A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca

Transcrição

A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca
1
HÉLIO NORONHA DE DEUS
A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca
nos contratos de mútuo imobiliário
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora do Centro Universitário do
Distrito Federal como exigência parcial
para obtenção do grau de especialista em
Direito dos Contratos sob a orientação da
Professora Mestre Liliane dos Santos
Vieira.
Brasília
2008
2
HÉLIO NORONHA DE DEUS
A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca
nos contratos de mútuo imobiliário
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora do Centro Universitário do
Distrito Federal como exigência parcial
para obtenção do grau de especialista em
Direito dos Contratos sob a orientação da
Professora Mestre Liliane dos Santos
Vieira.
Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com
menção_____ (__________________________________________).
Banca Examinadora:
______________________________
Presidente: Prof. Dr.
Instituição a que pertence
______________________________
______________________________
Integrante: Prof. Dr.
Integrante: Prof. Dr.
Instituição a que pertence
Instituição a que pertence
3
Dedico este trabalho à Vera Lúcia de
Oliveira
Noronha,
minha
maior
incentivadora.
4
Agradeço
aos
professores
da
especialização do Centro Universitário do
Distrito Federal, de modo especial à
orientadora, Professora Liliane e ao
Professor Façanha, pelas orientações e
lições imprescindíveis.
5
Podemos dizer que as súmulas são como
que uma sistematização de prejulgados,
ou, numa imagem talvez expressiva, “o
horizonte da jurisprudência”, que se
afasta ou se alarga à medida que se
aprimoram as contribuições da Ciência
Jurídica, os valores da doutrina, sem falar,
é claro, nas mudanças resultantes de
novas
elaborações
do
processo
legislativo.
Miguel Reale
6
RESUMO
As reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, com base em voto
paradigma de autoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, resultaram na Súmula 308
do STJ, que fulmina a eficácia da hipoteca em relação ao promitente comprador de
imóvel financiado por mútuo imobiliário, independentemente de sua constituição
anterior ou posterior ao compromisso de compra e venda firmado entre a construtora
e o adquirente da unidade. O enunciado foi intensamente criticado por credores
hipotecários e operadores do direito. Este trabalho é a análise da situação criada
pelo STJ e a pesquisa foi realizada com o objetivo de confrontar as argumentações
do voto paradigma com as normas do Direito Civil e a doutrina para, ao final,
determinar a pertinência, ou não, do entendimento que fundamentou o julgado. Para
isso, foi necessário estudar a Hipoteca: seu conceito, histórico, princípios, efeitos e
extinção; o Direito Real de Garantia; o Direito do Promitente Comprador de
Imóvel: conceito, natureza jurídica, responsabilidade pelos riscos; o Sistema
Financeiro da Habitação - SFH: seu histórico e seu mecanismo; a Nova Teoria
Contratual: os princípios gerais do Código Civil de 2002, os princípios contratuais do
Código Civil de 2002, a autonomia privada, a relatividade dos efeitos contratuais, a
força obrigatória dos contratos, a boa-fé, a função social do contrato; a teoria das
Redes Contratuais: conceito e aplicação. No trabalho foi utilizado o método
dedutivo quanto à abordagem, no confronto entre dos dispositivos legais e as
argumentações utilizadas no voto paradigma. Quanto ao procedimento adotou-se o
método histórico, no estudo dos vários institutos jurídicos, bem como o comparativo,
apontando-se eventuais diferenças de entendimento entre magistrados e
doutrinadores. O resultado apontou que, no caso concreto julgado no voto
paradigma, houve deturpação na interpretação do mecanismo do SFH, quando o
julgador prioriza a garantia por caução de recebíveis em detrimento da hipoteca e
admite os compromissos de compra e venda particulares firmados entre construtora
e terceiro, sem intervenção do agente financeiro, em nítida afronta às normas do
SFH. Embora coerente o entendimento para os casos em que a hipoteca foi
contratada depois de firmados os compromissos de compra e venda com os
adquirentes, a Súmula 308 do STJ é um equívoco inadmissível quando fulmina
sumariamente a eficácia das hipotecas constituídas antes de firmados os
compromissos de compra e venda dos imóveis a que se referem, muitas das vezes,
com o conhecimento explícito dos adquirentes, sobre a existência prévia de tal
hipoteca.
Palavras-chave: Súmula 308 do STJ. Direito Civil. Hipoteca. Direito Real de
Garantia. Direito do Promitente Comprador de Imóvel. Sistema Financeiro da
Habitação - SFH. Nova Teoria Contratual. Redes Contratuais. Voto paradigma.
Nítida afronta às normas do SFH. Equívoco.
7
ABSTRACT
The repeated decisions of the Superior Tribunal de Justiça, based on paradigm vote
of authorship of the Minister Ruy Rosado de Aguiar, resulted in “Sumula 308”, who
fulminate the effectiveness of the mortgage in relation to the purchaser promising,
buyer of property financed by mutual real estate, regardless of its constitution before,
or after the purchase and sale of compromise reached between the buyer and builder
of the unit. The statement was strongly criticized by mortgage lenders and operators
of the law. This study is to examine the situation created by the STJ and the research
was carried out to confront the arguments of the paradigm vote with the rules of Civil
Code and the doctrine to determine the appropriateness or otherwise of the
understanding that substantiate the trial. For this reason it was necessary to examine
the Mortgage: its concept, history, principles, purposes and extinction, the Real
Guarantee Right, the Rights of the Purchaser Promising to buy real estate:
concept, juridical nature, responsibility for risks; the Habitation Finance System SFH : Its history and its mechanism, the New Contract Theory: the general
principles of the Civil Code of 2002, the contractual principles of the Civil Code of
2002, the private autonomy, the relativity effects of the contract, a binding contract,
the good faith, the social function of the contract, the theory of Contractual
Networks: concept and application. At research we used the method of the
deductive approach in the confrontation between the devices and the legal
arguments used in the paradigm vote. As the procedure adopted is the historical
method, the study of the various legal institutions, as well as the comparison, pointing
up any differences of understanding between judges and doctrine. The result showed
that in the case tried in the paradigm vote, there was misrepresentation in the
interpretation of the mechanism of SFH, when the judge gives priority to security as
collateral-backed at the expense of mortgage and accepts the commitments of sale
signed between private construction and the third buyer, without intervention by the
financial agent, in a clear affront to the standards of SFH. Although coherent for
cases in which the mortgage was hired after the commitments entered into a
purchase and sale of the property, the “Sumula 308” is an unacceptable mistake
when fulminate briefly the effectiveness of mortgages made before the commitments
entered into a purchase and sale of the property, often with the explicit knowledge of
buyers on the prior existence of such a mortgage.
Keywords: Sumula 308. Civil Code. Mortgage. Real Guarantee Right. Rights of the
Purchaser Promising to buy real estate. Habitation Finance System - SFH. New
Contract Theory. Contractual Networks. Paradigm Vote. Clear affront. Mistake.
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
SIGLAS
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
SFH – Sistema Financeiro da Habitação
STJ – Superior Tribunal de Justiça
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ______________________________________________ 10
1 O Crédito e a Garantia ______________________________________ 15
2 Da Hipoteca _______________________________________________ 18
2.1 Conceito ___________________________________________________ 18
2.2 Histórico ___________________________________________________ 19
2.3 Princípios que regem a Hipoteca _______________________________ 22
2.3.1 Princípio da Especialização ________________________________________ 22
2.3.2 Princípio da Publicidade ___________________________________________ 23
2.4 A Hipoteca conforme a causa__________________________________ 24
2.5 Os efeitos da Hipoteca _______________________________________ 25
2.6 Extinção da Hipoteca_________________________________________ 27
3 Do Direito do Promitente Comprador do Imóvel _________________ 30
3.1 Compromisso de compra e venda: um contrato preliminar? ________ 31
3.2 Direito real do promitente comprador: natureza jurídica____________ 33
3.3 Direito real do promitente comprador: responsabilidade pelos riscos 35
4 Sistema Financeiro da Habitação _____________________________ 37
4.1 Histórico ___________________________________________________ 37
4.2 A Mecânica do SFH e o interesse social _________________________ 39
5 A Nova Teoria Contratual ____________________________________ 45
5.1 Princípios Gerais do Código Civil de 2002 _______________________ 47
5.2 Princípios contratuais no Código Civil de 2002 ___________________ 48
5.2.1 Princípio da Autonomia Privada _____________________________________ 48
5.2.2 Princípio da Relatividade dos efeitos Contratuais _______________________ 50
5.2.3 Princípio da Força Obrigatória dos Contratos ___________________________ 52
5.2.4 Princípio da Boa-fé. _______________________________________________ 55
5.2.5 Princípio da Função Social do Contrato _______________________________ 60
5.3 As redes contratuais _________________________________________ 63
6 A controvérsia da Súmula 308 do STJ _________________________ 67
6.1 O cenário que antecedeu à Súmula _____________________________ 67
6.2 As primeiras decisões judiciais ________________________________ 69
6.3 A polêmica estabelecida ______________________________________ 72
6.3 Análise do voto Paradigma ____________________________________ 76
6.4 A questão da Teoria das Redes Contratuais_____________________ 102
CONCLUSÃO ______________________________________________ 105
REFERÊNCIAS _____________________________________________ 108
10
INTRODUÇÃO
Em abril de 2005 uma decisão do Superior Tribunal de Justiça fulminou a
eficácia da hipoteca, ainda que instituída de forma legal e regularmente registrada
no registro imobiliário.
A referida decisão tem âmbito de aplicação limitado aos imóveis que tenham
sido prometidos à venda a terceiros, pelas construtoras ou incorporadoras, por meio
de compromissos de compra e venda, mesmo sem o repasse do valor da venda em
benefício do credor hipotecário.
Tal entendimento se constitui na Súmula 308 daquele tribunal, com o
seguinte enunciado: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro,
anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia
perante os adquirentes do imóvel”1.
Aparentemente a postura do Egrégio Superior Tribunal de Justiça ofende as
normas constantes do Código Civil Brasileiro em relação à propriedade e ao direito
real representado pela hipoteca.
Até hoje vigente, sem nenhuma alteração, a súmula teve origem em voto
paradigma que explorou, em sua argumentação, o fato de ter sido a unidade
habitacional do caso concreto, construída mediante empréstimo com recursos do
SFH (Sistema Financeiro da Habitação).
Os recursos disponibilizados pelo SFH para financiamento da construção da
casa própria são repassados às construtoras e incorporadoras pelas instituições
financeiras e precisam retornar ao fundo de origem, o que é feito na forma de
pagamentos aos bancos e desses aos fundos, pelo resultado das vendas das
unidades construídas. Daí os recursos são novamente repassados e emprestados,
gerando novos empreendimentos de modo a beneficiar outras pessoas, em um ciclo
produtivo. Essa é a dinâmica do SFH.
_____________
1
BRASIL.
Superior
Tribunal
de
Justiça.
Súmula
n.
308.
Disponível
em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUM
U&p=true&t=&l=10&i=31>. Acesso em: 14 jun 2007.
11
Para tanto, ao emprestar às construtoras, os bancos procuram garantir o
retorno de tais recursos, quase sempre de origem pública, com a instituição de
hipoteca do terreno, que alcança, por óbvio, as unidades habitacionais que nele
serão construídas, para posterior venda a terceiros.
Não raro, ao procurarem a instituição financeira para obter financiamento, a
construtora ou incorporadora já há muito iniciou a pré-venda de unidades,
formalizando compromissos de compra e venda com terceiros adquirentes.
Quando isso ocorre, o financiamento é contratado depois de formalizados
os compromissos de compra e venda, o mesmo ocorrendo, por conseqüência, com a
hipoteca que o garante.
O correto nesses casos é a constituição de hipoteca somente sobre as
unidades ainda não negociadas, ou, se o gravame alcança todas, a devedora deverá
entregar à instituição financeira os valores já pagos pelos promitentes compradores
e fazer caução, com entrega dos títulos de créditos (recebíveis), correspondentes
aos valores ainda não pagos pelos adquirentes.
O mais usual, entretanto, é a construtora ou incorporadora procurar obter o
financiamento junto ao banco e constituir a hipoteca antes de começar as vendas
das unidades, cujos resultados, quando realizadas, servirão para pagar o
empréstimo bancário.
Ocorre, então, que algumas construtoras, com necessidade de caixa, ou por
outros motivos, realizam a promessa de venda de tais unidades sem o conhecimento
da instituição financeira credora, quase sempre mediante uso de instrumentos
particulares firmados com terceiros que, mesmo sabendo da existência das
hipotecas, aceitam assumir os riscos decorrentes de tais contratos.
Havendo inadimplemento por parte da construtora ou incorporadora por falta
de pagamento, a instituição financeira procura recuperar os recursos emprestados
utilizando-se da via judicial, promovendo a execução da dívida, que resulta na
penhora dos imóveis hipotecados.
Os promitentes compradores, então, sentindo-se prejudicados, promovem
ações ordinárias contra a construtora e a instituição financeira pleiteando a
12
regularização da transferência da propriedade e a baixa da hipoteca dos imóveis
adquiridos, sob a alegação de que já pagaram o que era devido à construtora,
mesmos nos casos em que tiveram conhecimento prévio da existência da hipoteca.
Julgadas as ações e os recursos decorrentes, a questão alcançou o Superior
Tribunal de Justiça onde, inicialmente, a jurisprudência entendeu que as hipotecas
constituídas antes dos compromissos de compra e venda deviam prevalecer, não
sendo esse o caso daquelas constituídas depois que a construtora já firmara
promessas de compra e venda das unidades gravadas.
Entretanto, em julgamento histórico ocorrido em 18 de fevereiro de 1999 no
Recurso Especial nº 187.940/SP, em que o Relator, Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Júnior que se manifestou pela não eficácia da hipoteca, utilizando-se de
argumentação que se baseou fundamentalmente no princípio da boa-fé objetiva que
“impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se
(sic) para receber seu crédito da sua devedora”, não lhe sendo permitido “assumir a
cômoda posição de negligência na defesa de seus interesses”2. O caso era de
hipoteca constituída antes de firmado o compromisso de compra e venda.
A esse julgado seguiram-se outras quatorze decisões, todas fundamentadas
literalmente na referida argumentação, fazendo surgir a Súmula 308 do STJ que,
aparentemente, contraria os textos legais sobre o assunto, ao proclamar que
independentemente da época em que foi registrada, a hipoteca não prevalece
contra o compromissário comprador, ficando a instituição financeira sem a sua
garantia.
Este trabalho tem o objetivo de analisar os argumentos do julgado
paradigma que, reiterado, resultou na referida súmula, de forma a confrontar a
prática que deseja o STJ, com o que nos apresenta a doutrina jurídica com relação à
_____________
2
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução.
Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador. Embargos de
Terceiro. Recurso Especial nº 187.940/SP (98/0066202-2). Recorrente: Wulf Falim e Cônjuge.
Recorrido: Delfim S/A Crédito Imobiliário. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, DF, 18
Fev.
1999.
Disponível
em:
<
http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199800662022&pv=000000000000
>. Acesso em 21 abr. 2007.
13
hipoteca, ao compromisso de compra e venda, à teoria contratual pós-moderna às
normas do Sistema Financeiro da Habitação.
A escolha do tema decorreu do aparente conflito gerado pela contraposição
do interesse particular de um lado, ao interesse público do outro, bem como da
possível lesão que a aplicação da súmula está provocando em detrimento dos
milenares direitos reais da propriedade e da hipoteca, o que denota a importância e
relevância da pesquisa e do estudo acerca das razões e fundamentos utilizados que
resultaram na súmula, de forte interesse para o mundo jurídico.
Assim, o problema que se buscou pesquisar identifica-se pelo seguinte
questionamento: tendo presentes as normas relacionadas aos Direitos Reais e aos
Contratos, constantes do Código Civil Brasileiro3 e, mesmo sabendo o promissário
comprador da existência de hipoteca sobre a unidade habitacional beneficiando o
agente financeiro, o fato de ter o adquirente realizado o pagamento à construtora,
ainda que sem repasse ao agente financeiro, é justificativa suficiente para que se
considere tal hipoteca ineficaz frente ao promitente comprador, independentemente
se celebrada antes ou depois do compromisso de compra e venda?
Do problema apresentado, foram deduzidas as seguintes hipóteses de
solução:
a) Prevalecem integralmente as argumentações que resultaram na
Súmula 308 e a hipoteca celebrada antes ou depois da promessa de
compra e venda não deve ter eficácia perante terceiros adquirentes
do imóvel;
b) Não prevalecem integralmente as argumentações que resultaram na
Súmula 308 e a hipoteca celebrada antes da promessa de compra e
venda deve ter eficácia perante terceiros adquirentes do imóvel.
Dessa forma, tomou-se como objetivo geral, conhecer detalhadamente a
fundamentação do principal julgado que resultou na publicação da Súmula 308 do
STJ, de forma a confrontá-lo com os institutos legais pertinentes.
_____________
3
BRASIL. Novo código civil: texto comparado: código civil de 2002, código civil de 1916/Sílvio de
Salvo Venosa, organizador. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 313.
14
O trabalho teve como linha de evolução a pesquisa para se aprofundar o
conhecimento sobre o arcabouço legal e doutrinário dos principais institutos
envolvidos na questão, dentre os quais se destacam a hipoteca, o compromisso de
compra e venda, o Sistema Financeiro da Habitação, os princípios contratuais do
Código Civil de 2002 e a teoria das redes contratuais, além da jurisprudência acerca
da questão posta, que pode ser conhecida por acesso ao site do STJ.
Foram
consultados
textos
legais,
artigos
e
doutrina,
listados
em
“Referências”, cabendo registrar que o elenco de obras a toda evidência não esgota
o trabalho de pesquisa figurando, apenas, como referencial consultado pelo autor.
Neste trabalho adotou-se o método dedutivo quanto à abordagem,
pesquisando-se e analisando-se a aparente contradição existente entre os
dispositivos previstos no Código Civil e legislação relacionada ao Sistema Financeiro
da Habitação, frente à argumentação utilizada pelo STJ, que resultou na publicação
da Súmula 308.
Quanto ao método de procedimento, adotou-se o histórico, com o estudo da
evolução de cada um dos institutos jurídicos abrangidos pela pesquisa, bem como
da orientação dominante do STJ.
Ainda quanto ao procedimento, eventualmente utilizou-se o método
comparativo, ao serem comparadas as diferenças de entendimento entre
magistrados e doutrinadores.
O trabalho de pesquisa deste projeto foi realizado mediante pesquisa no
acervo das bibliotecas do Centro Universitário do Distrito Federal - UniDF, do STJ,
do Senado Federal e em obras da biblioteca do autor. Além disso, foram realizadas
buscas
em
textos
disponíveis
na
internet,
notadamente
jurisprudência.
15
1 O CRÉDITO E A GARANTIA
Em uma sociedade como a brasileira, onde a orientação econômica é
nitidamente capitalista, o crédito tem papel fundamental no fomento dos negócios,
na geração de emprego e renda, no decorrente crescimento da produção e da
riqueza.
Aliás, foi com esse perfil que, na evolução social, o crédito surgiu “como
elemento novo a facilitar a vida dos indivíduos e, conseqüentemente, o progresso
dos povos”4, transformando-se em alavanca do desenvolvimento.
Para tanto, a tranqüila existência do crédito exigiu que se disponibilizasse,
aos proprietários do capital, a segurança mínima de que a sua cessão, embora
contratual, não se transformaria apenas na mudança de lugar da moeda, mas em
troca capaz de assegurar a construção do progresso, de interesse coletivo, e o seu
retorno devidamente remunerado. A cessão de crédito sem o correspondente
retorno remunerado resultaria no empobrecimento indevido do credor, em
contrapartida ao enriquecimento ilícito do devedor.
Da mesma forma, se existem vários credores de um determinado devedor e
se, porventura, é insuficiente o patrimônio desse devedor para o pagamento das
dívidas, tais credores poderiam se ver na situação de receber apenas um percentual
de seu crédito originário5, o que também não é do interesse social e coletivo.
Resultou daí, portanto, a necessidade de se efetivar a proteção do negócio
contra os riscos, por meio da garantia, funcionando como blindagem contra a
imprevisão e os contratempos, garantindo o fluxo do capital e a sua futura
reutilização por outros interessados.
A garantia que se oferece nos negócios pode ser pessoal, ou real, e sempre
é voluntária e eventual. Além disso, tem caráter acessório por estar vinculada, por
subordinação, a uma outra obrigação, a principal, cujo cumprimento garante.
_____________
4
MARTINS, Fran. Títulos de Crédito – Letra de Câmbio e Nota Promissória. 13. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, v. 1, p. 3.
5
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 333.
16
Na garantia pessoal, também denominada fidejussória, além do vínculo
natural do negócio em si, constrói-se uma relação jurídica obrigacional entre o credor
e uma outra pessoa, o garantidor, que se obriga a dar, a fazer ou a não fazer.
Já no caso da garantia real, o cumprimento da obrigação é protegido pela
“constituição, em favor do credor, do direito real sobre coisa do devedor” 6, ou de
terceiro.
Assim, existindo uma dívida, o direito que possui o credor de poder utilizarse do valor de um determinado bem pertencente ao devedor ou a terceiro que o deu
em garantia, ou de utilizar-se da renda propiciada por esse bem, sempre com a
finalidade de satisfazer seu crédito, é denominado direito real de garantia7.
A expressão direito real decorre da correspondente latina ius in re, ou seja,
direito exercido diretamente sobre a coisa, sobre um objeto quase sempre corpóreo.
O direito real se caracteriza pela aderência do direito à coisa, que prevalece frente a
todos (erga omnes) e, dado o seu caráter absoluto, outorga, ao seu titular, o direito
de seqüela, ou seja, autoriza-o a buscar a coisa onde quer que ela esteja, seja em
poder de quem estiver8.
À propósito, assim se manifesta Orlando Gomes:
Os atributos de seqüela e preferência atestam sua natureza substantiva e
real.
O vínculo não se descola da coisa cujo valor está afetado ao pagamento da
dívida. Se o devedor a transmite a outrem, continua onerada, transferindose, com ela, o gravame. Acompanha, segue a coisa, subsistindo, íntegro e
9
ileso, seja qual for a modificação que sofra a titularidade do direito.
Os direitos reais, dentre os quais os de garantia, constam do artigo 1.225 do
Código Civil Brasileiro, a saber: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto,
_____________
6
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1. p. 348.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 335.
8
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p.
5-6.
9
GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de
2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 378.
7
17
o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a
hipoteca e a anticrese10.
Interessam-nos particularmente, neste estudo, a hipoteca e o direito do
promitente comprador do imóvel.
_____________
10
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 259.
18
2 DA HIPOTECA
Existem teorias divergentes sobre a origem da Hipoteca. Alguns autores
reputam-na originária do direito grego, tendo como fundamento para a defesa de tal
posicionamento, a própria etimologia da palavra hypotheca. O instituto já existiria na
Grécia de longa data, antes de ser adotado pelo direito romano.
Outros autores dão como origem da hipoteca o próprio direito romano, a
partir da prática de se oferecer imóveis em garantia de créditos do Estado, com
direito ao beneficiário de realizar a venda, caso a dívida não fosse saldada. Eram os
praedia subdita uel subsignata. A teoria que dá como origem da hipoteca, o
arrendamento de imóveis rurais, entretanto, é a mais seguida.11
Na seqüência, apresenta-se um breve estudo acerca da hipoteca.
2.1 Conceito
Como visto, havendo uma obrigação e, em o devedor disponibilizando para
o credor um bem de sua propriedade para garantir a dívida, constitui-se para esse
credor um direito real, porque vinculado à coisa. Nesse caso, está-se diante de um
direito real de garantia.
Hipoteca tem natureza jurídica, portanto, de direito real sobre coisa alheia,
conferindo, ao credor, preferência frente a terceiros. Além disso, a hipoteca é
acessória a uma obrigação, somente existindo enquanto essa perdura.
Ao mesmo tempo, tem força suficiente para tornar o direito de propriedade
enfraquecido, uma vez que havendo hipoteca, o bem é onerado em sua totalidade e
passa a ter restrições por estar vinculado à liquidação da dívida que garante.
Sob o ponto de vista técnico, a hipoteca se destina a gravar um bem imóvel,
mas a lei admite sua incidência sobre navios e aviões.
_____________
11
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1. p. 352.
19
Tem-se, portanto, que hipoteca é real e indivisível, que o credor possui sobre
a totalidade da substância de um imóvel, navio, ou avião, embora esses bens
permaneçam na posse do proprietário, perdurando o direito, enquanto perdurar a
obrigação a qual se vincula e assegurando preferencialmente, ao credor, o
cumprimento da obrigação12.
O que se busca com a hipoteca é o direito do credor de alcançar o bem
gravado em poder de quem quer que esteja, e não a sua propriedade. Pode, assim,
“promover sua venda judicial, para se pagar, com preferência sobre outros
credores”.13
Importante registrar que é possível a hipoteca de imóveis em construção,
como é o caso das edificações de empreendimentos imobiliários com finalidade
residencial, mais especificamente a construção de apartamentos, atividade onde até
a edição da Súmula 308 do STJ, foi largamente utilizada a hipoteca, medida tida
como facilitadora do financiamento para aquisição da casa própria.14
A hipoteca está prevista no Capítulo III, do Título X, do Livro III, Do Direito
das Coisas do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 jan. 2002)15.
2.2 Histórico
Das teorias sobre o surgimento da hipoteca, já citadas no preâmbulo deste
capítulo, a mais aceita é aquela que diz ter o instituto surgido no direito romano a
partir do arrendamento de imóveis rurais.
Nos primórdios, o direito romano somente conhecia como direito real a
propriedade e as servidões, o que se apresentava como um complicador quando
_____________
12
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 389.
13
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de
2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 412.
14
IDEM, p. 415.
15
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 281.
20
havia a necessidade de se oferecer uma garantia, que só se viabilizava pela
transferência da propriedade do garantidor ao credor. Isto se dava por meio da
mancipatio ou da in jure cessio, formas pelas quais o devedor (ou o garantidor)
realizava a venda do bem ao credor que, em troca do empréstimo e paralelamente a
um pacto de fidúcia (fidúcia cum creditore), se comprometia a retornar a propriedade
ao antigo dono, quando do pagamento.16
Tal forma de garantia era benéfica para o credor, mas onerosa em extremo
para o devedor, embora, às vezes, lhe fosse permitido manter o bem a título de
arrendamento, ou precário. Assim, cedido o bem ao credor, ficava impossibilitado de
obter novos empréstimos com suporte em tal lastro, bem como de usufruir da
produção que o bem acaso proporcionasse.
Além disso, ocorria de ser, o valor do empréstimo, muito inferior ao valor do
bem, causando desequilíbrio e risco. É que o credor poderia vir a vender a
propriedade, restando ao devedor e antigo dono, a única alternativa de manejar
contra o credor a ação fiduciária.17
Posteriormente, ante a necessidade de alugar terras para suas atividades,
os arrendatários rurais passaram a contar com o penhor, ou pinnus datum, por meio
do qual era cedida, ao credor, a posse dos bens garantidores, sem a transmissão da
propriedade. Ora, ainda assim, seus utensílios, gado, escravos, os denominados
inuecta et illata seriam repassados aos donos das terras, deixando os arrendatários
sem os meios aptos à exploração do terreno arrendado, inviabilizando a atividade e
o cumprimento da obrigação.
A partir dessa necessidade é que começou a ser admitido o penhor sem a
correspondente cessão da posse, denominado pinnus obligatum, que veio a
aperfeiçoar-se, no direito de Justiniano, como hypotheca.18
_____________
16
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 390.
17
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5.
p. 528.
18
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1. p. 352353.
21
Essa forma de garantia foi sendo aperfeiçoada ao longo do tempo, a
começar pelo uso de se incluir, nos contratos de hipoteca e penhor, reforços de
proteção ao credor, como o foi a lex comissoria, pela qual ficava garantido ao credor
tornar-se proprietário do bem, caso não se efetivasse o pagamento da obrigação
conforme contratado. Essa possibilidade, por ser excessivamente lesiva ao devedor,
depois de utilizada durante todo o período clássico romano, foi proibida por
Constantino em 326.
Posteriormente, pelo pactum de distrahendo, passou-se a permitir ao
devedor, ficar com os valores resultantes da venda do bem, feita pelo credor, que
superassem o valor da dívida paga, aprimorando-se o instituto e consagrando-se,
sob Justiniano, “como essência da hipoteca tal direito de alienação por parte do
credor em caso de inadimplemento”19 Esse desenho da hipoteca permanece até os
dias de hoje nos diversos direitos onde essa espécie de garantia é adotada.
No Brasil, a hipoteca surge a partir das Ordenações, onde no Livro IV, Título
3º, apresenta-se como “direito de credor de dívida garantida por uma coisa, de
reivindicá-la do comprador posterior ou exigir dele o pagamento da dívida” conforme
Silvio Rodrigues transcreve, em nota de rodapé:
Se o devedor, que obrigou alguma coisa ao seu credor, a vender a outrem,
ou a alhear por qualquer outra maneira e a passar a seu poder, passará a
coisa com seu encargo da obrigação, e poderá o credor demandar o
possuidor dela, que ou lhe pague a dívida, porque lhe foi obrigado, ou lhe
20
dê e entregue a dita coisa, por haver por ela pagamento de sua dívida.
A Lei nº 317 de 1843 substituiu o texto das Ordenações, permitindo as
hipotecas gerais, sem incorporar ao texto legal os fundamentais princípios da
especialização e da publicidade. Essa lacuna foi suprida com outra modificação do
instituto, estabelecida pela Lei nº 1.237 de 1864, quando se introduziram importantes
fundamentos, tais como:
a) adotou-se a regra de perfeita identificação do bem a ser hipotecado
(Princípio da Especialização);
_____________
19
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5.
p. 528.
20
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 392.
22
b) criação do registro geral das hipotecas, adotando-se regras para sua
inscrição (Princípio da Inscrição);
c) instituiu-se a prevalência da hipoteca sobre eventuais outros créditos,
obedecendo-se à ordem de inscrição como prioridade em caso de
mais de um gravame hipotecário (Princípio da Prioridade).
Com base nas legislações anteriores o instituto foi contemplando no Código
Civil de 1916 como direito real e tendo por principal fundamentação a publicidade e
a especialidade. Dessa forma se manteve no código atualmente em vigor, Lei nº
10.406, de 10 jan. 2002.
2.3 Princípios que regem a Hipoteca
Aplicam-se à hipoteca as disposições gerais que regem os direitos reais de
garantia, apresentadas nos artigos 1.419 a 1.430 do Código Civil, além das normas
específicas, constantes dos artigos 1.467 a 1505, do mesmo código.
A exemplo dos demais direitos reais de garantia, a hipoteca é indivisível e
não existe por si só, não sendo admitida a hipoteca abstrata em nosso direito. São
dois os fundamentais princípios que suportam e complementam o direito hipotecário,
a saber: o Princípio da Especialização e o Princípio da Publicidade.
2.3.1 Princípio da Especialização
Com base em tal princípio, tem-se que o bem ofertado em garantia deverá
estar perfeitamente identificado e delimitado, não havendo dúvidas quanto ao teor,
quantidade, extensão e localização.
23
De igual modo, deverá estar perfeitamente clara a obrigação existente, por
meio da qual se vincula o bem acessoriamente dado em garantia, explicitando-se os
valores devidos, os prazos, taxas de juros, formas de pagamento.21
É a explicitação do negócio jurídico a que se vincula a hipoteca, funcionando
como garantia para os terceiros. E é justamente para proteger terceiros a previsão
legal de que, em não havendo a perfeita individualização do bem, a hipoteca é
ineficaz.22
Assim, não há no direito brasileiro a figura da hipoteca geral e ilimitada.
2.3.2 Princípio da Publicidade
Consiste esse princípio na exigência do registro da hipoteca no Registro
Imobiliário23. É esse ato que torna o ônus da hipoteca de conhecimento público,
sendo “o próprio elemento constitutivo do direito real”24, que confere ao credor o
direito erga omnes. “Como direito real, confere ao credor direito de seqüela,
permanecendo a garantia, ainda que alienado o bem”.25 Sem o registro a hipoteca
pode até ser eficaz entre as partes contratuais, mas não o é frente a terceiros.26
Decorre do registro e, portanto, da publicidade, o princípio da prioridade,
segundo o qual e em consonância com a lei, tem preferência o registro mais antigo,
de forma a proteger terceiros que pretendem adquirir o imóvel.
_____________
21
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 395.
22
GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de
2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 413.
23
IDEM, p. 413.
24
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 396.
25
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5.
p. 531.
26
IDEM, p. 530.
24
A forma de se promover o registro da hipoteca é regulada pela Lei dos
Registros Públicos, Lei nº 6.015/7327, podendo ser feita a qualquer tempo. O ato
registral é praticado no cartório imobiliário que jurisdiciona a área onde se localiza o
imóvel hipotecado, sendo averbado junto à matrícula, que é o número de ordem
identificador do referido imóvel.
2.4 A Hipoteca conforme a causa
Conforme a causa que lhe determina a existência, a doutrina aponta três
modalidades de hipoteca:
a) Legal: não decorre de um título. É um benefício concedido por força de
lei a certas pessoas, em determinadas circunstâncias, com finalidade
protetora e preventiva. Embora não seja usual em nossos costumes,
o artigo 1.489 do atual Código Civil enumera as situações em que
ocorre, ficando por conta do Código de Processo Civil, artigos 1.205 a
1.21028, disciplinar o procedimento de sua constituição.
b) Judicial: Decorre de uma sentença judicial e, no entendimento de
Sílvio Venosa, tratava-se, sem dúvida, de modalidade de hipoteca
legal, tendo por objetivo garantir a execução das decisões judiciais.29
Embora não conste da codificação atual, sua regra fundamental,
ainda segundo esse autor, estava presente no artigo 824 do Código
Civil de 1916 nos seguintes termos:
Compete ao exeqüente o direito de prosseguir na execução da sentença
contra os adquirentes dos bens do condenado; mas para ser oposto a
_____________
27
BRASIL. Lei Nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da
Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos
Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1251.
28
IDEM. Código de Processo Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com
a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 484-485.
29
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5.
p. 543.
25
terceiros, conforme valer, e sem importar preferência, depende de inscrição
30
e especialização.
c) Convencional: decorre de um contrato, nasce da manifestação livre de
vontades das partes contratuais, não existindo, no direito brasileiro, a
figura da hipoteca por ato unilateral de vontade. É a modalidade mais
utilizada e considerada pela doutrina a mais importante do ponto de
vista econômico e técnico31.
2.5 Os efeitos da Hipoteca
Com o registro da hipoteca no cartório imobiliário, o credor passa
efetivamente a ter o direito real pelo qual o bem garantidor se vincula ao
cumprimento da obrigação.
Por outro lado, o proprietário do bem hipotecado, seja o próprio devedor, ou
terceiro garantidor, passa a ter uma restrição ao seu direito de propriedade,
representado pelo ônus que garante o pagamento da obrigação, embora
preservando a posse, o direito de uso e gozo, bem como a possibilidade de vendêlo. Entretanto, não poderá tomar atitudes que possam provocar a degradação da
garantia.
Produz efeitos, ainda, frente a terceiros, em razão da característica que
possui o direito real de garantia, de ser oponível erga omnes. Assim, não há como o
adquirente de imóvel hipotecado impedir execução do bem, ainda que sob a
alegação de desconhecimento da existência da hipoteca. Nesse sentido, temos:
Aliás, presume-se negligente o comprador que não se certificou antes da
aquisição, do ônus real incidente sobre o objeto do negócio; tanto mais que
o mesmo figurava no Registro de Imóveis, onde é obrigatoriamente
32
registrado.
_____________
30
BRASIL. Novo Código Civil: texto comprado: código civil de 2002, código civil de 1916. Silvio de
Salvo Venosa, organizador. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 723.
31
Nesse sentido: GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o
Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 417.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p.
538.
32
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 399.
26
Há entendimento doutrinário de que, na verdade, enquanto não se promove
a execução da hipoteca, o direito do credor hipotecário é apenas latente e que se o
devedor paga a dívida antes do vencimento, “a garantia não se concretiza, embora
tenha cumprido sua função”33.
Entendemos que não. O estado de garantia se concretiza com a inscrição do
registro da hipoteca, concretizando-se, assim, o direito real do credor. O que
permanece latente é apenas a possibilidade, ou não, de ser necessária execução
judicial, caso ocorra inadimplemento. Latente, portanto, é o direito de execução, e
não o direito de garantia.
O prazo da hipoteca convencional é aquele estipulado no contrato a que
essa garantia real se vincula, podendo ser prorrogado por simples aditivo e a
correspondente averbação ao registro, sempre em comum acordo entre as partes.
Observe-se que a prorrogação só é possível enquanto ainda não se venceu o título
a que se vincula a hipoteca. Se ocorrer o vencimento, o acordo entre as partes e a
reconstituição da hipoteca somente será possível mediante novo título e nova
inscrição.
O artigo 1.485 do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 10.931 de 2
de agosto de 2004, determina que o contrato de hipoteca somente poderá subsistir
por mais de 30 anos, em havendo novo título e novo registro. Interessante notar que
o prazo máximo para a validade da especialização (conjunto de características que
perfeitamente identificam o imóvel hipotecado e a correspondente obrigação) é de
apenas 20 anos, conforme redação do artigo 1.498 do citado código. 34 Completado
este prazo, a especialização deverá ser renovada também mediante averbação ao
registro.
_____________
33
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de
2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 425.
34
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 282-283.
27
2.6 Extinção da Hipoteca
São dois os caminhos para a extinção da hipoteca: o primeiro é pela
extinção da obrigação a qual se vincula a garantia hipotecária e o segundo é pela
extinção da própria hipoteca, por uma causa que independe do desaparecimento da
obrigação.
No primeiro caso, ocorre a extinção por via de conseqüência. Por ser direito
acessório, a hipoteca se extingue ao ser liquidada a obrigação (direito principal do
credor). Já no segundo caso, ocorre a extinção por via principal.
A extinção da hipoteca está contemplada no artigo 1.499 do Código Civil 35 e,
além de se dar pela extinção da obrigação principal, pode ocorrer pelas seguintes
causas:
a) pelo perecimento da coisa: se a coisa for destruída parcialmente, a
hipoteca permanece sobre o remanescente do bem. Entretanto, se
ocorrer destruição do bem, ou do imóvel, a hipoteca desaparece.
Interessante registrar que, ocorrendo eventual cobertura de valor em
razão de indenização, ”o ônus sub-roga-se no preço”36.
b) pela resolução da propriedade: significa dizer que resolvido o domínio
do imóvel pelo cumprimento de condição ou transcurso de prazo
acordados, resolve-se também a hipoteca concedida por pendência
de tal condição37.
c) pela renúncia do credor: pode ser por renúncia da dívida, caso em que
a hipoteca se extingue por conseqüência, ou por renúncia expressa
da hipoteca, caso em que a dívida permanece, passando o crédito à
condição de quirografário, ou seja, destituído de qualquer preferência
ou privilégio.
_____________
35
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 283.
36
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5.
p. 554.
37
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 414.
28
d) pela remição: já foi tratado anteriormente; é o pagamento, ao credor,
de valor pela liberação da hipoteca, que pode dar-se tanto pelo
devedor, como por terceiro interessado, e não representa a liquidação
total da obrigação.
e) pela arrematação ou adjudicação: é o resultado final da execução
hipotecária promovida pelo credor. Por meio da arrematação, ou
adjudicação, o credor recebe o valor do bem hipotecado, fazendo
cumprir a finalidade da garantia real. De acordo com o artigo 1.501 do
Código Civil, entretanto, a hipoteca não se extinguirá nesses casos,
“(...) sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos
credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na
execução”38.
São também causas extintivas da hipoteca:
a) a sentença judicial, porque qualquer interessado pode se socorrer da
Justiça para fazer valer o seu direito;
b) a prescrição da obrigação que, extinguindo a dívida, extingue a
hipoteca por conseqüência;
c) a perempção, que é o decurso do prazo de validade da hipoteca, de
20 anos, sem que seja promovida nova especialização, que se dá
mediante averbação no registro da hipoteca.
Interessante notar que depois da edição da Lei nº 10.931/2004, que alterou
o artigo 1.485 do Código Civil, passando de 20 para 30 anos o prazo para
prorrogação dos efeitos da hipoteca, passou a existir aparente conflito em relação ao
prazo de 20 anos para a validade da hipoteca, sem que se faça nova especialização.
Assim, mesmo existindo a previsão de 30 anos, se não houver a renovação antes de
_____________
38
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 283.
29
decorridos 20 anos, poderá desaparecer a hipoteca, razão que leva a aconselhar a
atitude conservadora de observância ao artigo 1.498 do referido código.39
Resta dizer que, embora ocorrendo as causas extintivas da hipoteca, na
realidade a efetividade de sua extinção somente se dará com o correspondente
registro do fato no registro imobiliário, de forma a fazer efeito frente a terceiros.
_____________
39
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 283.
30
3 DO DIREITO DO PROMITENTE COMPRADOR DO IMÓVEL
Até o ingresso do Decreto-lei nº 58/1937 na legislação brasileira40, o instituto
da promessa de compra e venda de imóveis conferia apenas direitos obrigacionais,
que podiam ser modificados a qualquer tempo pelas partes.
A novidade introduzida no direito pátrio pelo citado decreto, destinado a
regular a venda de terrenos loteados, foi a condição de ser a promessa de compra e
venda irretratável, constituindo-se em direito real do compromissário comprador que
vier a registrar o contrato, bem como a possibilidade de adjudicação compulsória do
imóvel, em se provando o integral pagamento do preço.
Legislação posterior tratou de ampliar o alcance do instituto, largamente
utilizado no Brasil no campo das transações imobiliárias. Atualmente o assunto está
contemplado no Título IX do Livro III do Código Civil sob a denominação “Do direito
do promitente comprador”41
A exigência de registro do contrato no cartório imobiliário, constante do texto
legal, tem o objetivo de conferir direito real oponível a terceiros.
Posicionamento já consolidado do STJ desconsidera tal exigência em
algumas situações, como é o caso da Súmula 239 de 30.8.2000: “O direito à
adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e
venda no cartório imobiliário”. Do mesmo modo, o teor da Súmula nº 84 de 2.7.1993:
“É admissível a oposição de Embargos de Terceiro fundados em alegação de posse
advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do
registro”.42
_____________
40
BRASIL. Decreto-lei nº 58, de 10.12.1937. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora
Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e
Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, no cd-rom que acompanha a edição.
41
IDEM. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 275.
42
IDEM. Superior Tribunal de Justiça. Consultas. Jurisprudência. Súmulas. Disponível em: <
http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp>. Acesso em 20 mar. 2008.
31
3.1 Compromisso de compra e venda: um contrato preliminar?
O aparato legal sobre os contratos encontra-se previsto no Título V do Livro I
da Parte Geral do Código Civil43.
Muitos doutrinadores abordam o compromisso de compra e venda como
contrato preliminar. A título de exemplo temos Luiz Guilherme Loureiro: “O
compromisso de compra e venda é um contrato preliminar, pelo qual, as partes
(promitente comprador e promitente vendedor) se vinculam à realização futura de
uma compra e venda”44.
No mesmo sentido encontramos Sílvio Rodrigues, para quem “a promessa
bilateral de compra e venda, contrato preliminar que é, tem por finalidade, como todo
contrato preliminar, um contrato definitivo”.45
Esse é o entendimento ainda adotado pelo STJ nos julgados que se referem
aos compromissos de compra e venda, como se exemplifica pelo teor do Agravo
Regimental do Agravo de Instrumento nº 448.245 – DF (2002/0050066-8), sendo
relator o Ministro Luiz Fux.46
Orlando Gomes entende de forma diversa47:
O compromisso de venda não é verdadeiramente um contrato preliminar.
Não é por diversas razões que contemplam a originalidade de seu escopo,
principalmente a natureza do direito que confere ao compromissário. Tem
ele, realmente, o singular direito de se tornar proprietário do bem que lhe foi
prometido irretratavelmente à venda, sem que seja inevitável nova
declaração de vontade do compromitente. Bastará pedir ao juiz a
adjudicação compulsória, tendo completado o pagamento do preço. Assim
_____________
43
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200.
44
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método,
2004, p. 387.
45
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 315.
46
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. CONTRATO DE
PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESILIÇÃO CONTRATUAL. NÃO-INCIDÊNCIA. Agravo
Regimental no Agravo de Instrumento nº 448.245 – DF. Agravante: Distrito Federal. Agravado: EJB –
Centros Comerciais S.A. e outros. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, DF, 21 nov. 2002. Disponível
em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=%22contrato+definitivo%22&&b=ACO
R&p=true&t=&l=10&i=4>. Acesso em 20 de mar. 2008.
47
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de
2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 361.
32
sendo, está excluída a possibilidade de ser o compromisso de venda um
contrato preliminar, porque só é possível adjudicação compulsória nas
obrigações de dar e, como todos sabem, o contrato preliminar ou promessa
de contratar gera uma obrigação de fazer, a de celebrar o contrato definitivo.
Esse também é o entendimento de José Osório de Azevedo Júnior, segundo
o qual a verdadeira transmissão do imóvel se dá no contrato de compromisso,
ficando pendente apenas a formalidade de transmissão da propriedade, que a lei
exige se dar mediante escritura pública e registro imobiliário. Assim:
Uma vez quitado o compromisso, os poderes elementares do domínio estão
– em substância – inteiramente consolidados no direito do compromissário
comprador, nada mais restando ao compromitente vendedor do que a
48
obrigação (inexorável) de assinar uma escritura.
Como se observa, o compromisso de compra e venda se transforma, na
prática, em espécie de compra e venda. Se as partes acordassem apenas o desejo
de vir a contratar a compra e venda, teríamos a promessa, enquanto contrato
preliminar.
Ocorre que do compromisso resultam as seguintes obrigações: por parte do
vendedor, de dar o bem e de outorgar a escritura; por parte do adquirente, de pagar
pela aquisição do bem.
Em se efetivando o pagamento, fica pendente apenas a obrigação de fazer
do vendedor, que é assinar a escritura definitiva de venda. A aquisição do bem já se
processou e em relação ao compromissário, a própria lei lhe atribui o direito real
sobre o bem adquirido. É como esclarece José Osório de Azevedo Jr.:
Depois de receber o preço o promitente vendedor desliga-se do negócio,
pois já transmitiu ao compromissário todo o conteúdo do direito de
propriedade. Restou apenas a obrigação de cumprir o rito de assinar uma
escritura, que muitas vezes é sonegada para evitar despesas
supervenientes (alvarás, impostos etc) e outras vezes para simplesmente
criar condições propícias ao desfazimento de um negócio já cumprido pelas
49
partes e inteiramente consolidado no tempo.
A toda evidência que o objeto de contratação das partes se resume em
obrigação de fazer (o vendedor outorgar a escritura definitiva) e obrigação de dar (o
vendedor dar o bem e o adquirente dar o pagamento), demonstrando sua única
_____________
48
AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. ver. ampl. e atual. de
acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 19.
33
manifestação de vontade, de forma autônoma. “O compromisso de compra e venda
é um contrato, portanto, perfeito e acabado. Não é contrato preliminar típico” 50. O
autor deste trabalho abraça esse entendimento.
3.2 Direito real do promitente comprador: natureza jurídica
Uma vez que a própria lei consagra o direito do promitente comprador como
direito real, a partir da inscrição do compromisso, qual seria a sua natureza jurídica?
Evidente que não é o direito de propriedade, que na legislação pátria
somente se adquire com a inscrição do título definitivo (em regra escritura pública)
no registro imobiliário. Assim, o vendedor continua sendo o proprietário e o
compromissário não desfruta de direito real sobre coisa própria, já que ainda não é o
dono. Assim, o seu direito é aderente à coisa alheia.51
Tal direito não pode ser considerado, também, direito real de garantia, que
tem finalidade diversa. Tais direitos se destinam a assegurar o cumprimento de uma
obrigação; não é o caso. Do mesmo modo, está longe de ser identificado como
enfiteuse ou usufruto.52
Segundo Orlando Gomes, trata-se de um direito real sui generis53.
A lei diz que é direito real à aquisição do imóvel tratado no compromisso, a
partir do registro no cartório de imóveis. Isto significa dizer que aquele imóvel está
definitivamente vinculado ao compromissário a partir da inscrição do compromisso
em cartório, sendo um direito especialmente constituído frente ao promitente
vendedor que, por conseqüência, tem o seu direito restringido.
_____________
49
AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. ver. ampl. e atual. de
acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 82.
50
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5.
p. 475.
51
Nesse sentido: RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de
acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p.
314.
52
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de
2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 366.
53
IDEM.
34
No entanto, dado o caráter de publicidade do registro, o direito do
compromissário tem eficácia de direito real e, portanto, oponível erga omnes, em
toda e qualquer situação posterior que possa, de alguma forma, ameaçar a
cristalização da sua pretensão de se efetivar na propriedade do bem. Esse é o
comando do artigo 5º do Decreto-lei nº 58/37:
A averbação atribui ao compromissário direito real oponível a terceiro
quanto à alienação ou oneração posterior, e far-se-á à vista do instrumento
de compromisso de venda, em que o oficial lançará a nota indicativa do
54
livro, página e data do assentamento.
Nesse sentido, Orlando Gomes:
Uma vez registrada, o promitente vendedor não pode alienar o bem nem
impedir ou dificultar o cumprimento da pretensão do promitente comprador a
55
se tornar seu legítimo proprietário.
Entende o mesmo autor que a classificação do direito do promitente
comprador como direito real seria
um equívoco do legislador resultante da confusão entre a natureza e a
eficácia de pretensão à criação de um direito sobre um imóvel. O direito do
promitente comprador não é substancialmente um direito absoluto como
todo direito real, visto que se dirige, ao ser constituído, contra a pessoa do
56
compromitente ou promitente vendedor (grifos conforme o original).
Como resultado prático dessa situação, tem-se que o compromissário
comprador é o beneficiário no caso de eventual desapropriação; pode requerer
divisão da coisa comum; tem assegurado o direito de reivindicação e lhe cabem as
acessões e benfeitorias, mas os riscos correm por sua conta57.
_____________
54
BRASIL. Decreto-lei nº 58, de 10.12.1937. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora
Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e
Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, no cd-rom que acompanha a edição.
55
GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de
2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 366-367.
56
IDEM.
57
IDEM.
35
3.3 Direito real do promitente comprador: responsabilidade pelos
riscos
Problema que sempre se levanta quando se trata da existência de um
compromisso de compra e venda de imóveis, é a questão da responsabilidade pelos
riscos decorrentes do negócio e do bem transacionado.
Para determinar de quem é o risco sobre o bem negociado, normalmente
aplica-se o princípio segundo o qual, res perit domino58. Assim, no caso de bens
móveis o risco se transfere com a tradição (entrega) da coisa.
Já no caso de bens imóveis, é sabido que a transferência do domínio ocorre
no exato momento do registro da propriedade no cartório imobiliário. Assim,
aplicando-se o referido princípio, não haveria risco para o promitente comprador
enquanto não registrada a escritura definitiva no registro de imóveis. Mas não é isso
o que ocorre.
O artigo 492 do código civil esclarece que “até o momento da tradição, os
riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do
comprador”.59 Aqui, em se tratando de imóvel, o termo tradição deve ser encarado
em seu sentido literal de entrega do bem, porque óbvio se tratar o artigo de toda
espécie de compra e venda de bens, eis que incluído no título “Das Várias Espécies
de Contrato”. Como observa José Osório de Azevedo Jr:
O que deve vigorar para os imóveis é o disposto nesse mesmo art. 492 do
CC/2002, entendendo-se a tradição em seu sentido próprio de entrega da
posse material da coisa, e não como elemento causador da transferência da
propriedade, já que, nesse sentido, jamais poderia ser aplicado aos
60
imóveis.
Em se tratando, pois, de compromisso de compra e venda, está feito o
negócio e o promitente comprador, ao tomar posse do imóvel, como se dono fosse,
assume todos os riscos e vantagens decorrentes, como se o domínio tivesse, a
_____________
58
O risco é de quem tem o domínio da coisa (tradução livre).
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 204.
60
AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. ver. ampl. e atual. de
acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 89.
59
36
não ser no caso de existência de disposição em contrário, constante do próprio
contrato.
Analisados os institutos da hipoteca e do compromisso de compra e venda,
necessário se faz, ao escopo do trabalho que se propõe, conhecer os principais
pontos relacionados ao Sistema Financeiro da Habitação.
37
4 SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO
O Sistema Financeiro da Habitação, ou SFH, como é comumente conhecido,
foi criado pela Lei nº 4.380 de 21 de agosto de 1964, com o objetivo de dar solução
para o grave problema habitacional que afligia o País.
Referida lei criou o Banco Nacional da Habitação – BNH e o Sistema
Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE, para viabilizar a atuação conjunta do
Estado, dos agentes financeiros e da sociedade, de forma a facilitar o acesso à casa
própria.
4.1 Histórico
O problema habitacional urbano no Brasil foi primeiramente observado
durante o segundo Império (1840/1889). A situação agravou-se com a abolição da
escravatura, medida que fez despejar nas ruas das cidades, enorme contingente de
pessoas totalmente desamparadas, desprovidas de quaisquer meios materiais. As
obras de urbanização do centro do Rio de Janeiro afastam os núcleos familiares
mais pobres para a periferia, fazendo proliferar os primeiros cortiços e favelas.61
Entretanto, foi no decorrer do Estado Novo de Getúlio Vargas que o Estado
passou a agir de forma mais marcante na área da habitação, com adoção de
medidas de âmbito federal, por intermédio dos institutos de previdência e da
Prefeitura do então Distrito Federal (Rio de Janeiro), que reorientaram a estratégia
de atuação. Os recursos dos institutos para construção de conjuntos habitacionais
de grande porte e a atuação da prefeitura para medidas de erradicação de favelas. 62
_____________
61
PASTERNAK TASCHNER, Suzana - Política Habitacional no Brasil: Retrospectiva e Perspectivas.
In: Cadernos de Pesquisa do LAP 21. Revista de Estudos sobre Urbanismo, Arquitetura e
Preservação. São Paulo: FAUUSP, set-out. 1997.
62
ARAGÃO, José Maria. Sistema financeiro da habitação: uma análise sócio-jurídica da gênese,
desenvolvimento e crise do sistema. Curitiba: Editora Juruá, 1999, p. 19.
38
Apesar disso, o problema agravou-se dia a dia, principalmente com o
fenômeno da migração de parcela da população, da zona rural para a zona urbana,
culminando com a instituição, mediante a Lei 4.380, de 21.8.1964, do Sistema
Financeiro da Habitação – SFH. Segundo o artigo 8º da referida lei:
O Sistema Financeiro da Habitação, destinado a facilitar e promover a
construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas
classes de menor renda da população, será integrado:
I – Pelo Banco Nacional da Habitação;
II – pelos órgãos federais, estaduais e municipais, inclusive sociedades de
economia mista em que haja participação majoritária do Poder Público, que
operem, de acordo como disposto nesta Lei, no financiamento de
habitações e obras conexas;
III – pelas sociedades de crédito imobiliário;
IV – Pelas fundações, cooperativas, mútuas e outras formas associativas
para construção ou aquisição da casa própria, sem finalidade de lucro, que
se constituirão de acordo com as diretrizes desta Lei, as normas que forem
baixadas pelo Conselho de Administração do Banco Nacional de Habitação
e serão registradas, autorizadas a funcionar e fiscalizadas pelo Banco
63
Nacional da Habitação.
É importante notar que construtoras, incorporadoras e adquirentes não são
partes integrantes do SFH; são apenas beneficiários do sistema, personagens que
somente ao Sistema estarão ligados, se ligação direta sua houver com um daqueles
integrantes.
Serviam como lastro para os financiamentos, os recursos acumulados pela
poupança dos cidadãos, posteriormente acrescidos pelos recursos do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, atualizados por correção monetária, mesma
prática adotada para corrigir os empréstimos habitacionais daí resultantes,
mantendo-se o equilíbrio do sistema.
É o que explica Roberto Carlos Martins Pires:64
_____________
63
BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos
imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para a aquisição da casa própria, cria o Banco
Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o Serviço
Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE,
Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo:
Iglu Editora, 2000, p. 121.
64
PIRES, Roberto Carlos Martins. Temas controvertidos no Sistema Financeiro da Habitação. Rio de
Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2004, p. 3.
39
A Instituição Financeira utiliza o dinheiro daqueles que depositaram em
cadernetas de poupança (ou FGTS), entrega-o ao vendedor do imóvel e
recebe de volta do comprador em parcelas, para, aos poucos, recompor o
lastro do saldo dos poupadores.
Como se depreende, o SFH nasceu com forte cunho social, evidenciado
tanto pela preocupação do Estado em manter equilibrada a relação entre a
remuneração dos recursos e a atualização das dívidas dos mutuários, quanto pela
própria característica dos recursos alocados: poupança popular e recursos do
trabalhador. Já na sua criação, portanto, o princípio que se evidencia é o da
prevalência do interesse social e dos direitos e garantias individuais, sobre o mero
interesse econômico.65
4.2 A Mecânica do SFH e o interesse social
No artigo primeiro da Lei nº 4.380 de 21 de agosto de 1964 fica evidente o
aspecto da relevância social, ao ser definido o papel do Estado (Governo Federal)
na questão:
Formulará a política nacional de habitação e de planejamento territorial,
coordenando a ação dos órgãos públicos e orientando a iniciativa privada
no sentido de estimular a construção de habitações de interesse social e o
financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da
66
população de menor renda. ,
Evidencia-se, de forma cristalina, que o interesse social maior que a lei
deseja proteger é justamente a possibilidade de, mediante o uso de recursos da
poupança e do trabalhador, possibilitar o financiamento da aquisição da casa própria
especialmente para as famílias de menor renda. O principal público-alvo do SFH é,
portanto, a parcela da população que não possui condições financeiras para adquirir
sua moradia, sem o uso de financiamento.
_____________
65
FERREIRA, Tereza Cristina. A função social do contrato e a polêmica acerca da capitalização de
juros do SFH. In: 1º Prêmio ABECIP de monografia em Crédito Imobiliário e Poupança. São Paulo: Et
Cetera Editora, 2007, p. 17.
66
BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos
imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para a aquisição da casa própria, cria o Banco
Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o Serviço
Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE,
Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo:
Iglu Editora, 2000, p. 117. (grifo nosso).
40
Objetivo não menos importante é o estímulo que se concede à construção
civil, especificamente no campo de habitações de interesse social, ou seja,
justamente aquelas moradias que possam ser direcionadas ao público-alvo do
Sistema.
O princípio da priorização para o hipossuficiente torna-se evidente e
inquestionável a partir da redação dos artigos 11 e 12, onde são estabelecidos os
critérios mínimos para a aplicação dos recursos. O legislador direciona a maior parte
para empreendimentos com previsão de construção de moradias de valor unitário de
até cem vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Entendeu, também, que não poderiam ser aplicados os recursos do SFH em
imóveis cujos preços fossem superiores a quatrocentas vezes o maior salário
mínimo vigente no País, quando tais recursos fossem intermediados por entidades
estatais, ou superiores a quinhentas vezes o referido salário mínimo, no caso de
entidades privadas, em outra clara demonstração do interesse social de se privilegiar
o hipossuficiente.
A reforçar este entendimento, na redação do mesmo artigo é estabelecido
que no caso de imóveis com preço entre trezentas e quatrocentas vezes o mesmo
salário, somente poderá ser financiado com recursos do SFH, 80% (oitenta por
cento) do preço, ficando os restantes 20% (vinte por cento) a serem pagos pelo
adquirente mediante uso de recursos próprios e, portanto, não pertencentes ao SFH.
De tudo isso tem-se que o SFH é um sistema de caráter social que busca
aproximar três personagens necessários:
a) a instituição financeira que disponibiliza os recursos controlados
(Poupança e FGTS) para a construtora;
b) a construtora que se utiliza de tais recursos para construir o
empreendimento e, por meio de intermediação da referida instituição,
vender a moradia ao cidadão hipossuficiente; e
c) o cidadão hipossuficiente que adquire a moradia da construtora,
mediante financiamento da mesma instituição financeira, fechandose o círculo de movimentação da moeda que, mediante os
pagamentos feitos pela construtora e pelo adquirente final à
41
instituição financeira, ao longo do prazo de cada financiamento,
retorna à sua origem, Poupança ou FGTS, devidamente corrigida.
Leitura atenta da citada lei demonstra que a garantia para a instituição
financeira é a hipoteca do terreno, à qual se agrega posteriormente a construção,
com base na indivisibilidade do direito real de garantia que a hipoteca possui e que
já foi visto anteriormente. A previsão está claramente explícita no artigo 62, nos
seguintes termos:
Os oficiais do registro de imóveis inscreverão, obrigatoriamente, os
contratos de promessa de venda, promessa de cessão ou de hipoteca
celebrados de acordo com a presente Lei, declarando expressamente que
os valores deles constantes são meramente estimativos, estando sujeitos os
saldos devedores, assim como as prestações mensais, às correções do
67
valor, determinadas nesta Lei.
A hipoteca em benefício da instituição financeira, atingindo terreno e todas
as construções feitas sobre ele, permanece durante a fase de construção e
individualização das unidades.
Na comercialização, a hipoteca de cada unidade será liberada concomitante
ao retorno dos respectivos recursos (Poupança e FGTS) ao SFH, mediante
intermediação da instituição financeira autorizada.
Em havendo financiamento para o adquirente, surgirá nova hipoteca a
vincular o imóvel, mas, agora, gravando apenas a unidade habitacional repassada
ao adquirente e garantindo somente a parcela de dívida por ele assumida junto ao
SFH.
É assim que foi concebido e é assim que deve funcionar.
Legislação posterior instituiu alterações que objetivaram, tão somente,
facilitar a implementação do Sistema, como é o caso da Lei nº 4.591 de 16 de
dezembro de 1964 sem, contudo, em nada alterar o dispositivo e mecanismo
anterior. De acordo com o artigo 22 dessa lei, os créditos abertos por instituições
_____________
67
BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos
imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para a aquisição da casa própria, cria o Banco
Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o Serviço
Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE,
Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo:
Iglu Editora, 2000, p. 143. (grifo nosso).
42
financeiras e destinados a financiar empreendimentos da iniciativa privada em
projetos de conjuntos de unidades habitacionais de interesse social “poderão ser
garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos
decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do
projeto financiado”.68
Nota-se que o comando verbal, poderão, é apenas uma alternativa colocada
à disposição das instituições financeiras para adotar, nos casos de seu interesse, a
sistemática de garantia por caução dos títulos de crédito (recebíveis), decorrentes
dos compromissos que vierem a ser assumidos por adquirentes das unidades, sejam
promessas de venda, sejam vendas a termo.
Em momento algum se cogitou de impedir, ou de substituir, o uso da
garantia hipotecária pela garantia de caução.
E tanto isto é fato que posteriormente, por intermédio da Lei nº 8.036, de 11
de maio de 199069, mais especificamente em seu artigo 9º, o legislador volta a
afirmar a preferência pela hipoteca como garantia nas aplicações (leia-se nas
operações de crédito) que envolvam recursos do FGTS, como é o caso dos
empréstimos concedidos com base nas regras do SFH:
Art. 9º As aplicações com recursos do FGTS poderão ser realizadas
diretamente pela Caixa Econômica Federal, pelos demais órgãos
integrantes do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e pelas entidades
para esse fim credenciadas pelo Banco Central do Brasil como agentes
financeiros, exclusivamente segundo critérios fixados pelo Conselho
Curador do FGTS, em operações que preencham os seguintes requisitos:
I – garantias:
a) hipotecária;
b) caução de créditos hipotecários próprios, relativos a financiamentos
concedidos com recursos do agente financeiro;
c) caução dos créditos hipotecários vinculados aos imóveis objeto de
financiamento;
_____________
68
BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as
incorporações imobiliárias. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema
financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 147.
69
IDEM. Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço, e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema
financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 205.
43
[...]
§ 5º As garantias, nas diversas modalidades discriminadas no inciso I do
caput deste artigo, serão admitidas singular ou supletivamente, considerada
a suficiência de cobertura para os empréstimos e financiamentos
concedidos.
É explícita e cristalina a opção do legislador em preferir e indicar o uso da
hipoteca como primeira opção a garantir os empréstimos.
Além disso, a mecânica do SFH previu a divulgação das regras do Sistema
nos locais dos empreendimentos, como medida protetora aos adquirentes. Nesse
sentido foi a orientação quanto à divulgação de anúncios de comercialização e a
obrigatoriedade de se disponibilizar, para consulta pelo interessado, das condições
específicas de cada operação (leia-se empreendimento), conforme previsão dos
artigos 10 e 11 do Decreto nº 63.182, de 27 de agosto de 1967 70. Transcrevemos o
parágrafo único do artigo 11:
Será garantida, ao adquirente, a possibilidade de consulta, no local de
venda, do resumo da operação financiada pelo BNH, do contrato padrão da
transação específica e demais instrumentos de informação que forem
necessárias ao juízo sobre a legalidade e oportunidade da transação.
Não há, portanto, que pairar qualquer dúvida acerca da intenção do
legislador de privilegiar o hipossuficiente financeiramente, e de proteger os recursos
da poupança e do trabalhador (FGTS), utilizados na viabilização da política de
financiamento de moradias por meio do Sistema Financeiro Habitacional.
Em primeiro lugar, pelo rigor no direcionamento dos recursos; em seguida
pela previsão de correção monetária para preservar o poder de compra dos recursos
aplicados ao longo do tempo; e, por último, mas não menos importante, na clara
preferência pela utilização da hipoteca, por acreditar que a força decorrente de sua
situação de direito real de garantia, oponível erga omnes, seria suficiente à proteção
dos recursos necessários ao pagamento da instituição financeira, de forma a facilitar
o seu retorno à fonte de origem para, daí, financiar outros empreendimentos e
atender outras famílias.
_____________
70
BRASIL. Decreto nº 63.182, de 27 de agosto de 1967. Estabelece normas a respeito dos planos de
financiamento para a aquisição da casa própria, no Sistema Financeiro da Habitação, e dá outras
providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da
habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 346.
44
Essa intenção espelha o princípio da prevalência do social sobre o particular.
Ao privilegiar o hipossuficiente e indicar mecanismos de garantia que evitam a
evasão os recursos que suportam o SFH, o legislador está privilegiando o equilíbrio
social, a sociedade como um todo, frente a interesses particulares e individuais.
Assim, conhecidos os principais fundamentos da hipoteca e do compromisso
de compra e venda, e feita uma explanação sobre o Sistema Financeiro da
Habitação, seus fundamentos e objetivos, apresenta-se, a seguir, um capítulo sobre
a denominada Nova Teoria Contratual, ou Teoria Contratual Pós-moderna, cujos
efeitos já são sentidos na legislação e jurisprudência brasileira.
O estudo é de fundamental importância para a melhor compreensão do
problema analisado neste trabalho.
45
5 A NOVA TEORIA CONTRATUAL
O direito passou por fortes alterações nos últimos trinta anos. Reflexo de
uma sociedade extremamente consumista, em que a circulação de bens (comércio)
tem papel fundamental, inclusive na aproximação dos povos e absorção de
costumes, o Direito se transforma, passando a substituir seu conteúdo abstrato e
generalizante por instrumentos legais cada vez mais concretos e específicos, que se
evidenciam pela relevância social.
Assim é que a pós-modernidade procura questionar as noções e
posicionamentos clássicos. Baggio Torres resume bem esse quadro:
Se a sociedade moderna dos séculos XVIII e XIX foi marcada pelo
individualismo, pela busca de segurança e certeza do direito, pela
autonomia da vontade e pelo Estado de Direito, este, após a Primeira
Guerra Mundial, é sucedido pelo Estado Social de Direito, cujas
características principais são a preocupação com os direitos sociais e a
intervenção estatal na atividade econômica.
Existe hoje, portanto, uma verdadeira crise dos paradigmas do direito
71
clássico.
Nesse sentido, é de lapidar clareza o pensamento do Ministro José Augusto
Delgado:
O que o mundo jurídico revela à humanidade é a impossibilidade de a
sociedade, em razão da necessidade de cada vez mais o homem ser
valorizado na preservação de sua dignidade e de sua cidadania, continuar
sendo dirigida por normas de cunho individualista e com objetivos de
72
proteger, apenas, o patrimônio.
No Brasil, o fato que desencadeou a aceleração dessa trajetória foi a
Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã, concebendo um
verdadeiro “direito social” ao inserir os direitos de personalidade e os princípios de
proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade social (art.
3º, I), bem como promovendo a institucionalização da interferência do Estado nas
relações contratuais, protegendo as camadas mais frágeis da sociedade,
_____________
71
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 27.
DELGADO, José Augusto. O Contrato no Código Civil e a sua Função Social, in: Revista Jurídica –
Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 322. São Paulo. 2004, p. 10.
72
46
determinando limites, tornando menos desigual a igualdade conferida pelas leis,
apenas formal e aparente.73
Nessa linha, surgiram leis especiais que trataram especificamente de
contratos tais como o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), a Lei de
locação (Lei nº 8.078/1991), e a Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998).74
No entendimento de Baggio Torres, “antigos paradigmas, como a autonomia
privada e a liberdade de contratar, hoje cedem lugar à preocupação com os efeitos
do contrato na sociedade e à proteção dos interesses legítimos das partes
contratantes”.75
Evidente, portanto, a mudança que sofre o instituto do contrato. A maioria
dos doutrinadores definiu o contrato como um ato jurídico entre duas ou mais partes,
que acordam entre si para modificar, constituir ou extinguir um vínculo jurídico de
natureza patrimonial.
Entretanto, o fundamento contratual há muito não mais se alicerça no
clássico pacta sunt servanda76, princípio da força obrigatória, que não admite a
revisão do conteúdo dos contratos. Primeiramente admitiu-se a revisão contratual
em casos especiais, quando os efeitos da relação fossem alcançados por fatos
imprevistos e inevitáveis (teoria da imprevisão).
Hoje, “os civilistas da nova geração têm buscado um novo dimensionamento
para o conceito de contrato, levando-se em conta valores existenciais atinentes à
proteção da pessoa humana”,77 visão pela qual o contrato não apenas envolve as
partes contratuais, mas também produz efeitos perante terceiros78.
_____________
73
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 29.
74
BRASIL. Legislação citada disponível in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva
com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.
75
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 31.
76
Em tradução livre: contratos existem para ser cumpridos.
77
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 39.
78
IDEM. Nesse sentido, Flávio Tartuce, na página 39 da obra citada, apresenta conceito pósmoderno de contrato da lavra de Paulo Nalin, segundo o qual o contrato seria “a relação jurídica
47
Nesse cenário, “o trabalho do jurista, do aplicador do direito deixa de ser o
de mero repetidor de regras contidas no Código Civil, mas sim, de verdadeiro
intérprete das normas à luz dos fundamentos constitucionais”79.
5.1 Princípios Gerais do Código Civil de 2002
O código vigente a partir de 2002 deixa de lado o excessivo rigor conceitual,
para apresentar, em várias oportunidades, preceitos genéricos e cláusulas gerais,
que funcionam como verdadeiras janelas abertas, que oportunizam aos operadores
do direito a defesa de novas teses e, aos aplicadores, amplitude maior de
interpretação mediante subsunção de conceitos ali deixados tais como proteção da
boa-fé, da ética, da moral e dos bons costumes, caracterizando o Princípio da
Eticidade.80
Da mesma forma, decorrente da hiperatividade da sociedade de consumo,
que levou o Homem a ser valorizado como centro do Direito Privado, surge a
prevalência do social sobre o individual, do coletivo sobre o particular, da pessoa
sobre o patrimônio, da vida sobre a economia, constituindo-se o Princípio da
Socialidade.81
Quanto a isso, é válido citar que desde a Lei de Introdução ao Código Civil
(Decreto Lei 4.657/1942) que se inseriu, no ordenamento jurídico brasileiro o
Princípio da Socialidade, conforme comanda o seu artigo 5º: “Na aplicação da lei, o
juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”82
_____________
subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos
existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação, como também perante
terceiros”.
79
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 38-39.
80
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 55.
81
IDEM, p. 58.
82
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 164.
48
Finalmente, o Princípio da Operabilidade, que tem como princípio anexo a
simplicidade. Tal princípio está presente também na abertura proporcionada pelas
cláusulas gerais do novo código, que ampliam a margem de interpretação e
aplicação, dando efetividade ao direito, tornando-o prático, efetivamente concreto.
Evitou-se o tecnicismo jurídico do código anterior e procurou-se eliminar as
dúvidas.83
Já no campo do direito contratual, a simplicidade e a presença do Princípio
da Operabilidade, percebem-se pela clareza conferida ao assunto, ao apresentar as
várias espécies de contrato de forma taxativa, com conceitos individualizados, sem
deixar pendente nenhuma dúvida.
5.2 Princípios contratuais no Código Civil de 2002
Como visto, portanto, ao se analisar qualquer relação contratual, como é o
caso deste estudo, há de se ter em mente os princípios gerais do novo Código Civil,
de Eticidade, Socialidade e Operabilidade.
Além desses, as relações contratuais passaram a ser norteadas por
princípios específicos, como a seguir se apresenta.
5.2.1 Princípio da Autonomia Privada
A vontade é a força que move o homem e o diferencia dos demais seres
vivos. Da vontade humana surge o ato jurídico, diferente do fato natural. A relação
contratual teve sua origem na vontade humana e na liberdade de fazer valer essa
vontade, transformando-a em um acordo entre partes.
_____________
83
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 65.
49
Assim, desde o direito romano, o Princípio da Autonomia da Vontade foi
consagrado como um paradigma do direito contratual, de caráter subjetivo, tendo
adquirido relevância ímpar no século XIX, a partir das idéias liberais e da Revolução
Francesa.
As limitações impostas no decorrer do século XX pelas legislações
específicas que, entretanto, foram abraçadas pelo novo código, acabaram por dar
novo perfil à autonomia de contratar. Assim é que o artigo 421 do novel instituto
consagra que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato”84.
Havendo restrições, a autonomia passa a não mais ser da vontade, mas da
pessoa que contrata. Substitui-se o subjetivismo da vontade do que se quer, pelo
lado objetivo, real, do que se é possível querer. Neste sentido:
A constituição do contrato, atualmente, deve ser encarada a partir de uma
soma de fatores e não mais decorrente apenas da vontade pura dos
contratantes, delineando-se o significado do princípio da autonomia privada,
pois outros elementos de cunho particular influenciarão na formação e no
85
conteúdo do negócio jurídico patrimonial.
Embora não impeça a autonomia privada, a função social do contrato atenua
a sua amplitude, principalmente quando estão presentes interesses que vão além do
círculo previsto na relação contratual.
Nesse sentido é preciso estar atento ao princípio da relatividade dos efeitos
contratuais, que “impede que uma pessoa possa ser atingida ou prejudicada por
contrato celebrado entre outras pessoas e do qual não participou”.86
_____________
84
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200.
85
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 177.
86
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método,
2004, p. 49.
50
5.2.2 Princípio da Relatividade dos efeitos Contratuais
Os efeitos dos contratos alcançam apenas as partes contratuais. Esta é a
leitura da antiga regra res inter alios acta, allis nec prodest nec nocet87 pela qual o
negócio celebrado não poderia beneficiar, nem prejudicar, pessoas estranhas à
relação contratual e que configura o Princípio da Relatividade dos Efeitos do
Contrato.
Classicamente é reconhecido, entretanto, que tal princípio encontra
limitações quando oposto, por decorrência do princípio da publicidade, à eficácia
erga omnes presente no Direito das Coisas, como no caso da hipoteca, já visto
neste estudo.
Assim é que pode acontecer de um determinado contrato causar prejuízos a
terceiro, não participante do negócio:
Nesses casos, o direito intervém, estabelecendo que o contrato é ineficaz
perante terceiros. Com relação a estes, é como se o contrato não tivesse
sido concluído. É o que ocorre, por exemplo, quando A vende a B grande
parte de seu patrimônio, o que prejudica os interesses de C, credor de A
que vê diminuídas as garantias de seu crédito e, portanto, as possibilidades
de ser satisfeito... Note-se que o contrato é válido e produz efeitos entre as
partes; simplesmente tais efeitos não são oponíveis em relação ao terceiro
88
prejudicado.
Na própria legislação civil existem exceções postas que mitigam a amplitude
desse princípio. Assim é o caso do artigo 436 e seguintes do Código Civil vigente,
em que se prevê a estipulação em favor de terceiro.89
Da mesma forma, se inscrevem as previsões de promessa de fato de
terceiro, artigos 439 e 440 e de responsabilidade dos herdeiros, artigo 1.792 do
mesmo código.90
_____________
87
Os atos dos contraentes não aproveitam, nem prejudicam terceiros (tradução livre).
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método,
2004, p. 50.
89
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200.
90
IDEM, p. 201 e p. 308.
88
51
Além disso, outra previsão que atenua o princípio da relatividade dos efeitos
contratuais são as previsões dos artigos 17 e 29 do Código de Defesa do
Consumidor, Lei nº 8.078/199091 pelas quais todos os prejudicados por um efeito
danoso, mesmo sem relação direta de consumo com o fornecedor, adquirem o
status de consumidor por equiparação, para efeito de aquisição de direitos.
Mais recentemente, em tempos pós Constituição de 1988 e Código Civil de
2002, chegou-se a afirmar que o crescimento em importância da função social do
contrato rompeu por inteiro a idéia de que a avença contratual não poderia
beneficiar, ou prejudicar terceiros. Entendemos não ser bem assim. Nesse sentido:
Na verdade, o entendimento pelo qual a função social dos contratos
representaria um inteiro rompimento com o princípio da relatividade dos
efeitos constitui um exagero. Essa interpretação contraria a própria
concepção do princípio da autonomia privada e a própria concepção de
contrato como típico instituto de direito obrigacional. De qualquer forma,
deve-se reconhecer que a função social dos contratos quebra parcialmente
92
com a relatividade dos efeitos.
Assim, se por um lado, em uma visão mais conservadora e de linhagem
positivista, temos que pelo princípio da relatividade das convenções “é natural que
terceiros não possam ficar atados a uma relação jurídica que lhes não foi imposta
pela lei nem derivou de seu querer”93, por outro, há que se ter em mente as mais
recentes orientações doutrinárias e jurisprudenciais de se permitir o preenchimento
da cláusula geral da função social do contrato
quebrando, incidentalmente e
parcialmente, a relatividade dos efeitos.
_____________
91
BRASIL. Código do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. in: Vade Mecum / obra
coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia
Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
815 e 816.
92
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 192.
93
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28. ed.
rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva,
2002, v.3. p. 17.
52
5.2.3 Princípio da Força Obrigatória dos Contratos
Este princípio decorre do princípio da autonomia da vontade. É a
consagração, como força de lei, daquilo que se convenciona entre as partes,
obrigando-as ao cumprimento do que se estipulou.
Embora não esteja especificamente tratado no Código Civil vigente, as
previsões para os casos de inadimplência, constantes dos artigos 389 e seguintes94
afastam “qualquer dúvida quanto à manutenção da obrigatoriedade das convenções
como princípio do nosso ordenamento jurídico”95.
Não é demais lembrar, aqui, o ensinamento de Orlando Gomes:
Celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos
necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas
cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os
contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser
cumprido. Estipulado validamente o seu conteúdo, vale dizer, definidos os
direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os
96
contratantes, força obrigatória.
Assim, o risco é inerente ao pacto contratual e está presente no momento
em que os contratos são celebrados, devendo o seu cálculo ser levado em
consideração por cada um dos contratantes, enquanto no uso de sua liberdade
privada de contratar, não podendo simples prejuízo acaso decorrente ser alegado
como motivo para o cancelamento do compromisso.
Ocorre, porém, que no decorrer do tempo contratual, eventualmente podem
se alterar drasticamente as condições em que foi firmado um determinado contrato
de pacto continuado, sem possibilidade de previsão anterior, resultando em graves
prejuízos para as partes.
_____________
94
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 196.
95
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 183.
96
GOMES, Orlando. Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 36.
53
Dessa realidade é que a partir da primeira metade do século XX consolidouse a aplicação da Teoria da Imprevisão, como forma de evitar danos decorrentes de
força maior e caso fortuito.
Explicando o teor da referida teoria, assim ensina Sílvio Rodrigues em nota
de rodapé:
A cláusula rebus sic standibus, elaborada pelos pós-glosadores, esposa a
idéia de que todos os contratos dependentes de prestações futuras incluíam
cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem
profundamente. Contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam
de futuro, rebus sic standibus intelliguntur.
Tal idéia se inspirava em princípio de eqüidade, pois se o futuro trouxesse
um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo
profunda desproporção com a prestação da outra parte, seria injusto
manter-se a convenção, pois haveria o indevido enriquecimento daquele,
97
com o injustificado empobrecimento deste.
O novo código civil admitiu a resolução do contrato por onerosidade
excessiva, conforme previsões contidas do artigo 478 ao artigo 480. 98 De igual
modo, a intervenção na relação contratual encontra amplo amparo no Código do
Consumidor.99
Embora ainda se reconheça a importância da estabilidade e segurança para
as relações contratuais, fornecidas pela força obrigatória, não se pode mais, à luz da
nova teoria, conceber o contrato como elemento isolado do mundo fático e jurídico.
Do mesmo modo ocorrido em relação aos princípios anteriormente vistos,
os ventos da nova teoria contratual também perpassam pelo princípio da força
obrigatória, uma vez mais capitaneados pela função social do contrato.
_____________
97
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28. ed.
rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva,
2002, v.3. p. 21.
98
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 203.
99
IDEM. Código do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. in: Vade Mecum / obra
coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia
Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
813.
54
Entretanto, “não se pode concordar com eventual posicionamento que
possa surgir, no sentido de que o princípio da força obrigatória do contrato foi
definitivamente extinto pela codificação emergente”100.
Não se pode simplesmente apagar por completo a força obrigatória que
emana da vontade individual das partes, e que é o principal elemento a garantir a
estabilidade e segurança jurídica das relações. Este princípio está ali, presente em
todas as relações contratuais e assim deve permanecer. Tão-somente terá sua
prevalência afastada, quando – e se – necessidade houver de intervenção judicial.
Nesse caso, tem prevalecido a aplicação da cláusula geral da função social do
contrato.
Assim o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no Recurso Especial nº
857548/SC, tendo sido relator o Ministro Luiz Fux, em cuja ementa consta:
5. Deveras, consoante cediço, o princípio pacta sunt servanda, a força
obrigatória dos contratos, porquanto sustentáculo do postulado da
segurança jurídica é princípio mitigado, posto sua aplicação prática estar
condicionada a outros fatores, como, por v.g., a função social, as regras que
beneficiam o aderente nos contratos de adesão e a onerosidade excessiva.
6. O Código Civil de 1916, de feição individualista, privilegiava a autonomia
da vontade e o princípio da força obrigatória dos vínculos. Por seu turno, o
Código Civil de 2002 inverteu os valores e sobrepõe o social em face do
individual. Desta sorte, por força do Código de 1916, prevalecia o elemento
subjetivo, o que obrigava o juiz a identificar a intenção das partes para
interpretar o contrato. Hodiernamente, prevalece na interpretação o
elemento objetivo, vale dizer, o contrato deve ser interpretado segundo os
101
padrões socialmente reconhecíveis para aquela modalidade de negócio.
_____________
100
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 187.
101
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Sistema Financeiro da Habitação . FCVS.
Cessão de obrigações e Direitos. Contratos de Gaveta. Transferência de Financiamento. Ausência de
concordância da mutuante. Possibilidade. Precedentes do STJ. Recurso Especial nº 857.548 – SC
(2006/0119305-5). Recorrente: Caixa Econômica Federal, Recorrido: Dejair Welther Machado
Pereira, Interessado: Banco Banestado S.A. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, DF, 4 de outubro de
2007. STJ, Brasília, 2007. Disponível em: <https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=
200601193055&dt_publicacao=08/11/2007. Acesso em 20 mar. 2008.
55
5.2.4 Princípio da Boa-fé
O princípio da boa-fé sempre foi consagrado como princípio geral do direito,
ao lado de outros tais como o da proteção à vida, à liberdade, à dignidade humana.
Para Silvio Rodrigues, a boa-fé “é um conceito ético, moldado nas idéias de
proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da
honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar”102.
Entende Luis Guilherme Aidar Bondioli que:
A boa-fé objetiva é, assim, uma espécie de precondição abstrata de uma
relação ideal (justa), disposta como um tipo ao qual o caso concreto deve se
amoldar. Ela aponta, pois, para um comportamento fiel, leal, na atuação de
cada uma das partes contratantes, a fim de garantir o respeito ao direito da
outra. Ela é um modelo principiológico que visa garantir a ação e/ou conduta
sem qualquer abuso ou nenhum tipo de obstrução ou, ainda, lesão à outra
103
parte...
No campo do direito dos contratos assume, no entanto, especial importância
com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) 104, merecendo
de Cláudia Lima Marques o seguinte comentário:
A grande contribuição do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) ao
regime das relações contratuais no Brasil foi ter positivado normas
específicas impondo o respeito à boa-fé na formação e na execução dos
contratos de consumo, confirmando o princípio da boa-fé como um princípio
geral do direito brasileiro, como linha teleológica para a interpretação das
normas de defesa do consumidor (artigo 4º, III, do CDC), como cláusula
geral para a definição do que é abuso contratual (artigo 51, IV do CDC),
como instrumento legal para a realização da harmonia e eqüidade das
relações entre consumidores e fornecedores no mercado brasileiro (artigo
4º, I e |II, do CDC) e como novo paradigma objetivo limitador da livre
iniciativa e da autonomia da vontade (artigo 4º, III, do CDC combinado com
105
artigo 5º, XXXII, e artigo 170, caput e inc. V, da Constituição Federal.
_____________
102
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28. ed.
rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva,
2002, v.3. p. 60.
103
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. As Reformas do Código de Processo Civil e os Embargos
Declaratórios, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 327. São Paulo.
2005, p. 11-12.
104
BRASIL. Código do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. in: Vade Mecum / obra
coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia
Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
815.
105
MARQUES, Cláudia Lima. Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção do
consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade de
56
Em seguida é consagrado no próprio Código Civil de 2002 que, em seu
artigo nº 422, declara: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim, na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boafé”.106 A boa-fé se apresenta, portanto, como mais uma cláusula geral a mitigar o
antigo hermetismo contratual.
No campo da nova teoria contratual o debate não se restringe aos efeitos do
contrato no espaço social, mas também com o comportamento individual das partes
e o seu reflexo na relação, motivo para que devam os contraentes, comportarem-se
de forma honesta e leal, sob risco de invalidação do negócio.107
Ensina Luiz Guilherme Loureiro que:
A boa-fé não constitui uma noção que possa ser perfeitamente delimitada
em termos rígidos, mas antes, é um estado de espírito que se identifica nas
ações humanas. Essa ambigüidade conceitual pode ser uma vantagem ou
108
pode trazer inconvenientes.
Embora alguns autores entendam que só existe a boa-fé em seu caráter
objetivo, que seria apenas um dever de agir, regra de conduta “composta
basicamente pelo dever fundamental de agir em conformidade com os parâmetros
de lealdade e honestidade”,
109
a maioria da doutrina admite também a boa-fé
subjetiva, que seria:
estado psicológico do sujeito, quando da manifestação da vontade... Ao
analisar a boa-fé subjetiva, parte-se da idéia de que o sujeito pensa estar
agindo corretamente, ou então, acredita possuir um direito que não o
110
alcança, ou seja, o sujeito confia em uma situação inexistente.
O autor deste trabalho acompanha a maioria.
_____________
cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor: parecer.
In: Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 31, p. 134, jul-set. 1999.
106
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200.
107
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 51.
108
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método,
2004, p. 69.
109
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. As Reformas do Código de Processo Civil e os Embargos
Declaratórios, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 327. São Paulo.
2005, p. 11.
110
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 49 50.
57
O dever de agir com lealdade e honestidade surge nítido no comando do
citado artigo 422 do Código Civil, quando determina a necessidade de se guardar o
princípio da boa-fé e probidade tanto na conclusão do contrato, como em sua
execução.
Entretanto, a boa-fé se desdobra: é objetiva, alcançando, inclusive, tanto a
fase pré-contratual, como a conclusão do contrato, mas deve estar presente,
também, na execução e ao depois do termo contratual, enquanto dever de agir com
lealdade. É o compromisso de honrar.
Nessa linha de raciocínio opera Paulo Luiz Netto Lôbo:
A melhor doutrina tem ressaltado que a boa-fé não apenas é aplicável à
conduta dos contratantes na execução de suas obrigações, mas aos
comportamentos que devem ser adotados antes da celebração (in
contrahendo) ou após a extinção do contrato (post pactum finitum). Assim,
para fins do princípio da boa-fé objetiva são alcançados os comportamentos
111
do contratante antes, durante e após o contrato.
Resulta lógico pensar, portanto, que a boa-fé que acompanha a preparação,
conclusão, execução e termo do contrato, é dinâmica, por ser intrínseca ao
comportamento individual das partes. Em sendo dinâmica, traz no seu bojo a faceta
subjetiva, pautando-se pelo estado psicológico do sujeito quando de seu agir na
relação contratual, sua intenção de honrar: é a presença inequívoca da boa-fé em
seu viés subjetivo, permeando a sua conotação objetiva.
É na percepção de sua oposta que melhor identificamos o subjetivismo da
boa-fé:
A boa-fé subjetiva admite sua oposta: a má-fé subjetiva. Vale dizer, é
possível verificarem-se determinadas situações em que a pessoa age de
modo subjetivamente mal intencionado, exatamente visando iludir a outra
parte que, com ela, se relaciona. Fala-se, assim, em má-fé no sentido
112
subjetivo, o dolo de violar o direito da outra pessoa envolvida.
Assim é que, em se faltando a boa-fé subjetiva, surge, de pronto, uma
situação dolosa, capaz de demandar a intervenção do Juiz: a má-fé, caracterizada
_____________
111
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios dos Contratos e Mudanças Sociais, in: Revista Jurídica –
Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 329. São Paulo. 2005, p. 16.
112
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. As Reformas do Código de Processo Civil e os Embargos
Declaratórios, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 327. São Paulo.
2005, p. 11.
58
geralmente pelo “não fazer aquilo que, direta ou indiretamente, possa dificultar ou
impedir o alcance do resultado pretendido”.113
Portanto, “quem não está em estado de ignorância (aspecto subjetivo) e,
apesar disso, age, sabendo ou devendo saber que vai prejudicar direitos alheios,
procede (aspecto objetivo) necessariamente de má-fé”114 Quem apresenta essa
idéia de forma bem clara é Flávio Tartuce:
Dentro do conceito de boa-fé objetiva reside a boa-fé subjetiva, já que uma
boa atuação presume ou relaciona-se com uma boa intenção. Portanto,
toda vez que há previsão de boa-fé objetiva, também está prevista a
115
subjetiva, pela relação de mutualismo que os conceitos denotam.
Entendido o Princípio da Boa-fé na relação contratual, vale registrar que
citando o artigo 422 do Código Civil, assim se manifestou Celso Marcelo de Oliveira,
tratando de contratos inseridos no escopo do estudo que ora se desenvolve:
Como se vê, neste artigo, a boa-fé está inserida como uma cláusula geral
implícita a todos os contratos civis e comerciais, com destaque aos
contratos de crédito imobiliário e os regidos pela Carteira Hipotecária e pelo
Sistema Financeiro de Habitação bem como associou a boa fé ao que se
116
denominou de princípio da “probidade”.
A boa-fé objetiva é, portanto, precondição posta para que a relação
contratual seja considerada justa e leal, de forma a garantir o efetivo respeito ao
direito de uma e de outra parte.
Assim é que surgindo o conflito entre as partes, o magistrado certamente
levará em consideração a forma como elas atuaram, verificando as condutas e
identificando, se for o caso, os desvios causados pela ausência da boa-fé:
Ele deve, então, num esforço de construção, buscar identificar qual o
modelo previsto para aquele caso concreto, qual seria o tipo ideal esperado
para que aquele caso concreto pudesse estar adequado, pudesse fazer
justiça às partes e, a partir desse “standart”, verificar se o caso concreto
nele se enquadra, para, daí extrair as conseqüências jurídicas exigidas.
[...]
_____________
113
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método,
2004, p. 79.
114
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 57.
115
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 201.
116
OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Manual de Crédito Imobiliário. Campinas: LZN, 2005, p. 84. (aspas
no original).
59
Não resta dúvida: a boa-fé objetiva é o atual paradigma da conduta na
117
sociedade contemporânea.
Aqui, mais uma vez sucumbe o pacta sunt servanda. Quando o magistrado
interpreta a relação contratual de acordo com a cláusula geral da boa-fé, busca
“muitas vezes o que as partes quiseram com o negócio – e não necessariamente o
que escreveram no instrumento obrigacional”.118
Uma jurisprudência de aplicação do princípio da boa-fé objetiva citada pela
doutrina é o próprio caso tratado neste estudo, da Súmula 308 do STJ. Entende
Tartuce que:
Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser responsabilizado o
consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba não repassando o
dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo teor da súmula, que a boa-fé
objetiva também envolve ordem pública, pois caso contrário não seria
possível a restrição do direito real.
Em suma, sendo preceito de ordem pública a boa-fé objetiva vence a
119
hipoteca.
A boa-fé exerce as funções de interpretação, integração e de controle das
relações contratuais, conforme se depreende da leitura do artigo 187 do novo
Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes”.120
Tendo isso em conta, é importante ressaltar, aqui, a associação feita pelo
artigo 422 do Código Civil, entre os princípios da Boa-fé e da Probidade. Se no
direito público a probidade é personificada como princípio autônomo da
_____________
117
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. As Reformas do Código de Processo Civil e os Embargos
Declaratórios, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 327. São Paulo.
2005, p. 12.
118
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 213.
119
IDEM, p. 224. (destaque no original).
120
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 183.
60
Administração Pública, no direito contratual privado “é qualidade exigível sempre à
conduta de boa-fé... Pode dizer-se que não há boa-fé sem probidade”.121
5.2.5 Princípio da Função Social do Contrato
Assim como a autonomia privada, a relatividade dos efeitos contratuais, a
força obrigatória e a boa-fé objetiva, a função social do contrato é princípio
contratual consagrado pelo Código Civil de 2002 que, em seu artigo 421 determina:
“A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato”122.
Entende Tartuce que o escopo desse princípio é “analisar o contrato a partir
do meio social que o circunda, tendo eficácia não só entre as partes contratantes,
como também para além das partes contratantes”123.
Segundo o Ministro José Augusto Delgado, esse princípio “caracteriza uma
operação que determina o exame do negócio celebrado dentro de um prisma que
nenhuma lesão de direito tenha sido causada a qualquer componente da
sociedade”124
Paulo Luiz Netto Lobo clarifica mais:
O princípio da função social determina que os interesses individuais das
partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses
sociais, sempre que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre
eles, pois os interesses sociais são prevalecentes. Qualquer contrato
repercute no ambiente social, ao promover peculiar e determinado
125
ordenamento de conduta e ao ampliar o tráfico jurídico.
_____________
121
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios dos Contratos e Mudanças Sociais, in: Revista Jurídica –
Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 329. São Paulo. 2005, p. 16.
122
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200.
123
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 232.
124
DELGADO, José Augusto. O Contrato no Código Civil e a sua Função Social, in: Revista Jurídica –
Doutrina Cível, n. 322. São Paulo. 2004, p. 11.
125
LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios Contratuais. In: A Teoria do Contrato e o Novo Código Civil.
Nossa Livraria, p. 15-16.
61
Grande parte dos doutrinadores entende que a função social do contrato se
baseia na função social da propriedade, apontando como argumento, a redação do
parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil, que dispõe: “Nenhuma convenção
prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por
este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”126.
O autor deste trabalho não concorda com tal posicionamento. Acompanha o
entendimento contrário da Professora Daisy Gogliano:
E, claramente, o artigo 186 da Constituição Federal traça os parâmetros, as
diretrizes para que a função social seja cumprida, nestas palavras: “A
função social é cumprida quando a propriedade rural atende
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II –
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações
de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e
dos trabalhadores”.
Portanto, diante dos requisitos traçados constitucionalmente, não há que se
falar em possível analogia entre a função social da propriedade rural com a
função social do contrato, ou mesmo com a função social da propriedade
127
urbana.
Complementa-se o pensamento da ilustre professora com o registro de que
a função social da propriedade urbana consta especificamente do artigo 182,
parágrafo 2º da Constituição Federal: “A propriedade urbana cumpre sua função
social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor”128. Do mesmo modo, não há que se falar em analogia
entre função social do contrato e função social da propriedade urbana.
Criticando duramente a adoção do princípio da função social como razão e
motivo determinante da liberdade de contratar, conforme inserido no novo Código
Civil, Daisy Gogliano continua:
_____________
126
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 324.
127
GOGLIANO, Daisy. A Função Social do Contrato (Causa e Motivo). In: Revista Jurídica – Doutrina
Cível, n. 334. São Paulo. 2005, p. 13.
128
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria
da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos
Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 59.
62
Portanto, esse motivo – função social – só pode ser visto a partir do
experienciado e, para tanto, precisamos compreender o que se entende por
função social.
Cada qual a seu modo dirá que está a realizar uma “função social”. O
capitalista, o empresário, etc., naquele slogan, como “gerador de
empregos”. O consumidor, o cidadão comum, o hipossuficiente, igualmente,
argüirá em seu benefício a “função social”, a reclamar o abatimento do
preço em face da onerosidade excessiva. Não se sabe o que é função
social. Depende do tempo.
[...]
Cada sujeito buscará, dentro de uma possível compreensão subjetiva, a sua
função social. O que é social para um não será para o outro, dada a
relatividade do conceito. Em nome da “função social”, etérea, abstrata, em
nome e por conta da proteção do mais débil e do mais fraco, instala-se a
insegurança jurídica no tráfico social. Institutos decantados ao longo de
séculos perdem-se no esquecimento, a saber: a teoria da imprevisão, a
cláusula rebus, a resolução por onerosidade excessiva e todos os demais
princípios que informam o contrato.
Facilmente, a decantada função social pode tornar-se impregnada de
ideologia, quando em nome dela o aplicador do Direito, segundo a sua
concepção subjetiva, buscará um motivo para arrancar o contrato de seu
equilíbrio natural. E a justiça contratual será pisoteada, no momento em que
129
a função social ficar a mercê de mecanismos político-institucionais.
O contrato é instrumento de distribuição e circulação de riquezas.
Entendemos que a função social do contrato é contribuir para que ocorra eqüitativa
distribuição dessas riquezas, assegurando que a relação contratual per si não
provoque o enriquecimento ilícito de nenhuma das partes. Assim expressa Luiz
Guilherme Loureiro, falando sobre a função social do contrato:
Destarte, a função social do contrato representa um poder-dever positivo,
exercido no interesse da sociedade. Para Ripert, “as partes têm a liberdade
de estipular o que lhes for mais conveniente, no que tange à circulação da
riqueza e nas trocas patrimoniais, desde que observado o interesse maior
130
da sociedade [...]
Assim, o interesse maior é o da sociedade. Uma vez que se respeitam a
função social do contrato e a ordem pública, as partes contratuais podem travar sua
luta pelo melhor resultado, não sendo ilícita a busca pela maior vantagem. Evidente
que em um mundo de desiguais, a propalada igualdade absoluta soa fora de
propósito.
_____________
129
GOGLIANO, Daisy. A Função Social do Contrato (Causa e Motivo). In: Revista Jurídica – Doutrina
Cível, n. 334. São Paulo. 2005, p. 39.
130
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método,
2004, p. 59.
63
É normal e não contraria a função social que uma das partes obtenha
vantagem patrimonial, ainda que com prejuízo de outrem.
[...]
O que o conceito de função social do contrato não admite é a submissão do
interesse coletivo pelo interesse privado; luta contratual desleal; o abuso da
superioridade de um dos contratantes; a eliminação da eqüidade que deve
cercar o contrato ou a conduta imoral de aproveitar-se do estado de perigo,
131
de sua inexperiência ou da premente necessidade do co-contratante.
Como se observa, a exemplo do que já ocorria nas relações contratuais
firmadas ao abrigo do Código de Defesa do Consumidor, com o advento do novo
Código Civil, o contrato, mais que mero instrumento de circulação de riquezas, se
transforma, em razão de sua função social, em instrumento de circulação de
riquezas com equilíbrio, de forma equânime e justa.132
Caberá ao Juiz, quando instado a tanto, aplicar a medida corretora, sempre
tendo em mente que
Os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor devem ser
interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui
a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de
adesão. Segundo o modelo do direito constitucional, o contrato deve ser
133
interpretado em conformidade com o princípio da função social.
No bojo da nova teoria contratual, portanto, a função social do contrato é
princípio de extrema importância a ser observado, quando necessária a intervenção
judicial.
5.3 As redes contratuais
Vistos os princípios contratuais sob o manto do Código Civil de 2002, e
antes que se passe a comentar diretamente sobre a Súmula 308 do STJ, é
importante falar sobre um outro fenômeno surgido no campo da teoria contratual
pós-moderna, a denominada Teoria das Redes Contratuais.
_____________
131
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método,
2004, p. 60.
132
Nesse sentido: TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes
contratuais na sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 42.
64
Segundo Andreza Cristina Baggio Torres:
A teoria das redes contratuais nada mais é do que uma forma de ver as
relações contratuais como verdadeiros sistemas, os quais buscam
apresentar vínculos complexos e conexos de forma ordenada, por
134
intermédio da noção de unidade dos objetivos contratuais.
Assim, sempre que se estiver diante de diversos personagens, ligados por
relações contratuais autônomas que sejam conexas, mas que contribuem para
permitir ou facilitar o consumo de um bem ou serviço, estar-se-á diante de uma rede
contratual.
A conexidade contratual está relacionada com a finalidade e com o objeto
das relações contratuais. Importante, portanto, saber distinguir quando ocorre a
conexidade. Segundo Cláudia Lima Marques,
A conexidade é, pois, o fenômeno operacional econômico de multiplicidade
de vínculos, contratos, pessoas e operações para atingir um fim econômico
unitário e nasce da especialização das tarefas produtivas, da formação de
redes de fornecedores no mercado e, eventualmente, da vontade das
135
partes.
Já Andreza Cristina Baggio Torres, citando Rodrigo Xavier Leonardo,
entende que:
Ocorre o fenômeno do coligamento negocial (sic) quando se está na
presença de uma pluralidade de contratos coexistentes e, entre eles, se dá
um nexo de tal natureza que os torna dependentes ou interdependentes, de
modo que a validade e a eficácia de um é condicionada à eficácia e
136
validade do outro.
Mas a mesma autora alerta:
Não se deve confundir com a conexidade aqui estudada, da qual se pode
dizer ser juridicamente qualificada, a conexidade ocasional ou material, da
qual se fala quando as diversas declarações são casualmente reunidas em
um só contexto.
[...]
_____________
133
LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios Contratuais. In: A Teoria do Contrato e o Novo Código Civil.
São Paulo: Nossa Livraria, 2004, p. 19.
134
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na
sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 67.
135
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das
relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 105.
136
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na
sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 68.
65
A mera identidade do objeto dos vários acordos realizados em cadeia não é
suficiente para qualificar esses contratos como conexos. Para que seja
juridicamente relevante tal ligação, é necessário que os contratos
apresentem alguma forma de dependência estrutural entre si, ou que sejam
137
informados por um objetivo global comum.
Dessa forma, havendo uma rede de contratos significa dizer que:
(i) existe um contrato principal (ou um determinado número de contratos
principais) no qual se traça a globalidade do objetivo; (ii) outros contratos
(secundários ou terciários, e assim por diante) se inserem, e o objetivo de
cada qual – direta ou indiretamente – está voltado ao alcance do objetivo
global; (iii) a rede de contratantes expande-se até que um número suficiente
de contratantes – partes, principal contratante ou outros contratantes –
estejam vinculados entre si, com o intuito de que seja alcançado o objetivo
138
global.
Trazendo a teoria para o caso concreto, seria um contrato principal aquele
firmado entre o banco financiador e a construtora de um determinado
empreendimento residencial e, secundários, aqueles firmados entre o mesmo banco
financiador,
terceiros
adquirentes
das
unidades
residenciais
de
referido
empreendimento e a construtora enquanto vendedora das unidades, formando uma
rede contratual cujo objetivo global comum é a disponibilidade de unidades
residenciais e sua venda e compra.
Assim, embora a relação entre construtora e banco não seja de consumo,
em havendo o contrato firmado entre o banco e o terceiro adquirente do imóvel
(consumidor) a relação de consumo se instala, ficando ambos, construtora e banco,
submetidos ao Código de Defesa do Consumidor em relação ao adquirente do
imóvel, em nítido vínculo de rede contratual. Este o entendimento demonstrado pelo
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, proferido em Apelação Cível no processo nº
1998.04.01.028982-6 (Laura Regina Mendes Bernardes contra Caixa Econômica
Federal e Construtora Khouri Ltda.), em 7.11.2000, sendo órgão julgador a 4ª
Turma139.
Diz mais a autora paranaense:
_____________
137
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na
sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 69-70
138
IDEM, p. 82-83.
139
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Jurisprudência. Disponível em:
< http://www.trf4.gov.br/trf4/jurisjud/resultado_pesquisa.php >. Acesso em: 19 abr 2008.
66
Aqueles que se unem em redes de contratos para colocar no mercado de
consumo determinado produto ou serviço, devem prestigiar o equilíbrio
desse sistema negocial, e [...] a estabilidade, a persistência temporal e o
equilíbrio próprios às redes de contratos devem ser alcançados pelo
reconhecimento de deveres laterais de conduta entre as partes que
compõem o sistema, os quais nascem da realidade objetiva sistêmica por
140
essas partes criadas.
Quanto aos deveres laterais de conduta, assim se expressa Noronha:
São aqueles que somente apontam procedimentos que é legítimo esperar
por parte de quem, no âmbito de um específico relacionamento obrigacional
(em especial quando seja contratual ou ainda pré-contratual ou póscontratual, e até supra-contratual, isto é, neste caso sendo concomitante
com o contrato, mas indo além dele), age de acordo com os padrões
socialmente recomendados de correção, lisura e lealdade, que caracterizam
141
o chamado princípio da boa-fé contratual.
Além disso, Andreza Cristina Baggio Torres aponta que no âmbito de uma
rede de contratos existem três deveres laterais principais: I) contribuição para a
manutenção do sistema; II) observância da reciprocidade das obrigações; e III) dever
de proteger as relações internas que guarda em si, também, o dever de lealdade e
de transparência. Afirma a autora:
Todas as partes envolvidas na rede negocial deverão buscar o equilíbrio
não só dos contratos individualmente observados, mas de todo o sistema, o
que também pode ser obtido por meio de uma correspectividade (sic)
sistemática das prestações entre os integrantes do sistema e perante
142
terceiros, no nosso caso, os consumidores.
Finalmente, é importante frisar que, em momento algum, a individualidade
de cada contrato será abalada, ou destruída. Cada um, per si, apresenta seus
requisitos essenciais de validade dos negócios jurídicos tais como o consentimento,
objeto e causa próprios.143
_____________
140
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na
sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 85.
141
NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. Fundamentos do Direito das obrigações.
Introdução à Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 149.
142
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na
sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 88.
143
IDEM, p. 69 e 72.
67
6 A CONTROVÉRSIA DA SÚMULA 308 DO STJ
Neste capítulo apresentar-se-á a descrição dos fatos que levaram ao
surgimento dos inúmeros processos judiciais em que os interesses antagônicos
representados pelas instituições financeiras de um lado, pretendendo a excussão da
hipoteca do imóvel e o promitente comprador por outro lado, pretendendo a
propriedade do mesmo imóvel, desacompanhado do ônus hipotecário.
Apresentar-se-á, também, detalhada crítica do Voto Paradigma, a partir do
qual uma série de julgados de igual teor acabou por consolidar o entendimento que
resultou na Súmula 308 do STJ.
Na análise do referido voto, o autor procurará aplicar os estudos
apresentados nos capítulos anteriores.
6.1 O cenário que antecedeu à Súmula
No Brasil, o mercado da construção civil funciona, na grande maioria das
vezes, com a concessão às construtoras e incorporadoras, por parte da rede
bancária, de financiamentos que permitem a edificação das moradias, para posterior
venda e resgate do débito, ficando as construtoras e incorporadoras com o
respectivo lucro.
O mercado sabe, de antemão, que a construção de tais imóveis foi ou será,
financiada por um banco que deles detém, ou irá deter, a hipoteca, a ser liberada
quando de sua venda aos adquirentes finais, quase sempre mediante empréstimos
concedidos pelo próprio banco que financiou a obra.
Em todos esses empreendimentos existe, à entrada, placa anunciando
tratar-se de obra financiada.
Nos contratos firmados entre o banco e as construtoras e/ou incorporadoras
normalmente consta a completa descrição do terreno onde será levantado o
68
empreendimento, indicando-se sua matrícula e a descrição do empreendimento,
muitas vezes com detalhamento sobre a tipologia e metragem de cada unidade
habitacional, caracterizando-se a hipoteca mediante o registro do contrato no
Cartório de Registro de Imóveis que jurisdiciona do respectivo terreno.
Os pretendentes à aquisição sabem, portanto, que existe um credor e uma
hipoteca vinculados a tais imóveis. Não é medianamente razoável ter entendimento
diferente disso.
Em muitos casos, entretanto, a incorporadora se antecipa e realiza, antes de
constituir o financiamento, a promessa de compra e venda das futuras unidades,
ainda na planta, firmando acordos individuais com os promitentes compradores, para
entrega futura dos bens.
Nesses casos, a hipoteca que irá beneficiar o banco financiador da obra
certamente será constituída em data posterior aos compromissos de compra e
venda que venham a ser firmados com cada um dos adquirentes finais.
Ocorre de igual modo, de a construtora e/ou incorporadora realizar a venda
de unidades individuais a terceiros, mediante compromissos de compra e venda de
caráter particular, feitos depois de já registrada a hipoteca que beneficia a instituição
financeira, mas sem o prévio conhecimento do banco.
Na maioria desses casos o adquirente tem conhecimento da existência da
hipoteca, bem como sabe que o empreendimento foi financiado pelo banco e que a
venda das unidades destina-se ao pagamento do empréstimo pela construtora e/ou
incorporadora, informações, às vezes, constantes do próprio instrumento de
promessa que assina.
Com o surgimento da crise financeira que atingiu a indústria da construção
civil, primeiramente no final dos anos oitenta quando o Governo Federal determinou
o contingenciamento de recursos para o setor habitacional, notadamente aqueles
oriundos do FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e, posteriormente, no
início da década de noventa, com o choque econômico provocado pelo advento do
Plano Real, inúmeras construtoras e incorporadoras passaram a ter graves
problemas de caixa.
69
Como forma de aliviar a falta de recursos, a crise levou essas empresas a se
utilizarem, preferencialmente, dos compromissos de compra e venda firmados com
terceiros, sem o conhecimento ou anuência dos bancos credores e sem promoverem
a devida amortização junto ao contrato de financiamento do empreendimento.
Deixando de honrar o contrato firmado com a instituição financeira,
construtoras e incorporadoras tornaram-se inadimplentes, resultando em grande
número de processos de execução judicial nos quais os bens dados em garantia por
hipoteca vieram a ser penhorados.
Com a medida, o que o credor objetivou foi o recebimento do crédito
emprestado e, para tanto, pugnou pela prevalência de seu direito de seqüela,
buscando a realização da garantia hipotecária, que normalmente se dá mediante
leilão público no decorrer do processo de execução.
Nesse momento, surge o conflito de interesses:
a) de um lado a instituição credora busca se valer de seu direito real,
promovendo a realização da hipoteca para receber o crédito
representado pelo contrato de mútuo que possui com a construtora
e/ou incorporadora;
b) de outro, o promitente comprador de unidade do empreendimento que,
tendo realizado a integralidade do pagamento à construtora ou
incorporadora, para adquirir o imóvel, vê o bem que lhe foi prometido,
em risco iminente, e busca se valer, também, de seu direito real,
exigindo a baixa da hipoteca, e regularização da propriedade
desacompanhada de qualquer ônus.
6.2 As primeiras decisões judiciais
Passaram, então, os promitentes compradores, a acionar a Justiça em
busca da liberação da hipoteca de seus imóveis, sob a alegação de que a totalidade
do preço do bem junto à construtora e/ou incorporadora já havia sido paga.
70
Em
relação
àquelas
unidades
vendidas
a
terceiros
adquirentes
anteriormente ao contrato de financiamento firmado entre construtora e/ou
incorporadora e o banco financiador, a jurisprudência do STJ considerou nulas as
hipotecas constituídas depois de celebrado o compromisso de compra e venda.
Neste sentido o Agravo no Recurso Especial nº 561.807 – GO
(2003/0129042-4) da Terceira Turma do STJ, sendo relatora a Ministra Nancy
Andrighi, cujo acórdão data de 23.3.2004. No voto, afirmando que “É pacífico, neste
STJ, o entendimento que declara a nulidade da hipoteca outorgada (pela construtora
à instituição financeira) após a celebração da promessa de compra e venda com o
promissário-comprador” 144., a relatora cita decisões precedentes a saber:
Recurso Especial nº 78.459/RJ, relator Ministro Ruy Rosado Aguiar, Quarta
Turma, Diário de Justiça de 20.5.1996;
Recurso Especial nº 146.659/MG, relator Ministro César Asfor Rocha,
Quarta Turma, Diário de Justiça de 5.6.2000;
Recurso Especial nº 287.774/DF, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar,
Quarta Turma, Diário de Justiça de 2.4.2001;
Recurso Especial nº 296.453/RS, relator Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito, Terceira Turma, Diário de Justiça de 3.9.2001;
Recurso Especial nº 329.968/DF, relator Sálvio de Figueiredo Teixeira,
Quarta Turma, Diário de Justiça de 4.2.2002; e
Recurso Especial nº 334.829/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, Diário de Justiça de 4.2.2002.145
_____________
144
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Civil. Direito Processual Civil. Agravo no recurso especial.
Impugnação específica. Inépcia. Prequestionamento. Ausência. Hipoteca. Nulidade. AgRg no
Especial nº 561.805 – 60 (2003/0129042-4). Agravante: Banco Itaú S/A. Agravado: Dora Vieira
Bresler Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 23 mar. 2004. Disponível em: <
https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301290424&dt_publicacao=19/04/2004>.
Acesso em 21 abr. 2008.
145
IDEM.
71
Essa foi a mesma situação verificada no REsp nº 498.862/GO relatado pelo
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, sendo recorrente o BB Banco de
Investimentos S.A. e recorridos a ENCOL S.A. e Outro, de 2.12.2003.146
Tal jurisprudência consolidou-se e, em relação à ela, houve ampla
assimilação.
Até anos recentes, em razão de estarem as hipotecas devidamente
registradas no Cartório Imobiliário pertinente desde a constituição do mútuo e, quase
sempre, antes da celebração da promessa particular de compra e venda firmada
entre construtora e terceiros, promitentes compradores, prevalecia o entendimento
judicial de eficácia da hipoteca frente a tais compradores.
Neste sentido apontou a decisão de 27 de junho de 2002, constante do
Recurso Especial nº 314.122 PA (2001/0035891-8) da Terceira Turma do STJ,
sendo relator o Ministro Ari Pargendler, cuja ementa dispõe:
CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. HIPOTECA ANTERIOR. Se, à
data da promessa de compra e venda, o imóvel já estava gravado por
hipoteca, a ela estão sujeitos os promitentes compradores, porque se trata
de direito real oponível erga omnes; o cumprimento da obrigação de
escriturar a compra e venda do imóvel sem quaisquer onerações deve ser
exigida de quem a assumiu, o promitente vendedor. Recurso especial
147
conhecido, mas não provido.
Ensina Tartuce que “Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser
responsabilizado o consumidor pela conduta da incorporadora que acaba não
repassando o dinheiro ao agente financiador”.148
_____________
146
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Promessa de Compra e Venda. Imóvel adquirido no âmbito
do Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca constituída pela construtora junto ao agente financeiro.
Dissídio. Precedentes da Corte. Resp nº 498.862/GO. Recorrente: BB Banco de Investimentos S.A.
Recorrido: ENCOL S.A. e Outro. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, 2 dez. 2003.
Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=resp+187940&&b=ACOR&p
=true&t=&l=10&i=16>. Acesso em 14 jun. 2007.
147
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Civil. Promessa de Compra e Venda. Hipoteca Anterior.
Recurso Especial nº 314.122 PA (2001/0035891-8). Recorrente: Ney Ronaldo Gomes da Silva e
Cônjuge. Recorrido: Caixa Econômica Federal. Ministro Ari Pargendler. Brasília, DF, 27 jun. 2002.
Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=HIPOTECA+E+PROMI
TENTE&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=17>. Acesso em 14 jun. 2007.
148
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 224.
72
Concorda o autor deste trabalho que, na situação posta, a hipoteca não deve
prevalecer, mas por fundamentação diversa: é que, aqui, o agente financeiro foi
quem assumiu o risco de financiar empreendimento que já contava com unidades
previamente vendidas, não podendo contra elas prevalecer hipoteca registrada em
data posterior à venda que já era do conhecimento da credora.
Nesse particular, é oportuno registrar, como já o foi feito no capítulo
dedicado ao Direito do Promitente Comprador, o posicionamento consolidado do
STJ, que desconsidera a exigência de registro do compromisso no cartório
imobiliário nas situações da Súmula nº 239: “O direito à adjudicação compulsória
não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório
imobiliário”; bem como da Súmula nº 84: “É admissível a oposição de Embargos de
Terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e
venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.149
Assim, entende-se que é perfeitamente correta a visão do STJ no que se
refere à ineficácia ante os promissários compradores, da hipoteca registrada depois
de firmado o compromisso de compra e venda entre eles e a construtora, ou
incorporadora.
6.3 A polêmica estabelecida
Entretanto, com o acirramento da crise imobiliária e a falência de muitas
construtoras e incorporadoras, dentre elas a Encol, então considerada a maior do
País no mercado habitacional, surgiu a situação de restarem os promitentes
compradores, teoricamente compradores de boa-fé e parte mais fraca, com o risco
de perda do bem que lhes fora prometido por compromisso de compra e venda, uma
vez que, para todos os efeitos legais, tais bens
permaneciam no patrimônio
daquelas empresas.
_____________
149
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Consultas. Jurisprudência. Súmulas. Disponível em: <
http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp>. Acesso em 20 mar. 2008.
73
Então, também no caso de hipotecas constituídas antes da celebração dos
compromissos de compra e venda, o STJ passou a admitir entendimento divergente
por considerar que não atingia, “a garantia hipotecária do financiamento, o terceiro
adquirente da unidade, o qual responde, apenas, pelo pagamento de seu débito” 150.
O julgado considerado paradigma para diversos outros posteriores, e em
todos eles citados como fundamentação, aconteceu no Recurso Especial nº 187.940
– SP (98/0066202-2), Quarta Turma, sendo relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar,
publicado no Diário de Justiça em 21.6.1999, constando de sua ementa:
O direito de crédito de quem financiou a construção das unidades
destinadas à venda pode ser exercido amplamente contra a devedora, mas
contra os terceiros adquirentes fica limitado a receber deles o pagamento
das suas prestações, pois os adquirentes da casa própria não assumem a
responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria, pelo valor real do imóvel,
151
e a da construtora do prédio.
Seguindo a mesma orientação, houve o Recurso Especial nº 399.859/ES.
Recorrente: Banco do Estado do Espírito Santo – BANESTES. Recorrido:
Associação dos Proprietários de Unidades Habitacionais do Edifício Plaza Gimenez.
Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, Brasília, DF, 19
dez. 2001, onde se faz constar que:
O adquirente de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável
pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não
podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento, posto
que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a
incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado,
152
nos termos do art. 22 da Lei n 4.864/65”
_____________
150
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Direito Civil. Hipoteca. Precedente da Corte. Recurso
Especial nº 399859/ES. Recorrente: Banco do Estado do Espírito Santo – BANESTES. Recorrido:
Associação dos Proprietários de Unidades Habitacionais do Edifício Plaza Gimenez. Relator: Ministro
Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, DF, 19 dez. 2001. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=encol%20hipoteca >. Acesso em 14 jun.
2007.
151
IDEM. Superior Tribunal de Justiça. Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução.
Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador. Embargos de
Terceiro. Recurso Especial nº 187.940/SP (98/0066202-2). Recorrente: Wulf Falim e Cônjuge.
Recorrido: Delfim S/A Crédito Imobiliário. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, DF, 18
Fev. 1999. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=1998
00662022&pv=000000000000>. Acesso em 21 abr. 2007.
152
IDEM. Superior Tribunal de Justiça. Direito Civil. Hipoteca. Precedente da Corte. Recurso Especial
nº 399859/ES. Recorrente: Banco do Estado do Espírito Santo – BANESTES. Recorrido: Associação
dos Proprietários de Unidades Habitacionais do Edifício Plaza Gimenez. Relator: Ministro Carlos
Alberto Menezes Direito. Brasília, DF, 19 dez. 2001. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/
pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=encol%20hipoteca >. Acesso em 14 jun. 2007.
74
A partir do momento em que as decisões do STJ sobre o assunto passaram
a buscar sustentação no Princípio da boa-fé objetiva, conjugado com as previsões
da Lei nº 4.864/65153 o entendimento se alargou e a sucessão de julgados resultou
na edição, em 30.3.2005, com publicação em 25.4.2005, da Súmula 308, que
proclamou:
“A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou
posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os
adquirentes do imóvel”154.
Tal entendimento, embora aparentemente pacificado no âmbito do STJ,
tendo sido utilizado, inclusive, como embasamento para inúmeras decisões
posteriores, tanto de primeiro, como de segundo graus, é alvo de acirrados debates
no meu jurídico.
A primeira impressão que se tem é de que a decisão do Egrégio Tribunal
agride de forma violenta o milenar instituto da hipoteca. Sobre isto, cite-se a
manifestação de Bruno Mattos Silva:
Isso significa que a hipoteca celebrada nessas condições não é um direito
real, uma vez que não pode ser oposta contra terceiros. O que é essa
hipoteca então? Mero direito pessoal da instituição financeira contra a
incorporadora, que é a própria parte com a qual o banco celebrou um
contrato, ou seja, algo absolutamente inócuo. Logicamente não é possível
direito de garantia sem natureza real em que o garante e o devedor são a
155
mesma pessoa.
Entende o mesmo autor, não se poder alegar boa-fé por parte dos
promitentes compradores, nos casos de assinatura da promessa de compra e venda
depois de registrada a hipoteca:
Essa situação é totalmente diferente, não havendo razão para se alegar
boa-fé ou aplicar o Código do Consumidor para proteger o comprador que
comprou o imóvel já hipotecado! Uma situação é a pessoa que adquire um
imóvel já hipotecado; outra é a situação da pessoa que adquire um imóvel
_____________
153
BRASIL. Lei nº 4.864/65. Cria medidas de estímulo à Indústria de Construção Civil. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4864.htm>. Acesso em 18 jun. 2007.
154
IDEM. Superior Tribunal de Justiça. Consultas. Jurisprudência. Súmulas. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 14 jun. 2007. (grifo inexistente no original)
155
SILVA, Bruno Mattos e. População pagará a conta da nova Súmula do STJ. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 27 maio 2005. Disponível em: < http://conjur.estadao.com.br/static/text/35041,1>.
Acesso em: 19 jun. 2007.
75
que, posteriormente, vem a ser hipotecado com fundamento em uma
156
cláusula contratual manifestamente nula. (destaque no original).
Tartuce também entende que a Súmula 308 é exemplo de aplicação do
princípio da boa-fé:
A referida súmula visa justamente proteger esse consumidor restringindo os
efeitos da hipoteca às partes contratantes. Isso diante da boa-fé objetiva, já
que aquele que adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas frente
à incorporadora, ignorando toda a sistemática jurídica que rege a
157
incorporação imobiliária.
Entretanto, a ressalva “ignorando toda a sistemática jurídica que rege a
incorporação imobiliária” abre espaço para que se tenha o entendimento de que, em
sabendo a sistemática (ou em conhecendo previamente a existência da hipoteca), o
promitente comprador assumiu o risco, não podendo, ao depois, alegar somente a
boa-fé para pleitear a baixa hipotecária.
Diferente é o que ocorre nos casos em que o compromisso de compra e
venda foi firmado antes de registrada a hipoteca, quadro em que não existe
controvérsia. Nesse caso, se quando realizou a compra o bem se encontrava livre de
ônus, configura-se a boa-fé do adquirente.
A questão mais polêmica da Súmula 308 do STJ, portanto, é exatamente
quanto às hipotecas firmadas em data anterior aos compromissos de compra e
venda.
Para melhor compreender a questão é preciso estudo acurado do inteiro teor
do Voto Paradigma, que se transformou na fonte das argumentações utilizadas em
decisões posteriores que, reiteradas, provocaram o surgimento da referida súmula.
_____________
156
SILVA, Bruno Mattos e. Análise crítica da Súmula 308 do STJ: alcance, conclusões e perspectivas.
In:
Jus
Navigandi.
Teresina,
n.
705,
10
jun.
2005.
Disponível
em:
<
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6869>. Acesso em: 12 jan. 2007.
157
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método,
2007, p. 224.
76
6.3 Análise do voto Paradigma
Embora, aparentemente, fosse dispensável, optou-se, aqui, pela transcrição
do inteiro teor do voto paradigma, proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no
julgamento do Recurso Especial nº 187.940 – São Paulo (98/0066202-2) em
julgamento ocorrido em 18.2.1999158.
A transcrição objetiva dar o mais completo entendimento sobre o voto
paradigma, bem como apresentar, intercaladamente, os comentários sobre as
fundamentações do relator. Afinal, todas as decisões posteriores que culminaram na
divulgação da súmula tomaram por parâmetro tais fundamentações.
Importante, portanto, apresentar por primeiro o Relatório:
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Wulf Falim e s/m opuseram embargos de terceiro à penhora realizada no
processo de execução promovido por Delfim S/A – Crédito Imobiliário (em
liquidação) contra a Unimov – Empreendimentos e Construções S/A. que
recaiu sobre o apartamento nº 42 do Edifício Ouro Verde, situado na
Alameda Tietê nº 588, em São Paulo/SP, alegando que são promissários
compradores e possuidores do imóvel desde 07 de outubro de 1973,
conforme escritura pública inscrita no Registro de imóveis, outorgada pela
Construtora Marcovena S/A, antecessora da executora Unimov –
Empreendimentos e Construções S/A.
A sentença julgou procedentes os embargos de terceiro, declarando
insubsistente a penhora.
A embargada apelou e a eg. 3ª Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil
de São Paulo, por votação majoritária, negou provimento ao recurso,
extraindo-se do v. acórdão o seguinte passo:
“[...] Todavia, no caso, não se pode falar em execução da unidade
compromissada porque integra o edifício, cuja construção foi financiada e
porque teriam os embargantes pago mal, pagando à „UNIMOV‟.
Com efeito, examinando-se o contrato de mútuo e garantia hipotecária, de
fls. 110/123, verifica-se que a financiadora instituiu como sua mandatária a
_____________
158
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução.
Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador. Embargos de
Terceiros. Recurso Especial nº 187.940/SP. Recorrente: Wulf Falim e Cônjuge. Recorrido: Delfim S/A
Crédito Imobiliário. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, DF, 19 fev.1999. Disponível em
http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199800662022&pv=000000000000
Acesso em 14 jun. 2007.
77
Construtora Marcovena S/A, que depois foi adquirida pela Unimov, que
incorporou a obra, podendo compromissar as vendas e receber o preço das
unidades para repasse em seguida.
É o que se vê das cláusulas 20 a 22, do contrato de financiamento, às fls
118/119 dos autos, sendo certo que, no caso, em não tendo havido o
repasse dos créditos pela mutuária à mutuante, os adquirentes por tal
descumprimento não podem responder com suas unidades porque
integrariam elas a garantia hipotecária.
Assim, face aos termos do contrato a mutuante, em verificando a
inadimplência da mutuária e sabedora das vendas, deveria notificar os
compromissários para que passassem a pagar seus débitos diretamente em
seus escritórios. E não simplesmente aguardar os débitos se avolumarem
para, escudando-se na garantia hipotecária, executar os adquirentes, que
não foram inadimplentes, que cumpriram com seus compromissos e que se
encontram na posse direta dos imóveis.
Portanto, a execução da mutuária, no caso, não pode prejudicar os direitos
dos compradores, eis que não se houveram com culpa, sendo que o mesmo
não se pode afirmar em relação à embargada.
Por tais motivos nega-se provimento ao recurso, mantendo a bem lançada
sentença de primeiro grau.” (fls. 510/511).
Aqui já se faz necessária uma intervenção.
Como se depreende do relatório, tanto na sentença de primeiro grau, quanto
na decisão da 3ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, não atentou-se para
o importante registro de que a possibilidade contratual de venda das unidades
individualizadas a terceiros vem seguida da obrigação “de receber o preço das
unidades para repasse em seguida”. Assim é que a simples possibilidade da
venda não elide a obrigação da devedora de imediatamente recolher o respectivo
valor do gravame hipotecário à credora, para permitir a liberação da hipoteca.
Se assim não o fez, a construtora agiu contra o contrato existente frente à
credora e agiu de má-fé em relação aos promitentes compradores porque ao longo
dos anos insistiu em não repassar o resultado da venda à credora, deixando de
cumprir o que contratou com os adquirentes, que seria promover a liberação da
hipoteca.
Mais uma vez é importante citar o ensinamento de Andrezza Cristina Baggio
Torres: “quem não está em estado de ignorância (aspecto subjetivo) e, apesar disso,
78
age, sabendo ou devendo saber que vai prejudicar direitos alheios, procede (aspecto
objetivo) necessariamente de má-fé”159.
Aliás, quanto à atitude da construtora, é oportuno citar jurisprudência do
Recurso Especial n.º 316.640-PR, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, onde é
dito: “fere a boa-fé objetiva da relação contratual a atitude da construtora que
primeiro celebra o compromisso de compra e venda de imóvel com o promissáriocomprador e depois onera-o com hipoteca em favor de terceiro”160. Como se vê, o
inverso também caracteriza a má-fé: primeiro contrata hipoteca com a credora e
depois celebra compromisso de compra e venda com o promissário comprador sem
providenciar a liberação da hipoteca conforme contratado.
Alegam os julgados, em ambas as instâncias, que a credora “sabedora da
venda” nada fez para buscar seu crédito. Ora, a credora nunca foi devidamente
avisada sobre a realização das vendas; delas não tinha conhecimento.
Em contrapartida, os julgados não mencionam que também os promitentes
compradores, como primeiros interessados, nada fizeram contra a construtora e sua
sucessora para ver liberada a hipoteca tão logo realizado o pagamento, apesar de
terem prévio conhecimento da existência do gravame e, conseqüentemente, dos
riscos que dele poderiam advir. Que garantia tinham os promitentes compradores?
Nenhuma.
A credora, ao contrário, tinha a garantia da hipoteca de todo o imóvel (não
apenas da unidade em questão) e não necessariamente, àquela altura, a medida da
execução do crédito mostrar-se-ia oportuna e indicada, frente à amplitude do
negócio que mantinha com a devedora.
E tanto isto é fato, que a própria decisão da 3ª Câmara, ao início, relata que
“Todavia, no caso, não se pode falar em execução da unidade compromissada
porque integra o edifício”. Então, se integra, não foi desmembrada. Não foi
_____________
159
TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na
sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 57.
160
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.° 316.640-PR. 3ª Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, J. 18 mai. 2004. Disponível em <http://www.stj.gov.br> Acesso em: 22 jul.
2007.
79
desmembrada porque não houve pagamento à credora; permanece a hipoteca e o
direito de seqüela. Estava legalmente garantida a credora.
Conclui-se, pois, que a alegação da 3ª Câmara, que foi acompanhada pelo
Voto Paradigma, não se sustenta: a credora agiu, sim, no momento que lhe pareceu
oportuno. A execução deu-se em época que ela, credora interessada, considerou a
correta.
Quem manteve-se inerte, sem agir, foram os promitentes compradores, que
tiveram tempo mais que suficiente para buscarem junto à construtora, com quem
mantinham contrato, o cumprimento da obrigação de providenciar a liberação da
hipoteca, repassando o produto da venda à credora e não o fizeram.
Ora, a conclusão deveria ser inversa: se alguém houve com culpa, só
poderia ser os promitentes compradores, e não a “embargada” credora, que, ao
promover a execução que resultou em penhoras, fez valer o seu direito de seqüela,
fundado em lei e decorrente de ato jurídico perfeito, que foi o contrato firmado com a
construtora e a hipoteca registrada no cartório imobiliário.
Aliás, esse foi o entendimento posterior, quando a mesma 3ª Câmara, em
decorrência
de
embargos
infringentes,
considerou
também,
em
seu
reposicionamento, a argumentação de voto vencido na decisão anterior e de
julgamento antecedente da 4ª Câmara do mesmo Tribunal:
Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados.
A embargada Delfim opôs embargos infringentes, com fundamento no d.
voto vencido, tendo a eg. Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada
Civil acolhido o recurso em acórdão com a seguinte fundamentação, no que
interessa:
“É de se notar que do compromisso de compra e venda realizado entre os
embargados e a mutuária construtora, devidamente registrado, consta
expressamente a existência do ônus da hipoteca sobre o imóvel
transacionado (fl. 53). F., na certidão expedida pelo 13º Cartório de Registro
de Imóveis, da Capital há também menção expressa dessa garantia real.”
(fl. 54).
Assim, valendo-se do direito real hipotecário que possui gravando o imóvel,
a embargante na execução que move a mutuária construtora fez efetivar
penhora sobre o mesmo.
O insigne Clóvis Bevilaqua após analisar o instituto da hipoteca nos diversos
sistemas jurídicos contemporâneos, passa a considerá-lo à luz de nosso
direito, afirmando que adere á coisa gravada, seguindo-a por toda a parte,
80
sendo exclusiva, provida de ação real, prevalecendo contra todos (Direito
das Coisas – II Vol – 5ª Ed. – Pág. 131 – Forense – S/D – Rio). Traz como
conseqüência ao credor o denominado direito de seqüela.
O preclaro juiz prolator do voto vencido analisou a questão sub-judice com
acerto e precisão dando-lhe o único enfoque possível, data vênia dos votos
vencedores, à luz do direito pátrio.
Já o eminente Lafaiete definia a hipoteca como sendo direito real
constituído em favor do credor sobre imóvel do devedor ou de terceiro,
tendo por fim sujeitá-la, exclusivamente ao pagamento da dívida, sem
todavia tirá-la da posse do dono (Direito das Coisas – 172 A 278).
O art. 810, I e II, do CC ao dispor que os imóveis e seus acessórios podem
ser objeto de hipoteca, refere-se aqueles do art. 43, I e II, e do art. 61, III, do
mesmo estatuto legal.
Este Sodalício por diversas vezes teve a oportunidade de apreciar casos
semelhantes aos dos presentes autos, figurando em um dos pólos da ação
a embargante, e a e. Quarta Câmara, tendo como relator o eminente juiz
Octaviano Santos Lobo, na Apel. nº 506.906/1-SP, decidiu que:
„Diante da publicidade do registro da hipoteca inscrita em 05/01/73 (fls. 109),
não podiam os adquirentes, quer ignorá-la, quer pactuar como senão
existisse ou o gravame fosse ônus de outrem... inoponível, portanto, o
direito possessório invocado com base em direito de cessão de
compromisso de regramento especial de direito hipotecário sobre a regra
genérica do art. 1046 do CPC: insuscetível de tutela a posse ou
propriedade, a teor do art. 1046 do CPC, quando ao ingressar na posse do
imóvel, já havia a publicidade do registro hipotecário anterior, por cuja
„ignorantia neminem excusat’; o ingresso na posse e propriedade do
apartamento pela embargante deu-se ciente, presumidamente, a adquirente
do débito hipotecário que eventualmente poderia ter executado, não pode a
embargante beneficiar-se agora da própria negligência, quando da
aquisição do imóvel, devendo assumir os riscos do negócio, pela forma e
ousadia realizada.‟
Assevera o ilustre relator que a credora hipotecária é terceira quanto ao
pactuado, alheia às obrigações que só vinculam os contratantes
embargados e mutuária construtora, assumindo os primeiros os riscos da
segunda não cumprir com o que prometeu, ou seja, assumir a
responsabilidade pela liquidação do débito para com a mutuante
embargante.
Mesmo que se conclua ter a embargante anuído tacitamente com a venda
da unidade autônoma para os embargados, não está por tal motivo afastado
do ônus real que grava o imóvel, eis que não se insere nas hipóteses de
sua extinção elencada no art. 849 e seus incisos do CC.
Alfonso de Cossio Y Corral, jurista espanhol em completo e profundo estudo
sobre o direito hipotecário ensina que:
„Como todo complejo normativo, el ordenamiento hipotecário se funda en
una serie de princípios generales que dotan a sus normas de un sentido
unitario. Tales princípios non son axiomas inconcusos sino más bien
creaciones técnicas, instrumentos idóneos para conseguir en la realidadd
las finalidades específicas perseguidas por la institucionón registral: esta
finalidad se legitima por consideraciones éticas y utilitarias, esto es, por la
necessidad de proteger la buena fe y, en medida en que lo sirven
81
eficazmente, lo legitiman también los princípios creados por la técnica
jurídica para su logro, siempre que los mismos no lesionen otros intereses
superiores de mayir rango.‟(sic) (Instituciones de Derecho Hipotecario – 1ª
Ed. – pág. 34 e segs. – Civitas – 1986 – Madrid).
Apesar das graves censuras e objeções que juristas de renome fazem ao
indigitado instituto, tendo alguns afirmado que se trata de instituto
repugnante à ética, está inserido em nosso sistema jurídico, tendo sido bem
absorvido pelo mundo negocial, apresentando-se como um gravame, em
virtude do qual um imóvel fica sujeito, em proveito do credor, ao pagador de
um crédito que lhe pertence, influência direta BGB, parágrafo 1113.
As demais questões suscitadas na impugnação, entre elas a referente à
aplicação da Lei nº 8.009/90 refogem por completo do objeto da
advertência, contudo quanto a tal matéria, as exceções do art. 3º
contemplam-na.
Ante o exposto, acolhe-se os embargos, subsistindo a penhora sobre o
indigitado bem, invertendo-se o ônus da sucumbência.” (fls. 605/609).
Diante de tal decisão, correta, no entendimento deste autor, os embargantes
promoveram o Recurso Especial de que ora se trata e que viria a se transformar no
paradigma para outras decisões semelhantes e posteriores.
Assim é que continua o Relatório:
Rejeitados os declaratórios, os embargantes ingressaram com recurso
especial por ambas as alíneas, alegando afronta aos arts. 22, 23 §§ 1º e 2º,
da Lei nº 4.864/65, 85 do Cód. Civil, 2º, § 1º e 5º da LICC, além de
divergência com a Apelação em Mandado de Segurança nº 94.04.47071-6RS, in DJU de 18.01.95, pág. 1.349. Segundo afirmam, no sistema
financeiro da habitação, com regulação específica, o agente do crédito teria
como garantia a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de
alienação das unidades habitacionais, devendo proceder de acordo com o
previsto naquela legislação, em caso de inadimplemento do seu financiado,
construtor do prédio. Aduzem que, “além de não poder existir a garantia
hipotecária sobre bem futuro, temos também presente a liberação tácita da
referida hipoteca por parte Delfim S/A (sic) a partir do momento que a venda
das unidades era obrigação da construtora, com prazo exíguo, e o agente
financeiro outorgou-lhe procuração para este fim, forneceu-lhe contrato
padrão, autorizou a venda e o recebimento das prestações e, ainda,
renovou o contrato de mútuo exigindo outras garantias hipotecárias, tudo
revelando incompatibilidade com intenção de no futuro próximo vir a excutir
a garantia hipotecária dos imóveis construídos com os recursos do Sistema
Financeiro da Habitação e dos próprios mutuários adquirentes finais. A
própria renegociação também se caracteriza como um ato de remissão
irreversível.”
Sustentam, outrossim, que o aresto recorrido afronta os princípios gerais do
direito, da legalidade e da moralidade. Comprovam dissídio com julgado no
sentido de que “no contrato de adesão, interpreta-se com prevalência a
vontade das partes com a manifestação escrita, sendo certo que, na
aquisição de imóveis do SFH, o pacto era firmado na presunção de que as
prestações seriam reajustadas de acordo com a variação salarial da
categoria do mutuário.” (AP/MS 94.04.47071-6/RS). Requerem, afinal, a
procedência dos embargos de terceiro, anulando-se “a hipoteca lavrada em
afronta ao disposto na lei especial e a responsabilização exclusiva da
82
depositária legal dos valores pagos pelos recorrentes a arcarem com a
dívida que constituíram e inadimpliram.”
Nas contra-razões a recorrida alega deserção do recurso em razão do
pagamento e juntada do preparo fora do prazo, além de faltar ao apelo as
condições de admissibilidade e inocorrência da apontada violação aos
dispositivos legais elencados.
O d. MP/SP opinou pelo improvimento do recurso especial. (fls. 669/673).
Indeferido na origem, manifestou-se o agravo de instrumento nº 170.917-SP
(autos apensos), que provi para melhor exame. Solicitados os autos.
É o relatório.
Note-se, por ser de fundamental importância, que o Ministério Público opinou
pela rejeição do Recurso Especial, ou seja, manifestou-se favorável à manutenção
da decisão anterior que consagrava a hipoteca, subsistindo a penhora.
Passa-se à análise do Voto Paradigma:
O Exmo. Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
1. [...]
2. Versa o presente recurso sobre a possibilidade de execução de imóvel
hipotecado ao agente financeiro (instituição de crédito imobiliário), em
garantia de dívida da construtora ou incorporadora do edifício (devedora), já
tendo sido o bem objeto de contrato de promessa de compra e venda
celebrado com terceiro, que pagou integral ou parcialmente as suas
prestações à promitente vendedora, e que vem a sofrer a penhora do
apartamento que adquiriu, na execução promovida pela instituição de
crédito imobiliário por inadimplemento da construtora, devedora hipotecária.
De início, e para o bem da verdade, é preciso esclarecer – uma vez mais –
que no caso concreto de que se trata, a hipoteca foi regularmente constituída,
resultando de contrato firmado entre construtora e agente financeiro, antes de
firmado o compromisso de compra e venda entre a construtora e o compromissário
comprador.
De tal compromisso, nunca houve formalização de notícia ao agente
financeiro que somente veio dele tomar conhecimento muito tempo depois, quando
da apresentação dos embargos de terceiro na execução que promoveu contra a
construtora inadimplente.
A causa deve ser examinada e julgada nas circunstâncias do negócio
realizado, tratando-se de aquisição da casa própria com incorporadora do
prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos adquirentes
finais.
83
Chama atenção, a declaração de que “A causa deve ser examinada e
julgada nas circunstâncias do negócio realizado”. Assim também acredita o autor
deste trabalho. Quanto a essa declaração, será objeto de melhor análise mais à
frente.
Merece ser revista a afirmativa “tratando-se de aquisição da casa própria
com incorporadora do prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos
adquirentes finais”. Na verdade, o correto seria dizer “tratando-se de aquisição da
casa própria de propriedade da incorporadora do prédio, por adquirentes finais,
sem financiamento por agente financeiro”.
Desde logo fica definido que o negócio de financiamento e a venda das
unidades habitacionais ocorreu no âmbito do Sistema Financeiro de
Habitação, como se pode ver da cláusula 4ª, do contrato de financiamento
de Delfin S/A – Crédito Imobiliário, exeqüente, com a construtora Marcovena
Ltda., onde é feita referência à vigência da legislação do BNH, e à cláusula
12, onde se afirma que o contrato está vinculado ao SFH.
Faço esse registro inicial porque é preciso definir que o financiamento
concedido à empresa construtora tinha o fim único de permitir a construção
de um prédio destinado a venda. Os terceiros adquirentes fariam o
pagamento das suas prestações com recursos próprios diretamente à
construtora, ou obteriam um financiamento pessoal junto à mesma ou a
outra instituição financeira, hipótese em que tocaria a esta saldar o débito
do promissário comprador perante a construtora, ficando o imóvel
hipotecado em favor da instituição que financiou o promissário comprador,
adquirente final (mutuário). Nessa situação, cabe ao financiador do prédio
construído para ser alienado cobrar-se da construtora, sobre os bens dela,
sua devedora, ou sobre os créditos dela em relação aos terceiros
adquirentes.
De pronto observa-se a existência de afirmativa não condizente com a
realidade dos fatos. Por tratar-se de idéia fundamental na formalização do
entendimento que levou ao voto, infelizmente tal afirmativa foi disseminada na
seqüência de votos e julgados que o acompanharam, acabando por gerar a Súmula
308. O equívoco está em que, apesar do contrato firmado entre o agente
financeiro e a construtora estar inserido nas normas do SFH, o caso não se
trata de venda de unidade habitacional no âmbito do Sistema Financeiro da
Habitação.
84
Ocorre que de acordo com o artigo 8º da Lei nº 4.380/64 161, das partes
envolvidas apenas o agente financeiro Delfin S/A, fazia parte do SFH. Uma vez que
não houve sua participação no compromisso de compra e venda firmado pela
construtora e adquirente final, tal contrato é espúrio no âmbito do Sistema Financeiro
da Habitação, foi feito à revelia de suas normas e por elas não está amparado.
Mais, ao afirmar ao final da citação acima que cabe ao financiador “Nessa
situação... cobrar-se da construtora, sobre os bens dela, sua devedora”, o que
efetivamente a Delfin S/A fez ao promover a execução e indicar à penhora os
bens hipotecados que ainda permaneciam na propriedade da Construtora, o
voto omitiu a importante circunstância de que o agente financeiro não participou da
promessa de venda, dela não tinha conhecimento, não havendo, portanto, como
“cobrar-se [...] sobre os créditos dela (construtora) em relação aos terceiros
adquirentes”.
A mecânica do SFH é explicada quando o voto cita a legislação específica:
Relembro algumas disposições legais sobre o Sistema Financeiro da
Habitação:
a) em primeiro lugar, as sociedades de crédito imobiliário, como a Delfin S/A
– Crédito imobiliário, ora recorrida e autora do processo de execução, são
órgãos integrantes do sistema financeiro da habitação (art. 8º, III, da Lei nº
4.380/64), submetidas à legislação específica;
b) em segundo lugar, “as sociedades de crédito imobiliário somente poderão
operar em financiamento para construção, venda ou aquisição de
habitações mediante:
I – abertura de crédito a favor de empresários que promovam projetos de
construção de habitações para venda a prazo;
II – abertura de crédito para a compra ou construção de casa própria com
liquidação a prazo de crédito utilizado;
III – desconto, mediante cessão de direitos de receber a prazo preço da
construção ou venda de habitação;
IV – outras modalidades de operações autorizadas pelo Banco Nacional de
Habitação.” (art. 39 da lei nº 4.380/64);
_____________
161
BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos
imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para a aquisição da casa própria, cria o Banco
Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o Serviço
Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE,
Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo:
Iglu Editora, 2000, p. 121.
85
Entretanto, não foi dito - mas necessita ficar registrado para melhor
entender-se a matéria - que o “desconto, mediante cessão de direitos de receber a
prazo o preço da venda de habitação” somente é possível, se as partes – agente
financeiro e construtora – celebrarem contrato nesse sentido, em que tais títulos de
crédito sejam identificados e entregues por caução ao credor. Isso jamais
ocorreu no caso julgado.
c) em terceiro “os créditos abertos nos termos do artigo anterior pelas
Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário
poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária
dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades
habitacionais integrantes do projeto financiado.
§ 1º Nas aberturas de crédito garantidas pelas (sic) caução referida neste
artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o
credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento
judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa
financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das
unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido.
§ 2º Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos
cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante
comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir, diretamente, o
pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos
cedidos.”(art. 22 da Lei nº 4.864/65)
Uma vez mais o que se afirma merece reparo.
Como se pode observar da alínea “c” do parágrafo acima transcrito, cuja
redação foi retirada do art. 22 da Lei nº 4.864/65162, a previsão de se garantir os
créditos abertos em benefício das construtoras e incorporadoras “pela caução, a
cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de
alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” é apenas
uma possibilidade à disposição do agente financeiro, e não uma obrigação.
Assim é que os créditos concedidos pelas “Caixas Econômicas, bem como”
pelas “sociedades de crédito imobiliário poderão ser garantidos pela caução, a
cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de
alienação das unidades habitacionais”.
_____________
162
BRASIL. Lei nº 4.864, de 29 de novembro de 1965. Cria estímulo à indústria de construção civil.
In: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina,
jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 159.
86
No caso concreto (como na grande maioria dos casos), preferiu o agente
financeiro a garantia hipotecária, contratada de forma legítima e anteriormente às
vendas das unidades.
No comentário do trecho anterior da citação, apesar de existir a possibilidade
de caução de títulos no contrato firmado entre Delfin S/A e a construtora, em
nenhum momento é dito que houve a identificação e a entrega de tais títulos de
crédito para caução junto à credora. Ou seja, a cessão de títulos de crédito
(recebíveis) prevista, não se concretizou.
Ao contrário, firmou-se um compromisso apenas entre a construtora e o
promitente comprador, fora do SFH, no qual o adquirente ficava ciente da existência
de uma hipoteca resultante de dívida da vendedora, que onerava o bem que
pretendeu comprar. A promessa de compra e venda foi feita sem a anuência do
agente financeiro, único integrante do SFH no presente caso.
Talvez em razão da fragilidade dos argumentos até aqui utilizados, o voto
busca amparo em citação de ilustres juristas. Entretanto, a própria citação, ao
explicar a transitoriedade da relação jurídica que a construtora estabelece com o
agente financeiro e com os adquirentes finais dos imóveis produzidos, só vem
reforçar a necessidade de haver vínculo contratual entre todos os envolvidos pra
trazê-los ao abrigo das normas do SFH.
Atentos a essas características é que os pareceristas Profs. Miguel Reale,
Miguel Reale Jr. E Pedro Alberto do Amaral Dutra assim descreveram a
relação negocial do agente financeiro, do construtor e do adquirente:
“A relação jurídica que o construtor estabelece, primeiro com o agente
financeiro que lhe empresta recursos para a construção do imóvel, e, a
seguir, com os adquirentes finais aos quais vende as unidades
habitacionais, é transitória – e assim sua presença no circuito negocial do
SFH – porquanto satisfaz o construtor sua dívida com o agente financeiro ao
ceder a este o crédito resultante da venda das unidades habitacionais, para
cuja compra irão os adquirentes finais buscar financiamento junto ao mesmo
agente financeiro.”
“Os adquirentes finais tomam empréstimo junto às sociedades de crédito
imobiliário – que vencerá correção monetária e juros – para compra a prazo
dos imóveis do construtor, e este cede o crédito destas alienações à
sociedade de crédito imobiliário, em quitação do empréstimo que com ela
contraíra.” („O Sistema Financeiro da Habitação, Estrutura, Dirigismo
Contratual e a Responsabilidade do Estado‟, in “A Atividade de Crédito
Imobiliário e Poupança”, ABECIP, p. 11)
87
Ora, o que afinal demonstram os ilustres juristas é que a dívida da
construtora deve ser paga com o resultado da venda das unidades
habitacionais, mediante o financiamento das aquisições a ser concedido pelo
agente financeiro diretamente aos adquirentes finais (e aí, sim, esses seriam
incluídos no âmbito das normas do SFH), ou, então, mediante contrato de cessão de
crédito firmado entre construtora e agente financeiro, com identificação, entrega e
caução dos títulos resultantes das vendas que permitirá, à construtora, vender
diretamente as unidades.
Nenhuma dessas possibilidades foi adotada no caso em julgamento. A única
forma que restou, portanto, para direcionar o resultado da venda da unidade em
questão à amortização da dívida foi, justamente, o leilão no bojo do processo de
execução.
Continuando a transcrição do voto:
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante
a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora:
havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de
promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário
passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das
unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da lei nº
4.864/65), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia
hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que
financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser
aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente
de boa-fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode
perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que,
tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu
crédito perante a sua devedora, deixando de usar os instrumentos próprios
e adequados previstos na legislação específica desse negócio.
Por óbvio, de tudo o que até agora foi visto, conclui-se que são inadequadas
as premissas em que se baseia o Voto Paradigma, em relação às afirmações acima.
Por primeiro, não se pode olvidar que a hipoteca foi legalmente constituída
sobre patrimônio da construtora, e não do adquirente. Patrimônio esse que
permaneceu íntegro, apesar da existência do compromisso de compra e venda, uma
vez que na legislação brasileira ainda permanece vigente a norma que estabelece
que “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo
no Registro de Imóveis”, conforme artigo 1.245 do Código Civil. Vai mais além a
88
redação de seu parágrafo primeiro: “Enquanto não se registrar o título translativo, o
alienante continua a ser havido como dono do imóvel.”163
Assim, utilizando-se das palavras do próprio Relator, podemos afirmar que
“A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida
dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora.” Portanto, a hipoteca
é válida.
Além disso, já foi visto exaustivamente que quando assinou a promessa de
compra e venda da unidade com a construtora, o compromissário comprador estava
ciente da existência da hipoteca, licitamente constituída.
Por segundo, já foi demonstrado que a redação do artigo 22 da lei nº
4.864/65164 trata de uma opção do Credor, e não de uma obrigatoriedade. Ainda
assim, a cessão de crédito por caução exige, além de contrato formalizado, a
existência física dos títulos de crédito correspondentes à venda da unidade
habitacional e a sua entrega ao credor, o que não existiu no caso julgado sob
comento. “Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado”.
Continuando:
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações
financiadas por agentes imobiliários integrantes do sistema financeiro da
habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas
serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que
assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da
construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do
que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que
não está permitida pelo sistema.
Mais uma vez nota-se um engano no teor do voto.
Basta uma leitura atenta dos instrumentos legais que normatizam o Sistema
Financeiro da Habitação para se verificar que a hipoteca é a garantia preferencial
apontada pelos legisladores, como forma de assegurar o retorno dos capitais
_____________
163
BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 261.
164
IDEM. Lei nº 4.864, de 29 de novembro de 1965. Cria estímulo à indústria de construção civil. In:
SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina,
jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 159.
89
públicos emprestados, grande parte oriunda do FGTS Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço, patrimônio do Trabalhador Brasileiro.
Este é o caso da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990165, (que em momento
algum foi citada no Relatório ou no Voto) mais especificamente em seu artigo 9º,
onde o legislador afirma a preferência pela hipoteca como garantia nas aplicações
(leia-se nas operações de crédito) que envolvam recursos do FGTS, como é o caso
dos empréstimos concedidos com base nas regras do SFH.
Depois de indicar a hipoteca como a primeira da lista de garantias a serem
utilizadas, a mensagem do parágrafo quinto do referido artigo 9º é cristalina em
concluir que as Instituições Financeiras deverão procurar o mais elevado nível de
segurança e garantia para tais créditos, inclusive com a possibilidade de acumular
instrumentos garantidores: “As garantias, nas diversas modalidades discriminadas
no inciso I do caput deste artigo, serão admitidas singular ou supletivamente,
considerada a suficiência de cobertura para os empréstimos e financiamentos
concedidos.” (destaque do autor deste trabalho).
Eis, pois, que no caso concreto o agente financeiro agiu corretamente ao
exigir a hipoteca para a concessão de recursos no âmbito do SFH. Poderia tê-la
substituído singularmente por caução de títulos, mas preferiu ter essa última
possibilidade como garantia suplementar.
Tanto isto é verdade, que deixou registrada a possibilidade de receber os
títulos de crédito em caução em substituição da hipoteca, no caso de ocorrer a
venda das unidades na forma da cláusula 18 do contrato firmado entre o agente
financeiro e a construtora. Entretanto, o agente financeiro nunca foi procurado, quer
seja pela construtora vendedora, quer seja pelos interessados em adquirir a casa
própria.
Além disso, da redação do artigo 3º da Lei nº 5.741/71, que dispõe sobre a
proteção do financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da
Habitação, evidencia-se a preferência pela hipoteca: “O devedor será citado para
_____________
165
BRASIL. Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço, e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema
financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 205.
90
pagar o valor do crédito reclamado ou depositá-lo em juízo no prazo de 24 (vinte e
quatro) horas, sob pena de lhe ser penhorado o imóvel hipotecado”166 (destaque
do autor deste trabalho).
Apesar disso, a redação do voto continua se baseando em premissas
inadequadas:
Tanto assim que o contrato firmado entre a Delfin S/A (mutuante) e a
construtora (mutuária) dispôs especificamente sobre o modo pelo qual
seriam transferidas as obrigações aos terceiros adquirentes, o qual é
inconciliável com a execução da hipoteca contra os adquirentes:
Ora, não há incompatibilidade alguma em se constituir a hipoteca e
contratar, supletivamente, a possibilidade de substituí-la, quando das vendas a
terceiros adquirentes, pela caução dos títulos resultantes dessas vendas. Já foi visto
que são formas suplementares de garantia; é do texto da lei, logo, não é
inconciliável a execução da hipoteca, se ao longo da vida contratual a construtora,
não apresentou os títulos de crédito à credora, para que se efetivasse a caução e se
liberasse a hipoteca.
Aliás, na própria redação do voto, ao transcrever as cláusulas contratuais
firmadas entre o agente financeiro e a construtora, evidencia-se que esse seria o
caminho correto de se cumprir a obrigação contratual, sem causar danos às partes
contratantes ou a terceiros:
- “Clausula 18. – A mutuária liberar-se-á de suas obrigações junto à
mutuante, no que pertine ao principal e encargos relativos ao financiamento,
transferindo esse ônus, em proporção, aos adquirentes das unidades
imobiliárias em construção, ou pagando, a qualquer tempo, tudo o que for
devido à mesma mutuante.
- “Cláusula 21. – Havendo alienações de unidades durante a fase de
construção, a mutuária ficará obrigada a entregar à mutuante, juntamente
com os respectivos contratos de compromisso de compra e venda,
devidamente registrados em cartórios, os títulos representativos de parte de
preço e relativos a poupança.
§ 1º - Os títulos mencionados nesta cláusula ficarão com a mutuante, como
garantia subsidiária do cumprimento da obrigação assumida pela mutuaria,
no que pertine á execução das obras financeiras.
_____________
166
BRASIL. Lei nº 5.741, de 1º de dezembro de 1971. Dispõe sobre a proteção do financiamento de
bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação. In: SILVA, Francisco Paulo da.
FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São
Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 169.
91
§ 2º - A mutuante, á proporção que for recebendo dos mutuários finais o
valor dos títulos que lhe foram entregues, irá procedendo ao depósito das
correspondentes importâncias em conta de DPL da mutuaria.”
3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não
poderia ser diferente a solução. O princípio da boa-fé objetiva impõe ao
financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se (sic)
para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela
efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a
cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo
que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar
nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais
pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das
prestações e do imóvel.
Claríssimo está que a obrigação de entregar os títulos à credora é da
construtora, e não da credora de por eles procurar, ou notificar terceiros, já que
nunca se deu conhecimento, à ela, credora, que as unidades haviam sido
negociadas por promessa de compra e venda. Nunca se lhe foram apresentados
títulos para caução.
Enquanto credora, “precatou-se para receber o seu crédito da sua devedora”
como forma de melhor garantir a restituição dos recursos de origem pública ao seu
destino inicial. Primeiro constituiu legalmente a hipoteca como garantia de
recebimento do crédito emprestado e, depois, manejou, no momento em que
negocialmente considerou ideal, a execução do débito inadimplido.
Se negligência houve, foi da construtora que não apresentou os títulos para
caução e desviou os recursos da venda da unidade, agindo de má-fé frente ao seu
contratante, o compromissário comprador, em relação contratual da qual o agente
financeiro nunca participou.
Se mais negligência houve, foi do adquirente, que assinou o compromisso
de compra e venda ciente da existência da hipoteca e da dívida que ela garantia,
nunca tendo se preocupado quanto a isso, somente vindo a se manifestar muito
depois, por embargos, quando o processo de execução movido pela credora logrou
êxito no pedido de penhora da unidade.
O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do
agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura
atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que
tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a
responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora
perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando
os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados
92
pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a
própria lei tratou claramente de eliminar.
O voto omite o fato de que o contrato firmado entre construtora e adquirente
final foi feito fora do SFH, ou seja, em surdina, sem que se informasse ao agente
financeiro, funcionando quase como orquestração para evitar o pagamento do valor
da venda, quebrando a própria lógica prevista nas normas do Sistema
Financeiro da Habitação. Objetiva-se, com tal omissão, dar conotação justa àquilo
que nasceu espúrio.
Já ficou aqui demonstrado que a hipoteca é justa. É direito real constituído
anteriormente ao outro direito real presente no caso, que é o do promitente
comprador. Naufraga o direito real do promitente comprador frente ao direito
real da hipoteca, porque nascido depois e já maculado pelo conhecimento
prévio da existência dessa mesma hipoteca. Esse é o efeito que a lei lhe
confere e lhe atribui; não há que se procurar atribuir outro efeito.
Registre-se que milhares de projetos habitacionais foram financiados pelo
SFH, e milhares de adquirentes incluídos no sistema por terem a chancela do
agente financeiro, quer por financiamento, quer por liberação de hipoteca mediante
pagamento à vista, nunca sofreram a excussão de hipoteca sobre seu imóvel para
pagar dívida alheia.
Tais adquirentes agiram corretamente, de forma prudente, contando com o
conhecimento e anuência do agente financeiro, e adquiriram a propriedade de suas
unidades. Não operaram com riscos desnecessários advindos de compromissos
feitos fora das normas do sistema, fadados a resultar em prejuízo, ante a
existência prévia de hipoteca.
Aliás, nesse sentido, foi a decisão da própria Terceira Câmara do Primeiro
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo que fez nascer o Recurso Especial cujo
Relatório e Voto ora se comenta.
Mas, prossegue o voto:
Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa
de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel
– que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava
destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida
93
da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o
terceiro.
Aqui se busca, apenas, dar efeito ao discurso. É amplamente sabido que a
hipoteca originariamente constituída sobre o terreno (principal) se estende aos
imóveis nele construídos posteriormente (acessório). Além disso, essa possibilidade
normalmente vem registrada sob forma de cláusula em contratos para construção e
incorporação de imóveis.
Evidente, também, pelo que já se demonstrou neste trabalho, que não houve
nenhuma espécie de abuso de direito pelo financiador quando optou pela garantia
hipotecária: a opção consta da lei e a hipoteca é anterior ao compromisso de compra
e venda.
No comum dos negócios, a existência de hipoteca sobre o bem objeto do
contrato de promessa de compra e venda é fator determinante da fixação e
abatimento do preço de venda, pois o adquirente sabe que a presença do
direito real lhe acarreta a responsabilidade pelo pagamento da dívida. Não é
assim no negócio imobiliário de aquisição da casa própria de edificação
financiada por instituição de crédito imobiliário, pois que nesta o valor da
dívida garantida pela hipoteca não é abatido do valor do bem, que é vendido
pelo seu valor real, sendo o seu preço pago normalmente mediante a
obtenção de um financiamento concedido ao adquirente final, este sim,
garantido com hipoteca pela qual o adquirente se responsabilizou, pois essa
é a sua dívida.
É exato o afirma-se no voto no parágrafo acima. O único reparo é que em
vez da expressão “este sim”, para ser mais correto, deveria ter adotado “este
também garantido por hipoteca”. É que nos negócios dentro do SFH, o imóvel
gravado por hipoteca garante a dívida da construtora somente até que recolhido o
seu valor ao agente financeiro.
Se a venda é feita por financiamento novo oferecido pelo agente financeiro
ao adquirente, este se insere no âmbito do SFH e, por óbvio, afasta-se a primeira
hipoteca e surge uma nova, gravando o bem já na propriedade do adquirente. É
assim que funciona o sistema.
Uma vez que no caso concreto a venda foi feita à socapa, sem o
conhecimento do credor, e considerando o entendimento posto no voto, pode existir
até a possibilidade de que essa venda fora do SFH tenha sido feita sob conluio, com
abatimento de preço, devido à existência da hipoteca; por que não?
94
Das três personagens que participaram do negócio, dois com intuito de lucro
(portanto, correndo riscos) e um com o propósito de adquirir a casa própria,
os dois primeiros negligentes e inadimplentes, - o primeiro por escolher mal
o seu financiado e por deixar de adotar as medidas permitidas na lei para
receber o seu crédito sem causar prejuízo a terceiros, o segundo por não
pagar o financiamento recebido, - somente correu o risco e perdeu o
terceiro, que adquiriu e pagou.
Não concorda o autor do trabalho com a afirmativa exarada no voto.
Risco nenhum correu a construtora: vendeu e recebeu.
O risco ficou para quem comprou sabendo da existência prévia de hipoteca
devidamente constituída. Por força da decisão que se comenta, o prejuízo foi
imposto ao agente financeiro, quando se sabe que a construtora agiu de má-fé e o
adquirente permitiu, impávido, essa atitude, de certa forma até tornando-se
conivente.
Ora, o que o adquirente pagou não foi pela baixa da hipoteca, mas pela
promessa de compra do imóvel. A baixa da hipoteca pressupõe a entrega, pela
devedora ou pelo adquirente, do valor da venda ao credor hipotecário: é da essência
desse direito real. Isso jamais ocorreu.
E continua o voto:
Inteiramente aplicável a observação feita por Fernando Noronha ao
examinar o tema à luz do princípio da boa-fé objetiva:
“Na verdade, credor e agente financeiro sabem que são as prestações que
forem sendo pagas pelos adquirentes que assegurarão o reembolso do
financiamento concedido. Portanto, se a empresa interrompe os
pagamentos devidos, o agente financeiro deveria reconhecer a eficácia, em
relação a si, dos pagamentos anteriores feitos pelos adquirentes e, para
garantir direitos futuros, deveria notificar estes para que passassem a
depositar as prestações subseqüentes, sob pena de se sujeitarem aos
efeitos da hipoteca assumida pelo incorporador.” (O Direito dos Contratos e
seus Princípios Fundamentais, ed. Saraiva, 1994, fls. 182/183)
De forma alguma se aplica ao caso concreto a observação citada. Omite a
redação do voto que o credor jamais foi informado da existência da promessa de
venda! Como notificar? O caso citado se aplica somente àqueles em que a venda é
feita com a anuência do credor, mediante recebimento de títulos e caução.
A seguir, o voto transcreve trecho da sentença proferida nos autos, em grau
inferior, que já havia sido revertida quando do julgamento dos embargos
95
infringentes, na 3ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, e cujos argumentos
praticamente são os mesmos apresentados no Relatório do Recurso Especial:
4. A situação dos autos foi assim apreciada na r. sentença de lavra da Dra.
Lilia Lúcia Venosa:
“Quanto ao mérito, como bem ponderaram os Embargantes, há manifesto
abuso de direito da Embargada em penhorar a unidade autônoma
construída com recursos obtidos pela mutuária-executada, em decorrência
da inadimplência desta, já que é ela, Embargada, quem agiu
negligentemente, ao ter permitido a venda das unidades autônomas, bem
como deixado de notificar os adquirentes a lhe pagarem diretamente as
prestações pagas à construtora-mutuária.
Ora, não se pode impingir aos adquirentes a responsabilidade por débito da
construtora quando o Agente Financiador concorreu indiretamente com a
sua ocorrência, em conseqüência de sua má administração, que resultou
inclusive em sua liquidação, amplamente noticiada no país.
Com efeito, celebraram os Embargantes típico contrato de adesão, em que
não cabe discussão acerca das cláusulas nele dispostas. Enquanto o
adquirente paga, não sem prolongado sacrifício, as prestações de sua casa
própria, a construtora-mutuária, muitas vezes, deixa de cumprir o contrato
de mútuo, sem que sobre ela recaia as conseqüências jurídicas de tal
inadimplemento, já que sobre as unidades autônomas pesa o ônus da
hipoteca a garantir tal contrato. E ao invés de a mutuante, sabedora da
situação financeira da mutuária, providenciar a intimação dos adquirentes
para que lhe paguem diretamente as prestações do preço da unidade
autônoma, mantém-se inerte até que o débito lhe permita a constrição das
unidades hipotecadas, deparando-se o adquirente, de um dia para outro,
sem concorrer com qualquer ato de inadimplência, com um ato constritivo
que poderá levá-lo a perder o imóvel onde reside, bem como as prestações
pagas ao longo, quiçá, de toda sua vida laboral.
A tal situação deve se pôr um termo e vem sendo alterada pela
jurisprudência dos nossos Tribunais, com temperança à letra fria da lei,
como nos espelham os arestos colacionados pelos Embargantes em
especial o aresto da lavra do Eminente Relator Celso pinheiro Franco,
carreado aos autos a fls. 83/84, em cujo voto rico em fundamentos acolhe a
pretensão dos adquirentes em caso semelhante.
Ora, sendo o contrato de mútuo, por sua natureza, eminentemente intuito
personae, era obrigação da Embargada ter pleno conhecimento das
condições financeiras da construtora-mutuária ao longo da relação negocial,
cabendo-lhe acautelar-se quando iniciou o inadimplemento por parte desta,
intimando os adquirentes a lhe pagar diretamente o que vinham pagando
àquela, mormente em se tratando de Sociedade de Crédito Imobiliário
criada para viabilizar a política nacional da habitação e planejamento
territorial, que visa a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa
própria.
Apesar de ter sido constituído o ônus hipotecário antes de os Embargantes
adquirirem a unidade autônoma penhorada, contratando cientes do mesmo,
o que se deve perquirir é se houve liberdade de contratar por parte dos
adquirentes, ou seja, se aquiesceram, mediante livre manifestação de
vontade, na constituição de tal ônus.
96
Ora, a liberdade de contratar não se verificou no caso vertente, à evidência,
pois é fato incontroverso que a aquisição de casa própria pelo Sistema
Financeiro da Habitação se dá através de contratos com cláusulas
preestabelecidas, regulamentadas pelo Governo Federal.
Assim sendo, contrataram sem efetivamente querer onerar sua unidade
autônoma e garantir, com ela, dívida de outrem. Tal fato é crucial para
vislumbrar-nos a dimensão da situação inferior em que é colocado o
adquirente da casa própria em face do nosso ordenamento jurídico, no qual
todas as regalias, garantias e abusos são concedidos aos detentores do
capital, mesmo considerando-se que a Embargada está sujeita às normas
do Sistema Financeiro da Habitação, instituído precipuamente para atender
os reclamos habitacionais da população mais carente.
O citado julgado tenta caracterizar o compromisso assinado entre a
construtora e o compromissário comprador como contrato de adesão.
Ora, o compromisso firmado não obedeceu às normas do SFH que,
conforme alega a própria sentença, existe “com cláusulas preestabelecidas,
regulamentadas pelo Governo Federal”. Tratou-se, então, de compromisso
negociado e livremente firmado entre construtora e adquirente, e somente entre
eles, com base no que acordaram entre si, sem obediência a nenhum contrato
padrão ou a cláusulas pré-estabelecidas. O compromisso não foi firmado sob as
normas do SFH. Não se caracteriza como contrato de adesão. O agente financeiro
dele não participou nem foi informado!
Portanto, se houve, ou não, liberdade para se contratar o compromisso de
compra e venda, não pode a credora, parte alheia ao negócio, ser penalizada com a
perda dos efeitos da hipoteca constituída legalmente e da qual o adquirente tinha
conhecimento prévio da existência.
Ora, ao assinar o compromisso onde constou cláusula específica dando
notícia da existência da hipoteca, o adquirente aquiesceu e assumiu os riscos de
tal cláusula decorrentes! Desnecessário, pois, qualquer comunicado posterior.
Cabia a ele, adquirente que assumiu o risco, acompanhar os fatos e tomar,
em relação a quem lhe prometeu vender, as medidas necessárias para fazer valer o
contrato entre eles firmado.
Assim se comportou a credora frente à sua devedora, manejando o
instrumento judicial cabível que foi a execução da dívida. Diante desse fato, não há
97
que se acusar o agente financeiro de omisso. Fez o que legalmente podia fazer, e
não podia mais que isso, como pretende o citado julgado.
Evidente está que a não liberação da hipoteca conforme acordado entre a
construtora e o promitente comprador não decorreu de ato ou omissão do agente
financeiro, que nem parte era na relação contratual. Alegar que uma possível
demora na providência da execução tenha prejudicado o promitente comprador é
querer deslocar o foco da questão, é não admitir a realidade da omissão do próprio
interessado, o adquirente.
Além disso, é sabido que em negócios da magnitude de um financiamento
imobiliário, a execução é o último recurso que se busca, depois de esgotados todas
as alternativas negociais possíveis entre agente financeiros e seu cliente, a
construtora. Esse processo pode, sim, levar tempo, mas não significa por si só que
tenha havido omissão do agente financeiro.
Nunca houve ligação jurídica entre agente financeiro e promitente
comprador, quer seja no âmbito do SFH, quer seja fora dele! Se é hipossuficiente o
adquirente, não o é frente ao agente financeiro, mas sim em relação a quem lhe
vendeu.
E o voto avança, transcrevendo mais o citado julgado:
Como conceitua Saleilles, in de la personalitè juridique, lição XXII, p. 547, o
abuso de direito é corretivo indispensável ao exercício do direito subjetivo,
de forma a conciliar os direitos da comunidade e os do indivíduo.
Alvino Lima, por seu turno, com maestria escreve, in Culpa e Risco: „O
maior prejuízo social constitui, pois, o critério fixador do ato abusivo, no caso
do abuso de direito, causando danos a terceiros, num erro de conduta
imputável moralmente ao agente, mas no exercício de um direito causador
de um dano socialmente mais apreciável. A responsabilidade surge,
justamente, porque a proteção do exercício deste direito é menos útil
socialmente do que a reparação do dano causado pelo titular deste mesmo
direito...‟ E ainda: „Distinguem-se, pois, as esferas do ato ilícito e do abusivo,
ambos geradores de responsabilidade; naquele transgridem-se os limites
objetivos traçados pela própria lei, negando-se ou excedendo-se ao direito;
no ato abusivo, há obediência apenas aos limites objetivos do preceito legal,
mas fere-se ostensivamente a destinação do direito e o espírito da
instituição.‟
Portanto, no caso vertente, não se pode cerrar os olhos à importante
questão social posta em julgamento. Em momento algum foi noticiado aos
Embargantes o inadimplemento da construtora, cuja obrigação por ela
contraída junto à Embargada garantiam com suas unidades, a fim de que
98
alguma providência pudessem tomar para evitar o lesivo ato constritivo ora
sub judice.” (fls. 411/414)
A questão vista de forma isolada, remete para o perigoso campo do
relativismo. Quando isto ocorre, é necessário que se pese acuradamente o risco de
dano social advindo da questão posta. O julgado apela para o foco social
pretendendo fazer, de um promitente comprador descuidado e omisso, a vítima. Não
há que se dizer que em momento algum ele foi noticiado do inadimplemento da
construtora para que pudesse tomar providências no sentido de evitar ato lesivo
constritivo. Ao assinar compromisso em que se noticiava a existência da hipoteca o
adquirente foi informado da existência de um compromisso entre construtora e o
agente financeiro. Cabia a ele, portanto, ser diligente e vigilante na proteção de seu
interesse, e não a terceiros.
Ora, a função social do contrato firmado entre construtora e agente
financeiro não se mistura á função social do compromisso firmado isoladamente
entre adquirente e construtora. No primeiro, o escopo social é amplo e a função do
contrato é permitir a construção das moradias, de forma a oportunizar a sua
aquisição pelos interessados, por intermédio do SFH.
No segundo, o escopo social é reduzido. Se fosse a contratação feita à luz
das normas do SFH, o compromisso teria atingido sua função social de inserir o
adquirente no rol daqueles possuidores da casa própria. Mas o compromisso foi
maculado pela má-fé da construtora demonstrada no decorrer da vida contratual
entre as partes, ao nunca providenciar o repasse dos recursos ao agente financeiro
para permitir a baixa da hipoteca, além de ter havido a inércia do promitente
comprador em fazer valer o seu direito frente á construtora.
No caso concreto, o que o julgado realiza é exatamente o que previu a
professora Daisy Gogliano: “Facilmente, a decantada função social pode tornar-se
impregnada de ideologia, quando em nome dela o aplicador do Direito, segundo a
sua concepção subjetiva, buscará um motivo para arrancar o contrato de seu
equilíbrio natural.167
_____________
167
GOGLIANO, Daisy. A Função Social do Contrato (Causa e Motivo). In: Revista Jurídica – Doutrina
Cível, n. 334. São Paulo. 2005, p. 39.
99
Não pode ser socialmente defensável a teoria de que o erro isolado de um
adquirente que contratou mal, fora do SFH, correndo e assumindo os riscos, possa
causar prejuízo a terceiro que não participou da relação contratual, o agente
financeiro, em detrimento de enriquecimento ilícito de quem agiu de má-fé ao não
cumprir o acordado, a construtora.
Esqueceu-se o julgado que, diferentemente do adquirente do caso concreto,
outros adquirentes que agiram conforme a lei, com cuidado, e contrataram
corretamente, pelas vias regulares conforme estabelecem as regras do SFH, não
tiveram prejuízo, nem causaram danos ao perfeito funcionamento previsto pelo
Sistema e de interesse social. Privilegiar o erro individual em detrimento do
socialmente correto é, isto sim, agir contra o social. Julgar nesse sentido é não
observar a função social do contrato.
O adquirente tem direito frente a quem lhe vendeu, de exigir a liberação da
hipoteca, mas não o tem em relação à credora, que jamais cometeu ato ilícito ou
abusivo. Quanto à alegada inércia da credora, aparentemente não procede tal
entendimento. O agente financeiro tomou, sim, as medidas assecuratórias cabíveis:
por primeiro, constituindo legalmente a hipoteca do empreendimento; por segundo,
buscando a execução da dívida quando julgou ser o momento oportuno em sua
convivência contratual com a construtora. Não cabia ao agente financeiro o dever de
avisar ou proteger quem – sem o seu consentimento ou conhecimento – adquiriu
(mal) imóvel garantidor de crédito por hipoteca.
Assim, embora seja excelente a lição de Aníbal Lima, não se aplica ao caso,
porque não se tratou de ato abusivo.
5. Ainda considero que a financiadora instituiu a construtora sua
mandatária, a evidenciar que apenas desta tem a receber, conforme ficou
bem evidenciado no voto do em. Dr. Remolo Palermo, quando do
julgamento da apelação:
“Com efeito, examinando-se o contrato de „Mútuo‟ e garantia hipotecária, de
fls. 110/123, verifica-se que a financiadora instituiu como sua mandatária a
Construtora Marcovena S/A, que depois foi adquirida pela „UNIMOV‟, que
incorporou a obra, podendo compromissar as vendas e receber o preço das
unidades para repasse em seguida.
É o que se vê das cláusulas 10 1 22, do contrato de financiamento, às
fls. 118/119 dos autos, sendo certo que, no caso, em não tendo havido o
repasse dos créditos pela mutuária à mutuante, os adquirentes por tal
100
descumprimento não podem responder com suas unidades porque
integrariam elas a garantia hipotecária.
Assim, face aos termos do contrato a mutuante, em verificando a
inadimplência da mutuaria e sabedora das vendas, deveria notificar os
compromissários para que passassem a pagar seus débitos diretamente em
seus escritórios. E não simplesmente aguardar os débitos se avolumarem
para, escudando-se na garantia hipotecária, executar os adquirentes, que
não foram inadimplentes, que cumpriram com seus compromissos e que se
encontram na posse direta dos imóveis.
Portanto, a execução da mutuária, no caso, não pode prejudicar os direitos
dos compradores, eis que não se houveram com culpa, sendo que o mesmo
não se pode afirmar em relação á embargada.” (fls. 510/511)
Essa argumentação não mais se sustenta depois do que aqui já se
apresentou. Uma vez mais a argumentação é direcionada no sentido de tentar-se
aplicar o “dever ser” do SFH ao caso concreto, que ocorreu totalmente à revelia das
normas do Sistema.
O agente financeiro contratou sim, a possibilidade de celebração de
compromisso de compra e venda; mas objetivando que ocorresse o “repasse em
seguida”, que significa de imediato. Para isso ser possível, os contratantes do
compromisso de compra e venda deveriam “em seguida” à sua assinatura, ter
comunicado o fato à credora e repassado o produto da venda em amortização da
dívida. Não o fizeram.
O direito real da hipoteca pode e deve, prevalecer sobre o direito real do
compromitente comprador porque, sem sombra de dúvida, foi constituído
anteriormente, de forma idônea e legal, ao contrário do direito do compromissário no
caso concreto: constituído sem o cuidado que a boa prática indica. Tem sim, a
credora, direito à execução e penhora do bem, em decorrência do direito de seqüela.
6. Por fim, refiro que esta eg. Quarta Turma já apreciou situação
assemelhada, quando do julgamento do REsp nº 78.459/RJ, e assim
decidiu:
“Embargos de terceiro. Promessa de compra e venda. Execução
hipotecária. Imóvel financiado pelo SFH.
O promissário comprador que adquire imóvel financiado pelo SFH e emite
notas promissórias em favor da construtora, que as cede fiduciariamente ao
agente financeiro, tem ação de embargos de terceiro contra a penhora do
seu apartamento, efetuada na execução promovida pela financeira, ou por
quem o (sic) substituiu, contra a construtora e promitente vendedora, pois a
sua responsabilidade se limita ao pagamento do seu débito, que pode ser
executado diretamente contra ele pela credora que recebeu os títulos em
cessão fiduciária.
101
Recurso conhecido e provido”
Uma vez mais o teor do julgado denota ausência de argumentos sólidos e
tanto isto é fato que, como último recurso, lança exemplo de decisão da Quarta
Turma (REsp nº 78.459/RJ) totalmente diferente do caso concreto.
O exemplo colado diz respeito a “promissário comprador que adquire imóvel
financiado pelo SFH e emite notas promissórias em favor da construtora, que as
cede fiduciariamente ao agente financeiro”. Aqui, sim, dentro das normas do SFH,
foram emitidos os títulos de créditos resultantes do compromisso de venda do imóvel
e tais títulos foram efetivamente cedidos fiduciariamente ao agente financeiro,
totalmente diferente do que ocorreu no caso que se julga. Não há que se falar em
semelhança. Entretanto, assim entendeu o julgador que assim finaliza seu
emblemático voto: “7. Por isso, conheço do recurso, por ofensa aos dispositivos
legais acima citados e lhe dou provimento para restabelecer a r. sentença. É o voto”.
Aqui termina a análise do voto que pioneiramente apresentou o
entendimento no âmbito do STJ, de que a hipoteca constituída antes da celebração
da promessa de compra e venda, não teria eficácia perante os adquirentes do
imóvel.
À época em que foi proferido o voto que posteriormente foi considerado
paradigma, tramitavam nos tribunais centenas de processos tratando de casos
parecidos, à sombra do rumoroso caso da falência da ENCOL, sendo que a maioria
tratava de hipotecas constituídas depois dos compromissos de compra e venda,
casos esses em que a defesa da ineficácia da hipoteca apresentava-se coerente.
Assim, tudo indica que essa realidade, aliada ao apelo dramático que tais
casos possuem, tenha nublado a visão dos julgadores e feito deslizar a razão pelos
trilhos do relativismo, levando-se à uma conclusão formatada para um caso
específico, mas que se tornou genérica e, aplicada de forma massificada e sem levar
em conta as particularidades de cada caso, tornou-se um paradigma.
102
6.4 A questão da Teoria das Redes Contratuais
Para o bem da verdade, julgamos ser necessário tratar aqui, de teoria
jurídica recente que justificaria a existência de deveres que extrapolam a própria
relação contratual em si, fazendo efeitos fora dela. Estamos falando da Teoria das
Redes Contratuais, estudada no capítulo 5 deste trabalho.
Tratando do assunto, especificamente em relação á Súmula 308 do STJ, o
ilustre professor Rodrigo Xavier Leonardo, aponta:
Ocorre que, sob a perspectiva tradicional da teoria geral dos contratos, a
celebração de contratos de fornecimento de crédito (mútuo) e contratos de
compra e venda entre partes diferentes, mediante instrumentos contratuais
diferentes, não poderia resultar em nenhuma comunicação inter-eficacial.
Ora, segundo o princípio dos efeitos relativos, cada contrato é res in t er
alio s act a, aliis n eq u e n o cet n eq u e p ro d est . Noutras palavras: o
contrato gera efeitos apenas entre as partes, não gerando benefícios nem
168
tampouco ônus para quem não participou do ato de auto-normatização.
Assim é que no caso concreto, uma vez que o agente financeiro não
participou da relação contratual havida entre construtora e adquirente, por meio do
compromisso de compra e venda, não haveria como tal contrato gerar efeitos,
positivos, ou negativos, em relação ao agente financeiro. Isto, à luz da tradicional
teoria contratual.
A teoria das redes contratuais vem explicar a possibilidade de geração de
efeitos para fora da relação, de forma a alcançar terceiros não diretamente ligados a
um determinado contrato. Explica o mesmo professor:
A noção de redes contratuais remete o intérprete ao reconhecimento de que
entre relações contratuais aparentemente diversas pode haver um
determinado vínculo capaz de gerar conseqüências jurídicas autônomas –
verdadeiros efeitos para-contratuais, para além das fronteiras dos contratos
169
singulares.
Entretanto, o mesmo autor alerta:
_____________
168
LEONARDO, Rodrigo Xavier. A súmula nº 308 e a adoção da teoria das redes contratuais pelo
Superior Tribunal de Justiça. Conferência. IV Curso de formação continuada da Escola Superior da
magistratura do Estado do Maranhão. Disponível in: < http://www.rodrigoxavierleonardo.com.br/
arquivos/20071112140750.pdf>. Acesso em 11 fev. 2008.
169
IDEM.
103
É importante frisar que uma rede de contratos não pode ser confundida com
um simples conjunto de contratos ou com uma pluralidade de contratos
aleatoriamente disposta. Para haver uma rede contratual, é necessário que
entre os dois ou mais contratos que formam o sistema exista um vínculo
funcional, um nexo objetivo, que justifique a percepção de uma rede: a
ligação entre os diversos contratos deve refletir uma mesma operação
170
econômica que é propiciada ou potencializada pela união referida.
E vai mais além:
A unidade dos elementos pertencentes ao sistema criado por uma rede
contratual se dá mediante a averiguação objetiva dos seguintes requisitos:
a) conexão entre os contratos; b) o surgimento de uma causa sistemática: c)
171
a verificação de um propósito comum.
A falta de qualquer um desses elementos impede a existência de uma
172
verdadeira rede de contratos.
No citado artigo, o Professor Rodrigo Xavier Leonardo, fazendo referência a
voto da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 316.640/PR173 e ao Voto
Paradigma já neste trabalho analisado, ressalta que esses julgados, embora em
nenhum momento especifiquem a situação de existir uma “rede contratual”,
reconhecem a existência de uma única operação econômica, apesar de “afirmar-se
a diversidade de relações jurídicas existentes entre incorporador, instituição
financeira e consumidor”. Daí conclui o professor estarem os julgados inferindo
tratar-se de “relações jurídicas contratuais unidas em rede”.174
Ocorre, como já visto neste trabalho, que toda a fundamentação dos
referidos julgados tomou como parâmetro a situação do “dever ser” para obter suas
conclusões, e não a do caso concreto. Imaginou-se a operacionalização de
financiamento de empreendimento residencial e a posterior venda das unidades
_____________
170
LEONARDO, Rodrigo Xavier. A súmula nº 308 e a adoção da teoria das redes contratuais pelo
Superior Tribunal de Justiça. Conferência. IV Curso de formação continuada da Escola Superior da
magistratura do Estado do maranhão. Disponível in: < http://www.rodrigoxavierleonardo.com.
br/arquivos/20071112140750.pdf>. Acesso em 11 fev. 2008.
171
IDEM.
172
IDEM. Redes Contratuais no Mercado Habitacional.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2004. P. 148.
173
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.° 316.640-PR. 3ª Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, J. 18 mai. 2004. Disponível em <http://www.stj.gov.br> Acesso em: 22 jul.
2007.
174
LEONARDO, Rodrigo Xavier. A súmula nº 308 e a adoção da teoria das redes contratuais pelo
Superior Tribunal de Justiça. Conferência. IV Curso de formação continuada da Escola Superior da
magistratura do Estado do maranhão. Disponível in: < http://www.rodrigoxavierleonardo.com.br
/arquivos /20071112140750.pdf>. Acesso em 11 fev. 2008.
104
habitacionais construídas na forma prevista pelo SFH, e não na forma que
efetivamente ocorreu, na situação em julgamento.
Concorda o autor deste trabalho que é aplicável na situação ideal de
financiamento, construção e venda dos imóveis, a aplicação da Teoria das Redes
Contratuais.
Entretanto, não se aplica dita teoria no caso em que duas partes, de forma
isolada e sem que a terceira (agente financeiro) tome conhecimento, celebram entre
si contrato restrito, deixando de existir o dever lateral de transparência entre as
partes, procurando fugir do “propósito comum” que se efetivaria com o repasse do
resultado da venda ao agente financeiro.
É o que se depreende da obra do referido professor que, nos casos de
constituição de hipoteca depois de firmados os compromissos de compra e venda
entre a construtora e os adquirentes, ensina:
A despeito de inexistir relação jurídica contratual direta da instituição
financeira com o consumidor, ainda assim, reconhece-se o dever lateral
sistemático de transparência como peça fundamental para o regular
funcionamento da rede.
Nesse sentido, pode-se dizer que, quando um terreno é hipotecado para
garantir financiamento concedido à construtora para realização de
empreendimento imobiliário destinado à venda para consumidores, para
que sejam oneradas as unidades construídas, é necessário que os
compromissários compradores sejam avisados da constituição do gravame
175
e concordem com essa disposição.
Ora, do texto pode-se concluir que, do mesmo modo, no caso de hipotecas
constituídas antes de celebrados os compromissos de compra e venda, para o
regular funcionamento da rede é necessário que o agente financeiro seja
avisado da celebração dos compromissos, de forma a cumprir-se “o dever lateral
sistemático de transparência, fundamental para o regular funcionamento da rede”.
Se isto não ocorre, não funciona a rede contratual.
No caso concreto isto não ocorreu, portanto, não há que se aplicar ao caso a
Teoria das Redes Contratuais.
_____________
175
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional.São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2004. P. 232.
105
CONCLUSÃO
Realizado o estudo dos principais institutos de direito envolvidos na questão
levantada pela edição da Súmula 308 do STJ, bem como analisado criteriosamente
o Voto Paradigma e outros julgados pertinentes, chega-se ao final do trabalho
proposto.
Do questionamento inicialmente posto, conclui-se que, à luz dos estudos
realizados, não devem prevalecer integralmente as argumentações que resultaram
na Súmula 308.
Entende o autor deste trabalho que:
a) para as hipotecas registradas depois de celebrados os compromissos de
compra e venda entre construtora e adquirentes dos imóveis, é
perfeitamente aplicável o teor da súmula, não devendo tais hipotecas ter
eficácia frente aos compromissários compradores;
b) entretanto, a hipoteca constituída antes de celebrados os compromissos
de compra e venda deve ser prestigiada, em sua condição de direito real
de garantia. Somente em casos muito específicos, em que se comprove
sem sombra de dúvida ter havido culpa da instituição financeira para o
prejuízo, a hipoteca celebrada antes da promessa de compra e venda
perderia a eficácia perante terceiros adquirentes do imóvel.
Das experiências vivenciadas pelo pesquisador em suas atuais atividades
profissionais como empregado da Empresa Gestora de Ativos – EMGEA, empresa
pública sucessora da Caixa Econômica Federal nos créditos decorrentes de
financiamentos concedidos a empresas construtoras, a maioria deles no âmbito do
SFH, nota-se que têm ocorrido desvios na aplicação do que inicialmente se
pretendeu com a edição da Súmula 308 do STJ.
Derivadas da decisão sumulada, e muitas vezes sem o aprofundamento
necessário no estudo de cada caso, mas tão somente alegando-se a incidência da
referida súmula, diversas sentenças judiciais estão determinando a liberação das
hipotecas de unidades vendidas pelas construtoras a terceiros, sem a anuência da
106
credora, mas com o prévio conhecimento, pelos adquirentes, da existência do
gravame hipotecário.
Tal procedimento vem causando sérios prejuízos aos cofres públicos,
notadamente em relação aos financiamentos originariamente contratados pela Caixa
Econômica Federal e outros bancos estatais, simplesmente porque, de modo geral,
os juízes nem chegam a apreciar detalhadamente o caso isolado, impondo-lhes a
solução sumulada como paradigma intocável.
Importante registrar que casos isolados existirão, onde será perfeitamente
aplicável o entendimento que se extrai dos julgados que resultaram na súmula,
inclusive em se tratando de hipotecas firmadas antes da celebração dos
compromissos de compra e venda, a depender de fatos específicos que possam
demonstrar, sem sombra de dúvidas, ter sido a instituição financeira quem deu
causa ao prejuízo.
Esta foi a observação feita pelo Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Maringá:
Entendo que a dimensão da mencionada súmula deve ser bem
considerada, sob pena de levar risco de desestruturação ao sistema de
financiamento habitacional, por destruição da garantia real de retorno do
capital público emprestado. Penso que deve ser aplicada com redobrado
cuidado em situações especiais, para proteção de interesses de pessoas ou
grupos desinformados, onde fique evidenciado uma omissão importante e
culposa do agente financeiro.
De outra forma, aplicada em qualquer caso que preencha condições
meramente formais, em quantidade massificada pelo país afora, coloca em
risco a sustentabilidade do sistema de financiamento habitacional, a cargo
da empresa pública CEF, responsável pela alocação e retorno dos recursos
financeiros, com possíveis reflexos para o FGTS, fundo público de proteção
ao trabalhador que lastreia os financiamentos.
Assim como o direito de moradia, a natureza pública dos recursos e a
necessidade de retorno dos financiamentos têm importância fundamental,
não podendo ser desconsiderado em qualquer caso. O ordenamento
jurídico é pródigo em indicativos de preferência e cuidado com o interesse
público. A Constituição veda usucapião sobre bens imóveis públicos. A Lei
nº 5.741/71, art. 20, estabelece que é crime a invasão ou ocupação de
imóvel objeto de financiamento do SFH.
O subsídio com dinheiro público somente pode ser concedido por lei. A
transferência de responsabilidade particular ao Poder Público, neste caso a
CEF, agente de política social pública do Poder Executivo Federal, somente
107
pode ocorrer, mesmo no âmbito do judiciário, em caso de culpa
176
justificável.
Assim, em que pese o elevando conhecimento dos julgadores, estamos
convictos que a Súmula 308 do STJ, em sua redação atual, trata-se de equívoco
nascido de solução que se pretendeu dar a caso único, alegando alcance social,
mas que serviu de paradigma, permitindo que outros Juízes a aplicassem em casos
concretos diferentes, causando prejuízos para as instituições financeiras, na maioria
das vezes estatais, e permitindo o enriquecimento ilícito de quem agiu com notória
má-fé, as construtoras e incorporadoras.
Certo é que casos existem em que as construtoras e incorporadoras são
também vítimas das circunstâncias e comprovam que agiram de boa-fé, merecendo
deslinde diferenciado.
O que não se pode aceitar passivamente é que, sob a alegação de aplicação
do novo direito contratual pós-moderno, uma decisão isolada seja massivamente
estendida a milhares de outros casos, sem nenhum controle como o permite a
redação atual da súmula, generalizando o que seria específico, consagrando o
enriquecimento ilícito e atribuindo o prejuízo a terceiros que não deram causa.
Conclui-se, pois, que, ainda que sob o ângulo da teoria contratual pósmoderna, a Súmula 308 do STJ está a merecer reparos em sua redação, de forma a
evitar a consagração da injustiça.
_____________
176
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ação Ordinária- Procedimento Comum – Ordin
nº 2005.70.03.006364-4/PR – Sentença em 22. Ago. 2007. Juiz: José Jácomo Gimenes. Disponível
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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL
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Instituição
Referência
Superior
HÉLIO NORONHA DE DEUS
A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca
nos contratos de mútuo imobiliário
Brasília
2008
115
Noronha de Deus, Hélio.
A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca nos
contratos de mútuo imobiliário / Hélio Noronha de Deus. –
Brasília [S.n.], 2008.
113 f.
Trabalho de conclusão de curso de especialização em
Direito dos Contratos UNIDF.
1. Direito Civil. 2. Contratos. 3. Direitos reais. I. Título.
CDU- XXX.XX
1. CONTRATAÇÃO. 2. LICITAÇÃO - MODALIDADES - DISPENSA –
INEXIGIBLIDADEREGISTRO – PREÇO – BRASIL. I TÍTULO.
???? P.
CDD
1.
Contratação.
2.
Licitação
–
Modalidades – Dispensa – Inexigibilidade I.
Título.
CDU – 351 712