não sou nada o típico gajo da noite, não fumo, bebo
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não sou nada o típico gajo da noite, não fumo, bebo
R D ID J E ENTREVISTA O engenheiro das Caldas A cidade das Caldas da Rainha já nos habituou a fenómenos artísticos que vão do artesanato fálico aos mais recentes artistas viris. Um deles é o DJ Ride, que trabalhou numa loja de bicicletas para poder começar a fazer música a sério. Um caso de sucesso saído daquela cidade do faroeste português para conquistar o mundo no leste europeu, no campeonato mundial de DJ em 2011. Já conhecíamos o artista mas passámos a conhecer também o ciclista e o nerd da tecnologia. No fim, percebemos que se trata da mesma pessoa e que tudo isso é coerente com o seu trabalho. Está prestes a lançar um novo álbum - "Life in Loops" - do qual já se conhece o primeiro single, "Here Before". ...não sou nada o típico gajo da noite, não fumo, bebo pouco... e como gosto mesmo de bikes, ando sempre que posso, continua a ser a minha paixão. Texto: Ricardo Sobral Fotografia: Ricardo Filho de Josefina (ricardofilhodejosefina.com) 6 No último álbum deixaste de usar o prefixo DJ, o que aconteceu? Queria dar mais ênfase à produção e à composição musical. Às vezes as pessoas, por falta de informação, se calhar pensam que aquilo é um trabalho editorial muito à base de cut and paste e sampling, também é, mas há muita composição de teclados e músicos convidados. Claro que o meu trabalho começou sempre no sctratch e é indissociável dessa parte do turntablism, a maior parte do meu trabalho é pôr som e fazer live acts e os pratos estão sempre lá, o DJ está sempre associado, agora claro que eu não sou um DJ convencional de press play e acertar batida, acho que isso qualquer um consegue fazer. Gosto muito mais de fazer live acts e algo mais rico a nível de performance em cima do palco com as máquinas do que propriamente estar a acertar uma batida e carregar no play, isso para mim é um bocado boring. E resultou? Resultou e não resultou, mas não me arrependi. Acho é que o público português é um bocado lazy no sentido em que, qualquer trabalho com uma componente conceptual mais forte, não se dá muito ao trabalho de pesquisar. "Psychedelic Sound Waves" [2009] foi um dos CDs que me deu mais prazer fazer e é um bocado o meu statement sobre a música electrónica naquela altura. Ainda agora acho que continua actual, mas por ser um álbum denso, com muitos layers e muitas variações, acho que o pessoal não entendeu muito. Houve até quem dissesse que este álbum, se calhar no futuro, até vai ser reeditado porque as pessoas daqui a uns anos vão olhar para isto de outra maneira. Tem muitas coordenadas e às vezes as pessoas não estão para se dedicar a um álbum, querem é ouvir o single, isso também me entristece um bocado. Então tu não trabalhas tanto para o single? Não, não tanto. Mas para o meu próximo álbum ["Life in Loops"] tive um cuidado acrescido com os singles, com uma componente radio friendly mais forte do que o anterior, porque também estou a precisar de voltar. Desde 2009 tenho estado um bocado afastado da produção, estive mais a tocar ao vivo, e agora é muito importante para mim voltar e ter sons na rádio, sons outra vez a passar que as pessoas partilhem porque, como o meu trabalho começou a ganhar mais posição, é importante alimentar também essa parte e ter uma música catchy. O formato canção agrada-me muito e são timings. Na altura do "Psychedelic Sound Waves" apeteceu-me fazer uma coisa mais experimental e agora apetece-me fazer uma coisa mais groovy, mais soulful e com muitos vocais, as pessoas mais depressa partilham e fica no ouvido. Depois do Campeonato Mundial de DJs na Polónia, onde ganhaste juntamente com Stereossauro na categoria Show, com o projecto Beatbombers, qual foi o impacto disso para o público português? Sentiram mais abertura ao estilo “o que vem de fora é bom”? Isso notámos, muito. O projecto Beatbombers ganhou muito com isso, foi bom para consolidar o nome. Mas não acho que tenha havido assim tantas propostas [para espectáculos] que capitalizassem isso de outra maneira, claro que houve mais buzz e isso ajuda sempre. E houve essa coisa do “eles ganharam lá fora, então são mesmo bons”. Parece que tens que vingar lá fora e depois é que és bem recebido cá e, claro, que sentimos isso na pele cada vez mais. O teu nome, Ride, está ligado à tua história com bicicletas? O nome Ride vem mesmo das bicicletas e de uma altura pré-música. Comecei a andar mais a sério para aí com doze anos. A minha primeira bicicleta foi uma do ferro-velho que o meu pai restaurou, aquelas BMX com amortecedor no meio. Quando comecei a andar mais comprei uma Giant, que já era aquela bicicleta com uma boa suspensão, travões de disco hidráulicos, porque eu gostava de fazer descidas. Depois modifiquei-a toda, andava só com travão atrás, houve uma altura em que andei com single-speed só para skate park. E partia tudo, basicamente, os quadros, as peças... ENTREVISTA ...o BMXTB (Nicolai), que por acaso tinha a geometria do meu corpo e era como eu gostava, baixinho, tipo quadro de BMX. Foi por isso que comprei a Trek, para ter aquele estímulo de uma bike nova, a minha bike de sonho. minhas cenas, estive quase para construir uma mesa de mistura, com o meu próprio controlador midi, só que depois ganhei um sponsor de uma mesa que já tinha isso e era um bocado redundante, deixei a ideia. Como eram as tuas bikes, tinhas preferências? Eu comprava os quadros com tamanho mais pequeno porque gostava do híbrido da BMX com montanha. Tive sempre quadros muito pequenos mas com roda 26'', que depois “quitava” com travões de disco e isso tudo. Mais tarde, comecei a trabalhar em part-time numa loja de bicicletas mítica nas Caldas, a Bike Box, que estava a bombar bué porque tínhamos a representação da Nicolai que, na altura, era uma marca de quadros um pouco fetiche, e lá consegui comprar em segunda-mão um quadro de dual, o BMXTB, que por acaso tinha a geometria do meu corpo e era como eu gostava, baixinho, tipo quadro de BMX. Como é que aconteceu ires lá parar à loja? Precisava de dinheiro e gostava de bikes [risos]. No início só ajudava, depois comecei a ganhar experiência, viram que eu era um puto de confiança e comecei a vender. Fui mecânico também muito tempo e a certa altura já ficava a gerir a loja. Isto foi engraçado porque acho que me ajudou, bué novo, a estar em contacto com compra e venda de cenas e ter visão para receber as pessoas. Ao início comecei a trabalhar lá porque queria uma bicicleta boa, depois passei a precisar mesmo de dinheiro para a música. Então foi através das bikes que ganhaste um nome e dinheiro para a música? Eu já usava Ride como nickname no IRC, era um viciado naquilo e um bocado tipo hacker. Mas comecei a fazer beats antes do scratch e de ser DJ e, quando comecei a ter que assinar as produções, usava Ride. Depois, já como DJ, mantive o nome porque era também uma alcunha, na altura éramos muito putos e tratávamo-nos uns aos outros pelos nicknames do IRC. Ficou Ride porque era catchy, pequeno e como DJ queres ter um nome simples que fique bem nos flyers. E financiou também o material [de música]. Mesmo mais tarde, já depois de ter o prato e a mesa de mistura, quando queria um processador de efeitos ou uns pedais para usar na produção, ia lá outra vez à Bike Box fazer uns fins-de-semana para ganhar uns trocos. Hoje é a música que paga as bicicletas, era impossível na altura gastar o que gastei na de downhill que comprei há dois anos, a Trek Session 88. Isso é interessante... bikes, IRC, música... há aqui um ponto de ligação? Sim, muito. Estive para seguir robótica, a minha cena era ir para engenharia electrotécnica, fazia robôs em casa e gadgets. É uma coisa que vem um bocado do meu pai, que é mesmo aquele típico faz-tudo-em-casa. Para mim montar e desmontar uma bike era peanuts. Consideras-te um nerd? Completamente. Sou dos maiores nerds, mesmo na música, se for preciso até sei os nomes dos gajos comerciais que eu detesto porque gosto de conhecer tudo. Estou sempre a par dos fenómenos de tecnologia, gadgets, bikes... e sempre gostei de fazer eu próprio as 7 Como é que chegas ao videoscratch e como é que está a correr? Eu queria fazer um live act mais forte que tivesse uma componente cómica ao mesmo tempo, algo que o pessoal ficasse “ok, isto é novo”. Por exemplo, brincar com vídeos virais ou mesmo gravar uma cena com o iPhone e fazer scratch nisso. Acho que o videoscratch é novo porque estás a dar cor ao scratch, que é uma coisa muito nerd. É impensável fazer uma hora de scratch num festival mas se fizeres um espectáculo de videoscratch em que numa hora as pessoas estão a ver o "Family Guy", o Bruno Aleixo (que fizeram sketches de propósito para nós), cenas de filmes, scratch em guitarras com o Jimmy Hendrix a aparecer, isso já prende a atenção. Tentei elevar a fasquia pessoalmente, fazer o live act totalmente diferente, e é um work-in-progress porque, desde a estreia no Lux em Fevereiro, já houve coisas que melhorámos. É de bike que te moves pelas Caldas? Epá... gosto bué de carros também [risos]. Agora estou a acabar o meu álbum e não consigo andar de bicicleta. Como sou um bocado maluco, chego a casa todo dorido e cansado, não dá para estar a produzir, fico sem paciência para pegar nas máquinas e nos teclados. Mas ando muito e cada vez mais. Por causa da night life e de andar sempre de um lado para o outro, tinha que ter um desporto e não queria ginásio. Foi por isso que comprei a Trek, para ter aquele estímulo de uma bike nova, a minha bike de sonho. Isso tem-me feito muito bem porque, embora a minha vida seja noctívaga, não sou nada o típico gajo da noite, não fumo, bebo pouco... e como gosto mesmo de bikes, ando sempre que posso, continua a ser a minha paixão. Adoro fazer downhill, descer escadas e saltar. É mesmo pela adrenalina, que foi sempre o que procurei nas bicicletas. Pelo entusiasmo com que falas das bikes, e que pões em tudo o que envolve tecnologia de alguma maneira, podias ter sido um rider em vez de DJ? O que é que correu mal? Sim, eu entrei em competições mas... não ganhava. Fazia dirt, não cheguei a entrar em downhill porque não tinha uma bicicleta para isso, mas fazia dual e perdia sempre. Então tive que ir para os campeonatos de DJ para ganhar [risos]. Foi isso. E a música sempre foi mais forte. Compor e fazer música experimental, estar com os teclados e com as groove boxes, na altura nem usava muito computadores, por isso a música sempre foi mais forte que as bicicletas. Off the record... Irrita-me um bocado os posers das bikes. Porque na minha altura, quando era mais hardcore, não era cool ter uma bike. Adoro quando é genuíno, mas aquele pessoal que é só pela moda e gasta bué numa bicicleta para estar parada na sala, só com as cores e para ter a foto no Facebook, epá isso não... Há um buzz enorme nas bikes e isso é brutal, estou mesmo contente de ver as pessoas começarem a andar mais de bicicleta nos grandes centros urbanos, mas por outro lado, teres uma bicicleta bué croma para estar parada, isso aí é estúpido.