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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO: JORNALISMO BRUNO ALENCASTRO O ÁLBUM DE FOTOS NO AMBIENTE DIGITAL SÃO LEOPOLDO 2010 Bruno Alencastro O Álbum de Fotos no Ambiente Digital Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Jornalismo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Orientador: Profa. Dra. Jiani Adriana Bonin São Leopoldo 2010 Dedico este trabalho a minha bisavó, Maria Borges Fortes Schmidt. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus por estar sempre ao meu lado, iluminado a minha vida e me dando forças para seguir em frente na busca pelos meus ideais. Agradeço aos meus pais e irmãos pela compreensão que tiveram comigo ao longo da graduação e, principalmente, nesses últimos meses em que estive envolvido com a minha monografia. Sou e sempre serei extremamente grato pelo carinho e proteção que recebi deles em todos os momentos da vida. À minha namorada, Greyce, pelo companheirismo ao longo desses anos e, especialmente, por sonhar comigo em busca de um futuro cada vez melhor para nós. À minha madrinha, Lúcia, por ter me incentivado a dedicar atenção para a vida acadêmica o que, por conseqüência, me levou a vivenciar a universidade por completo. Aos meus amigos, que felizmente são muitos e realmente tem um papel muito importante na minha vida – mas que, por serem tantos, me impedem de nomeá-los aqui. Ao grupo de pesquisa Processocom, do qual eu me orgulho de ser participante, ao mesmo tempo em que fruto do seu compromisso de formação de pesquisadores. Entre as experiências vividas, foi através dele que eu extrapolei o limite geográfico entre RS e SC e conheci a bela cidade de Córdoba, na minha primeira viagem de avião. Ao Efendy Maldonado, professor, colega e, acima de tudo, um grande companheiro que me deixou muito honrado em ser seu “vizinho de sala” no PPG, compartilhando momentos que levarei para sempre na lembrança. Ao professor e fotógrafo Fernando Schmitt, parceiro e principal responsável pela minha história com a fotografia, desde aquela disciplina ministrada em 2006/2. Aos amigos Gerson Turelly, Karla Nyland e Rogério do Amaral, por terem me aberto as portas da Câmera Viajante e contribuído para a minha formação fotográfica. Ao Mário Monteiro e os professores do Núcleo de Fotografia da UFRGS, pela qualificação que tenho recebido no Grupo Experimental de Fotografia (GEF), em um dos mais prestigiados núcleos de fotografia do país. Aos participantes desta pesquisa, Mauricio de Sousa, Alex Santana, Maria Castro e Franciele Corrêa, que doaram preciosos tempos de suas vidas para o meu projeto. À Unisinos, por ter me oferecido um câmpus inspirador e um ensino de qualidade, mas principalmente pela formação integral que recebi (resultado de um trabalho responsável que a qualifica como a melhor universidade particular do Estado e terceira melhor do país). Ao professor Edelberto Behs, coordenador do curso de Jornalismo, que sempre esteve disponível e atendeu a 100% das minhas demandas – algumas até “impossíveis”. Aos professores que realmente fizeram diferença ao longo da minha formação. São eles: Thais Furtado, Daniel Bittencourt, Denise Cogo, Pedro Osório, Gilmar Hermes, Flavio Dutra, Nísia do Rosário, Jacques Wainberg, Luiza Carravetta, Patrícia Weber, Sérgio Endler, Adayr Tesche, Jorge Gallina, Daniel Scola e Ronaldo Hehn. Ao presidente Luis Inácio Lula da Silva que, através do PROUNI, permitiu que mais de 600 mil estudantes, incluindo eu, completassem o Ensino Superior. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul que, mesmo abandonada pelo governo estadual, financiou a minha atuação na iniciação científica. Por fim, gostaria de agradecer à minha orientadora e amiga, Jiani Adriana Bonin, que nesse momento já deve estar desesperada por não ter encontrando seu nome na lista dos agradecimentos. Jiani, obrigado por ter me acolhido desde o meu segundo ano na universidade e me apresentado um mundo de descobertas, conquistas e... poesia! RESUMO Ao assumir as mídias como lugares centrais na configuração das sociedades contemporâneas, esta pesquisa busca pensar seu papel em relação aos usos da fotografia na construção da memória com a migração do tradicional álbum de fotos (impresso) para a internet. O objetivo geral é investigar os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital e compreender como repercutem na constituição da memória biográfica/identitária dos indivíduos. A pesquisa se fundamenta numa construção teórica que considera articulações entre os conceitos de midiatização (Martín Barbero; Mata; Castells), recepção/produção (Maldonado; Martín Barbero; Certeau; Sodré; Chemello), memória (Pollak; Le Goff; Montesperelli; Halbwachs, Bonin), fotografia e linguagem fotográfica (Silva; Kossoy; Aumont; Benjamin; Guran) e ambiente digital (Castells; Recuero; Primo; Sá; Chemello). A estratégia metodológica abrange pesquisas de tipos teórica, metodológica, da pesquisa e empírica (exploratória e sistemática). De natureza qualitativa, a coleta de dados inclui observação e análise do produto e entrevista de recepção. Entre as descobertas da investigação, destaca-se uma nova configuração entre os espaços público e privado, inaugurando uma mudança espaço-temporal no que se refere à relação que as pessoas passaram a manter com os álbuns de fotos – a partir da sua migração para o ambiente digital. Como conseqüência, esse processo tem provocado um constante exercício de reordenação e reinterpretação da memória biográfica/identitária, uma vez que nesse lugar as fotografias são atualizadas a todo instante. Palavras-chave: Midiatização. Recepção. Memória. Fotografia. Internet. RESUMEN Al asumir los medios como lugares centrales en la configuración de las sociedades contemporáneas, esta investigación busca pensar su papel en relación a los usos de la fotografía en la construción de la memoria con la migración del tradicional album de fotos (impreso) para el internet. El objetivo general es investigar las utilizaciones y apropiaciones de la fotografía en el ambiente digital y comprender como repercuten en la constitución de la memoria biografica/identitaria de los individuos. La investigación se fundamenta en una construcción teórica que considera articulaciones entre los conceptos de mediatización (Martín Barbero; Mata; Castells), recepción/produción (Maldonado; Martín Barbero; Certeau; Sodré; Chemello), memoria (Pollak; Le Goff; Montesperelli; Halbwachs; Bonin), fotografía y lenguaje fotográfica (Silva; Kossoy; Aumont; Benjamin; Guran) y ambiente digital (Castells; Recuero; Primo; Sá, Chemello;). La estrategia metodológica abarca investigaciones de tipos teórica, metodológica, investigación de la investigación y empírica (exploratoria y sistemática). De naturaleza cualitativa, la recogida de datos incluye observación y análisis de producto y entrevista de recepción. Entre los resultados de la investigación, vislumbramos una nueva configuración entre el espacio público el privado, inaugurando una mudanza espacio-temporal en términos de la relación que las personas pasaran a tener con el álbum a partir de su migración para el ambiente digital. Como consecuencia, este proceso ten provocado un constante ejercicio de reordenación y reinterpretación de la memoria biográfica/identitaria, una vez que en este lugar las fotografías son actualizadas en todo momento. Palabras-clave: Mediatización. Recepción. Memoria. Fotografía. Internet. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Perfil público de Família Scalioni - exemplo de uma conta do Terra Fotolog.. 29 FIGURA 2 – Condições de uso do Terra Fotolog ................................................................... 30 FIGURA 3 – Perfil público da usuária Sarranheira For Baby................................................. 34 FIGURA 4 – Perfil público da usuária Pchewy - exemplo de uma conta do Picasa ............... 36 FIGURA 5 – Dados demográficos com o perfil dos usuários do Orkut. .................................. 38 FIGURA 6 – Perfil público da usuária Fran Corrêa - exemplo de uma conta do Orkut......... 39 FIGURA 7 – Perfil público da usuária Renata Gomes - exemplo de uma conta do Facebook.40 FIGURA 8 – Perfil público do usuário @codevilla - exemplo de uma conta do Twitpic........ 42 FIGURA 9 – Fotografia intitulada Não sei dizer adeus!!!, disponível no álbum público da usuária Jacqueline Souza Silva................................................................................................. 46 FIGURA 10 – Fotografia intitulada FELIZ NATAL!!, disponível no perfil público da usuária Vanessa Oliveira ...................................................................................................................... 47 FIGURA 11 – A luta entre bosquímanos e hotentotes é uma das pinturas rupestres mais antigas de que se tem conhecimento, localizadas no norte da Rodésia, África........................ 63 FIGURA 12 – O dilúvio, representado em um manuscrito do século XI ................................ 64 FIGURA 13 – Reprodução e um esquema que apresenta o funcionamento de uma camera obscura ..................................................................................................................................... 68 FIGURA 14 – Fotografia de Fenton, capturada durante a Guerra da Criméia. Fonte: site Egodesign ................................................................................................................................. 71 FIGURA 15 – Leica, primeira câmera para filme de pequeno formato ................................... 76 FIGURA 16 – Fotografia dos pais e irmãos da italiana participante da pesquisa Mídia e Memórias .................................................................................................................................. 93 FIGURA 17 – Fotografia disponível no perfil do Mauricio de Sousa no Twitter.................. 117 FIGURA 18 – Fotografia disponível no perfil do Mauricio de Sousa no Twitter.................. 123 FIGURA 19 – Fotografia disponível no perfil do Mauricio de Sousa no Twitter.................. 125 FIGURA 20 – Fotografia disponível no perfil do Mauricio de Sousa no Twitter.................. 126 FIGURA 21 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog ............... 132 FIGURA 22 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog ............... 140 FIGURA 23 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog ............... 142 FIGURA 24 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog ............... 142 FIGURA 25 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog ............... 146 FIGURA 26 – Fotografia disponível no perfil da Maria Castro no Flickr............................. 147 FIGURA 27 – Fotografia particular de Maria Castro, utilizada de maneira indevida como panfleto religioso pela “Igreja de Nova Vida” ....................................................................... 153 FIGURA 28 – Fotografia disponível no perfil da Maria Castro no Flickr............................. 154 FIGURA 29 – Fotografia disponível no perfil da Maria Castro no Flickr............................. 155 FIGURA 30 – Imagem disponível no perfil da Maria Castro no Flickr ................................ 158 FIGURA 31 – Imagem disponível no perfil da Maria Castro no Flickr ................................ 161 FIGURA 32 – Fotografia disponível no perfil da Franciele Corrêa no Orkut ....................... 162 FIGURA 33 – Fotografia disponível no perfil da Franciele Corrêa no Orkut ....................... 167 FIGURA 34 – Imagem disponível no perfil da Franciele Corrêa no Orkut ........................... 170 FIGURA 35 – Imagem disponível no perfil da Franciele Corrêa no Orkut ........................... 173 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 12 1.1 A PROBLEMÁTICA DA PESQUISA .............................................................................. 13 1.2 OBJETIVOS....................................................................................................................... 16 1.2.1 Objetivo geral................................................................................................................. 16 1.2.2 Objetivos específicos...................................................................................................... 16 1.3 ESQUEMA SINÓPTICO DA PROBLEMÁTICA ............................................................ 17 1.4 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 18 1.5 ESTRUTURA DO RELATÓRIO ...................................................................................... 20 2 IDAS E VINDAS: TRILHAS PERCORRIDAS NA CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA .................................................................................... 22 2.1 AS ORIGENS DO PROJETO............................................................................................ 23 2.2 PESQUISAS DA PESQUISA, DE CONTEXTUALIZAÇÃO E TEÓRICA.................... 24 2.3 PESQUISA METODOLÓGICA........................................................................................ 25 2.4 PESQUISA EXPLORATÓRIA ......................................................................................... 26 2.4.1 Os diferentes formatos do álbum virtual..................................................................... 27 2.4.1.1 Sites/serviços que tem a fotografia como prioridade.................................................... 28 2.4.1.2 Sites/serviços onde a fotografia “também” aparece ..................................................... 37 2.4.2 Para cada álbum, um interesse específico ................................................................... 43 2.5 PESQUISA SISTEMÁTICA.............................................................................................. 49 2.5.1 Sites/serviços................................................................................................................... 49 2.5.2 Usuários .......................................................................................................................... 50 2.5.3 Dimensões de análise ..................................................................................................... 52 2.5.4 Procedimentos de coleta de dados................................................................................ 54 2.5.5 Coleta de dados .............................................................................................................. 56 2.5.6 Sistematização e tratamento dos dados ....................................................................... 58 3 DAS PINTURAS RUPESTRES AO FLICKR: AS RELAÇÕES ENTRE FOTOGRAFIA, IMAGEM E MEMÓRIA .......................................................................... 60 3.1 O PRÉ-FOTOGRÁFICO.................................................................................................... 61 3.2 O FOTOGRÁFICO ............................................................................................................ 67 3.3 A FOTOGRAFIA EM UM CONTEXTO DE MIDIATIZAÇÃO ..................................... 76 3.3.1 Do papel para o pixel: a migração para a internet..................................................... 79 4 PERSPECTIVAS PARA ENTENDER A CONFIGURAÇÃO DA MEMÓRIA NO AMBIENTE DIGITAL .......................................................................................................... 83 4.1 A REPRESENTAÇÃO FOTOGRÁFICA ......................................................................... 84 4.2 SOBRE A PRODUÇÃO DAS IMAGENS ........................................................................ 85 4.2.1 A fotografia na mídia .................................................................................................... 90 4.3 PARA PENSAR A RECEPÇÃO FOTOGRÁFICA .......................................................... 92 4.4 O LUGAR DA FOTOGRAFIA ......................................................................................... 94 4.4.1 A fotografia no ambiente digital .................................................................................. 97 5 PROPOSIÇÕES PARA PENSAR OS USOS E APROPRIAÇÕES DA FOTOGRAFIA NO AMBIENTE DIGITAL ................................................................................................. 103 5.1 PENSANDO OS USOS E APROPRIAÇÕES ................................................................. 103 5.1.1 Mediações ..................................................................................................................... 105 5.1.2 Usos e apropriações ..................................................................................................... 108 5.1.3 De receptor a usuário .................................................................................................. 110 5.2 MEMÓRIA BIOGRÁFICA/IDENTITÁRIA................................................................... 111 6 ALBUNS DIGITAIS: OS USOS DA FOTOGRAFIA NA CONSTITUÇÃO DA MEMÓRIA IDENTITÁRIA/BIOGRÁFICA .................................................................... 116 6.1 MAURÍCIO DE SOUSA, USUÁRIO DO TWITPIC ...................................................... 117 6.1.1 Dados da entrevista ..................................................................................................... 117 6.1.1.1 Perfil do usuário ......................................................................................................... 117 6.1.1.2 Mediações................................................................................................................... 118 6.1.1.3 Sentidos e usos da fotografia no ambiente digital ...................................................... 121 6.1.2 Usos e apropriações do Twitpic................................................................................... 128 6.1.2.1 Tempo......................................................................................................................... 128 6.1.2.2 Espaço......................................................................................................................... 129 6.1.2.3 Temas/situações.......................................................................................................... 129 6.1.2.4 Intencionalidade do usuário........................................................................................ 131 6.2 ALEX SANTANA, USUÁRIO DO TERRA FOTOLOG ................................................ 132 6.2.1 Dados da entrevista ..................................................................................................... 132 6.2.1.1 Perfil do usuário ......................................................................................................... 132 6.2.1.2 Mediações................................................................................................................... 132 6.2.1.3 Sentidos e usos da fotografia no ambiente digital ...................................................... 137 6.2.2 Usos e apropriações do Terra Fotolog........................................................................ 141 6.2.2.1 Tempo......................................................................................................................... 141 6.2.2.2 Espaço......................................................................................................................... 143 6.2.2.3 Temas/situações.......................................................................................................... 144 6.2.2.4 Intencionalidade do usuário........................................................................................ 145 6.3 MARIA CASTRO, USUÁRIA DO FLICKR................................................................... 147 6.3.1 Dados da entrevista ..................................................................................................... 147 6.3.1.1 Perfil da usuária .......................................................................................................... 147 6.3.1.2 Mediações................................................................................................................... 148 6.3.1.3 Sentidos e usos da fotografia no ambiente digital ...................................................... 150 6.3.2 Usos e apropriações do Flickr..................................................................................... 156 6.3.2.1 Tempo......................................................................................................................... 156 6.3.2.2 Espaço......................................................................................................................... 156 6.3.2.3 Temas/situações.......................................................................................................... 159 6.3.2.4 Intencionalidade da usuária ........................................................................................ 160 6.4 FRANCIELE MOREIRA, USUÁRIA DO ORKUT ........................................................ 162 6.4.1 Dados da entrevista ..................................................................................................... 162 6.4.1.1 Perfil da usuária .......................................................................................................... 162 6.4.1.2 Mediações................................................................................................................... 163 6.4.1.3 Sentidos e usos da fotografia no ambiente digital ...................................................... 165 6.4.2 Usos e apropriações do Orkut ..................................................................................... 168 6.4.2.1 Tempo......................................................................................................................... 168 6.4.2.2 Espaço......................................................................................................................... 169 6.4.2.3 Temas/situações.......................................................................................................... 171 6.4.2.4 Intencionalidade da usuária ........................................................................................ 174 7 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 175 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 185 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA ................................................................... 191 APÊNDICE B – DIMENSÕES DE OBSERVAÇÃO/ANÁLISE DOS SITES/SERVIÇOS. 195 APÊNDICE C – PLANO DE PESQUISA EXPLORATÓRIA ............................................. 197 12 1 INTRODUÇÃO Ao longo de seu desenvolvimento histórico a imagem – muito antes do desenvolvimento da fotografia – foi se constituindo como uma importante forma de construir memória, desde o momento em que esta última passa a ser exteriorizada – ainda nos remotos períodos da pré-história. Através das primeiras pinturas rupestres – que chegam a datar entre 30 e 40 mil anos – o homem manifestou uma das primeiras tentativas de promover a manutenção de sua memória através de inscrições em paredes e cavernas. O mesmo foi acontecendo, mais tarde, ao longo dos séculos, com a xilogravura, a gravura em metal, a litografia, entre outros suportes visuais, até a descoberta da fotografia. A partir desse momento, são consideráveis as mudanças verificadas na relação entre imagem e memória. Com o desenvolvimento dessa nova grafia, acompanhamos uma profunda transformação na vivência/experimentação espaço-temporal, o que permite caracterizar esse período como um dos momentos mais importantes da história das artes visuais no século XIX. Descoberta em 1839, foi a partir da década de 1850, com a sua reprodução massiva e em série – e com um custo mais acessível –, o retrato fotográfico foi passando a atingir, gradativamente, grande parte da população. Da burguesia aos camponeses, todos encontram no retrato uma forma de representar-se, de ostentar esse símbolo de representação. Como observa o pesquisador Tacca, essa descoberta ofereceu para as pessoas “uma imagem que poderia ser guardada, uma memória definitiva de pessoas, paisagens e coisas; uma memória aparelhística especular, programada por tecnologia aplicada, aparentemente limpa das imperfeições humanas” (2005, p. 04). A este respeito, o autor refere o árduo trabalho do francês Disdéri que, ainda na década de 1850, era solicitado pelas pessoas para fotografar seus familiares mortos, na intenção de perpetuar uma lembrança - já que a descoberta era muito recente nem todos tinham registros de seus entes queridos. Esse exemplo nos revela apenas o início de uma relação longa e duradoura estabelecida entre a fotografia e a memória, que mais tarde continuou com os cartões postais e os álbuns de família. Com o processo de midiatização da sociedade, especialmente, ao desenvolvimento e popularização da internet, não demorou muito para que a fotografia migrasse para o ambiente digital. Primeiro com os fotologs e, mais tarde, com uma diversidade de sites/serviços de armazenamento e compartilhamento de fotos na internet1, grande parte das pessoas viu no 1 Para citar alguns exemplos, é possível destacar o Flickr, o Orkut, o Facebook, o Picasa e o Twitpic. 13 ambiente digital uma possibilidade de dar uma nova cara ao “antigo” álbum de fotos impresso – para os mais variados fins. Nesse novo espaço, as fotos ganharam títulos, legendas, palavras-chaves (tags), notas, links, comentários e, principalmente, uma audiência muito maior do que os tradicionais amigos e familiares. O álbum de família saiu das gavetas, caixas e baús e passou a ocupar o ciberespaço. Como conseqüência disso, o que antes era privado passou a ser, em muitos casos, disponibilizado para o grande público – o que trouxe novas implicações para a constituição das memórias sociais. E é exatamente nesse contexto que está situado objeto desta investigação. As construções teórico-metodológicas que integram o desenho da presente pesquisa têm o intuito de refletir sobre a migração do álbum de fotos (impresso) para o ambiente digital, dedicando atenção específica para a reconfiguração da memória biográfica/identitária. Assim, neste primeiro capítulo busco esclarecer a problemática desta pesquisa, seus objetivos e os motivos pelos quais ela é importante científica e socialmente. Apresento, também, a estrutura, em capítulos, deste texto que apresenta o que foi desenvolvido durante o meu Trabalho de Conclusão de Curso. 1.1 A PROBLEMÁTICA DA PESQUISA Desde o início do século XXI, as mídias vêm apresentando uma interconexão cada vez mais intensa entre elas (MALDONADO, 2002). Com o desenvolvimento e popularização da internet a partir da existência de um browser (da World Wide Web) – desde o ano de 1994 -, esse veículo de comunicação tem se colocado não apenas como uma tecnologia, mas como um revolucionário meio de interação e organização social (CASTELLS, 2001). Nesse contexto, e atentando para um processo de midiatização da sociedade, diversos autores2 vêm refletindo sobre o espaço central que o campo midiático passou a ocupar na configuração das sociedades contemporâneas. Em outras palavras, o que eles ressaltam é que as mídias instituíram-se com uma matriz produtora e organizadora de sentido, o que resultou, entre outros fatores, numa nova forma de estruturação das práticas sociais, marcada pela desarticulação das noções de tempo e espaço (MATA, 1999). 2 Entre eles Maldonado (2002), Mata (1999), e Martín Barbero (1995). 14 As proposições trazidas por esses pesquisadores podem ser consideradas para pensar sobre a emergência dos chamados “álbuns de fotos virtuais”. Com o advento da internet e das câmeras digitais – que, não por acaso, se popularizaram simultaneamente a partir da década de 1990 –, não tardou muito para que as pessoas passassem a armanezar e compartilhar suas fotos na internet. No início através dos fotologs, logo em seguida a partir de sites/serviços como o Flickr e o Orkut até chegar ao Twitpic, os chamados álbuns virtuais têm fomentado o debate acerca da formação de comunidades virtuais (CASTELLS, 2001; RECUERO, 2004; PRIMO, 2000) e da reconfiguração dos espaços público e privado (SÁ, 2007) na sociedade contemporânea. Nesse âmbito, uma dimensão que interessa pensar é as conseqüências desse processo para a configuração da memória biográfica/identitária dos indivíduos. Ao pensar sobre as conseqüências que o meio digital trouxe para a constituição das memórias sociais, é preciso ter a clareza de que a própria linguagem fotográfica carrega marcas que também atuam no enquadramento da memória produzida. A partir de uma linguagem própria e específica, a fotografia constrói outra/nova versão dos fatos vividos, uma segunda realidade como proposto por Kossoy (2002). Além disso, o próprio lugar que a fotografia ocupa também condiciona a forma com que essa imagem será lida/interpretada. Uma fotografia que é impressa em papel fotográfico, integrante ou não de um álbum, será lida de forma diferente daquela que, por exemplo, está publicada no ambiente digital (SILVA, 2008). Além de ampliar a divulgação das imagens que até então era consumidas, na grande maioria, exclusivamente pelos familiares das pessoas fotografadas, os chamados álbuns virtuais também modificam a temporalidade da memória construída. Sobre o conceito de memória, cabe destacar as dimensões individuais e coletivas desse fenômeno. Mesmo considerando uma dimensão individual do exercício de memória, algo relativamente íntimo, a memória “deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes” (POLLAK, 1992, p. 02). Isso significa dizer que, no momento em que ela é articulada, a memória é estruturada (construída) a partir das preocupações do momento vivido, o que, por conseqüência, nos leva a pensar numa ligação forte entre a memória e o sentimento de identidade. “A memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si” (POLLAK, 1992, p. 05). Sem deixar de considerar que memória é seleção; isto é, a partir de um conjunto de imagens, o autor seleciona apenas algumas que serão compartilhadas – enquadradas – nessa ambiência. 15 Por fim, trabalho com a perspectiva da recepção, no sentido de considerar que, além de um lugar de chegada, a recepção pode (e deve) ser pensada também como um lugar de partida, de produção de sentido (MALDONADO, 2002). Aquilo que nos é apresentado pelos meios será visto e/ou lido de diferentes maneiras pelo público receptor. Dessa forma, “é preciso estudar não o que fazem os meios com as pessoas, mas o que fazem as pessoas com elas mesmas, o que elas fazem com os meios, sua leitura”, uma vez que “a recepção é um processo de interação, de negociação do sentido” (MARTÍN BARBERO, 1995, p. 55). Essa compreensão me ajudou a caracterizar o sujeito da minha pesquisa como usuário, visto que ele não é apenas receptor, mas também produtor de conteúdo – a partir de suas competências e dos usos da fotografia no ambiente digital. Para isso, no caso dessa investigação, julgo necessário considerar as mediações relacionadas à intenção do fotógrafo, às competências midiáticas dos sujeitos (sejam elas do próprio meio digital, da fotografia e das mídias em geral), bem como às suas trajetórias de vida irão atuar na construção dos sentidos de memória produzidos pela fotografia. Desde estas perspectivas teórico-metodológicas, emergem as seguintes questões específicas que norteiam a investigação que venho desenvolvendo: Como se relacionam os desenvolvimentos da imagem, da fotografia e da midiatização e que marcas imprimem na construção das memórias sociais? Como os contextos de desenvolvimento e de disseminação da fotografia (técnicos, econômicos, sociais, culturais) marcam a relação deste dispositivo com as memórias sociais? Quais as mudanças/repercussões que a migração para o digital trouxe para os usos da fotografia? De que forma a memória biográfica/identitária se configura em termos de conteúdo expresso na fotografia – tempo, espaço, situações e atores envolvidos? Como o ambiente digital, a partir de suas lógicas específicas (espacialidade e recursos interativos) atua na constituição da memória constituída pela fotografia? Que usos e apropriações os sujeitos realizam da fotografia no ambiente digital para a construção da sua memória biográfica/identitária? Que dimensões mediam a relação entre o sujeito e a fotografia na construção e nos sentidos de memória que são produzidos nesse ambiente? 16 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo geral A pesquisa desenvolvida tem como objetivo geral investigar os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital e compreender como repercutem na constituição da memória biográfica/identitária. 1.2.2 Objetivos específicos Contextualizar o desenvolvimento da fotografia, atentando para as suas relações com a imagem e para a sua inserção no processo de midiatização a fim de entender como este desenvolvimento configura a produção de memória; Caracterizar as mudanças nos usos e na constituição da memória com a migração do tradicional álbum de fotografias para o ambiente digital; Compreender como a memória é construída pela fotografia no ambiente digital, seja a partir do conteúdo expresso nas imagens, seja através das lógicas dessa ambiência; Descrever e analisar os usos e apropriações das fotografias no ambiente digital na configuração da memória dos entrevistados; Entender como a fotografia que está na web atua na configuração da memória biográfica-identitária dos sujeitos investigados; Investigar e compreender como as dimensões mediadoras (intencionalidade do fotógrafo, competências midiáticas e trajetórias de vida) agem na construção dos sentidos de memória produzidos pela fotografia no ambiente digital. 17 1.3 ESQUEMA SINÓPTICO DA PROBLEMÁTICA Usos e apropriações da fotografia no ambiente digital Objetivo geral Investigar os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital e compreender como repercutem na constituição da memória biográfica/identitária Contexto da relação entre fotografia, imagem e memórias sociais - Pré-fotográfico: a imagem na configuração das memórias sociais; - Fotográfico: o desenvolvimento da fotografia e sua relação com a construção das memórias sociais; - Os usos da fotografia no contexto da midiatização e as repercussões na construção da memória social; - Novos usos da imagemfotografia com a migração para o suporte digital e sua repercussão para a reconfiguração da memória biográfica-identitária; A memória fotográfica no ambiente digital 1) A memória construída na fotografia; a) Tempo: épocas da vida b) Espaço: lugares de memória c) Situações: marcas de memória d) Atores 2) O ambiente digital na constituição da memória fotográfica: a) Tempo/freqüência de postagens b) Espaço: características da espacialidade c) Comentários d) Possibilidades interativas e) Recursos de edição Questões geradoras Questões geradoras - Como se relacionam os desenvolvimentos da imagem, da fotografia (técnicos, econômicos, sociais, culturais) e da midiatização e que marcas imprimem na construção das memórias sociais? - De que forma a memória biográfica/identitária se configura em termos de conteúdo expresso na fotografia – tempo, espaço, situações e atores envolvidos? - Quais as mudanças/repercussões que a migração para o digital trouxe para os usos da fotografia? - Como o ambiente digital, a partir de suas lógicas específicas (espacialidade e recursos interativos) atua na constituição da memória constituída pela fotografia? Objetivos específicos Objetivos específicos - Contextualizar o desenvolvimento da fotografia, atentando para as suas relações com a imagem e para a sua inserção no processo de midiatização a fim de entender como este desenvolvimento configura a produção de memória; - Compreender como a memória é construída pela fotografia no ambiente digital, seja a partir do conteúdo expresso nas imagens, seja através das lógicas dessa ambiência; - Caracterizar as mudanças nos usos e na constituição da memória com a migração do tradicional álbum de fotografias para o ambiente digital; Usuário/Fotógrafo 1) Usos, apropriações e produção da fotografia no ambiente digital na construção da memória biográfica-identitária; 2) Dimensões mediadoras dos sentidos da memória configurada na relação com a fotografia no ambiente digital: a) Intenção do fotografo; b) Competências midiáticas - Mídias em geral - Fotográfica - Digital c) Trajetória de vida Questões geradoras - Que usos e apropriações os sujeitos realizam da fotografia no ambiente digital para a construção da sua memória biográfica/identitária? - Que dimensões mediam a relação entre o sujeito e a fotografia na construção e nos sentidos de memória que são produzidos nesse ambiente? Objetivos específicos - Descrever e analisar os usos e apropriações das fotografias no ambiente digital na configuração da memória dos entrevistados; - Entender como a fotografia que está na web atua na configuração da memória biográfica-identitária dos sujeitos investigados; - Investigar e compreender como as dimensões mediadoras (intencionalidade do fotógrafo, competências midiáticas e trajetórias de vida) agem na construção dos sentidos de memória produzidos pela fotografia no ambiente digital; 18 1.4 JUSTIFICATIVA Desde o segundo semestre do ano de 2006, quando cursei a primeira disciplina de fotografia na universidade, venho desenvolvendo uma relação estreita com essa grafia, pessoal e profissionalmente. Aliado ao fazer fotográfico, sempre busquei refletir sobre os aspectos teóricos relacionados à fotografia. Desde o referido período, atuo como bolsista de iniciação científica no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, trabalhando juntamente com a professora Jiani Adriana Bonin. Durante essa caminhada como pesquisador iniciante, especialmente dentro do projeto Mídia e Memórias3, realizei uma reflexão metodológica acerca das contribuições (e limites) que a fotografia pode oferecer enquanto uma das estratégias metodológicas da nossa pesquisa. O resultado desse trabalho deu origem ao texto “Fotografia e pesquisa: reflexões sobre outra grafia para o trabalho de campo”4. Por isso, realizar uma investigação sobre a relação entre fotografia e memória é, em certa medida, algo que se inscreve na minha trajetória de estudos e de formação em pesquisa, já que venho trabalhando há algum tempo com esses temas. Além disso, a fotografia já é, por si só, um objeto de estudo digno de ser pesquisado na atualidade. Isso porque vivemos num mundo onde, a cada dia que passa, as pessoas vivenciam cada vez mais a escrita iconográfica. Seja em anúncios publicitários, em fotografias produzidas a partir de vários suportes (câmeras portáteis, celulares, webcams, entre outros), a imagem está cada vez mais presente em nosso cotidiano. Se pensarmos no desenvolvimento histórico e tecnológico da fotografia, talvez esse seja o momento em que as pessoas mais estão consumindo e, principalmente, produzindo imagens. Entre outros motivos, existem dois fatos que contribuíram para o surgimento dessa “era da imagem” (como definem alguns autores): a evolução tecnológica conquistada com a fotografia digital – que praticamente “alfabetizou” as pessoas para o domínio da técnica fotográfica – e o contexto midiatizado que vivemos – que apresenta uma intensa oferta de imagens em suas produções. Dessa forma, justifica-se o meu interesse em investigar as implicações do nascimento da fotografia digital num ambiente de midiatização (nesse caso específico, na internet). 3 Intitulada Mídia e memórias: palimpsestos midiatizados de memória étnica na recepção (2006-2009), a pesquisa foi coordenada pela Profa. Dra. Jiani Adriana Bonin e teve como objetivo geral investigar como se constituem os palimpsestos das memórias de grupos étnicos de imigração histórica (italianos) e contemporânea (argentinos), e como a mídia e outros agentes ajudam nessa conformação. 4 O referido texto foi publicado no livro Perspectivas metodológicas em comunicação: desafios na prática investigativa (MALDONADO, BONIN E ROSÁRIO, 2008). 19 Diante dessa constatação, emerge a contribuição que o meu projeto objetiva trazer para o campo de estudo da Comunicação. A partir da “pesquisa da pesquisa” realizada em alguns portais acadêmicos, entre eles os sítios da Compós, Intercom, Capes, Biblioteca da Unisinos e Google Acadêmico, verifiquei uma carência de estudos relacionados aos novos formatos dos álbuns de fotos no ambiente digital, mais ainda atentando para a reconfiguração da memória biográfica/identitária. Grande parte dos trabalhos que encontrei relacionados à fotografia na internet dedica atenção para à sociabilidade desenvolvida a partir destes imagens, com ênfase no compartilhamento de fotos realizado a partir de sites que trabalham dentro da proposta da Web 2.0. Por esse motivo, torna-se relevante empreender uma pesquisa que tem como objetivo principal refletir sobre os usos e as apropriações da fotografia enquanto álbum de fotos no ambiente digital. Penso que o resultado desta investigação poderá oferecer uma contribuição no sentido de aportar conhecimentos sobre o fenômeno que estou investigando. Muito mais do que uma determinação da grade curricular do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unisinos (que prevê a realização de um Trabalho de Conclusão), essa pesquisa é, também, um compromisso que tenho com a sociedade de uma forma geral, em retribuição à oportunidade que tive de acesso ao Ensino Superior – algo infelizmente ainda distante da maioria da população. De acordo com o estudo Síntese de Indicadores Sociais, divulgado em outubro de 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 13,9% está cursando o Ensino Superior5. Diante dessa realidade – e depois desses anos seis anos de estudo –, penso que eu tenho não apenas uma obrigação institucional, mas acima de tudo um dever social de produzir conhecimento e deixar algum legado em contrapartida à oportunidade que me foi oferecida. Essa necessidade em retribuir de alguma forma à oportunidade que me foi oferecida é ainda maior na medida em que eu tive o privilégio de contar com o incentivo do Programa Universidade Para Todos – ProUni, desenvolvido pelo governo federal, que financiou integralmente metade do meu curso. Além disso, também fui beneficiado durante três anos com uma bolsa de iniciação científica, oferecida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul. 5 Fonte: Portal da Juventude do PT. Disponível em: <http://www.jpt.org.br/noticias/exibir.php?Id=855>. Acesso em: 27 abr. 2010. 20 1.5 ESTRUTURA DO RELATÓRIO Neste primeiro capítulo, procuro explicitar a problemática desta pesquisa e elucidar as questões norteadoras que emergem da problematização, bem como os objetivos traçados para investigar como os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital repercutem na constituição da memória biográfica/identitária. Também ofereço um “esquema sinóptico” com os principais eixos trabalhados para, no fim, justificar a importância e a relevância acadêmica, científica e social desse meu projeto. O segundo capítulo é dedicado às construção metodológica da pesquisa. Nele, apresento a origem e o caminho que percorri até chegar à consolidação da problemática desta investigação, desde os primeiros movimentos de pesquisa metodológica e da pesquisa. A seguir, parto para a recuperação do processo da pesquisa exploratória em torno da recepção e do produto. Com isso, revelo como as informações coletadas nesse momento foram de fundamental importância para que eu optasse dividir a minha análise dos álbuns virtuais em dois tipos: aqueles que têm a fotografia como prioridade em suas lógicas de operação/funcionamento e outros onde a fotografia “também” mostra-se presente, não sendo uma finalidade exclusiva do respectivo site/serviço disponível na internet. Ainda neste capítulo, explicito as definições e a construção da pesquisa sistemática, elucidando os critérios que levei em conta para selecionar quatro tipos diferentes de álbuns virtuais (e, por conseqüência, quatro usuários distintos), passando decisão das categorias de análise – seja do produto, seja da recepção –, e explicitando os procedimentos metodológicos construídos para levar a cabo a coleta, sistematização e tratamento dos dados obtidos. No terceiro capítulo, realizo um movimento contextualização da relação entre fotografia, imagem e memória – desde o momento em que a imagem passou a ser exteriorizada (ainda na pré-história) até chegar ao atual estágio de midiatização –, partindo do entendimento de que, antes mesmo da descoberta da fotografia, a imagem já trazia repercussões para a configuração das memórias sociais. Na seqüência, sigo para o quarto capítulo onde exponho as perspectivas teóricas que elaborei para compreender como a memória é construída na fotografia – a partir da sua linguagem específica – e, principalmente, quais são as marcas deixadas pelo ambiente digital, uma vez que o álbum de fotos disponível da internet oferece outra/nova leitura das imagens se comparado ao álbum impresso. 21 No quinto capítulo, explicito algumas perspectivas que utilizei para compreender o papel do usuário, trabalhando com os conceitos de usos e apropriações e mediações, entendendo que essas dimensões estão implicadas nos usos e sentidos de memória que serão produzidos pela fotografia no ambiente digital. Também nesse capítulo trago a contribuição de alguns autores que me ajudaram a refletir sobre o conceito de memória, fenômeno central investigado nesta pesquisa, compreendendo que a memória é uma seleção e atualização do passado vivido – processo que se desenvolve tanto de forma coletiva quanto individual, uma vez que a memória é um elemento constitutivo da identidade dos sujeitos. O sexto capítulo é dedicado a apresentar a análise dos dados coletados na investigação empírica, seja no âmbito do produto, seja no da recepção. A partir de uma observação de cada um dos casos analisados, realizo esse trabalho em duas etapas: primeiro, me servindo dos dados obtidos com o desenvolvimento das entrevistas, analiso de que forma as mediações (competências midiáticas, usos e intenções) estão envolvidas no processo de configuração da memória através da fotografia na internet. Num segundo momento, a partir da observação e análise dos álbuns de fotos, busco compreender quais são usos dados por cada usuário e as implicações desse processo para a configuração da memória biográfica/identitária. No sétimo capítulo, recupero a problemática trabalhada na pesquisa e avalio a sua trajetória, relatando as descobertas mais relevantes realizadas através do cruzamento dos dados obtidos durante esse processo nas análises do produto e da recepção. Também apresento algumas perspectivas que se abrem para futuras pesquisas relacionadas ao foco desta investigação. 22 2 IDAS E VINDAS: TRILHAS METODOLÓGICA DA PESQUISA PERCORRIDAS NA CONSTRUÇÃO A metodologia utilizada em qualquer projeto de pesquisa, de forma sintética, compreende uma série de escolhas que devem ser tomadas pelo(s) pesquisador(es) do projeto em questão. De acordo com Bonin (2006, p.37), é importante pensarmos essa noção de metodologia como um processo de construção da pesquisa, no qual o pesquisador se defrontará com a exigência de tomar decisões e realizar opções em consciência. Tendo em vista essa característica, de atuar consciente e refletidamente na construção da pesquisa, fazse necessário realizar um criterioso “estudo de textos de caráter metodológico que permitem aprender, refletir e subsidiar o processo de construção da pesquisa”. Esse estudo proposto acompanha o pesquisador ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa; desde as decisões tomadas ainda na origem do problema/objeto a ser investigado, passando pela pesquisa da pesquisa, pesquisa teórica, eleição das estratégias metodológicas, pesquisa exploratória e sistemática, até chegar à coleta e análise dos dados obtidos. Diante disso, este capítulo tem o intuito de explicitar como a presente pesquisa foi desenvolvida, as escolhas que foram realizadas e, principalmente, os motivos que me levaram a estas opções. Assim, inicio apresentando as razões que me levaram a propor uma investigação sobre a fotografia no ambiente digital; depois, descrevo os caminhos que percorri para a construção da problemática desta pesquisa – que envolveu uma pesquisa da pesquisa, assim como um primeiro movimento exploratório em busca de álbuns de fotos virtuais; finalmente, explicito como realizei a pesquisa sistemática (quais foram os procedimentos de coleta e como os dados obtidos nesta etapa foram tratados) que, aliando um olhar sobre o produto e outro sobre o usuário de álbuns na web, me proporcionou dados para pensar como a memória identitária/biográfica é configurada nos usos do ambiente digital. 23 2.1 AS ORIGENS DO PROJETO A caminhada que percorri até chegar à construção da problemática desta pesquisa foi longa e marcada por idas e vindas por diferentes propostas e abordagens6. Antes mesmo de dedicar as minhas atenções para uma reflexão em torno da fotografia, o que, para mim, seria “aliar o útil ao agradável”, tive dezenas de ideias de pesquisas para o meu Trabalho de Conclusão de Curso. Entretanto, tendo em vista a intensa relação que venho desenvolvendo com a fotografia desde 2006 – praticando e refletindo sobre essa grafia – quando cursei a primeira disciplina de fotografia, o interesse por essa temática foi maior e acabou prevalecendo. Mesmo assim, ainda seria preciso definir qual seria o foco da minha pesquisa, o que também não foi algo muito simples. Quando cursei a disciplina Seminário de Projeto de Pesquisa, na qual – como o próprio nome sugere - desenvolvemos o projeto para o nosso TCC, tinha a ideia de realizar uma pesquisa bem diferente desta que apresento por aqui. Inspirado pela minha atuação no projeto Mídia e Memórias, no qual comprovamos na prática – durante o trabalho de campo – o potencial da fotografia como “auxílio de memória”, pensei em refletir sobre a relação estabelecida entre fotografia e memória, ao utilizar a fotografia como instrumento metodológico de pesquisa. Num âmbito mais específico, a ideia seria compreender como a fotografia participa/opera no resgate desta memória; investigar quais sentidos de passado essa fotografia é capaz de revelar; analisar de que forma a linguagem fotográfica participa desse processo; compreender a relação que se estabelece entre os discursos verbais e visuais; e perceber as imbricações entre a fotografia e as referências comunicacionais na configuração destas memórias. O resultado foi que eu não apenas escrevi o meu projeto pensando nessa abordagem como também trabalhei durante o primeiro semestre de 2009, durante a realização da disciplina de Trabalho de Conclusão I com esse objetivo. Contudo, na medida em que 6 Ao longo desses dois anos que venho me empenhando do desenvolvimento do meu Trabalho de Conclusão de Curso, apresentei partes desta investigação em diferentes eventos acadêmico-científicos, buscando qualificar a minha produção através da troca de experiência com outros pesquisadores. Entre os lugares pelos quais passei, destacam-se: o grupo de pesquisa PROCESSOCOM, onde realizei uma espécie de qualificação do TCC; o I Encontro Discente promovido pela Rede AMLAT, realizado na cidade de Córdoba, Argentina; o XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, onde apresentei o artigo Das pinturas rupestres ao Flickr: as relações entre fotografia, imagem e memória, na Intercom Júnior – Jornada de Iniciação Científica em Comunicação; além do XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, onde apresentei o artigo Do álbum de fotos para a internet: perspectivas teórico-metodológicas para compreender a reconfiguração da memória no ambiente digital, também componente da Intercom Júnior. 24 avançava nessa pesquisa, percebia que ainda não estava satisfeito com sua proposta. Na metade do ano, depois de ter participado do I Encontro Discente promovido pela Rede AMLAT em Córdoba, na Argentina, percebi que do que eu estava sentido falta era de uma autonomia maior da proposta em relação àquilo que vinha pesquisando até então, como bolsista de Iniciação Científica. Dessa forma, decidi abandonar a reflexão sobre a fotografia como instrumento metodológico, para pensar nas implicações que o ambiente digital está provocando para a constituição da memória biográfica identitária das pessoas – algo que, pessoalmente, me motivaria mais. Sem deixar de referir que, aliado ao interesse pessoal, também vislumbrei na internet um espaço chave, de importante relevância para analisar a “nova cara” do velho álbum de papel. 2.2 PESQUISAS DA PESQUISA, DE CONTEXTUALIZAÇÃO E TEÓRICA Definido qual seria o foco da minha pesquisa, isto é, investigar como os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital repercutem na constituição da memória biográfica/identitária, realizei um movimento de pesquisa bibliográfica em busca de investigações e de textos de autores que me ajudassem a compreender esse fenômeno. Para isso, fui atrás de referências bibliográficas em sites que abrigam produções científicas da área da Comunicação – entre eles Intercom, Compós, Google Acadêmico, etc –, bem como em bibliotecas e através de indicações de outras pessoas. Esse processo não apenas me ajudou a encontrar textos que tratassem do assunto da minha pesquisa, ofertando elementos para a construção do referencial teórico que estou utilizando, como também me ofereceu elementos para pensar na montagem da estrutura dessa investigação7. As análises e considerações de outras pesquisas afins me ajudaram a pensar, por exemplo, que a relação entre fotografia e memória é fruto de um processo largo de relação que as pessoas sempre mantiveram com a imagem, desde as primeiras pinturas rupestres. Com isso, fui atrás de trabalhos científicos que versassem sobre a relação entre fotografia, imagem e memória, pensada não necessariamente pela ótica da comunicação, mas também desde a compreensão da sociologia e antropologia. O interessante é que não apenas os trabalhos 7 A este respeito, cabe destacar que a pesquisa Jornalismo infantil: apropriações e aprendizagens de crianças na recepção da revista Recreio, da jornalista Greyce Vargas, sempre me acompanhou como uma espécie de modelo a ser seguido no desenvolvimento do meu Trabalho de Conclusão de Curso. 25 científicos, diretamente, me renderam contribuições, como também, indiretamente, as próprias referências bibliográficas utilizadas nas respectivas pesquisas também serviram de base para formar o repertório de textos que trabalhei na contextualização desta pesquisa. Ainda neste movimento de investigação bibliográfica encontrei propostas que me ajudaram a construir o referencial teórico para dar conta analisar as dimensões propostas de serem pensadas para o meu problema/objeto. Primeiro para pensar sobre as especificidades da reconfiguração da memória provocada pela fotografia no ambiente digital, onde encontrei autores como Castells (2001), Recuero (2004), Sá (2007), Kossoy (2002) e Silva (2008); depois, para pensar especialmente sobre os conceitos de memória e recepção, via os seguintes autores: Pollak (2002), Maldonado (2002), Martín Barbero (1995), Certeau (1994), Chemello (2009) e Sodré (2006). Cabe salientar que ao longo do desenvolvimento da pesquisa, através da participação em congressos e eventos científicos, fui adquirindo conhecimentos de novos autores e trabalhos, o que me permitiu, na medida do possível, ir agregando suas contribuições ao projeto. 2.3 PESQUISA METODOLÓGICA Definidos os autores para a construção do referencial teórico, procurei ir ao encontro de estratégias metodológicas capazes de me ajudar no trabalho de campo. Nesse momento, a experiência no projeto Mídia e Memórias também foi de grande valia para me auxiliar a pensar nos métodos a serem construídos para realizar a minha pesquisa. Isso porque, quando passei a integrar a equipe do referido projeto, o momento era exatamente de pensar refletir acerca da pesquisa metodológica para o início do trabalho de campo. No referido período, estudamos trabalhos de autores do campo das ciências sociais para buscar inspirações metodológicas, tais como Mills (1975), Winkin (1998), Bachelard (1977), Thompson (1992), entre outros. Essa aproximação a teorias e reflexões metodológicas propiciaram elementos para minha formação no sentido de pensar o trabalho de campo e as suas exigências. Como propõe Bonin (2008, p.125), “a complexidade e a multidimensionalidade dos fenômenos comunicacionais/midiáticos coloca-nos o desafio de operar, não apenas no nível teórico, mas também no metodológico, com configurações multiperspectivadas”. Para isso, a pesquisadora afirma que é preciso pensar na construção de métodos e procedimentos que confluam para a fabricação de dados complexos. “Eles devem ser capazes de oferecer 26 possibilidades de captura/construção das múltiplas dimensões requeridas pela problemática concreta [...], permitindo a superação de limites de um método ou procedimento por outro” (BONIN, 2008, p. 125). Inspirado nestas proposições e pensando nas especificidades da minha pesquisa, achei importante trabalhar com duas estratégias metodológicas principais, construídas para responder aos requerimentos da minha problemática: observação e entrevista. Isto é, ao propor uma investigação interessada em analisar os álbuns de fotos na internet, nada mais adequado do que começar observando as características desse ambiente. Essa observação serviria para perceber não apenas as lógicas de funcionamento desses sites/serviços, como também para analisar os usos que são feitos pelos usuários. E, para complementar e aprofundar as informações obtidas através da observação, julguei oportuno realizar também uma entrevista com os usuários selecionados para a etapa sistemática da minha pesquisa. Dessa forma, entendia que seria possível confirmar, complementar e ampliar as informações coletadas via observação, como também levantar informações – subjetivas – que não estão visíveis nesses espaços (voltarei nesse assunto mais adiante quando falarei sobre os procedimentos de coleta de dados). 2.4 PESQUISA EXPLORATÓRIA São muitas as contribuições que a pesquisa exploratória traz para a construção da problemática de uma investigação. É através da articulação entre empiria e teoria, isto é, das contribuições teóricas dos autores e daquilo que vemos na realidade que o conhecimento científico é produzido. Dessa forma, os movimentos exploratórios permitem ao pesquisador “encontrar pistas e gerar dados norteadores” da construção do projeto de pesquisa e, também, devem ser encarados como uma oportunidade para “experimentar, vivenciar e testar métodos e procedimentos para compor e construir arranjos metodológicos sensíveis às demandas da problemática e das lógicas dos objetos empíricos” (BONIN, 2008, p. 125). Isso sem falar que esse procedimento auxilia, ainda, na construção das amostras e, ou corpus a serem focalizados na investigação sistemática. No caso desta investigação, a pesquisa exploratória foi pensada para dar conta de dois âmbitos: produto e recepção. Num primeiro momento, busquei me aproximar de vários tipos de sites/serviços que apresentam características de álbuns de fotos na internet, com o 27 objetivo de compreender suas lógicas de funcionamento e, com isso, juntar pistas para selecionar aqueles que serão analisados na etapa sistemática da pesquisa e para construir as dimensões que norteariam a observação na etapa sistemática da pesquisa (conforme mostra o Apêndice C). Depois, ainda no ambiente digital, fui em busca de usuários desses álbuns digitais para verificar as marcas que são deixadas nesses espaços e, também, procurar sujeitos “em potencial” para compor a amostra da minha investigação. Passo agora a descrever e, principalmente, justificar os passos que dei ao longo da minha incursão exploratória. 2.4.1 Os diferentes formatos do álbum virtual Um dos objetivos da pesquisa exploratória, relacionada ao âmbito do produto, foi encontrar os principais sites/serviços disponíveis na internet para armazenar fotografias e explorar as suas funcionalidades. Para disso, elenquei numa lista os principais sites que me vieram à cabeça e enviei-a para o professor Daniel Bittencourt, coordenador do curso de Comunicação Digital da Unisinos, para saber se ela estava completa e dava conta de pensar todos os possíveis serviços que temos disponíveis hoje na internet que podem ser encarados como espécies de “álbuns de fotos digitais”. A lista que produzi contava com os seguintes sites: fotologs, Flickr, Picasa, Orkut, Facebook e Twitpic. Na visão de Bittencourt, seria interessante separar os sites/serviços que nasceram para armazenar fotos dos sites de redes sociais que 'acumularam' essa função, como Orkut, Facebook e outros. Fora isso, ele julgou pertinente a minha seleção, afirmando que ela dava conta de agrupar os principais álbuns de fotos virtuais. Dessa forma, a minha lista ficou assim: 1) Sites que tem a fotografia como prioridade: fotologs (tomando o do Terra como exemplo, por ser um dos maiores do país), Flickr e Picasa; e 2) Sites em que a fotografia “também” aparece: Orkut, Facebook e Twitpic. Selecionados os sites/serviços, parti para o trabalho de analisar as principais características e funcionalidades de cada um. 28 2.4.1.1 Sites/serviços que tem a fotografia como prioridade a) Fotologs Um dos primeiros sites/serviços que foram disponibilizados na internet para o arquivamento e compartilhamento de fotos foram os chamados fotologs, espécies de blogs, mas com o predomínio de fotos ao invés de texto. Nesses espaços – que tiverem diferentes exemplos aqui no Brasil – as fotos são colocadas em ordem cronológica, a partir de um calendário, ou apenas inseridas pelo autor sem ordem definida. Além disso, o serviço também oferece a possibilidade de colocar título e legenda nas imagens. Além de gratuitos, as formas de criação e edição dos fotologs sempre foram bastante didáticas e intuitivas, sem muitos conhecimentos técnicos, o que democratizou o seu acesso, fazendo com que o site/serviço atraísse – e ainda atrai até hoje – um número grande de pessoas. Os fotologs também nasceram com o objetivo principal de compartilhar imagens de maneira interativa, já que as pessoas que visitam o site geralmente podem fazer comentários, sugestões ou críticas. As fotos abarcam desde situações familiares (o que nos remete aos antigos álbuns de família), até propostas de caráter mais profissional, como uma espécie de portfólio de artistas e fotógrafos. Existem também os fotologs coletivos, onde as pessoas são convidadas a compartilhar fotos de determinado tema/assunto. Vale referir, também, o uso de vitrine comercial para produtos e/ou serviços, isto é, pessoas que utilizam o espaço – gratuito – oferecido pela empresa para comercializar artigos, serviços, etc. No Brasil, o fotolog do Terra (ver Figura 1) talvez seja um dos mais famosos até hoje. Atualmente, ele continua em funcionamento e reúne 994.015 contas inscritas. E o número continua a crescer: no dia 06 de maio de 2010, quando acessei o site, mais 17 fotologs foram criados. No mesmo dia, foram contados 746 posts, de um total de 9.144.9258. Como o próprio site/serviço sugere, “o fotolog é uma espécie de diário fotográfico hospedado na Internet. Com ele você pode compartilhar fotos da galera, da escola, de suas viagens ou trabalho com qualquer pessoa no mundo que tenha acesso à Web”. Eles também podem ser comparados aos serviços de álbum de fotos, oferecidos por alguns sites, tais como o Álbum de Fotos, do UOL, e o PinFotos, da Abril. 8 Disponível em: <http://www.terra.com.br/fotolog>.Acesso em: 06 mai. 2010. 29 Figura 1 – Perfil público de Família Scalioni - exemplo de uma conta do Terra Fotolog. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/familiascalioni>. Acesso em: 07 mai. 2010. Entre as características técnicas, é interessante observar que o fotolog recebe as imagens e as organiza automaticamente em ordem temporal, sempre deixando a última foto enviada na primeira página. Esta é uma pista importante para refletir sobre o processo de presentificação da memória que, possivelmente, está acontecendo com a migração do álbum de fotos para o ambiente digital. Além disso, existem duas categorias de usuários do Terra Fotolog: uma para assinantes de serviços gratuitos e outra para assinantes do Terra (ver Figura 2). Ou seja, aqui já aparece outra distinção importante da forma de se relacionar com as fotos: dependendo da condição financeira, acontecerá de uma forma ou de outra. E aqui cabe ressaltar, também, a impossibilidade de alterar as fotos já publicadas, no caso de usuários do serviço gratuito. Já usuários que pagam pelo serviço têm esse direito. 30 Figura 2 – Condições de uso do Terra Fotolog. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/condicoes.htm>. Acesso em: 06 mai. 2010. Outra consideração relevante é a existência de mediações que interferem na leitura das fotos. Isso pode ser visto tanto na incorporação de título e legenda à imagem, quanto na possibilidade que o usuário tem de realizar alguma edições/manipulações nas imagens, através de um editor de fotografia integrado ao fotolog. Com ele, é possível trabalhar com as seguintes ferramentas: rotação, brilho, contraste e nitidez. Essa á uma contribuição relevante para pensar que, no caso dos álbuns virtuais, a memória também é configurada pelas marcas que são deixadas pelos sujeitos no momento em que eles realizam pós- produção/manipulações das imagens em diferentes programas de edição. O número de posts do fotolog é limitado por dia (total de 20 fotos/dia). Isso acontece porque o fotolog se propõe a ser um serviço de atualização freqüente e com poucas fotos por dia (já que é uma espécie de diário fotográfico). Assim, ele não recebe um número grande fotos diariamente. Além disso, o site/serviço possui um sistema automático de redimensionamento da imagem que permite que ela seja visualizada por inteiro na tela. A imagem publicada terá suas dimensões reduzidas para 500 pixels (a maior dimensão da foto altura ou largura). O Fotolog Mobile é uma extensão do Terra Fotolog que permite que o usuário envie fotos e receba comentários por celular em seu fotolog. Como acontece com outros sites/serviços, essa é uma ferramenta que permite enviar e compartilhar fotos em tempo real, uma verdadeira mutação do álbum fotográfico se comparado ao antigo álbum impresso. Por fim, o Terra Fotolog não permite que os usuários tornem seus álbuns públicos ou privados. O 31 usuário consegue apenas limitar quem pode incluir comentários no seu fotolog e se deseja ou não que ele apareça nos resultados das pesquisas. Ou seja, ele já nasce com a proposta de ser público, para que todas as pessoas possam ver as fotos. b) Flickr O Flickr foi desenvolvido pela Ludicorp, em fevereiro de 2004, e adquirido pelo Yahoo! em março de 2005. Foi lançado internacionalmente, incluindo no Brasil, em junho de 2007. Está em disponível nos idiomas inglês, português, italiano, espanhol, alemão, francês, coreano e chinês. Em números globais; são 76 milhões de visitantes ao redor do planeta, mais de 3 bilhões de imagens armazenadas e mais de 100 milhões de fotos/vídeos georeferenciados em todo o mundo. No Brasil, são mais de 2 milhões de usuários, 65 mil uploads diários e 40 milhões de uploads de fotos e vídeos. O caso do Flickr é emblemático para refletir sobre essa revolução que a imagem alcança quando ela passa a navegar pela rede mundial de computadores. Ele representa, hoje, um dos principais sites de armazenamento e compartilhamento de fotos do mundo. Segundo o próprio site9, o Flickr tem dois objetivos principais. O primeiro deles é: 1. Queremos ajudar as pessoas a disponibilizar seus conteúdos para as pessoas importantes para elas. Talvez elas queiram manter um blog dos momentos capturados com seus telefones com câmera ou talvez queiram mostrar suas melhores fotos ou vídeos para o mundo todo em uma disputa pela celebridade na Web. Ou talvez elas queiram compartilhar as fotos de seus filhos de forma segura e particular com suas famílias por todo o país. O Flickr possibilita tudo isso e muito mais! Para fazer isso, queremos colocar e tirar fotos e vídeos do sistema usando todas as maneiras possíveis: da Web, de dispositivos móveis, dos computadores domésticos dos usuários e de qualquer software que estiverem usando para gerenciar seu conteúdo. E queremos poder mostrá-las usando todas as maneiras possíveis: no site do Flickr, em feeds RSS, por e-mail, publicando em blogs externos ou de formas que ainda não pensamos. Onde mais usaremos esses superacessórios? Já o segundo, diz o seguinte: 9 Fonte: Flickr. Disponível em: <http://www.flickr.com/about>. Acesso em: 04 jun. 2010. 32 2. Queremos permitir novas maneiras de organizar as fotos e vídeos. Assim que você muda para a tecnologia digital, é muito fácil se espantar com o número absurdo de fotos ou vídeos tirados com seu dedo que fica coçando para apertar o botão. Álbuns, a principal maneira das pessoas organizarem suas coisas hoje, são ótimos – até que você junte 20 ou 30 ou 50 deles. Eles funcionavam bem na época da revelação de rolos de filmes, mas a metáfora "álbum" está precisando desesperadamente de um condomínio em Águas de São Pedro e de uma aposentadoria total. Parte da solução é tornar colaborativo o processo de organizar fotos ou vídeos. No Flickr, é possível permitir que seus amigos, família e outros contatos organizem suas coisas - não apenas adicionem comentários, mas também notas e tags. As pessoas gostam de dizer oh! e ah!, rir e chorar, fazer piadas quando compartilham fotos e vídeos. Por que não oferecer a eles a possibilidade de fazer isso quando vêem as fotos pela Internet? E, à medida que essas informações crescem como metadados, você poderá encontrar as coisas facilmente mais tarde, uma vez que toda essa informação pode ser buscada. E, de fato, desde o seu nascimento, o Flickr vem conseguindo cumprir com seu objetivo. Um levantamento feito pelo IBOPE/NetRatings mostra que o Flickr, o portal de compartilhamento de imagens do Yahoo!, é o mais utilizado pelos internautas brasileiros como fotolog. Apenas de janeiro a novembro de 2009, foram feitos cerca de 20 milhões de uploads de arquivos no Brasil, colocando o país como a maior comunidade de língua não inglesa do Flickr no mundo10. Entretanto, cabe uma ressalva. No caso do Flickr, é perceptível que a grande maioria de pessoas utiliza o site/serviço como forma de portfólio digital – muitos até profissionalmente. Mesmo assim, realizando uma breve pesquisa em todas as fotos postadas no site, verifica-se que ele também é um espaço para tornar públicas as fotos de família. Nas tags11 “mais populares de todos os tempos”, segundo o próprio site, o termo “family” tem destaque, ocupando a oitava posição. A ordem é a seguinte: 1) wedding; 2) travel; 3) nikon; 4) party; 5) canon; 6) japan; 7) nature; 8) family; 9) beach; 10) california. Fiz uma pesquisa simples com a tag “family” e apareceram 7.593.661 uploads uploads. Já “família” faz o número cair para 76.240 uploads e “familia” (sem acento) com 385.492 uploads12. Sobre o funcionamento do Flickr, e assim como acontece com o Terra Fotolog, a primeira especificidade diz respeito à distinção que é feita - a partir do critério financeiro para dois tipos distintos usuários: para usuários básicos (gratuito) e aqueles que pagam um preço anual e para desfrutar do serviço “pro”. Diferente das pessoas que têm conta gratuita no Flickr, usuários chamados “pro” pagam R$ 45,90 por ano e tem direito à uploads e 10 Fonte: Geração digital. Disponível em: <http://geracaodigital.ning.com/profiles/blogs/flickr-1>. Acesso em: 12 fev. 2010. 11 “Uma tag é uma palavra-chave (relevante) ou termo associado com uma informação (ex: uma imagem, um artigo, um vídeo) que o descreve e permite uma classificação da informação baseada em palavras-chave”. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tag_(metadata)>. Acesso em: 04 jun. 2010. 12 Disponível em: <http://www.flickr.com/search/?q=family&w=all>. Acesso em: 12 fev. 2010. 33 armazenamento ilimitados (na conta gratuita é possível visualizar apenas as 200 fotos mais recentes), álbuns e coleções ilimitados, acesso aos seus arquivos originais, status de sua conta, navegação e compartilhamento livre de anúncios e reprodução HD para vídeos. Assim como o Terra Fotolog, o Flickr permite uploads13 de fotos via celular, deixando o envio e compartilhamento de fotos, em muitos casos, de forma instantânea. Mas as semelhanças entre um e outro site/serviço terminam por aqui. Isso porque, o Flickr supera – e muito – os recursos interativos do Terra Fotolog, por exemplo, para a montagem de álbuns digitais. A começar pelo serviço oferecido de edição de imagens. Enquanto o Fotolog disponibiliza apenas o usuário interferir na angulação, brilho, contraste e nitidez das fotos, graças à parceria com o site Picnik, o Flickr agrega várias ferramentas de edição, seja para manipular a fotografia, seja para adicionar efeitos, fontes, formas e molduras. O sistema de organização das fotos no Flickr (ver Figura 3) também é mais aperfeiçoado. Isso porque é possível trabalhar não apenas com álbuns, para agrupar fotos e vídeos em um tema específico, como também criar coleções, relacionando vários “álbuns” que dizem respeito a temas maiores. Outra especificidade do Flickr, se comparado ao Terra Fotolog, diz respeito ao compartilhamento das imagens. Primeiro pelo número de usuários, que é infinitamente maior no Flickr e que, por conseqüência, conta com um número maior de visitas e comentários nas fotografias que são postadas. Além disso, também é possível postar fotografias em determinados grupos, que nada mais são do que uma maneira de as pessoas se reunirem ao redor de um interesse comum, seja ele o amor a pequenos cachorros, paixão por comida, um casamento recente ou o interesse de explorar técnicas fotográficas – como refere a própria descrição do site. Mas talvez a grande diferença entre o compartilhamento de fotos entre os dois sites/serviços está no fato do Flickr permitir que seus usuários controlem com quem eles querem compartilhar suas imagens. Para cada uma de suas fotos e vídeos no Flickr, o usuário pode definir: 1) nível de privacidade, que determina quem pode ver sua imagem; 2) licença de uso, para que seus direitos autorais sejam protegidos; 3) tipo de conteúdo, sinalize suas fotos e vídeos como fotos e vídeos, arte/ilustração ou captura de tela; e 4) nível de segurança, para que outros membros vejam apenas as imagens em suas zonas de conforto especificadas. 13 “Upload ou carregamento é a transferência de dados de um computador local para um servidor”. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Upload>. Acesso em: 04 jun. de 2010. 34 Figura 3 – Perfil público da usuária Sarranheira For Baby - exemplo de uma conta do Flickr. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/12461772@N03/3856104022/in/set-72157622139804568>. Acesso em: 06 mai. 2010. Através do seu sistema de busca, o Flickr permite que os usuários realizem pesquisas para encontrar novas fotos e vídeos a partir do nome fotógrafo, tag, hora, texto e grupo. Recentemente, também foi criada uma nova forma de explorar novas imagens: por local. Isto é, no caso de fotografias que tenham sido georreferenciadas, é possível navegar por um mapamúndi e conhecer os locais que outras pessoas visitaram e o que elas viram. O Flickr também permite os usuários possam compartilhar suas fotos e vídeos com outras pessoas que não possuem conta no site/serviço. Para isso, oferece o recurso chamado de “Passaporte de 35 convidado”, que funciona como uma espécie de acesso especial - e pode ser concedido e cancelado a qualquer momento. Quanto à interação proporcionada através dos comentários, o sistema funciona da mesma maneira que o já citado Terra Fotolog. Entretanto, no Flickr, também é possível agregar notas às fotografias. As notas permitem que os contatos deixem mensagens diretamente nas suas fotos e vídeos, que são visíveis quando o mouse é passado sobre a imagem. E isso representa uma importante ruptura com o processo de recepção das imagens, visto que os usuários também têm a possibilidade de gerar significados sobre elas a partir desse sistema de interação, muitas vezes modificando/alterando o sentido que o produtor quis passar na sua captura. Além de adicionar notas/comentários, os receptores das fotografias que estão na internet também podem “favoritar” ou não uma imagem, de acordo com o seu gosto. E isso também pode estar modificando a forma com que essa imagem é vista pelo seu produtor, na medida em que “uma foto é mais popular do que a outra”. c) Picasa O Picasa Web Álbum (ver Figura 4) é um produto do Google para fotos. O serviço funciona de forma integrada ao software Picasa, um aplicativo gratuito que organiza, cataloga e edita fotografias. Há um elo de ligação entre o aplicativo e o Picasa Web Álbum, permitindo aos usuários que publiquem suas fotos na internet. O site/serviço foi criado pela empresa Picasa, Inc. e adquirida em julho de 2004 pelo Google. Numa breve comparação, o Flickr está para o Yahoo assim como o Picasa Web Álbum está para o Google. Isto é, o serviço de álbuns da web do Picasa funciona de forma muito semelhante ao Flickr: 1) o usuário tem autonomia sobre a privacidade das fotos; 2) é possível adicionar tags, títulos e legendas nas imagens; 3) os usuários podem adicionar às suas fotos informações sobre o local e visualizá-las no mapa (Google Earth); e 4) os visitantes podem deixar comentários e/ou “favoritar” as imagens. 36 Figura 4 – Perfil público da usuária Pchewy - exemplo de uma conta do Picasa. Disponível em: <http://picasaweb.google.com.br/psubabbler/BeachMay2008nc#5424792100267835906>. Acesso em: 07 mai. 2010. Talvez um das principais diferenças entre o Flickr e o Picasa Web Álbum seja o fato de que o último ofereça um espaço maior (e gratuito) para o armazenamento das fotos: no total, cada usuário tem direito a 1 GB, espaço suficiente para guardar aproximadamente 4 mil fotos. Outra distinção é a possibilidade de sincronizar o software com o Picasa Web Álbum. Esse serviço permite que as alterações recentes realizadas no Picasa sejam imediatamente copiadas para o Picasa Web Álbum (além das edições de fotos, também funciona para as alterações em legendas, tags e tags geográficas). Por fim, o Picasa Web Álbum também disponibilizam traduções automáticas dos comentários - o que não é oferecido pelo Flickr. Na busca que realizei no dia 17/03, encontrei 91.756 resultados na pesquisa com a palavra “família”. Já o termo “family” rendeu 722.537 resultados. 37 2.4.1.2 Sites/serviços onde a fotografia “também” aparece Como podemos observar no item anterior desse capítulo, os fotologs foram as primeiras formas de arquivamento e compartilhamento de fotos da internet. Depois dele, o Flickr e o Picasa aperfeiçoaram o serviço, tornando-se, assim, os principais sites/serviços de armazenamento de fotos da internet, tendo a fotografia como prioridade. Entretanto, a possibilidade de criar álbuns de fotos no ambiente digital também aparece em outras conhecidas redes sociais, como é o caso do Orkut, Facebook e Twitter – através do Twitpic. a) Orkut Encontrei na própria página oficial do Orkut, um link com os “dados demográficos” da página14. Nele, é possível conhecer qual o país que mais utiliza o serviço, a faixa etária dos usuários, os interesses, bem como o estado civil. Para a minha pesquisa em especial, é interessante perceber que o Brasil continua com uma expressiva maioria de usuários do Orkut – sozinho, abriga mais da metade (51,01%). Também, que a faixa etária que prevalece é dos 18 aos 25 anos e que o interesse maior é a amizade (ver Figura 5). 14 Fonte: <http://www.orkut.com/MembersAll.aspx>. Acesso em: 07 mai. 2010. 38 Figura 5 – Dados demográficos com o perfil dos usuários do Orkut. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#MembersAll>. Acesso em: 07 mai. 2010. Mesmo que esses dados possam ser questionados – afinal, traduz aquilo que as pessoas escreveram, de forma sincera ou não em seus perfis pessoais –, é possível reunir algumas pistas: 1) O Orkut continua sendo um importante site de relacionamento no Brasil. E, uma vez, que a pesquisa se desenvolva nesse contexto, é preciso considerar esse fator; 2) O público jovem representa a maioria (o que, também, me faz pensar em trabalhar com esse público na pesquisa); 3) Sendo o interesse “amigos” o mais freqüente, isso pode ser interessante na medida em que, nesse espaço, podem estar acontecendo vários tipos de relações e comentários a partir, entre outros, das fotografias que estão disponíveis aqui. Com relação à especificidade das fotografias nesse ambiente, elas também são organizadas em álbuns e cada usuário tem a possibilidade de reunir até 10 mil fotografias no seu perfil. Contudo, diferente com o que acontece nos fotologs, no Orkut (ver Figura 6) as fotos podem ser "reorganizadas" dentro do álbum em que estão, à gosto do dono do perfil, independente da ordem em que foram adicionadas. Assim como no Flickr, é possível marcar pessoas da sua lista de amigos na foto criando uma área retangular sobre ela e assim quando alguém passar o mouse pela marcação aparecerá o nome da pessoa (do usuário). Com a diferença de que, no Orkut, a adição de notas funciona através de um sistema automático de detecção de rostos. Dessa forma, o Orkut oferece um recurso chamado "fotos comigo", uma espécie de álbum que exibe todas as fotos em que seus amigos marcaram você. 39 Figura 6 – Perfil público da usuária Fran Corrêa - exemplo de uma conta do Orkut. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#AlbumList?uid=414090175950506880>. Acesso em: 07 mai. 2010. 40 De resto, o álbum de fotos do Orkut funciona de maneira muito semelhante aos já citados fotologs, Flickr e Picasa: as fotos recebem legendas, são passíveis de comentários, etc. Com a diferença de que o Orkut representa hoje a rede social mais utilizada no Brasil e, conseqüentemente, engloba um fluxo maior de interação entre os usuários – se comparado aos outros sites/serviços de fotos citados até agora. b) Facebook Ao lado do Orkut, e a cada dia que passa, o Facebook (ver Figura 7) também vem ganhando cada vez mais adeptos no Brasil. Na página “Sala de imprensa” do Facebook, existe um link para uma página com as estatísticas do site/serviço. Nele, é possível observar algumas características interessantes relacionadas ao uso que é feito dele: 1) mais de 400 milhões de usuários ativos; e 2) mais de 3 mil fotos enviadas ao site de cada mês. Figura 7 – Perfil público da usuária Renata Gomes - exemplo de uma conta do Facebook. Disponível em: <http://www.facebook.com/renatatgomes>. Acesso em: 07 mai. 2010. 41 Entretanto, não verifiquei nenhuma diferença significativa do Facebook em comparação com o Orkut. Ele apenas oferece um número maior de fotos (o usuário pode carregar até 200 fotos por álbum e criar quantos álbuns desejar) e permite que outras pessoas digam se “curtiram” ou não a foto – como acontece com o “favoritar foto” do Flickr. c) Twitter O famoso microblog vem ganhando a cada dia mais adeptos aqui no Brasil. Através de uma de seus serviços/aplicações (sites compatíveis), é possível compartilhar fotos. O upload das fotos pode ser feito acompanhado de tags e as fotos disponíveis também são passíveis de comentários. A restrição da visualização vai depender do perfil que a pessoal mantém no Twitter. Isso é, se a pessoa disponibiliza seu Twitter para qualquer um visualizar, todos poderão, por conseqüência, ter acesso as fotos. Caso contrário, será preciso solicitar autorização do dono do perfil para visualizar seus twittes e, por conseqüência, suas fotos. Mas o grande diferencial do Twitpic, assim como outras ferramentas para o compartilhamento de fotos que funcionam atreladas ao Twitter (como o Tweetphoto, por exemplo) é a sua capacidade de partilhar uma imagem em tempo real (ver Figura 8). Com o auxílio de um celular com câmera e acesso à internet, em poucos minutos os usuários podem compartilhar uma fotografia com milhares de pessoas. Para citar um exemplo, refiro o microblog do famoso escritor e desenhista Mauricio de Sousa. Atualmente, o criador da Turma da Mônica conta com mais de 77 mil seguidos de seu perfil no Twitter. Além disso, ele é um usuário fervoroso do Twitpic, postando diversas fotografias todos os dias. Na última vez que visitei o seu perfil, ele já tinha feito o upload de 735 fotografias, que geram, em média, entre 500 e 1.000 visualizações, além de dezenas de comentários. É interessante perceber que as fotos retratam a vida do escritor nos dias de hoje e, muitas vezes, de momentos vividos no passado (através da digitalização de fotos antigas). Com relação ao conteúdo dessas imagens, elas retratam a vida dele seja profissionalmente (participando de eventos, seções de autógrafos), seja de sua rotina particular (férias, viagens, passeios, momentos com a família). Dessa forma, Mauricio de Sousa representa um caso muito singular de uma pessoa que mantém o seu álbum de fotos (privado) aberto para quem possa interessar (público). 42 Figura 8 – Perfil público do usuário @codevilla - exemplo de uma conta do Twitpic. Disponível em: <http://twitpic.com/1lmlk9>. Acesso em: 07 mai. 2010. **** O caminho que percorri até esse momento me permitiu cumprir com os objetivos traçados para a pesquisa exploratória. Num primeiro momento, consegui experimentar o procedimento de observação e comprovar, na prática, que esse processo também seria relevante para ser utilizado na etapa sistemática. Além disso, o procedimento também me auxiliou a fazer as escolhas necessárias para definir qual será o corpus da minha pesquisa, bem como os critérios que seriam levados em conta para a realização das análises. Porém, antes de apresentar a minha amostra15, é necessário continuar a descrição da pesquisa exploratória para explicitar como ela foi desenvolvida no âmbito da recepção. 15 A referida descrição será realizada no item 2.5 deste mesmo capítulo. 43 2.4.2 Para cada álbum, um interesse específico Como o objetivo principal desta pesquisa é investigar os usos e apropriações da fotografia presente nos álbuns de fotos disponíveis da internet para a constituição da memória, a etapa exploratória pensada para o âmbito da recepção não poderia se desenvolver em outro lugar senão o próprio ambiente digital. Dessa forma, realizei uma busca por diferentes tipos de usuários nos principais álbuns de fotos virtuais16 que encontrei durante a pesquisa exploratória do produto. Basicamente, a metodologia utilizada nesse momento foi a observação acompanhada de registros sistemáticos num diário de campo – como propõe Winkin (1998). Também foi considerada a possibilidade de trabalhar com a aplicação de um questionário, mas, em virtude do pouco tempo que eu dispunha para concluir esta etapa da pesquisa, acabei ficando apenas com a observação. Entretanto, considero que a ausência de um roteiro não prejudicou esse processo, pois, apenas analisando as marcas deixadas pelos usuários nos álbuns de fotos (disposição, inserção de texto, temas “enquadrados”, etc), foi possível ter várias pistas sobre os usos que são feitos nesses lugares. Para cada um dos álbuns que selecionei para realizar a pesquisa exploratória de recepção – Flickr, Terra Fotolog, Orkut e Twitpic –, em busca de usuários para compor a amostra da pesquisa sistemática, foi necessário traçar uma estratégia de acercamento distinta. Essa especificidade que tive que utilizar para cada um dos álbuns foi necessária uma vez que cada qual apresenta lógicas de organização e funcionamento distintas. As marcas deixadas pelos usuários do Flickr, por exemplo, é diferente daquelas que aparecem no Orkut e assim por diante. Por conseqüência, cada um desses sites/serviços exigiu uma estratégia singular de procura por usuários. Por outro lado, em todos os álbuns o meu objetivo foi encontrar pessoas que utilizassem esses espaços para armazenar – em maior ou menor quantidade – fotos pessoais, uma vez que a presente pesquisa está interessada em refletir sobre a reconfiguração da memória biográfica/identitária. Nesse momento, esse foi o principal critério adotado: encontrar usuários que tivessem fotos de sua vida. A seguir, descrevo como realizei a pesquisa exploratória de recepção em cada um dos sites selecionados. 16 No item 2.5 deste capítulo irei justificar os critérios que utilizei para eleger esses quatro sites/serviços como os principais álbuns de fotos disponíveis na internet. 44 a) Terra Fotolog Logo na capa do Terra Fotolog existe várias formas de encontrar as contas cadastradas nesse site/serviço. A primeira delas – e mais simples – é através de um campo de busca localizado no canto superior direito da página. Através dessa ferramenta, é possível digitar palavras-chaves específicas e encontrar perfis de usuários afins. Ainda na página principal do Terra Fotolog, as contas cadastradas podem ser acessadas através da disponibilização de uma espécie de resumo com os últimos posts realizados, fotologs mais recentes, fotologs mais populares e fotologs destacados. Explorando os fotologs através desses tipos de agrupamentos - mais recentes, populares e destacados, percebi que os resultados encontrados eram muito genéricos quanto ao uso dado pelos usuários (entre eles, como forma de vitrine de produtos, portfólio, apresentação de obras artísticas, etc). Como o meu interesse nesta pesquisa é refletir sobre a constituição da memória biográfica/identitária (configurada a partir dos novos formatos dos álbuns de fotos no ambiente digital), achei necessário restringir minha busca para álbuns que abrigassem fotos pessoais, entre elas familiares. Para isso, digitei a palavra “família” no campo de busca textual e encontrei dezenas de perfis relacionados. Ao visitar alguns desses fotologs, encontrei em um deles um comentário que dizia: “Passei aqui pra desejar uma ótima semana / E para te convidar pra passar em meu fotolog / Se gostar fique à vontade para favoritar, Ok? / http://fotolog.terra.com.br/alexsantana / Beijo grande e fique com Deus / Alex Santana”. Entrei na conta desse usuário e fiquei surpreso ao descobrir que ela era atualizada desde setembro de 2004. Além disso, olhando suas fotos, pude perceber que o conteúdo das imagens era formado, integralmente, por fotos de família e situações cotidianas. Por reunir características bastante significativas para a minha pesquisa, decidi selecioná-lo para a pesquisa sistemática – conforme revela o item 2.5 desse capítulo. b) Flickr Para proceder com a pesquisa exploratória de recepção no Flickr, tomando como experiência o caso do Terra Fotolog, também pensei que seria mais produtivo explorar os perfis dos usuários cadastrados através de uma pesquisa com palavras-chaves – através de um 45 campo de busca semelhante ao do fotolog. Ou seja, dessa forma, conseguiria restringir a pesquisa para usuários que publicassem fotos familiares, contribuindo para uma reconfiguração da memória biográfica/identitária – e não fotos de portfólio pessoal, imagens de produtos para vendas, entre outros usos que as pessoas dão para o site/serviço. Através de uma pesquisa por termos como família, filho, mãe, amigos, viagem, festa, entre outras palavras-chaves que poderiam ser utilizadas para “nomear” fotos pessoais, encontrei diversas contas que apresentam características de um álbum privado no ambiente digital17. Como os dados encontrados podem ser considerados públicos, uma vez que as pessoas deixam suas fotos visíveis para qualquer um, fui visitando esses diferentes perfis de usuários para decidir qual seria selecionado para a minha pesquisa. Esse processo também me ajudou a conhecer melhor os diferentes usos dados pelas pessoas nesse espaço. Ao digitar a palavra-chave família no Flickr apareceram mais de um milhão de resultados relacionados. Entretanto, a grande maioria das fotos encontradas retratava a Sagrada Família, tradicional ponto-turístico localizado em Barcelona, na Espanha. Com isso, tive que realizar busca não apenas por uma palavra-chave sozinha, mas por termos combinados (família + filho, por exemplo). Assim, a exploração se mostrou mais produtiva e eu consegui encontrar usuários em potencial para a minha pesquisa. A primeira pessoa que encontrei utilizando esse novo método de trabalho foi a usuária Maria Castro. Em seu perfil, encontrei desde fotos particulares distribuídas em álbuns de família, até imagens artísticas realizadas pela autora. Além disso, pude perceber que se tratava de uma usuária da modalidade paga do serviço, o que, se comparado ao usuário do Terra Fotolog (que tem uma conta gratuita), seria uma interessante distinção de ser pensada. Ao todo, a usuária tem mais de 3 mil fotos cadastradas, distribuídas em 76 álbuns. Seguindo minha procura, encontrei a conta da Jacqueline Souza Silva. No caso dela, as fotos particulares/familiares se misturam em seu álbum com imagens de seus produtos artesanais, assim como ilustrações com textos e poesias. Achei curioso esse uso bem singular do álbum dado pela autora e, em especial, me chamou a atenção uma de suas fotografias disponíveis nesse espaço (ver Figura 9) - para pensar na relação entre o público e o privado nessas novas configurações do álbum de fotos. A imagem se destacou das outras nem tanto pelo seu conteúdo visual, mas, principalmente, pela legenda que a acompanhava: 17 Ao realizar uma pesquisa por palavras-chaves, acabei restringindo a minha procura a pessoas que, necessariamente, preenchem as tags de seus álbuns. Cabe salientar que, no caso do Flickr, existem usuários que – pelos mais variados motivos - nem sempre se preocupam em atribuir essa informação às suas imagens. Mesmo que eu tenha “deixado de fora” esse perfil específico, essa foi a única forma que encontrei para localizar álbuns que atendessem ao objetivo do meu trabalho. 46 Dinda que vc sassarique muito lá no céu!!! Meninas, essa é a tia do meu marido que hoje foi alegrar os céus. Foi com ela que aprendi a bordar ponto cruz e cozinhar. Ela adorava cantar e dançar p/ minhas filhas Jennifer e Carol e p/ a minha sobrinha Erika esse música. Sempre alegre e de bem com a vida!!! Meu Deus muito obrigada pelo tempo que tu nos concedeste ao lado dessa mulher!!! Sassassaricando Todo mundo leva a vida no arame Sassassaricando A viúva o brotinho e a madame O velho na porta da Colombo É um assombro Sassaricando Quem não tem seu sassarico Sassarica mesmo só Porque sem sassaricar Essa vida é um nó Figura 9 - Fotografia intitulada Não sei dizer adeus!!!, disponível no álbum público da usuária Jacqueline Souza Silva. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/jackarteira/4249579724/>. Acesso em: 10 mai. 2010. Mesmo que esta usuária não tenha sido selecionada para a etapa sistemática da pesquisa – pelo fato dela não ser muito assídua no site/serviço e ter poucas fotos de família – penso que é oportuno trazer esse exemplo para demonstrar que, de fato, o embate entre espaço público e privado é bastante presente nos álbuns de fotos digitais. O mesmo pude perceber acessando ao perfil da usuária Vanessa Oliveira. Em uma de suas fotos (ver Figura 10), a 47 imagem é acompanhada da seguinte legenda: Brinde na festa de fim de ano da pós! / Detalhe que estamos dentro de um hospital tá... Não contem pra ninguém hein! Figura 10 – Fotografia intitulada FELIZ NATAL!!, disponível no perfil público da usuária Vanessa Oliveira. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/vanessa-oliveira/2126268076>. Acesso em: 10 mai. 2010. Em ambos os casos percebemos que, com a migração do álbum de fotos para a internet, fatos/cenas da vida privada passa a figurar também no espaço público. Seja no caso da imagem que presta uma espécie de homenagem póstuma à madrinha querida, seja através da brincadeira (consciente ou não) de brindar pelas festas de fim de ano dentro de um hospital, os exemplos ajudam a pensar em como o ambiente digital tem provocado alterações – e em muitos casos até “confusões” – no que diz respeito à fronteira entre os espaços público e o privado na nossa sociedade. Essa sem dúvida foi uma das dimensões importantes serem consideradas no momento da pesquisa sistemática. c) Twitpic O Twitpic – vinculado ao Twitter – é um exemplo de “álbum de fotos digital” que apresenta bastante especificidade se comparado aos demais modelos analisados nessa pesquisa. Além de representar um site relativamente recente para o compartilhamento de 48 imagens, o serviço é bastante simples e deixa poucas marcas sobre o conteúdo das imagens que são postadas. Afinal, mesmo que exista a possibilidade de preencher as tags das fotos, pouquíssimas pessoas o fazem. Fiz algumas tentativas para tentar localizar usuários dessa maneira, mas o resultado me levou a perfis de pessoas com poucas imagens, o que dificilmente poderia ser interpretado de fato como um álbum de fotos. Para tentar compensar essa limitação, aproveitei o próprio espaço oferecido pelo serviço e escrevi uma mensagem – em 140 caracteres –, pedindo sugestões de pessoas que utilizam o Twitpic para postar fotos (também) familiares. Com isso, cheguei até o nome do cartunista Mauricio de Sousa, que detém um total de mais de 800 fotos em seu perfil no Twitter. Por esse e outros motivos que serão explicitados no próximo item desse capítulo – com as definições da pesquisa sistemática -, selecionei o escritor para a minha amostra. d) Orkut Ao contrário do que aconteceu com o Twitter, onde a escassez de informações/marcas deixadas no álbum de fotos dificultou a pesquisa exploratória em busca de usuários do site/serviço, com o Orkut a realidade foi completamente diferente. Nesse caso, a dificuldade maior foi, em meio a tantos usuários dessa rede social, encontrar apenas um entrevistado para compor a minha amostra. Mesmo porque, pelo fato do Brasil representar a maior comunidade usuários do Orkut no mundo18, talvez esse seja o exemplo de álbum de fotos mais comum no ambiente digital e, por esse motivo, é de fundamental importância para o meu trabalho. Por isso, diante de tanta oferta de pessoas que utilizam esse serviço, optei por fazer a eleição desse sujeito tentando garantir uma diversidade de características dentro do grupo total de usuários – de álbuns de fotos na internet – que iria analisar na minha pesquisa. De toda forma, naveguei pelos álbuns de fotos de amigos, conhecidos e até desconhecidos para saber mais sobre as lógicas de funcionamento desse serviço, bem como para descobrir quais são os principais usos e temáticas que estão presentes nesse espaço. 18 Segundo dados divulgados pelo próprio Orkut, apresentados na página 36. 49 2.5 PESQUISA SISTEMÁTICA A aproximação com o objeto empírico da pesquisa – tanto do produto, quanto da recepção –, realizada durante a pesquisa exploratória, me ofereceu algumas pistas para definir escolher quais seriam os álbuns e seus respectivos usuários a serem analisados na pesquisa sistemática, bem como para compor as categorias de observação que utilizaria para essa investigação. Afinal, uma vez que o concreto investigado seja um fenômeno complexo e, por isso, repleto de significações impossíveis de serem compreendidas por completo, é preciso definir quais serão as dimensões importantes de serem consideradas para dar conta de tentar responder aos objetivos traçados para essa pesquisa. Para isso, apresento a seguir qual foi a amostra construída para a etapa sistemática da investigação e os quais foram os critérios que adotei para defini-la, começando pela eleição dos álbuns virtuais que foram investigados 2.5.1 Sites/serviços Analisados os principais sites/serviços de compartilhamento de fotos na internet, assim como suas especificidades e recursos interativos, foi possível relacionar algumas constatações que permitiriam justificar minhas escolhas para a etapa sistemática da pesquisa. A primeira delas é que, levando em consideração o formato dos sites/serviços analisados, pensando numa linha cronológica desde os fotologs até o Twitpic, observa-se que o modelo não sofreu grandes mudanças durante o período. As fotos são colocadas em determinados sites, com ou não o acréscimo de tags, recebem comentários, as mais recentes se sobrepõem às mais antigas, entre outras características. Talvez a grande mudança que tenha ocorrido seja o tempo de duração desse processo (desde o momento em que a foto é publicada, até que ela comece a ser visualizada/comentada). Afinal hoje, com a possibilidade de fazer isso “em tempo real”, a agilidade ficou muito maior do que, por exemplo, com os fotologs. Com relação ao uso que é feito dos sites/serviços, foram verificados as mais distintas situações. No caso do Terra Fotolog, assim como o Flickr (e o Picasa), percebe-se um uso tanto pessoal, como um álbum de família propriamente dito, quanto profissional, aproveitando esses espaços como uma espécie de vitrine virtual, seja para portfólio artístico, seja para oferta e produtos para venda. Por isso, torna-se difícil eleger apenas um desses sites/serviços 50 para dar conta de problematizar o álbum de fotos na internet. Mesmo porque, em alguns casos, os usuários fazem uso de vários sites/serviços de forma conjugada, dando uma finalidade específica para cada (ou a mesmo para os dois); ou seja, a pessoa tem, por exemplo, uma conta no Orkut para colocar suas fotos de família, outra no Flickr para postar “fotos artísticas”, e assim por diante. Nesse mesmo pensamento, mas numa outra abordagem, foi possível perceber, durante a pesquisa exploratória, que existem diferenças sutis entre os serviços oferecidos por um site e outro (tal como a sobreposição de fotos, o tempo para postagem, etc), o que poderia gerar um dado tendencioso ao eleger apenas um deles para a análise e basear toda a pesquisa sobre ele. Dessa forma, ao selecionar uma amostra composta por usuários de vários sites/serviços e não de um site/serviço específico, os dados obtidos me permitiriam refletir com mais propriedade sobre o processo de reconfiguração da memória identitária/biográfica através da fotografia que está presente no ambiente digital. E é por esses critérios que os sites/serviços de álbuns de fotos que foram analisados na pesquisa sistemática são: Terra Fotolog, Flickr, Orkut e Twitpic. Pelo fato do Facebook e Picasa serem bastante semelhantes ao Orkut e Flickr, respectivamente, decidi deixá-los de fora e ficar apenas com os últimos que são mais populares em termos de uso. 2.5.2 Usuários Por se tratar de um trabalho qualitativo, as decisões tomadas para eleger os usuários investigados na presente pesquisa levaram em conta critérios que permitam reunir um conjunto de usuários diversos, tanto em relação ao uso que é feito dos álbuns de fotos virtuais, quanto ao tipo de memória que é produzida nesses espaços. Dessa forma, os dados obtidos trariam elementos para pensar sobre o fenômeno investigado de uma maneira mais complexa. A partir desses pressupostos, busquei reunir na amostra da recepção usuários com perfis variados: homens e mulheres jovens, adultos e idosos, com pouca ou mais significativas competências midiáticas. Também quanto ao uso dado para os álbuns, tive o cuidado de selecionar pessoas com vários tipos de interesses para a produção dos mesmos. Dessa forma, procurei um usuário para cada um dos sites/serviços estudados, totalizando assim quatro entrevistados. 51 O primeiro deles é Alex Santana, usuário do Terra Fotolog. Conforme descrito no item anterior, dedicado à pesquisa exploratória, encontrei esse usuário por acaso, ao ler o comentário deixado pro ele em outro fotolog. Num primeiro momento, o fato dele ter deixado esse comentário já me fez pensar que ele poderia ser uma pessoa, no mínimo, participativa nesse ambiente. Ao entrar no seu perfil público, confirmei minha suposição: usuário do Terra Fotolog desde setembro de 2004, Alex é bastante ativo do site/serviço. Olhando o seu calendário de postagens (disponível no próprio fotolog), é possível ver que todos os meses estão repletos de imagens, desde a criação da conta. Como o próprio título sugere (Minha vida!!! Meus momentos!!!) o conteúdo das imagens apresenta o cotidiano familiar do autor. Esses foram os principais critérios que me levaram a decidir pelo Alex para ser o representando do Terra Fotolog a ser entrevistado e observado na pesquisa. No álbum do Flickr, a usuária escolhida foi a Maria Castro. Depois de ter visitado várias contas de usuários, percebi que o Flickr funciona, também, como um álbum de fotos pessoais, mas, prioritariamente, é um espaço para publicar e compartilhar fotografias de um modo geral. Pelo fato dele ter sido criado especialmente com o intuito de promover a interação através de fotografias, o conteúdo das imagens nem sempre é formado por assuntos familiares, mas por fotografias de uma maneira geral. Diante disso, o perfil da Maria Castro dá conta de sintetizar um pouco essa realidade: ao mesmo tempo em que ela apresenta fotos de família, aproveita o espaço para dividir com amigos em comum o interesse pela fotografia. Ou seja, um espaço familiar, mas também biográfico. Outro motivo que me levou a escolher por essa usuária é o fato dela manter uma conta paga do site/serviço, diferente dos meus outros entrevistados que utilizam modalidades gratuitas de álbuns virtuais. Mauricio de Sousa foi o usuário que eu encontrei para refletir sobre o Twitpic, um exemplo de “álbum de fotos” do Twitter. São várias as razões que me levaram a optar por esse usuário. A primeira delas é a possibilidade de levar ao extremo a discussão entre espaço público e privado nos álbuns de fotos da internet, uma vez que o cartunista tem mais de 77 mil seguidores no microblog e, com isso, suas fotos são vistas, em média, por mais de mil pessoas. Segundo porque Mauricio tem o hábito de digitalizar fotos antigas para compartilhar nesse novo ambiente; além de ser um dos poucos usuários que encontrei fazendo isso, é interessante pensar nesse processo como uma construção da memória biográfica/identitária. E isso não significa dizer que os outros álbuns também não sem “construídos”. Entretanto, talvez esse seja o usuário que mais tenha consciência dessa possibilidade de fabricação da sua memória pública pela fotografia no ambiente digital. 52 Por fim, para representar o álbum de fotos do Orkut, selecionei a usuária Franciele Corrêa. Neste caso em especial, a eleição aconteceu de forma diferente das demais. Isso porque, como o Orkut é o espaço onde eu mais encontraria tipos distintos de usuários – pelo fato do Brasil ser líder no uso dessa rede social -, optei por realizar primeiro a seleção dos usuários dos outros álbuns virtuais. Com isso, a partir das características dos sujeitos encontrados, seria possível perceber qual o tipo de usuário que ainda não estava contemplado na minha amostra e, com isso, procurar por esse perfil no Orkut. Nesse sentido, percebi que os usuários que eu tinha localizado até o momento eram dois homens e uma mulher, sendo dois adultos e um idoso. Para garantir a diversidade da amostra, optei por agregar mais uma mulher (e assim ficar com duas pessoas de cada gênero) e, principalmente, contar com a participação de um jovem. 2.5.3 Dimensões de análise Definida a amostra para compor a pesquisa, o próximo passo foi determinar as dimensões a serem analisadas na pesquisa sistemática. Esses pontos centrais trabalhados na investigação são fruto tanto das contribuições conceituais trazidas pelos autores que utilizei na teorização dessa pesquisa (para pensar sobre o fotográfico, o ambiente digital, o receptor, a memória, entre outros), quanto de um olhar atento durante a pesquisa exploratória para perceber – no concreto empírico – as dimensões e especificidades do meu objeto de estudo. É a partir dessa olhada mútua e complementar para a teoria e a empiria que surgem os ângulos de observação necessários para responder às questões trazidas pela problemática da pesquisa. Diante dessa compreensão sobre o fazer científico, dedicarei atenção para revelar quais serão as dimensões de análise do meu problema/objeto na sequência (ver também o Apêndice B). O tempo e o espaço – que podem ser pensados para a fotografia, assim como para a produção de memória –, bem como o assunto e a intencionalidade do usuário são dimensões fundamentais e, por isso, se colocam como prioridade dentro desta investigação. Sobre o tempo, a teorização aponta para um reordenamento da dimensão temporal da memória produzida. Com o advento da fotografia digital e dos álbuns de fotos virtuais, a fotografia familiar deixou de ser constituída apenas por temas tradicionais (festas, viagens, aniversários) e passou a ser composta por diferentes situações - “banais” – do cotidiano. Nesse sentido, autores apontam para a possibilidade de estarmos vivenciando, nesse novo ambiente, um 53 processo de presentificação da memória, onde os álbuns de fotos são atualizados a todo instante. Tudo isso graças à outra característica temporal que diz respeito à instantaneidade do compartilhamento das fotos que o meio digital oferece. Para dar conta de compreender essas características relacionadas ao tempo, irei analisar: a freqüência das postagens de fotos; quando o usuário entrou para o serviço; o tempo enquadrado nas fotos (épocas da vida). Por outro lado, a dimensão espacial também deve prioritária no momento de realização da análise. Primeiro pelo fato de que o espaço – aqui entendido no sentido de lugar, ambiente – enquadrado na fotografia exprime sentido para a posterior leitura que será feita dessa imagem. Por outro lado, as características da ambiência digital e dos sites/serviços de álbuns de fotos disponíveis na internet introduzem novas potencialidades (e limitações) para a publicação e compartilhamento dessas imagens. Quanto aos recursos interativos pelos álbuns virtuais, a espacialidade das fotos adquiriu um formato completamente diferente dos antigos álbuns impressos – as fotos podem ser linkadas umas às outras, são dispostas em um ou mais álbuns, etc. Além disso, o desencaixe espaço-temporal provocado pelo meio digital institui uma experiência complexa: quando o álbum migra para a internet, acompanhamos a um alargamento dos espaços para além do local. Com isso, o álbum que antes precisava ser visto presencialmente – em momentos específicos –, hoje pode ser acessado a qualquer instante. Diante disso, a análise do espaço estará centrada em investigar: as espacialidades da foto (textos, links, álbuns/fotos); a quantidade de imagens e álbuns; os critérios de privacidade; o número de seguidores/contatos dos usuários. Outra dimensão importante de ser pensada é o assunto das fotografias disponíveis nos álbuns digitais. Sabendo que memória é uma seleção, isto é, um enquadramento – tal como acontece com a fotografia – do passado, e que ela é parte constitutiva da identidade dos sujeitos, coloca-se como necessários investigar quais os momentos das trajetórias de vidas desses usuários que estão sendo compartilhados na internet. Nessa nova ambiência, a memória é constituída não apenas por uma imagem única, mas por todo um conjunto de fotos que funcionam como uma espécie de narrativa fotográfica. Com isso, o enquadramento da memória produzido no ambiente digital passa a ser configurado, também, pelos comentários deixados por outros usuários, assim como pelas interações que são realizadas. Para compreender essas distinções, será necessário atentar para: 54 os temas/situações de memória nas fotos; os sujeitos que aparecem nas fotos (usuário e demais pessoas, em termos de relacionamento com o usuário); as formas de disponibilização das fotos e seus agrupamentos; a quantidade e o “tom” dos comentários; o conteúdo das imagens (mais ritualizado ou corriqueiro). Por fim, é preciso refletir ainda sobre a intencionalidade dos usuários (dos álbuns de fotos virtuais). A começar pelo fato de que, conforme discutido nos capítulos de teorização dessa pesquisa, a intenção do usuário é constitutiva da memória construída na fotografia e, conseqüentemente, de seu uso no ambiente digital. Nem tudo que o acontece na vida das pessoas é ilustrado através de fotografias nesses álbuns virtuais; a partir de intenções singulares, o usuário elege o que – de que forma – determinadas cenas do cotidiano serão fotografadas para, depois, decidir sobre o conjunto de imagens que será publicado e compartilhado na internet. A hipótese trabalhada nessa pesquisa é de que esse processo é resultado tanto das competências midiáticas (tecnológicas, fotográficas, estéticas) que o usuário desenvolveu por estar inserido num contexto de midiatização, quanto das mediações que estão que estão implicadas na configuração dessas memórias. Atentando para essas considerações, a análise estará centrada em observar: o uso dos recursos interativos/autonomia sobre os serviços oferecidos (conexões e novas leituras) através da utilização de tags, título, legendas, notas; as competências midiáticas: mídias em geral, fotográficas e digitais; marcas deixadas por algum tipo de pós-produção; quantidade de fotos e distribuição em álbuns; conteúdos das fotos; comentários recebidos. 2.5.4 Procedimentos de coleta de dados Ao propor uma investigação que tem como objetivo principal analisar como os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital reconfiguram a memória biográfica/identitária, mostrou-se necessário trabalhar com uma metodologia que fosse capaz, num primeiro momento, analisar as marcas deixadas no ambiente digital, para, depois, cruzar com as 55 intencionalidades e informações advindas dos respectivos usuários. Para isso, a minha proposta foi de trabalhar com uma articulação metodológica que contemplasse observação (dos álbuns digitais) aliada à realização de uma entrevista. Nesse caso, a observação foi destinada a compreender o conteúdo expresso nos sites/serviços e a entrevista pensada para dar conta da análise dos sentidos dos usos e apropriações. A seguir, apresento uma tabela que demonstra de que forma esse desenho multidimensional foi estruturado, relacionando aquilo que pretendia descobrir com cada das metodologias (na linha vertical à esquerda, disponibilizo as dimensões de observação: intencionalidade, assunto, espaço e tempo). Tabela 1 – Tabela ilustrativa com as dimensões de observação. INTENCIONALIDADE ASSUNTO ESPAÇO TEMPO O QUE OLHAR? PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Observação Entrevista Freqüência das postagens x Tempo de conta do álbum x Tempo enquadrado nas fotos x x Espacialidades (textos, links, álbuns, fotos...) x x Quantidade de imagens e álbuns x Critérios de privacidade x x Número de seguidores/contatos dos usuários x x Temas/situações de memória nas fotos x x Sujeitos que aparecem nas fotos x x Formas de disponibilização das fotos x x A quantidade e o “tom” dos comentários x x Conteúdo mais ritualizado X corriqueiro x Uso dos recursos interativos oferecidos x Competências midiáticas x x Marcas deixadas por alguma pós-produção x x Quantidade de fotos e distribuição em álbuns x Conteúdos das fotos x x Comentários recebidos x x Definidas as dimensões de investigação, o próximo passo foi partir para a coleta de dados propriamente dita. Para a observação dos sites/serviços, isso implicaria entrar em cada 56 um dos perfis/álbuns de fotos analisados e, a partir das marcas deixadas pelos usuários, reunir os dados relacionados, a partir do roteiro norteador da observação. Para a realização das entrevistas, foi necessário trabalhar na construção de um roteiro de perguntas capaz de me auxiliar na coleta de dados da recepção (conforme mostra o Apêndice A). Dessa forma, desenvolvi essa roteiro dividido em quatro blocos principais. O primeiro destinado a oferecer um perfil geral dos usuários. Depois, um segundo item reunindo perguntas que me ajudassem a conhecer as competências midiáticas dos sujeitos (das mídias em geral, fotográficas e digitais). Na seqüência, um conjunto de questões para investigar os usos da fotografia no ambiente digital; e, por fim, um bloco específico para pensar na intenção do usuário. 2.5.5 Coleta de dados Sobre o processo de coleta, posso dizer que tudo ocorreu dentro do que eu tinha planejado para esse momento da pesquisa. Todos os usuários que eu havia selecionado para compor a amostra aceitaram o convite de participar da pesquisa. O primeiro que eu fiz contato foi o cartunista Mauricio de Sousa, uma vez que, possivelmente, a combinação com ele seria a mais “delicada”. Isso porque me demandaria conseguir chegar até ele, para, depois, negociar um horário na sua agenda para a realização da entrevista. Contudo, para a minha surpresa, tudo aconteceu de forma mais fácil do que imaginei. Como eu não tinha o contato direto dele (e-mail ou telefone), deixei uma mensagem no próprio Twitter utilizando a inscrição “@mauriciodesousa”, para que ele lesse a mensagem. Na primeira vez, não obtive retorno, mas, na segunda, ele me respondeu pedindo que eu ligasse para a sua secretária. Daí tudo foi mais simples: liguei para ela, pedi um contato de e-mail e enviei todas as informações sobre a pesquisa, ao mesmo tempo em que pedi que, se possível a entrevista fosse realizada – preferencialmente – por Skype ou telefone. Em menos de uma semana ela me respondeu o e-mail marcando a entrevista para poucos dias depois, por telefone. Para garantir qualidade técnica à entrevista, conversei com o coordenador do curso de Jornalismo da Unisinos, o professor Edelberto Behs, e consegui reservar o estúdio de rádio dos alunos para gravar o áudio. Com isso, no dia e horário combinado, liguei para a residência do cartunista e realizei a entrevista. Mesmo com a minha preocupação de que a conversa não pudesse render tudo o que eu esperava – seja pela agenda disputada do entrevistado, seja pelo “distanciamento” imposto pela conversa telefônica –, 57 fiquei satisfeito com o material que consegui coletar. Durante aproximadamente 40 minutos, consegui dar conta de todas as questões centrais propostas no roteiro recebendo, por parte do entrevistado, respostas detalhadas, sem que ele demonstrasse pressa de finalizar a entrevista. Dessa forma, pude perceber que, de fato, estava recebendo toda a atenção necessária para a minha pesquisa. O próximo entrevista foi o usuário do Terra Fotolog, Alex Santana. No caso dele, aquilo tudo o que eu imaginava que pudesse acontecer com o Mauricio de Sousa se concretizou com o Alex: com uma jornada intensa de atividades (dois trabalhos, participação na igreja, família, etc), não foi possível encontrarmos tempo para realizar a entrevista por Skype ou telefone. Por isso, tive que enviar o roteiro de perguntas por e-mail e pedir que ele dedicasse bastante atenção para responder com calma e dedicação. Para garantir uma coleta com qualidade, dei um prazo grande de três semanas para ele me enviar as respostas. Meu receio de que a modalidade de entrevista “à distancia” pudesse ser menos qualificada do que presencialmente ou por telefone não se concretizou – pelo menos com esse usuário. Acho interessante ressaltar o fato de que o próprio entrevistado tomou a iniciativa de criar um documento de texto compartilhado na internet (através do Google Docs), o que permitiu que eu pudesse acompanhar o andamento das respostas, interferindo se julgasse necessário. Isso também permitiu que ele respondesse as perguntas aos poucos, fazendo com que a sua participação na pesquisa não fosse um processo cansativo/trabalhoso. Com a usuária Maria Castro – que, assim como Alex, mora fora do Rio Grande do Sul – também trabalhei com o formato “à distancia”, enviando o roteiro por e-mail. Contudo, percebi que algumas das perguntas vieram com respostas “monossilábicas” e/ou que não atendiam ao que estava expresso nas interrogações. Diante disso, na tentativa de garantir um conjunto de dados qualificados para a minha pesquisa, entrei em contato com ela (Maria) e perguntei sobre a sua disponibilidade em complementar os dados da entrevista através de uma conversa via Skype ou telefone. Aproveitamos um dia em que estava acontecendo uma greve trabalhista – e mesmo assim ela foi trabalhar – para seguirmos com a entrevista via Skype. E o interessante foi que, nesse formato, a entrevista rendeu bastante. Com isso, pude comprovar na prática a necessidade de estar atento às especificidades impostas no trabalho de campo. Isto é, o mesmo formato de entrevista aplicado a dois sujeitos diferentes me rendeu dados completamente distintos, o que me levou a readequar a minha proposta de coleta para garantir a obtenção dos dados necessários para a compreensão do meu problema/objeto. Por fim, parti para a entrevista com a Franciele Corrêa, usuária do Orkut. Conforme já explicitado, decidi pela escolha do entrevistado do Orkut depois de já ter selecionado os 58 entrevistados dos outros site/serviços de álbuns de fotos. Por isso, e para garantir pelo menos uma “situação ideal” de entrevista, também levei em conta o critério de trabalhar com uma pessoa da região metropolitana do Estado, o que me possibilitaria realizar a entrevista presencialmente. Dessa forma, entrei em contato com ela e deixei que ela decidisse o melhor dia e horário para a nossa conversa. A entrevista durou aproximadamente 40 minutos e, com o auxílio de um gravador, pude aproveitar o encontro presencial para me servir de informações que vão além daquilo que fica registrado no áudio. Sem dúvida, ficou claro para mim que esse foi o formato de entrevista mais adequado para a obtenção dos dados, garantindo a possibilidade de perceber informações que não estão apenas no áudio e, também, a interação cara a cara entre pesquisador-pesquisado. Mesmo assim, na impossibilidade de realizar todas as entrevistas pessoalmente, é preciso garantir o máximo de qualidade na hora de optar por um formato “à distancia”, sempre tendo como referência o formato presencial de entrevista. Explicitadas as características do desenvolvimento da pesquisa sistemática no âmbito da recepção, cabe fazer algumas considerações sobre a coleta de dados dos produtos, nesse caso, dos quatro sites/serviços de álbum de fotos selecionados durante a pesquisa exploratória. Esse processo se desenvolveu através da a partir da observação das marcas deixadas pelos usuários nesses espaços, tais como a freqüência das postagens, o uso dos recursos interativos oferecidos, entre outros pontos já elencados na Tabela ilustrativa das dimensões e categorias de análise da pesquisa. Metodologicamente, a única dificuldade encontrada foi descobrir como seria feito o recorte das fotos a serem analisadas, visto que todos os usuários compreendidos na amostra apresentam um número extenso de imagens em seus álbuns virtuais. Depois de discutir essa dificuldade encontrada com a minha orientadora, a decisão foi priorizar uma mirada mais genérica, trazendo algumas fotos recorrentes para problematizar os aspectos centrais que integram o meu problema/objeto. Em outras palavras, decidimos por considerar todas as fotos disponíveis, mas, na hora da análise, eleger apenas algumas que sintetizam/ajudam a compreender das especificidades da minha pesquisa. 2.5.6 Sistematização e tratamento dos dados Com o término da coleta de dados, iniciei um movimento de sistematização e tratamento dos dados coletados. No âmbito dos dados de observação dos sites/serviços, até considerei a possibilidade de trabalhar no desenvolvimento de tabelas que dessem conta de 59 apresentar as principais informações, mas acabei desistindo disso pelo fato desses dados terem um caráter mais qualitativo. Já com relação ao material advindo da pesquisa com os usuários, o processo foi um pouco mais trabalhoso, pois implicou na transcrição dos três áudios das entrevistas realizadas (a entrevista restante foi realizada por e-mail e, por isso, não precisou ser decupada). Em função da falta de tempo para a transcrição desses áudios, acabei tendo que terceirizar esse serviço, sob a condição de que fosse respeitada – literalmente – a fala dos entrevistados. Dessa forma, com todo o conteúdo devidamente transcrito, ficou mais fácil de descrever, ao mesmo tempo em que analisar as informações coletadas. Depois pronta a sistematização e tratamento dos dados, parti a descrição e análise desse material. Iniciei pelas entrevistas, reconstruindo os dados para cada um dos blocos de perguntas, na tentativa de reunir as informações mais importantes apontadas pelos usuários. Num segundo momento, também resgatei as dimensões de observação traçadas para a análise dos álbuns virtuais e, a partir do cruzamento entre os dados encontrados nos sites e o conteúdo das entrevistas, pude descrever e interpretar essas informações obtidas. Cabe salientar que esse processo foi realizado de forma individual, para cada um dos quatro usuários eleitos. Decidi proceder dessa forma e deixar para a Conclusão a interpretação dos dados de uma forma genérica, onde seria possível atentar para as dimensões de observação e buscar em cada um dos usuários entrevistados elementos para responder a cada uma dessas categorias. 60 3 DAS PINTURAS RUPESTRES AO FOTOGRAFIA, IMAGEM E MEMÓRIA FLICKR: AS RELAÇÕES ENTRE Como já referido no capítulo anterior, esta pesquisa tem como objetivo principal investigar o lugar que a fotografia ocupa enquanto grafia configuradora de memória, buscando compreender os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital e sua repercussão na constituição da memória biográfica/identitária. Para atingir este objetivo, torna-se necessário realizar uma contextualização histórica relacionada à problemática da pesquisa. Esse movimento de reconstituição e análise dos aspectos relacionados ao objeto de estudo é importante uma vez que não é possível compreender um objeto tão dinâmico e multifacetado como a configuração de memória através da fotografia sem situá-lo num contexto de transformações técnicas associadas a dimensões sociais, culturais, econômicas e políticas. Isso porque, essas alterações que operaram sobre as formas como as memórias sociais e individuais foram sendo construídas – dentre as quais a fotografia vai se situar – configuram, condicionam e estruturam o objeto investigado. Neste sentido, compartilho com Maldonado a idéia de que toda pesquisa precisa de um recorte, ela vai investigar um segmento da realidade e ao mesmo tempo não pode ignorar o conjunto de aspectos dessa realidade que intervêm na sua estruturação, condicionando-a. Os aspectos, dimensões, elementos, variáveis e fatores “próximos” do nosso problema/objeto são seu contexto. Só que essa proximidade não é externa, ela atua e gera condições de produção do próprio objeto (2006, p. 276). Entendendo que a contextualização não é externa à problemática de pesquisa, e que, como argumenta Maldonado, ela atua na produção do próprio objeto, nesse caso, em específico, ao investigar como se dá a (re)configuração da memória biográfica/identitária no ambiente digital, penso ser importante trabalhar essa contextualização a partir de quatro grandes eixos19. São eles: 1) a imagem na configuração das memórias sociais; 2) o desenvolvimento da fotografia e sua relação com a construção de memória; 3) a fotografia no contexto da midiatização e as repercussões na construção da memória social; 4) as reconfigurações da imagem-fotografia com a migração para o suporte digital e as transformações na configuração das memórias sociais. 19 Uma versão preliminar deste capítulo foi apresentada na divisão temática Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (no ano de 2009). 61 Assim, num primeiro momento, busco compreender como a imagem – para além da fotográfica – foi se constituindo como uma importante forma de construir memória, desde o momento em que esta última passa a ser exteriorizada – ainda nos remotos períodos da préhistória, fato que preparou, por assim dizer, o caminho para a utilização da fotografia na produção das memórias sociais. Afinal, desde as primeiras pinturas rupestres – que chegam a datar entre 30 e 40 mil anos20 – o homem, ao longo da história da humanidade, sempre desenvolveu formas de registrar e construir sua história/memória através do uso da imagem. Em seguida, reflito sobre momentos importantes do desenvolvimento das artes visuais impressas – desenho, pintura, xilogravura – até chegar à fotografia. Isso porque a fotografia, enquanto técnica de produção de imagem, não se desenvolveu sozinha; pelo contrário, foi resultado de uma série de experimentações inspiradas em tantos outros procedimentos artísticos/comunicacionais. Por isso, é possível afirmar que todas essas tecnologias desenvolvidas exerceram, em menor ou maior escala, influência no desenvolvimento da fotografia tal qual como a conhecemos hoje. Como afirma McLuhan (1964, p. 215), “se não tivesse havido a impressão, e as gravuras em metal e madeira, a fotografia não teria aparecido”. Mais adiante, busco pensar os impactos que a fotografia trouxe para a sociedade – no que diz respeito às suas implicações na constituição de memória –, quando esta passou a figurar num contexto de midiatização. Por fim, abordo as novas configurações que o meio digital está proporcionando para a imagem fotográfica e a produção de memórias sociais e individuais, refletindo, entre outras questões, sobre comunidades virtuais na Internet e a reconfiguração das lógicas do público e do privado nas sociedades contemporâneas. E, para que seja possível melhor compreender o contexto histórico de relações e implicações entre a imagem (e a fotografia, principalmente) e a memória, é necessário iniciar por aquilo que, de uma forma ou de outra, condicionou o desenvolvimento da pesquisa em torno das primeiras experimentações fotográficas: o pré-fotográfico. 20 “Do francês rupestre, o termo designa gravação, traçado e pintura sobre suporte rochoso, qualquer que seja a técnica empregada. Considerada a expressão artística mais antiga da humanidade, a arte rupestre é realizada em cavernas, grutas ou ao ar livre”. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete= 5354>. Acesso em: 13 jan. 2009. 62 3.1 O PRÉ-FOTOGRÁFICO Em sua obra sobre o desenvolvimento dos meios de comunicação – desde o grito até chegar ao satélite –, Antonio Costella (1984) afirma que essa história (dos meios) teve início no momento em que os antigos primatas começaram a estabelecer um processo ainda rudimentar de comunicação. Com a utilização de sons e mímicas, os primeiros hominídeos foram expressando, através de mensagens (gestuais ou faladas), determinados objetos e/ou intenções. Mais tarde, o homem aprendeu a reproduzir, pelo desenho, a figura de animais, plantas e cenas da natureza e de seu cotidiano: Discute-se sobre as intenções dos longevos artistas que desenharam tais figuras nas paredes das cavernas. No entanto, qualquer seja a explicação desses intuitos (senso estético, objetivo mágico-religioso, etc), o certo é que uma nova experiência se incorporou ao acervo humano (COSTELLA, 1984, p.12, grifo nosso). A noção apresentada pelo autor nos leva a pensar que talvez a arte rupestre tenha sido uma das primeiras tentativas do homem de materializar o que se pode chamar de próteses externas de memória21. Afinal, do ponto de vista de seu repertório, composto basicamente por formas humanas e animais, além de figuras fantásticas, objetos e cenas domésticas ou de trabalho, é possível falar em dois tipos de arte: 1) primeiro, em uma inscrição que “afirma uma presença” – indicando uma forma de dizer “estive” ou “estivemos aqui” – por meio da representação de mãos, pés e figuras; 2) segundo, em outra que tem o sentido de "testemunho", na medida em que representa visualmente narrativas, eventos, cenas e mitos22 (ver Figura 11). 21 Montesperelli (2004) é quem apresenta a idéia de próteses externas de memória. Para ele, essas próteses seriam formas de exteriorização da memória, tais como os testemunhos, arquivos, textos, imagens, enfim, aquilo que agem sobre a memória remodelando seu modo de se configurar, de compartilhamento social. 22 Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete= 5354>. Acesso em: 13 jan. 2009. 63 Figura 11 – A luta entre bosquímanos e hotentotes23 é uma das pinturas rupestres mais antigas de que se tem conhecimento, localizadas no norte da Rodésia, África. Fonte: site Lenarte. Disponível em: <http://lenarte.wordpress.com/2007/02/22/historia-de-arte/>. Acesso em: 13 abr. 2009. Através do desenvolvimento das pinturas rupestres – e mais tarde, possivelmente por volta de 4.000 a.C., da escrita pictográfica24 – o homem consegue vencer o desafio de manter registrada a sua memória, o que até então era possível, apenas, através da transmissão pela oralidade (os mais velhos contando para os mais novos, e assim por diante). Os fatos e os acontecimentos do período paleolítico passam a ser narrados através dessas inscrições em pedras e cavernas. Assim, ao fixar e manter visível ao longo do tempo essas histórias, podemos dizer que o homem estaria criando uma das primeiras formas de próteses externas de memória – através da imagem – da qual se tem conhecimento. Ao teorizar sobre o processo de rememoração pela imagem, Aumont (1995, p. 84) observa que existem diversos exemplos de imagens artísticas que utilizaram “esquemas” de narrativa a partir de determinadas figuras. Isto é, em diferentes períodos da história, a memória social foi condicionada por diferentes narrativas iconográficas, cada qual construída 23 Os bosquímanos ou hotentotes (da família Khoisan), foram os primeiros habitantes da Angola na ProtoHistória (período da Pré-História anterior à escrita, que compreende a idade dos metais). Fisicamente, eram seres de pequena estatura e de pele de cor acastanhada. Atualmente, o povo ainda existe em pequenas populações, principalmente no deserto do Kalahari. Fonte: Site oficial da cidade de Camacupa, Angola. Disponível em: <http://www.camacupa.com/dnn/Terra/UmPoucodeHist%C3%B3ria/Pr%C3%A9Hist%C3%B3riaeProtoHist%C 3%B3ria/tabid/249/Default.aspx>. Acesso em: 13 abr. 2009. 24 “A escrita pictográfica ou hieroglífica consistiu na representação desenhada de objetos concretos, formando, em sucessão, um relato coerente. Gradualmente alguns desses sinais tomaram um sentido convencional e passaram a designar conceitos abstratos, tornando-os ideogramas. Acresceram-se, depois, sílabas que, articuladas, formaram palavras” (COSTELLA, 1984, p. 13). 64 a partir de determinados códigos e linguagens visuais. Para ilustrar essa afirmação, o autor utiliza o exemplo mostrado na Figura 12, assim explicitado: Vamos citar um, bastante conhecido: a arte egípcia da época faraônica, em que uma imagem particular nada mais é do que uma combinação de imagens que reproduzem da maneira mais literal possível esquemas típicos (escriba sentado, escriba de cócoras, divindades, figura do faraó etc), eles mesmos convencionalmente vinculados a seu referente real (AUMONT, 1995, p. 84). Figura 12 - O dilúvio, representado em um manuscrito do século XI. Fonte: AUMONT (1995, p. 85). A partir das considerações trazidas pelo autor observa-se que desde, o século XI, a imagem – nesse caso, expressa em esquemas narrativos – já atuava na produção e configuração de enquadramentos de memória (social e individual). Aumont explica, ainda, que “a arte cristã até ao Renascimento, por exemplo, sempre utilizava as mesmas ‘fórmulas’ iconográficas, não apenas para figurar as personagens sagradas, mas para representar as cenas canônicas” (1995, p. 84). Em ambos os casos, mesmo partindo de um fundamento ideológico que está muito mais atrelado a um espírito de exaltação/glorificação (do que qualquer outra coisa), é possível perceber uma preocupação em se eternizar a história de determinado grupo/período com o auxílio da imagem, assim como através de um tipo específico de 65 narrativa. É certo que, do ponto de vista da disseminação dessas imagens, boa parte dessas produções estavam restritas a um número reduzido de espectadores. Contudo, tomando como referência a questão comunicacional, essas tipologias iconográficas representam relevantes rituais memorialísticos desenvolvidos através do uso da imagem (assim como tantos outros exemplos que se tem conhecimento ao longo da história da humanidade). Ao falar em formas memorialísticas, é preciso referir as contribuições de Philippe Dubois (1993) a respeito da arte da memória, onde o autor trabalha com o desenvolvimento desta técnica de utilização da imagem como forma de memorização: Concebida como um procedimento artificial de mnemotecnia, pelo qual um conjunto de dados pode ser estocado e ordenado e no qual é possível encontrar instantaneamente um elemento preciso, a arte da memória baseia-se de fato no jogo de duas noções completamente fundamentais, todo o tempo retomadas em todos os tratados: os lugares (loci) e as imagens (imagines) (DUBOIS, 1993, p. 314). Na explicação no autor, os lugares são como casas vazias, invariantes, quadros, enfim, superfícies virgens suscetíveis de receber as imagens; já as imagens vêm se enquadrar, se inscrever nos lugares. Dubois ressalta ainda que, enquanto os lugares formam a estrutura do dispositivo de memória (isto é, são partes fixas), as imagens são móveis – “só são colocadas num lugar por um tempo, [...] na medida em que não precisamos mais lembrar-nos dela, apagamo-las” (1993, p. 315). Essas reflexões trazidas pelo autor mostram que, desde o tempo da Antiguidade Grega, o homem foi capaz de desenvolver determinadas técnicas memorialísticas para auxiliar a recordação das coisas/situações. Através dessa ‘técnica de memorização’ (mnemotecnia) – um procedimento de associação de idéias –, o homem conseguiu desenvolver/exercitar a sua memória através do uso de imagens. O historiador francês Jacques Le Goff (1996) realiza um estudo largo e complexo sobre o desenvolvimento da memória, desde o período da Pré-história, até o mundo contemporâneo. Entre suas contribuições, ajuda a pensar como o aparecimento da escrita está ligado a uma profunda transformação da memória coletiva. Para o autor, com o advento da escrita, a memória coletiva desenvolve duas novas formas de memória: uma primeira, assumindo formas de inscrição, com o desenvolvimento de monumentos comemorativos para celebrar acontecimentos importantes; uma segunda, através do documento escrito, servindo com um armazenamento de informações, rompendo definitivamente com uma lógica restrita apenas à transmissão do conhecimento através da oralidade. Além disso, a partir das considerações do historiador, é possível compreender que, durante o período da Idade Média, a memória coletiva também sofrerá mudanças fundamentais: 66 Cristianização da memória e da mnemotécnica, repartição da memória coletiva entre uma memória litúrgica girando em torno de si mesma e uma memória laica de fraca penetração cronológica, desenvolvimento da memória dos mortos, principalmente dos santos, papel da memória no ensino que articula o oral e o escrito, aparecimento enfim de tratados de memória (artes memoriae), tais são os traços mais característicos das metamorfoses da memória da Idade Média (LE GOFF, 1996, p. 443). Realizando um salto cronológico de alguns séculos – afinal, o objetivo dessa contextualização não é encerrar a discussão sobre os exemplos de formas narrativas baseadas na imagem que se desenvolveram durante o pré-fotográfico, mas, sim, recuperar aspectos e momentos importantes desse período –, penso que Benjamin traz considerações relevantes ao refletir sobre a reprodução técnica da obra de arte. Para ele, com a litografia25, a técnica de reprodução atinge uma nova etapa: Esse procedimento muito mais preciso, que distingue a transcrição do desenho numa pedra de sua incisão sobre um bloco de madeira ou uma prancha de cobre, permitiu às artes gráficas pela primeira vez colocar no mercado suas produções não somente em massa, como já acontecia antes, mas também sob a forma de criações sempre novas. Dessa forma, as artes gráficas adquiriram os meios de ilustrar a vida cotidiana. (BENJAMIN, 1994, p. 166-167). A partir desse momento, em que as sociedades, gradativamente, começam a contar com um novo meio de ilustrar a vida cotidiana, talvez tenha se iniciado, por conseqüência, uma mudança significativa no modo com que as pessoas passaram a se relacionar com as imagens no seu dia-a-dia. Pela primeira vez na história, a litografia – seja nos primórdios da imprensa moderna, seja enquanto técnica de trabalho para os artistas – representou uma forma mais abrangente de disseminação das imagens, assim como já havia acontecido com a xilogravura, a gravura em metal, entre outras técnicas que a antecederam. Nesse contexto, é possível pensar que esse avanço técnico trouxe alterações na forma com que as pessoas passaram a constituir memória; afinal, com a imagem sendo reproduzida em série e difundida para a sociedade, a constituição das memórias sociais começa a passar, cada vez mais, pela instância de um suporte visual. 25 A litografia (de lithos, "pedra" e graphein, "escrever") é descoberta no final do século XVIII por Aloys Senefelder (1771 - 1834), dramaturgo da Bavária que busca um meio econômico de imprimir suas peças de teatro. “Trata-se de um método de impressão a partir de imagem desenhada sobre base, em geral de calcário especial, conhecida como ‘pedra litográfica’. Após desenho feito com materiais gordurosos (lápis, bastão, pasta etc.), a pedra é tratada com soluções químicas e água que fixam as áreas oleosas do desenho sobre a superfície. A impressão da imagem é obtida por meio de uma prensa litográfica que desliza sobre o papel”. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete= 5086>. Acesso em: 12 mar. 2009. 67 Da escrita com a pedra para a escrita com a luz26 (fotografia) passaram-se poucas décadas. Entretanto, as mudanças verificadas na relação entre imagem e memória a partir dessa evolução tecnológica são consideráveis. Isso porque, a descoberta de uma superfície fotossensível capaz de fixar essa nova grafia, vai possibilitar uma profunda transformação na vivência/experimentação espaço-temporal, o que permite caracterizar esse período como um dos momentos mais importantes da história das artes visuais no século XIX – e que ainda traz conseqüências nesse início de século XXI. Contudo, cabe ressaltar que o nascimento da fotografia foi fruto de extensas experimentações (físicas e químicas) ao redor do mundo e que, do ponto de vista de sua difusão, representou um processo lento e gradual. Seja no âmbito político, onde vários países estavam interessados em registrar a nova descoberta, seja do ponto de vista econômico, considerando uma máquina cara de ser fabricada em série (pelo menos no início), a fotografia ainda precisou de alguns anos para atingir integralmente todas as camadas da sociedade. E são essas e tantas outras características sobre o fotográfico que serão tratadas a seguir. 3.2 O FOTOGRÁFICO Definir com exatidão em que período a fotografia foi ‘descoberta’ não é uma tarefa muito fácil de ser realizada; isso porque existem diversos autores que tratam do assunto e cada qual sentencia à sua maneira o ‘verdadeiro’ início da fotografia. Como bem observa Silva (2008), da “Alegoria da Caverna” de Platão27, passando pelo princípio da camera obscura28 (ver Figura 13) – creditado, entre outros, ao chinês Mo Tzu (século V a.C.), ao árabe Ibn al Haitam (século XI) e ao renascentista Leonardo da Vinci (século XV) –, são vários os exemplos de observadores que refletiram sobre o principal fundamento da fotografia: a imagem produzida a partir da ação da luz. Diante disso, conforme defendido no item capítulo 26 Do grego photos, "luz", e graphein, "escrever". “A parábola, publicada na obra A República (livro VII), onde as pessoas que estavam dentro de uma caverna viam somente as sombras da realidade forjadas na parede com o auxílio da luz do sol, é considerada por muitos como o surgimento do fundamento fotográfico e das reflexões sobre a tecnização da sociedade” (SILVA, 2008, p.65). 28 “A luz entrando num pequeno orifício de uma parede em um quarto escuro forma na parede oposta uma imagem invertida de qualquer coisa que esteja do outro lado. A camera obscura, ou literalmente o quarto escuro, foi a primeira câmara onde os artistas podiam estudar a realidade projetada: as características da luz o delineamento de perspectiva” (COLLIER, 1973, p.03-04). 27 68 anterior, a fotografia é fruto de várias experimentações e inventos que aconteceram em diferentes períodos da história da humanidade. Figura 13 – Reprodução e um esquema que apresenta o funcionamento de uma camera obscura. Fonte: site Neatorama. Disponível em: <http://www.neatorama.com/2006/08/29/the-wonderful-world-of-earlyphotography/>. Acesso em: 13 abr. 2009. Ao longo do século XVI, artistas e matemáticos já eram capazes de desenvolver uma imagem através da camera obscura – para citar alguns, é possível referir os trabalhos de Da Vinci, Dürer, Vermeer e Canaletto. Contudo, o uso dessa imagem estava restrito apenas a uma fonte de inspiração/referência. Isto é, com o intuito de tentar reproduzir com maior exatidão o mundo em duas dimensões, alguns pintores, por exemplo, descobriram nessa técnica uma forma de ‘copiar’ a noção de perspectiva, o comportamento da luz e da sombra, entre outras características decorrentes do processo de tornar bidimensional algo que se apresenta em três dimensões (prática ainda utilizada pelos artistas contemporâneos). Nesse período, é possível dizer que acompanhamos aqueles que seriam os primeiros passos da chamada ‘imagem técnica’; entretanto, ainda seriam necessárias diversas pesquisas em torno dos processos de reações da química para que essa imagem pudesse ser gravada e, principalmente, reproduzida em maior escala. Ou seja, embora o princípio da escrita com a luz já tivesse sido descoberto, ainda seria preciso algumas experimentações em torno de uma superfície fotossensível capaz de fixar essa imagem para conhecermos a fotografia ‘propriamente dita’. Fixar é a palavra-chave e isso só será possível no início do século XIX, nas figuras de Joseph Nicéphore Niépce e Louis Jacques Mandé Daguerre: 69 Já se pressentia, no caso da fotografia, que a hora da sua invenção chegara, e vários pesquisadores, trabalhando independentemente, visavam o mesmo objetivo: fixar as imagens da câmera obscura, que eram conhecidas pelo menos desde Leonardo. Quando depois de cerca de cinco anos de esforços Niépce e Daguerre alcançaram simultaneamente esse resultado, o Estado interveio, em vista das dificuldades encontradas pelos inventores para patentear sua descoberta, e, depois de indenizálos, colocou a invenção no domínio público. (BENJAMIN, 1994, p.91). Nesse momento, mais precisamente em agosto de 1839, quando o Estado francês compra a patente do daguerreótipo e a coloca gratuita e democraticamente à disposição do público, “a sociedade ocidental desenvolvia um processo de grande mudança econômica, política, cultural e social que designamos por modernidade” (LOPES, 1998, p. 1). Num contexto de liberdade, igualdade e fraternidade – legado da Revolução Francesa –, a nova sociedade burguesa sentia a necessidade de dar visibilidade à sua ascensão econômica e social. Com isso, a fotografia apareceu num momento oportuno para literalmente retratar todo esse crescimento verificado e constituir memória para as futuras gerações. Contudo, se de um lado verificamos a ascensão econômica e social da burguesia, de outro acompanhamos um forte impacto em um dos setores trabalhistas vigentes nesse período: a classe dos pintores de retratos. Isso porque, com a concorrência do retrato fotográfico que, graças à utilização do negativo em plástico, conseguia aliar um preço mais acessível, uma melhor qualidade de imagem e a capacidade de ser produzido em série, esses profissionais foram obrigados a aprender e trabalhar com a nova descoberta – o que muitos acabaram por fazer – e/ou readequar-se dentro desse novo contexto social e de trabalho. A partir de 1850, com a sua reprodução massiva e em série – e com um custo mais acessível –, o retrato fotográfico passa a atingir grande parte da população. Da burguesia aos camponeses, todos encontram no retrato uma forma de representar-se, de ostentar esse símbolo de representação. Entretanto, como observa o pesquisador Fernando de Tacca (2005, p. 10), esse processo trouxe conseqüências ainda maiores, com o advento de “uma imagem que poderia ser guardada, uma memória definitiva de pessoas, paisagens e coisas; uma memória aparelhística especular, programada por tecnologia aplicada, aparentemente limpa das imperfeições humanas”. Mais adiante veremos que essa aparente limpeza das imperfeições humanas não se comprovará tão simples assim; entretanto, nesse momento, o importante é ressaltar que, com os impactos do pós Revolução Francesa (e, também, do início do boom da Revolução Industrial), a fotografia se fortalece e se dissemina socialmente enquanto técnica de produção de imagens e, em decorrência dessa multiplicação de imagens, passa a provocar alterações na memória individual e coletiva da sociedade. Como argumenta Lopes (1998, p. 14), “a 70 fotografia é assim um meio que potencia a tomada de consciência da individualidade e da autonomia, mas que permite exibir simultaneamente o indivíduo para o público”. Isto é, do ponto de vista individual, as pessoas começam a contar com um novo registro particular, possível de ser guardado para a posteridade. Da mesma forma, essa imagem, ao circular entre os amigos e familiares dos sujeitos fotografados (entre outros ambientes), acaba por participar da constituição de uma memória que também passa a ser construída no coletivo29 (cabe salientar que foi na primeira metade do século XIX que surgiram os primeiros álbuns fotográficos). Ainda sobre a memória construída pelos aparelhos de produção de imagens, durante o começo da imagem técnica (fotografia), Tacca fala sobre o árduo trabalho do francês Disdéri em fotografar mortos na década de cinquenta do século XIX: Como a fotografia era ainda muito recente muitas pessoas não tinham retratos de seus familiares e para perpetuar uma lembrança, solicitavam o trabalho de um fotógrafo que esperava a musculatura relaxar depois de horas e, assim, colocava o cadáver em posição normal, em uma mesa escrevendo ou outra situação, e aquela imagem perpetuava uma memória construída e cultuada de um morto vivo presente depois em um álbum de família (2005, p. 10). Através desse exemplo, percebe-se que a fotografia, ainda nos seus primeiros anos de vida, já atendia ao objetivo de servir como um tipo de registro/documento capaz de preservar a memória – nesse caso, manter ‘acesa’ a recordação dos entes queridos. Os usos empregados para a fotografia nos álbuns de família desse período revelam claramente essa intenção. É certo que a fotografia havia recém sido descoberta e, em decorrência disso, as pessoas não sabiam bem quais as suas potencialidades de utilização para além de um registro fidedigno do mundo. Contudo, esse caso nos revela apenas o início de uma relação longa e duradoura que se estabelecerá entre a fotografia e a memória. Ao longo da história da grafia da luz vamos acompanhar situações semelhantes a essa em que a fotografia – seja produzida intencionalmente para esse fim (como nas fotografias dos mortos), seja apropriada depois de pronta –, passa a empenhar um papel relevante na conformação de memória. No início da segunda metade do século XIX, a fotografia começa a ser usada nas reportagens militares. E um dos precursores desse segmento fotográfico – considerado por 29 Halbwachs (2004) trabalhou o conceito de memória coletiva, desde uma perspectiva sociológica, para pensar a dimensão propriamente social da memória. Ao empreender uma pesquisa que visa investigar a memória étnica de determinado grupo social, esse conceito ajuda a pensar que essa memória, em boa medida, será configurada a partir das relações que esse sujeito estabelece com os demais membros de seu grupo. Para o autor, é a partir dessas reconstruções coletivas que a memória está sendo constituída. E quando se fala em memória coletiva o autor refere-se a grupos, associações de pessoas que compõem, juntos, por sua vez, uma pluralidade de memórias coletivas num mesmo sistema social. 71 alguns autores como um dos pioneiros do gênero fotojornalismo – foi o inglês Roger Fenton que, durante o ano de 1855, realizou a documentação da Guerra da Criméia (ver Figura 14). Figura 14 – Fotografia de Fenton, capturada durante a Guerra da Criméia. Fonte: site Egodesign. Disponível em: <http://www.egodesign.ca/fr/article_print.php?article_id=55>. Acesso em: 13 abr. 2009. Embora suas cartas retratem os horrores do conflito, suas imagens estáticas e tranqüilas – planos gerais posados, mesmo quando parecem instantâneos de uma ação – dão conta de uma guerra limpa, incruenta. Tem-se afirmado que a firma encomendante do serviço – Agnews & Sons, de Manchester – não queria imagens que pudessem atemorizar as famílias dos soldados, mas as crueldades da guerra não eram poupadas ao público inglês pelo correspondente do Times, William Howard Russel. (FABRIS, 1991, p. 24). Mesmo que o trabalho documental de Fenton tenha sofrido limitações técnicas, tendo em vista as adversidades impostas pelas pesadas chapas de colódio úmido e pela câmara de tripé (o que não permitiu uma cobertura fotográfica muito ágil e/ou instantânea), não se pode ignorar o impacto social causado pelo enquadramento30 realizado pelo fotógrafo em suas capturas. Ao retratar a guerra (que por si só já é sinônimo de mortes, mutilações e tantas outras atrocidades) de uma forma limpa e incruenta, Fenton estaria, por consequência, 30 A noção de enquadramento pode ser compreendida tanto como elemento constitutivo da linguagem fotográfica quanto como perspectiva que permite pensar a produção desta memória. Aqui, me refiro à segunda noção, de uma construção da memória através da fotografia entendendo que esse enquadramento da memória também se opera a partir da especificidade do enquadramento fotográfico. 72 construindo uma história ‘romanceada’ de sua experiência na Criméia, produzindo, assim, um determinado enquadramento desta memória que a fotografia irá constituir. Dessa forma, é possível pensar que a grande massa de espectadores dessas imagens possivelmente construiu uma memória, em boa medida, marcada pelas ‘construções’ do fotógrafo Fenton (e tantos outros profissionais desse mesmo segmento). Pela impossibilidade de acompanhar as notícias da guerra com a mesma oferta de fontes de informação que temos hoje, é possível pensar que as imagens do fotógrafo inglês configuraram significativamente a memória da sociedade em relação ao país em guerra, as origens e causas do conflito, as ações das tropas envolvidas, entre outros aspectos. Além das fotografias de guerra, isso também vai acontecer com as imagens oriundas das expedições31 que diversos ‘fotógrafos viajantes’ realizaram ao redor do mundo. Entre os artistas desse período, destaca-se o trabalho de Maxime Du Camp que, consciente das limitações da técnica do desenho, aprende a técnica fotográfica para documentar os vestígios das civilizações passadas. Em Lembranças Literárias, por exemplo, livro produzido entre os anos de 1849 e 1851, Du Camp retrata as culturas do Egito, Síria, Palestina, Turquia, Grécia e Itália. Como reforça a historiadora Annateresa Fabris, “a fotografia começa a interessar-se por outras realidades, voltando-se, num primeiro momento, para a captura daquela paisagem que povoava tantos quadros exóticos, sem ter sido nunca vista de perto” (1991, p. 29). Ou seja, os consumidores dessas imagens estariam criando uma noção desses lugares – sem ter sido nunca vistos de perto – através dos enquadramentos realizados pelos fotógrafos. Além disso, a autora salienta, ainda, que nem sempre o objetivo das expedições fotográficas foi apenas informativo/documental: De um primeiro registro prototípico, voltado preferencialmente para os monumentos e a paisagem, passa-se à documentação de usos e costumes diferentes dos ocidentais, de territórios, de caminhos, com um intuito francamente propagandista. (FABRIS, 1991, p. 32). Não é à toa que, nesse período, mais precisamente em 1875, vão surgir os primeiros cartões postais. E esse novo suporte para a imagem fotográfica será um grande aliado na difusão da imagem fotográfica em seu momento de massificação. Com objetivos bem específicos – no que diz respeito ao seu caráter publicitário –, o cartão postal colocou ao alcance do público de massa um verdadeiro inventário do mundo (FABRIS, 1991). 31 Os primeiros temas das fotografias ‘exóticas’ representavam lugares e símbolos privilegiados pela imaginação romântica, entre eles a Terra Santa, as pirâmides do Egito, o cenário das Cruzadas e as ruínas greco-romanas (FABRIS, 1991). 73 Um dos resultados dessa massificação da imagem fotográfica é o rompimento das barreiras geográficas, o que inseriu a população dentro de uma nova lógica espaço-temporal. Ao empreender essa ruptura física e cronológica, não será mais possível pensar em uma memória coesa, linear. Desse momento em diante, as pessoas passam a fazer relações lógicas não mais apenas com o que elas ouviam, mas sim, com aquilo que lhes eram apresentadas através das imagens provenientes dos mais distintos cantos do mundo. Como conclui a autora: A fotografia cria uma visão do mundo a partir do mundo, molda um imaginário novo, uma memória não-seletiva porque cumulativa. Em sua superfície o tempo e o espaço inscrevem-se como protagonistas absolutos, não importa se imobilizados, ou até melhor se imobilizados porque passíveis de uma recuperação, feita de concretude e devaneio, na qual a aparente analogia se revela seleção, construção, filtro. (FABRIS, 1991, p. 36). Mas talvez a grande revolução tecnológica do século XIX – na corrida pelo desenvolvimento de um suporte fotográfico mais prático e barato – tenha sido conquistada pelo empresário George Eastman. Com o slogan You press the Button, we do the rest32, Eastman foi o responsável por introduzir no mercado, em 1888, a máquina fotográfica Kodak. Além de conseguir chegar a um formato de câmera capaz de resolver vários problemas apresentados pelos equipamentos fotográficos produzidos até o momento (a Kodak era leve, pequena, portátil e, principalmente, economicamente viável), o estadunidense desenvolveu uma fórmula de negativo que mudaria para sempre o destino da fotografia: o filme flexível (em rolo)33. Com isso, de acordo com Lopes (1998, p. 16), “a fotografia torna-se acessível a todos e o acto fotográfico da captura das imagens fica assim ao alcance das massas”. Nesse momento, observa-se outra ruptura interessante dentro da história da fotografia no século XIX. Num primeiro momento, com o desenvolvimento dos cartões postais, como referido, a imagem fotográfica já passa a ser reproduzida de forma massiva. Contudo, as conseqüências provocadas pela inserção do rolo de filmes no mercado são ainda maiores. Além do impacto no âmbito econômico, que literalmente democratizou o acesso de grande parte da população ao fotográfico, em decorrência disso, essas pessoas passaram à condição de produtores de fotografia. Ou seja, se antes era preciso depender de fotógrafos terceiros/profissionais para consumir fotografias, com a popularização dos filmes e das 32 Numa tradução literal, “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”. O preço da câmara carregada – com um rolo de papel para 100 exposições –, estojo e correia era de 25 dólares. Uma vez feita a exposição, o rolo exposto era retirado, processado, feitas as cópias e colocado um novo rolo, tudo por 10 dólares. Isto foi uma mudança radical na política da empresa. Fonte: Correio Feirense. Disponível em: <http://www.correiofeirense.com.br/comment.asp?IDNews=423> Acesso em: 20 mar. 2009. 33 74 câmeras portáteis as pessoas passam da condição de receptoras para, também, produtoras de conteúdo. Conforme observa Armes (1998), o mérito de Eastman foi conseguir atender a duas exigências básicas da sociedade naquele período: a facilidade de acesso ao consumidor – o que se tornou possível através da inovação tecnológica com o rolo de filme (mais prático e mais barato) – e a capacidade de comercialização em massa. Todavia, vale ressaltar que do ponto de vista político e econômico, essa popularização da fotografia não foi tão democrática assim. Isso porque, enquanto que em 1830 o governo francês colocou em domínio público – gratuitamente – a descoberta de Daguerre, a partir da década de 1890, a Eastman Kodak não perdeu tempo (e muito menos dinheiro) e ficou protegida desde o início de seus trabalhos por patentes rigorosas que cobriam cada aspecto de suas operações. Na indústria fotográfica do final do século XIX podemos identificar as tendências que recorrem constantemente: do domínio europeu para o americano (a despeito da força dos cartéis alemães na área óptica e química); da indústria artesanal para a produção em massa; de um grande número de pequenos negócios administrados por um único proprietário para um pequeno punhado de imensas corporações; e da distribuição local para o controle dos mercados mundiais (ARMES, 1998, p. 33). Paradoxalmente, do ponto de vista social, levando em conta que o legado de Eastman (ou o império da Kodak)34 atravessou gerações e se manteve vivo – e, por um longo período, hegemônico – por mais de um século, as implicações dessa herança para a conformação das memórias sociais são quase imensuráveis. A vida cotidiana das pessoas passou a ser retratada através de imagens: as festas, as viagens, as cerimônias, enfim, muitas famílias, em menor ou maior quantidade, começaram a produzir fotografia com os mais variados fins. E esses álbuns de família – muitos deles constituídos num ordenamento de narrativa cronológica –, ao serem transmitidos de geração para geração, passam a ocupar um espaço importante na configuração de uma memória familiar. A vida dos antecedentes é preservada fotograficamente no contexto familiar, fazendo com que a história (e a memória) dos mais velhos seja transmitida para os novos, e assim por diante. Tudo isso, em certa medida, configurado pelo uso da fotografia; ou seja, é também a partir dela que essas recordações são constituídas. Entre os pesquisadores que se destacam no estudo dos álbuns de família, é possível citar os trabalhos de Armando Silva e Miriam Moreira Leite. Em sua obra “Álbum de família: 34 Além de sua atuação no mercado fotográfico, é importante referir, também, o sucesso do empresário George Eastman em capturar o novo mercado de filmes para o cinema. “Em 1910, quando a vendas de filmes para cinema se igualavam às de rolos de filmes para câmeras fotográficas, Eastman controlava cerca de 90% desse novo mercado mundial, somando-se à sua participação maciça na indústria fotográfica” (JENKINS, 1975 apud ARMES, 1998, p. 34). 75 a imagem de nós mesmos” (2008), o colombiano Silva investiga as especificidades que esse álbum é capaz de revelar, não apenas quanto à organização de uma família ou de uma sociedade, mas também da própria psicologia humana. Também dedicada ao estudo do pensamento visual, Miriam Moreira Leite, ao pesquisar os retratos de imigrantes de 1890 a 1930, ajuda a compreender como a difusão da prática de fotografias de família alastrou-se precocemente pelas diferentes camadas sociais, nos diferentes países. Para Leite (1993, p. 82), “observou-se uma padronização cultural dessa prática, ligada ao desenvolvimento da técnica fotográfica que privilegia esse núcleo temático”. Ao problematizar a memória coletiva no final do século XIX e no início do século XX, Le Goff (1996, p. 465) ressalta dois fenômenos essenciais de serem considerados: o primeiro é a construção de monumentos para ‘relembrar’ o os mortos da Primeira Guerra Mundial; o segundo é a fotografia, que causou uma verdadeira revolução na memória. No caso específico da fotografia, o autor, ao citar o trabalho de Pierre Bourdieu afirma que A Galeria de Retratos democratizou-se e cada família tem, na pessoa do seu chefe, o seu retratista. Fotografar as suas crianças é fazer-se historiógrafo da sua infância e preparar-lhes, como um legado, a imagem do que foram. [...] As imagens do passado dispostas em ordem cronológica, “ordem das estações” da memória social, evocam e transmitem a recordação dos acontecimentos que merecem ser conservados porque o grupo vê um fator de unificação nos monumentos da sua unidade passada ou, o que é equivalente, porque retém do seu passado as confirmações da sua unidade presente (BOURDIEU, 1965 apud LE GOFF, 1996, p. 466). Com essa democratização da fotografia, assistimos ao seu crescimento de maneira rápida, intensa e incessante, permitindo a reprodução da imagem de maneira ilimitada (LOPES, 1998). Em outras palavras, quando a mão do homem deixa de ser responsável pela produção das imagens e dá lugar a uma técnica mais veloz e reprodutível, acompanhamos uma verdadeira revolução tecnológica – e que traz reflexos até hoje, entre outros âmbitos, na constituição das memórias sociais e individuais. No entanto, ao longo do século XX, a fotografia sofrerá tantas outras modificações, impactos e reformulações, principalmente quando ela se insere no contexto da midiatização. Além disso, também servirá de inspiração para o desenvolvimento de uma linguagem visual em movimento (cinema, televisão) e, mais tarde, também passará por reconfigurações com a migração para o suporte digital. 76 3.3 A FOTOGRAFIA EM UM CONTEXTO DE MIDIATIZAÇÃO No início do século XX, o período entreguerras (1918-1945) é considerado favorável para o desenvolvimento da fotografia artística. As grandes revistas ilustradas começaram a utilizar a fotografia sistematicamente, “gracias a lo cual no sólo recibieron trabajo numerosos fotógrafos, sino que el público también tuvo conocimiento de este joven medio” (TAUSK, 1978, p. 44). Um dos motivos para toda essa expansão da imagem dentro da sociedade foi a introdução no mercado de modelos de câmeras de pequeno formato. Entre elas, como lembra Tausk (1978), destaca-se a alemã Leica35 que, graças ao seu peso reduzido e uma grande reserva de filme (36 poses), abriu um caminho totalmente novo para a fotografia (ver Figura 15). É certo que, a partir da segunda metade do século XIX, os fabricantes de câmeras fotográficas já haviam se preocupado em desenvolver equipamentos mais práticos e compactos. Entretanto, como foi possível perceber através do trabalho de diversos fotógrafos ao longo do século XX36, a alemã Leica vai representar uma verdadeira revolução para a fotografia. Figura 15 - Leica, primeira câmera para filme de pequeno formato. Fonte: TAUSK (1978, p. 44). 35 “Em 1923 as 31 primeiras câmeras Leica ainda foram construídas à mão, e dois anos mais tarde se iniciou a produção em série do modelo Leica A com lente fixa”. (TAUSK, 1978, p. 44). 36 Entre eles, destacam-se Robert Capa, André Kertész, Henry Cartier-Bresson, assim como o brasileiro Sebastião Salgado. 77 Toda essa evolução tecnológica permitiu que a imprensa de um modo geral começasse a explorar uma nova modalidade de produção de imagens, a fotografia live37. Em outras palavras, é possível afirmar que as fotografias desse período começam a ganhar certo dinamismo (instantaneidade), seja pela produção de novos modelos de câmeras – que permitiam uma reação cada vez mais ampla, mais rápida e mais presente –, seja pela maior demanda de fotos live por parte das revistas ilustradas (TAUSK, 1978). Além disso, é preciso considerar o contexto sociopolítico do período: También con el marco más amplio de los acontecimientos históricos se inició en los años veinte una nueva era que rompió con las tradiciones y creó unas nuevas estructuras sociales, que dio paso tanto al progreso técnico, a la fe en la ciencia y los experimentos sociopolíticos, como también a la inflación, el paro, la guerra civil y el odio racial, un espectro de acontecimientos que en el campo de los nuevos medios de comunicación quedaba reflejado por medio de las fotos. (TAUSK, 1978, p. 77). Mesmo com todos os avanços tecnológicos verificados desde o ‘descobrimento’ da fotografia, foi a partir do século XX que ela passou a ser veiculada – através dos meios de comunicação de massa – para a grande parcela da população. Tendo em vista o contexto econômico, tecnológico e, principalmente, social no qual a fotografia está inserida, os meios de comunicação de massa passaram a exercer um papel fundamental na disseminação e popularização de uma narrativa visual. Primeiro ilustrando as páginas de jornais e revistas, mais tarde servindo de inspiração para o desenvolvimento da linguagem audiovisual (com a ‘fotografia em movimento’), o certo é que, como argumenta Lopes (1998, p. 18, grifo nosso), “a fotografia é um momento chave da comunicação de massa. Está na base do cinema e da televisão e é quase omnipresente na ‘imensa panóplia de tecnologia visível’”. Para refletir sobre o processo de midiatização da sociedade e, especialmente, pensar sobre as implicações que esse processo trouxe para a fotografia e seus impactos na conformação das memórias sociais e individuais, torna-se necessário especificar o que estou entendendo por esta noção. As proposições de Maldonado (2002) ajudam a pensar como, ao longo do século XIX, o desenvolvimento técnico dos meios de comunicação – redes de caminhos, de telégrafos, de cabos submarinos, de circulação de jornais e impressos – foi antecipando e configurando aquilo que hoje entendemos como midiatização. Para o autor, 37 Numa tradução literal, live significa vivo, ao vivo (transmissão). Para a fotografia, o estilo live pode ser definido como um modo de produção fotográfica mais atrelado ao factual, aos acontecimentos do cotidiano – bastante relacionado ao espírito do fotojornalismo. Alguns anos mais tarde, a partir da década de 1930, o francês Henry Cartier-Bresson vai desenvolver a fundo o conceito de ‘instante decisivo’ na fotografia, influenciando, assim, grande parte dos fotógrafos das gerações futuras (até os dias de hoje). 78 no último quarto desse século, as invenções tecnologias floresceram na linha comunicacional: rádio, cinema, telefone vão ser tecnologias de base para a futura constituição midiática das redes audiovisuais, dos sistemas de telecomunicações e das indústrias cinematográficas e do disco (MALDONADO, 2002). Essa referência àquilo que podemos compreender como um momento importante de configuração do que entendemos por processo de midiatização da sociedade reforça a idéia de que, do final do século XIX para o início do novo século, entre outras formas comunicacionais, a linguagem audiovisual começa a ser encarada como um novo formato de produção simbólica. Nesse contexto, a fotografia pode ser considerada uma técnica que não apenas revolucionou a forma de se produzir imagem congelada, mas também, representou o embrião da chamada imagem em movimento, na medida em que serviu de base/inspiração para o desenvolvimento do cinema e, alguns anos depois, da televisão. Além disso, como já referido, a fotografia começa a ser disseminada no momento em que ela passa a ilustrar os cartões postais (ainda no final do século XIX), assim como – mais tarde – será midiatizada nas páginas das revistas e dos jornais. Maldonado ajuda a pensar, também, como o campo midiático passou a ocupar um espaço central na configuração das sociedades contemporâneas: Na perspectiva sociológica, as mídias configuraram um campo social central nas formações sociais modernas. São um lugar obrigado de passagem, definições e publicização dos outros campos, uns com maior dependência que outros, mas todos atravessados pelos fatores midiáticos. A política, a produção simbólica, a religião, a cultura, a guerra, a economia, a educação, os movimentos sociais o mundo do trabalho e das vivências cotidianas são exemplos paradigmáticos disso. (MALDONADO, 2002). Pensando no caso da fotografia, existem múltiplos lugares nos quais a imagem passou a figurar nesse novo cenário de configuração social. Desde o seu desenvolvimento, passando pelos diferentes suportes da fotografia impressa, até chegar à imagem em movimento (primeiro com o cinema e, mais tarde, com a televisão), a escrita visual se desenvolveu de tal forma ao longo dos últimos séculos que, atualmente, alguns teóricos chegam a definir a nossa sociedade como pertencente a uma era da imagem. Com o aprimoramento da técnica de captura da imagem, seja ela estática, seja em movimento – que hoje é possibilitada por dispositivos cada vez mais baratos, práticos e portáteis –, torna-se difícil imaginar o mundo contemporâneo sem a presença dessa escrita visual. É possível que, ao longo da história, o homem nunca tenha sido capaz de produzir e consumir (e vice-versa) toda essa quantidade de imagens como nos dias de hoje. 79 As implicações/conseqüências dessa onipresença da imagem no mundo contemporâneo para as (re)configurações das memórias sociais podem ser pensadas de – pelo menos – duas formas. De um lado, toda essa disseminação da linguagem visual (através de peças publicitárias, produtos jornalísticos e/ou de entretenimento e através de diversas mídias) vai contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade altamente familiarizada com a escrita iconográfica. Com isso, desde o início do século XXI, as pessoas começaram a não apenas receber, mas, também, produzir conteúdo através de uma linguagem visual. Atualmente, a figura do “leitor-repórter” nos mais diferentes veículos de comunicação consegue retratar bem essas competências midiáticas que os sujeitos foram adquirindo com a disseminação da imagem. Numa outra abordagem, a chamada era da imagem pode estar configurando profundas mudanças na constituição das memórias sociais e individuais. Afinal, esse alargamento dos lugares onde a fotografia passou a circular vai mudar a natureza da relação do fotográfico com a memória dos sujeitos. Se na metade do século XIX o repórter fotográfico Roger Fenton era um dos poucos responsáveis retratar com sua câmera a Guerra da Criméia, hoje, no início do século XXI, as referências visuais da Guerra no Iraque, por exemplo, são múltiplas. Jornais e agências de notícias de todas as partes do mundo registram os acontecimentos, assim como as próprias pessoas envolvidas no conflito, através de fotos e vídeos que futuramente irão figurar em diferentes sites de compartilhamento de conteúdo. Com isso, as memórias sociais dos fatos/acontecimentos vão sendo construídas não somente com alguns referentes advindos de poucos veículos noticiosos; no mundo contemporâneo, o repertório de informação – entre elas a visual – é imensurável. E as conseqüências dessas alterações para a memória serão ainda maiores no momento em que a fotografa passa a circular na internet (conforme veremos no item a seguir). 3.3.1 Do papel para o pixel: a migração para a internet Conforme contextualiza Manuel Castells (2001, p.255), “a Internet se construiu mais ou menos nos últimos 31 anos, a partir de 1969; tal como a entendemos agora, no entanto, esta se formou em 1994, a partir da existência de um browser, da World Wide Web”. Deixando de lado a discussão sobre qual seria o “verdadeiro” início da rede mundial de computadores, o fato é que, na atualidade, a Internet é muito mais do que uma tecnologia. Ela 80 impõe-se como um revolucionário meio de comunicação, de interação e organização social (CASTELLS, 2001). Partindo dessas três definições fundamentais, talvez interação seja a palavra-chave desse novo processo comunicacional; afinal, é a partir desse conceito central que a Internet, enquanto novo meio de comunicação, atua sobre a organização da sociedade. Indo ao encontro das reflexões trazidas por Castells, Maldonado (2002, grifo nosso), ajuda a pensar como “as mídias nos inícios do século XXI apresentam, de acordo com uma característica histórica relevante desde o século XX (rádio/TV; fotografia/cinema), uma interconexão cada vez mais intensa entre elas”. Um exemplo disso são os diferentes sites de compartilhamento de conteúdo desenvolvidos através do conceito da Web 2.038. Além de incentivar a formação de novos produtores de conteúdo (nesse caso, imagens), uma das conseqüências deste processo para a fotografia é o compartilhamento desses registros visuais. Entre os sites que trabalham com esse conceito, é possível destacar exemplos como Orkut, Flickr, You Tube, Panoramio, assim como tantos outros blogs, fotologs e demais portais multimídias que, nesse caso, convidam o internauta a compartilhar imagens produzidas por ele com outros usuários. O caso do Flickr é emblemático para refletir sobre essa revolução que a imagem alcança quando ela passa a navegar pela rede mundial de computadores. Desenvolvido em 2004 pelo casal canadense Stewart Butterfield e Caterina Fake, ele representa, hoje, um dos principais sites de armazenamento e compartilhamento de fotos do mundo. A partir de uma plataforma digital, constituída dentro da rede mundial de computadores, o Flickr, assim tantos outros sites de compartilhamento de fotos e vídeos, reconfigura as lógicas do público e privado nas sociedades contemporâneas. Ou seja, com o desenvolvimento de um álbum digital (gratuito e de fácil manuseio), o site permite que as pessoas troquem as antigas caixas e álbuns de fotografias pelo chamado álbum digital. Com isso, as imagens particulares passam a circular no domínio público. Além disso, a partir dos serviços de interações oferecidos pelo próprio site, essas fotografias não apenas são vistas como também comentadas, avaliadas por notas, indexadas com determinadas tags (palavras-chave), dispostas a partir de uma determinada narrativa (nas separações em álbuns), enfim, assumem outra importância se comparada com os tradicionais álbuns impressos. 38 Conhecida como a segunda geração da World Wide Web, a noção de Web 2.0 é utilizado para descrever o conceito de troca de informações e colaboração dos internautas com sites e serviços virtuais, fazendo com que o ambiente on-line se torne mais dinâmico e que os usuários colaborem com conteúdo. A enciclopédia virtual Wikipédia é um bom exemplo disso. Fonte: Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u20173.shtml> Acesso em: 26 mai. 2009. 81 A noção de comunidades virtuais na Internet – trazida, entre outros autores, por Manuel Castells – ajuda a pensar sobre as características que as relações estabelecidas pela fotografia vão ter quando ela passa a figurar no ambiente digital. Para o autor, “a Internet é um instrumento que desenvolve, mas que não muda os comportamentos; ao contrário, os comportamentos apropriam-se da Internet, amplificam-se e potencializam-se a partir do que são” (CASTELLS, 2001, p. 273). Isto é, no momento em que o antigo álbum de fotos passa a contar com uma audiência que não é mais apenas física, mas também virtual, de caráter público, e não mais privado, inaugura-se outro tipo de lógica e de relações sociais. A conseqüência desse processo extrapola os limites das relações interpessoais e começa a trazer impactos, entre outros, para a configuração da memória. Ao refletir sobre o processo de exteriorização da memória individual para formatos digitais, o pesquisador Alberto Sá afirma que os materiais de presença e de reflexão subjectiva na Web incentivam à partilha pública de sentimentos e de emoções – deste modo, a subjectividade afectiva da memória é transferida da memória autobiográfica para uma memória que é pública, porque exposta e partilhada, e que é social, porque conecta reflexões privadas aos recursos públicos inscritos nos quadros colectivos da experiência comum. (SÁ, 2007). Com os adventos tecnológicos, sobretudo os digitais, a midiatização atinge tamanho grau de inserção no meio social que, entre outros fatores, contribui para uma profunda mudança no processo de rememoração. Em outras palavras, o ambiente digital instaura-se como um fator importante de transformação das memórias individuais e coletivas (SÁ, 2007). Talvez uma das principais conseqüências dessa migração dos antigos álbuns de fotografias para o ambiente digital seja a conquista de uma maior audiência desses materiais. A disseminação e o consumo das imagens atingem grandes proporções, o que resulta num constante exercício de reordenação e reinterpretação da memória. Isso porque, como já referido, além de oferecer uma maior mobilidade das imagens (arrastar de uma pasta para a outra, criar narrativas, separar por assuntos específicos, etc.), os sites permitem um compartilhamento social das fotografias. E o ato de tornar público o que até então era visto e consumido por sujeitos que pertenciam a um grupo menor de pessoas (espaço privado) implica, entre outros, em novas configurações para a memória social. Maria Cristina Mata (1999) também ajuda a refletir sobre esse novo cenário de desenvolvimento e intercâmbio de produtos culturais – e o que isso traz para a sociedade. Muito mais do que um estágio onde se incrementam as tecnologias e o uso e consumo desses 82 meios, Mata acredita que a cultura midiática representa “uma nova forma de estruturação das práticas sociais”: En ese sentido, la mediatización de la sociedad – la cultura mediática – nos plantea la necesidad de reconocer que es el proceso colectivo de producción de significados a través del cual un orden social se comprende, se comunica, se reproduce y se transforma, el que se ha rediseñado a partir de la existencia de las tecnologías y medios de producción y transmisión de información y la necesidad de reconocer que esa transformación no es uniforme. (1999, p. 85). Para a autora, toda essa expansão das mídias passa a reconfigurar/reordenar/remodelar os campos sociais, fazendo com que os meios de comunicação de massa ocupem um campo central na sociedade. A mídia se instaura como uma nova matriz produtora de sentido, um novo agente que passa a integrar a estrutura de organização social, modificando o modo como a sociedade se ordena, se comunica, se pensa e se relaciona. Numa sociedade complexa, os meios de comunicação deixam de representar um campo lateral para assumir um lugar central, com regras e lógicas singulares, interferindo diretamente sobre os outros campos sociais. No caso da fotografia nos dias de hoje, isto é, num contexto de midiatização, percebe-se que todas essas formas de produção e disseminação das imagens vão interferir nos modos de produção de sentido da sociedade – e, por conseqüência, em alterações na memória. Mata (1999) explica que uma das conseqüências desse processo de co-presença e intercambialidade, conquistado a partir do aperfeiçoamento das tecnologias de informação, foi a desarticulação da noção do tempo e espaço na sociedade. Num contexto de midiatização, a imagem – expressa em diferentes meios de comunicação – se amplia para vários lugares, compondo um verdadeiro mosaico de referências visuais dentro do imaginário social. Essa nova relação espaço-temporal vai trazer consequências para a configuração das memórias sociais que, numa sociedade midiatizada, também passam a ser constituída pelo fotográfico. As imagens dos álbuns de família se mesclam com as fotografias veiculadas nos jornais e revistas, que por sua vez dialogam com referências de outros lugares (livros, exposições, etc.), sem podermos afirmar ao certo o tempo e o espaço característico de cada uma. 83 4 PERSPECTIVAS PARA ENTENDER A CONFIGURAÇÃO DA MEMÓRIA NO AMBIENTE DIGITAL Ao longo do capítulo anterior, foi possível observar que a fotografia é um importante agente que atua na configuração das memórias sociais – no caso dessa investigação, especialmente, de uma memória biográfica/identitária. Por esse motivo, torna-se necessário compreender de que forma a escrita fotográfica vai atuar na conformação dessa memória. Entre outras indagações, interessa problematizar nesse capítulo de que forma a memória biográfica/identitária se configura em termos de conteúdo expresso na fotografia – tempo, espaço, situações e atores envolvidos? Busco nesse capítulo esclarecer a concepção com a qual trabalho sobre a fotografia e a sua linguagem, na tentativa de pensar como esta escrita irá configurar o conteúdo da memória expressa nas imagens. Ao mesmo tempo, uma vez que a análise desse trabalho busca investigar não apenas a ação da fotografia em si, mas da fotografia situada no ambiente digital, interessa pensar quais são as especificidades de atuação da fotografia situada nesse contexto? Como as características desse meio (recursos interativos, disposição espacial, relação com texto, etc) vão configurar a construção desta memória? Sabendo que os elementos da linguagem fotográfica agem tanto na produção, quanto na futura leitura/recepção das imagens, para compreender melhor as características da linguagem fotográfica é preciso, primeiro, investigar como se desenvolvem os processos de produção da imagem. Independente de quem produz a fotografia, seja essa pessoa a própria interessada em fotografar-se, seja algum terceiro contratado para fazê-lo, o fato é que, na condição de autor de determinada imagem, esse sujeito deixará marcas na sua produção que são inerentes ao processo de captura/construção fotográfica. Num segundo momento, torna-se necessário pensar como se desenvolvem os usos e apropriações da fotografia relacionada à memória no ambiente digital. Afinal, entre outras características, é a partir do repertório pessoal (ideológico, cultural, estético etc) de cada sujeito que se darão os usos e apropriações (processo que envolve uma série de dimensões configuradoras – e que variam de uma pessoa para outra). Por fim, cabe refletir sobre o lugar ocupado pela fotografia, uma vez que essa característica também condiciona os usos da imagem – no caso dessa investigação, sabendo que a fotografia dos álbuns de família não será apropriada da mesma maneira que a fotografia familiar (e por isso, privada) disponível na web (no ambiente público), por exemplo. 84 4.1 A REPRESENTAÇÃO FOTOGRÁFICA Como propõe o pesquisador Boris Kossoy (2002), a imagem fotográfica contém em si realidades e ficções. Refletindo sobre os mecanismos mentais que agem sobre os processos de produção e recepção das imagens, o autor chama a atenção para uma característica inerente da imagem fotográfica: o processo de construção de realidades. Mesmo que a fotografia seja capaz de apresentar aspectos do real – situado num determinado tempo e espaço –, ela sempre será fruto de uma construção que inicia no momento que a imagem é capturada e só irá terminar quando esse registro é lido e interpretado pelas pessoas. Por isso, a fotografia pode ser definida não como um espelho da realidade, mas, sim, como uma forma de representação desse real. É essa característica fundamental que condiciona a ambígua e irreversível condição que a fotografia carrega de documento/representação, nas palavras do autor. “A fotografia tem uma realidade própria que não corresponde necessariamente à realidade que envolveu o assunto, objeto de registro, no contexto da vida passada” (KOSSOY, 2002, p. 22). Em sua tese, o autor defende a existência de, no mínimo, duas realidades presentes na fotografia. A primeira realidade seria o próprio passado representado na imagem; isto é, o cotidiano do assunto, sua história particular, independente do registro tomado. Essa seria a realidade interior da fotografia, “abrangente e complexa, invisível fotograficamente e inacessível fisicamente e que se confunde com a primeira realidade em que se originou” (2002, p. 36). Já a segunda realidade seria a realidade do assunto representado, contido nos limites bidimensionais da imagem fotográfica. “A segunda realidade é a realidade fotográfica do documento, referência sempre presente de um passado inacessível. [...] É esse aspecto visível a realidade exterior da imagem, tornada documento” (2002, p. 37). Essas considerações trazidas pelo pesquisador ajudam a pensar que existem limites no conteúdo da cena apresentada pela fotografia. Afinal, ao contrário do que muitos acreditam, o conteúdo presente na imagem fotográfica não é capaz de apresentar o passado tal como ele aconteceu, mas, sim, alguns de seus referentes. E isso não significa dizer que tudo o que está expresso na fotografia seja ficção; contudo, a imagem revela apenas um pequeno registro do passado. A partir de uma linguagem própria e específica, a fotografia constrói outra/nova versão dos fatos vividos, uma segunda realidade como proposto por Kossoy. Por esse e outros motivos (como veremos adiante), é importante ter claro que a fotografia caracteriza um 85 processo de construção desenvolvido a partir de várias dimensões e etapas. Trata-se de um caminho complexo que inicia no momento em que a fotografia é capturada. Por conseqüência, isso também traz implicações para o tipo de memória que a fotografia evoca em seus receptores. Isso porque, ao se deparar com uma fotografia particular, as pessoas começam a lembrar de situações do seu cotidiano condicionadas pela (segunda) realidade contida na imagem. Com isso, as lembranças são acionadas a partir da relação que esses sujeitos vão estabelecer com o conteúdo dessas imagens – que, por sua vez, carregam em si especificidades quanto ao seu processo de produção. Nesse contexto, o fotógrafo responsável por iniciar essa longa jornada de transposição de realidades – conforme veremos a seguir. É ele quem irá enquadrar a imagem e, a partir de uma técnica e linguagem específica, decidir como será a forma que ele usará para eternizar o assunto pretendido. 4.2 SOBRE A PRODUÇÃO DAS IMAGENS Conforme explica Kossoy (2002), a fotografia se conecta fisicamente ao seu referente, porém, através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado no imaginário de seu criador. Como defende o historiador, esse é um dos motivos que envolvem a representação fotográfica numa verdadeira trama. Para compreendê-la, deveríamos desmontá-la em seus elementos constitutivos, isto é, identificar os componentes estruturais de uma fotografia, isto é, seus elementos constitutivos e suas coordenadas de situação. Tratam-se dos componentes que a tornam possível, isto é, materialmente existente no mundo: o assunto que é o objeto de registro, a tecnologia que viabiliza tecnicamente o registro e o fotógrafo, o autor quem, motivado por razões de ordem pessoal e/ou profissional, a idealiza e elabora através de um complexo processo cultural/estético/técnico, processo este que configura a expressão fotográfica. Tal ação ocorre num preciso lugar, numa determinada época, isto é, toda e qualquer fotografia tem sua gênese num específico espaço e tempo, suas coordenadas de situação (KOSSOY, 2002, p. 25-26). Superando uma noção reducionista de encarar a fotografia como um suposto “espelho da realidade”, umas das grandes contribuições trazidas por Kossoy é pensar a fotografia como uma representação constituída, entre outros fatores, por uma determinada tecnologia – que vai operar a partir de uma linguagem específica – e, principalmente, pela visão de um fotógrafo, responsável por mediar e configurar a expressão fotográfica. Talvez essa seja uma pista fundamental para começar a (pelo menos) tentar responder “como a fotografia, a partir de 86 suas especificidades de linguagem, configura a memória biográfica/identitária?”. Ou seja, é preciso ter claro o entendimento de que, seja qual for a origem da imagem produzida, ela inevitavelmente passou por um processo de construção, realizado por alguém – e a partir de uma técnica e linguagem específica. É esse arranjo final de todo um complexo processo de representação visual que irá agir sobre a configuração dessa memória. Em seu indispensável livro “Linguagem fotográfica e informação”39 o pesquisador e antropólogo Milton Guran (2002, p. 15) afirma que “a fotografia é uma extensão da nossa capacidade de olhar e constitui uma técnica de representação da realidade que, por seu rigor e particularismo, expressa-se mediante uma linguagem própria e inconfundível”. Para o autor, são inúmeros os elementos que fazem parte dessa linguagem própria e inconfundível, entre eles a luz, a escolha do momento, o ajuste focal, o enquadramento, além da questão colocada pela atuação das diversas objetivas e dos diferentes códigos representados pela foto em pretoe-branco e em cores. Essas são pelo menos algumas das escolhas que são feitas – de forma consciente ou não – por todas as pessoas na hora de capturar determinada imagem. Ao serem eleitas, vão caracterizar o olhar/ponto de vista de quem produz a fotografia. A começar pela questão da cor nas fotografias. Desde o seu surgimento, a fotografia foi desenvolvida durante muitos anos a partir de filmes em preto-e-branco. Mesmo com todas as experimentações que aconteceram ao longo do século XIX na tentativa de superar a fixação da imagem apenas em preto-e-branco, foi somente com a popularização dos filmes coloridos, a partir da década de 196040, que grande parte das pessoas começou a ter acesso a imagens fixadas a partir de uma gama maior de cores. Curiosidades à parte, o fato é que nos, ainda dias de hoje, não é de se surpreender que as gerações de 30 ou 40 anos atrás detenham, no seu arquivo pessoal de fotografias, imagens reveladas em tons de cinza, do preto ao branco. É importante problematizar essa particularidade na medida em que a fotografia colorida e/ou em preto-e-branco é caracterizada por “processos e códigos de linguagens diferentes, tanto nos procedimentos técnicos, quanto na mecânica de leitura e no grau de impacto sobre o leitor” (GURAN, 2002, p. 19). Mesmo que isso possa soar até redundante, Guran salienta que, desde que nascemos, somos acostumados a ver colorido. O resultado disso é que a empatia com as fotografias em cores é muito maior, mais imediata, assim como de um entendimento mais simples do que 39 Situada num contexto de publicações ainda carente por bibliografias que reflitam sobre a fotografia para além de uma simples técnica, essa obra impõe-se como uma importante referência para pensar acerca dos elementos constitutivos da linguagem fotográfica. 40 Fonte: Confederação Brasileira de Fotografia. Disponível em: <http://www.confoto.art.br/artigos19.php>. Acesso em: 31 jul. 2009. 87 com uma imagem em preto-e-branco. Para o pesquisador, isso explica o fato da indústria da foto de consumo (álbum de família) ser, desde muito tempo, totalmente voltada para esse tipo de fotografia. Isso sem falar no fato de que, do ponto de vista econômico, torna-se mais barata a produção maciça de filmes coloridos e sua respectiva revelação (GURAN, 2002). E é interessante perceber que, mesmo com o advento de câmeras digitais compactas capazes de capturar imagens em preto-e-branco (sem as condições econômicas ditadas pelo filme), a opção pelas fotografias em cores ainda é bastante freqüente, tamanha é a familiaridade e predileção que grande parte das pessoas mantém pelo colorido. Por outro lado, “ao representar uma cena apenas com tons e linhas, a foto em preto-ebranco se define como um código diferenciado da nossa forma natural de ver a realidade, ganhando maior poder de penetração e de interpretação das situações” (GURAN, 2002, p. 21). Isto é, a fotografia sem cor nada mais é do que uma ruptura com determinada alfabetização visual que as pessoas estão acostumadas a consumir. Com isso, o processo de interpretação dessas imagens também será diferenciado. Ao escolher capturar uma imagem em cores ou registrar essa mesma cena exclusivamente em tons de cinza, o fotógrafo define (seja intencionalmente ou não, por motivos econômicos, estéticos etc), por conseqüência, como será a relação que os futuros consumidores irão manter com essa fotografia. Além da cor (ou de sua ausência), a composição desenvolvida pelo fotógrafo na hora da tomada de seu registro também irá marcar – e muito – a produção, por conseguinte, a recepção futura dessa imagem capturada. De uma forma sintética, “a composição fotográfica tem como finalidade dispor os elementos plásticos percebidos através do visor para conferir significado a uma cena” (GURAN, 2002, p. 22). Entre os inúmeros elementos que integram a composição de uma fotografia, podemos destacar pelo menos os principais: o enquadramento, a luz, o uso das lentes (objetivas), o foco, o momento, assim como, no caso das antigas fotografias capturadas a partir de filmes fotográficos, as características próprias dessas películas, tais como sua sensibilidade, acutância, grão e contraste, entre outras. A seguir, desenvolvo alguns desses elementos que irão marcar a composição fotográfica – e que julgo necessários de serem desenvolvidos para pensar suas marcas no produto final das imagens. Até o começo deste século, para se obter uma foto era necessário um tempo de exposição de muitos segundos e um equipamento relativamente pesado. O fotógrafo dividia, na prática, a autoria intelectual da imagem com o fotografado, que fazia a pose, ou com a “produção”, que determinava o que ia ser registrado e como. Com o surgimento das câmeras mais leves, como a Ermanox e mais tarde a Leica, e de filmes mais rápidos, o fotógrafo ganhou liberdade de atuação, e a fotografia como um todo, novo caminho estético (GURAN, 2002, p. 43). 88 Todo esse avanço tecnológico representou uma verdadeira revolução para o fazer fotográfico. De mero coadjuvante no processo de captura das imagens – dependente direto de fatores técnicos, assim como da paciência de seus retratados –, o fotógrafo conquistou certo protagonismo no momento em que ele conseguiu ter mais autonomia sobre o seu instrumento de trabalho. Como descrito acima, um dos avanços oportunizados pela introdução das câmeras compactas no mercado foi a conquista de um tempo de exposição mais curto. Aos poucos, essa instantaneidade adquirida começou a modificar o conteúdo das cenas fotografadas. De simples bonecos estáticos, posicionados como se fossem estátuas para vencer o alto tempo de exposição, as pessoas começaram a ganhar movimento nas fotografias. A conseqüência disso, a partir desse período, o momento na fotografia representa um aspecto importante de decisão do fotógrafo na hora de produzir a sua imagem. Milésimos de segundo fazem toda a diferença no resultado final de qualquer fotografia. Como argumenta Kossoy (2002, 29), “a imagem fotográfica contém em si o registro de um dado fragmento selecionado do real: o assunto (recorte espacial) congelado num determinado momento de sua ocorrência (interrupção temporal)”. No momento em que o fotógrafo passou a adquirir uma maior autonomia sobre o momento do clique, ele também passou a operar com maior poder de escolha sobre a tríade foco, diafragma e velocidade. Isso significa até hoje uma mudança significativa na forma de se trabalhar com a linguagem fotográfica, uma vez que muito mais do que simples imperativos técnicos, esses instrumentos definem diretamente o conteúdo da mensagem expresso nas imagens. Afinal, com relação ao foco, por exemplo, existe uma diferença muito grande em produzir determinada fotografia com o foco em um plano ou em outro, ou ainda colocando o foco em dois ou mais planos ao mesmo tempo. Nesse sentido, é importante ressaltar que o foco seletivo, que valoriza os elementos de um plano pela nitidez do foco, “é um dos recursos de maior força da linguagem fotográfica, particularmente útil para se destacar o essencial da informação” (GURAN, 2002, p. 35). A referida liberdade conquistada pelo fotógrafo também vale para as possibilidades que o mesmo conquistou para se trabalhar com os ajustes do diafragma. Isso porque, dependendo de sua abertura, a imagem poderá ter uma profundidade de campo maior ou menor; ou seja, ao trabalhar com abertura de diafragmas grandes, a imagem apresentará uma zona de nitidez reduzida (pouca profundidade de campo). Já com o diafragma mais fechado, o resultado é o aparecimento de uma maior zona nítida na imagem (maior profundidade ou menos desfoque), compreendendo vários planos visuais (GURAN, 2002). O mesmo vale para a decisão sobre a velocidade do obturador que, entre outras funcionalidades, permite ao 89 fotógrafo congelar o assunto retratado ou oferecer uma impressão de movimento – popularmente conhecido como borrado. Existe ainda uma série de outros elementos envolvidos na linguagem fotográfica que, desde o momento de produção das imagens, vai direcionar a futura leitura e, por conseqüência, a memória que será configurada a partir da leitura dessas fotografias. Entre eles, a atuação das diferentes lentes (objetivas), onde cada uma delas, a partir da sua formação ótica, apresenta características específicas na hora da captura fotográfica (grande angulares aproximam e aumentam o primeiro plano, já as teleobjetivas, em geral, caracterizam-se por achatar os planos uns aos outros e oferecer uma menor profundidade de campo, e assim por diante). Ainda não podemos deixar de lado as características da luz, fonte essencial para a produção de qualquer fotografia. Se fotografia é luz, esta vai variar de acordo com a intensidade, o tipo e a direção da luz, fatores que são determinantes para o resultado de uma foto. “A luz é o que dá o clima (atmosfera) de uma foto, e isso já é informação” (GURAN, 2002, p. 29). Mas talvez um dos principais elementos (senão o principal) da linguagem fotográfica, responsável por definir aquilo que deve ser destacado/lembrado, daquilo que possivelmente possa vir a ser esquecido é o enquadramento feito pelo autor da foto. Se o conteúdo de qualquer fotografia “é o resultado de uma sucessão de escolhas, fruto de um somatório de seleções de diferentes naturezas” (KOSSOY, 2002, p. 27), a decisão do enquadramento a ser tomado é um fator que condiciona consideravelmente a mensagem apresentada nesse registro fotográfico. Nesse sentido, são valiosas as contribuições de Guran (2002, p. 13) ao refletir que, diferente de outras produções criativas, como no caso da pintura, por exemplo, a composição é geralmente aditiva. Já na fotografia, a “composição é subtrativa – diante de uma realidade determinada e visualmente prolixa, o fotógrafo vai eliminando os elementos não essenciais para destacar a essência de sua mensagem plástica”. Isso significa dizer que, ao subtrair “aquilo que não lhe interessa” (ou adicionar “aquilo que lhe interessa”) na imagem, o fotógrafo assume determinado ponto de vista que exercerá bastante influência na futura leitura desse conteúdo. Um exemplo que ajuda um pouco a dimensionar o significado desse processo para o imaginário coletivo é refletir sobre o exemplo citado anteriormente, das fotografias realizadas por Roger Fenton durante a Guerra da Criméia. Como foi apresentado, ao retratar a referida guerra de uma forma limpa e incruenta, subtraindo de suas imagens os horrores que supostamente poderiam ferir as famílias dos soldados, Fenton estaria, por consequência, construindo uma história ‘romanceada’ de sua experiência na Criméia, produzindo, assim, um determinado 90 enquadramento desta memória que a fotografia irá constituir. Como explica Kossoy (2002, p. 43), “é justamente a realidade da representação (veículo da memória) que será apreciada, guardada ou destruída fisicamente, interpretada enfim. A primeira realidade, a do fato passado em sua ocorrência espacial e temporal, vê-se assim, ‘substituída’”. 4.2.1 A fotografia na mídia Tendo em vista os componentes constitutivos que estão presentes em qualquer fotografia – o assunto, a tecnologia (e sua linguagem) e o fotógrafo –, torna-se clara e presente a noção de que a fotografia é um processo de representação/construção da realidade. Essa é a perspectiva com a qual trabalho nesta pesquisa. Entretanto, no caso das fotografias que são veiculadas pelos meios de comunicação, existe uma peculiaridade ainda maior no processo de produção dessas imagens. Diferentemente dos registros que integram os álbuns de família, onde a ação do fotógrafo sobre a sua criação termina no momento em que ele captura a imagem, as fotografias que são veiculadas pela mídia continuam recebendo uma série de manipulações/tratamentos. Neste caso, o fotógrafo representa apenas um papel (em muitos casos até coadjuvante) no processo de construção através da fotografia, numa caminhada que contará ainda com as mãos de diversos profissionais, entre eles editores, repórteres, chefes de redação etc. Como lembra Kossoy (2002), as fotografias que ilustram as páginas dos jornais ou revistas, assim como os sites de notícias e agências, recebem uma série de “adaptações”. Essas alterações podem aparecem na forma de cortes nas imagens (com o objetivo de “encaixá-la” num determinado espaço da página e/ou mostrar apenas parte do assunto retratado), acréscimo de textos (legendas e títulos que delimitam e/ou criam novos significados para as fotografias), além dos incontáveis ajustes possibilitados pelos softwares de edição de imagens (retoques, aumento e diminuição de contrastes, eliminação ou introdução de elementos na cena etc). Daí entende-se as razões que fazem o fotógrafo, em muitos casos, ser apenas um, diante de tantos outros agentes que interferem sobre o resultado final das imagens que são publicadas na mídia. O processo de representação fotográfica apenas inicia com o ele, mas passa ainda pelas mãos de tantos outros profissionais que trabalham nas redações. 91 Na opinião do autor – com a qual compartilho –, a fotografia presente na mídia, seja pela sua nova apresentação no formato imagem-texto, seja pelo processo de edição ao qual ela está sujeita, representa um conteúdo transferido do contexto. Para ele, a imagem que será aplicada em algum veículo de informação é sempre objeto de algum tipo de “tratamento” com o intuito de direcionar a leitura dos receptores. Ela é reelaborada – em conjunto com o texto – e aplicada em determinado artigo ou matéria como comprovação de algo ou, então, de forma opinativa, com o propósito de conduzir, ou melhor dizendo, controlar ao máximo o ato da recepção numa direção determinada: são, enfim, as interpretações pré-construídas pelo próprio veículo que irão influir decisivamente nas mentes dos leitores durante o processo de construção da interpretação (KOSSOY, 2002, p. 55). Refletindo sobre a noção apresentada pelo pesquisador, pode-se dizer que, no geral, a mídia contemporânea age de forma muito semelhante à descrição de Kossoy. Em seu processo de representação da realidade, os meios de comunicação elegem não apenas as imagens que serão mostradas, como também a forma que elas serão publicadas, assim como os textos que irão acompanhá-las. Seja no caso das fotografias produzidas pelos próprios meios de comunicação, seja com as imagens de “Divulgação” e/ou “Arquivo pessoal”, a realidade é a mesma: a partir do interesse de cada empresa em questão, as fotografias irão sofrer ajustes/modificações/interpretações antes de figurar nas páginas dos periódicos. No momento em que essas imagens chegam ao público receptor, estão carregadas de sentidos que extrapolam as escolhas feitas exclusivamente pelo fotógrafo; isto é, são múltiplos os autores que participam desse processo de construção visual. No caso específico do meu objeto de estudo, isto é, a fotografia enquanto álbum de família disponível na internet, as imagens que compõem esses álbuns também carregam uma série de marcas deixadas desde o momento de suas capturas até a hora em que elas são compartilhadas no ambiente digital. Esse processo inicia no momento em que o fotógrafo – ou alguém contratado para fazer a foto – realiza o enquadramento de determinada cena; segue continua com a seleção das fotos que serão disponibilizadas nos álbuns da web – o que, em muitos casos, também é acompanhado por ajustes/manipulações das imagens em softwares de edição; e termina com a publicação das fotos em álbuns digitais, que permitem ainda o acréscimo de títulos, legendas, notas (dentro e fora das fotos), entre outros recursos que também irão produzir sentido na posterior leitura dessas imagens. O caminho que a fotografia percorre até chegar ao ambiente digital condiciona/direciona a leitura que será feita pelos usuários durante o processo de construção da interpretação, como proposto por Kossoy (2002). 92 Como argumentei até o presente momento, tanto a fotografia dos álbuns de família, quanto a que aparece nos meios de comunicação é fruto de um complexo processo de construção/representação da realidade. Refletir acerca dessas lógicas de produção das imagens é importante na medida em que são essas características que vão estabelecer a disposição e o conteúdo de qualquer fotografia, não apenas configurando o que será lembrado, mas, principalmente, de que forma isso será lembrado. Entretanto, os elementos da linguagem fotográfica que operam na configuração da memória biográfica/identitária vão além do processo de produção das imagens. Conforme veremos a seguir, esse movimento é apenas o começo de uma série de inter-relações que vão condicionando o conteúdo fotográfico, assim como a interpretação que as pessoas fazem desses registros. Afinal, da mesma maneira que cada fotógrafo é capaz de produzir determinado tipo de imagem – com seu repertório cultural/estético/ideológico/midiático, as pessoas também realizam diferentes leituras de uma mesma fotografia. 4.3 PARA PENSAR A RECEPÇÃO FOTOGRÁFICA Consideradas as nuances que envolvem o processo de criação do fotógrafo, é preciso levar em conta, também, o processo de leitura e interpretação dessas imagens, uma vez que esse movimento também provoca distinções na forma com que a fotografia será vista (e lembrada). Assim como o fotógrafo atua através de um “filtro” cultural, estético e técnico, a pessoa que terá contato com essa realidade representada também irá construí-la a partir de “seus repertórios pessoais culturais, seus conhecimentos, suas concepções ideológicoestéticas, suas convicções morais, éticas, religiosas, seus interesses econômicos, profissionais, seus mitos” (KOSSOY, 2002, p. 44). Muito mais do que considerar um processo único de construção da realidade por parte do fotógrafo, é preciso pensar, por conseqüência, num segundo movimento de construção da interpretação (nas palavras do autor) que os sujeitos fazem dessas fotografias. Compartilho com Kossoy o entendimento de que, por sua natureza polissêmica, as imagens fotográficas permitem sempre uma leitura plural, dependendo de que as apreciam. Para ele, dependendo dos estímulos que determinadas imagens fotográficas 93 causam em nosso espírito nos veremos, quase sem perceber, interagindo com elas num processo de recriação de situações conhecidas ou jamais vivenciadas. [...] Algumas imagens nos levam a rememorar, outras a moldar nosso comportamento; ou a consumir algum produto ou serviço; ou a formar conceitos ou reafirmar préconceitos que temos sobre determinado assunto; outras despertam fantasias e desejos (KOSSOY, 2002, p. 44-45). A este respeito, vale referir uma situação vivenciada por mim durante a pesquisa exploratória do projeto Mídia e Memórias. Entre as diversas entrevistas que realizamos com imigrantes e descendentes italianos, recordo de uma que fizemos com uma senhora de 74 anos. No decorrer da entrevista, lembro de tê-la questionado sobre a existência de fotografias que a fizessem lembrar da história de sua etnia, seus antepassados. Entre os poucos registros que tinha, ela me mostrou uma foto de seus pais, tirada numa época em que ela ainda não era nascida (ver Figura 16). O curioso é que, mesmo que ela não tenha participado da fotografia, a imagem provocou na entrevistada uma carga significativa de memória, tanto do processo de produção do registro, quanto do conteúdo mostrado enquadrado na cena. Olhando para a imagem de seus familiares, ela discorreu alguns minutos sobre acontecimentos de seu passado, ao mesmo tempo em que me explicou sobre como eram feitas as fotografias na sua época – demonstrando competência sobre o fazer fotográfico. Figura 16 – Fotografia dos pais e irmãos da italiana participante da pesquisa Mídia e Memórias. Fonte: Arquivo pessoal. Durante este processo de rememoração, possibilitado pela visualização da fotografia, a entrevistada declarou: “Aqui está o meu papai, minha mamãe, meus irmãos mais velhos... com essa idade eles não tinham um chinelinho para colocar nos pés. Coitadinhos. [...] Olha o vestido da mãe, acho que nunca viu um ferro na vida, Jesus. Que coisa triste, né? Eu olho às 94 vezes e me dá vontade de chorar.”. Quando indagada sobre o que a fotografia lhe faz lembrar, ela respondeu que recordava da pobreza, do sofrimento, do trabalho. A partir das considerações de Kossoy, e tomando como referência o exemplo citado, nota-se que, mesmo que diante de situações nunca vivenciadas, a fotografia possibilitou à entrevistada lembrar-se de situações sobre a sua história. Nesse caso, a conseqüência desse processo foi confirmação, por parte da entrevistada, de uma visão particular que ela tem dos italianos; isto é, um povo que passou por muitas dificuldades, que teve que lutar muito para progredir na vida. Como podemos observar, assim como acontece na produção fotográfica, o processo de recepção das imagens também envolve um movimento que é subjetivo, que varia muito de uma pessoa para outra. Ainda sobre esse sentido, torna-se importante considerar que a fotografia estabelece em nossa memória um arquivo visual de referência insubstituível para o conhecimento do mundo. Essas imagens, entretanto, uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de ser estáticas; tornam-se dinâmicas e fluidas e mesclam-se ao que somos, pensamos e fazemos. Nosso imaginário reage diante das imagens visuais de acordo com nossas concepções de vida, situação sócio-econômica, ideologia, conceitos e pré-conceitos (KOSSOY, 2002, p. 45). Em outras palavras, ao ingressarmos numa ação de rememoração através da fotografia, a nossa imaginação é acionada. Com isso, as imagens passam a interagir com nossas fantasias e ambições, nossos conhecimentos e ansiedades, nossas realidades e ficções, ultrapassando na mente do receptor o fato que ela representa. Lembrar através de imagens é iniciar um processo constante de criação de novas realidades (KOSSOY, 2002). Na mente do sujeito que olha determinada fotografia, o conteúdo da cena registrada dialoga com histórias contadas na família, que por sua vez confundem-se com referentes advindos de experiências midiáticas, assim como lembranças de viagens e passeios realizados – e assim por diante. No fim, tornase impossível precisar com certeza onde começa e termina cada uma dessas recordações, tamanho é o grau de subjetividades envolvidas na recepção fotográfica. 4.4 O LUGAR DA FOTOGRAFIA O próprio “lugar” – aqui entendido como ambiência – que a fotografia ocupa também condiciona a forma com que essa imagem será lida/interpretada. Isto é, dependendo do suporte onde ela é apresentada, as pessoas vão interagir de maneiras distintas com esses 95 registros. Uma fotografia que é impressa em papel fotográfico, integrante ou não de um álbum, será lida de forma diferente daquela que, por exemplo, está publicada no ambiente digital. A este respeito, cabe destacar o livro Álbum de família (2008), do pesquisador colombiano Armando Silva. Depois de realizar uma ampla pesquisa de muitos álbuns em algumas cidades da Colômbia e dos Estados Unidos, Silva apresenta importantes conclusões no que se refere aos usos do tradicional álbum de fotos (impresso), assim como algumas considerações sobre os impactos que os avanços das novas tecnologias trouxeram para o modo com que arquivamos nossas memórias nos dias de hoje. Para o pesquisador, no álbum de família, talvez mais que em qualquer outra forma de expor a fotografia, esta se transforma em rito. E, se é rito, é para ritualizar todo o seu saber, desde a tomada da foto – sua pré-visão para o álbum ou ocasional aceitação na coleção, a inclusão em uma ou outra cerimônia familiar, a coleção e o cuidado – até a observação em diferentes momentos, incluindo a transformação ao trocá-lo e organizá-lo de outra maneira, ou até de contá-lo, quem o relata, na forma que lhe convier. Desse modo, é claro que a imagem da foto do álbum é atualizada por outro meio, a palavra do relator, cada vez que é contada a alguém. Então, a originalidade da observação do álbum é que sua foto existe para ser falada. (SILVA, 2008, p. 38) Ao referir esse caráter ritualístico do tradicional álbum de fotos, em que as imagens eram dispostas de forma classificada (ou não), agrupadas em forma de livro e/ou soltas em caixas, o pesquisador nos provoca a pensar: quanto desse rito ainda persiste no momento em que o álbum se reconfigura a partir das lógicas da internet? Ainda podemos pensar que “a foto existe para ser falada”? Ou ela nasce com o objetivo de ser compartilhada, georreferenciada41, classificada por tags? Afinal, quando o álbum de fotos torna-se visível na internet, a atualização através da palavra do relator dá lugar ao comentário de amigos, citações, notas, entre outras características (que veremos no item a seguir). Por conseqüência, aquilo que antes podia ser encarado como rito, quando os filhos ouviam histórias de seus familiares – narradas a partir dos álbuns de fotos –, assume um novo sentido. E isso não quer dizer que não seja mais rito, mas, sim, significa dizer que se inaugura outra relação com o álbum de fotos. Talvez a principal ruptura ocasionada com a migração do álbum impresso para o ambiente virtual seja o rompimento da fronteira entre o público e o privado, nesse caso, o que antes era privado e agora passa a figurar no espaço público. Afinal, conforme discutido no Capítulo 2, numa sociedade midiatizada, “o aperfeiçoamento das tecnologias de informação tem permitido a construção de um novo regime espaço-temporal, o que insere as pessoas num 41 Georreferenciamento é a possibilidade que alguns sites que trabalham com o arquivamento de fotos – entre eles Flickr, Picasa, só para citar alguns exemplos - oferecem ao usuário de informar o local onde as imagens foram capturadas. 96 contexto de coexistência, co-habitação” (MATA, 1999, p. 86). As conseqüências desse processo para o objeto de estudo da minha pesquisa são diretas: além de ampliar a divulgação das imagens que até então era consumidas, na grande maioria, exclusivamente pelos familiares das pessoas fotografadas, os chamados álbuns virtuais também modificam a temporalidade da memória construída. Isso porque, se com o álbum tradicional essa memória era construída através de uma constante atualização do discurso de um relator, em momentos específicos escolhidos pelos envolvidos, hoje, o álbum virtual é reconfigurado a cada instante, consumido, comentado e reconstruído tanto por conhecidos, quanto por anônimos. Em sua pesquisa, Silva encontrou alguns álbuns que lhe remeteram à ideia de tesouro, “tendo em vista que, em geral, essas caixas são guardadas, muitas vezes, como relíquia, às vezes como sentido de cofre ou até de urna, onde se depositavam restos” (2008, p. 44). Pensando nessa mudança para o formato de álbum digital, a dúvida que fica é o que acontece quando esse cofre é aberto e exibido para quem possa interessar? Talvez as reflexões trazidas por Benjamin (1994), ao teorizar sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, sirvam para pensar como esse “caráter áureo” atribuído à obra de arte também vai se perdendo no caso da fotografia disponível na web – principalmente se levarmos em conta a quantidade expressiva de imagens que aparecem nesse espaço. Diante desse contexto, como hipótese a ser pensada, é considerar o nascimento de um embate entre o ritual (dos álbuns tradicionais) e o banal42 (dos arquivos digitais). Ou seja, enquanto os antigos álbuns manifestam um caráter de “tesouro familiar”, as fotografias no ambiente digital estariam perdendo esse sentido. Como podemos perceber ao longo dos últimos anos, a fotografia radicalmente transformou-se em diversas de suas qualidades materiais e comunicativas. Além disso, aliado às considerações trazidas por Silva, penso que quanto ao seu uso como memória ou na qualidade de registro familiar, as transformações serão ainda maiores: O principal suporte de arquivo visual e doméstico conhecido no século XX, o álbum de fotos, desapareceu tanto em sua forma de relíquia, de livro-tesouro onde se guardavam as histórias de família, como no sentido prático e espontâneo de caixa, em que se jogavam as fotos à espera de que algum dia pudessem ser vistas, organizadas e coladas. Em seu lugar, aparecem as técnicas digitais em diferentes e variados formatos, desde arquivos de computador e DVD`s a memórias estendidas e, em seu sentido mais amplo, por meio do uso das várias redes sociais que circulam pela Web com uma infinidade de opções, de acordo com os conhecimentos dos que mexem com os programas. Então, as fotos já não são jogadas em uma caixa nem coladas em um álbum, mas armazenadas em memórias virtuais e apenas eventualmente impressas em papel. (SILVA, 2008, p. 177) 42 Aqui pensado no sentido corriqueiro, corrente. 97 Vivemos um período caracterizado pela mudança de conceito/status da fotografia. Assim como o advento das câmeras compactas – ainda no século XIX – estabeleceu uma nova forma das pessoas se relacionarem com a fotografia, hoje, o conceito de interação proporcionado por ela atinge uma nova significação. E uma das grandes causas dessa “nova era” fotográfica é, sem dúvida, a migração do álbum de fotos para o ambiente digital. O que antes representava o livro-tesouro de uma família passa agora a ser armazenado em compartilhado no espaço público, disponível, em muitos casos, não apenas para os membros da família, mas para todos os interessados em consumir e interagir com esse material. Quando a fotografia passa a figurar no ambiente digital uma nova etapa de sua história é inaugurada. 4.4.1 A fotografia no ambiente digital “A internet não é simplesmente uma tecnologia; é o meio de comunicação que constitui a forma organizativa de nossas sociedades” (CASTELLS, 2001, p. 287). Com base nessa afirmação, é possível dizer que, desde o seu surgimento, a internet inaugurou aquilo que o autor chama de um novo paradigma sociotécnico, o que trouxe repercussões para as formas com que as pessoas passaram a se relacionar, trabalhar e comunicar. E o surgimento desse revolucionário meio comunicativo reconfigurou, também, a estrutura e o funcionamento dos demais meios veículos existentes. A conseqüência disso foi a formação de um novo sistema de comunicação “a partir da fusão da mídia de massa personalizada globalizada com a comunicação mediada por computadores” (CASTELLS, 1999, p. 450). Para não se estender muito sobre essa problemática, e já pensando nas implicações que a internet trouxe para a fotografia e, consequentemente, para a constituição da memória identitária/biográfica (eixo central desse estudo), são necessárias algumas considerações. Afinal, desde a década de 1990, com o desenvolvimento da internet tal como a conhecemos hoje, a fotografia, assim como os tradicionais meios de comunicação, também passou a figurar e interagir nesse novo ambiente. Assim com os jornais, as rádios, determinados produtos televisivos ou até mesmo canais de TV foram gradativamente convergindo para o ambiente digital, a fotografia também migrou para a web. Não por acaso, foi no início da última década do século passado que as primeiras câmeras digitais chegaram ao mercado. Um dos primeiros sites/serviços que foram disponibilizados na internet para o arquivamento de compartilhamento de fotos foram os chamados fotologs – ou simplesmente 98 flogs –, que nasceram com uma proposta muito parecida com os tradicionais blogs, mas com o predomínio de fotos ao invés de texto. Segundo Foschini e Taddei (2006, p. 09), “esses blogs de fotos e vídeos participam de uma transformação no universo da comunicação. Com eles, qualquer pessoa pode utilizar a rede para se expressar e conversar com o mundo”. E, de fato, esse momento representou uma verdadeira ruptura/mudança dentro da história da fotografia. É verdade que, depois dos fotologs, apareceram uma diversidade de outros tantos exemplos de sites/serviços de compartilhamento de imagens (como o Flickr, Picasa, Orkut, Facebook, entre outros). Entretanto, mesmo apresentando mudanças estruturais na sua forma, a noção de interação sempre foi comum a todos – o que iniciou ainda com os fotologs. Ao falar de interatividade, é preciso clarear o sentido que esse conceito será trabalhado nessa pesquisa. Depois de apresentar e discutir as posições teóricas de diversos autores que trabalharam com o conceito de interatividade, Primo (2000) apresenta uma outra/nova proposta de estudo para pensar sobre ele, sugerindo dois tipos de interação: mútua e reativa. A proposição é trabalhada a partir de várias dimensões, tais como sistema, processo, operações, fluxo, entre outros; contudo, numa tentativa de sintetizar o pensamento do autor, pode-se dizer que o objetivo do autor é diferenciar uma interatividade que realmente se confirma na prática (mútua), de outra que funciona a partir de lógicas “arregimentadas por antecedência”, como proposto pelo autor. Nas palavras dele, Tomando esse entendimento, uma relação reativa não seria interativa. De fato, a primeira se caracteriza por uma forte roteirização e programação fechada que prende a relação em estreitos corredores, onde as portas sempre levam a caminhos já determinados à priori. A relação reativa seria, pois, por demasiado determinística, de liberdade cerceada. (PRIMO, 2000) Refletindo sobre a noção apresentada pelo autor, e pensando o caso específico dos sites/serviços de arquivamento e compartilhamento de fotos disponíveis na internet, percebese que o conceito de interatividade nesses ambientes apresenta pelo menos uma característica em comum à relação reativa apresentada pelo autor. A partir dos dados levantados na pesquisa exploratória, onde foram analisados diferentes espaços de armazenamento de fotos da internet, foi possível perceber que o ambiente digital oferece uma série de imposições para o estabelecimento dessa interatividade. A começar pelas lógicas institucionais (de ordem ideológica, econômica, etc) da empresa responsável pelo site/serviço. É a partir das políticas e determinações adotadas por cada uma dessas instituições que serão desenvolvidas as relações entre os usuários. Um exemplo disso é o que acontece com o Fotolog do Terra: o serviço é oferecido em duas versões, uma para assinantes do provedor e outra para usuários free. 99 Mesmo que a maioria das características desse fotolog sejam as mesmas para os dois tipos de usuários, existem três distinções importantes entre um e outro. A primeira é de ordem econômica (que, por sinal, não aparece nessa tabela), uma vez que assinantes do Terra – indiretamente – tem que pagar pela utilização do serviço e a comunidade externa não (assim como acontece com o Flickr). Já as outras são diferenças estruturais: não-assinantes recebem o limite de 100 comentários por post e não tem a possibilidade de substituir fotos já publicadas, enquanto os assinantes contam com até 200 comentários e substituir as fotos publicadas pelo menos uma vez ao dia. Entretanto, isso não é uma especificidade apenas dos sites/serviços que oferecem dois tipos de utilização, de acordo com o pagamento ou não de uma taxa. Mesmo os sites/serviços gratuitos que oferecem a criação de álbum de fotos virtuais apresentam uma série de imposições institucionais por parte de seus desenvolvedores43, como acontece, por exemplo, com o número de upload de fotos no Orkut ou Facebook. Ainda refletindo sobre o conceito de interatividade, é importante considerar que esse processo também respeita as lógicas pré-programadas dos diferentes tipos de modelos de sites/serviços disponíveis, cada qual com as suas especificidades. A fotografia dos álbuns de família se reconfigura no ambiente digital. Os álbuns de papel ou caixas de sapato dão lugar a plataformas digitais que carregam novas formas de organização e apresentação dessas imagens. A fotografia recebe já não aparece sozinha: ela é acompanhada por títulos, legendas e tags. O consumo feito dessas fotos que, outrora acontecia de forma muito semelhante à leitura de livros – onde as pessoas folheavam as páginas dos álbuns –, hoje acontece através de links, notas que são adicionadas às imagens e novos agrupamentos que podem ser feitos (e refeitos) a cada instante. E esse talvez seja o grande diferencial dessa comparação: as fotos que estão na internet não apenas são vistas, mas elas também recebem comentários, são relacionadas com outras em comum, assim como podem ou não ser favoritadas. De toda forma, mesmo que a navegação permitida aos usuários de álbuns de fotos disponíveis na internet leve a caminhos já determinados à priori, penso que a noção de interatividade reativa trazida por Primo (2000) – tal como está proposta pelo autor – não possa ser aplicada ao meu objeto de estudo. A teoria estudada ajuda a esclarecer o fato de que, ao contrário dos álbuns impressos em que as pessoas tinham total autonomia sobre seu processo de produção, agora, são os ambientes virtuais que dizem quantos álbuns poderão ser construídos, onde e como os textos estarão expressos, de que forma os usuários poderão interagir etc. Entretanto, não se pode ignorar a emergência de um novo tipo de 43 Falarei melhor sobre as especificidades de cada um dos ambientes virtuais analisados no capítulo dedicado à descrição da pesquisa exploratória 100 compartilhamento de fotos (e de interação), pensando em relação aos álbuns tradicionais. Muito mais do que uma posição reativa, ainda são os próprios usuários que, a partir de suas competências do meio digital, vão interagir em maior ou menor escala com os recursos por ele oferecido. Quando os álbuns de fotos migram para o ambiente digital eles carregam as marcas e respeitam as lógicas de interação pré-programadas por esses espaços. A fotografia disponível em álbuns na internet adquiriu um novo status. Continua sendo fotografia, mas, agora, uma fotografia mediada pelas lógicas do meio digital. Ainda sobre as especificidades da fotografia no ambiente digital, não podemos esquecer que, quando a fotografia familiar (particular) passou a figurar no ciberespaço e, em muitos casos, estar disponível para qualquer pessoa (público), a relação que as pessoas passaram a desenvolver com essas imagens também se modificou. O processo ritualístico de se reunir com familiares e amigos para compartilhar fotos pessoais não pode mais ser pensando da mesma maneira nesse novo contexto. Afinal, no ambiente digital, as relações funcionam de acordo com as lógicas dessas comunidades – que, muitas vezes, não é formada apenas por amigos e familiares, mas também “contatos virtuais”. Isso porque, a partir desse novo suporte fotográfico, as fotografias passaram a serem exibidas para um número infinitamente maior de pessoas, o que contribuiu, entre outros, para a expansão dos vínculos sociais (CASTELLS, 1999). Independente do conteúdo das imagens (cenas particulares, íntimas), a fotografia tornou-se pública. Como conseqüência disso, o que antes era compartilhado com um número restrito de pessoas passou a ser disseminado para as chamadas comunidades virtuais44, com suas leis e dinâmicas específicas de interação. Através de redes sociais e dos sites/serviços de compartilhamento de fotos, as pessoas passaram a integrar uma nova comunidade configurada nos ambiente digital. Para ajudar a trabalhar o conceito de comunidade virtual para a minha pesquisa, julgo importante problematizar as considerações trazidas por Simone Pereira de Sá. Segundo a pesquisadora, “a discussão sobre a forma como as tecnologias reconfiguram as relações sociais e as comunidades antecedem o surgimento das comunidades virtuais” (SÁ, 2001). Com esse argumento, a autora realiza uma ampla investigação sociológica em busca de autores que ajudam a compreender esse conceito. Entre as considerações trazidas por ela – pensando desde a ótica dessa pesquisa – penso que seja interessante abordar o conceito de comunidade como um processo comunicativo de negociação e produção de sentido. Afinal, a referida dimensão processual (dinâmica) destacada pela autora para definir o conceito de 44 Termo cunhado por Manuel Castells (1999). 101 comunidade também é visível e ajuda a caracterizar os álbuns de fotos na internet. Ao disponibilizá-las nesses ambientes virtuais, as pessoas já o fazem com o objetivo de compartilhamento, onde as fotos estão suscetíveis a processos de tensão, negociação e reelaboração constante (SÁ, 2001). Entretanto, a concepção de comunidade virtual realizada pela autora merece uma ressalva para ser pensada dentro dessa pesquisa. Isso porque, diferente do intuito da autora em estudar as formas de agregações surgidas na web (englobando chats, listas de discussão, blog etc), o que interessa pensar aqui é nos novos tipos de relações que o ambiente digital vai proporcionar para as pessoas – no momento em que elas armazenam e compartilham suas fotos na internet. Portanto, penso que seja necessário trabalhar o conceito de comunidades virtuais paralelamente com o de redes sociais, teorizado, entre outros autores, por Raquel Recuero. Segundo ela, “a comunicação mediada por computador pode ser muito eficiente no estabelecimento de laços sociais porque facilita sua manutenção. Basta um comentário em um blog ou fotolog [...] e já se mantém um laço social existente” (RECUERO, 2004). Durante minha pesquisa exploratória, pude observar que essa afirmação realmente se confirma na prática. Seja navegando aleatoriamente pelas páginas pessoais dos usuários, seja através da indicação de contatos em comuns – que, por sua vez, levam as pessoas conhecer “os amigos dos amigos” –, percorremos verdadeiras redes que são formadas nesses ambientes. Depois de falar em interatividade, comunidades virtuais e redes sociais, também é preciso considerar, também uma nova condição espaço-temporal ocasionada com a migração do álbum de fotos para a web. Ao adquirir a forma desse novo suporte, a fotografia passou a carregar as marcas desse novo meio de expressão. Ao contrário dos álbuns de família, local em que as fotos eram agrupadas por determinados assuntos, fases da vida, e/ou nem mesmo tinham algum tipo de sistematização e ficavam apenas guardas soltas em caixas, a organização e apresentação das fotografias no meio digital fizeram com que ela adquirisse uma nova significação. Nesse novo meio, as fotos passaram a receber títulos, legendas, tags, notas e comentários – só para citar algumas distinções. Nos álbuns de fotos virtuais, esse é um movimento que acontece a todo instante; na medida em que uma nova foto é publicada ou um novo comentário é adicionado à determinada fotografia, as pessoas modificam e/ou criam novos sentidos para essas imagens. Também foi através da internet que as fotografias foram ficando cada vez mais ligadas ao presente, numa constante atualização de imagens feitas pelos usuários. Se no álbum de família a fotografia só seria publicada por algum motivo específico (nascimentos, cerimônias, viagens, etc), hoje, através do Twitpic, o assunto da fotografia compartilhada pode ser o congestionamento no trânsito. 102 No momento em que muda os tempos da fotografia – de captura, publicação e compartilhamento – muda também a memória que será produzida através desse novo modelo de álbum de fotos. Uma vez alterada a forma de se relacionar com a fotografia, seja de forma ativa, postando imagens na internet e interagindo com outras pessoas, seja apenas comentando fotos de amigos e familiares, devemos considerar, em decorrência disso, implicações na constituição da memória biográfica/identitária desses indivíduos. A memória que ele passou a ter dessas imagens não é mais aquela que era produzido na hora em que a família se reunia para olhar os álbuns de fotos. Nos dias de hoje, ela passa por um constante exercício de reordenação e reinterpretação, que começa desde o momento em que as imagens são produzidas (muitas vezes com objetivos já traçados), passa pelo momento em que ela é publicada na internet (e recebe títulos, tags, legendas, notas, etc), e vai continuar repercutindo a todo instante, a cada novo comentário e/ou interferência do publico receptor (desde familiares até desconhecidos). 103 5 PROPOSIÇÕES PARA PENSAR OS USOS E APROPRIAÇÕES DA FOTOGRAFIA NO AMBIENTE DIGITAL Uma vez refletido sobre o desenvolvimento da fotografia até o momento em que ela passa a figurar num contexto de midiatização, bem como discutido os elementos constitutivos do fotográfico e as especificidades da fotografia no ambiente digital, é momento de trabalhar com os conceitos de recepção e de memória. Isso porque, uma vez que empiricamente interessa nesta investigação analisar a fotografia no ambiente digital e a reconfiguração da memória desde o âmbito dos usos e apropriações, é fundamental apresentar a construção teórico-metodológica que será realizada para compreendê-los. Da mesma forma, ao problematizar a questão da memória, é preciso realizar uma caminhada com alguns autores que me ajudam a pensar sobre esse conceito enquanto fenômeno de rememoração (por ele mesmo), assim como as implicações do processo de midiatização da sociedade para a constituição das memórias sociais. 5.1 PENSANDO OS USOS E APROPRIAÇÕES Para ajudar a pensar os usos e apropriações, recupero inicialmente o conceito de recepção irei trabalhar nessa pesquisa. Neste sentido são frutíferas as contribuições trazidas por Martín Barbero (1995), ao teorizar sobre o lado oculto do receptor. E uma das primeiras – e fundamentais – compreensões trazidas pelo autor, com a qual compactuo e também irei trabalhar nessa pesquisa, é pensar a recepção não apenas como uma etapa do processo de comunicação, mas um lugar novo, de onde devemos repensar os estudos e a pesquisa de comunicação. Para este autor, é necessário romper com o modelo mecânico de comunicação “em que comunicar é fazer chegar uma informação, um significado já pronto, já construído, de um pólo a outro” (1995, p. 40). Ao contrário do que pensavam as primeiras Teorias da Comunicação – ao encarar o receptor como uma “tábua rasa”, um recipiente vazio para depositar aquilo que foi produzido em outro lugar –, o processo de comunicação não acontece de forma linear e unilateral. Para além de um lugar de chegada, a recepção pode (e deve) ser pensada também como um lugar de partida, de produção de sentido. 104 Aquilo que nos é apresentado pelos meios de comunicação de massa, independente do veículo em questão, em maior ou menor escala, será visto e/ou lido de diferentes maneiras pelo público, e isto tem relação com os contextos sociais, históricos, ideológicos, econômicos e culturais em que estão inseridos. E mais do que isso: ao receber essas informações, os indivíduos dão sentido aos produtos consumidos, sentidos estes em cujas lógicas se revelam as marcas dos processos de midiatização e de mediação. É o que afirma, entre outros autores, Maldonado (2002) ao dizer que a compreensão dos processos comunicacionais contemporâneos supõe de uma articulação entre processos de midiatização (como constructos, campo e materializações técnicas) e processos de mediação (como elementos históricos, sociais, políticos e culturais de base). Nas palavras deste autor, A produção de sentido, os pactos de significação, as interações preferidas no dia-adia, os encontros, as conversas, as navegações, as assistências, as escutas e as leituras são atravessadas por diversas mediações socioculturais que vão desde os costumes mais simples, as cosmovisões milenares e os sentidos gregários até os sistemas simbólicos complexos (linguagens). Os processos de comunicação estão atravessados, também, por mediações conjunturais, circunstanciais, situacionais, interacionais, temporais, (tecno) estratégicas, sociais (macro: estrutura de classes/ micro: grupos de pertença), políticas (poderes, campos de força), institucionais, religiosas, sexuais e econômicas (consumo/produção/trabalho; propriedade/possesão/despossuir). (MALDONADO, 2002, p.10) Isso me ajuda a pensar que, mais do que mero coadjuvante, o chamado receptor é também um sujeito ativo – e, por isso, deve ser encarado como tal – no processo comunicativo. A relação Emissor – Mensagem – Receptor precisa ser entendida como uma via de dois sentidos, incluindo o receptor como participante do jogo e considerando as mediações que se inscrevem ao processo de comunicação (MARTÍN BARBERO, 1995). Pensando no caso específico da fotografia, isso fica fácil de ser compreendido ao relembrar as considerações de Kossoy (2002, p. 45) ao referir que, uma vez assimiladas em nossas mentes, as imagens deixam de ser estáticas e tornam-se dinâmicas, e mesclam-se ao que somos, pensamos e fazemos. “Nosso imaginário reage diante das imagens visuais de acordo com nossas concepções de vida, situação sócio-econômica, ideologia, conceitos e pré-conceitos”. Ou seja, nos próprios usos do fotográfico – quando a fotografia passa a figurar na internet, em espécies de álbuns de fotos virtuais, – se inscrevem certas dimensões que mediam estes usos. 105 5.1.1 Mediações Compartilho com Maldonado (2002, p. 10) a ideia de que, para compreender os processos comunicacionais contemporâneos, é preciso desenvolver uma articulação entre “processos de midiatização - como constructos, campo e materializações técnicas - e processos de mediação - como elementos históricos, sociais, políticos e culturais de base; matriciadores dos jogos, pactos, configurações e produções de sentido”. Isso porque, ao mesmo tempo em que o sujeito deve ser compreendido num contexto de midiatização, existem outras instâncias/dimensões para além das midiáticas que também mediam a vida das pessoas na nossa sociedade atual – tal como as trajetórias de vida, a família, a religião, só para citar algumas. Tão importante quanto essa reflexão trazida pelo autor, cabe refletir também sobre as considerações trazidas por Martín Barbero sobre esta problemática. Para ele, não é possível estudar a comunicação sem pensar, entre outros fatores, no seu papel na reorganização da divisão social. E umas das causas para esse reordenamento social seria, por exemplo, “as novas sensibilidades, os novos modos de relação da juventude com a tecnologia eletrônica diferentemente dos mais velhos, nos quais a tecnologia produz um certo susto e um certo medo” (MARTÍN BARBERO, 1995, p. 46). De fato, a tecnologia eletrônica, especialmente a internet, foi e está sendo assimilada de diferentes maneiras, de acordo com o público envolvido – e, nesse contexto, os jovens podem ser considerados um dos grupos mais familiarizados com a linguagem proposta por esse meio. Entretanto, não devemos ignorar o fato de que não faltam exemplos de idosos que agem de forma contrária à consideração do autor e fazem um esforço incondicional para aprender a lidar com os novos recursos tecnológicos. Tomando como exemplo o caso do Mauricio de Sousa, um dos entrevistados desta pesquisa, observamos que, mesmo no auge dos seus 75 anos, o cartunista demonstra competência e familiaridade o ambiente digital. Em especial aos sites/serviços de compartilhamento de fotos, objeto de estudo da presente investigação, foi possível perceber – através da entrevista realizada durante a pesquisa sistemática – que o entrevistado não apenas está alfabetizado para interagir no ambiente digital (o que pode ser visualizado através do seu perfil pessoal no Twitter), como também demonstra conhecimento sobre o seu funcionamento. De toda forma, essa reflexão é importante para pensar as novas tecnologias não apenas como uma acumulação de aparatos, mas como um novo organizador perceptivo, um reorganizador da experiência social (MARTÍN BARBERO, 1995). E uma das grandes 106 conseqüências desse processo é pensar na reorganização entre os espaços público e privado na sociedade contemporânea. No lugar das velhas cidades feitas para que as pessoas se encontrassem, “o velho modelo de cidade espanhola ou portuguesa, com belos becos e pracinhas onde as pessoas se reuniam” (como recorda o autor), atualmente, parte significativa dos encontros pode se dar no ambiente virtual. Por conseqüência, as relações que se estabelecem não podem ser pensadas da mesma maneira que outrora. Como já foi dito no capítulo anterior, a fotografia que antes era compartilhada em família, regida por uma ritualidade específica, hoje é publicada e compartilhada na internet, atualizada e reinventada a todo o momento. Tudo isso para dizer que, ao empreender uma investigação dentro do campo da comunicação, é preciso ter a clareza de que o receptor é um agente “pensante e ativo” nesse jogo da leitura e dos usos das mídias. E, por isso, “é preciso estudar não o que fazem os meios com as pessoas, mas o que fazem as pessoas com elas mesmas, o que elas fazem com os meios, sua leitura”, uma vez que “a recepção é um processo de interação, de negociação do sentido” (BARBERO, 1995, p. 55). No caso dessa investigação, interessada em investigar os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital e compreender como repercutem na constituição da memória biográfica/identitária, julgo necessário considerar as mediações relacionadas à intenção do fotógrafo, às competências midiáticas dos sujeitos (sejam elas do próprio meio digital, da fotografia e das mídias em geral), bem como às suas trajetórias de vida irão atuar nas apropriações e produções de sentidos de memória produzidos pela fotografia. Conforme discutido ao longo do capítulo 2, a fotografia é fruto de uma série de escolhas que são feitas no momento da captura da imagem (equipamento, ajustes técnicos, enquadramento). Uma dessas dimensões é a intenção do fotógrafo, sabendo que é a partir da motivação/interesse pessoal do fotógrafo que a fotografia será construída. Isso significa dizer que a intenção do fotógrafo não apenas é parte constitutiva do processo fotográfico, como também deve ser pensada como uma importante mediação do uso que é dado para fotografia. Essa será uma importante dimensão a ser pensada na hora do sujeito definir, por exemplo, se uma fotografia irá ou não para o seu álbum de fotos na internet. Nesse sentido, um dos objetivos desse trabalho é investigar até que ponto essa intenção em produzir algumas imagens já não está vinculada/atrelada ao interesse do fotógrafo em publicá-las e compartilhálas no ambiente digital, assim como compreender ele quer contar para as pessoas a partir dessas imagens. 107 Não menos importante que a intenção do fotógrafo, a sua trajetória de vida também é uma mediação relevante de ser investigada, uma vez que essa característica trará especificidades quanto à relação que os sujeitos estabelecem com a fotografia, à natureza (conteúdo) dessas imagens, assim como as marcas de memórias que serão construídas através da fotografia. As experiências vividas por cada sujeito em sua trajetória de vida condicionam a sua relação com o fotográfico em diferentes âmbitos. Ainda citando o exemplo do cartunista Mauricio de Sousa, e depois de conhecer um pouco da sua história através da realização de uma entrevista, ficou mais fácil de compreender os motivos que o levam a postar esse número grande de fotografias em seu Twitter pessoal, bem como compreender melhor as suas motivações em explorar determinadas temáticas específicas nas fotos publicadas. Mas independente do autor do álbum virtual, uma característica é comum a todos: a trajetória de vida configura a seleção que será feita das imagens e, por conseqüência, das marcas de memória que estarão expressas nas fotos. Por fim, uma última mediação importante de ser pensada são as competências midiáticas desses sujeitos – aqui pensadas para as mídias em geral, o meio digital e a própria fotografia. Conforme argumentei no capítulo 2, ao refletir sobre a midiatização (e sua relação com a fotografia), toda essa disseminação da linguagem visual ao longo do último século contribuiu para o desenvolvimento de uma sociedade altamente familiarizada com a escrita iconográfica. Nesse sentido, é interessante pensar no conceito de ethos, cunhado por Sodré (2002), que envolve a idéia de hábitos, condutas, regras, valores, cognição. Essa noção mostra-se relevante de ser trabalhada nesta pesquisa, “pois incorpora à compreensão da problemática as maneiras ou os modos de agir numa sociedade permeada pela mídia, ou seja, um ethos midiatizado” (SANTOS, 2005, p. 91). A partir de um largo período de convivência com as lógicas de funcionamento e produção da mídia - provocado pela midiatização -, as pessoas passaram a desenvolver o que o autor chama de ethos midiatizado. No caso dessa investigação esses hábitos são pensados a partir da forma (familiar) com que as pessoas passaram a produzir e compartilhar fotografias na internet. Mas também é a partir dos usos dados por cada sujeito, isto é, da apropriação que ele faz dos meios de comunicação – nesse caso, da fotografia no ambiente digital – que poderemos investigar a sua repercussão para a configuração de uma memória biográfica/identitária. 108 5.1.2 Usos e apropriações Para além da relação (simplificada) Emissor – Mensagem – Receptor, pensada a partir do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, já faz muito tempo que se vêm estudando, em outras sociedades, as inversões discretas e, no entanto, fundamentais ali provocadas pelo consumo. Certeau explica que o espetacular sucesso da colonização espanhola no seio das etnias indígenas foi alterado pelo uso que dela se fazia: mesmo subjugados, ou até consentindo, muitas vezes esses indígenas usavam leis, as práticas ou as representações que lhes eram impostas pela força ou pela sedução, para outros fins que não os dos conquistadores. Faziam com elas outras coisas: subvertiam-nas a partir de dentro – não rejeitando-as ou transformando-as (isto acontecia também), mas por cem maneiras de empregá-las a serviço de regras, costumes ou convicções estranhar à colonização da qual não podia fugir. [...] Procedimentos de consumo conservavam a sua diferença no próprio espaço organizado pelo ocupante. (1994, p. 94-95) Isso significa dizer que, se os índios atribuíam outras finalidades às leis, práticas ou representações que não aquela imposta pelos conquistadores, isso acontecia, entre outros motivos, em virtude da singularidade – história de vida, mediações – dessa etnia comparada aos europeus. Isso porque, a presença e a circulação de uma representação não indicam, por si só, como ela será vista/lida por seus usuários. “É ainda necessário analisar a sua manipulação pelos praticantes que não a fabricam. Só então é que se pode apreciar a diferença ou a semelhança entre a produção da imagem e a produção secundária que se esconde nos processos de sua utilização” (CERTEAU, 1994, p. 40). Em outras palavras, a uma produção racionalizada, corresponde outra produção, silenciosa e quase invisível, que se faz notar nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econômica dominante. Passados vários séculos desde o período das colonizações, o mesmo processo de subversão com a lógica pré-determinada pode ser acompanhado no uso que os meios “populares” fazem das culturas difundidas pelas “elites” produtoras de linguagem. O consumidor não pode ser identificado ou qualificado conforme os produtos jornalísticos ou comerciais que assimila: entre ele e esses produtos, existe o distanciamento maior ou menor do uso que faz deles. Isso faz com que um mundo diferente – o do leitor, telespectador, ouvinte – se introduza no lugar daquele previsto e imagino pelo autor (CERTEAU, 1994). Lembrando que esse processo é particular e varia de pessoa para pessoa, fazendo com que seja visível não apenas uma, mas várias formas de apropriações do conteúdo e lógicas 109 midiáticas, e que nestas formas podem se dar também seduções, cumplicidades, assunção das propostas da mídia, e não apenas apropriações com caráter de resistência. Para pensar como os sujeitos se apropriam e utilizam aquilo que lhes é apresentado pelos meios de comunicação, o autor faz uma analogia com as “maneiras” de habitar (uma casa ou uma língua). Para ilustrar seu exemplo, propõe uma metáfora de pensar no sistema que é imposto a, por exemplo, um árabe magrebino que mora em Paris tanto na construção de um conjunto residencial popular, quanto no próprio idioma francês. “Sem sair do lugar onde tem que viver e que lhe impõe uma lei, ele aí instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte de intermediação ele tida daí efeitos imprevistos” (CERTEAU, 1994, p. 92-93). A isto o autor dá o nome de usos, que são a formalidade e a inventividade próprias de cada sujeito. É a partir deles (usos) que os sujeitos irão habitar uma casa ou uma língua, como também os próprios meios. Contudo, vale ressaltar que, ao tratar da televisão, objeto de parte de sua reflexão, Certeau argumenta que seus produtos não deixam lugar (espaço) para os consumidores marcarem sua atividade. Isto é, o telespectador é afastado do produto, excluído da manifestação. A ele restaria apenas a possibilidade de assistir ou não determinado programa, concordando ou discordando, assim, do conteúdo proposto por seus produtores. Mas aqui cabe uma ressalva: a noção apresentada pelo autor precisa ser relativizada, dada a capacidade que os telespectadores têm de interferir na produção dos conteúdos televisivos (como acontece com as telenovelas, onde a audiência já conseguiu mudar os desfechos de algumas tramas, ou no caso dos realities-show, onde o público participa do desenrolar do programa). O que acontece é que o uso que ele faz, a maneira de empregar o meio televisivo ocorre de forma silenciosa (quase invisível), como proposto pelo autor. Mas a audiência é, sim, parte integrante do processo comunicativo, não apenas construindo sentido ao conteúdo que lhe é apresentado, mas também interagindo e interferindo no conteúdo que lhe é proposto. Isto acontece de maneira mais clara, por exemplo, com os sites/serviços de armazenamento e compartilhamento de fotos na internet – objeto de estudo da presente pesquisa. Neste caso isso é diferente, uma vez que as marcas de usos e apropriações deixadas pelos sujeitos no meio digital são mais visíveis. Comparado com a televisão (no modelo tradicional tal como o teorizado por Certeau), seja em qual for o álbum digital escolhido pelo usuário (fotolog, Flickr, Orkut ou Twitpic), ele demonstra mais autonomia sobre o meio. Talvez uma das grandes diferenças observadas diz respeito ao fato de que, através do advento da internet, o receptor passa a ser também produtor de conteúdo – muitas vezes ao mesmo tempo, no mesmo ambiente. Com isso, o uso que ele irá realizar nesse novo ambiente deve ser 110 problematizado em suas diferenças em relação à proposta trazida pelo autor, trabalhada em outro contexto – anterior às reconfigurações trazidas pela internet. 5.1.3 De receptor a usuário De um modo geral, ao propor uma investigação que busca analisar a implicações das diferentes formas de expressão do meio digital (internet) para o público receptor, o pesquisador envolvido é desafiado a realizar um movimento de reflexão e readequação das teorias de recepção propostas até o momento. Isso porque, muitos dos teóricos que problematizaram o papel do receptor45 o fizeram antes do surgimento e disseminação desse universo digital – ou a chamada rede mundial de computadores – tal como conhecemos hoje. Ambiente esse que, entre outras conseqüências, “(re)cria a relação entre os indivíduosagentes, aproximando os papéis da recepção e da produção” (CHEMELLO, 2009, p. 79). Atualmente, os usos e apropriações que as pessoas fazem em relação às informações que circulam no ambiente digital estão expressos não apenas na sua forma interpretar o que elas consomem, mas também de agir nesse novo lugar. Nesse sentido, as considerações trazidas por Alessandra Chemello – que, em sua dissertação de mestrado, teve que refletir sobre a recepção e os papéis dos agentes no universo da webarte – ajudam a compreender melhor as especificidades do receptor no ambiente digital. O receptor não é mais aquele sujeito somente capaz de interpretar o que o meio digital lhe oferece; ele passa a interagir com esse ambiente, não apenas recebendo, mas também produzindo conteúdos. Nisso, compartilho com Chemello a noção de que as especificidades do receptor no ambiente digital provocam uma reconfiguração das idéias tradicionais que se tinha sobre ele. “A produção e a recepção são aproximadas pela interface computacional em rede. Os atores podem se confundir em suas atividades. O consumo não é mudo, como relata Certeau (1994) e tampouco a produção, por parte do receptor, secundária e/ou somente simbólica” (2009, p. 79). Podemos dizer que, ao migrar para o ambiente digital, os antigos álbuns de fotos (impressos) assumiram a condição de mídia, uma vez o consumo que será feito dessas 45 Entre eles Maldonado (2002), Barbero(1995 e 1997), Certeau (1994) e Sodré (2006). 111 imagens, na maioria dos casos, deixa de ser privado e passa a ser público46. Com isso, as imagens passaram a ser vistas e consumidas por um número potencialmente muito maior – difícil até de ser quantificado – do que apenas pelos amigos e parentes (como acontecia com os álbuns impressos). E, diferente do contexto estudado por Certeau, onde o autor verificou a falta de um lugar onde o receptor poderia marcar a sua produção, os sites/serviços de armazenamento e compartilhamento de fotos no ambiente digital possibilitam essa ação. A partir dos recursos interativos disponíveis para os consumidores, as pessoas têm a possibilidade de produzir e também de interferir no conteúdo que consomem, através do acréscimo de comentários, notas, links, etc. Ao problematizar a natureza do usuário dos álbuns de fotos que estão disponíveis na internet, é possível trabalhar com a noção da emergência de um usuário/produtor. Na medida em que os autores responsáveis pelos álbuns de fotos na internet fazem a leitura da repercussão que suas fotos tiveram para outros usuários, isto é, lêem os comentários/notas que foram deixados nas suas fotos, novas interpretações e compreensões serão feitas pelos próprios autores das imagens. Isso se torna ainda mais complexo uma vez que, pela sua condição polissêmica, a imagem fotográfica permite que diferentes interpretações sejam feitas por cada uma das pessoas que consumam e decifrem uma mesma imagem. Portanto, quem recebe os conteúdos desses álbuns de fotos também produz significados e associações e, por isso, seu consumo não pode ser pensado de forma secundária e/ou somente simbólica. Estamos, então, diante de um sujeito que assume um status de usuário/produtor - ao mesmo tempo. 5.2 MEMÓRIA BIOGRÁFICA/IDENTITÁRIA Desde o momento em que a fotografia passou a fazer parte efetivamente do cotidiano das pessoas – na virada do século XVIII –, ela foi agindo, gradativamente, como uma importante forma de preservação da memória familiar. Com a democratização de seu acesso, proporcionada, principalmente, pelo barateamento dos recursos materiais, as festas, as viagens e tantas outras situações passaram a ser registradas a partir da ótica dessa nova grafia. 46 Cabe salientar que existem usuários que continuam mantendo a lógica de privacidade dos antigos álbum de fotos impressos no ambiente digital; para isso, eles restringem a sua visualização apenas para amigos e familiares autorizados. 112 Conseqüentemente, em maior ou menor escala, as pessoas começaram a ter sua memória biográfica e identitária construída, entre outras marcas, pelas suas fotografias particulares. Com o advento das fotografias digitais – e a sua respectiva publicação e compartilhamento no ambiente virtual –, iniciou-se um novo processo de configuração da memória pelo fotográfico. Diante dessa realidade, para refletir sobre a constituição dessa memória biográfica/identitária – nesse caso, condicionada pela fotografia no ambiente digital –, torna-se necessário refletir sobre o conceito de memória que será trabalhado nesta pesquisa, atentando para as particularidades desse processo num contexto de midiatização da sociedade. Como explica Pollak (1992, p. 02), “a priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa”. Mesmo considerando uma dimensão individual do exercício de memória, o autor não deixa de trabalhar, também, com o pensamento de Maurice Halbwachs que, nos anos 20-30, “já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes” (1992, p. 02). Desde uma perspectiva sociológica, Halbwachs trabalha com o conceito de memória coletiva para pensar a dimensão propriamente social da memória. Para ele, a memória individual se assenta e se organiza com base em quadros sociais; carrega consigo a dimensão social dada pela linguagem, pela inserção do indivíduo num contexto social e em relações de pertencimento; ampara-se e constitui-se nas relações que o indivíduo mantém com os demais membros de seus grupos de pertença. (BONIN, 2006, p. 06) Sem deixar de considerar uma dimensão individual da memória, Halbwachs argumenta que a recordação de um determinado acontecimento se faz a partir de dados e noções comuns do indivíduo na sua relação com os demais integrantes de uma mesma configuração social. Na compreensão do autor, recordar significa voltar a evocar, mediante a interação social, a linguagem, as representações, as classificações coletivas. Trazendo essa reflexão para o concreto investigado nesta pesquisa, é possível pensar que, no caso do álbum de fotos disponível no ambiente digital, a memória biográfica/identitária do autor de determinado álbum virtual será construída nas relações que esse indivíduo manterá com os demais membros dessa comunidade; ou seja, familiares, amigos e desconhecidos que consomem e interagem com essas fotos, através de notas e comentários que são atribuídos às imagens. 113 Além disso, na proposição de Pollak, a memória é um fenômeno construído. Para o autor, esse processo acontece em nível individual e pode ser tanto consciente como inconsciente. “O que a memória individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de organização” (1992, p. 04). No momento em que ela é articulada, a memória é estruturada (construída) a partir das preocupações do momento vivido. Ao referir essa característica da memória em representar um fenômeno que é construído social e individualmente, o autor aponta para uma ligação muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade. Isso significa dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. (POLLAK, 1992, p. 05) Por outro lado, entendendo que a identidade é construída a partir da imagem que o sujeito faz de si, para si e para os outros, é importante não perder de vista o fato de que ninguém é capaz de construir uma imagem livre de negociação – e transformação em função dos outros. Como observa Pollak (1992, p. 05) “a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros”. Isso nos ajuda a compreender que a memória e a identidade são valores disputados e negociados a todo o momento. Essa discussão entre memória e identidade ajuda a pensar nas especificidades da relação estabelecida entre autor e usuários dos álbuns de fotos virtuais. No momento em que uma pessoa cria o seu álbum de fotos na internet, ela está ciente de que as fotografias publicadas nesse espaço servirão de referências para que os leitores/usuários desse álbum construam a sua imagem do respectivo autor. Logo, o álbum já é produzido com o intuito de construir uma identidade – por parte do seu autor – específica para os usuários que terão acesso a essas fotografias. Durante a etapa exploratória dessa pesquisa, onde foram analisados diferentes perfis de pessoas que mantêm álbuns de fotos na internet, foi possível perceber diferentes tipos de construções identitárias. Todos, mais ou menos consciente, elegem formas específicas de se colocar e construir a sua memória e identidade para os outros. Cabe ainda considerar a função da memória como operação dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, que “se integra em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento 4e fronteiras sociais 114 entre coletividades” (POLLACK, 1989, p. 09). O autor propõe a noção de memória enquadrada – inspirado na proposição de Henry Rousso – para pensar a construção das memórias sociais, com foco específico para o trabalho de fabricação e de controle sobre a memória que aí se realizam. Trazendo essa reflexão para o objeto de estudo dessa pesquisa, é preciso considerar que a memória produzida/configurada através da fotografia no ambiente digital é enquadrada em dois momentos. A começar pelas diferentes etapas constituintes de seu processo de captação. Isto é, trata-se de uma memória que é mediada pela técnica e pelo olhar de quem produziu a imagem, desde o momento em que a captura é realizada, de acordo com as escolhas feitas pelo fotógrafo – sejam elas de ordem prática (técnica utilizada) e subjetiva (enquadramento, escolha da luz, etc). Num segundo momento, essa memória também estará marcada pela seleção feita pelo fotógrafo das fotos que serão ou não publicadas e compartilhadas na internet. Memória é seleção e, portanto, nem tudo o que está expresso nas fotos dos álbuns virtuais dá conta de narrar toda a vida dos sujeitos. De um conjunto vasto e diverso de imagens, o autor seleciona apenas algumas que serão compartilhadas – enquadradas – nessa ambiência. Ao referir a participação da mídia nesse processo, trazendo especificidades para a memória enquadrada nos álbuns de fotos virtuais, é importante esclarecer, ainda, que “as mídias instauram novos modos de narrar, condicionados por seus dispositivos, gêneros, linguagens, potenciando a coexistência de códigos e relatos diversos, que incidem sobre a experiência de conformação dos relatos de memória” (BONIN, 2009, p. 83). Ao migrar dos álbuns impressos para o ambiente digital, as fotografias serão narradas desde as lógicas dos chamados álbuns virtuais, caracterizado pela disposição ou não em álbuns divididos por determinados assuntos, potencialmente acompanhadas pelo acréscimo de textos (na forma de títulos e legendas), entre outras características. Por outra parte, além de acompanhar as normas de organização dos álbuns virtuais, as fotografias passam a ser publicadas e compartilhadas dentro da lógica temporal desses espaços. Nesse contexto, indo ao encontro da compreensão de Bonin (2010, p. 04), “é importante levar em conta as modificações atuais relativas à transformação da temporalidade social e da experiência do tempo”, provocada, entre outras razões, mudança tecnológica e a oferta de novos padrões de consumo. Como acontece com o Twitpic, site/serviço de compartilhamento de fotos vinculado ao Twitter. Diferente da temporalidade de atualização dos álbuns de fotos impressos, o Twitpic, aqui entendido como uma espécie de álbum virtual, 115 incentiva o usuário a postar fotografias que retratam aquilo que ele está fazendo “nesse instante”. Estas modificações reforçadas pelos meios de comunicação podem estar levando à emergência de um presente contínuo (BONIN, 2010), bem como contribuindo para a instauração de esquecimentos de determinadas experiências vividas a longo prazo. Contudo, tudo isso são possibilidades de implicações que a fotografia – num contexto de midiatização – estaria trazendo para a conformação das memórias sociais. Como discutido na parte de recepção desse mesmo capítulo, é somente a partir da compreensão dos usos e apropriações realizados pelos usuários, bem como do entendimento das mediações envolvidas que se torna possível avaliar a repercussão desse processo para o público receptor. Comprovar – ou não – as proposições dos autores aqui apresentados só será possível através da análise do empírico investigado. E é isso que busco realizar nos capítulos seguintes. 116 6 ALBUNS DIGITAIS: OS USOS DA FOTOGRAFIA NA CONSTITUÇÃO DA MEMÓRIA IDENTITÁRIA/BIOGRÁFICA Neste capítulo analiso os dados obtidos na etapa sistemática desta pesquisa. Para isso, considerei que a melhor forma de realizar a interpretação dos dados seria trabalhar com um olhar individual sobre cada um dos entrevistados, caso a caso. Dessa forma, a análise aqui apresentada é feita em dois movimentos: num primeiro momento, a partir dos dados advindos das entrevistas, busco dar atenção para as mediações envolvidas no processo de configuração da memória – pela fotografia na internet –, refletindo sobre o perfil desses quatro sujeitos, suas competências midiáticas (das mídias em geral, fotográficas e do meio digital), assim como os usos e sentidos da manutenção desses álbuns de fotos virtuais. Depois, a partir da observação e análise dos álbuns de fotos, tento compreender melhor os usos a partir da análise das marcas deixadas por eles nos álbuns. Com isso, o objetivo é compreender as implicações desse processo para a configuração da memória biográfica/identitária, interesse principal desta pesquisa. Em outras palavras, a análise inicia com uma mirada sobre os usuários com o intuito de conhecer melhor o perfil, as trajetórias de vida, as competências midiáticas e as intenções de cada um dos sujeitos em produzir e atualizar um álbum de fotos no ambiente digital. Esta reconstrução permitirá, num segundo momento, o aprofundamento da compreensão dos usos e apropriações dos álbuns virtuais – a partir de um olhar para as marcas deixadas nesses espaços.47 47 É importante salientar que, mesmo ciente da indicação do Comitê de Ética da Unisinos em trabalhar com nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados, esse cuidado tornou-se praticamente inviável visto que, durante a análise, irei apresentar fotos e textos (legendas, comentários, etc) particulares dessas pessoas. De toda forma, apenas a Franciele Corrêa tem o álbum privado na internet – e, mesmo assim, me autorizou a publicar o seu nome e algumas de suas fotos. Quanto aos outros três entrevistados, eles deixam seus álbuns virtuais visíveis para qualquer pessoa, logo, podem ser considerados “dados público”. Mesmo assim, também fui autorizado por todos eles. 117 6.1 Maurício de Sousa, usuário do Twitpic 6.1.1 Dados da entrevista 6.1.1.1 Perfil do usuário Mauricio de Sousa (ver Figura 17) é um dos mais famosos cartunistas do Brasil, criador da Turma da Mônica. Nasceu em outubro de 1935 (logo, tem 75 anos) numa pequena cidade do estado de São Paulo chamada Santa Isabel. Seu pai era o poeta e barbeiro Antônio Mauricio de Sousa. A mãe, Petronilha Araújo de Sousa, era poetisa. Com poucos meses, Mauricio foi levado pela família para Mogi das Cruzes, onde passou parte da infância. Profissionalmente, trabalhou durante cinco anos como repórter policial no jornal Folha da Manhã. Após essa experiência, criou uma série de tiras em quadrinhos com um cãozinho e seu dono – Bidu e Franjinha – e ofereceu o material para os redatores da Folha. As historietas foram aceitas e, em 1959, o jornalismo perdeu um repórter policial e ganhou um desenhista48. Atualmente, vive com uma faixa salarial de mais de cinco mil reais por mês. Figura 17 – Fotografia disponível no perfil do Mauricio de Sousa no Twitter. Disponível em: <http://twitter.com/account/profile_image/mauriciodesousa?hreflang=en>. Acesso em: 19 mai. 2010. 48 Fonte: <http://www.monica.com.br/mauricio/historic.htm>. Acesso em: 19 mai. 2010. 118 6.1.1.2 Mediações a) Competências midiáticas e trajetórias de vida Sobre suas competências midiáticas, especificadamente relacionadas à sua relação com a fotografia, é importante ressaltar que, desde quando ele era bem pequeno, a fotografia sempre esteve bastante presente na vida de Mauricio. A ligação com a fotografia é tão grande que ele chega a lamentar o fato de que, em alguns momentos da sua infância, “o pessoal esqueceu um pouquinho”. Mais tarde, quando entrou para o jornalismo, mesmo que ele fosse apenas repórter e não fotógrafo, andava com uma câmera fotográfica Zeiss, minúscula, “parecida com as câmeras que hoje são utilizadas em espionagem, pra ajudar quando meu fotógrafo oficial não conseguia tirar umas fotos, daí eu tentava fazer com a minha camerazinha invisível”. A partir desse momento, Mauricio conta que começou a guardar algumas fotos feitas por ele. Entretanto, ele não queria só aquela “câmera invisível”. Eu tomei gosto ali por fotos também e comecei a tirar minhas fotos de família, fotos de viagens, desde aquele tempo. Quando vieram os filhos, daí houve uma vontade maior ainda de documentar o crescimento, o desabrochar de cada filho. Então, lá vou eu aumentar minha coleção com mais milhares e milhares de fotos a cada filho que vinha. E como eu tenho muitos filhos, tenho dez filhos, cada um deles tem o seu histórico, sua história isolada e fotos em blocos com o resto dos irmãos. Família a mesma coisa, viagem a mesma coisa. À medida que o tempo foi passando, Mauricio explica que evitou fazer cursos de fotografia, assim como adquirir câmeras sofisticadas. Segundo ele, isso seria “contra a natureza da minha proposta que é de fotografar levemente e rapidamente o que está acontecendo e guardar sem maiores problemas técnicos, tecnológicos”. Tanto isso é verdade que, hoje em dia, normalmente ele utiliza câmeras digitais mais comuns (compactas), “apenas com uma preocupação de fazer as fotos com mais definição”. Maurício brinca ao dizer que ele vem de uma “mania de fotografar ou de guardar a história em quadrinhos, quadrinhos fotográficos, né, de muitos e muitos anos. Como eu tenho muitos e muitos anos eu tenho, conseqüentemente, muitas e muitas fotos”. Ele não sabe precisar ao certo o número exato o número de fotografias que tem, mas ressalta que tem dois cômodos – um em seu estúdio e outro na sua casa-estúdio (ao lado de sua casa) – com fotos e negativos. 119 Com isso, é possível de dizer que o cartunista é altamente familiarizado e, em boa medida, alfabetizado com a linguagem fotográfica. Isso se revela, num primeiro momento, pelo costume de seus familiares em preservar sua memória através dessa técnica. Depois, também percebemos essa familiaridade através de seu interesse e experiência profissional relacionada à imagem, seja como repórter – atuando também como fotógrafo –, seja como desenhista, trabalhando com elementos para pensar em enquadramento, cor, bidimensionalidade, entre outras características que são comuns aos quadrinhos e à fotografia. Nesse sentido, a entrevista ajudou a mostrar que o Mauricio de Sousa é bastante competente no que se refere ao fazer fotográfico. Quanto ao meio digital, o entrevistado também se mostrou familiarizado com essa ambiência. Como ele mesmo ressalta, “quando começaram a falar de internet, eu já botei meu material lá, já fiz meu site e tudo mais”. Depois te ter passado pelo Orkut que, segundo ele, “não lhe bastava” e de ter tido um blog – “que o escravizaria” -, Mauricio encontrou no Twitter a liberdade que ele necessita e precisa para falar com o seu público. Além disso, ele demonstrou bastante competência em relação às lógicas de funcionamento do microblog: O álbum no Twitter tem que ser um álbum no estilo do Twitter, ele não pode passar de 140 toques, ou seja, você não pode pegar o álbum de viagem puxar o seu amigo do seu lado e mostrar tudo o que aconteceu. Isso seria um abuso, uma invasão e eu correria o risco de a pessoa falar “eu não tenho tempo para acompanhar tudo isso, ver a sua viagem inteirinha”. Então, eu pego a essência, eu pego a nata, eu pego alguma coisa que realmente que eu considero o resumo de uma viagem, o resumo de um assunto para colocar no Twitter. [...] No Twitter nós temos que conservar o espírito, a proposta do Twitter, que é a concisão. Concisão não só no texto, no que você fala, mas concisão até na imagem que você está mostrando. Ainda sobre as competências midiáticas relacionadas ao meio digital, Mauricio demonstrou ter certa familiaridade com softwares de edição de imagem, como os “programas muito simples que nós temos no computador, que me permitem fazer um corte, tirar um pedaço, puxar uma cor, até mesmo às vezes mexer no foco”. Segundo ele, através desses programas, por vezes é possível “dar uma produçãozinha na foto”. O domínio sobre os meios digitais também se revela na capacidade que o cartunista tem de trabalhar na digitalização dos negativos para disponibilizar as fotos na internet: “eu digitalizo, eu escaneio, eu tiro cópia”. Com relação ao seu consumo de mídias, Mauricio destaca bastante os veículos impressos: assina três ou quatro jornais, lê as principais revistas semanais de informação, enfim, afirma ser um leitor compulsivo e lamenta não ter mais tempo para ler ainda mais. Televisão comercial ele assiste muito pouco, especialmente para assistir à programas de informação. Quando está no carro, gosta de ouvir rádio, tanto para se informar, quanto para 120 ouvir música – já que ele tem um apreço grande pela música e um “arquivo imenso de CDs e DVDs musicais. Além disso, Mauricio também procura ir ao cinema “ver os filmes do momento, os filmes que estão acontecendo”. b) Intencionalidade do usuário Sobre os critérios de seleção de suas fotos para publicação, Maurício explica que normalmente busca “fotos que tenham um conteúdo gráfico de alegria, de bem estar, de felicidade. Então é uma boa foto de uma praia, de uma montanha, de uma viagem”. A este respeito, o cartunista assume que não tem somente fotografias agradáveis no sentido gráfico, isto é, “fotos perfeitas”. Entretanto, ele evita de publicar essas fotos que não são, vamos dizer, perfeitas e que dizem respeito apenas a uma coisa... ao que aconteceu no decorrer da minha vida. Eu prefiro realmente selecionar e fazer da galeria de fotos do meu Twitter um mostruário de momentos felizes. E, com isso, eu deixo nosso espaço no Twitter pra cima, pro alto, otimista, alegre, divertido e com gosto de quero mais. Com isso, percebemos que um dos principais critérios para publicação (ou não) de uma foto no Twitter está relacionado à qualidade das imagens. O cuidado pelo acabamento das imagens é tão grande que, das poucas vezes em que ele deletou alguma foto, foi porque a linha de horizonte estava torta e/ou a foto desequilibrada, o que motivou ele a tirar ela do álbum – para editar e colocar novamente. A maior parte das fotos que Mauricio coloca do Twitter são de arquivo. Entretanto, atualmente, quando ele está em alguma cerimônia – por exemplo, numa tarde de autógrafos, numa viagem –, ele captura algumas fotos “para mostrar como é esse lugar, o que eu vi, o que eu senti [...] pois eu sinto que tenho esses amigos”. Diante disso, podemos problematizar o quanto essa imagem não está marcada por uma intencionalidade muito específica – e construída – que o autor quer passar para os seus seguidores. Em outras palavras, o álbum de fotos no ambiente digital, diferente do álbum impresso, é formado, em grande medida, por imagens capturas com a finalidade específica de compartilhamento. Juntamente com os elementos constitutivos da representação fotográfica (assunto, tecnologia, fotógrafo) – como proposto por Kossoy (2002) –, a consciência do futuro compartilhamento também age sobre o processo de captura e, por conseqüência, sobre o conteúdo da imagem. 121 No que se refere ao formato do site/serviço de compartilhamento, nesse caso, do Twitpic (vinculado ao Twitter), Mauricio não considera que ele seja um álbum de fotos. Eu ponho na mesa fotos dos meus amigos [...] e vou cobrindo as fotos que mostrei sem a necessidade, a obrigatoriedade de seqüência, nem de tempo, nem de assunto. Efetivamente, eu pego, eu abro gaveta, os envelopes, eu dou uma olhada e cito e coloco as fotos que eu acho que pode ser interessante para os seguidores, pela variedade, pela informação e pelos cuidados gráficos. Quando eu colocar as fotos de forma em maior quantidade, mais organizadas num outro sistema, daí vou chamar de álbum. Mas agora não considero que são álbuns. O autor acredita que esse espaço pode ser entendido como “um painel variado de fotos na internet”. E completa: “Como não dá pra colocar o painel todo, eu vou colocando aos poucos”. A sua intenção “não é fazer um grande álbum e deixar lá pro pessoal ficar olhando, mas realmente mostrar como se fosse uma foto da sua criança, do seu filho que você adora e abre a carteira e mostra ‘olha meu filho como que tá’”. Mauricio afirma que não tem a preocupação de montar um álbum permanente e completo, ele prefere a atualidade da foto do momento. “Eu quero é fazer com que o pessoal se lembre da foto, eventualmente pode ter guardado, e mais se lembre cada vez mais da foto que to pondo hoje. Eu quero sempre transformar nosso momento no momento atual, o momento vivo e não no momento museu”. Diante dessas considerações trazidas por Mauricio, penso que seja oportuno referir o trabalho de Mata, especialmente sua reflexão acerca da desarticulação das noções de tempo e espaço na sociedade contemporânea – e, por conseqüência, no possível movimento de presentificação da memória. Tomando com referência o caso do álbum de fotos do Twitter, o pensamento da autora ajuda a pensar no quanto esse novo formato de agrupamento de fotos – se comparado ao tradicional álbum impresso – está realmente modificando a experiência espaço-temporal tanto de captura e publicação, quanto de recepção das imagens. Isso confirma também a hipótese trabalhada nessa investigação de que o lugar que a fotografia ocupa também influencia na maneira que essa imagem será interpretada pelas pessoas, conforme apresentado pelo pesquisador Armando Silva. 6.1.1.3 Sentidos e usos da fotografia no ambiente digital Assim como o próprio Twitter não nasceu com o objetivo de oferecer aos usuários um site/serviço de compartilhamento de imagens no ambiente digital, Mauricio de Sousa também 122 não começou disponibilizando suas fotos na internet. Segundo ele, a ideia era manter um sistema de contato com o público, com o pessoal que se diz leitor, amigo da Turma da Mônica. Entretanto, como explica o cartunista, “se você está conversando com alguém, em qualquer roda de amizade, você dá a informação, você pergunta como vai, você pergunta da família, você lembra de uma coisa interessante, você conta uma piada e eventualmente você mostra alguma coisa para o seu amigo”. Com isso, ele transformou o seu espaço no Twitter “numa conversa com direito à ilustração, direito a eu mostrar algumas coisas da realidade da minha atividade”. Quanto ao conteúdo das imagens disponíveis no seu perfil, ele explica que a influência veio da pergunta de um amigo no próprio Twitter, interessado em saber como era a Mônica na vida real, de como foi a inspiração, da onde que veio. Então, ele percebeu que podia responder a ele mostrando uma imagem. Nas suas palavras, Eu mostrei uma foto da Mônica antiga [ver Figura 18] e mostrei algumas fotos de antigamente do estúdio e eu percebi que o pessoal se interessou muito. Então, também eu percebi que se eu tivesse mais daquele material, daquela informação gráfica, o pessoal podia ficar mais interessado no Twitter, na conversa, que eu uso como marketing realmente, marketing pessoal, marketing de informação da minha atividade. E eu achei então que no Twitter podia montar um esquema de quadrinhos. Continuar mostrando quadrinhos, só que não desenhando, quadrinhos de foto. Considero que to continuando com os quadrinhos no Twitter só que de outra maneira, não desenhando. [...] Me lembrei que tenho fotos a mão cheia, lembrei que tenho fotos aos milhares. O meu hobby é fotografia e eu guardo as fotos, eu tenho selecionadas, então, eu senti que a foto seria um atrativo a mais pra eu ficar mantendo o nosso pessoal no nosso espaço e sem grandes problemas. Então, abro uma gaveta e tenho selecionado um material de diversas maneiras, diversas naturezas, de viagem, de família, da história da firma e tudo mais e deu certo. Hoje, as fotografias são um dos atrativos do nosso espaço e eu tenho material para os próximos anos pra mostrar pro pessoal... com informações, com datas, com histórico do que to mostrando e tudo mais. 123 Figura 18 – Fotografia disponível no perfil do Mauricio de Sousa no Twitter. Disponível em: <http://twitpic.com/1qjpxs>. Acesso em: 27 mai. 2010. Dessa forma, é possível referir que o uso que o cartunista emprega em seu álbum de fotos no Twitter é acima de tudo profissional e, em certa medida, motivado por interesses comerciais – ou “marketing pessoal”, como referido. Isso significa dizer que a memória enquadrada nas fotos é composta por cenas da vida particular do autor, mas que dizem respeito à vida profissional do entrevistado. As fotos recentes ou antigas mostram a intimidade de uma vida familiar (e particular) que se vincula com a vida pública de Maurício. Isso se relaciona com competência e autonomia que o autor demonstra sobre o meio. Para ele, o Twitter não é um espaço para ficar mostrando desenhos, umas vez que as pessoas já tem acesso a esse tipo de material nos gibis e demais publicações, onde elas vão buscar desenhos e ilustração. “Além disso, seria uma concorrência com o que eu faço do outro lado, começar a mostrar ilustrações no Twitter, além de exigir que eu fizesse uma editoria, se eu mostrasse desenho, eu precisaria ficar me preocupando em buscar desenho”. Por outro lado, conhecendo os detalhes do processo de atualização dessas fotos, percebemos que, mesmo que exista um interesse empresarial envolvido (Mauricio de Sousa Produções Ltda.), o cartunista tem uma grande preocupação em manter um estilo de comunicação pessoal. Para isso, o próprio autor é quem cuida do compartilhamento de fotos na internet. “Eu faço tudo sozinho, vejo o tempo que tenho e me comunico na hora que dá. 124 Não tenho uma obrigação. Me facilita o fato de eu trabalhar muito no computador, muita na internet”. Na opinião de Mauricio, o Twitter facilita muito a concisão, seja pelo fato de ele não ter que escrever muito, seja pelo espaço limitado destinado aos seus leitores, reduzindo o volume de informações que ele recebe (fato que contribui para que ele migrasse do Orkut para o Twitter). “Enquanto eu tô vendo roteiros, vendo desenhos, vendo os emails, centenas de emails que eu recebo por dia, eu dou uma passada... uma paradinha, dá pra eu dar uma varrida no material que está chegando”. Especificadamente sobre o processo de seleção das fotos, isto é, o que Maurício quer contar para as pessoas através de suas fotos, ele explica que tenta fazer uma variedade. Para isso, ele coloca fotos de lazer, curiosidade, brincadeira (com imagens em 3D) e, principalmente, fotos das figuras humanas que inspiraram os diversos personagens – pela curiosidade que as pessoas têm de saber “quem é quem”. Além disso, quando participa de alguma premiação ou lançamento de um produto, Mauricio também posta fotografias de cunho jornalístico, de fatos que tenham acabado de acontecer. E aqui, mais uma vez, percebemos um embate entre o interesse pessoal e profissional do autor com o Twitter: Eu tento colocar menos possível essa parte de lançamentos de produtos pra não virar um espaço comercial. Isso seria contra a minha proposta que é conversar com o pessoal, fazer amizades, fazer amigos, e o pessoal sentir que tá no meio de um batepapo, de uma conversa - e não de uma sala comercial, numa sala onde estou vendendo alguma coisa. Eu estou vendendo o Mauricio de Sousa, não estou vendendo o gibi da Mônica. E o Mauricio de Sousa tem um papo variado com fotos variadas que é um papo de variedades, de divertimento, de informação, de fatos jornalísticos, e fotos curiosas. A partir da fala do autor, é possível conhecer melhor sobre o tipo uso que ele faz de seu álbum de fotos. Ou seja, para além do interesse comercial de “vender gibi”, Mauricio utiliza esse espaço como “marketing pessoal”, com o intuito de se aproximar de seus fãs, ter um canal direto de comunicação. Como conseqüência, a memória enquadrada em suas fotos postadas neste ambiente estará fortemente marcada por esse interesse específico do autor. Nesse sentido, esta mediação mostra-se presentes e relevantes no caso específico do Twitter do Mauricio. Tanto a sua trajetória de vida, quanto suas competências midiáticas mediam a construção do álbum de fotos desse usuário, a partir de uma intencionalidade que é particular. As imagens que integram o álbum se justificam primeiramente pelo seu interesse pessoal pela fotografia, assim como à maneira encontrada por ele de se aproximar de seu público leitor. Sobre o fato de ter um álbum público, que é potencialmente visualizado por milhares de pessoas, Mauricio diz que prefere não pensar no número e imaginar que ele está “numa 125 roda de amigos e teus amigos merecessem a mesma consideração, o mesmo carinho, o mesmo cuidado no que você está falando, na forma como você está falando e, no caso, na forma como eu mostro as fotos”. Contudo, ao compartilhar suas fotos no ambiente digital, a configuração da memória desse usuário acaba sendo configurada pela ação das pessoas que acompanham o seu perfil no Twitter, seus “seguidores”. Isto é, os comentários deixados pelos milhares de “seguidores” que acompanham o álbum de fotos do Mauricio trazem repercussão tanto para a forma com que ele age na produção desse espaço, quanto na leitura/recepção que ele faz das suas próprias fotos após a visualização dessas marcas. No que se refere à interferência do público na produção do álbum de fotos, isso se explica pelo fato de que, através dos comentários, o autor consegue medir o número de fotos que irá publicar por dia e/ou para cada acontecimento. às vezes eu ponho uma por dia, duas por dias, e às vezes tem um assunto que eu acho que é bom o pessoal receber em bloco, então, daquele momento ou aquela reportagem exige que eu coloque fotos a mais. Isso tem acontecido de vez em quando numa viagem... à China [ver Figura 19], então eu quero mostrar um passeio num lugar, daí eu acho que sou obrigado a colocar meia dúzia de fotos, oito fotos. Mais do que isso também o pessoal começa a estranhar e achar que eu to exagerando. Alguns twiteiros até acham ruim, “está exagerando, chega de fotos!”. Sempre tem alguém que está achando ruim. Mas normalmente a maioria do pessoal gosta das fotos pela seleção e pela forma como eu faço a seleção. Figura 19 – Fotografia disponível no perfil do Mauricio de Sousa no Twitter. Disponível em: <http://twitpic.com/1936dz>. Acesso em: 27 mai. 2010. 126 Isso nos revela que, juntamente com as mediações envolvidas nesse processo comunicativo – como já referido aqui - dependendo da interferência de seus “seguidores” o autor constrói o seu álbum na internet de uma maneira ou de outra, nesse caso, postando mais ou menos fotos. Em um segundo momento, os comentários deixados por essas pessoas também condiciona a construção da memória que o Mauricio terá sobre suas próprias fotos. Isso porque, entendendo a fotografia como uma grafia de leitura polissêmica, cada pessoa, a partir de seu repertório cultural/estético/social vai ler a imagem de uma forma ou de outra. Portanto, mesmo que Mauricio enquadre suas fotos a partir de motivações e interesses pessoais, no momento em que essas fotos são compartilhadas na rede, cada pessoa fará a sua leitura sobre elas e, na medida em que essas interpretações se expressem na forma de comentários, esse processo condiciona a memória do próprio autor sobre suas fotos, como aconteceu no caso que ele citou durante a entrevista: Uma vez eu mandei uma foto, foi nos primeiros tempos. Eu tenho na minha casa um lago de carpas e as carpas são muito dóceis, bonitinhas, alegres e domésticas. Eu vou lá, pego e ponho um pedacinho de pão, me abaixo lá na água, elas vêm correndo, vêm nadando, eu dou comidinha na boca delas... E eu mandei. Nesse dia eu pedi pra minha filha bater uma foto minha e mandei [ver Figura 20]. E daí o pessoal reparou que eu estava com roupão japonês, com chinelo guetá, um chinelo de pau japonês, que eu estava usando meia junto com o guetá. Começaram a comentar o entorno, os detalhes da fotografia. [...] Eles aumentam e ficam reparando detalhes que eu não imaginava que fossem reparar, me passam batido às vezes. Figura 20 – Fotografia disponível no perfil do Mauricio de Sousa no Twitter. Disponível em: <http://twicsy.com/i/2maCd/s/f>. Acesso em: 25 mai. 2010. 127 A partir dessa observação de alguns de seus “seguidores”, Mauricio conta que começou a colocar fotos em boa resolução “para o pessoal poder realmente ter mais informação”. Além disso, isso fez com que ele tomasse “cuidados com os detalhes das fotos até pra ver a questão da elegância: quais elementos têm na foto - elementos secundários, elementos do entorno –, que são interessantes ou não, que não devo mostrar ou que posso exibir que fazem parte da mensagem gráfica”. O próprio Maurício admite que “esses comentários que a pessoa fez ou faz realmente me indicou caminhos entre cuidadosos e entre novos caminhos na produção das fotos, principalmente das fotos novas”. Isso nos revela que a memória, no caso de Maurício, é configurada/construída nos álbuns de fotos disponíveis da internet sendo condicionada também, entre outros fatores, pelo processo de produção e recepção da imagem fotográfica. Nessa mesma linha, as proposições trazidas por Chemello (2009) para pensar na aproximação dos papéis da recepção e da produção no ambiente digital também aparecem nesse cenário. Isso porque, o sujeito investigado não é mais caracterizado apenas por um ou outro papel; no contexto investigado (internet), o usuário assume – ao mesmo tempo – um duplo estatuto, de receptor/produtor. No caso específico do Mauricio, podemos considerar um verdadeiro ciclo que é estabelecido de produção-recepção-produção. Ou seja, ao postar suas fotos no álbum virtual, ele está sendo produtor de conteúdo. Na medida em que suas fotos são visualizadas e comentadas, ele torna-se receptor do seu próprio trabalho, revendo suas imagens de outra maneira, ao mesmo tempo em que (re)avaliando o trabalho produzido. Baseado na interpretação desses comentários, ele assume, novamente, o papel de produtor, capturando fotografias e/ou elegendo imagens de arquivo a partir das considerações dos “seguidores”. 128 6.1.2 Usos e apropriações do Twitpic 6.1.2.1 Tempo A primeira foto que Mauricio postou no Twitter49 foi no dia 15 de maio de 2009. Até o dia 25 de maio de 2010, ele já totalizava 1143 fotos na sua conta no Twitpic (“álbum” do Twitter). Para se ter uma ideia do quanto isso representa por mês – e por dia –, dividindo o número de fotos pelos meses transcorridos, no caso, 13, resultaria numa média de 88 fotos por mês – ou 2,9 por dia. Mas aqui cabe uma ressalva: existe “um apagão” de imagens do dia 31/10/2009 até 08/01/2010, devido a um problema técnico do site/serviço. Com isso, Mauricio acredita que perdeu entre 300 e 400 fotos. Logo, se somasse mais 400 ao total de fotos dele, seria uma média de 119 fotos por mês – e 3,9 por dia. Atualmente, acompanhando a postagem de fotos realizada por ele, é possível confirmar essa média de postagem de aproximadamente 4 fotos por dia, o que é considerado um número expressivo para esse site/serviço. Quanto ao tempo enquadrado nas fotos (épocas de vida), ele é bastante variado, indo desde fotos familiares antigas (retratando a infância de seus filhos), passando por momentos importantes da sua carreira (capturas da sua vivência como cartunista), até os dias atuais, com fotos do presente. A análise do tempo nas fotos do Maurício aponta para pelo menos duas conclusões parciais. Por um lado, contraria a ideia de que o passado vivido pelas pessoas estaria ameaçado pela necessidade que se teria nos dias de hoje de estar sempre fotografando – e compartilhando – fotos de cenas do presente. No caso do Mauricio, percebemos que isso não acontece pelo fato de que várias etapas da sua vida estão representadas em seu “álbum virtual”. Numa outra abordagem, a quantidade expressiva de imagens postadas nos leva a pensar numa nova experiência temporal de consumo das imagens, e portanto, de produção de memória. Ou seja, a cada dia, quatro novas imagens são disponíveis - a apenas um clique – para milhares de “seguidores”. 49 Para uma melhor compreensão da análise que será feita deste ponto em diante, sugiro ao leitor visitar e explorar o álbum de fotos virtual do Maurício de Sousa. Disponível em: <http://twitpic.com/photos/mauriciodesousa>. 129 6.1.2.2 Espaço No álbum de fotos do Maurício no Twitter, as fotos são acompanhadas por legendas que são os próprios textos que o autor escreve em cada um de seus tweets (postagens). Logo, esses textos não podem ultrapassar o limite de 140 caracteres. Além disso, mesmo que exista a possibilidade de oferecer links para outros sites e ou adicionar tags, o autor não faz uso desses recursos. Como o site/serviço não oferece a possibilidade de o usuário criar álbuns divididos por temas, as fotos mais atuais se sobrepõem às antigas e são disponibilizadas em grupos de 20 em 20 por página. Sobre os critérios de privacidade, o Mauricio permite que qualquer pessoa possa visualizar suas fotos, logo, trata-se de um álbum público – para pelo menos 89.624 pessoas que acompanham o seu perfil no Twitter (ressaltando que nem todas essas pessoas visualizam suas fotos: em média, são entre 1.000 e 1.500 acessos por foto). Sob a ótica de seu espaço, o álbum de fotos do Twitter já é, por si só, um serviço bastante limitado. O pouco de recurso que é oferecido aos usuários se resume ao limite de 140 caracteres de texto por foto e a possibilidade de adicionar algumas palavras-chaves - no caso do Mauricio, ele faz apenas o uso do texto, nunca preenchendo as chamadas tags. Além disso, este usuário nos ajuda a refletir sobre o conceito trabalhado por um conjunto de autores que se refere ao alargamento do espaço para além do local. Isso porque, na medida em que as fotos são disponibilizadas para milhares de seguidores, um número considerável dessas pessoas acaba produzindo sentido sobre essas imagens, através da escrita de comentários. Logo, a memória do Maurício não é mais apenas configurada pela imagem, mas, também, pela repercussão que esses comentários trazem na forma com que ele volta a olhar para suas fotos. 6.1.2.3 Temas/situações Os principais temas/situações de memória enquadrados nas fotos do Mauricio são: viagens, divulgação de trabalhos e participação em eventos, “foto-família” (intitulada pelo próprio autor, onde – como o próprio nome sugere – ele posta fotos antigas de situações familiares), fotos em 3D (outra seção onde ele convida os leitores a brincar de experenciar imagens em três dimensões), trivialidades (fotos de amanhecer ou pôr-do-sol, pratos de comida em restaurante, animais de estimação, entre outros exemplos) e “foto-história” 130 (também nomeada por ele, mostrando alguns momentos importantes da sua trajetória de vida). Quanto às pessoas que aparecem nas fotos, cabe destacar, em primeiro lugar, o próprio Maurício, que aparece bastante nas imagens, em várias etapas da sua vida até os dias atuais. Além deles, sua família também é bastante retratada nas fotos. Poderia destacar ainda os amigos e personalidades que Mauricio teve contato em sua carreira, que aparecem com freqüência no tema “foto-história”. Como já referido, as fotos são disponibilizadas em grupos de 20 em 20 por página e, abaixo de cada uma delas, fica disponível uma lista de comentários dos “seguidores”. Sobre esses comentários, levando em conta que as imagens são vistas – em média – por 1.000, 1.500 pessoas, podemos dizer que a quantidade não é muito grande (em média 10 por foto). Quanto ao tom desses comentários, ele é sempre num clima amistoso, onde as pessoas fazem brincadeiras com o conteúdo das imagens e/ou procuram saber mais informações sobre as cenas retratadas. Nesse último caso, percebe-se a participação do próprio autor, também deixando comentários para responder a esses questionamentos. Por fim, ainda sobre o conteúdo das imagens, é importante ressaltar que existem eventos importantes (ritualizados) que são retratados, como lançamento de produtos, sessões de autógrafos, entre outros compromissos profissionais, mas, principalmente, o álbum está repleto de fotos corriqueiras, registros da vida particular de Mauricio, recentes e antigos. Dedicando atenção para analisar os temas/situações nas fotos disponíveis no álbum do Maurício, tornam-se consistentes as reflexões de alguns autores – trabalhados nesta pesquisa - que teorizaram sobre a fotografia (KOSSOY, 2002) e a memória (POLLAK, 1992 e 1989). Entendendo a memória como uma seleção e um enquadramento do passado, no meio digital, esse processo inicia com um enquadramento propiciado pela técnica (fotografia), mas continua com a ação do meio digital, com o usuário elegendo o tipo de foto que será compartilhada nesse ambiente. No caso do Maurício, sabendo do seu interesse em fazer do Twitter um espaço de “marketing pessoal” (para usar as suas palavras), os assuntos enquadrados nas fotos buscam revelar a sua atuação em momentos históricos do seu exercício como cartunista. “Eu mostrando o sucesso dos nossos personagens em alguns momentos históricos valoriza essa perseguição dele (seguidor) ao ídolo, não só ao Maurício, mas à Turma da Mônica. Ele se sente valorizado”. 131 6.1.2.4 Intencionalidade do usuário Compreendendo que a intenção do usuário é constitutiva tanto da memória construída na fotografia (através da sua linguagem), quanto no uso que esse sujeito faz do álbum virtual (a partir dos recursos interativos), no caso do álbum do Maurício no Twitter, quanto ao uso do meio digital, essa intencionalidade é expressa basicamente através do texto que acompanha a fotografia. Isso porque, como já referido, mesmo que exista a possibilidade do usuário agregar tags às suas imagens, Mauricio não faz questão de preencher essa informação. Contudo, na medida em que ele participa de uma espécie de “bate-papo” respondendo aos comentários que são adicionados, ele também está direcionando a leitura das suas fotos a partir de uma intenção que lhe é específica. Isto é, mesmo que os “seguidores” encontrem outras/novas interpretações para as fotos do Maurício, expressando isso através de comentários, ele também reforça a sua intenção deixando também a sua versão dos fatos. Quanto às suas competências midiáticas, as fotos disponíveis no álbum do Twitter expressam, o que a entrevista revelou sobre a significativa competência midiática – principalmente fotográfica – que o Maurício detém. Isso é visível pela preocupação que o usuário demonstra tanto no processo de captura das imagens (aspectos gráficos, cor, enquadramento), quanto no ajuste e pós-produção em algumas de suas fotos (recorte, correção do ângulo, etc). Nesse sentido, cabe ressaltar o que ele já havia referido na entrevista, sobre a preocupação em disponibilizar fotos em alta resolução, para que as pessoas possam ver a imagem com bastante nitidez. No caso da Figura 20 (fotografia apresentada anteriormente, do Maurício alimentando os peixes), a imagem estava disponibilizada nas dimensões 4224 X 2797 (qualidade de impressão, com quase 12 megapixels); ou seja, um arquivo que pode ser considerado de qualidade exagerada para o ambiente digital (que geralmente é de 640 X 480). Isso nos leva a pensar que o desenvolvimento dessas competências midiáticas – que configuram os usos e as apropriações da fotografia na internet – está relacionado, em certa medida, ao fato do usuário estar inserido numa ambiência midiatizada – conforme trabalhado por Maldonado (2002), Mata (1999) e Certeau (1994). Somado a isso, no caso do álbum de fotos do Maurício, também percebemos que as mediações também estão bastante implicadas na configuração da sua memória. Além das dimensões relacionadas à trajetória de vida e competências do usuário (citadas anteriormente), a intencionalidade é um aspecto importante de ser considerado. Seja na análise da entrevista, seja investigando o produto (álbum do Twitter), Maurício demonstra bastante clareza no sentido que ele quer atribuir com a 132 manutenção do seu álbum virtual. Nesse sentido, podemos destacar, a sua intenção de fazer desse espaço um ambiente de aproximação com os fãs que acompanham a sua carreira. 6.2 ALEX SANTANA, USUÁRIO DO TERRA FOTOLOG 6.2.1 Dados da entrevista 6.2.1.1 Perfil do usuário Alex Sandro Santana (ver Figura 21) tem 30 anos, está cursando o Ensino Superior e vive na cidade de Itaboraí, no Rio de Janeiro. Profissionalmente, tem uma jornada intensa de trabalho: atua como professor, funcionário público e pequeno empresário. Vive atualmente com uma renda entre um e dois mil reais por mês. Além do álbum de fotos intitulado Minha vida!!! Meus momentos!!!, que será analisado nesta pesquisa, Alex também tem outros espaços de compartilhamento de fotos da internet, tais como um perfil no Orkut50, uma conta no Álbuns da Web do Picasa51, além de um outro fotolog no Terra chamado Gata Perfeita52. Figura 21 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:p>. Acesso em: 19 mai. 2010. 50 Disponível em: <http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=7726875531505442904>. Disponível em: <http://picasaweb.google.com.br/ALXSANTANA>. 52 Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/gataperfeita>. 51 133 6.2.1.2 Mediações a) Competências midiáticas e trajetória de vida Dos meios de comunicação em geral, Alex procura sempre que pode assistir aos jornais pela TV - “pela facilidade”, segundo ele – ou através da internet. Atualmente, devido a sua falta de tempo, ele afirma que só tem conseguido ficar informado pela da internet. Quando indagado sobre a influência que, possivelmente, o consumo feito por ele dos meios de comunicação pudesse exercer na sua capacidade de produzir fotografias, Alex pensa que, diretamente, isso não aconteça. “Mas a fotografia também pode ser considerada uma comunicação, e qualquer conhecimento e/ou informação seja cultural ou não acaba influenciando indiretamente sim”, ponderou. Sobre o ambiente digital, Alex explica que, devido à sua atuação como professor de informática, tem contato com a internet desde 2001, quando começou a trabalhar para a prefeitura da sua cidade num projeto de democratização do acesso à internet. Na época, ele conhecia bastante a teoria da Internet e não tinha noção do seu alcance e possibilidades, mas acabei aprendendo na prática as maravilhas desse mundo conectado e todas as suas potencialidades. Quanto ao meu objetivo/principal uso de minha navegação é para resolver situações profissionais, buscar contatos positivos, estreitar as relações e me divertir bastante. O uso da internet normalmente se dá nos ambientes de trabalho (o entrevistado tem dois empregos), sendo em ambos ele tem acesso à conexão de banda larga. Em casa, ele afirma que não tem banda larga por falta de recursos físicos, tecnológicos e financeiros, pois na sua região “os meios disponíveis para acesso rápido à internet têm preços exorbitantes. Mas disponho de conexão discada para emergências e passar o tempo (que quase não disponho) nos finais de semana”. De toda forma, ele acredita que passa diariamente, em média, oito horas por dia conectado à internet, já que seu trabalho demanda algumas necessidades básicas de comunicação e informação oferecidas pelo ambiente digital. Mesmo que, na prática, ele acredite que isso se resuma à, no máximo, duas ou três horas de conexão. Ainda em decorrência da sua atuação como professor de informática, Alex gosta de testar os serviços que são oferecidos online, já que seus alunos lhe perguntam sobre eles e é preciso “saber pelo menos como funcionam”. Dos sites/serviços disponíveis, ele utiliza 134 o Flickr (que não consegui efetivamente usá-lo por falta de tempo), o Orkut (que anda há tempo desatualizado, pelo mesmo motivo do anterior), Picasa (advinha como ele anda!!!???), Facebook (criei e ainda nem vi direito o que tem lá), tenho ainda um blog no Blogger.com e dois fotologs do Terra, que são os únicos que consigo manter atualizados pela facilidade de atualização. Em dois minutos atualizo os flogs, leio os comentários, respondo, se possível comento em alguns flogs que acho interessantes e, em cerca de 8 a 10 minutos, relaxo um pouco a cabeça, penso em outra coisa que não o trabalho... É quase uma higiene mental (rsrsrsrs). [...] O Orkut e o Facebook não gosto de entrar no trabalho por que são desperdiçadores de tempo por natureza. O Picasa creio que vou usar com mais freqüência quando tiver acesso rápido em casa, visto que já mantenho meus álbuns de fotos no computador organizados através deste programinha extremamente funcional da Google. Mas com internet discada fica inviável a transmissão das fotos para meus álbuns na Web. O depoimento de Alex revelando a sua visão e os usos que ele dá para cada um dos principais sites/serviços de compartilhamento de fotos na internet é relevante para pensar no quanto é essencial um olhar sobre as mediações para compreender o papel do receptor em qualquer que seja o processo de comunicação. No caso dele, é em virtude dessas dimensões que conseguimos entender os motivos que o levaram a escolher o Terra Fotolog para postar as suas fotos - e não outro site/serviço. Por um lado, existe a questão financeira que, ao impedi-lo de ter acesso à banda larga em casa, torna inviável a transmissão de fotos para seus álbuns virtuais. Por outro, existem as competências midiáticas do sujeito que, no exemplo investigado, permite ao usuário mais facilidade de atualização com o fotolog – num comparativo com os outros álbuns. É interessante perceber, também, que essa noção sobre qual site/serviço apresenta o álbum de foto na internet mais adequado é algo subjetivo e que, por isso, também se relaciona com a trajetória de vida de cada usuário. Comparando os dois usuários analisados até o momento, já é possível perceber o quanto essa preferência tem a ver com a história de cada sujeito. No caso do Alex, o argumento dele é de que, pela sua falta de tempo, o fotolog é o álbum que apresenta uma “facilidade de atualização”, onde em poucos minutos ele consegue ler os comentários, responder e, se possível, comentar “em alguns flogs que acho interessantes”. Já o Maurício de Sousa defende o Twitter – e, por conseqüência, o álbum Twitpic -, defendendo a facilidade que ele oferece pela sua concisão (como já referido, critério que contribui para que ele deixasse o Orkut e migrasse para o Twitter) Especificadamente sobre o seu envolvimento com a fotografia, Alex conta que na sua família não existia o hábito de tirar fotos, em virtude de ele ser de origem humilde e os “equipamentos bastante caros, mesmo os mais simples, impossibilitava a aquisição. As experiências fotográficas se resumiam a alguma ocasião especial na qual era contratado um 135 fotógrafo profissional que cuidava do registro dos acontecimentos.” Mesmo assim, ele conta que sempre foi bastante interessado por fotografia: Desde a minha infância adorava ver os fotógrafos tirarem fotos e principalmente ver as fotos reveladas, desta forma comprei minha primeira câmera com 16 anos. Ainda era analógica e bem simples, mas meu objetivo era sempre me divertir e me deliciar com os resultados das revelações. A fotografia sempre foi um hobby pra mim. Meu objetivo é me divertir sempre com as fotos, tanto na hora de tirá-las, quanto de apreciá-las. Mas, muito além disso, nas fotos eu retrato meus dias em detalhes para que daqui a algumas décadas, quando a memória de repente possa estar falhando eu tenha um registros fiéis do meu passado, das pessoas, dos momentos, dos lugares em que eu fui feliz, ou triste... Às vezes você nem se lembrava mais de uma pessoa, mas ao rever a foto você se lembra daquele fato importante vivido, aquela experiência, aquela voz amiga, ou não... Pode ser até mesmo o contrário, mas sinto que estou construindo, na verdade ajudando a minha memória a ter um passado. Alex nunca fez algum curso específico nessa área: “Sou autodidata e leio bastante artigos e revistas sobre fotografia”. Além disso, seu irmão é fotógrafo profissional, o que permite que Alex também tenha acesso ao material que seu irmão adquire. E aqui cabe destacar o domínio que o entrevistado demonstra ter sobre alguns softwares de edição de foto: “Além disso, dou aulas de Design Gráfico e tenho algum conhecimento de Photoshop, o que me ajuda ainda mais em questões como iluminação, enquadramento, entre tantos outros aspectos da fotografia”. Perguntado sobre qual(is) programas utiliza, Alex explica que conhece bastante o Photoshop e o considera “o melhor programa de edição, mas também uso o Photopaint, o Gimp. Descobri recentemente o Photofiltre que, embora básico, é bastante interessante”. Fora esses, ele conta que está “sempre à procura de outras ferramentas para facilitar ou melhorar o trabalho com minhas fotos”. Nesses programas, os recursos que Alex busca é para corrigir os tons das “cores da foto que podem ter sido prejudicados pela exposição incorreta (preguiça do fotografo em ajustar à câmera para as condições de luminosidade no ambiente), foco prejudicado, olhos vermelhos e às vezes brinco com algumas montagens”. Com isso, podemos referir que suas fotos são, em grande medida, configuradas por essas marcas deixadas no processo de pósedição. Ou seja, a memória construída pela fotografia no ambiente digital também passa por esta instância, onde o usuário direciona, através da manipulação da imagem, o sentido que ele quer atribuir às suas fotos. Assim, podemos considerar essa competência adquirida por Alex também não deixa de ser fruto do processo de midiatização da sociedade, onde a oferta de softwares e/ou sites para edição de imagens – cada vez mais simples e didáticos – permite que qualquer pessoa possa aprender a lidar com essas ferramentas. 136 Ainda sobre a relação de Alex com a fotografia, é importante ressaltar que, atualmente, ele fotografa com uma câmera compacta, de simples manuseio, “que por si só já faz quase todo o trabalho de tirar boas fotos sozinhas”. Faz cerca de quatro anos que ele adquiriu esse equipamento, mas antes dela, aproximadamente em setembro de 2004, ele já teve dois celulares que também faziam fotos. Quanto às fotos impressas, ele conta que raramente revela suas fotos – “no máximo seleciono algumas que realmente eu gosto e componho alguns álbuns de acordo com o tema”. Ao todo, Alex acredita que deva ter em torno de 1.000 fotos impressas. Além dos álbuns de fotos virtuais, ele também utiliza as fotos que captura para “produzir DVDs com efeitos para ver em família. Acho mais legal, pois aí coloco uma musiquinha de fundo, uns efeitos legais e é mais um motivo para reunir a família para ver o resultado...”. b) Intencionalidade do usuário Ao publicar e compartilhar suas fotos na internet, Alex explica que busca narrar parte dos seus dias e a felicidade que vive com sua família, para que seus familiares e amigos que estão longe possam participar um pouco dela. Contudo, muito mais do que pensar apenas em seus amigos e familiares, para ele, é delicioso saber que qualquer pessoa pode olhar, criticar, elogiar, dar um oi, na verdade “interagir”... A possibilidade de iniciar um relacionamento com alguém simplesmente por que ele gostou de uma foto sua (ou vice versa) é que diverte e me deixa sempre entusiasmado com tudo isso. Em função da sua falta de tempo, ele não consegue “narrar” a sua história com o auxílio de textos nesse ambiente; por isso, coloca “apenas alguma frase para situar o visitante dentro do acontecimento/situação”. Entre essas situações, Alex acredita que todos os acontecimentos marcantes da sua trajetória de vida estão publicados no álbum virtual, tais como o seu casamento, a primeira comunhão e a crisma, os aniversários, etc. Se ainda não estão publicados, é porque ele não teve acesso às fotos do evento, mas garante que com certeza serão compartilhados no fotolog. Para ele, “somente não vão ser publicadas se estiverem com uma qualidade muito ruim” ou “fotos de intimidade, nudez, violência doméstica (até por que não acontece, graças a Deus!). Mas creio que qualquer coisa que possa 137 expor demais a intimidade familiar é prejudicial”. Sobre a relação entre público e privado, ele garante que o fato de seu álbum ser um espaço público influencia na sua decisão das fotos que serão publicadas: Com certeza! Fotos íntimas (banho do meu filho, fotos com roupas íntimas, ou situações engraçadas, mas que podem ter alguma conotação erótica) são sumariamente descartadas da publicação (já há pedófilos e tarados demais para eu estimular mais isso). Fotos feias (aquelas que a pessoa não saiu ela mesma de tão estranha...) seria expor meus familiares e amigos ao ridículo. E uma série de filtros pessoais que surgem do momento. No caso dessas fotos, Alex explica que elas serão salvas apenas em DVD – para o seu arquivo pessoal – ou até mesmo impressas, “mas muito provavelmente não será publicada” (no fotolog). Por fim, indagado sobre a influência que o álbum virtual poderia exercer nas suas decisões tomadas no momento da captura – possivelmente produzindo determinada foto já pensando no seu compartilhamento -, ele acredita que isso não aconteça. “Conforme vou tirando as fotos e vendo os resultados, vou pensando que aquela ou esta podem ser publicadas ou não”. Para ele, o interesse principal é sempre registrar os seus momentos; se ele vai publicar a foto ou não, isso acaba ficando em segundo plano. 6.2.1.3 Sentidos e usos da fotografia no ambiente digital Inicialmente, Alex criou o fotolog sem um objetivo específico, “apenas para brincar um pouco e conhecer o serviço. Hoje é um hobby que virou quase que um vício”. Aliado ao entretenimento, ele também utiliza o serviço para registrar momentos da sua vida, permitindo que pessoas muito amigas que estão longe possam acompanhar o crescimento de seu filho. “Posso ainda fazer novas amizades e sinceramente, se fosse só por este último motivo, já valeria a pena manter um flog”. A opção pelo serviço oferecido pelo site do Terra se deu em função dele ser prático, além de Alex gostar de seu layout, “que é bem organizado em relação aos demais”. Ele afirma que publica suas fotos em outros sites também (conforme já referido), mas prefere o fotolog porque pode “dar uma URL relativamente simples a qualquer pessoa para acessar, sem precisar de convites ou quaisquer outras formalidades”. Normalmente, o envio das fotos é feito através de computadores, de casa ou do trabalho. Durante muito tempo ele também publicava suas fotos via celular, mas seu último 138 aparelho não tinha a possibilidade de enviar arquivos anexos e, com isso, ele deixou de fazer dessa forma. Contudo, antes de serem publicadas, suas imagens passam por algum tipo de pós-produção: Gosto de emoldurar as fotos e colocar uma sombra nelas para deixá-las com um visual mais atraente e destacá-las. Além disso, costumo corrigir os pequenos defeitos que sempre aparecem nas fotos. Normalmente uso o Photoshop e o Fireworks, pois com eles posso automatizar algumas tarefas enfadonhas, como reduzir 200 fotos para que tenha, no máximo, 500 pixels de largura e/ou altura (tamanho máximo que pode ser exibido no fotolog Terra). Assim, acelero o envio das fotos. Ou ainda emoldurar essas mesmas fotos para que apareçam com uma borda branca e sombra. Se tivesse que fazer isso foto por foto inviabilizaria sua publicação. Com o recurso batch do Fireworks e com as actions do Photoshop, essas 200 fotos estão prontas em 10 minutos. Alex conta que, normalmente, não tem o hábito de publicar suas fotos antigas no fotolog. Mesmo assim, confessa que está decidido a digitalizar todo seu acervo de fotos este ano, “o que de repente pode me tentar a publicá-las”. Até hoje, acredita que as únicas fotos digitalizadas que publicou foram as de seu casamento. Sobre os critérios que são levados em conta na hora de determinar se uma foto será publicada – ou não – no ambiente digital, para ele, primeiramente deve ser uma boa foto. “Questões como enquadramento, luminosidade, foco, são coisas que eu faço questão de verificar”. A este respeito, o raciocínio de Alex é: Se vou publicar para que todo mundo veja minhas fotos não vou querer exibir os meus piores erros... Procuro escolher as melhores fotos, mas principalmente evito publicar fotos que possam revelar qualquer coisa da intimidade familiar. Juntando somente meus dois flogs tenho cerca de 1000 fãs e mais de 1.000.000 de visitas e já que tanta gente já viu e provavelmente ainda verá, tenho que cuidar da qualidade das fotos que eles vão ter acesso. Como um usuário assíduo do site/serviço, ele diz sentir falta de muitas coisas. Entre elas, destaca a impossibilidade de organização dos seus favoritos e fãs por grupos ou por critérios. Além disso, “a navegabilidade no sistema no serviço que uso é bastante ruim”. Ele conta que inclusive já deu algumas sugestões para a equipe do Terra Fotolog, “mas o atendente acho que não gostou muito da idéia não...”. De toda forma, ele acredita que “são pequenos detalhes que não atrapalham muito não, apenas poderia ser bem melhor”. Mesmo porque, pelo que foi possível observar ao longo da entrevista, ele demonstra uma visão bastante idealizada no que se refere à migração dos álbuns de fotos para a internet: 139 Os álbuns virtuais são efetivamente a evolução dos álbuns impressos (revelados). A gente tirava fotos para guardar a lembrança, mostrar para os amigos, ajuda a mente a lembrar de fatos ou momentos vividos. As diferenças básicas é que os custos desse processo baixaram significativamente e posso exibir minhas fotos em escala global (embora não tenham tantas pessoas assim interessadas em visualizá-lo). Às vezes, remexo nas minhas coisas e começo a rever meus álbuns de fotos impressos e me pego num sentimento de nostalgia, lembrando dos bons momentos vividos. Exatamente o mesmo acontece com os álbuns digitais ou na web, com algumas vantagens como indexar por nome, evento, datas etc. Mas considero que não há diferença alguma, pois os mesmos sentimentos “sentidos” nos álbuns impressos acontecem com os álbuns digitais. Além do seu álbum de fotos, o usuário também consome fotos de outras pessoas na internet, “pelo simples prazer e fazer novas amizades”. Como ele não dispõe de tanto tempo disponível, usa muito o recurso de “cópia e cola”, mas também brinca com alguma situação inusitada, elogia belas fotos e, ainda, denuncia transgressões às regras de utilização sempre que pode. “Sempre no intuito de me relacionar bem com as pessoas e com o serviço que uso”. Quanto aos comentários que recebe em suas fotos, ele conta que deixa o sistema aberto para que qualquer pessoa possa interagir, “até porque considero a internet a maior democracia que já existiu. Todo mundo tem direito a pensar o que quiser e se desejar, expor sua opinião”. Mas sou o responsável pela administração do conteúdo que está sendo disponibilizado através de meu flog. Portanto se não gosto de alguma manifestação de algum leitor, apago este comentário sem pestanejar. Um exemplo que me lembro muito bem são algumas fotos disponíveis de um final de semana na cachoeira com minha cunhada e sua família, eu e minha esposa e mais um casal de amigos (ver Figura 22). Teve uma pessoa sem noção que fez comentários obscenos sobre as fotos onde as mulheres na cachoeira apareciam de biquíni53. Como uma pessoa dessas normalmente não se identifica, a única ação a se realizar é apagar o comentário para evitar desdobramentos desnecessários para o evento. 53 Além da Figura X, existem outras fotos do mesmo assunto que foram alvo de comentários obscenos. São elas: <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:400>, <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:399>, <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:398>, <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:397>, <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:396>, <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:408>. 140 Figura 22 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:388>. Acesso em: 27 mai. 2010. Com relação aos usos da fotografia no ambiente digital, no caso do Alex, podemos observar uma significativa competência demonstrada por ele, seja para o meio fotográfico, seja para o digital. Em especial aos recursos digitais, esse domínio se expressa tanto no uso de softwares de edição de imagens – onde o usuário é altamente familiarizado e “alfabetizado” –, quanto na utilização com bastante destreza da internet, o que lhe permitiu, por exemplo, sugerir novas formas de navegação aos desenvolvedores do Terra Fotolog. Por fim, cabe destacar, ainda, a utilização do fotolog como forma de fazer novas amizades, uma vez que o usuário passa boa parte de seu tempo diante do computador; portanto, a internet não deixa de ser um lugar em potencial para a manutenção desse sentido de relacionamento, não apenas funcionando como simplesmente como uma tecnologia, mas como um “meio de comunicação que constitui a forma organizativa de nossas sociedades” (CASTELLS, 2001). 141 6.2.2 Usos e apropriações do Terra Fotolog 6.2.2.1 Tempo A primeira foto que Alex postou em seu fotolog foi no dia 13 de setembro de 200454. Nesse período, ele já publicou mais de 2.800 fotos. Para se ter uma ideia do que isso representa em termos da freqüência de postagens, realizei uma média mensal das fotos que foram adicionados ao seu álbum virtual somente neste ano: em maio, foram 35 fotos; abril, 56; marco, 68; fevereiro, 51; e janeiro, 47. Somando as fotos dos quatro primeiros meses (deixando de fora o mês de maio, que ainda não chegou ao fim) e dividindo por quatro (número de meses), chegamos ao total de 222 fotos. Isso significa dizer que, apenas nesse ano, a média é de 55,5 fotos publicadas por mês - quase duas por dia. Já as épocas da vida do usuário retratadas nessas fotografias referem-se somente ao presente, já que ele não tem o hábito de digitalizar suas fotos antigas (fez isso apenas com as imagens do seu casamento). Por isso, analisando o tempo enquadrado no álbum virtual do Alex, percebemos que, nesse caso, é oportuno atentar para um processo de presentificação da memória. Isso porque, ao contrário de Mauricio que contempla em seu álbum na internet fotos de vários momentos da sua vida, no caso do Alex, as imagens são sobre os acontecimentos mais recentes vividos por ele. Entretanto, pelo volume de fotos que integram o seu fotolog, devemos considerar que o próprio espaço já preserva uma memória mais longa, e não apenas lembranças ligadas ao presente. É o caso das fotos de seu filho, Emanuel, que está representado em todo o seu desenvolvimento, desde o nascimento (ver Figura 23), em agosto de 2008, até os dias atuais (ver Figura 24). Ou seja, mesmo que o conteúdo das imagens tenha relação com o tempo presente, na medida em que ele se constitui num arquivo de quase seis anos, a memória é construída também por fotos relacionados a momentos do passado. 54 Para uma melhor compreensão da análise que será feita deste ponto em diante, sugiro ao leitor visitar e explorar o álbum de fotos virtual do Alex Santana. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana>. 142 Figura 23 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:1486>. Acesso em: 27 mai. 2010. Figura 24 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:2801>. Acesso em: 27 mai. 2010. 143 6.2.2.2 Espaço Assim como o Twitpic, o fotolog apresenta uma estrutura bastante simples para o compartilhamento de fotografias na internet. O site/serviço oferece ao usuário apenas a possibilidade de adicionar título e legenda para as fotos, que é o que Alex agrega às suas imagens. No caso dele, geralmente são textos curtos, tanto para título, quanto para a legenda – mas em alguns casos a legenda é mais extensa, auxiliando na descrição das imagens e/ou agregando algum tipo de expressão de sentimento do usuário sobre a fotografia em questão. Como o fotolog funciona sobrepondo as fotos mais recentes às antigas, a “capa” do álbum é sempre ocupada pela fotografia mais recente postada pelo usuário. Até a data analisada (27/05), Alex já postou 2.801 em seu álbum virtual. Quanto à disponibilização dessas fotos, o site/serviço não oferece uma divisão por álbuns, portanto, elas são dispostas num arquivo mensal composto pelas fotos publicadas no respectivo período. Como ele é usuário do site/serviço desde setembro de 2004, ao todo Alex tem um grande arquivo dividido em 69 meses, que aparem numa barra lateral, à esquerda da tela. Abaixo desse menu, existe uma imagem em miniatura da última foto postada por ele. Sobre os critérios de privacidades adotados pelo usuário, o álbum de Alex é público, logo, qualquer pessoa – usuário ou não do fotolog – pode olhar suas fotos (entretanto, conforme descrito na entrevista, ele tem autonomia para moderar os comentários feitos sobre suas fotos e apagá-los se julgar necessário). Pelo fato de ser um álbum público, torna-se praticamente impossível definir ao certo o número de pessoas que visualizam suas fotos, pois o Terra Fotolog não obriga as pessoas a, necessariamente, realizar o registro na empresa para interagir com os outros usuários. Contudo, até o dia 08 de abril, Alex tinha um total de 792 pessoas (segundo dados fornecidos por ele através do próprio fotolog) consideradas suas fãs, isto é, que favoritaram o seu álbum de fotos virtual. Ao apresentar uma espacialidade bastante simples, sem oferecer muitas possibilidades ao usuário para criar diferentes tipos de formas narrativas para apresentar suas fotos, o Terra Fotolog impõe ao produtor a criação de um álbum de fotos desenvolvido – única e exclusivamente – de forma cronológica. Ao usuário do site/serviço cabe apenas a decisão de eleger quais fotos em quer postar em cada dia, fazendo com que, por conseqüência, elas respeitem determinada ordem se visualizadas num conjunto. Já ao receptor, dependendo da forma com que ele irá interagir com esse serviço, é possível realizar vários tipos de leituras 144 dessas imagens, seja respeitando a ordem cronológica, seja saltando em um mês para o outro, assim como para os anos anteriores, etc. 6.2.2.3 Temas/situações Os principais temas/situações de memória enquadrados nas fotos de Alex são: situações do cotidiano em família, festas, comemorações no trabalho, treinamentos profissionais, viagens, eventos religiosos, shows artísticos e, principalmente, registros do diaa-dia em casa – com destaque para fotos de seu filho (sem, necessariamente, a existência de alguma ocasião específica). Logo, as principais pessoas que aparem nas fotos, além do próprio usuário, são amigos, colegas de trabalho e familiares. E, mais uma vez, um dos grandes personagens que figura bastante nas fotos do álbum virtual é seu filho Emanuel. Em alguns casos, as fotos são pautadas por determinados eventos ou festividades. Contudo, boa parte do álbum é formada por fotos do cotidiano familiar. Quanto aos comentários recebidos, até o dia 08 de abril – data em que o usuário respondeu o roteiro de perguntas -, eles já totalizam 9.613, distribuídos em um total de 2.663 fotos (que havia em seu álbum na época). Além de bastante comentado, o álbum também já tinha sido visualizado por 488.874 pessoas. Nesse sentido, compreendendo que as interações no ambiente digitais são constitutivas do sentido das memórias produzidas e que, no caso dos álbuns virtuais, isso está expresso nos comentários deixados por outros usuários, é certo dizer que a memória de Alex sobre suas próprias fotos é, em grande medida, marcada pela relação estabelecida entre ele e outros usuários. De uma forma geral, esses comentários tanto falam sobre questões específicas da imagem em questão, quanto servem para as pessoas transmitirem mensagens emotivas e/ou pedir comentários, também, em seus fotologs pessoais. A partir de dessa análise dos principais temas/situações que aparecem nas fotos do álbum virtual do Alex, cabe chamar a atenção para o fato de que o álbum funciona quase como um reality-show, “mostrando o dia-a-dia na casa” do usuário (ele, a mulher e o filho). Mesmo que existam outras situações enquadradas, é esse tema que mais chama a atenção, onde uma história familiar e biográfica é narrada, do ambiente privado para o espaço público. Outra consideração importante de ser feita é que, no caso do Alex, sua memória também é configurada a partir da interação desse usuário com um número extenso de pessoas que visualizam e comentam suas fotos. Nesse contexto, é importante considerar a contribuição de 145 Recuero (2004), quando a autora destaca que “a comunicação mediada por computador pode ser muito eficiente no estabelecimento de laços sociais porque facilita sua manutenção. Basta um comentário em um blog ou fotolog [...] e já se mantém um laço social existente”. 6.2.2.4 Intencionalidade do usuário Com relação ao uso dos recursos interativos/autonomia sobre os serviços oferecidos, para pensar sobre possibilidades de novas escritas/leituras que o usuário pode dar para as fotos na internet, o fotolog é bastante limitado quanto a isso, permitindo a ele apenas a liberdade de definir os títulos e as legendas para suas fotos. Dessa forma, mesmo que o usuário seja competente para o meio digital – como é o caso de Alex –, o fotolog possibilita apenas a construção de uma narrativa cronológica, sem o uso de álbuns, restringindo as possibilidades de o usuário agregar sentido a partir do formato de compartilhamento das fotos. Entretanto, devido ao fato do Alex também ter bastante domínio sobre softwares e ferramentas de edição de imagens, percebemos que todas as suas fotos passam por uma pósprodução – logo, aqui existe um direcionamento –, nem que seja para um redimensionamento. Analisando as fotos de seu álbum, chama atenção o cuidado que o usuário tem – numa grande parte de suas fotos – em adicionar uma pequena borda branca ao redor dessas imagens. Em outras, as marcas deixadas pelos programas de edição são tão grandes que chegam a descaracterizar a fotografia, tranformando-a em outro tipo de produção – que pode ser definida como ilustração e/ou espécies de cartões comemorativos (ver Figura 25). 146 Figura 25 – Fotografia disponível no perfil do Alex Santana no Terra Fotolog. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/alexsantana:1670>. Acesso em: 27 mai. 2010. Compreendendo que a intenção do usuário também é constitutiva da memória construída na foto e nos usos da internet, analisando o álbum de fotos do Alex notamos que esse direcionamento é mais marcado pela interferência do usuário na construção fotográfica (principalmente editando suas fotos) do que na utilização do álbum virtual (uma vez que o suporte não oferece muitas possibilidades interativas). Talvez sejam as competências midiáticas de Alex que mais exerçam influência sobre a intenção do usuário na manutenção de seu fotolog. Conforme ele mesmo relatou na entrevista, “a lente capta muitas vezes o acaso, mas as emoções presentes naquele momento único do pressionar o disparador só o fotógrafo vai decidir qual vai ser: se nos sorrisos mais abertos, nos rostos de preocupação acentuados, na lágrima que rola...”. No caso dele, seja através da análise da entrevista, seja analisando o fotolog, a intenção principal de Alex com o álbum virtual é “retratar a felicidade de sua família”, para usar as suas palavras. 147 6.3 MARIA CASTRO, USUÁRIA DO FLICKR 6.3.1 Dados da entrevista 6.3.1.1 Perfil da usuária Maria Castro (ver Figura 26) tem 51 anos, é formada no Ensino Superior e, durante a realização da entrevista, estava se preparando para defender a sua dissertação de Mestrado. Vive na cidade do Rio de Janeiro e atua como funcionária pública, com uma renda mensal de mais de cinco mil reais. Diferente dos demais entrevistados, ela é a única dos entrevistados desta pesquisa que mantém um álbum de fotos pago na internet. Trata-se da uma modalidade de assinatura anual – no valor de R$ 45,90 por um ano ou R$ 89,90 por dois anos - que o Flickr oferece, possibilitando aos assinantes uma série de benefícios se comparado aos “usuários comuns”. Entre eles, destaca-se o upload e armazenamento ilimitado de fotos e vídeos; álbuns e coleções ilimitados; acesso aos arquivos originais; status da conta; navegação e compartilhamento livre de anúncios; e reprodução HD para vídeos com alta definição. Figura 26 – Fotografia disponível no perfil da Maria Castro no Flickr. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/mariacastro/206381506/in/set-72157594377309128>. Acesso em: 19 mai. 2010. 148 6.3.1.2 Mediações a) Competências midiáticas e trajetórias de vida Dos meios de comunicação em geral, Maria explica que adora assistir TV (em especial, gosta de seriados). Além disso, o cinema é a sua grande paixão: “Eu costumava ir toda semana. Hoje, em função do trabalho, vou menos”. Fora esses dois meios, ela diz que lê jornal impresso apenas no domingo, mas que adora ler revistas: “Uma revista que me marcou pela fotografia foi a National Geographic. Tive uma assinatura por anos. Adorava”. Atualmente, destaca o consumo que ela faz das fotos de seus amigos no Flickr e, também, o aprendizado adquirido em passeis fotográficos que costuma participar, aonde “um grupo grande de fotógrafos vai fotografando lado a lado” e “o pessoal sempre dá boas dicas”. Sobre o ambiente digital, como precisa do computador para fazer seu trabalho, Maria enfatiza que “a internet é fundamental”. Logo, o acesso à rede acontece principalmente em seu trabalho, onde ela passa, em média, seis horas conectada à internet. Atualmente, como voltou a estudar (está finalizando o Mestrado), também utiliza a internet para localizar artigos “para substanciar a minha dissertação de mestrado”. Com relação à fotografia, a família de Maria sempre teve o hábito de manter esse tipo de registro. Além de ter herdado fotos de seus avós quando eles faleceram, ela conta que todos os seus irmãos possuem álbum de fotos de criança, casamento, viagens, com os filhos. Particularmente, ela conta que quando tinha apenas 12 anos de idade, ganhou a sua primeira máquina fotográfica: “Minha família morava em Manaus nessa época. As máquinas, por causa da zona franca, eram mais baratas”. De lá para cá, nunca fez um curso de fotografia. “Aprendi apertando o botão, acertando e errando. Eu não me considero uma fotografa. Gosto de fotografar. Creio que tenho um bom olho. Mas sem nenhuma técnica”. Para ela, “fotografia para mim é prazer”. Tanto que, no total, acredita que deva ter uns 20 álbuns impressos, de diversos tamanhos. Maria sempre teve o hábito de produzir álbuns impressos, pois adora rever suas fotos, levar para seus amigos verem, colocar em portaretratos. Ainda hoje continua mantendo o álbum impresso, selecionando apenas as melhores fotos (mesmo que elas estejam nos álbuns virtuais). Quanto aos álbuns da internet, o que ela mais utiliza é o Flickr, “mas tenho os outros para manter contatos com meus amigos e familiares”. O seu primeiro álbum virtual foi o fotolog, contudo, acha que ele tem poucos 149 recursos, é muito lento, isso sem falar na “propaganda no meio das minhas fotos”. Outra distinção apontada por Maria entre o fotolog e o Flickr – e que contribuiu para que ela migrasse do primeiro para o segundo – diz respeito a autonomia que o usuário tem para definir os seus critérios de privacidade: Você não tinha como restringir o comentário de uma pessoa, qualquer um pode fazer um comentário, pelo menos na época era assim. No Flickr você bota fotos “só família”, só família vê, se você bota fotos “só amigo”, só amigo vê. Essa era uma coisa que... Tem fotos minhas que são abertas para todo mundo ver, mas tem fotos que é só para a família. [...] Isso tem no Flickr, mas não tem no fotolog. Maria utiliza ainda o Orkut para se comunicar com suas colegas do mestrado: Elas têm mais Orkut, então eu uso mais para isso. Tanto que eu acesso o Orkut e quem é ou do fotolog ou do Flickr eu não permito acessar (com exceção a minha família). O meu contato no Orkut é só com o pessoal do mestrado. Então, se está rolando uma dúvida, não sei o quê, entendeu, o Orkut é por causa disso... Por fim, quanto ao domínio da usuária sobre programas de edição de imagens – para realizar algum tipo de ajuste (pós-produção) nas fotos, Maria conta que utiliza o Picasa. “Não sou muito de retocar minhas imagens [...] às vezes coloco um pouco de luz e faço um corte”. Com relação ao seu equipamento, ela tem uma Nikon D50 - que comprou em 2005. A partir dos questionamentos que ajudam a oferecer pistas sobre as competências midiáticas de Maria (das mídias em geral, fotográficas e digitais), os dados apresentados aqui revelam uma ligação muito forte estabelecida entre a usuária e as referidas mídias. No caso específico da fotografia, é interessante perceber que a relação dela com a técnica se desenvolveu desde muito cedo, sabendo que, com apenas 12 anos Maria já capturava fotografias. Outro dado importante é sobre o processo de alfabetização, por assim dizer, de Maria para essa escrita: mesmo que não tenha feito cursos específicos na área, o consumo de produtos midiáticos – com destaque para a revista National Geographic – aliado aos passeios fotográficos foram formando Maria para essa grafia, na base do “acerto e erro”, como ela diz. b) Intencionalidade da usuária A partir dos usos que Maria destina para seu álbum virtual, percebemos que seu intuito com ele é, ao mesmo tempo, manter contato com seus familiares e aproveitar o espaço para 150 fazer novas amizades. Como já referido, a partir do Flickr, hoje Maria conta com uma rede de amigos em várias partes do mundo, que vão além convivência no espaço virtual. Além disso, ela conta que, a partir do Flickr, algumas pessoas com interesses em comum promovem “encontros fotográficos”. Maria mesmo já organizou um passeio para a Ilha de Paquetá: Foi marcado um encontro, foi juntando as pessoas... daí o que aconteceu? Eu reservei um hotel, 90% das pessoas ficaram hospedadas nesse hotel, mas você podia hospedar aonde você quisesse, não necessariamente tinha que ser no mesmo lugar. A gente foi sábado, dormiu e voltou no domingo, e teve outro grupo que foi no domingo. Aí saí todo mundo pra fotografar... foi bem interessante. O que era virtual, passou a ser real. Foi muito bacana. [...] Veio gente Curitiba, São Paulo... Sobre o conteúdo das imagens, ela afirma que procura falar sobre a sua vida particular. Além disso, Maria afirma que, em alguns casos, a fotografia já é pensada no momento de sua captura para ser compartilhada com outras pessoas na web: Tenho uma grande amiga no Flickr que mora atualmente no Japão. Ela é uma gulosa. Toda vez que vou comer num restaurante novo ou diferente, tiro uma foto já pensando nela. Outra amiga adora bicicleta. Cada vez que faço uma foto de bicicleta penso nela. Outros são apaixonados por carro. Outros curtem flores. Às vezes fazemos uma foto que sabemos que vai ser um sucesso, que o pessoal vai comentar. Com isso, muito mais do que apenas um álbum de fotos pessoal, o Flickr é para Maria uma rede de relacionamentos, seja eles físicos ou virtuais. Mesmo que tenha nascido com o objetivo de aproximar/manter o vínculo de sua família, hoje em dia, ela utiliza o espaço com um interesse bem definido de fazer novas amizades, dividindo com pessoas em comum a paixão pela fotografia. Além disso, é interessante observar o fato de que o suporte fotográfico não apenas condiciona a forma com que a usuária apresenta suas fotos, como, também, representa uma nova dimensão que foi incorporada ao processo de construção fotográfica – uma vez que, em alguns casos, a fotografia já é feita para ser compartilhada no álbum virtual. 6.3.1.3 Sentidos e usos da fotografia no ambiente digital O motivo que levou Maria a criar e manter um álbum de fotos na internet foi o fato de seu irmão ter ido morar no exterior. “Meu irmão foi morar fora Brasil. Essa era uma boa forma de manter contato e ver pelas fotos o que estava acontecendo com ele”. Quando ele 151 viajou, passou para a família o endereço de um fotolog para que eles trocassem fotografias, uma forma de fazer contato: E aí a família foi aderindo. Quanto ele veio, o fotolog estava muito ruim, então ele se voltou para o Flickr e pediu pra gente entrar também. [...] Eu fui para o Flickr em relação ao fotolog, em função do meu irmão que mora longe e queria fotos da gente. “o que você está fazendo?” “ah, eu fui comer em tal lugar”. Nós somos seis filhos. Aqui no Rio de Janeiro só tem eu e minha irmã. Cada irmão meu mora num estado. O Luis mora nos EUA, tem um em Brasília, outro no nordeste. A minha família é muito grande.. essa é a forma de todo mundo se comunicar. Minha mãe tem 12 netos. Até o menino pequeninho de 8 anos, que aparece nessa foto, tem Orkut. Então, a gente sabe que sobrinhos estão tocando numa banda, fizeram uma festa, um passeio. É sem dúvida uma forma maravilhosa de manter contato com a família. Atualmente, Maria conta que até já esqueceu a sua conta e senha do fotolog, tanto que queria mesmo cancelar o serviço, tirar suas fotos de lá. Prefere o álbum de fotos do Flickr e, para atualizá-lo, o envio das fotos é feito através do computador que ela tem acesso em casa ou no trabalho. A grande maioria de fotos já é capturada no formato digital. Maria conta que, até hoje, digitalizou “pouquíssimas fotos antigas”. No momento da seleção das fotos que serão publicadas em seu álbum virtual, entre os critérios levados em conta por Maria está “um enquadramento diferente, um reflexo, um pôr-do-sol, uma coisa interessante que fotografei, uma comida gostosa, um restaurante novo”. Já o que determina se uma foto será ou não compartilhada no ambiente digital, para ela, isso é algo que depende da mensagem que quero passar. Como disse, todos na minha família tem Flickr: postamos foto de aniversário, passeio, viagens. A foto é uma forma de puxar um papo. De fazer amizade. A gente vê uma foto bonita, faz um comentário. A pessoa responde. E aí começa um bate papo, que pode ou não evoluir para uma amizade. No Flickr, por exemplo, tem gente que gosta de foto de comida [...] aí combina de almoçar num restaurante pra experimentar um prato diferente, um restaurante que ninguém conhece, mas que é legal. Ou então marca o restaurante que a pessoa foi e que não gostou “ah legal, tava bom”. Aí tem também... por exemplo: nós temos um grupo só de amigos da família. Então o que a gente posta... meu pai é falecido, então a gente comemora online o aniversário dele (porque na minha família a gente não comemora a morte, a gente só comemora aniversário). Eu nem me lembro o ano e o dia que meu pai faleceu. Mas no aniversário dele a gente faz toda uma comunicação, bota foto antiga, comenta coisas engraçadas dele... Além de utilizar o site/serviço para manter contato com a sua família, o Flickr também funciona para Maria como um lugar para fazer novas amizades. “No Flickr eu não tenho muitos contatos ativados, como as fotos são abertas as pessoas vêm e comentam. A partir desses comentários eu estabeleci relacionamentos que são muito importantes para mim”. E por representar um serviço disponível na rede mundial de computadores, o compartilhamento de fotos permite a Maria conhecer pessoas de várias partes do mundo: 152 Por exemplo, eu tenho uma porção de amigos que moram nos EUA, o Dirlei e o Max, que são irmãos e vem ao Brasil e ficam na minha casa. Tem uma amiga que mora na Alemanha e já teve na minha casa duas vezes, tenho 3 amigas que moram em São Paulo [...] quando a gente vai a São Paulo fica na casa delas. Nesse sentido, o Flickr representa “um site de relacionamento com fotos”, nas palavras dela, onde é possível comentar as fotos de seus amigos e familiares. Para Maria, mesmo sendo um álbum público, isso não influencia na sua decisão das fotos que serão publicadas: “Minhas fotos não são muito visitadas, comentadas. Tenho um grupo pequeno de amigos e família que aparecem com freqüência”. Por esse motivo, ela acredita que “não existe nada de especial na minha vida que fosse impublicável”. Contudo, depois de um incidente que ela teve envolvendo o roubo de uma foto sua para ser usada como propaganda religiosa, Maria começou a colocar filtros nas suas fotos de família, restringindo o acesso e comentários: Mas tem maluco para tudo na internet, que vê oportunidades de ferir e estragar a vida da gente. Você pode não acreditar, mas tive uma foto roubada por uma igreja. Eles pegaram uma foto da minha mãe com seus netos e usaram num panfleto da igreja (ver Figura 27). [...] O que eu acho mais chato é o abuso que a pessoa faz de pegar uma foto de família, não sou nem crente, minha família não é crente, nós somos espíritas, e faz uma propaganda de uma igreja que não é a nossa. [...] Eles pegaram uma foto da minha mãe com os netos, parte dos netos, sendo que meu filho é o rapaz à direita de camisa clara e, na época dessa foto, ele era menor (de idade). Eu mandei uma carta pra lá pra essa igreja dizendo que eu não tinha autorizado e que eles, por favor, recolhessem o material. Eles nunca me responderam. [...] Além de pegar uma imagem que não era deles, eles usaram fotos de crianças, de menores. 153 Figura 27 – Fotografia particular de Maria Castro, utilizada de maneira indevida como panfleto religioso pela “Igreja de Nova Vida”. Fonte: arquivo pessoal. Maria conta que várias pessoas já entraram em contato com ela perguntando se ela poderia disponibilizar alguma fotografia sua. “Em geral, quando alguém me pede uma foto – ‘você se incomoda de me dar uma foto?’ - eu falo que não me incomodo, eu dou, mas eu gosto de ser consultada, eu gosto de saber onde está a minha foto”. A partir desses pedidos, ela já doou fotos suas para diversos blogs e sites. Entre eles, destacam-se os blogs Turistas de Plantão55, Chanceler56, além dos sites Flickriver57 e Em Dia Com A Cidadania58. Sobre os comentários que recebe em suas fotos, Maria explica que quando ele é agradável, ela responde. “Aqueles que são chatos normalmente eu ignoro. Não costumo a pagar ou bloquear ninguém. Simplesmente não respondo. A pessoa acaba cansando e me deixa em paz”. Até hoje ela nunca precisou deletar fotografias suas do álbum virtual em virtude de algum comentário desagradável. Entretanto, já passou por uma situação constrangedora, em virtude do texto que adicionou a uma de suas fotos: 55 Disponível em: <http://turista-de-plantao.blogspot.com/2008/10/olhares-para-o-rio-i.html>. Disponível em: <http://chanceler.wordpress.com/2007/11/11/instituto-moreira-salles-painel-de-burle-marx>. 57 Disponível em: <http://www.flickriver.com/photos/tags/violência/interesting>. 58 Disponível em: <http://www.emdiacomacidadania.com.br/post.php?titulo=nem-gravidas-as-mulheresescapam-da-violencia-domestica&PHPSESSID=c24bc73e4b85b5564a3240529aa998c2>. 56 154 Outro dia coloquei uma fotinho minha com uma piada de português [ver Figura 28] e [...] um português ficou furioso e me mandou uma mensagem super desagradável [ver Figura 29] [...] dizendo que sou horrorosa, que sou feia, só que ele mesmo apagou o comentário dele, não foi eu. E todos os meus amigos que lerem o comentário dele acharam engraçadíssimo, porque o português não entendeu a piada. Tá vendo? Figura 28 – Imagem disponível no perfil da Maria Castro no Flickr. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/mariacastro/788032718>. Acesso em: 19 mai. 2010. 155 Figura 29 – Imagem disponível no perfil da Maria Castro no Flickr. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/mariacastro/836519790/in/set-928470>. Acesso em: 19 mai. 2010. Maria conta que sua mãe ficou chocada, mas que ela procura não responder comentário negativo. “As pessoas na internet nem sempre são verdadeiras [...] não temos como saber quem é quem. Tem gente que encarna um personagem”. Na opinião dela, existem pessoas que têm conta no Flickr, mas não postam nada – “fazem isso para acessar as fotos dos outros e comentar aquelas que estão abertas. O Flickr deveria monitorar esse tipo de conta”. Os dois casos narrados, desenvolvidos através do álbum de fotos da Maria no Flickr, nos levam a refletir sobre as conseqüências – para a configuração da memória identitária/biográfica – ocasionadas com a migração do álbum de família para o espaço público. Nesse novo lugar, a memória é enquadrada tanto pelas lógicas de funcionamento desses ambientes, quanto pela interação dos usuários com os leitores/audiência das suas fotos. Entendendo que a recordação de um determinado acontecimento se faz a partir de dados e noções comuns do indivíduo na sua relação com os demais integrantes de uma mesma 156 configuração social – como proposto por Halbwachs -, a memória biográfica/identitária de Maria é construída nas relações que esse indivíduo mantém com os demais membros dessa comunidade. Logo, está marcada (de alguma forma), por exemplo, pelo incidente envolvendo a piada de português, assim como o uso de sua foto como propaganda religiosa. 6.3.2 Usos e apropriações do Flickr 6.3.2.1 Tempo Maria é usuária do Flickr desde o mês de maio de 200559. Desde que ingressou para o site/serviço, vem postando fotos todos os meses, sem deixar passar algum em branco. Para se ter uma ideia da freqüência de suas postagens, Maria postou 500 fotos ao longo do ano de 2009, o que representa uma média de 41,6 fotos por mês. Com relação ao tempo enquadrado, as imagens retratam o tempo presente, isto é, a fase atual da vida de Maria. Entretanto, assim como verificado no caso do Alex, considerando que ela publica fotos no álbum há exatos cinco anos, o site/serviço já apresenta uma espécie de memória fotográfica pessoal da usuária. Ou seja, as fotos enquadradas no álbum são do tempo atual, mas no decorrer dos meses e anos que ela vem utilizando o serviço, já é possível de ser considerado um passado nessas imagens. 6.3.2.2 Espaço O Flickr é um dos sites/serviços – que funcionam como álbum de fotos virtual - que apresenta mais possibilidades aos usuários de agregar conteúdos externos (recursos interativos) às suas imagens: nele, as fotos podem vir acompanhadas por títulos, legendas (descrição), tags, notas (dentro das imagens), disponibilizadas em álbuns, enfim, é um formato de álbum que permite ao usuário agregar bastante conteúdo à fotografia para além do visual. No caso da Maria, as fotos geralmente são acompanhadas por título, legendas, algumas 59 Para uma melhor compreensão da análise que será feita deste ponto em diante, sugiro ao leitor visitar e explorar o álbum de fotos virtual da Maria Castro. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/mariacastro>. 157 tags (poucas) e dispostas em álbuns. O uso de notas dentro das fotos não é muito utilizado por ela, mas também se mostra presente em alguns casos (conforme veremos no item d). Ao todo, até o dia 27 de maio de 2009, o seu álbum virtual no Flickr era composto por 3.230 fotos. Essas imagens apresentam-se divididas num total de 78 álbuns (cabe salientar que Maria é assinante da modalidade “pro” do site/serviço e, por isso, consegue ultrapassar o limite de 200 fotos oferecido pelo Flickr aos usuários da versão gratuita). Com relação aos critérios de privacidade adotados por ela, suas fotos são consideradas “públicas”, portanto, qualquer pessoa, usuária ou não do serviço, pode acessar essas imagens (mesmo que o site ofereça diferentes tipos de restrições). Tendo em vista essa liberdade oferecida por Maria – de que qualquer pessoa pode ver suas fotos – fica difícil precisar ao certo o número de pessoas que têm acesso às imagens do seu álbum. Entretanto, objetivamente, ela tem 99 contatos cadastrados (que acompanham as movimentações da sua conta) e está inscrita em 49 grupos, onde compartilha suas fotos com pessoas que têm interesses em comum. Analisando a disposição espacial do álbum de fotos de Maria, ao contrário do fotolog e Twitter/Twitpic, onde os usuários têm pouca (quase nenhuma) autonomia sobre essa dimensão, a usuária se aproveita desses recursos para agregar novos sentidos para suas imagens. Dessa forma, é possível comprovar a hipótese trabalhada nesta pesquisa de que as características da ambiência digital e dos sites/serviços de álbuns de fotos introduzem novas limitações e potencialidades. No caso da Maria, o suporte (Flickr) introduz novas potencialidades que são utilizadas por ela, como, principalmente, o uso de tags, títulos, legendas e a disposição em álbuns (é ela quem decide quais fotos irão para cada álbum e quais serão os 10 álbuns que estarão na capa do Flickr). Além disso, conforme mostra a Figura 30, a usuária também subverte as lógicas de funcionamento do ambiente e, no espaço destinado para comentários, agrega uma nova imagem, com o intuito de direcionar a leitura da fotografia – nesse caso, fazendo uma analogia entre a artesã e o produto fabricado por ela. 158 Figura 30 – Imagem disponível no perfil da Maria Castro no Flickr. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/mariacastro/4546003215>. Acesso em: 19 mai. 2010. . 159 6.3.2.3 Temas/situações Entre os principais temas/situações de memória enquadrados nas fotos de Maria destacam-se: viagem, férias, família, amigos - da usuária na sua relação com eles (saídas fotográficas, confraternizações, além de foto-montagens, com mensagens de carinho) - piadas (com charges e quadrinhos) e lugares (aeroporto, antena, portas e janelas, etc). Alguns álbuns específicos chamam a atenção: existe um intitulado “Me”, exclusivo com fotografias da usuária, outro só sobre comida, além de outro – no mínimo curioso – intitulado “Óculos”, composto por fotografias dela e de pessoas usando óculos. Cabe ressaltar que, para além da forma de organização em álbuns, a usuária também utiliza outro tipo de agrupamento oferecido pelo Flickr que são as coleções (conjunto de vários álbuns com um tema em comum). Ao todo, Maria apresenta três coleções. São elas: Rio de Janeiro, formada por seis álbuns; Família, com 5 álbuns; e Gente, série que reúne cinco álbuns. Assim como o álbum virtual do usuário Alex, as fotos de Maria apresentam tanto conteúdo mais ritualizado, como mostram cenas do cotidiano, corriqueiras. Como o assunto enquadrado está ligado ao cotidiano da trajetória de vida da usuária, as imagens narram a biografia dela em diferentes situações (festas, passeios, viagens, refeições, etc). Todavia, independente das fotografias enquadrarem assuntos rituais e/ou triviais, os amigos são as pessoas que mais aparecem em suas fotos, seguido da própria usuária e de seus familiares, além de “pessoas desconhecidas” retratadas por Maria. Não por acaso, a palavras “amizade” é a tag mais popular de seu álbum, com 227 fotos relacionadas. Por conseqüência, isso tem relação com a quantidade de comentários que ela recebe em suas fotos, onde, mesmo ela afirmando na entrevista que “não são muitos”, às vezes chega a reunir mais de 30 por foto. Sabendo que a memória é uma dimensão constitutiva da identidade dos sujeitos, a partir da análise dos temas/situações recorrentes nas fotos do álbum virtual de Maria, percebemos que a seleção de fotos feita pela usuária busca revelar um pouco da sua trajetória pessoal/particular através de imagens. Ao enquadrar essas fotos específicas, Maria proporciona, por conseqüência, o desenvolvimento de diálogos/relações mediadas pelas lógicas do ambiente digital. Ou seja, ao mesmo tempo em que os comentários recebidos por ela apresentam apreciações técnicas sobre as imagens (uma característica do Flickr em funcionar como uma espécie de “rede de relacionamento de fotógrafos”, amadores ou profissionais), eles também reúnem demonstrações afetivas, onde amigos escrevem textos sentimentais para ela ou, então, aproveitam o espaço para – literalmente – conversar, fazer 160 convites, etc. Isso faz com que, em alguns casos, cada pessoa deixe mais de um comentário na mesma foto, pois a autora também participa, funcionando como um diálogo mediado pelas lógicas do álbum virtual. 6.3.2.4 Intencionalidade da usuária O caso da Maria é singular para comprovar a hipótese trabalhada nesta pesquisa de que a intenção do fotógrafo é constitutiva da memória construída seja na fotografia (a partir da sua linguagem). Num primeiro momento, analisando as fotografias disponíveis em seu álbum virtual, observamos que a usuária demonstra bastante competência fotográfica – visível no uso consciente de elementos da linguagem fotográfica, tais como profundidade de campo, baixa velocidade (para dar ideia de movimento), uso da luz (através de fotos marcadas por sombras e contraluz, entre outros recursos). Com isso, podemos dizer que Maria se utiliza desse recurso para construir, a partir do domínio da técnica, um enquadramento específico para suas fotos. Por outro lado, é possível compreender que esse direcionamento dado por Maria não termina no momento da captura da imagem, mas continua quando a usuária se utiliza dos recursos interativos oferecidos pelo Flickr para agregar sentido às suas fotos. Através da utilização de tags, títulos, legendas, notas dentro das imagens e até mesmo subvertendo as lógicas do site/serviço (conforme apresentado anteriormente, na Figura 30), ela constrói o sentido que quer dar para suas fotos. O exemplo da Figura 31 ilustra como a intenção da usuária é uma dimensão importante de ser considerada nesse processo: o enquadramento é expresso através do título (“Tomate...que delícia!!”), da legenda (“Muito fofa a neta da Carol, não é mesmo?”), das tags (“Bárbara”, “Neta da Carol”, “Tomate”) e da nota (“Essa é a melhor carinha dela...”). Entretanto, cabe ressaltar – e ponderar – o fato de que o receptor não é um sujeito passivo e, portanto, pode consentir (ou não) com a versão apresentada pela autora. Além disso, os “leitores” de seu álbum também têm a liberdade de agregar informações às imagens, criando, também, novas interpretações/formas narrativas para as fotos. 161 Figura 31 – Imagem disponível no perfil da Maria Castro no Flickr. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/mariacastro/4100462398>. Acesso em: 19 mai. 2010. 162 6.4 FRANCIELE MOREIRA, USUÁRIA DO ORKUT 6.4.1 Dados da entrevista 6.4.1.1 Perfil da usuária Franciele Corrêa (ver Figura 32) tem 23 anos, é Técnica em Enfermagem e, atualmente, está cursando o Ensino Superior na mesma área. Trabalha como enfermeira em Porto Alegre, mas vive na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. Sua renda mensal está entre um e dois mil reais. Assim como a Maria Castro, Franciele também tem uma especificidade sobre aos demais sujeitos que integram a amostra desta pesquisa: o critério de privacidade definido por ela para o seu álbum de fotos permite que apenas os seus amigos visualizem suas fotos. Com isso, ao contrário dos outros usuários que mantém álbuns públicos na internet, o álbum da Franciele – que na verdade não é apenas um, pois se divide em vários outros agrupamentos (conforme veremos a seguir) – está disponível apenas para os 366 amigos que ela tem no Orkut. Figura 32 – Fotografia disponível no perfil da Franciele Corrêa no Orkut. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=414090175950506880>. Acesso em: 19 mai. 2010. 163 6.4.1.2 Mediações a) Competências midiáticas e trajetórias de vida Dos meios de comunicação em geral, Franciele conta que não assiste muito televisão, mas assiste a jornais e novela. Além disso, ela também tem o costumo de ler jornal impresso diariamente, no serviço. Entretanto, a internet é sem dúvida o meio de comunicação que mais utiliza, tanto para trabalho quanto para lazer: “Eu uso bastante por causa de trabalhos, mas assim: eu ligo o computador e abro o Orkut. É o Orkut e MSN na hora, é tudo junto. [...] Eu ligo e já vai. Eu primeiro entro no MSN, aí eu entro no Orkut e aí só depois eu vou fazer alguma coisa... é sempre assim...”. O acesso à internet acontece mais em casa, já que no trabalho o seu tempo é mais corrido. De toda forma, ela também navega na internet no trabalho e na universidade. Quanto ao tempo que destina para isso, Franciele explica que ele varia de acordo com os dias de suas aulas, mas totaliza, em média, de três a sete horas por dia. Dos álbuns virtuais que existem atualmente (Flickr, Orkut, Picasa, Twitpic, Facebook, Fotolog, etc.), a usuária conta que tem o hábito de colocar fotos apenas no Orkut: “Tem esse Picasa que tá junto com o Orkut [...], mas eu não uso. Só uso o Orkut. esse Twitter eu tentei entrar, todo mundo tem, mas não consegui, não quero... vou ficar no Orkut mesmo”. Franciele explica o motivo que a levou a optar por esse site/serviço: Porque quando começou essa febre de Orkut eu entrei e eu fui me adaptando com ele. Eu gosto. Tem muita gente que eu nem vejo mais e que eu vejo por ali. A Greyce é uma... quando tempo já que a gente não se via assim? E eu encontrei ela ali no Orkut e quando eu entrei nele eu me acostumei. Nunca exclui. Tem muita gente que exclui e depois entra de novo. Eu não. Desde 2007 eu nunca apaguei meu perfil no Orkut. Em especial sobre a sua relação com a fotografia, Franciele conta que ela sempre este bastante presente na sua vida. Desde que ela e seu irmão eram novos, eles já tinham muitas fotos da infância. Contudo, ela afirma que “agora, depois que começou o digital, muito mais... qualquer coisa, vamos tirar uma foto! E eu nem gosto de foto, né (risos)... então, qualquer coisa a gente tira foto”. E foi graças à tecnologia digital que Franciele começou a se tornar produtora de conteúdo através da grafia com a luz: 164 Depois do digital. Porque a gente sai, qualquer coisa que a gente faça ou saia com os amigos é foto, qualquer coisa, churrasco aqui em casa, é foto. Eu, qualquer coisa que faça, eu tô com a máquina, eu tiro foto de tudo. Porque eu acho interessante, eu sempre guardar isso... são momentos, né... porque é muito difícil eu revelar foto... Pra que revelar? Eu boto no Orkut e deu. A facilidade de operação do equipamento que utiliza – uma câmera compacta da marca Sony – foi um dos critérios que contribuiu para que ela se familiarizasse com a tecnologia e a linguagem fotográfica. Isso porque, Franciele conta que nunca fez algum tipo de curso ou formação específica nessa área. Aprendeu a fotografar mexendo na máquina, de forma autodidata, errando e acertando. Foi também de forma independente que Franciele aprendeu a fazer pequenos ajustes e correções nas suas fotos: “Eu uso um programa do (Windows) XP [...]. Não sou muito de usar outros. Na verdade, eu nem sei mexer bem nos outros”. Entre as principais edições que realiza em suas fotos, a usuária afirma: “Eu sempre faço ajuste na cor dela [...], às vezes sai muito branco, daí não sai muita cor. Eu sempre boto uma cor nela. Fica ruim, né? Tem fotos que eu não mexo. [...] É mais a cor assim, se sai ruim, eu fico muito branca. Olho vermelho eu tiro todos. Eu edito todas as fotos”. Os dados obtidos na entrevista da Franciele, especificadamente estes que se referem às competências midiáticas da usuária, alimentam a discussão atual sobre o processo de midiatização da sociedade. Primeiro, para refletir sobre o motivo que a fez ingressar no Orkut, sabendo que ele se justifica, principalmente, pelo fato de que, de um momento para o outro, todos os seus amigos passaram a se comunicar por ali. Com isso, desde 2007 até hoje, Franciele dedica várias horas de seu dia para atualizar o seu espaço virtual. Mesmo porque, as próprias lógicas de funcionamento do site/serviço operam na tentativa de aprisionar o usuário ao serviço, apresentando – a todo instante – novos conteúdos/atualizações disponíveis. Numa outra abordagem, é interessante pensar no quanto essa expansão e centralidade das mídias têm contribuído para uma espécie de “alfabetização” das pessoas, seja para a técnica fotográfica – sobretudo graças à tecnologia digital –, seja para o meio digital. b) Intencionalidade da usuária Conforme já demonstrado por Franciele, seu principal objetivo em manter um álbum de fotos – que, na verdade, se dividem em vários – no Orkut proporcionar um espaço de 165 interação entre seus amigos e familiares. Além disso, a intenção da usuária também é expressa na forma de legendas, bem como na separação e distribuição das fotos em álbuns específicos: Alguma coisa que eu queira expressar eu coloco em legendas [...],dependendo da foto e das pessoas que estão nela [...] Tem muitas vezes que eu tiro foto com vocês e a gente tem três fotos juntos... e aí não tem porque eu colocar três legendas... uma eu sempre coloco. [...] Pode ver que é tudo dividido em álbuns: festas, família, formatura, estágio... tudo é separado. Atualmente, Franciele conta que não consegue ir a um lugar, uma festa, um churrasco, sem deixar de registrar esses momentos. Mais que isso: para ela, depois de ter capturado as fotografias, a publicação e o compartilhamento deve ser imediato: “Se eu saio hoje e vou colocar semana que vem... não! Amanhã eu já coloco. E já aviso que coloquei a foto”. O curioso é que, não satisfeita em realizar a manutenção de seus álbuns pessoais, por vezes, a usuária também atualiza os álbuns virtuais de suas amigas: “Às vezes eu coloco no meu, baixo e já coloco no das gurias. ‘Ai, coloca no meu que eu não tenho tempo?`. `Pode deixar que eu coloco tudo e faço legenda!`. Adoro entrar no Orkut e botar legenda. Eu coloco do jeito que eu quero”. Para isso, Franciele utiliza o login e a senha de suas amigas: “Daí eu me dedico ainda mais do que no meu porque sei que vai dar comentários...”. 6.4.1.3 Sentidos e usos da fotografia no ambiente digital Franciele criou o seu perfil no Orkut “porque todo mundo tinha e todo mundo se comunicava por ali e eu queria também. É moda”. Desde 2007, ano em que ela ingressou para o site/serviço, a usuária realiza a manutenção das fotos de seu álbum virtual em casa. Até hoje, apenas digitalizou duas fotos para compartilhar na internet (dela e de seu irmão bebês). Logo, as imagens ilustram o período atual da vida de Franciele – e, com isso, são capturadas direto no formato digital. Com relação aos critérios adotados por ela para publicação das fotos, a usuária explica: Eu cuido muito esses tremores que, às vezes, dá na foto. Se as fotos ficam borradas, eu não coloco. Porque como a gente tira muita foto [...] às vezes tem umas nada a ver, alguma olhando pro lado. Daí eu coloco fotos... eu coloco muito fotos que estão bonitas, pra mim a foto tem que estar bonita. Se a foto tá bonita, eu coloco. 166 Para ela, uma “foto bonita” é aquela que tem “uma pose bonita” e está tecnicamente boa, “sem estar borrada”. Além disso, o fato do Orkut representar um álbum de fotos virtual, portanto, público – mesmo que apenas para seus amigos, como é o caso dela – influencia no momento em que Franciele decide entre postar ou não alguma foto nesse ambiente: Muitas vezes quando a gente tira foto, eu gosto dos comentários das fotos. Eu gosto de gente comentando as minhas fotos e, muitas vezes, têm fotos que eu coloque que tem muita gente que nem lembrava da foto e diz: “não acredito que tu colocou essa foto!” Daí é isso, eu gosto dos comentários, dos outros que estão na foto comentando. Segundo ela, essa especificidade de ser não mais um álbum privado, mas sim público, também condiciona a sua decisão sobre as fotografias que ela não publicaria na internet: Eu não coloco nada de foto de biquíni. [...] Eu acho muito... é muito expor assim... é expor demais... e não importa, uma foto que tu tá mais bonita alguém sempre comenta. E não vou colocar uma foto de biquíni... porque eu vou expor o meu corpo para os outros virem comentar? Isso eu não faço. Eu vejo muita gente colocando fotos de biquíni... eu não coloco. Nada contra quem coloca... [...] A mesma coisa essas fotos que tiram em estúdio... o que querem fazendo essas fotos? Tem uma amiga minha que colocou de lingerie... pra quê? Foram lá e cheia de comentário... o que ela quer? As fotos pingando Photoshop! Isso é querer que comentem mesmo... é expor... é expor seu corpo, é expor tudo. Esse tipo de foto eu não colocaria. De acordo com os critérios de privacidade adotados por ela, suas fotos podem ser vistas apenas pelos seus amigos (existe apenas um álbum, entre os 32 disponíveis, visível para qualquer pessoa em seu perfil). Franciele explica os motivos que a levaram fazer essa escolha: É porque quando, no caso, o Orkut é público, não são só teus amigos que entram... mas aí eu pensei assim: “se eu tenho amigos, porque eu vou abrir as fotos pra todo mundo ver?”. A minha intenção é que não é que quem não seja meu amigo vá lá e veja minhas fotos. Eu quero que quem veja sejam só meus amigos. E tem aquele esqueminha que tu ainda pode escolher quem vai ver tuas fotos. Eu nunca fiz isso. Pra mim quem é... todo mundo que é meu amigo pode ver minhas fotos. Mesmo que o site/serviço ofereça a possibilidade de o usuário criar filtros individuais para suas fotos, Franciele não faz uso dessa restrição: “Se eu vou botar no Orkut eu já sei que é para verem”. Nesse sentido, em mais um caso analisado, é interessante perceber no quanto o meio digital, enquanto suporte fotográfico, configura a relação entre o usuário e a tecnologia. Diferente do álbum impresso, o álbum de fotos disponível no ambiente digital pode ser encarado como mídia e, por isso, modifica a relação que as pessoas passaram a manter com esse meio. Apenas para citar um exemplo, nesse novo lugar, a seleção das fotos é feita a partir da clareza de que as fotos serão vistas por um número muito maior de pessoas – do que 167 apenas os amigos e familiares (como acontecia com o álbum tradicional). Por conseqüência, o processo de construção fotográfica ganha mais uma etapa de produção e, também, a memória biográfica/identitária passa a ser construída através dos usos desse álbum virtual. Com relação aos comentários recebidos, Franciele concorda que, em alguns casos, passa a enxergar suas fotos de maneira diferente depois de ler essas marcas deixadas pelos seus amigos e familiares: É muito engraçado, porque eu edito as fotos e [...] às vezes eu nem vejo. Aí, quando comentam, eu: “Nem vi isso”... “é verdade, não tinha visto isso”. Meu irmão é campeão de fazer isso... meu irmão é um observador das fotos. Ele olha as fotos e sempre comenta uma coisa que quase ninguém viu. [...] Tem uma foto (Figura 33) que estamos eu e as gurias, isso minha mãe tinha e eu também tenho, que é um jeito de parar com a mão, que é do meu avô isso. E ele: “Olha os dedinhos da Fran”. E eu olho e é igual a minha mãe... e isso é do meu avô. Daí de tanto que eu ri dela, eu acho que peguei... E isso ele viu... e eu: “Da onde que ele enxerga essas coisas?”. São detalhes... Figura 33 – Fotografia disponível no perfil da Franciele Corrêa no Orkut. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=414090175950506880>. Acesso em: 19 mai. 2010. Até hoje, apenas em uma situação específica Franciele já deletou algumas fotos de seu álbum no Orkut: trata-se de um conjunto de fotografias dela com seu ex-namorado. De toda forma, a usuária explica que não tem o costume de deletar foto, somente nesse caso, em 168 especial: “Eu acho que tinha umas 200 fotos com ele... e não apaguei todas... tem até algumas que ele tá junto que não aparece nada, mas eu apaguei bastante fotos”. 6.4.2 Usos e apropriações do Orkut 6.4.2.1 Tempo Franciele entrou para o Orkut no ano de 200760. A freqüência das postagens de fotos no álbum virtual varia bastante. Em média, a usuária publica fotos pelo menos uma vez por semana (se levarmos em conta o mês de maio de 2010). Contudo, nem sempre é assim. Analisando as atualizações feitas por ela desde o início do ano, temos o seguinte histórico: em janeiro, foram adicionadas novas fotos nos dias 7 e 27; em abril, no dia 13; e, em maio, nos dias 10, 16 e 19. Com relação ao tempo enquadrado nas imagens, o predomínio é de fotos com cenas/acontecimentos do presente. Entretanto, também existem fotos de épocas anteriores a criação de sua conta no Orkut. Assim como demonstrado na entrevista, Franciele é a amiga da turma responsável por preservar a memória do grupo. Ou seja, após a realização de festas e/ou eventos com seus amigos, ela logo publica e compartilha os registros fotográficos com todos em seu álbum virtual. Com isso, é possível considerar que, analisando sua dimensão temporal, essa instantaneidade de compartilhamento das fotos pode estar contribuindo para um processo de presentificação da memória, onde as fotos sempre se referem aos acontecimentos atuais. Todavia, sabendo que essas imagens ficam disponíveis no álbum e podem ser vistas a qualquer momento pelos usuários, com o passar do tempo, a relação que as pessoas passam a estabelecer com essas imagens se refere não mais ao presente, mas ao passado distante, onde é possível recordar dos acontecimentos, num largo processo de rememoração. Conforme relatado por ela na entrevista: 60 Para uma melhor compreensão da análise que será feita deste ponto em diante, sugiro ao leitor visitar e explorar o álbum de fotos virtual da Franciele Corrêa. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=414090175950506880>. Com uma ressalva: pelo fato da usuária permitir que apenas seus amigos possam ver suas fotos, será possível ter acesso apenas a um álbum público. Além disso, nesse caso, em específico, também é necessário ser usuário do Orkut para poder visualizar as fotos. 169 Esses dias eu fui procurar uma foto que eu fiz, eu queria tal foto e eu: “como é que eu vou achar?” Tem tanto álbum que eu tenho e eu comecei a olhar fotos que eu nem lembrava mais. E aí até me deu saudade de olhar e eu comecei a olhar tudo. Eu acho que deu quase duas horas de eu olhando, eu lembrava e lia comentários de gente que já quando eu coloquei e comentou e nem é mais meu amigo no Orkut, sabe? 6.4.2.2 Espaço Mesmo que o Orkut – assim como o Flickr – ofereça alguns recursos interativos para o compartilhamento de fotos, como é o caso das marcas que podem ser agregadas dentro das fotos (descrevendo o nome das pessoas que aparecem na imagem e, por conseqüência encaminhando o leitor para a página pessoal dessas pessoas), Franciele faz uso apenas de legendas para suas fotografias, conforme mostra a Figura 34. No caso do Orkut, não existe a possibilidade de adicionar títulos às imagens; dessa forma, as legendas adicionadas pela usuária são tanto descritivas – onde ela nomeia as pessoas que aparecem nas fotos –, quanto formadas por frases que expressam sentimentos e/ou fazem brincadeira com o conteúdo das fotografias. 170 Figura 34 – Imagem disponível no perfil da Franciele Corrêa no Orkut. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=414090175950506880>. Acesso em: 19 mai. 2010. Ao todo, o perfil da Franciele no Orkut é composto de 1319 fotos (dado obtido no dia 27 de maio), que estão distribuídas em 32 álbuns. Assim, as marcas deixadas por Franciele nesse ambiente também aparecem nos critérios levados em conta por ela na hora da criação e atualização desses álbuns – decidindo qual foto será publicada em cada um deles -, assim como no pequeno texto de descrição que é disponibilizado para cada álbum. Ainda sobre os álbuns de fotos, é interessante ressaltar que somente um deles é aberto para que todos os usuários do Orkut possam olhar as fotos. Segundo os critérios de privacidade adotados pela 171 usuária a grande maioria (quase todos) deles é visível apenas para seus amigos – ao todo, Franciele tem 368 amigos cadastrados, sendo que, desse número, 85 são “fãs” dela. A partir da análise do espaço no álbum virtual da Franciele, observamos que, mesmo verificando um desencaixe espaço-temporal – no que se refere à experiência de visualizar o álbum de fotos (onde seus amigos podem olhar suas fotos a qualquer momento) –, essa é uma consideração que precisa ser relativizada. De fato, estamos diante de um processo de alargamento da relação espacial para além do local, onde, através dos álbuns disponíveis do Orkut, as pessoas podem acessar as fotos da Franciele de qualquer lugar do mundo, no momento em que elas quiserem. Contudo, quando a usuária define que apenas pessoas autorizadas por ela podem ver suas fotos (nesse caso, seus amigos), ela acaba por reproduzir – em certa medida – à lógica do álbum impresso, no que diz respeito à audiência das pessoas às suas fotos particulares/familiares. Ou seja, diferente do álbum impresso, as fotos estão no ambiente virtual e, por isso, configuram uma experiência complexa de consumo; entretanto, o público que participa desse processo é restrito, formado por um grupo de pessoas que – possivelmente – já teriam acesso a essas fotos através do álbum impresso. 6.4.2.3 Temas/situações Entre os principais temas/situações de memória enquadrados nas fotos da Franciele destacam-se61: um álbum apenas com fotos da usuária, outro onde são reunidas fotos com seus amigos e familiares; um álbum intitulado “do que eu sinto saudades...” (com fotos dos colegas da escola, dos amigos que não convive mais); fotos de férias e feriados, viagens, eventos ritualísticos (aniversário, formatura, ano novo, natal, casamento, 15 anos), registros feitos em casa (trivialidades), fotos no trabalho (com destaque para festas e eventos com seus colegas), além de um álbum dedicado apenas para uma de suas amigas. Nesse sentido, é importante ressaltar que prevalecem as fotos com pessoas nos álbuns da Franciele. Por conseqüência, investigando quais são os sujeitos que aparecem nas fotos, percebemos que é a própria usuária que se destaca, na sua relação com a família e amigos. 61 É importante ressaltar que, da análise do álbum virtual da Franciele durante a pesquisa exploratória para a etapa sistemática, a usuária modificou alguns desses espaços, adicionando novas fotos como, também, modificando a estrutura dos álbuns. Conforme verificado na pesquisa exploratória, essa é uma característica comum entre os usuários do Orkut; ou seja, existe uma mudança/atualização freqüente das fotos. Conseqüentemente, devemos considerar uma constante atualização da memória por meio desse processo. 172 A partir de um olhar sobre os temas/situações recorrentes do álbum virtual de Franciele, percebemos que as fotos estão dividas em apresentar momentos ritualísticos (como referido, festas de aniversário, ano novo, casamento, etc), se aproximando do uso que até então era dado para os álbuns impressos, mas também mostram cenas triviais (às vezes sem um motivo aparente) – uma particularidade da fotografia digital e, conseqüentemente, dos álbuns virtuais. Com relação às formas de disponibilização das fotos e seus agrupamentos, um dos poucos direcionamentos que a usuária agrega às suas fotos é disponibilizá-las em álbuns conforme o tema específico, sendo uns mais objetivos – como, por exemplo, “Formatura” – e outros mais subjetivos. Mesmo que o site/serviço tenha uma ferramenta que cria, automaticamente, uma marca nos rostos das pessoas que aparecem nas fotos (para que os usuários preencham com os respectivos nomes e, com isso, o leitor seja encaminhado para o perfil deles no Orkut), Franciele dificilmente adiciona essa informação às suas fotos. No que se refere aos comentários gerados, tendo em vista a grande quantidade de fotos disponíveis no perfil da Franciele e o fato de o Orkut não disponibilizar essa informação, é praticamente inviável quantificar o que isso representa em números. De toda forma, a partir de uma análise parcial desse conteúdo – e também ciente de que apenas os seus amigos podem agregar essas marcas às imagens –, é possível referir que o “tom” é sempre amistoso, destacando alguma particularidade das fotografias. Somado a isso, assim como percebido no caso da Maria, a usuária sempre participa desse processo, interagindo com seus amigos por meio desse espaço (ver Figura 35). Nesse sentido, cabe salientar que o próprio site/serviço favorece o diálogo entre os usuários, uma vez que, em suas páginas iniciais, eles ficam sabendo dos últimos comentários que foram adicionados às suas fotos e, nesse mesmo espaço, sem sair da página inicial, podem visualizar a foto e escrever seus comentários sobre elas. 173 Figura 35 – Imagem disponível no perfil da Franciele Corrêa no Orkut. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=414090175950506880>. Acesso em: 19 mai. 2010. 174 6.4.2.4 Intencionalidade da usuária Além das escolhas feitas por Franciele ao criar e distribuir suas fotos em álbuns (conforme já referido), a intenção da usuária com o desenvolvimento de seu álbum virtual é expressa, também, no momento em que ela define qual será a capa desses álbuns – e, com isso, conquista mais ou menos acesso de seus leitores –, assim quando ela legenda suas fotos – direcionando ainda mais a leitura que ela quer dar para as imagens. No caso da Franciele, é importante ressaltar que ela trabalha bastante com a descrição de suas as fotos. Por outro lado, tendo em vista as competências midiáticas demonstradas pela usuária durante a entrevista, podemos observar que a sua intenção também é expressa no cuidado estético que ela tem em realizar pequenos ajustes de pós-produção em suas fotos e, principalmente, em selecionar as imagens que serão publicadas na internet e a forma que elas serão dispostas62. A partir da análise do conteúdo do álbum virtual da Franciele, e percebendo que a usuária aparece bastante nas imagens – sozinha ou na sua relação com amigos e familiares -, devemos relativizar a intencionalidade da autora na produção de sentido para suas fotos. Isso porque, considerando o fato de que nem sempre ela é autora da imagem (pois aparece bastante nas fotos), as escolhas para a construção da fotografia – desde as lógicas da sua linguagem são feitas por terceiros (salvo as vezes em que a própria usuária utiliza o timer da câmera para fazer a foto). Dessa forma, a intenção da autora se expressa, principalmente, no momento em que ela realiza a seleção das fotos para compartilhar na internet. Nesse sentido, cabe fazer uma ressalva: ao selecionar fotos que apresentam pessoas (como é o caso da grande maioria das imagens que integram os álbuns da usuária no Orkut), Franciele demonstra o intuito que ela tem, com isso, em provocar esses sujeitos que aparecem nas fotos a visitar o seu álbum virtual e, preferencialmente, também adicionar comentários às fotografias. 62 Lembrando que a intenção da usuária é condicionada pelas lógicas de funcionamento do Orkut. Para citar um exemplo da interferência provocada por essa mediação, Franciele contou na entrevista que, em uma determinada situação, teve que abrir um novo álbum para continuar postando as fotos que ela tinha sobre aquele tema/assunto, uma vez que o site/serviço oferece um limite de 100 fotos para cada álbum criado. 175 7 CONCLUSÃO O álbum de fotos no ambiente digital; num primeiro momento, o título deste trabalho pode até soar como um tema “pequeno”, aparentemente simples de ser pesquisado. Contudo, ao longo desses dois anos que me dediquei a investigar os usos e apropriações da fotografia no ambiente digital e entender como repercutem na constituição da memória biográfica/identitária, pude perceber que a problemática é bastante complexa e, por isso, apresenta uma série de nuances que precisam ser consideradas e analisadas. A começar pela possibilidade ou não de se atribuir a noção de “álbum de fotos” aos diferentes sites/serviços de compartilhamento de imagens que temos hoje disponíveis na internet. De acordo com a proposta de Silva (2008), existem três elementos fundamentais para a existência de um álbum de família: “um sujeito – a família; um objeto que torna possível mostrá-la visualmente – a fotografia; e uma maneira de arquivar essas imagens – o álbum de fotografias”. Nesse sentido podemos dizer que, mesmo migrando para a internet, o álbum de família continua conservando estas características do formato impresso, assim como um significado semelhante: ser um álbum que conta histórias “a partir do ponto de vista das gerações que participam dele (avós, pais filhos), das regiões culturais, da idade ou do sexo dos narradores” (SILVA, 2008). Entretanto, ao se tornar “virtual”, o álbum de fotos vem modificando a relação que as pessoas passaram a manter com esse meio, o que implica, por conseqüência, em uma série de repercussões para a constituição da memória biográfica/identitária. Inserido em um processo de midiatização da sociedade, o álbum virtual pode ser compreendido como uma nova mídia que temos a nossa disposição devido a sua dimensão coletiva. Diferente da fotografia presente no álbum de família, que não configura um meio de comunicação, a fotografia presente nos diferentes suportes midiáticos – nesse caso, os álbuns virtuais disponíveis na internet – articula o dispositivo tecnológico a um fenômeno midiático. Em outras palavras, o álbum de fotos disponível no ambiente digital consegue “satisfacer al criterio del acceso plural a los mensajes de los que el meio es soporte. Los mensajes son accesibles a uma pluralidad de indivíduos, bajo ciertas condiciones” (VERÓN, 1997); portanto, esses diferentes tipos de sites/serviços de compartilhamento de fotos podem ser considerados mídias. Dessa forma, uma das conclusões desta pesquisa é de que o álbum digital – assim como os produtos dos demais meios de comunicação existentes – também vem se instituindo como “uma matriz produtora e organizadora de sentido”. No lugar de folhear o álbum de 176 fotos, a experiência de visualizá-lo na internet implica uma “nova forma de estruturação das práticas sociais”, marcada pela “desarticulação das noções de tempo e espaço” (MATA, 1999). Somado a isso, o desenvolvimento desses álbuns virtuais também alimenta o debate acerca da formação de comunidades virtuais e da reconfiguração dos espaços público e privado na sociedade contemporânea. Mas antes de relacionar algumas considerações sobre as mudanças/repercussões trazidas pela internet, é importante considerar que a complexidade do conteúdo investigado me exigiu situar esse fenômeno num processo mais largo de configuração das memórias sociais através de imagens, antes mesmo do surgimento da fotografia. Ao realizar essa reflexão, pude perceber que, ao longo de seu desenvolvimento histórico, a imagem foi se constituindo como uma importante forma de construção de memória, desde o momento em que ela passou a ser exteriorizada – ainda nos remotos períodos da pré-história, através das primeiras pinturas rupestres. Com isso, pude verificar que a imagem, de uma maneira geral, sempre imprimiu marcas na construção das memórias sociais. A este respeito, Benjamin (1994) foi um autor de fundamental importância para problematizar a questão da reprodutibilidade técnica; para ele, a litografia representou uma “forma mais abrangente de disseminação das imagens”, assim como já havia acontecido com a xilogravura, a gravura em metal, entre outras técnicas que a antecederam. Nesse contexto, a minha compreensão foi que, com a imagem sendo reproduzida em série e difundida para a sociedade, as memórias sociais começaram a passar, cada vez mais, pela instância de um suporte visual. Mais adiante, com a descoberta da “escrita com a luz”, ao tentar avaliar como os contextos de desenvolvimento e de disseminação da fotografia marcam a relação deste dispositivo com as memórias sociais, a aproximação com textos referentes à história da fotografia revelaram a relação direta que esse processo mantém com o meu problema/objeto. Ao desenvolver uma investigação que buscou reunir aspectos tecnológicos, econômicos, sociais e culturais, essa contextualização me revelou como, uma vez descoberta, a fotografia foi gradativamente atingindo grande parte da população e, por conseqüência, representou “uma imagem que poderia ser guardada, uma memória definitiva de pessoas”, como proposto por Tacca (2005). Porém, pude observar que, sem dúvida alguma, foi quando a fotografia se inseriu em um contexto de midiatização que ela se desenvolveu de tal forma a ponto de alguns teóricos definirem o período que vivemos como pertencente a uma Era da Imagem. Toda essa disseminação da linguagem visual, a partir da onipresença da imagem no mundo 177 contemporâneo tem contribuído para o desenvolvimento de uma sociedade altamente familiarizada com a escrita iconográfica – como revelado na presente pesquisa, onde todos os entrevistados, mesmo não tendo qualquer tipo de formação em fotografia, são produtores de imagens. Graças à popularização das câmeras digitais amadoras e semi-profissionais, aliada ao desenvolvimento de uma linguagem técnica que foi ficando cada vez mais didática (através dos modos de cena, foco automático, etc), o acesso da população à fotografia foi se democratizando. Nesse mesmo contexto (de midiatização), além de produtores de imagens, desde a metade da década de 1990, muitas pessoas também foram se tornando competentes em relação ao meio digital. No caso dessa investigação, essa competência se revelou, novamente, nos quatro entrevistados analisados, em, pelo menos, duas dimensões: primeiro pela capacidade demonstrada por eles em trabalhar com softwares de edição de imagens – onde, a partir de poucos comandos, os usuários realizam correções de enquadramento, cor, exposição, nitidez, entre outros; e segundo, pelo uso freqüente do ambiente digital, uma vez que esses usuários dependem desse meio para tratar de questões relacionadas aos seus trabalhos, estudos e lazer. Não tardou muito para que algumas empresas percebessem a emergência desses sujeitos competentes midiaticamente (seja para a produção de imagens, seja para o uso do ambiente digital) e, a partir disso, criassem sites/serviços para o compartilhamento de fotos na internet. No momento em que as pessoas passaram a utilizar esses álbuns virtuais, acompanhamos uma série de mudanças/repercussões para os usos da fotografia, provocadas pela migração para o ambiente digital. A primeira delas talvez seja a inclusão de uma nova etapa ao processo de produção fotográfica: a manipulação das imagens. Como observa Kossoy (2002), os componentes estruturais de uma fotografia são “o assunto [...], a tecnologia que viabiliza tecnicamente o registro e o fotógrafo” que “motivado por razões de ordem pessoal e/ou profissional, a idealiza e elabora através de um complexo processo cultural/estético/técnico”. Indo além dessa proposta do autor, foi possível concluir que, no caso da fotografia disponível na internet, a pós-edição das imagens é uma nova dimensão que se junta ao processo e configura a expressão fotográfica. Em outras palavras, o enquadramento fotográfico acontece em, pelo menos, dois momentos: primeiro a partir da linguagem fotográfica e, num segundo momento, no meio digital. Ao mesmo tempo, em alguns casos, as fotografias que integram os álbuns de fotos virtuais também já são capturadas com o intuito de serem publicadas e, principalmente, 178 compartilhadas nesse meio. Com isso, a fotografia não é mais apenas idealizada “através de um complexo processo cultural/estético/técnico”, mas, também, elaborada a partir da intenção específica de ser compartilhada na internet. Isto ficou demonstrado nas entrevistas onde, por exemplo, Franciele busca através de suas fotos dialogar com seus amigos – e, por isso, já realiza determinadas fotos pensando nos comentários que elas podem render -, ou quando Maria, por vezes, captura imagens pensando em alguns amigos chaves (que gostam de fotos de bicicletas, flores, etc). Por outro lado, quando a fotografia passou a ser midiatizada, ela deixou de transitar apenas no círculo privado, rompendo uma barreira espaço-temporal e invadindo o espaço público. Dessa forma, as fotografias deixaram de serem vistas apenas por um número restrito de pessoas e passaram a ser acessadas por centenas e até milhares de pessoas – como é o caso de Mauricio, com mais de 80 mil seguidores –, o que tem contribuído para a “expansão dos vínculos sociais” (CASTELLS, 1999). Por conseqüência, a ritualidade (SILVA, 2008) de sentar para olhar as fotos pessoais particulares/pessoais agora se tornou algo corriqueiro, que é feito a todo instante, ainda mais quando o álbum virtual oferece essa possibilidade de ficar alertando os usuários das últimas atualizações que foram feitas – conforme descoberto na análise da Franciele e o Orkut –, provocando um constante exercício de reordenação e reinterpretação da memória. Através da observação e análise de quatro diferentes álbuns virtuais – Terra Fotolog, Flickr, Orkut e Twitpic – pude tirar algumas conclusões de como o ambiente digital, a partir de suas lógicas específicas (espacialidade e recursos interativos) atua na constituição da memória constituída pela fotografia. Ao adquirir a forma desse novo suporte, a fotografia passou a carregar as marcas desse novo meio de expressão: as fotos potencialmente passaram a receber títulos, legendas, tags, notas e comentários – só para citar algumas distinções. No concreto investigado, pude perceber que nem todos os usuários fazem uso de todos esses recursos – talvez Maria seja a pessoa que mais utiliza essas novas possibilidades narrativas disponíveis no álbum virtual como, por exemplo, o uso de notas dentro das fotos para direcionar sua leitura. Contudo, uma das grandes descobertas dessa investigação foi perceber que, assim como proposto por Sá (2001), ao tratar o conceito de comunidade virtual, o álbum de fotos no ambiente digital representa “um processo comunicativo de negociação e produção de sentido”; nesse novo lugar, as fotos estão suscetíveis a processos de tensão, negociação e reelaboração constante. Para mim, isso ficou claro no exemplo da Franciele, onde, mesmo que a usuária direcione a leitura de suas fotos através da legenda/descrição das imagens, em 179 alguns exemplos, os leitores/receptores de seus álbuns propõem novas leituras/interpretações a partir dessas fotografias. Esse processo também se mostrou presente no caso descrito por Mauricio: a partir dos comentários deixados por seus seguidores no Twitter, ele garante que passa a enxergar suas fotos de outras maneiras, como foi o caso da fotografia em que ele aparece de meia e guetá. Portanto, é correto dizer que a memória biográfica/identitária se configura em termos de conteúdo configurado na fotografia, a partir de dimensões como tempo, espaço, assunto e intencionalidade, conforme os pressupostos trabalhados nesta pesquisa. Primeiro, assim com apontado por autores durante a teorização, acompanhamos um processo de reordenamento da dimensão temporal da memória produzida. Isso se expressa, por um lado, pela quantidade de fotos ofertadas pelos usuários relacionadas ao tempo presente, assim como pelo constante exercício de presentificação da memória, com imagens sendo publicadas com bastante freqüência, com certa instantaneidade de compartilhamento – cenário visualizado, por exemplo, com a Franciele, que está sempre interessada em mostrar suas fotos recentes. Nesse sentido, a teorização proposta por Mata (1999) ajuda a compreender como “o aperfeiçoamento das tecnologias de informação tem permitido a construção de um novo regime espaço-temporal, o que insere as pessoas num contexto de coexistência, co-habitação”. De toda forma, o exemplo do Mauricio permite relativizar esse suposto processo de presentificação da memória, no momento em que ele busca fotografias de seu passado vivido e, subvertendo um dos objetivos principais do site/serviço que utiliza, realiza uma espécie de resgate da sua história através de imagens. Assim como ele, os exemplos dos usuários Franciele e Alex, principalmente, também revelam um dado interessante. Mesmo que as fotos publicadas por eles apresentem acontecimentos do presente, tendo em vista a quantidade de imagens que eles publicam e os anos de fidelidade aos respectivos álbuns virtuais, é possível falar em uma memória mais larga (e não apenas atual) a partir das imagens disponíveis nesses lugares. Com relação ao espaço, as características da ambiência digital e dos sites/serviços de álbuns de fotos introduzem novas limitações e potencialidades no que se refere ao uso dados pelos usuários: no caso do Maurício, isso ficou claro tanto pela determinação imposta pelo Twitter de adicionar o limite de 140 caracteres à descrição das fotos quanto pela impossibilidade do usuário ter autonomia sobre a disposição das imagens; ao Alex, o Terra Fotolog impõe a criação de um álbum de fotos desenvolvido – única e exclusivamente – de forma cronológica; já Maria é uma das usuárias com mais autonomia sobre seu álbum virtual, trabalhando com o uso de tags, títulos, legendas, disposição em álbuns e notas internas nas 180 fotos; e, por fim, Franciele também apresenta uma liberdade maior de criação com o Orkut, onde ela trabalha bastante com o uso de legendas (descritivas e/ou divertidas) e criação de álbuns temáticos. Ainda sobre as conclusões decorrentes da análise do espaço nos álbuns dos usuários, é importante considerar que mesmo havendo um desencaixe espaço-temporal, instituindo uma experiência complexa, o caso da Franciele é singular para problematizar essa questão. No que se refere ao processo de alargamento da relação espacial para além do local, de fato, isso se comprova, uma vez que as pessoas podem acessar suas fotos de qualquer lugar do mundo, no momento em que elas quiserem. Entretanto, diferente de todos os outros usuários desta pesquisa, detentores de álbuns públicos na internet, Franciele permite que apenas seus amigos possam ver suas fotos; ao definir que apenas pessoas autorizadas podem ver suas fotos, ela acaba por reproduzir – em certa medida – à lógica do álbum impresso, no que diz respeito ao acesso das pessoas às suas fotos particulares/familiares. Os temas/situações presentes nos álbuns de fotos disponíveis na internet também permitem pensar como se configuram as marcas na construção da memória biográfica/identitária. Entendendo a memória como uma seleção e um enquadramento do passado (POLLAK, 1989), no meio digital, esse processo se realiza quando o usuário elege o tipo de foto que será compartilhada nesse ambiente. A partir dos dados oriundos da pesquisa sistemática, verifiquei que os temas/situações recorrentes nos álbuns virtuais analisados compreendem retratos da história biográfica dos usuários, onde os sujeitos aparecem enquadrados na sua relação com amigos e familiares. Por outro lado, o novo formato do álbum de fotos também apresenta temas/situações diferentes dos tradicionais álbuns impressos, entre elas fotos de viagens, de lugares, de trivialidades, autorretratos. Essa característica do álbum virtual exprime, entre outras coisas, a questão de que, no contexto contemporâneo, os indivíduos vivenciam dimensões diversas, configurando identidades e memórias plurais, formadas por vários referentes. Logo, as fotos dos álbuns digitais expressam a atuação desses sujeitos nessas múltiplas experiências de vida – família, trabalho, escola, viagens, lazer, entre outras - sempre considerando que se trata de uma seleção em relação a estas vivências, enquandradas pelas lógicas da fotografia e do ambiente digital para ser publicizada. Ainda nessa mesma ótica, a conclusão que se chega é que os usuários pouco se utilizam dos recursos interativos oferecidos pelos diversos sites/serviços para proporem novas narrativas às suas fotos, se compararmos aos álbuns impressos. Com isso, o enquadramento da memória produzido no ambiente digital mostra-se muito mais presente nas interações 181 proporcionadas pelo ambiente digital, expressas pelos comentários deixados pelos usuários. A pesquisa revelou que todos os usuários não apenas gostam quando suas imagens repercutem em comentários, como também participam desses diálogos/relações proporcionadas pelo ambiente digital. Isso porque, “a comunicação mediada por computador pode ser muito eficiente no estabelecimento de laços sociais porque facilita sua manutenção. Basta um comentário em um blog ou fotolog [...] e já se mantém um laço social existente” (RECUERO, 2004) Cabe ressaltar, ainda, que a intenção do fotógrafo/usuário também é constitutiva da memória construída pela fotografia na internet. Essa intencionalidade, em maior ou menos escala, com maior ou menor consciência, foi expressa de algumas formas pelos entrevistados: no caso do Alex, pela interferência do usuário na construção fotográfica, principalmente editando antes de compartilhar na internet (sem deixar de referir que, assim como ele, todos afirmaram editar as suas fotos); já Mauricio se destacou dos demais pela clareza demonstrada em fazer desse espaço um ambiente de aproximação com os fãs que acompanham a sua carreira; por fim, Maria Castro e Franciele têm em comum a intenção de manter contato com seus amigos e familiares através do álbum virtual – com a diferença de que seus álbuns são, respectivamente, publico e privado. Uma das principais apostas teóricas que fiz nesta pesquisa foi trabalhar com o conceito de mediações, trazido por Martin Barbero (1995), o que me ajudou a compreender de que forma os usos e apropriações que os sujeitos fazem de seus álbuns virtuais constroem a sua memória biográfica/identitária. Entre as mediações trabalhadas nesta pesquisa, a intenção do fotógrafo, suas competências midiáticas, assim como trajetórias de vida me permitiram observar seu papel configurador nos usos do álbum virtual. A partir dos dados obtidos durante o trabalho de campo, consegui perceber que essas dimensões configuram os usos dados pelos usuários para os seus álbuns virtuais. A começar pelo enquadramento fotográfico que, no caso das fotos disponíveis no ambiente digital, acontece em dois momentos: primeiro por meio da técnica/linguagem fotográfica e, depois, no momento em que o usuário seleciona as fotos para compartilhar na internet. Poderíamos falar, ainda, num triplo enquadramento, considerando que, a partir das suas competências fotográficas, mais especificadamente do seu domínio sobre programas de edição de imagens, o usuário manipula e reconstrói a imagem para publicar na web. Trata-se de uma identidade/memória intencionalmente selecionada – uma vez que não consegue dar conta de narrar todas as experiências de vida do indivíduo – e fabricada para ser visível no espaço público. 182 Por fim, sobre o papel dos sujeitos nesse contexto, a conclusão que cheguei depois de ter lapidado teoricamente esse conceito é de que o processo de comunicação no meio digital coloca esse usuário num duplo estatuto: não apenas de receptor, mas também de produtor, ao mesmo tempo. Nesse sentido, tratei de qualificá-lo como usuário, uma vez que estamos diante de um indivíduo que, na sua essência, “utiliza” o serviço, produzindo conteúdo para esse ambiente, assim como interagindo com outras pessoas e, portanto, recebendo as marcas geradas por elas. Com isso, me aproximei da noção trabalhada por Chemello (2009) de que o ambiente digital “(re)cria a relação entre os indivíduos-agentes, aproximando os papéis da recepção e da produção”. Apresentadas as principais conclusões que cheguei a partir da análise dos dados coletados durante a pesquisa sistemática, penso que seja oportuno realizar algumas considerações sobre os procedimentos metodológicos utilizados, apontando as potencialidades e os limites da estratégia que montei para realizar a pesquisa. O objetivo é de fornecer perspectivas que possam contribuir com a caminhada de outros pesquisadores que estejam interessados em trabalhar com uma problematização teórico-metodológica semelhante à minha. Antes de tudo, é importante falar sobre a dificuldade que encontrei para selecionar o corpus da investigação, em especial, os sujeitos que iria selecionar para a entrevista de recepção. Num primeiro momento, trabalhei com a ideia de que as diversidades (gênero, idade, escolaridade, profissão, etc) deveriam ser pensadas para cada um dos álbuns virtuais; contudo, percebi que essa decisão se tornou inviável em função do tempo. Dessa forma, tentei ao máximo abarcar um grupo heterogêneo entre si (e não para cada um dos álbuns), composto por dois homens e duas mulheres – um jovem, dois adultos e um idoso –, de diferentes profissões, situados em diferentes cidades do país, com diferentes faixas salariais, entre outras distinções. Hoje, analisando a escolha que fiz, penso que talvez a minha decisão não contemplou distinções que podem ser relevantes para a compreensão do fenômeno investigado, por considerar apenas pessoas que tinham um número grande de fotos em seus álbuns virtuais. De fato, esse era um critério importante de ser considerado, uma vez que não seria possível investigar as implicações que as fotos no ambiente digital geram para a configuração da memória se não existe um número mínimo de fotografia nesses lugares. Contudo, essa preocupação em buscar pessoas que tivessem um conjunto relevante de imagens me levou a não contemplar aqueles usuários que compartilham um número menor de fotos. 183 Especialmente sobre a escolha dos métodos utilizados, penso que a análise complementar dos dados, a partir da observação e entrevista, ou seja, de um olhar sobre os usos encarnados nos sites/serviços e outro sobre os usuários, foi bastante produtiva. Com relação à entrevista, cabe ressaltar apenas a necessidade de estar atento à questão de se buscar uma complementação dos dados no caso de aplicação do roteiro à distância. Conforme pude observar, ao mesmo tempo em que o as perguntas enviadas por e-mail podem retornar com repostas complexas (como foi com o Alex), elas também pode fornecer informações rasas e/ou incompletas – no exemplo da Maria. Nesse caso, havendo a necessidade de complementar os dados, uma saída é tentar fazer isso através de uma conversa mediada pelo próprio computador (via MSN ou Skype). O desenho e a estruturação do roteiro de perguntas em blocos também permitiram um bom ritmo de condução para a entrevista. Em especial sobre a decisão de incluir um bloco específico para investigar as trajetórias de vida dos usuários, foi graças a essa aposta que pude conhecer, por exemplo, um pouco da relação desses sujeitos com a fotografia. Mas, como referido, a escolha metodológica desta pesquisa se constituiu de um método misto que aliou entrevista e observação. Esse olhar cruzado a partir de dois procedimentos distintos me permitiu ver as marcas expressas nos álbuns pelos usuários e contrastar com aquilo que eles me contaram na entrevista, descobrindo, assim, contradições e/ou me valendo de informações complementares. Devido à grande quantidade de imagens que os quatro entrevistados apresentam em seus álbuns virtuais, também se tornou inviável analisá-las individualmente. Com isso, a proposta de um método misto também me auxiliou nesse processo: mesmo que eu tenha realizado uma análise mais ampla das fotografias, foi possível observar casos específicos de imagens relatados pelos usuários no momento da entrevista. Por fim, especialmente sobre a observação que fiz dos álbuns virtuais, penso que essa análise poderia ter sido realizada em mais de um momento, para perceber as alterações que são feitas constantemente pelos usuários e, principalmente, as implicações disso para a configuração da memória. No fim, apenas “constatei” isso no Orkut da Franciele, contrastando os dados que encontrei no momento em que realizei a pesquisa exploratória com aqueles que tive acesso quando voltei a investigar seu álbum durante a pesquisa sistemática; contudo, como não tinha os dados da exploratória (número de fotos, álbuns etc), não pude fazer um comparativo. Entre as perspectivas que se abrem a partir desta pesquisa, posso destacar a reflexão relativa às reconfiguraçoões da relação entre espaço público e privado no mundo contemporâneo. Isso porque, fiquei intrigado com a quase “necessidade” demonstrada pelas 184 pessoas de mostrar suas fotos e, por conseqüência, partes de sua vida para os outros no ambiente digital. Mesmo que a questão não seja nenhuma novidade, uma vez que já vem sendo discutido por teóricos há algumas décadas, ele ganhou uma nova configuração com os álbuns virtuais. O desenvolvimento de competências midiáticas demonstradas pelos entrevistados nesta investigação também representa um debate que merece continuar sendo desenvolvido em pesquisa futuras. Nesse contexto, penso que seja interessante avaliar de que forma as pessoas vão se “alfabetizando” tanto quanto compreender como, em alguns casos, também podem estar meramente reproduzindo as lógicas de funcionamento dessas mídias. Principalmente para poder afirmar se, de fato, as pessoas estão realmente sendo alfabetizadas para esses novos meios, dominando com clareza suas linguagens e operações, ou estão apenas “copiando” referências advindas desses lugares e/ou agindo de forma intuitiva, despretensiosa, diferente de um processo pensado e consciente. 185 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARMES, Roy. On vídeo: o significado do vídeo nos meios de comunicação. São Paulo: Summus Editorial, 1998. 272 p. AUMONT, Jacques. A imagem. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995. 317 p. BENJAMIN, Walter. 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Quando você teve acesso a equipamento de foto digital (câmeras, celulares, etc)? 192 2.2 – DIGITAL Com relação ao meio digital, especialmente à internet, desde quando você navega na web? Qual o principal uso que é feito? Como é o seu acesso à internet? o Em que local tem acesso (casa, trabalho, escola)? o Quantas horas por dia dedica para isso? Como é o tipo de conexão? o Você também tem acesso através do celular, a todo o momento? Dos álbuns virtuais que existem atualmente, quais deles você utiliza (Flickr, Orkut, Picasa, Twitpic, Facebook, Fotolog, etc.)? o Caso você utilize mais de um serviço, qual o uso que você dá para cada um deles? o Percebe diferença entre um e outro? Você tem domínio sobre softwares de edição de imagens? Quais utiliza? Quais são os tipos de ajustes que você faz nas suas imagens? 2.3 – MÍDIAS EM GERAL Como é o seu consumo dos meios de comunicação? Assiste a cada um desses meios com que regularidade: TV, jornais e revistas impressas, internet? Quais os MCM foram mais marcantes na sua vida, que você sempre gostou e acessou com bastante freqüência (rádio, TV, cinema, internet)? Você acha que o consumo que você faz dos MCM influencia, de alguma forma, na sua capacidade de produzir as fotografias que você coloca na internet? Isso é, as fotos que você vê nos jornais, os filmes e programas de TV ajudam a qualificar o seu olhar para produzir boas imagens? BLOCO 3 – USOS DA FOTOGRAFIA NO AMBIENTE DIGITAL Qual o motivo que te levou a criar e manter esse site/serviço de compartilhamento de fotos? Porque que esse site foi escolhido? Existe outro espaço na internet onde você também publica fotos? 193 Fale sobre o processo de manutenção desse álbum. o Como é feito o envio das fotos? Através de fotos via celular? Câmera? o Em que local e feito (casa, trabalho, escola, etc)? Você tem auxílio? o As fotos passam por alguma pós-edição antes de irem para o álbum? Você domina programas de edição de imagem, mesmo que simples (corte, contraste) em fotografia? Quais ferramentas utiliza para isso? o Algumas fotografias recebem algum tipo de tratamento antes de serem publicadas? Mesmo que seja apenas corte, redimensionamento, etc. o No caso das fotos antigas, como é o processo de digitalização? É você mesmo que faz? Alguém te auxilia nesse processo? Como é feita a seleção das fotos para figurar nesses espaços? o O que determina se uma foto será ou não publicada no ambiente digital? o Quais os critérios que são levados em conta nesse processo? O fato de ser um álbum público interfere/influencia na sua decisão das fotos que serão publicadas? De que forma isso te influencia? Você percebe semelhança e/ou diferença com os antigos álbuns de fotos? Por quê? O que você sente falta e que o serviço não oferece? Tem alguma ferramenta que você gostaria de propor para os desenvolvedores do sistema? Que tipo de foto relacionada à sua vida que você não publicaria na internet? Você consome fotos de outras pessoas na internet, faz comentários? Por quê? Se preocupa com o fato de que qualquer pessoa possa acessar as fotos? No caso das suas fotos, elas são públicas, qualquer pessoa pode olhar. O que pensa disso? Sobre os comentários. Por vezes, você passa a enxergar as fotos de outras maneiras depois de receber alguns comentários? Coisas que você não tenha visto/percebido nas imagens? Tem algum exemplo? Recebe comentários de pessoas desconhecidas? Como lida com isso? Isso já gerou alguma situação indesejada, em que você teve que bloquear algum contato? Já foram apagados comentários, bloqueio de contatos, etc? 194 Já deletou alguma foto? Por quê? Tem alguma situação constrangedora e/ou que lhe desagradou? Os comentários nem sempre são de pessoas conhecidas, mas principalmente de anônimos? Saberia quantificar? Além desse álbum virtual, você continua mantendo o hábito dos álbuns impressos? Se sim, com que freqüência você produz e quais fotos você imprime/revela para colocar nesse espaço? BLOCO 4 – INTENÇÃO DO USUÁRIO O que você quer contar para as pessoas através dessas fotos? Você tem a preocupação de narrar a sua história nesses ambientes? Tem alguma coisa da sua trajetória de vida que você considera marcante e que não está publicado? Por quê? Em alguns casos, a fotografia já é pensada no momento de sua captura para ser compartilhada com outras pessoas na web? Quando e como funciona isso? 195 APÊNDICE B – DIMENSÕES DE OBSERVAÇÃO/ANÁLISE DOS SITES/SERVIÇOS 1) TEMPO 1.1 A teorização aponta para um reordenamento da dimensão temporal da memória produzida - Épocas de vida - Presentificação da memória 1.2 O tempo de constituição da foto se reconfigura pela ação da técnica - A foto enquanto um recorte de uma fração de segundo - Características da captura - ligadas ao tempo – imprimem sentido à imagem 1.3 Instantaneidade do compartilhamento O que olhar − Tempo enquadrado nas fotos: épocas de vida − Freqüência das postagens − Quando entrou para o site/serviço? 2) ESPAÇO 2.1 Espacialidades enquadradas pela foto 2.2 As características da ambiência digital e dos sites/serviços de álbuns de fotos introduzem novas limitações e potencialidades 2.3 Desencaixe espaço-temporal institui uma experiência complexa. Alargamento de espaços para além do local. - O autor tem consciência disso? - Isso condiciona o uso que é dado ao meio? O que olhar − − − − Espacialidades da foto (textos, links, álbuns/fotos) Quantidade de fotos Critérios de privacidade Número de seguidores 3) TEMAS/SITUAÇÕES 3.1 A memória é uma seleção e um enquadramento do passado; 196 3.2 A memória é constitutiva da identidade dos sujeitos. E as identidades são diversas e plurais, ligadas às trajetórias de vida. 3.3 A foto também tem a características de enquadramento de memória; 3.4 A narrativa de memória no digital vai para além da foto única, mas passa pelo seu conjunto de imagens. 3.5 O enquadramento da memória produzido no ambiente digital também está configurado pelos comentários deixados por outros usuários; 3.6 As interações no ambiente digitais são constitutivas do sentido de memórias produzidas, expressas como marcas nos textos dos comentários O que olhar − − − − − − Temas/situações de memória nas fotos; Sujeitos: usuário e demais pessoas, em termos de relacionamento com o usuário; As fotos e seus agrupamentos O “tom” dos comentários das outras pessoas; Quantidade de comentários; Perceber se o conteúdo das imagens é mais ritualizado ou mostram cenas do cotidiano; 4) USUÁRIO/FOTÓGRAFO 4.1 A intenção do fotógrafo também é constitutiva da memória construída na foto e dos usos da internet, além dos demais elementos que integram o processo; 4.2 Vivendo numa ambiência midiatizada, o usuário possivelmente desenvolveu competências midiáticas (tecnológicas, fotográficas, estéticas) que também configuram as apropriações da foto e da internet para a construção da memória; 4.3 Mediações estão implicadas na configuração dessas memórias. A trajetória de vida do sujeito em múltiplos cenários sócio-culturais vai operar como elemento que deixará marcas de memória O que olhar − Uso dos recursos interativos/autonomia sobre os serviços oferecidos (conexões e novas leituras) através do uso de tags, título, legendas, notas; − Analisar se as fotos passam por algum tipo de pós-produção; − Competências midiáticas: mídias em geral, fotográfica e digital; − Quantidade e conteúdo das fotos, distribuição em álbuns e comentários recebidos; 197 APÊNDICE C - PLANO DE PESQUISA EXPLORATÓRIA 1. Objetivos da Pesquisa Exploratória Encontrar e explorar os principais sites (blogs, fotologs, redes sociais, etc) utilizados pelos usuários para postar fotografias na internet; Analisar os serviços relacionados à fotografia (agrupar em álbuns, espaço para comentários, etc) oferecidos por cada um desses sites e compreender as suas especificidades; Gerar subsídios para definir qual(is) o(s) site(s) será(ao) analisado(s) na etapa sistemática da pesquisa com base no uso que é feito pela recepção (naqueles espaços que configurarem lugares de memória identitária/biográfica); Gerar elementos para definir categorias de observação do produto, com base nas especificidades do concreto empírico investigado (temas – ritual X banal –, domínio estético, competências, etc); 2. Procedimentos Metodológicos Observação exploratória 3. Dimensões ou aspectos de observação/exploração Breve contexto histórico sobre os sites/serviços de armazenamento de fotos na internet; Especificidades de cada um desses sites/serviços (blogs, fotologs, redes sociais, etc) e os tipos de recursos interativos que eles oferecem para a montagem de álbuns digitais. Formas e distinções de usos e de compartilhamento da memória fotográfica nestes espaços