David Hiebert - Caros Ouvintes

Transcrição

David Hiebert - Caros Ouvintes
David Hiebert, o Russo do bairro Garcia
Em histórias de nosso cotidiano apresentamos a vida de DAVID HIEBERT, O “RUSSO” DO BAIRRO DO
GARCIA.
Texto Walter Hiebert
DAVID HIEBERT, O “RUSSO” Foto por volta de 1940 DO BAIRRO DO GARCIA.
Ele nasceu em 08.10.1918 em Pascha-Tschokmak, Crimeia, no então Império Russo, hoje uma região
que faz parte da Ucrânia. A Crimeia é aquele pingente que fica na parte superior do Mar Negro. A sua
família era membro de uma religião evangélica denominada Menonitas, iniciada por um padre católico
chamado Menno Simon, nascido em Witmarsun, Holanda, antes de 1500. Ele foi contemporâneo de
Martim Lutero.
Em novembro de 1929 eram aproximadamente 13.000 menonitas que estavam nos subúrbios de Moscou
tentando a emigração da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o “paraíso comunista”,
pois tinha sido proibido que tivessem uma religião, além dos confiscos, roubos, prisões e assassinatos que
foram vitimas as suas famílias. Queriam sair, não importava o destino. Um deles era um menino de 11 anos,
ele seria depois conhecido como o Russo do Garcia.
Daqueles 13.000 menonitas somente 3.885 conseguiram visto de saída e abrigo temporário na Alemanha,
nos campos para refugiados de Möln, Prenzlau e Hamerstein. Entre eles estava a viúva Agatha Hiebert,
nascida Böse, com seus quatro filhos menores. Um deles era o David Hiebert, o que viria a ser o “Russo” do
Garcia. Ele tinha então 11 anos.
A família da Agatha primeiro ficou alguns dias em Hamerstein e depois em Möln até meados de 1930.
Dos 3.885 menonitas que saíram da URSS, apenas 1.200 vieram para o Brasil em 1930.
As primeiras 33 famílias desses menonitas saíram de Hamburgo em 16.01.1930 no Navio Monte Oliva tendo
como destino o Rio e Janeiro. Da então capital federal pegaram outro navio até São Francisco – SC. Daquele
porto até Jaraguá do Sulfaziam o percurso de trem. Daquela cidade até Blumenau viajaram de ônibus. No
trecho até Hamônia (hoje Ibirama) viajaram de trem.
De Hamônia até "Neu Breslau" (hoje Presidente Getúlio) o transporte foi a carroça para a bagagem, crianças
e idosos, os adultos fizeram o percurso a pé.
A viúva Agatha Hiebert, mãe do menino então com 11 anos e que viria a ser conhecido por “Russo”, fez um
percurso um pouco diferente com seus quatro filhos menores.
Eles embarcaram em Bremen no navio “Sierra Ventana” numa viagem que durou 18 dias até o Rio de
Janeiro, tendo feito escalas em Lisboa e Ilha da Madeira.
No Rio de Janeiro ficaram retidos por dois meses na Ilha das Flores, pois naquele dias ocorria a revolução
de 1930 de Getúlio Vargas.
Terminada a revolução embarcaram no navio Aspirante Nascimento que os levou atéItajaí – SC.
“De Itajaí até Itoupava Seca viajamos pelo rio acima em diversas chalupas engatadas atrás dum vapor. De
Itoupava Seca até Hamonia de trem. De Hamonia ao nosso destino que era a serra Stolz Plateau nos
levaram de carroças. Lá na serra ficamos a primeiro tempo numas barracas improvisadas e construídas para
abrigar de 10 a 20 famílias.” (Texto redigido por Jakob Hiebert, irmão do Russo em 25.08.1974, cujo original
está preservado.)
Os menonitas fundaram as colônias de Witmarsum, Waldheim e Gnadental na região denominada Krauel (o
nome do Consul Geral da Alemanha no Brasil à época). Por último criaram uma vila na serra denominada
"Stolz
Plateau".
Os últimos menonitas chegaram na região em junho de 1934, eram 34 famílias que fugiram da Rússia para a
China e de lá para o Brasil. A China foi somente uma rota de fuga para menonitas que se espalharam pelo
mundo. Nas tentativas de fugas muitos menonitas foram capturados e assassinados pelos comunistas da
URSS.
Desde o início da colonização na região do rio Krauel vários Menonitas se mudaram para cidades do Vale do
Itajaí e outras da região sul do Brasil, tais como Curitiba, Palmeira e Bagé.
Em 1950, depois de 20 anos de muita luta e sacrifícios, os últimos Menonitas também abandonaram o
"Krauel", deixando investimentos que até hoje existem, como, por exemplo, a sede da Prefeitura
de Witmarsun, que era o antigo hospital dos menonitas, e várias escolas, sendo que um delas foi
transformado em museu da imigração.
Existem cemitérios dos menonitas na região, com a identificação dos menonitas que faleceram no período
1930/50.
Depois de trabalhar na floresta virgem por alguns anos e ainda adolescente, o Russo do Garcia foi trabalhar
na Haco da Vila Itoupava, depois foi tentar a sorte em Curitiba, onde trabalhou de jardineiro e padeiro, a
seguir conseguiu emprego em Brusque, onde trabalhou na Carlos Renaux, para finalmente se fixar no
Garcia, onde trabalhou na Empresa Industrial Garcia (EIG) até se aposentar em 1969.
EIG - Empresa Industrial Garcia
Paralelamente ao ofício de tecelão na EIG ele fez o Curso de Rádio Técnico por correspondência na National
School, de Los Angeles, Califórnia, USA.
Começou o curso em 19.08.1949 e terminou em 15.05.1951, tendo pago US$ 150,00 pelo mesmo.
Rua 12 de Outubro
Sr. "Russo" e filho Adolfo em sua bancada na oficina na Rua 12 de Outubro,111 bairro da Glória.
Em 1970, Sr. Russo na oficina da casa na rua Ipiranga, 81. Neste mesmo ano faleceu no dia 20 de
agosto.
Tais conhecimentos permitiram que abrisse uma oficina de consertos de rádios em sua própria residência, na
então existente Rua 12 de outubro, nº 111, era a primeira rua a esquerda na rua da Glória. Essa atividade o
tornou muito conhecido na região. Poucos sabiam o seu nome, todos o chamavam de Russo.
Seu expediente diário era das 5 até 13,30 horas na EIG e das 14,30 até 22 horas em sua oficina. Seus
ajudantes na oficina eram as filhas e filhos.
Os consertos oferecidos não eram somente de rádios, mas também de gramofones (aqueles com manivela),
radiolas, gravadores de fita (rolos enormes), relógios de pulso, despertadores, enceradeiras, e, na fase final
de suas atividades, também televisores.
Oferecia também em sua casa a recarga de baterias, muito usadas por aqueles que residiam na Rua
Progresso depois do cemitério, pois a partir daquele ponto não existia o fornecimento de energia elétrica.
Mas em 1962 uma nova atividade comercial mudou o foco de seu trabalho, era o surgimento de uma
novidade tecnológica, era o tempo do rádio portátil.
Ele comprava lotes desses rádios em São Paulo e os revendia em Blumenau. As marcas mais comuns eram
Sharp, Mitsubishi, Spica, Crown, Standard, National, Wilco e Holiday. O mais vendido era a marca Sharp. Ele
era o único vendedor da grande novidade no Garcia.
Em julho de 1964 um rádio Sharp custava Cr$ 45.000,00, um Mitsubishi Cr$ 40.000,00 e um Crown Cr$
34.000,00..
Um de seus clientes foi o Sr. Dieter Altemburg, que em 05.09.1963 comprou um rádio Sharp por Cr$
31.000,00, tendo dado Cr$ 10.000,00 de entrada e o saldo em 3 (três) prestações de R$ 7.000,00.
Alguns de seus clientes foram:
- Nazário Moritz, comprou um Sharp em 11.12.1962;
- Walter Schulz, comprou um Sharp em 26.01.1963;
- Nilton Aguiar, comprou um Sharp em 09.03.1963;
- Oswaldo Scheifer, comprou um Sharp em 27.03.1963;
- Orlando Oliveira, comprou um Sharp em 21.04.1963;
- Francisco Oliveira, comprou um Mitsubishi em 12.02.1963;
- Anselmo Oeschler, comprou um Mitsubishi em 12.02.1963;
- Onildo Oliveira, comprou um Mitsubishi em 22.04.1964;
- Silvio Oliveira, comprou um Sharp em 24.04.1964;
- Alfredo Iten, comprou um Mitsubichi em 22.04.1964;
- Irineu Moritz, comprou um Sharp em 05.05.1964;
- Hipólito da Silva, comprou um Wilco em 09.05.1964;
- Osmar Felski, comprou um Wilco em 14.12.1964;
- Rolf Elke, comprou um National em 03.02.1965;
- Nelson Salles de Oliveira Oliveira, comprou um National em 11.03.1965;
- Flávio Moritz, comprou um Sharp em 10.03.1965;
- Albrecht Papst, comprou um Crown em 06.12.1965;
- Nicolao Day, comprou um Sharp em 10.06.1966.
Além dos serviços em sua oficina, o Russo também fazia propaganda móvel com seu furgão Chevrolet 1950,
tanto divulgando as festa da região, os bailes, as domingueiras, bem como propaganda comercial de lojas e
campanhas políticas.
A partir de 1969 esses serviços passaram ser realizados com seu Opala “0” Km amarelo, um dos primeiros
de Blumenau. O revendedor da GM o procurou e pediu para que não fizesse tal tipo de trabalho com seu
automóvel, pois isso prejudicaria a imagem do lançamento da GM na cidade. Dada a insensatez do pedido o
mesmo não foi atendido.
Salão onde eram exibidos os filmes pelo Sr. Russo e filhos
A imagem é de 31 de outubro de 1961 - Enxurrada que destruiu todo salão e estádio do Amazonas
Era o Russo que por muitos anos passou os filmes no salão do Amazonas, evento que ocorria
semanalmente e atraia centenas de pessoas, especialmente as crianças.
Em decorrência de seus conhecimentos em eletrônica passou a prestar tais serviços também na EIG, onde
também trabalhou no laboratório da fiação e finalmente na portaria.
Da esquerda pra a direita: Valter, Carlos, Anna Klassen Hiebert (nossa mãe falecida em 1973), Adolfo, David
Hiebert (falecido em 1970), Irene Hiebert Kertischka (falecida em 2007), e Rosita Hiebert, falecida em 1961.
Casamento e proles:
Ele foi casado com Anna Klassen, também nascida na Ucraína, mas em outra região. Tiveram sete filhos, os
primeiros 5 (cinco) nasceram na sua casa em parto realizado pela Schwester Martha, os dois últimos
nasceram em maternidades de Blumenau.
Sua primeira filha era Rosita Hiebert, nasceu em 1942, trabalhava na EIG quando faleceu com 19 anos.
A segunda filha era Irene Hiebert, nascida em 1943, que casou com Harry Kertischka, também trabalhou na
EIG, teve os filhos Andréia, Simone e Ricardo. Ela faleceu em 2007 em Blumenau.
O terceiro filho foi Valter Hiebert, nasceu em 1946, trabalhou na EIG de 1962 até 1965, depois foi Sargento
do Exército até 1977, a seguir trabalhou no Banco Central do Brasíl em Brasília de 1977 até 1994, aonde
chegou a Consultor Chefe, na seqüência, em 1994, foi assessor do Ministro da SEPLAN, em 1995 foi
nomeado Vice Presidente da Caixa Econômica Federal, em 1997 foi nomeado Vice Presidente da
Companhia Brasileira de Securitização – Cibrasec, onde se aposentou em 2005. Paralelamente foi professor
na PUC de Brasília por 15 anos e em cursos de pós-graduação da FGV em Brasília por 9 anos. Hoje está
aposentado em Balneário Camboriú – SC.
O quarto filho foi Carlos Jorge Hiebert, nascido em 1948, trabalhou na EIG e hoje atua com construtor em
Blumenau.
O quinto filho foi Adolfo Hiebert, nascido em 1954, começou a trabalhar na EIG em 1970 onde permanece até
a presente data na agora denominada Coteminas.
O sexto filho foi Ivo Hiebert, nascido em 1959, trabalha como Fiscal da Secretaria de Finanças de SC em
Itajaí, onde reside.
O sétimo filho foi Alex Hiebert, nasceu em 1964, é engenheiro civil formado pela UFSC, atua e reside em
Blumenau.
O Russo se aposentou na EIG em 1969, tinha então 50 anos, planejara dedicar, a partir de então, todo o seu
tempo nas atividades comercias e publicidade.
Contudo, poucos meses depois de aposentadoria foi vitima de um tumor no cérebro, mesmo com cirurgia e
radioterapia mostrou-se incurável.
O Russo de muitos
amigos,
muito
conhecido
no
bairro,
admirado
por
sua
inteligência, integridade e honestidade terminou seus dias em 20.08.1970, no Hospital Santa Isabel de
Blumenau. Ele tinha somente 51 anos de idade.
O saudoso “Russo” foi e será sempre motivo de muito orgulho e respeito de todos os seus descendentes.
DAVID HIEBERT, O RUSSO DO GARCIA, VEIO DE TÃO LONGE, ANDOU POR VÁRIAS CIDADES, MAS
ESCOLHEU BLUMENAU PARA PARADEIRO DEFINITIVO. ELE ESTÁ SEPULTADO NO CEMITÉRIO DA
RUA PROGRESSO, AO LADO DE SUA ESPOSA ANNA HIEBERT, NASCIDA KLASSEN.
TERMINO ESSE RELATO COM LÁGRIMAS EM MINHA FACE, POIS ESCREVI UM POUCO DO MUITO
QUE SEI DE MEU MAIOR HERÓI, DE MEU ETERNO ÍDOLO.
HOMENAGEM DE VALTER HIEBERT, CUJOS FILHOS CHAMAM-SE TAMBÉMDAVID E ANNA
Texto Walter Hieber filho do “RUSSO”; arquivo família Hiebert e Adalberto Day

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