comunicação
social, num forte e comovido abraço de fé,
esperança e caridade.
Simples, bom, manso e humilde de coração como o doce Rabi da Galileia, de quem é
o representante e vigário na Terra, Francisco
desde o início de seu pontificado se revela
como um dos grandes papas da Igreja e fiel
seguidor dos exemplos de Pedro, Inácio de
Loiola e Francisco de Assis.
Conquistou de assalto o coração dos
cariocas, dos brasileiros e dos peregrinos
de 178 países que acorreram ao Rio, às
centenas de milhares, que se apaixonaram
e deixaram conduzir por sua pessoa, por seu
testemunho de vida e maneira de proceder,
por seus atos e atitudes, inspirados pelo
Cristo Redentor e Salvador, por suas palavras
iluminadas e abençoadas pelo Espírito Santo
e pela sua fidelidade aos mandamentos de
Deus Pai Todo-Poderoso. Exatamente como
ocorre na praça de São Pedro, no Vaticano,
desde que foi proclamado papa e bispo de
Roma e passou a ser conhecido além dos
ambientes da Igreja e dos limites da sua
Argentina natal.
Seguindo a síntese perfeita de Jesus
para uma vida plena, “Amar a Deus sobre
todas as coisas e ao próximo como Eu vos
amei”, o tema constante da sua pregação,
na ordenação trinária tão jesuítica, foi o de
abrir o coração ao amor infinitamente misericordioso de Deus, fazendo do Pai o centro
e a motivação de nossas vidas, a conversão
pessoal; de oferecer os dons e talentos com
que fomos cumulados para o benefício dos
semelhantes e a construção do bem comum,
a evangelização; e de seguirmos a práxis do
encontro, traduzida no generoso gesto de
acolhimento, dos braços abertos sempre em
busca da paz e da harmonia entre os seres
humanos, nossos irmãos, e as nações.
Sem medo ou receio, segundo a sua
natureza, desde o primeiro momento em
terra brasileira lançou-se aos braços do povo,
sequioso por abraçá-lo e beijá-lo, como a
um pai muito querido. Foi ao encontro, de
braços sempre abertos, de crianças e adultos,
pessoas saudáveis e enfermos, dignitários
e simples representantes do povão sofrido,
sem distinções ou restrições de qualquer espécie, com o sorriso que a todos conquistou
nos lábios e a simplicidade na grandeza no
coração. Quebrou todos os protocolos e se
fez cada vez mais amado, com naturalidade
e sem afetação, como é do seu feitio, por isso
foi escolhido papa pelo Espírito Santo neste
54
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momento crucial para a Igreja e o mundo.
Não aceitou transitar em veículo blindado , de vidros fechados – “venho visitar
amigos, como ficar separado numa caixa de
vidro?” – e preferiu um simples carro popular
a uma limusine de luxo. Definiu a Igreja
como uma mãe, que necessita acarinhar
seus filhos no regaço, bem junto ao coração,
tratá-los com carinho e solicitude, nutri-los
com seu amor incondicional, sempre presente e sem limites – “jamais se soube de
uma mãe que se comunicasse com o filho
apenas por carta!” Explicou a evasão de fiéis
católicos para outras denominações cristãs
pela falta de sacerdotes – ”as pessoas estão
sedentas da mensagem do Evangelho; não
tendo o padre a seu lado, buscam o pastor
que está próximo”. Não opôs barreiras aos
atos e gestos de amor e de dignificação
humana – “se alguém tem fome ou precisa
de educação, não importa quem venha
em seu socorro, se católico, evangélico,
judeu, muçulmano, budista... O importante
é alimentá-lo e educá-lo”.
Seguindo o tema da Jornada, que convida os católicos a serem missionários – “Ide,
pois, fazei discípulos meus todos os povos
(Mt 28, 19)” – explicou que não se precisa
necessariamente ir a terras distantes. Basta
cumprir a vocação missionária católica em
família, no ambiente de trabalho, entre os
amigos e conhecidos, por toda a parte que
frequentarmos normalmente.
Convidou os bispos e padres a irem ao
encontro do povo de Deus – “não se fechar
nas sacristias, esperando que nos venham
procurar, mas sair ao encontro, de braços
abertos, de quem precisa do amor de Deus e
de consolação”. Instruiu os ministros de Deus
a buscarem a simplicidade de vida, a fugirem
da ostentação – “os bispos devem vencer a
tentação de comportarem-se como príncipes,
e todos os sacerdotes, que precisam de carro
para seu trabalho evangelizador, devem
buscar viaturas simples e, de resto, uma
vida despojada”.
Seguidamente, condenou a idolatria
do dinheiro, do poder e da glória, que tem
caracterizado o mundo e envenenado as
relações humanas, e pregou a globalização
do amor em lugar da globalização da cobiça
e da escravização à pecúnia. Verberou a
triste mentalidade materialista dominante,
que considera descartáveis pessoas e grupos
sociais, às vezes nações inteiras, apenas
por critérios econômicos momentâneos e
perversos – “não se pode aceitar que uma
sociedade considere normal que se mantenha marginalizada uma parte de si mesma,
as periferias”. “Uma sociedade que considera
descartáveis seus dois extremos e deles
descura, a juventude, que é o futuro, e os
idosos, que são a experiência e a sabedoria,
não pode subsistir.”
Por tudo o que é, diz e faz, Francisco fazse cada vez mais amado e guia e farol para
o povo que tem a bondade no coração, independentemente de crenças e outros rótulos
e aspectos humanos, em sua peregrinação
rumo ao infinito de Deus!
Sua presença e seu testemunho de fé e
de vida tocaram o coração do carioca, modificando seu comportamento para o bem. Nos
últimos tempos, de ordinário mal-educado,
egoísta e vítima de um mau humor que seguidamente descamba para a violência no
relacionamento interpessoal do dia a dia,
fruto das agruras, traições e desilusões por
que tem passado e por culpa de péssimos
líderes políticos e dirigentes - como de
resto em todo o Brasil –, que geram desesperança, indiferença, descrença, revolta
ou conformismo e acomodação, voltou a
ser o que sempre foi, amistoso, acolhedor,
presença de um bebê de menos de um ano
de idade, o Emmanuel ou “Deus conosco”.
Os exemplos foram abundantes: a senhora
judia, mãe de família, que passou os dias inteiros diante da televisão, para nada perder da
Jornada de fé; o jovem judeu que se condoeu
de ver, tarde da noite, a multidão de peregrinos
em longas filas pelas ruas, esperando a condução que não vinha; o rapaz flagrado pela TV,
que desfraldou na praia de Copacabana a faixa
com esses dizeres: “Sou evangélico, mas amo
o papa Francisco. Ore pelo Brasil!”
E o que dizer dos jovens, cariocas, peregrinos de todo o Brasil e de 178 países, que
lotaram a cidade, suas ruas, praças, praias,
meios de transporte, locais de turismo e de
culto e deram um show de ordem, alegria,
respeito ao semelhante e ao meio ambiente,
paciência?.. Ajudaram até na limpeza da
praia de Copacabana, após cada um dos
quatro dias de eventos ali, com resultados
exemplares e dignos de serem imitados diuturnamente: depois das aglomerações que
chegaram até a congregar 3,5 milhões na
última missa e um total de 5,5 milhões nas
demais celebrações (1.500.000 + 1.500.000
+ 2.500.000), a quantidade de lixo a ser
retirado pela Comlurb era menor do que a
do Réveillon de cada ano!
Não houve registro de brigas, bebedeiras, qualquer tipo de violência, a despeito
das notórias deficiências apresentadas pelos
sistemas de transporte e de escoamento do
trânsito e das dificuldades nas visitas aos
monumentos, locais de turismo e até de
encontrar lugares nos restaurantes, pelo
incrível aumento de demanda de serviços!
A paciência e a alegria dos jovens e demais
simpático, solidário... Ao ponto de impressionar muito favoravelmente o papa, os
peregrinos estrangeiros e o mundo. Voltou
a ser, por todos aqueles dias mágicos, o
carioca verdadeiro, espontâneo, alegre,
prestativo e hospitaleiro, como festejado
em verso e prosa pelos tempos afora!
Esse povo carioca, assim tocado e
transformado pela graça de Deus, deu testemunhos magníficos. Abriu suas casas, nos
bairros nobres e nas favelas, para abrigar os
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peregrinos, e do próprio povo carioca, foram
constantes e contagiantes.
Foi tudo uma grande festa de congraçamento, um grande encontro de amor baseado no ensinamento de Cristo: as bandeiras
de Israel e da Palestina, juntas, portadas
por fiéis de ambos os países,
lado a lado; o abraço festivo de
jovens dos Estados Unidos e do
Irã, que, levando suas bandeiras
nacionais, se encontraram na
avenida Atlântica... Sim, a paz é
possível, desde que os homens
e mulheres sejam tocados pelo
mandamento do amor em seus
corações e renunciem ao ódio e
outros sentimentos menores e
mesquinhos!
O último ato da visita do
papa, sua despedida na Base Aérea do Galeão, foi muito simbólico e significativo. De um lado,
o humilde servo de Deus, líder espiritual de
1,3 bilhão de fiéis, representante de Cristo
na Terra e sucessor de Pedro, respeitado e
amado por crentes de outras religiões e até
ateus, mercê de sua pessoa e atitudes, abençoadas e conduzidas pela graça do Senhor.
Com o sorriso cativante permanentemente
nos lábios, modestamente, levava à mão
a pasta contendo objetos pessoais, que o
acompanhou desde a chegada. Do outro,
o vice-presidente da República que o veio
acompanhar à despedida, exemplarmente
bem apresentado e trajado, autoconfiante e
satisfeito consigo mesmo, dotado de bela e
forte voz, fez magnífico discurso. Vencedor
segundo os conceitos terrenos, é um dos
A paz
é possível,
desde que
os homens e
mulheres sejam
tocados pelo
mandamento
do amor
em seus
corações
peregrinos do Brasil e do mundo, como fez
meu cunhado e vizinho, que, por dez dias
e com toda a alegria, recebeu seis italianos
da cidade de Pescara, entre os quais dois
sacerdotes. Nós mesmos, minha mulher e
eu, que não nos havíamos inscrito junto à
paróquia, modestamente tivemos a graça de
acolher, por tempo menor, uma família de
Maricá, com dois filhos menores, que veio
ao Rio “para ver o papa” e ficaria mal alojada
alhures. Sentimo-nos abençoados, pois, pela
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príncipes do mundo.
A visita do papa ao Brasil e a Jornada
Mundial da Juventude entre nós foram
uma bênção, cujas boas sementes lançadas
ainda nos darão muitos frutos e alegrias.
O pontificado de Francisco será motivo
de muitas transformações na
Igreja e no mundo, para o bem
e para a paz e a harmonia entre
as pessoas e os povos e nações,
segundo o mandamento do
amor reafirmado e pregado por
Nosso Senhor Jesus Cristo. Rezemos para isso e obremos com fé,
esperança e caridade!
Bem fariam presidentes, governadores, prefeitos, ministros,
senadores, deputados, vereadores, secretários, juízes, enfim
todas as pessoas investidas de
poder e de autoridade com a
exclusiva missão de realizarem
o bem comum, e que estejam sendo infiéis
ao mandato recebido por graça de Deus, em
ajoelharem-se contritamente em penitência,
cinzas à cabeça, e pedirem perdão ao Senhor
por seus erros e pecados, de colocar seus
pequenos interesses em primeiro lugar.
Convertam-se, pois da vida nada levarão e
serão julgados pelo bem e pelo mal praticados! Que o exemplo pastoral de Francisco
lhes toque e modifique o coração!
Assim seja! n
57
* Vice-Almirante (Ref)
Da Academia Brasileira de Defesa
e do Instituto de Geografia e História
Militar do Brasil
REFLEXÃO
As divisões humanas
O
ser humano sempre viveu dividido. Homem e mulher, negros,
brancos e amarelos, baixos e
altos, gordos e magros, são diferenças notórias entre os seres
humanos. Seriam benéficas e
estimulantes, se fossem assimiladas apenas
como diferenças. No entanto, a educação
competitiva que as sociedades impõem,
as transformam em divisões. E as divisões
implicam competição e preconceitos.
Na mente predominantemente egoísta
do ser humano, as divisões acontecem por
querermos impor aos outros a nossa maneira
de ser. Consideramos uma ameaça e nos
sentimos humilhados em aceitar as diferenças alheias, sejam elas a cor da pele, o corte
de cabelo, o modo de falar, a cultura, a classe
social, a posição religiosa ou política.
Somente quando o outro aceita a
nossa imposição, aprecia nossos gostos e
concorda com nossas opiniões, julgamos
encontrar nele um amigo e podemos
considerá-lo um aliado.
E isso é recíproco. Quando o próximo
não nos aceita, por conta de alguma diferença, criamos imediatamente a divisão.
Conforme a gravidade que atribuímos ao
fato e a insistência do outro em não aceitar
o que tentamos impor, podemos considerálo desde um simples opositor – pertencente
a outro grupo, outra corrente ideológica,
outra “tribo” – até um inimigo. Nesse caso,
haverá um confronto direto, que em casos
graves pode levar até a morte.
Divisão entre os sexos
Uma das divisões mais básicas do ser
humano é a do homem e da mulher. No
início da existência humana provavelmente existissem apenas as diferenças físicas,
mas com o passar dos séculos foram surgindo as psicológicas.
Nos outros animais, embora em alguns
casos haja também diferenças de comportamento, macho e fêmea seguem seus
instintos determinados pela natureza e,
por serem animais irracionais, é impossível
que um deles se compare ao outro, sinta-se
“superior” ao outro.
Opostamente, no ser humano as diferenças de comportamento ditadas pela natureza, tanto do homem quanto da mulher,
são avaliadas segundo o critério da competição. Há uma comparação constante entre
ambos, cada um querendo demonstrar ao
outro a sua “superioridade”.
Por muito tempo, o homem agiu como
um ser superior à mulher, já que possuía
mais força física. Exerceu sobre ela um
total domínio e a mulher se
acostumou a aceitar esse domínio, pois não havia como
reagir, a não ser muito esporadicamente – e nesses raros
casos, eram consideradas
excêntricas e castigadas pela
sua ousadia.
Felizmente, desde algum
tempo, as mulheres conseguiram se impor, lutando por seus
direitos. Atualmente, é mantida
uma certa igualdade entre
ambos, porém, longe de se
colocarem lado a lado, ou seja,
longe de acabar com a divisão.
Não! A vontade de dominar persiste, por isso
há tanta ironia de parte a parte. A divisão
ainda está presente.
O homem, em seu discurso, reconhece
os direitos da “opositora”, mas, ao mesmo
tempo, ironiza o comportamento feminino,
ou então assume uma posição paternalista
e protecionista, na tentativa de manter sua
“superioridade”, sem abrir mão de se considerar mais inteligente e objetivo.
A mulher, usando o mesmo recurso da
ironia, por qualquer divergência rotula seu
“opositor” como “machista” e não perde
oportunidade de se autoconsiderar mais
sensível e mais inteligente.
A competição, fruto do egoísmo humano, continua cada vez mais acirrada entre
o homem e a mulher. A igualdade entre
ambos, existente nos outros animais, está
cada vez mais longe de ser alcançada.
Mais forte ainda é a divisão entre os
hetero e homossexuais. Essa enorme divisão é ainda fortalecida pelo pensamento
religioso moralista, que em geral rejeita
58
veementemente o homossexualismo. Até
mesmo entre os homossexuais há subdivisões, pois os chamados “gays” não aceitam
os “transformistas”.
Essas diferenças de sexo, hoje aceitas
cientificamente como provocadas por combinações genéticas e não por “deformações”
de origem moral, causam nas sociedades
humanas muitas divisões e subdivisões, ou
seja, preconceitos e mais preconceitos.
Divisão racista
Uma terrível divisão é a causada pelas
diferenças de raças. Os preconceitos criados
de parte parte sempre causaram e ainda
provocam muitas tragédias.
Como a discriminação de pessoas
por sua cor já foi considerada um crime,
tomaram-se medidas legais para conter
esse preconceito. As leis contra o racismo,
apesar de não modificarem as mentes preconceituosas, inibem algumas atitudes, o
que já é bastante louvável. Acontece que
algumas delas são elaboradas justamente
por pessoas ainda preconceituosas e, por
isso, ao invés de reduzirem o preconceito,
o aumentam ainda mais. É o caso de se denominar “afrodescendente” as pessoas da
raça negra, como se isso, por si, acabasse
com o preconceito. Ora, se um oriental é
chamado de “amarelo”, se um nórdico é
“branco”, por que evitar dizer que alguém
seja “negro”? Por que rotulá-lo de “afrodescendente”? Isso sim, é um mero disfarce
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preconceituoso, pois considera desprezível
o termo “negro”.
As diferenças de cor da pele entre os
humanos, enquanto representarem divisões, sempre serão racistas, não importa
quantas leis sejam promulgadas.
Divisão política
Outra grande divisão humana se dá na
política, nas diferenças entre os diversos
sistemas de governo. Muitos existiram através dos tempos, e atualmente essa grande
divisão está focada, principalmente, entre o
capitalismo e o comunismo.
O capitalismo é visto pelos seus adeptos
como um regime aberto e democrático,
com total liberdade de expressão, onde as
oportunidades são disputadas por todos os
cidadãos, e o sucesso depende do preparo
e do empenho de cada um. O lucro é determinado pela lei da oferta e da procura e
cada um se torna dono daquilo que consegue conquistar. Veem no comunismo uma
grande e constante ameaça. Consideram
que, ao banir totalmente o comunismo
do planeta e instaurar a democracia, o
mundo terá eliminado uma praga e dado
um grande passo no sentido do progresso
e do bem-estar coletivo.
Por sua vez, os comunistas veem os
adeptos do capitalismo como indivíduos
totalmente insensíveis à pobreza e ao bemestar do povo, que visam exclusivamente
ao lucro, sem terem nenhum escrúpulo.
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A liberdade de expressão é uma farsa, pois
os veículos de comunicação são totalmente
controlados pelo poder do dinheiro. Consideram o capitalismo um mal devastador,
que precisa ser eliminado do planeta para
instaurar nele um governo onde os dirigentes sejam os trabalhadores.
Em ambas as facções, os dirigentes
parecem dispostos a usar seu arsenal de
armas, caso necessário, para impor seu regime e expandir seu domínio.
O confronto entre as duas
ideologias já esteve a ponto
de destruir o mundo, e isso
só não aconteceu porque a
maior potência comunista
de desfez. No entanto, ainda
paira uma ameaça comunista, quase tão ameaçadora e
agressiva como antes, agora
mascarada de outros nomes
e adepta da democracia.
Tal ameaça alimenta as
mentes dos anticomunistas
e os aguça a lutarem contra
a possibilidade de uma volta
ao “maléfico” regime.
Por conta dessa diferença, que gerou
uma divisão radical, muitos milhares de pessoas já morreram em confrontos, em guerras
e guerrilhas, em várias partes do mundo.
Conclusão
Existem inúmeras divisões humanas. Na
verdade, nós temos imensa dificuldade em
aceitar qualquer forma de viver diferente daquela que consideramos correta. Na religião
ou na corrente política, no time esportivo,
no estilo de arte ou na forma de se vestir,
quando nos deparamos com alguém que
não comungue com a nossa maneira de ser,
com alguém diferente de nós, em vez de
observarmos apenas uma diferença, criamos
uma barreira. Essa barreira é a divisão, que
gera o preconceito.
As diferenças humanas deveriam ser saudáveis e prazerosas. Serviriam para quebrar
a rotina e enriquecer a vida, caso os seres
humanos já tivessem evoluído a ponto de
viverem em colaboração uns com os outros.
59
As diferenças de
comportamento entre
a mulher e o homem
podem ser um tempero
a mais para o amor
entre ambos, desde
que os dois se aceitem,
vivendo em mútua colaboração, deliciandose com as diferenças.
As diferenças entre as raças amarela, branca e negra, cada qual com suas
características, uns mais propensos aos esportes ou à música, outros exibindo mais os
dotes físicos, uns sendo mais introspectivos,
outros mais propensos às ciências... Enfim,
quando não há divisões, as diferenças
físicas e psicológicas podem ser motivo de
admiração, não de preconceito.
As diferenças entre os regimes políticos, caso não fossem criadas as radicais e
perversas divisões, em nada impediriam a
convivência pacífica dos povos. A monarquia, o presidencialismo, o comunismo e o
capitalismo, poderiam coexistir sem conflitos, pois seus âmagos são semelhantes,
se considerarmos que o “âmago” é o ser
humano. São as pessoas que formam os
regimes, e os seres humanos, basicamente,
são bem semelhantes.
Os dirigentes que possuam mentes
altruístas, seja qual for o regime político de
seu país, estarão sempre prontos a trabalhar
pelo bem-estar da população, mantendo a
paz e até colaborando com outros países de
regimes diferentes. Já terão aprendido que
os diferentes regimes atendem à preferência
ou à vocação de cada povo, por isso não
devem ser impostos aos outros.
O único regime pelo qual vale a pena
lutar, é o regime de colaboração mútua.
Porém, trata-se de uma luta individual travada na mente de cada um. É uma luta por
compreensão humana, por lucidez, onde o
vencedor adquire altruísmo e liquida com
seu próprio egoísmo.
Viver em regime de colaboração é estar
sempre disposto a ajudar o próximo, pensando acima de tudo no bem-estar coletivo,
respeitando e até admirando as diferenças
das outras pessoas e dos outros povos, não
importa a cor de sua pele nem o regime
político adotado no seu país.
As diferenças enriquecem a vida, as
divisões a destroem. n
*Diretor de arte e cartunista
[email protected]
MONISMO
FILOSOFIA
Christian
Wolf
Sobre a definição e o papel da
filosofia monista
Walter Arnaud Mascarenhas *
O propósito deste artigo é conceituar a Filosofia Monista, os princípios em que se fundamenta, bem
como os principais termos associados ao seu domínio ou campo de definição.
A
ideia de descortinar a origem
do Universo (mundo, cosmos
ou natureza) constitui uma
preo c upação que remont a
muitos séculos.
Todos nós já tivemos a oportunidade de interrogar como tudo começou:
onde, como, por que surgiram todas as
coisas. Trata-se daquilo que vamos chamar
de a “tríplice problemática filosófica”. Mais
especificamente: 1. O que é o Universo? 2.
Como surgiu? 3. Para quem? Essas três perguntas básicas se desdobram em muitas
outras. Interroga-se (por exemplo) sobre a
origem do ser no cosmos e o sentido de sua
existência. O que é afinal a existência? O
mundo físico existiu sempre, ou foi criado?
Terá um fim? Quando? Há outros mundos?
São habitados ou vazios? Qual a diferença
entre aparência e realidade? E o tempo, o
que é? Há relação entre espaço e tempo? O
que significa relatividade? Há diferença entre
perceber e conhecer? Quais são as categorias
do conhecimento cientifico?
Essas são perguntas filosóficas decorrentes da reflexão “raciocinante”. Os
homens que as formulam são geralmente
conhecidos como filósofos, os que têm
amizade pelo saber, ou seja, os verdadeiros
amigos da sabedoria.
As respostas a tais indagações, a quem
caberá? Desde a Antiguidade, muitos ramos do saber – entre os quais a história,
a religião, as artes, os mitos, a filosofia e a
ciência – estavam engajados em encontrar
respostas para essas questões primordiais,
e também para muitas outras que surgiram
posteriormente.
Os primeiros filósofos gregos são frequentemente chamados de filósofos da
Mileto
natureza porque suas atenções se voltaram fundamentalmente para a origem do
mundo e as causas de suas mudanças ou
transformações. Vale lembrar que a filosofia de Mileto era originariamente científica
e materialista. Ela se diz científica porque
está baseada exclusivamente na razão
cognoscente, e materialista porque afirma
que a única causa das coisas é a matéria.
“É típico de quase todos os materialistas
entender a matéria ao mesmo tempo como
fundamento de qualquer realidade e como
causa de qualquer transformação” (Dicionário de filosofia, de José Ferrater Mora). Os
materialistas negam a existência de espíritos,
isto é, a existência de Deus e da alma, e só
admitem no Universo a matéria.
Contam que os povos mesopotâmios
(sumérios, assírios e babilônios) inventaram
a astrologia, a escrita, a burocracia e as matemáticas. Dizem também que os egípcios
se consagraram à elucidação do Universo (e
dos problemas éticos e sociais do homem)
bem antes de os gregos se preocuparem
Egito
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advertência às cidades ainda não conquistadas. Absorvidos sobretudo em atividades
militares, descuraram das artes pacíficas. Em
consequência, o período de esplendor durou
pouco mais de um século.
(Consulte: BURN. História da civilização ocidental, v. 1, 40 ed.-São Paulo: Globo, 2000.)
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com a natureza física do mundo. Os pioneiros no desenvolvimento da civilização
mesopotâmica foram os chamados sumérios
ou sumerianos, que se estabeleceram na
parte baixa do vale do Tigre-Eufrates por
volta de 3500 a.C. Os antigos babilônios (de
pouca cultura) quando chegaram ao vale, de
modo geral, simplesmente assimilaram e
modificaram o que os sumerianos já haviam
desenvolvido. Entre os mesopotâmios, foram
os assírios (nação guerreira) que, depois dos
sumerianos, passaram pela mais completa
evolução autônoma. O Estado era para eles
uma grande máquina militar. Os comandantes do exército constituíam a classe mais rica
e poderosa do país: seu exército permanente
excedia em tamanho o de qualquer outra
nação do Oriente Próximo. Lançavam mão
do terror como meio de subjugar o inimigo.
Infligiam aos capturados crueldades formidáveis: esfolamento em vida, empalação,
amputação das orelhas, narizes e órgãos
sexuais e depois exibiam, em gaiolas, as
vítimas mutiladas, para que servissem de
61
O monismo é um tipo especial de filosofia, baseado no princípio de unicidade, e
é conhecido como doutrina, ideia, princípio
ou teoria, mas sempre como uma atividade
puramente intelectual de conhecimento. O
Livro da filosofia (São Paulo: Globo, 2011) na
p. 342 nos dá a definição de monismo: “Concepção de algo como se formado por um
único elemento; por exemplo, a concepção
de que os seres humanos não consistem de
elementos que são essencialmente separáveis, como corpo e alma, mas de uma única
substância”. É a doutrina filosófica segundo
a qual o conjunto das coisas pode ser reduzido à unidade, quer do ponto de vista da
sua substância (e o monismo poderá ser um
materialismo ou um espiritualismo), quer do
ponto de vista das leis (lógicas ou físicas) pelas quais o Universo se ordena, e o monismo
poderá ser lógico ou físico. Em metafísica, a
doutrina monista sustenta que toda realidade
pode ser reduzida a uma única substância
básica ou princípio, como o espírito (idealismo), ou a matéria (materialismo), ou algo
que não seja nem espírito nem matéria, mas
constitua a base de ambos.
O termo monismo (ao que consta) foi
introduzido pelo alemão Christian Wolff
(1677-1754) para designar as teorias que
admitem a existência de uma única substância. Também se aplica o termo às teorias que
sustentam que existe uma substância de um
único tipo ou espécie. Opõe-se ao dualismo,
afirmação de duas substâncias de natureza
distinta, e ao pluralismo que admite uma
multiplicidade de substâncias. Mesmo nas
antigas filosofias (chinesa, indiana e grega)
monismo é a expressão representativa da
necessidade de dar uma explicação unitária
da totalidade do Universo.
O estudo da filosofia grega é geralmente
feito sob quatro períodos: 1. período présocrático ou cosmológico (se ocupa fundamentalmente com a origem do mundo e as
causas das mudanças na natureza física
do Universo); 2. período socrático ou antropológico (investiga as questões humanas,
inclusive o lugar do homem no mundo;
3. período sistemático (procura organizar
tudo quanto foi pensado pela cosmologia
e investiga as ações humanas na ética, na
política e nas técnicas; 4. período helenístico ou greco-romano (se preocupa com
as questões da ética, do conhecimento
humano e das relações entre o homem e
a natureza, e de ambos com Deus).
Obs.: Saiba mais lendo: Iniciação à filosofia.
Marilena Chauí, São Paulo: Ática, 2010.
Classificação da filosofia monista
Cabe distinguir entre diferentes tipos
de monismo: 1. monismo panteísta, tendência representada por Parmênides (tudo
é Ser e nada há diferente dele) e principalmente por Espinoza, para quem toda
realidade reduz-se a uma única substância
(Deus); 2. monismo do absoluto, próprio do
idealismo alemão. Schelling preconizou a
identidade do espírito e natureza, e Hegel
descreveu o desmembramento da ideia
como sujeito-objeto, espírito-matéria, que
encontra seu momento culminante no Absoluto; 3. monismo naturalista, iniciado por
Ernest Haeckel, que afirmou que a matéria
é o único existente. Dentro da tradição
empírico-criticista se pode falar ainda de
um 4. monismo neutralista, que nega a
distinção entre o físico e o psíquico.
Do século VI em diante os filósofos
começaram a considerar se o Universo era
formado de uma única substância fundamental. Os gregos eram essencialmente
teóricos: o Saber para eles era desinteressado. O Ser é eterno, a ideia de criação
lhes era estranha, não a conheciam. Todo
Ser tem potência – eles se transformam
uns nos outros. O mundo está em contínua
mutação. Todos os seres têm movimento,
são dinâmicos. Eles buscaram a origem de
todas as coisas até encontrar um princípio
(physis) e interpretaram a natureza em
função desse único princípio.
“Qual é a matéria prima básica do
cosmos?” Essa intrigante pergunta foi
respondida, de várias formas, por uma
plêiade de filósofos, na Antiguidade (sem
um consenso), e por uma constelação de
cientistas e cosmólogos, na atualidade
(sem um ponto de convergência).
Seguem-se algumas respostas às indagações formuladas: 1. Tales de Mileto: a água é a
origem de todas as coisas. 2. Anaximandro de
Mileto: o princípio originário seria o apeíron.
Como Tales, julgava que existia uma única
Parmenides
como matéria primordial porque ele está
sempre em movimento e assume diversas
formas, conforme a condensação e a rarefação. 4. Pitágoras de Samos: “O número é o
regente das formas e ideias”. Para ele tudo
no Universo se conforma às regras e relações
matemáticas. Se compreendermos o número
e as relações matemáticas, compreenderemos também as estruturas do cosmos. A
matemática é, portanto, o modelo para o
pensamento filosófico. 5. Xenófanes de Colofão: o Uno é a divindade. Xenófanes escreveu
em versos sua oposição às ideias de Tales,
Anaximandro e Anaxímenes. 6. Heráclito de
Éfeso: o fogo é a substância primordial. Considerava a natureza (o mundo, a realidade)
um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo
dos seres em mudança perpétua. 7. Parmênides de Eléia: afirma a unidade do Ser (Tudo
é Um). Colocava-se na posição oposta à do
“Obscuro” Heráclito. Dizia que só podemos
pensar sobre aquilo que permanece idêntico
a si mesmo, que o pensamento não pode
Tales
Hegel
substância básica, a partir da qual tudo tinha
evoluído. Decidiu que ela seria infinita e
eterna e a chamou de apeíron (“indefinido”).
3. Anaxímenes de Mileto: O princípio originário seria o ar. Elegeu o ar (elemento gasoso)
Pitágoras
Heráclito
Schelling
Haeckel
Zenão
pensar sobre coisas que são e não são, que
ora são de um modo e ora são de outro, que
são contrárias a si mesmas e contraditórias.
8. Zenão de Eléia: discípulo de Parmênides,
defensor incondicional do monismo, nega a
realidade do movimento. 9. Melisso de Samos:
foi um dos filósofos da Escola Eleática, sendo,
provavelmente, discípulo de Parmênides.
10. Empédocles de Agrigento: postulava a
existência de quatro elementos imutáveis:
terra, água, ar e fogo. Os princípios motores
do Universo seriam o ódio, que dissocia, e o
amor, que unifica. 11. Filolau de Crotona: foi
o primeiro pensador a atribuir movimento
à Terra: esta girava em torno do Sol; entre
o Sol e a Terra existe o planeta Atiterra. 1
2. Arquitas de Tarento: é considerado o iniciador da mecânica científica. Foi filósofo,
62
Revista do Clube Naval • 367
Revista do Clube Naval • 367
63
num mundo desesperançado de Deus.
Insurgiu-se contra a tradição metafísica.
Voltou-se para o Ser (ontologia), desejando
identificar os valores da religião e da metafísica que haviam sido abalados até as suas
Aristóteles
Demócrito
cientista, estratego, estadista, matemático e astrônomo grego. É considerado o
mais ilustre dos matemáticos pitagoricos.
Acredita-se ter sido discípulo de Filolau
de Crotona. Foi amigo de Platão, fundou
a mecânica matemática e influenciou Euclides. 13. Anaxágoras de Clazômena: dois
são os princípios: a substância do infinito
e o espírito. Como primazia, ele põe o
espírito acima de todas as coisas; pois, é
o único dos seres que é simples, puro e
sem mistura. O espírito movimenta tudo.
Foi professor de Péricles, achava que os
elementos constitutivos do mundo são
orientados por uma Inteligência cósmica
ordenadora, o Nous. 14. Leucipo de Mileto:
Aristóteles considera Leucipo, o criador
da teoria dos átomos. A teoria concebida
por Leucipo e Demócrito, oferece uma
primeira visão mecanicista completa do
Universo, sem qualquer recurso à noção de
um ou mais deuses. O mundo já tinha sido
explicado pela mitologia e pela religião.
15. Demócrito de Abdera: é considerado o
sistematizador da doutrina atomista. Demócrito tenta conciliar as duas doutrinas
(a da mobilidade universal [de Heráclito] e
a teoria do Ser único, imóvel e eterno [de
Parmênides e Zenão]) por intermédio de
sua filosofia dos átomos (elementos eternos,
cujas combinações mutáveis são infinitas).
16. Platão: nunca deixou inteiramente
clara sua concepção de Deus, mas é certo
que concebia o Universo como sendo de
natureza espiritual e regido por desígnio
inteligente. Sua filosofia das ideias não
aceitava o conceito de realidade como um
fluxo desordenado. As coisas que percebemos por meio de nossos sentidos são
apenas cópias imperfeitas das realidades
supremas: as ideias. A causa primordial
das coisas estaria, portanto, fora do nosso
mundo real. 17. Aristóteles: sua concepção
do Universo era teleológica, isto é, governado com uma finalidade. (Entendemos
por teleologia o conjunto das especulações
que se aplicam à noção de finalidade, de
causa final.) O Deus de Aristóteles era simplesmente o primeiro motor, imóvel, fonte
Platão
Espinoza
Kant
Stephen
Hawking
Conclusão
n
Embora a maioria de nós agora se volte
para a ciência contemporânea em busca de
uma explicação sobre como o Universo teve
início, os argumentos de Aquino mostram que
a filosofia ainda é relevante no modo como
pensamos sobre a questão. Ele demonstra
como a filosofia pode fornecer ingredientes
para uma investigação do que é possível e o
que é impossível acontecer, bem como quais
são as questões relevantes e assimiláveis
a serem formuladas. Por todas essas considerações, pergunta-se: é ou não é coerente
acreditar que o Universo teve um começo?
Essa ainda permanece uma questão para
filósofos, e nem mesmo a física quântica (ou a
teoria quântica), como “o mais bem-sucedido
conjunto de idéias articulado pelos seres humanos”, seria capaz de respondê-la. n
Anaxágoras
original do movimento orientado que se
achava contido nas formas. Estas são as
causas de todas as coisas. 18. Heidegger é
um filósofo monista, no sentido de que para
ele só existe o mundo da existência humana
temporal, com todas aquelas características
ontológico-existenciais. Quando Heidegger
procura reduzir as três faculdades cognoscitivas de Kant à força da imaginação transcendental, atribui também a Kant um monismo.
Kant, porém, não foi monista, mas dualista.
O filósofo alemão Martin Heidegger foi um
dos mais influentes pensadores do século XX
(faleceu em 1976). Abandonando a teologia,
procurou encontrar nos gregos a substância
que de alguma forma amparasse o homem
Heidegger
64
raízes. 19. Espinoza é um completo monista,
no sentido em que admite a existência
de apenas uma substância. “Uma única
causa de si mesma que é a causa de tudo
mais, na qual tudo mais é meramente uma
modificação ou atributo dessa substância.”
A substância única é também infinita com
atributos e modificações infinitos. Não é de
surpreender que a ela seja dado o nome de
Deus. (Ver: Uma história da filosofia ocidental,
de D. W. HAMLYN, Zahar, p. 180). Ele afirmou que “Deus ou natureza” era um Ser de
infinitos atributos, entre os quais a extensão
e o pensamento. A sua visão da natureza
da realidade, considera os mundos – fisico
e mental – como dois mundos diferentes,
que nem se sobrepõem nem interagem,
mas coexistem em uma coisa só que é a
substância. Essa formulação é muitas vezes
considerada panteísta e monista. (Não por
Espinoza, que era um racionalista.)
Hoje não procuramos a filosofia para
que ela diga se o Universo sempre existiu
ou não, e a maioria de nós não se volta
para a Bíblia (Gênesis), como São Tomás
de Aquino e outros pensadores medievais
fizeram. Em vez disso, buscamos a física, em
particular a teoria do Big Bang ou Grande
Explosão, proposta por cientistas modernos,
incluindo o físico e cosmólogo britânico
Stephen Hawking. Essa teoria afirma que “o
Universo se expandiu a partir de um estado
de temperatura e densidade altíssimas num
instante particular no tempo”.
Revista do Clube Naval • 367
*Capitão-de-Mar-e-Guerra (Ref-FN)
Professor do magistério superior (Inativo).
Revista do Clube Naval • 367
65
direito
O exercício da
cidadania na era digital
ea
democracia
participativa
Xisto da Silva Mattos*
“O sentimento de justiça ficará satisfeito se, depois de uma luta
prolongada, nada obtenho dessas pessoas senão aquilo que
desde o início me pertencia?”
Rudolf Von Ihering
O
s últimos dias ficarão marcados
para sempre na mente dos
brasileiros, principalmente dos
representantes legítimos do
cidadão. Ninguém de sã consciência imaginava que o povo
brasileiro tivesse a coragem de ganhar as
ruas e exercer a cidadania como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil
em um Estado Democrático de Direito para
pleitear direitos que sempre foram objeto de
inércia do poder público.
O que se vê no Brasil é o resultado de
uma solidariedade para além da tolerância
de um povo sofrido pela crise de representatividade. A cidadania está elevada à
categoria de princípio fundamental ligada
aos direitos fundamentais sociais em sua
manifestação mais nobre. Consoante às
palavras de Ricardo Lobo Torre, “a cidadania
hoje recupera a sua consistência jurídica e se
caracteriza por ser cidadania multidimensional ou múltipla, na qual podemos distinguir
as dimensões temporal, espacial, bilateral e
processual”.
Do ponto de vista da dimensão temporal,
a cidadania compreende os direitos fundamentais, entre os quais se compreende o
mínimo existencial, que exibe: a) o status negativus, que impede a constrição do Estado,
máxime na via dos impostos sobre os direitos
fundamentais sociais stricto sensu; o status
positivus libertatis; que postula a entrega de
prestações de assistência social aos pobres,
de auxílios financeiros a entidades filantrópicas e de bens públicos (roupas, remédios,
alimentos etc.) à população carente.
No que se refere a dimensão espacial
da cidadania, a questão rompe fronteiras, e
tanto o mínimo existencial quanto os direitos
66
sociais devem ser garantidos nos planos local, nacional e mundial, havendo prevalência
de interesse local para as prestações sociais
que não ganham a dimensão universal, ao
passo que o mínimo existencial, por absorver as condições da liberdade e gozar de
jusfundamentalidade, se projeta também
para a esfera nacional e mundial.
No plano da dimensão bilateral da cidadania, a assimetria entre direitos e deveres
conduz muitas vezes à confusão do mínimo
existencial com os direitos sociais e econômicos. Há dois sistemas
para garanti-los: a) o dos
impostos, que recaem
sobre toda a população,
destinados a financiar
as prestações gratuitas
para alguns; b) o de tipo
securitário, no qual os
próprios titulares dos direitos contribuem para a
sua manutenção.
Não é aqui o lugar
propício para avançarmos
sobre o tema, mas esse
prelúdio se faz necessário
Revista do Clube Naval • 367
para elucidar a importância do exercício da
cidadania.
A Constituição Federal inaugura outro
fundamento do Estado brasileiro como
sendo a democracia (art. 1o), conceito que,
significando originariamente governo do
povo, foi tendo seu conteúdo projetado
como instrumento de afirmação da liberdade, na concepção de Wilhelm Henke,
citado por Ricardo Lobo Torres em sua
magistral obra denominada O direito ao
mínimo existencial.
Revista do Clube Naval • 367
O cidadão
brasileiro sempre
se quedou inerte no
pleito de seus direitos
fundamentais
e sociais.
Os avanços da democracia
trouxeram-nos ao presente
após trilhar por uma socialdemocracia com viés político
empregado no século XX
para caracterizar os partidos à
esquerda do espectro político
e os movimentos quase-socialistas, atingindo a democracia
social, entendida como coincidente com a ideia de liberalismo social. A democracia social se propõe a abrir o caminho
político para a afirmação
dos direitos sociais, que se
harmonizam com o mínimo
existencial.
Sob o aspecto funcional
a democracia pode ser vista
como: democracia participativa e democracia deliberativa. Esse espaço será
ocupado apenas para a democracia participativa, pois
é o que interessa no exíguo
limiar deste artigo, pois é
esta fundada na cidadania
ativa e procura a afirmação
67
dos direitos sociais e revela a
forma de reinvindicação social
corrente utilizada pelos socialistas e social-democratas, por
oposição à democracia liberal
e representativa.
Com esse introito, é possível entender, sem necessidade
de aprofundar o debate sobre
o tema, que o Estado Democrático de Direito, conforme leciona Torres,
representa um novo momento da história
política do país pós 88. O que caracteriza o
Estado Democrático de Direito é que concilia
o Estado Social, podado em seus aspectos
de insensibilidade para questões financeiras,
com as novas exigências para garantia dos
direitos fundamentais e sociais. Enfim, o
Estado Democrático de Direito passa a garantir o mínimo existencial, em seu contorno
máximo, deixando a questão da segurança
dos direitos sociais para o sistema securitário e contributivo, baseado no princípio da
solidariedade. No mesmo sentido, leciona
Gilmar Ferreira Mendes, afirmando que,
“Considera-se democrático aquele Estado de
Direito que se empenha em assegurar aos
seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também
e sobretudo dos direitos econômicos, sociais
e culturais, sem os quais de nada valeria a
solene proclamação daqueles direitos”.
Postas as noções, é possível entender
as razões pelas quais o cidadão brasileiro
sempre se quedou inerte no pleito de seus
direitos fundamentais e sociais. A política do
assistencialismo se arraigou e vem causando
enorme prejuízo aos brasileiros que dela se
utilizam como apanágio de política capaz de
retirar da miséria uns e nela instalar tantos
outros. Nenhum país desenvolvido adota
esse tipo de política perpétua, pois ela é
nefasta e subtrai do homem a sua dignidade. Em primeiro lugar a Constituição é um
manancial de promessas cujo cumprimento,
desde 1988, ficou a cargo de lideranças políticas enraizadas na República e sem qualquer
renovação. Ao longo desse período o país
teve o impeachment de um presidente da
República, a prisão de um deputado federal
no exercício do mandato, a exploração de
mão de obra escrava no país,
a disseminação da pobreza
e a manutenção da concentração da riqueza nas mãos
de poucos em detrimento
de uma maioria miserável.
E o povo, como mandatário,
havia de se manifestar, é um
verdadeiro amadurecimento
da sociedade, e para isso
faltava um meio para atingir
o seu desiderato.
Dizia Nicholas Negroponte que: “Os bits
não podem ser comidos, ninguém pode
vestir-se com eles ou usá-los como refúgio
(...) Sou alérgico à palavra ‘política’”.
Vê-se nas palavras de Nicholas uma
crítica política à ideia de democracia digital
na era da informação. A realidade é outra.
Vive-se um mundo onde a informação foi
globalizada e poucos são os cidadãos que
não têm acesso aos meios de comunicação
por meio da rede mundial de computadores.
Esse sim é um canal da verdadeira democracia participativa, pois tem seu núcleo
de ação nascido da vontade do povo de
participar de um sistema que se tornou
anacrônico e vencido pelo enraizamento
das lideranças que se perpetuam no poder
desde a Constituição dita cidadã que foi
entregue por Ulisses ao povo brasileiro.
Hoje, o cidadão é afetados diretamente
pelo surgimento da internet no processo
eleitoral brasileiro como instrumento de
democracia participativa. É uma democracia
digital, eletrônica ou virtual, conforme o desejo, pois o nomem fica a gosto
do freguês. O mais importante
é que é uma democracia
voltada para disseminar informações e chamar a atenção
dos representantes, cujo verdadeiro poder emana do povo.
O cidadão da atualidade tem
informações as mais diversas,
pois basta consultar o portal da
Transparência Brasil e analisar
informações sobre o que se faz
Poucos são os
cidadãos que não
têm acesso aos meios
de comunicação por
meio da rede mundial
de computadores.
Esse sim, é um canal da
verdadeira democracia
participativa.
com o dinheiro público, a menos que se trate
de financiamentos secretos com dinheiro
do povo que o governo brasileiro tem feito
a países como Cuba e Angola. Não vou me
ocupar desse tema para não fugir ao objeto
deste artigo, mas fica apenas para reflexão
dos contribuintes. Voltando ao tema.
No atual processo de mobilização social
a coisa tomou outro rumo, o cidadão utilizou
a ferramenta para organizar os seus pleitos
pelo Brasil afora. E, diga-se de passagem, o
sucesso já foi garantido, pois para viabilizar
a retirada da PEC 37 da pauta de votação
não se teria outro meio tão eficaz quanto a
internet. É a sociedade da informação em
pleno movimento rumo ao poder. E é preciso que a resposta ocorra de acordo com
o pedido da sociedade, e não para atender
pleito obscuro de reforma política por meio
de plebiscito, baseada talvez em modelo
utilizado por países da América Latina, a
exemplo de Venezuela e otros mas.
Os partidos políticos nada podem fazer,
pois suas presenças são indesejadas pelos
ativistas. O que podem e devem, é agir para
mudar completamente suas práticas radicais,
baseadas num sistema arcaico de quadros
e caciques locais e reconquistar a sua legitimidade. Caso contrário, sofrerão um recall
natural pela sensibilidade social.
Os movimentos sociais, como ações
de caráter popular, são orientados para a
finalidade de transformações políticas e
atuam de forma organizada. Visam apontar
aos mandatários do poder suas deficiências
no mister de representar.
É como já dizia Rudolf Von Ihering, que
“Nem mesmo o sentimento de justiça mais
vigoroso resiste por muito tempo a
um sistema jurídico defeituoso:
acaba embotando, definhando,
degenerando”.
Os políticos se preocuparam
e passaram a entender que o
verdadeiro titular do poder é o
povo e eles (políticos) são apenas
representantes, e que sua relação com o mandante está em
crise de existência e, para conter
a revolta, é preciso agir, é preciso
concordar com a voz do povo expressa nas
ruas, vez que vox populi vox Dei.
Considera-se agora a questão de um
possível sistema político para a sociedade
da informação. A esperança é que esse meio
utilizado pela sociedade para manifestar
seus reclamos deva ser o tipo de democracia
participativa mais efetivo e que o sistema
político atual, onde todo o poder emana do
povo por meio de seus representantes não
exclua o seu fim específico que é o atendimento da necessidades básicas da sociedade
que a muito vem assistindo, passivamente,
os desmandos com a Res Publica.
Por fim, resta a certeza de que “nada
do que foi será de novo do jeito que já foi
um dia”, Lulu Santos. n
É preciso
concordar com
a voz do povo
expressa nas ruas,
vez que vox Populi
vox Dei.
*Advogado
Pos-Graduando em Direito e Processo
Penal Lato Senso • Membro da Comissão
de Ética e Disciplina da Subseção
da Ordem dos Advogados do Brasil
na Barra da Tijuca.
Referencias Bibliográficas:
TORRES, Ricardo Lobo, O Direito ao
Mínimo Existencial, RENOVAR, 2009.
IHERING, Rudolf Von, A luta pelo
Direito, Introdução de Roberto de Bastos
Lellis, LIBER JURIS.
JR, Nerione Cardoso, Crítica Política à
ideia de democracia digital, Revista de
Informação Legislativa do Senado Federal.
BARROSO, Luís Roberto, O Novo Direito
Constitucional Brasileiro, Forum.
MENDES, Gilmar Ferreira, Curso
de Direito Constitucional, Editora Saraiva,
2007.
68
Revista do Clube Naval • 367
Revista do Clube Naval • 367
69
PERSONALIDADE
SIMCH
VENERÁVEL
MESTRE
Este artigo está fundamentado na excelente
crônica do CMG (EN-Ref.) Walter Sanches Sanches
cujo texto vem a seguir.
Quem teve a oportunidade de assistir ao filme
Madadayo, do magnífico Akira Kurosawa, sobre
a homenagem de alunos japoneses ao velho
mestre irá perceber o espírito de reverência ao
CMG (Ref.) Alaor Simch de Campos que marcou
profundamente uma geração de aspirantes
como professor de Mecânica e Física da Escola
Naval nas décadas de 50 e 60.
O aspecto sereno e simpático expresso na suave
figura octogenária esconde o rigoroso mestre,
cuja trajetória na Escola Naval fazia os aspirantes sentirem a sensação de grande
vitória quando passavam em suas matérias. Todavia, esse rigor era acompanhado
de permanente admiração e respeito de seus alunos. Seu extenso currículo de
professor vai muito além da Marinha, havendo ministrado aulas na PUC do Rio
de Janeiro e a Universidade Católica de Petrópolis, entre outros.
Cumpre ressaltar em especial seu grande trabalho na sede do Clube Naval.
Desde 1986, por meio de cursos como Astronomia, equações de Maxwell, teoria
da Relatividade, vem dinamizando as atividades de cultura científico profissional,
agregando grande número de sócios em seu entorno.
Atualmente o Comte Simch coordena o Grupo de Interesse em Matemática e Física
cuja importância é ressaltada pelo Comandante Sanches na crônica que segue.
70
Revista do Clube Naval • 367
WALTER SANCHES SANCHES
Ao mestre Simch
A
ntes de tudo, parabéns pelo seu
aniversario, 19 de setembro; que
o Criador continue a lhe agraciar
com saúde, paz de espírito, amor
e lucidez para nossas aulas ou,
também dizendo, “bate-papos”
das segundas-feiras aqui no Clube Naval.
Temos, nos dez anos desse salutar convívio enveredado pela relatividade com as
teorias de Hubble, Einstein, Lorentz e outros.
Depois nos aprofundamos nas moléculas e
Revista do Clube Naval • 367
átomos com as teorias da antiguidade (Thales de Mileto, Demócrito...), início do século
XIX com Dalton, Thomson, e já no século
XX, com Rutherford, Bohr, Cezar Lates.
Foram aulas magníficas onde nos imaginamos com velocidades próximas da luz,
quando grandezas como comprimento e
volume tendem a sumir, crescendo infinitamente a massa, e alterando a noção de
tempo. Baixamos à Terra para falarmos das
teorias dos complexos, logaritmos, cálculo
vetorial, equações do eletromagnetismo,
de Napier, Briggs, Leibniz, Maxwell, e das
vantagens em se usar essas ferramentas
da matemática, que muitas vezes custaram
a ser elaboradas.
Especulamos sobre circuitos elétricos com
71
CA, e seus idealizadores (Faraday, Ohm etc.).
Suas aulas, mesmo abordadas de maneira profunda e rica em detalhes técnicos e
históricos, se amenizam com os “causos” da
vida cotidiana, como a do seu professor de
desenho, que preconizava cinco regras para
um bom trabalho: exatidão, traço fino, traço
fino, traço fino, traço fino; ou do seu colega
que pediu explicações sobre mecânica dos
fluidos, e reclamava por não ter visto, em
toda a apostila, a palavra água.
Analisamos as equações algébricas,
principalmente as do 3o grau, motivo, talvez,
do surgimento dos números complexos ou
imaginários. Calculamos integrais com seus
boundary layer, procurando sempre uma
aplicação prática, real.
homenagem
Passamos então a viajar pela Terra, em
ortodrômicas e loxodrômicas, calculando
rumos e distâncias. Cada vez que era mencionado um local por onde passaríamos, e
um dos seus alunos havia por lá passado,
você ficava entusiasmado. Assim foi com
o Estreito de Magalhães e Anchorage, nas
viagens Atlântico-Pacífico e Via Polo Norte.
Novamente relaxávamos a aridez das
equações da trigonometria esférica, comentando filmes das décadas de 50 ou 60,
quando sua memória foi posta à prova, com
sucesso, mencionando nomes de artistas, detalhes do filme, títulos originais e no Brasil.
Atendendo ao pedido de um dos
colegas mais antigos foram estudadas as
funções hiperbólicas, que usaríamos mais
tarde na catenária.
Passamos às curvas crônicas: elipse,
parábola, hipérbole, e seus estudiosos: Euclides, Arquimedes, Apolinio, Hughes, Irmão
Bernoulli, Leibniz, Galileu.
A catenária teve papel destacado pois
se apresenta na natureza, nos cabos entre
postes e reboques. E aí seus ouvintes,
oficiais de Marinha, interagiram com suas
experiências em Marinharia.
Sempre você cita livros, autores e edição,
ao que um nosso colega retruca dizendo
ter uma edição mais antiga. Sinto seu olhar
meio invejoso e desapontado. A sua solicitação por auxílio da internet vai para um dos
nossos colegas argonautas, que sempre o
atende com verdadeiros tratados: assim foi
com o filme Intermezzo, grafia de palavras e
nomes em inglês ou francês. Alias, seu gosto
por esses idiomas, e um pouco de espanhol
e alemão é notório. Sua turma de alunos,
composta por oficiais da Marinha e Exército,
engenheiros civis e militares, médicos de
clínica geral, psiquiatra, psicólogo, pediatra,
professores, é sempre muito liberal, cabendo
perguntas e diálogos, onde o assunto sempre
é esclarecido com dados matemáticos e
físicos. Por sinal, já entendemos que não é
de seu gosto especulações sobre os assuntos de ciência, e discussões sobre religião,
política e esporte.
Aguardamos, ansiosos, o início das aulas
sobre as leis de Kepler, e das naves que serão
ejetadas no espaço calculando as velocidades de escape, e outras surpresas.
O seu gosto por musica clássica é sempre exaltado, ao comentar a elaboração
das apostilas, ouvindo os clássicos: Mozart,
Wagner, Bach, ou as músicas americanas
dos idos 50 ou 60.
UM EXEMPLO AO
PAÍS
Havia esquecido o nosso estudo sobre
ótica, lentes, espelhos, reflexão, refração,
efeito Doppler, teoria ondulatória de Huygens, e corpuscular de Newton, e o éter, o
famoso éter, que tanto propiciou discussões
entre os sábios, e que Einstein não utilizou
nas suas teorias.
Lembrei-me ainda das séries de Taylor,
McLauren e suas aplicações na confecção de
tábuas de logaritmos, funções trigonométricas, valor do “e” e “pi”.
Novas piadas e causos como do seu
colega que disse a um renomado mestre:
“Senhor, não consigo entender as equações”.
Ao que o mestre respondia: “Meu filho, elas
falam, às vezes baixinho”. E o caso da astróloga que perguntou a um astrônomo se
acreditava no que os astros diziam, ao que
ele respondeu “que não podia ouvir, pois os
astros não falam!!”.
Você enfatiza que quando alguém diz
que o assunto é fácil, é porque não o entendeu. Nada é fácil, tudo requer análise, reflexão, aplicação para ser bem entendido.
Uma vez você abriu a guarda perguntando a um colega, seu ex-aluno, sobre
suas provas na Escola Naval. O colega
pensou dois segundos e disse “Mestre, o
senhor era uma fera!!”. Você não se perturbou, aceitou humildemente a crítica, e,
provavelmente num exame de consciência,
explicou que hoje agiria de outra maneira.
Essa humildade e sinceridade são próprias
dos simples, dos sábios.
Sua admiração por colegas de magistério
na EN, como Werneck, Morrisse, Primo Nunes, Castilho é sempre exaltada, como nós o
fazemos quando falamos de suas aulas.
Por que vamos a essas aulas? E para quê?
A resposta é simples, o prazer de reaprender o ginásio, a Escola Superior agora
com outra visão, e aprender novas coisas,
ou as velhas com mais riqueza de detalhes,
a história dos cientistas e da própria ciência.
É um prazer imenso e uma honra estar aqui
todas as segundas-feiras e sem provas e
sem pagamentos. Suas aulas são um misto
de poesia pela música e filmes, filosofia
quando atenta entender os cientistas e suas
dificuldades, e muita ciência.
Prossiga assim, a meia força, para que
possamos acompanhar os ensinamentos.
Obrigado.
Parabéns.
Luiz Sérgio Silveira Costa
E
uclides Quandt de Oliveira, nascido
em 23 de novembro de 1919, faleceu recentemente, na madrugada
de 19 de julho, aos 93 anos. Foi
oficial de Marinha, alcançando o
posto de capitão de Mar e Guerra,
tendo sido comandante do Navio Aeródromo
Minas Gerais. Especialista em eletrônica, du-
rante seu tempo na Marinha fez vários cursos
nessa área, no Brasil e nos Estados Unidos.
Tendo passado para a reserva, exerceu, de
1965 a 1967, no governo Castelo Branco, o
cargo de presidente do Conselho Nacional de
Telecomunicações (Contel); de 1972 a 1974,
foi o 1º presidente da Telebrás e, de março
de 1974 a março de 1979, foi ministro das
Comunicações do governo Geisel. É autor
dos livros Renascem as telecomunicações –
volume 1 e 2, que narram os acontecimentos
a partir de 1967, tendo como tema principal
a criação do Sistema Telebrás.
Bem poucos no Brasil sabem o que o
Comandante Quandt de Oliveira representou
para o desenvolvimento das telecomunicações no país. Se hoje temos as facilidades de
comunicações em computadores, telefones
e celulares muito a ele se deve, pela reestruturação da telefonia no país, então dominada pelas concessionárias estrangeiras.
Em depoimento, Quandt dissera que “Devia
Capitão-de-Mar-e-Guerra (Ref-EN)
72
Revista do Clube Naval • 367
Revista do Clube Naval • 367
existir cerca de mil empresas no Brasil, mas
empresinhas isoladas. Havia um sistema
telefônico na cidade X que só falava dentro
daquela cidade X, não falava nem com a
cidade vizinha”. Quem viveu aquela época,
sabe como era difícil e demorada uma
simples ligação interestadual. E mais: fez a
reestruturação da ECT, colocando-a com a
credibilidade do US Post e do Royal Mail.
O atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirmou que a sua morte é uma
perda para o setor das telecomunicações,
reafirmando que “O ex-ministro Quandt deu
grandes contribuições para a organização
desse setor, hoje tão importante para o
Brasil. Nós nos encontramos no fim de 2011,
em um evento da Associação
Comercial do Rio de Janeiro.
E ele estava bastante lúcido,
analisando e comentando os
acontecimentos da área”.
Tudo isso pode ser obtido
nos sites de busca. O que
bem poucos no Brasil sabem,
porém, é que, mesmo tendo
a sua promoção a almirante
mais do que esperada, decidiu
passar para a reserva, pois dizia
que, com cinco filhos, não teria
condições de, com o soldo militar, dar-lhes
adequada formação universitária, tendo
ido trabalhar na Siemens. Como presidente
da empresa, em 24 de fevereiro de 1974,
salvou cerca de 12 pessoas no incêndio do
edifício Andraus, carregando-as, desmaiadas
pela fumaça, nos ombros até o heliporto no
alto do prédio. Tendo participado do recebimento do Cruzador Tamandaré, e morando
em Petrópolis, vinha sempre ao Rio para
participar dos almoços dos que serviram no
navio, sempre dizendo que queria ser tratado
como “comandante”, e não como “ministro”.
Em Petrópolis, sua rotina diária era acordar,
visitar o túmulo de sua esposa e, então,
voltar para casa para tomar o seu café.
Mesmo nos últimos anos de vida, nunca
perdeu contato com os avanços tecnológicos,
pois comentava, com lucidez, as decisões políticas e os assuntos mais relevantes do setor.
Poucos sabem, também, que Quandt,
ao morrer, morava em um pequeno e
73
73
simples apartamento de dois quartos em
Petrópolis, e que seu carro era um velho
e deficiente Santana.
Por isso, o que ressalta na vida de Quandt, especialmente quando se compara com
os tempos de hoje, é que, bem-nascido de
caráter, e bem formado pela Marinha – essa
instituição de excelência e a indiscutível
reserva moral do país –, e tendo exercido
importantes cargos públicos, lidando com
empresas e empresários, licitações e contratos, procuras e ofertas, no ambiente do “é
dando que se recebe”, nunca se corrompeu
ou usou desses cargos para proveito e enriquecimento pessoal. Sua vida espartana, de
servir ao país, e não se servir dele, contrasta
com o que se vê hoje de nossos políticos: as
casas e apartamentos alaranjados, de frente
para o mar, os escarpins de solas avermelhadas nos pés das madames deslumbradas,
os restaurantes estrelados, as viagens de
jatinhos e helicópteros, os sanguessugas, as
ligações espúrias com empresários, o nepotismo, os trens da alegria, os sítios, as ilhas,
as fazendas, os bois, as rãs, as rádios, jornais
e emissoras de TV, os castelos, o exibicionismo etc., nada podendo ser comprovado
apenas pelas remunerações pessoais.
Quandt, pelo contrário, além de marido,
pai e militar exemplar, foi a própria essência
do espírito republicano, um brasileiro com a
estatura moral do tamanho do país, gigante
pela própria natureza!
Deus, na sua infinita bondade, reconhecendo a sua vida digna e dedicada ao bem
comum, resolveu homenageá-lo, ao enviar o
papa Francisco aqui, no justo momento em
que o levava para a vida eterna. Certamente
descansará em paz, com a benção papal,
e embalado pelo sublime sentimento de
satisfação do dever cumprido.
E nós, por aqui, com esse triste sentimento de perda, reverenciamos o nosso velho e
competente marinheiro, esse brasileiro altaneiro e exemplar, que professou e exaltou
a profundidade do recado de Roosevelt, de
um político do passado para os de hoje, via
as telecomunicações: “É melhor morrer de
pé do que viver de joelhos”!
* Vice-Almirante (Ref)
última página
OPINIÃO Do
leitor
Será bem-vinda a sua
opinião sobre qualquer
artigo ou assunto tratado
nesta edição.
Enderece seu e-mail para
revistaopiniao@
clubenaval.org.br
com o máximo de
1.500 caracteres.
A Editoria da RCN se reserva
o direito de publicar ou não,
na íntegra ou em parte,
a sua mensagem.
Não será revelado o seu
endereço.
C
omo leitor assíduo da Revista do Clube
Naval, achei muito louvável a ideia de
abrir esse canal de comunicação, publicando nossas opiniões e sugestões.
De maneira geral gosto das matérias
publicadas, mas faço uma ressalva. Tenho
me deparado com artigos excessivamente
técnicos, que apenas especialistas no assunto conseguem entender.
Principalmente os de Direito, de Medicina e Economia, que apesar de abordarem
temas relevantes, se perdem em detalhes
técnicos compreendidos somente por advogados, médicos e economistas.
Imagino que a revista se dirija a um
público amplo, incluindo toda a família dos
militares a também muitos civis.
Por essa razão, sugiro que tratem esses
temas de forma mais simples, procurando
cativar o leitor (na maioria leigo no assunto), usando somente os termos técnicos
imprescindíveis; e nesses casos, colocando
uma explicação em linguagem simples do
que ele significa.
Finalmente, quero deixar claro que encontro virtudes na revista, bem mais do que
defeitos. A sugestão acima, foi com a intenção
de tornar a leitura mais atraente para todos.
José Bonifácio da Costa (Advogado).
S
ou leitora antiga da revista e aproveito
a nova seção Opiniões do Leitor, para
enviar uma crítica a um tipo de matéria
que me tem intrigado.
Tenho preferencia por artigos de Política
Internacional ou Atualidade, que costumam
fazer uma análise clara e impartidária da
situação mundial, apesar de que os mais
amenos, como a costumeira Viagem – por
vários recantos do mundo são também
necessários e atraentes.
Mas os artigos sobre alguns setores da
Marinha, costumam ser verdadeiros “relatórios de diretora”: começam invariavelmente
com a data de fundação, seguem-se as
mudanças através dos anos, novas e velhas
diretorias, benfeitorias executadas durante
as gestões etc. Um relatório enfadonho que
estende-se por muitas páginas...
Seria, a meu ver, muito mais interessante, que resumissem essas informações num
pequeno box ou tabela, concentrando o texto em descrever como é prestado o serviço,
dando exemplos de casos reais e mostrando
as pessoas sendo atendidas.
Exatamente como costumam ser tratadas – pelo que observo – assuntos semelhantes nas revistas de grande circulação,
como Veja, Isto É etc.
Ângela da Nova (Secretária executiva).
A
proveito a oportunidade que essa
revista nos ofertou para manifestar
minha opinião.
Considero a Revista do Clube Naval
uma revista sobretudo de opinião. Os
poucos assuntos de amenidades servem
apenas para fazer uma pausa na leitura,
para acalmar as mentes aguçadas pelo
teor de matérias, sobretudo as que falam
sobre a situação das Forças Armadas, do
Brasil e do mundo.
A minha sugestão é que também os
74
74
editoriais, por coerência, reflitam a opinião
da revista, do Clube Naval ou mesmo da
Marinha, não necessariamente sobre política, mas sobre cidadania, comportamento
humano e outros assuntos relevantes.
Isso me ocorreu porque, na imprensa em
geral, os editoriais costumam cumprir essa
função, haja vista o recente (e desastroso)
editorial da TV Globo.
Agradeço a oportunidade e parabenizo
a revista, que está sendo a cada dia mais
bem executada.
CMG (Ref) Nei Dantas.
E
m nota na página 5 da edição anterior
desta revista os leitores são convidados
a opinar sobre as matérias editadas.
No artigo do CMG Sergio L. Y. dos Guaranys, Karl Heinrich Marx é retratado sem as
referências que o fizeram, durante os séculos
XIX e XX, o filósofo mais lido, mais citado
e mais influente em todas as comunidades
do globo. Entendemos que os leitores da
RCN merecem conhecer outras opiniões
sobre Carl Marx.
Aqui vai a minha. E vai com os cumprimentos ao novo diretor cultural do clube,
Comte Boavista, pela inovadora oportunidade concedida aos leitores da revista.
Qualquer que seja a formação ideológica, um pesquisador em Ciências Sociais não
irá longe sem considerar o que Marx ensina:
“Não é a consciência que faz a realidade
social. É a realidade que faz a consciência”.
Aí está apenas um exemplo.
Entre cientistas políticos existem críticos
à obra de Marx. Mas não pela análise do
capitalismo que se fez até o presente e sim
ao Marx futurista. Sua imaginada sociedade
igualitária a que se chegaria na última etapa
da revolução socialista foi e é chamada de
utopia. Não houve nem há, em lugar algum
do mundo, qualquer sociedade comunista
tal como preconizado por Marx.
Pode-se imaginar por aí, o tipo de capitalismo que então se praticava. E o que seria
das sociedades de hoje sem a valorização
do trabalho, conquista inconcebível sem as
ideias daquele que, em pesquisa da BBC de
Londres em 2005, foi considerado o filósofo
de todos os tempos.
CC (Ref-T) José Alves de França.
Revista do Clube Naval • 367
Revista do Clube Naval • 367
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JURAMENTO
“Incorporando-me à Marinha do Brasil,
prometo cumprir rigorosamente as
ordens das autoridades a que estiver
subordinado, respeitar os superiores
hierárquicos, tratar com afeição os
irmãos de armas e com bondade os
subordinados; e dedicar-me
inteiramente ao serviço da Pátria,
cuja honra, integridade e instituições
defenderei com o sacrifício
da própria vida.”
Estas palavras são ditas uma só vez na nossa vida.
76
Revista do Clube Naval • 367

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