reflexos da exploração do petróleo no território fluminense

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reflexos da exploração do petróleo no território fluminense
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé
Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 240
REFLEXOS DA EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO NO TERRITÓRIO
FLUMINENSE: IMPACTOS, NORMATIVAS E INTERVENÇÕES
URBANÍSTICAS.
Maria de Lourdes Pinto Machado Costa(a),
Aline Couto da Costa(b),
Diana Bogado Correa da Silva(c).
a - Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal Fluminense UFF ([email protected])
b - Professora dos Cursos de Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Engenharia de Produção
Institutos Superiores de Ensino do CENSA - ISECENSA ([email protected])
c - Acadêmica da EAU - Programa PIBIC / Universidade Federal Fluminense ([email protected])
Resumo
Esta contribuição tem seus fundamentos nos resultados obtidos no desenvolvimento
de pesquisas, nas quais se investigou os municípios do Estado do Rio de Janeiro que
convivem com o processo de urbanização, proveniente de uma das atividades
econômicas mais dinâmicas do País e do Estado: o setor de petróleo e gás. Identifica
impactos
positivos
e
negativos
ocorridos
sobre
este universo e inúmeras
transformações que vêm se processando nos espaços urbanos e rurais locais,
geralmente com reflexos nas respectivas escalas microrregionais segundo diversas
naturezas, contemplando questões afetas às administrações locais, aplicação
evolutiva de normativas atinentes àquelas atividades, com ênfase nos municípios
litorâneos, no pós-1990. Constata o quadro geral de modificações relativas às ações
municipais com os royalties, e procura extrair das observações efetuadas sobre os
municípios, os rebatimentos sócio-espaciais, com implicações econômicas, culturais,
ambientais e institucionais, mediadas pela gestão pública, políticas urbanas e
intervenções urbanísticas materializadas no período.
Palavras-chave: Urbanização, Intervenções Urbanísticas, Royalties do Petróleo,
Municípios Fluminenses, Estado do Rio de Janeiro
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé
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Introdução
O território Fluminense, as administrações municipais e o advento do
Petróleo
O território no Estado do Rio de Janeiro tem formação antiga de sua malha de
comunicações terrestres, algumas desde a época de colonização das terras
brasileiras, a partir do início do século XVI, com as ordens política e econômica
precedendo a social, no curso de seu desenvolvimento.
As administrações municipais ganharam atribuições ao longo do tempo. Mas só em
1946, a Constituição estabeleceu princípios mais próximos da atual organização
municipal. Porém, a sobrevivência da maior parte dos municípios ficou, até
recentemente, na dependência dos fundos especiais federais. Na Constituição de
1988, cresceu a competência municipal, inclusive tributária, ocasião em que se
estabeleceu, entre outros, critérios para a emancipação de municípios.
As atribuições municipais foram ampliadas, somando-se ao que possuía, em termos
do uso e ocupação do solo. Mas o trazer maior responsabilidade sobre a gestão de
seu território, conviveu com o peso dos encargos nem sempre acompanhados de
respaldo financeiro imediato em seus respectivos orçamentos. Assim, os municípios
estiveram cativos de suas receitas próprias e transferidas.
Com a descentralização administrativa, tornou-se necessário o aumento de recursos
a serem disponibilizados aos municípios: Fundo de Participação dos Municípios (FPM),
repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e Imposto
Predial Territorial Urbano (IPTU). No caso do Estado do Rio de Janeiro ainda há o
repasse dos royalties do petróleo, já que possui em seu território uma importante
província petrolífera do Brasil.
Com o advento da exploração e produção offshore do petróleo nos municípios
litorâneos, a maioria lindeira à Bacia de Campos, a aplicação dos recursos
provenientes da arrecadação geralmente vinha alocada no distrito-sede, passando,
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posteriormente, a ser também destinada às sedes distritais dos municípios
emancipados1.
A atividade petrolífera configurou um novo ciclo econômico, que acelerou o
crescimento das cidades, principalmente quanto ao processo de urbanização. O
repasse regular dos recursos financeiros provenientes dessa atividade possibilitou
muitos investimentos aos municípios beneficiários, tornando-se um instrumento
expressivo no planejamento e na gestão urbana.
Entre muitos eventos que se tornaram correntes em relação à urbanização provocada
pela nova atividade - seja pós emancipações municipais, seja pela emergência de
inúmeros interesses neste cenário, seja pela chegada de diferentes atores sociais –
está o fato de certos municípios se ressentirem com a nem sempre gradativa
mudança no perfil de sua população, por causa da assimilação precoce de diversas
identidades exógenas, em comparação àquela dos moradores até então presentes.
O dinamismo da integração aos eixos de expansão da urbanização e crescimento
demográfico2 - à remodelação dos espaços urbanos com equipamentos que traduzem
a anunciada lógica de bem-estar e modernidade, à especulação imobiliária, à
estruturação do mercado de trabalho e à vinda de pessoas de fora do município para
nele trabalhar - geram desafios crescentes quanto à recomposição das identidades
locais.
O ritmo vertiginoso do crescimento tem, em grande parte, desencadeado
descaracterizações de diferentes naturezas, sobretudo físicas e ambientais, em
1. Entre 1986 e 1990, foram instalados: Arraial do Cabo, Italva, São José do Vale do Rio
Preto, Paty do Alferes, Itatiaia e Quissamã. Em 1993, mais onze municípios: Cardoso Moreira,
Belford Roxo, Guapimirim, Queimados, Quatis, Varre-Sai, Japeri, Comendador Levy
Gasparian, Rio das Ostras, Aperibé e Areal. Outros dez se instalaram em 1997: São Francisco
de Itabapoana, Iguaba Grande, Pinheiral, Carapebus, Seropédica, Porto Real, São José de
Ubá, Tanguá, Macuco e Armação dos Búzios. O mais novo município fluminense é Mesquita,
(2001). Hoje são 92 municípios no total, no Estado do Rio de Janeiro.
2. Cf. COSTA, M. L. P. M. Reestruturação do Território no Processo de Urbanização - Dispersão
Urbana no Estado do Rio de Janeiro. Mesa de Interlocução de Pesquisa O Processo de
Urbanização e as Formas de Tecido Urbano mais Recentes Manifestadas sobre os Territórios.
XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Vitória: UFES, 2010. Os resultados do
estudo apontaram para: consolidação de eixos e formação mais recente de corredores de
urbanização no Estado do Rio de Janeiro (um deles provocado pelas atividades do petróleo),
criação de centralidades em função de novos pólos econômicos e de nova territorialidade,
devido à presença de grandes projetos regionais.
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decorrência da chegada dos grandes contingentes populacionais e da ação desses
atores externos à municipalidade. O quadro é em geral agravado pela deficiência
generalizada
de prestação dos serviços públicos e da disponibilização de
equipamentos comunitários.
Metodologia
Em termos gerais, a pesquisa contou com expressivos levantamentos de fontes
primárias e secundárias, leitura de bibliografia selecionada, com a análise e a
interpretação de dados e informações disponibilizadas pelos órgãos públicos e
instituições privadas, com montagem de um panorama relativo à influência dos
royalties do petróleo no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro e de seus Municípios.
Apoiou-se em visitas de campo locais e na realização de entrevistas junto a técnicos
e representantes de instituições e entidades de interesse da investigação, que
acompanharam a elaboração de diretrizes e propostas de intervenções, bem como de
moradores locais, no contexto da exploração petrolífera no território fluminense.
Buscou-se compreender como a atividade petrolífera se instalou no universo
estadual, com sua formação de muitas singularidades, a alocação de políticas que
influenciaram as dinâmicas das Regiões de Governo Fluminenses, destacando-lhes os
marcos e inflexões nos municípios conviventes com a exploração, desenvolvimento e
produção do petróleo na ocupação costeira do Estado.
O petróleo como motor da transformação
O petróleo sempre mobilizou a sociedade brasileira. Tema importante para a
soberania nacional e recorrente ao se discutir o desenvolvimento do País, a atividade
petrolífera traz um alerta desde a primeira metade do século XX, com a discussão do
“Petróleo é nosso”3.
A descoberta de petróleo na Bacia de Campos (Figs. 01 e 02), sua exploração em
escala comercial e a implantação de uma base operacional da Petrobras em Macaé,
para o acompanhamento da exploração e produção, fizeram com que a partir da
3 Uma breve recuperação de momentos desse percurso faz recordar alguns fatos, entre eles:
pressão para que o monopólio exercido pela Petrobrás nas atividades básicas do petróleo e
gás fosse extinto, através da Constituinte de 1987/88, confrontação de forças por ocasião da
Revisão Constitucional, em que se manteve o quadro e a disseminação de idéias neoliberais
favorecendo a privatização da empresa, com a suspensão do referido monopólio
constitucional, por força da Lei 9478/1997.
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década de 1980 o estado visse refletido o crescimento dos então núcleos urbanos que
lhes deram abrigo, assim como o aumento de sua arrecadação, além do aparecimento
de novos agentes, de comércio e serviços, e de subsidiárias da indústria do petróleo.
Esta indústria é reconhecida pela Agência Nacional de Petróleo (2000) como o
conjunto de atividades econômicas relacionadas com a exploração, desenvolvimento,
produção, refino, processamento, transporte, importação e exportação de petróleo,
gás natural outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados.
Figura 01: Mapa Descobertas dos campos de petróleo.
Fonte: PETROBRAS, 2008.
Figura 02: Mapa: Litoral do Estado do Rio de Janeiro, delimitado pela projeção dos limites
municipais (ortogonais e paralelos) e a posição dos poços produtores de petróleo e gás natural
que compõem a Bacia de Campos.
Fonte: PIQUET (2003)
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Deve-se ressaltar que nos últimos anos, a indústria do petróleo que se configurou a
partir
das
atividades
de pesquisa, exploração
e produção
transformaram
profundamente a economia, a sociedade e o território dos municípios produtores
brasileiros. No entanto, mais do que a própria formação da indústria petrolífera,
foram os royalties que contribuíram fundamentalmente para tais mudanças.
A princípio, julga-se que os royalties, por ser uma espécie de pagamento associado à
venda de um bem do patrimônio público, devem ser direcionados somente ao
governo federal, já que no Brasil os recursos naturais do subsolo pertencem à União.
No entanto, algumas justificativas fundamentam a aplicação destas compensações
financeiras recolhidas pela União, nas regiões produtoras. Uma delas é que o
processo de implantação da atividade petrolífera gera uma elevada demanda por
serviços públicos e infra-estrutura em geral. Há também a necessidade de se
indenizar ou de se compensar os impactos causados por essas atividades. Ademais, é
preciso analisar a questão que envolve a qualidade finita do adensamento urbano
causado pela atividade petrolífera, caracterizado pelo cenário previsível de
movimentos de saída de capitais e de pessoas nos territórios que atendem à
atividade de exploração de recursos não renováveis (LEAL, SERRA, 2003).
Embora bastante questionadas quanto ao aspecto quantitativo, duas questões
básicas devem ser consideradas em relação aos critérios de distribuição dos recursos
provenientes dos royalties. A primeira é que eles são compensatórios em função da
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venda de um bem do patrimônio público da União e, por isso, sua administração
deve considerar a justiça intergeracional. A segunda refere-se aos contextos
regionais e locais, já que estes devem buscar a diversificação produtiva como
alternativa à finitude prevista destes recursos.
Além da compreensão da divisão dos royalties em esferas governamentais distintas,
a apresentação da matriz legal, que fundamenta essa distribuição, possibilita o
entendimento de como ocorreram as mudanças no regimento tributário do setor
petrolífero. Anteriormente, a carga fiscal recaía sobre o consumo de derivados,
sendo
a
produção
praticamente desonerada
de impostos. Com as
novas
regulamentações, a partir da década de 1950, um novo regime passou a tributar
fortemente a produção, aumentando os valores dos royalties e, no final dos anos
1990, estabelecendo a participação especial.
Consequentemente, diversas normativas que regulam a cobrança e a distribuição
dessa compensação financeira foram criadas e/ou alteradas a fim de dar respaldo
aos impactos da economia petrolífera, produzindo transformações significativas na
organização e produção do espaço.
Evolução das normativas de distribuição dos royalties em face das
transformações e respectivas demandas
A Lei 2.004 de 03 de outubro de 1953 foi a primeira a introduzir o pagamento de
royalties sobre a produção de petróleo e gás natural no Brasil, estabelecendo o valor
da compensação em 5% do valor de referência do barril, em relação à produção
terrestre (onshore), ou seja, em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres.
Com isso, beneficiou estados e municípios, dividindo essa alíquota respectivamente
em 4% e 1%.
A incidência de royalties sobre a produção marítima (offshore) ocorreu com o
Decreto-lei 523, de 08 de abril de 1969, mas estados e municípios só foram
beneficiados a partir da Lei 7.453, de 27 de dezembro de 1985, com alíquota de 1,5%
cada. Essa lei teve um caráter inovador na medida em que estabeleceu que os
municípios deveriam aplicar os recursos previstos, preferencialmente, em energia,
pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção
ao meio-ambiente e saneamento básico. Em 1986, a Lei 7525 alterou o termo
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preferencialmente por exclusivamente, evidenciando a preocupação com a infraestrutura das cidades que já sofriam os impactos da indústria petrolífera.
Nesse momento, constatou-se uma transformação do perfil produtivo dos municípios
da Bacia de Campos. As atividades econômicas tradicionais em crise, como a
indústria salineira e a produção de cana-de-açúcar, associada à pecuária bovina,
deram lugar à indústria do petróleo. O processo foi bastante percebido nos
municípios litorâneos, que receberam atividades industriais e terciárias, provocando
um dinamismo demográfico e, consequentemente, significativas transformações na
produção do espaço.
Um dos exemplos foram as novas estruturas espaciais decorrentes das dinâmicas no
processo de (re)distribuição da população no território das cidades. A mão-de-obra
pouco qualificada tendeu a residir nos pólos produtivos, geralmente em áreas
periféricas, mas os mais qualificados estabeleceram estratégias residenciais
diferenciadas, ocupando bairros novos e exclusivos nas mesmas cidades ou
instalaram-se em municípios vizinhos menores por oferecerem melhor qualidade de
vida (MONIÉ, 2003). Aliada à indústria do petróleo, a consolidação do turismo como
estratégia de diversificação da economia aumentou os impactos na região.
Dessa forma, a ocupação do solo em vários municípios litorâneos da Bacia de Campos
refletiu a mudança na economia do lugar e se deu sob duas formas: a legal, através
de parcelamentos destinados a residências de veraneio e de um novo contingente de
mão-de-obra qualificada; e a ilegal, com as áreas de ocupação que se desenvolveram
de maneira espontânea, dando origem a um traçado bastante irregular.
Posterior à promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei 7.990 de 28
de dezembro de 1989 alterou a distribuição dos royalties em terra e na plataforma
continental. Manteve o valor da alíquota em 5%, que para a produção onshore, ficou
dividida em: 70% (que corresponde a 3,5%) aos estados produtores, 20% (ou 1%) aos
municípios produtores, e 0,5% (ou 1%) aos municípios onde se localizarem instalações
marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de petróleo e gás natural. No
caso da produção offshore, coube 1,5% aos estados confrontantes com os poços
produtores, 1,5% aos municípios confrontantes com os poços produtores e suas
respectivas áreas geoeconômicas, 0,5% aos municípios com instalações de embarque
e desembarque de petróleo e gás natural, 1% ao comando da Marinha, e 0,5% para
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constituir um Fundo Especial a ser distribuído entre os Estados e Municípios da
Federação4.
Isso beneficiou ainda mais os municípios, pois o Fundo Especial passou a ser dividido
na proporção de 80% para os municípios e 20% para os estados. Além disso,
acrescentou 10% aos municípios onde se localizassem instalações de embarque e
desembarque de petróleo ou de gás natural; sendo que para acomodar esta
alteração, o percentual dos estados foi reduzido de 80% para 70%, para a lavra
ocorrida em terra; e o percentual do fundo especial foi reduzido de 20% para 10%
para a lavra ocorrida na plataforma continental.
Entretanto, a mesma normativa suprimiu a exigência setorial de destinação desse
recurso, apenas vedando a aplicação dos mesmos em pagamentos de dívidas e quadro
de pessoal, caracterizando um retrocesso, que foi retificado com o Decreto 01, de
11/01/1991, mas novamente alterado com a Lei do Petróleo (1997).
A Lei 9.478, de 06 de agosto de 1997, ou Lei do Petróleo, trouxe mudanças
significativas quanto à política energética nacional, instituindo o Conselho Nacional
de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que ficou responsável
pelo controle e distribuição dos royalties. Quanto ao valor de compensação,
possibilitou o aumento da alíquota de 5% até 10% em função da rentabilidade dos
campos petrolíferos, definindo critérios de distribuição desse excedente, que
também beneficiaram estados e municípios. Ademais estabeleceu, nos casos de
grande volume de produção ou de grande rentabilidade, o pagamento da participação
especial.
O Estado do Rio de Janeiro contou com arrecadação extra, a partir de meados dos
anos 1990, com a exploração do Petróleo na Bacia de Campos, responsável por cerca
de 80% relativa à produção de petróleo e 49% concernente ao gás natural, sobretudo
pela arrecadação advinda dos campos de Albacora, Marlim e Roncadoro (ANP, 2000),
4 Considerando a disposição geográfica dos poços de extração do petróleo, foram
determinadas três zonas: ZPP (Zona de Produção Principal), ZPS (Zona de Produção
Secundária) e ZL (Zona Limítrofe). Os municípios da ZPP são os confrontantes com poços
produtores e aqueles que possuem três das seguintes instalações industriais: processamento,
tratamento, escoamento e armazenamento de petróleo e/ou gás natural, de acordo com a Lei
No. 7.525/1996(z), a partir de delimitação feita pelo IBGE, através do decreto No. 93.189, de
29 de agosto de 1986. A ZPS atinge aqueles atravessados por dutos de escoamento da
produção do poço produtor e a ZL atinge aqueles que indiretamente são afetados pelas
atividades petrolíferas, e são vizinhos aos da ZPP. (BARRETO, 2008).
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que ao mesmo tempo geraram pagamento das participações especiais aos municípios
vizinhos. Também o Estado do Rio de Janeiro repassou a todos seus municípios uma
parcela retirada dos 6,56% que recebeu pelos royalties, independente do rateio da
ANP (BARRETO, 2008).
A produção do petróleo na Bacia tem trazido um aumento gradativo nos orçamentos
municipais em geral, com percentagem crescente nas receitas dos municípios,
influenciando seus diferentes setores. As receitas próprias, referentes ao Imposto
Predial e Territorial Urbano - IPTU e ao Imposto sobre Serviços - ISS, vêm se tornando
relativamente menores perante a presença dessa nova arrecadação, na maioria das
vezes sendo ultrapassadas por ela.
A partir da Lei 9.478/97, mais do que qualquer outra atividade econômica e mais do
que qualquer outro instrumento - como a arrecadação de impostos, por exemplo foram os royalties que se tornaram a principal fonte de renda para os municípios
beneficiários. Com a preocupação com a questão da finitude destes recursos, as
administrações municipais optaram pelo incentivo ao turismo, como estratégia de
dinamização da economia. Sendo assim, foram realizadas obras de infra-estrutura
com o objetivo de agregar valores à cidade e atrair pessoas e empreendimentos.
Em função disso, foi iniciada uma fase de planejamento para a execução de projetos
de urbanização, paisagismo, infra-estrutura e embelezamento da cidade, sendo estes
instrumentos mais voltados para o impulso ao turismo e à prestação de serviços hotelaria e gastronomia, comércio, construção civil, dentre outros -, consolidando-os
enquanto principais atividades econômicas dos municípios litorâneos da Bacia de
Campos.
No entanto, os royalties nem sempre são distribuídos a ponto de beneficiar nas
mesmas proporções os diversos setores, ou aqueles reconhecidamente prioritários.
De uma forma geral, na rubrica Habitação e Urbanismo vem sendo injetado
considerável montante, embora isto não signifique, por exemplo, construções de
unidades residenciais para segmentos de baixa renda, no sentido de minimizar o
déficit habitacional fluminense ou local, pois os recursos muitas vezes são aplicados
em obras de maior visibilidade, conforme determinação de muitas administrações
governamentais locais, mediante a criação de áreas de lazer nas orlas, de
urbanização de praças centrais e pavimentação de ruas.
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Os processos de intervenção urbanística no território
O processo de decantação do entendimento sobre as intervenções no território
fluminense passa por diferentes escalas e recortes espaciais, sendo necessário
revelar-se, inicialmente, a concepção de território.
Para HAESBAERT (2006), o conceito de território guarda sempre um significado
relacional. E pode se inscrever para as ciências sociais e políticas segundo diversas
perspectivas, tanto sob visão mais totalizante quanto parcial, para o vínculo
sociedade-natureza (e sociedade-espaço), no sentido de abrigar um complexo
conjunto de relações sociais e espaciais, econômicas, políticas e culturais
historicamente circunscritas a determinados períodos ou existência de grupos sociais.
O mesmo autor (2004) ao expor a concepção de território-rede, considera que a
ligação entre territórios se exime de ser contínua, uma vez que ela pode se expressar
pela intermediação de aeroportos, estradas, portos, e até de dutos, entre outros,
sem descartar a comunicação imediata e virtual pela internet, combinando fluxos
materiais e imateriais.
Engendrou-se um modelo, no Brasil, a partir dos anos 1990, referente à forma de
intervenção físico-territorial nas cidades, sobretudo com a descoberta da
importância assumida pelos espaços públicos, visando abrigar projetos urbanos,
protagonizados, muitas vezes, pela parceria público-privada.
A produção do espaço nas cidades tem acompanhado o movimento do capital,
segundo renovados estágios econômicos. Desde a Revolução Industrial, as cidades
surgem com seus problemas urbanos, de localização de residências em função da
relação com os locais de produção, com a industrialização sendo responsável pela
forma de materialização do meio construído, sujeitos intermitentemente a
normativas de ordenação desses espaços.
Nos tempos atuais, produção e consumo de bens buscam resgatar símbolos, forjam
cenarizações, sugerem valores
subliminares
das
memórias coletivas locais,
respaldados pelo marketing e pela tecnologia, instigando a adoção rápida de novos
valores, com conseqüências na gestão institucional, na forma de utilização do espaço
e tempo, no contexto das novas dinâmicas urbanas, açodadas pela nova ordem
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ditada pela mundialização da economia.
Vale lembrar o conceito de intervenção dado por PORTAS (1986), quando se aplica à
cidade existente. Ela é entendida como o conjunto de programas e projetos públicos
ou de iniciativas autônomas que incidem sobre tecidos urbanizados dos aglomerados
antigos ou relativamente recentes, tendo em vista sua reestruturação, revitalização
funcional, recuperação ou reabilitação setorial e cultural.
As características dos projetos e intervenções urbanas marcam diferentes gerações,
passando pela grife de autores notáveis. E dos anos 1980 em diante, estes aparecem
apadrinhados pelo planejamento estratégico, sob forma de intervenções pontuais,
com participação de diferentes atores da sociedade para a discussão, mas de
maneira bem mais restrita do que aquela normalmente formulada pelo planejamento
e desenvolvimento urbano, com participação mais abrangente e democrática dos
extratos sociais.
A associação com o caráter da visibilidade das intervenções passa a ser um dos
principais alvos dos autores de projetos e da administração que os contratou, sendo
ela em qualquer instância.
De modo geral, os administradores dos municípios do Estado do Rio de Janeiro que
sofrem influências da economia do petróleo têm optado por projetos políticos de
cidade, orientados para a promoção do crescimento econômico e para a atração de
investimentos através do turismo, como meio de diversificar a economia e minimizar
os impactos causados pela possível finitude dos royalties na região (COSTA, 2008).
Conseqüentemente, é possível identificar o processo de turistificação do lugar, ou
seja, o tratamento e a acomodação do território para a finalidade turística,
demonstrado através da implantação de projetos urbanos, muitas vezes sob o
paradigma da modernização e do embelezamento. Dessa forma, evidencia-se que
estes projetos constituem a nova maneira de intervir no espaço da cidade.
Ações como recuperação de frentes marítimas, revitalização de beira-rio e orla
marítima, renovação de áreas centrais, reurbanização de áreas degradadas,
construção de praças e edifícios emblemáticos, dentre outros, tornam-se uma
constante na produção do espaço urbano.
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Com o intuito de atrair ainda mais investimentos produtivos, diversificar a
economia dos municípios, estimular o turismo de negócios e gerar empregos,
há também a formação de distritos industriais, com a consolidação de pólos
empresariais voltados para a prestação de serviços.
Intervenções urbanísticas desse tipo objetivam a preparação da cidade para
vocações futuras, para além da indústria petrolífera, e articulam uma estratégia
forte ao redor de apostas urbanas e sócio-econômicas de grande vulto e longa
duração em relação ao desenvolvimento da cidade.
Na presente fase, experimenta-se a dos grandes projetos de âmbito regional, que no
caso fluminense vem provocando a interiorização da economia, sobretudo apoiada
em antigos e novos pólos, a exemplo de Campos de Goytacazes e Macaé (antes
apenas secundário), respectivamente, que hoje carreiam parte significativa de
recursos investidos no Estado. Entre outros grandes projetos estão: a implantação de
portos, a construção do Arco Metropolitano e, sobretudo, a instalação do Complexo
Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro - COMPERJ, todos com forte poder
(re)estruturador do espaço, uma vez que interferem tanto no universo interurbano
(incluindo áreas rurais), quanto no universo intra-urbano e, na medida em que
constituem novas “ilhas de produtividade”, provocam transformações na rede
urbana até então existente e nas hierarquias urbano-regionais.
Cabe
lembrar
que
os
impactos
sócio-espaciais
sofridos
pelos
municípios,
principalmente litorâneos, da Bacia de Campos demonstram que a transformação
radical e rápida da estrutura produtiva de uma região provoca efeitos complexos e
muitas vezes irreversíveis e excludentes sobre a organização e produção do espaço,
o que deve ser considerado quando da proposta, implementação e gestão desses
novos projetos.
Considerações Finais
Os municípios brasileiros têm a tradição de lutar por maiores recursos em seus
orçamentos. A nova oportunidade surgiu para os que abrigavam a exploração/refino
do petróleo no território nacional (onze estados da federação). Entre eles, destacamse os da faixa litorânea fluminense que, desde a exploração na Bacia de Campos
atinge 80% da receita total adquirida com essa atividade. Inúmeras transformações
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vêm ocorrendo nos espaços urbanos e rurais dos municípios, muitas vezes com
reflexos nas respectivas escalas microrregionais.
Essas transformações na organização e produção dos espaços são impulsionadas pela
compensação financeira proveniente da exploração e indústria petrolífera, que são
regulamentadas por normativas que tentam dar respaldo aos impactos dessa
economia.
Entretanto, verifica-se que a legislação poderia ser mais eficiente em relação aos
critérios de aplicação dos royalties e participações especiais, a fim de possibilitar o
princípio da justiça intergeracional e o desenvolvimento pleno, que abrange não só
a dimensão econômica, como também a social, ambiental, cultural, espacial, dentre
outras, e que depende, em muito, da atuação política e administrativa dos poderes
públicos.
Pensar e gerir as cidades que contam com os royalties do petróleo revela novas
demandas de instituições governamentais, de ação privada e de associações
representativas da sociedade, em face das mutantes realidades e da própria
sociedade. A acumulação de políticas urbanas não atendidas e serviços não providos
já provocavam graves impactos. O olhar atento da parte de alguns setores e a
participação consciente de segmentos sociais ainda estão longe de provocar uma
eficácia na estruturação organizacional nas escalas local e regional, fortalecimento
da municipalidade ou a atuação articulada entre entidades.
Dentro desse panorama, faz-se necessário que o planejamento se dê nas várias
instâncias de poder, para garantir as bases para um desenvolvimento mais sensato,
nos níveis regional e local, dando condições para se regular a implantação de infraestrutura, ao extrapolar os limites administrativos, de serviços nas diferentes escalas
de atendimento, de qualificação de mão-de-obra, além da possibilidade de
(re)orientar linhas condizentes de pesquisa, entre outras diretrizes e ações, de
naturezas pública e privada. Não se deve esquecer que a par dos empregos e
atividades prometidas, promissoras do desenvolvimento, existem as demandas
anteriores, que configuram situações crônicas acumuladas, a serem revistas devido às
novas condições, para serem também atendidas, de antigos moradores das áreas dos
municípios atingidos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé
Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 254
Uma questão recorrente que se constata é a da discussão generalizada dos direitos
aos royalties (43% da arrecadação de royalties do País para os municípios fluminenses
e 18% para os municípios das demais unidades da federação), quando na realidade
não se observa as grandes transformações desses territórios, o uso de seus recursos e
as contaminações negativas provenientes dos grandes projetos e empreendimentos
nessas áreas.
Neste contexto situam-se os municípios envolvidos com a exploração e produção de
petróleo e gás, que começaram por reverter a curva do decréscimo econômico, antes
registrado no Estado do Rio de Janeiro. Urge, com isso, identificar, analisar e buscar
formas de gestão dos recursos disponibilizados, em especial para aqueles que vão
conviver com a implantação de futuros e grandes projetos, como o Complexo
Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro – COMPERJ, com suas altas demandas de
recursos hídricos e habitação de suporte ao empreendimento, de dimensões locais,
metropolitanas, e regionais mais amplas.
Um dos maiores objetivos de avaliação reflete o aumento da responsabilidade pelos
resultados do administrador público perante a sociedade, que deve tomar mais
assento nesse acompanhamento, bem como para o crescimento da confiança pública
nos serviços prestados. O exercício exige um incessante processo de deliberação e
decisão. Se não existir um planejamento adequado, as tomadas de decisão começam
a ocorrer de forma desordenada, porque não podem ser prorrogadas, em função de
necessidades emergentes e cobranças da população.
Na realidade, a prefeitura opera com a qualidade permitida por sua estrutura,
mesmo que as questões envolvidas requeiram ampliação das escalas de
debates. A cultura organizacional tem influência decisiva sobre a qualidade da
gestão que, por sua vez, está relacionada com as práticas de trabalho
enraizadas na interação de indivíduos e grupos, na organização e divisão das
funções, na delegação de responsabilidades, na relevância dada aos núcleos
de planejamento e controle. Como não existe uma organização ideal, ela
nunca estará pronta e acabada, mas sim em constante transformação, e a
participação das pessoas que nela trabalham será fundamental no constante
processo de mudança.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé
Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 255
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