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HISTÓRIA DEPOIMENTOS EM DVD E LIVRO RESGATAM EPISÓDIOS DO JORNALISMO CONTRA A DITADURA retrato doBRASIL CIÊNCIA WWW.RETRATODOBRASIL.COM | R$ 8,00 | NO 49 | AGOSTO DE 2011 PROEZA DE CIENTISTA BRASILEIRO: TETRAPLÉGICO PODERÁ DAR PONTAPÉ INICIAL NA COPA retrato doBRASIL WWW.RETRATODOBRASIL.COM | N O 49 | AGOSTO DE 2011 ELAS QUEREM A DIREÇÃO Pela segunda vez, as mulheres da Arábia Saudita reivindicam o direito de dirigir seus carros, mas as autoridades daquele reino se sentem ameaçadas e temem fazer concessões [Armando Sartori] Laerte Silvino 14 6 Ponto de Vista DINHEIRO & INFORMAÇÃO Com uma economia a cada ano mais dependente e assolado pelas ideias liberais, nunca antes na história deste País foi tão necessário refletir sobre a crise e a dívida dos Estados Unidos 10 A IMPRENSA QUE INCOMODOU Uma coleção de depoimentos em DVD, Resistir é preciso..., e o livro Jornal Movimento – uma reportagem registram episódios do jornalismo que se tornou um instrumento de luta contra a ditadura [João Peres] 24 AS BATALHAS DA AL JAZEERA AFP/Getty Images Histórias da emissora árabe que ficou famosa ao divulgar vídeos de Bin Laden, foi bombardeada pelos EUA, teve um cinegrafista preso por sete anos e um papel determinante nas revoltas do Oriente Médio [Tomás Chiaverini] O CÉREBRO SEM FRONTEIRAS O livro Muito além do nosso eu revela bastidores da proeza tecnológica do brasileiro Nicolelis, que poderá permitir a um tetraplégico dar o pontapé inicial da Copa de 2014 [Flávio de Carvalho Serpa] AE 42 FALE CONOSCO: www.retratodobrasil.com CARTAS À REDAÇÃO [email protected] rua fidalga, 146 conj. 42 cep 05432-000 são paulo - sp ASSINATURAS [email protected] tel. 11 | 3032 1204 ou 3813 1527 de 2a a 6a, das 9h30 às 17h ATENDIMENTO AO ASSINANTE [email protected] tel. 31 | 3281 4431 de 2a a 6a, das 9h às 17h PARA ANUNCIAR [email protected] tel. 11 | 3032 1204 ou 3813 1527 de 2a a 6a, das 9h30 às 17h 32 A REINVENÇÃO DE CUBA O regime cubano busca, uma vez mais, saída para seu socialismo, agora falando em “respeito ao mercado”, “descentralização” e em incentivar seus empresários a não terem medo de arriscar [Spensy Pimentel] 48 A DIMENSÃO DO SILÊNCIO Um dos maiores escritores latino-americanos do século XX, Juan Rulfo foi também um fotógrafo de excepcional talento. Cem de suas fotografias falam da quietude que seus mortos escondiam [Tadeu Breda] CIRCULAÇÃO EM BANCAS [email protected] EDIÇÕES ANTERIORES [email protected] REDAÇÃO [email protected] Entre em contato com a redação de Retrato do Brasil. Dê sua sugestão, critique, opine. Reservamo-nos o direito de editar as mensagens recebidas para adequá-las ao espaço disponível ou para facilitar a compreensão. ILUSTRAÇÃO DA CAPA Laerte Silvino EXPEDIENTE SUPERVISÃO EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira EDIÇÃO Armando Sartori EDIÇÃO DE TEXTO Ruy Fernando Barboza SECRETÁRIO DE REDAÇÃO Thiago Domenici REDAÇÃO Flávio Dieguez • Leandro Saraiva • Lia Imanishi • Rafael Hernandes • Sônia Mesquita • Tânia Caliari EDIÇÃO DE ARTE Pedro Ivo Sartori ESTAGIÁRIOS Simone Freire de Carvalho • Willian Monte Olívio REVISÃO Silvio Lourenço • Bruna Bassette • Andresa Medeiros [OK Linguística] COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Alejandro Ramírez • Alex Silva • Flávio de Carvalho Serpa • José Henrique Dornellas Filho • Laerte Silvino • Spensy Pimentel • Tadeu Breda • Tomás Chiaverini • Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A. EDITORA MANIFESTO S.A. PRESIDENTE Roberto Davis DIRETOR VICE-PRESIDENTE Armando Sartori DIRETOR ADMINISTRATIVO Marcos Montenegro DIRETOR EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira DIRETOR DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS Sérgio Miranda GERENTE COMERCIAL Daniela Dornellas REPRESENTANTE EM BRASÍLIA Joaquim Barroncas • Tel. 61 3328 8046 ADMINISTRAÇÃO Neuza Gontijo • Maria Aparecida Carvalho OPERAÇÃO EM BANCAS • ASSESSORIA EDICASE [www.edicase.com.br] DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA EM BANCAS FC COMERCIAL E DISTRIBUIDOR S.A. MANUSEIO FG Press Ponto de Vista Dinheiro & informação A dívida pública americana e as nossas ilusões liberais O QUE É o dinheiro? São as notas e moedas que podem ser carregadas no bolso e que têm de ser aceitas, obrigatoriamente, em todo o País? É a conta corrente ou a conta poupança nas quais a maioria da população brasileira deposita seus haveres financeiros e das quais pode sacar – uns mais, outros menos – o “dinheiro-papel”? 6 | retratodoBRASIL 49 É a dívida pública do governo brasileiro, que se aproxima de 2 trilhões de reais e tem, como se diz, “liquidez absoluta”, mas apenas dentro do Brasil? Ou é, finalmente, a dívida pública dos EUA, de 14,3 trilhões de dólares, uma quantia tão grande que mesmo gente letrada não sabe com o que comparar e que, pelo menos até este momento, meados de julho, é trocada por “dinheiro vivo” em qualquer país com um sistema bancário minimamente moderno? Com a informação, surgem dúvidas semelhantes. As pessoas de boa-fé concordam que se deve buscar a verdade nos fatos. Mas onde estão os fatos? Nas manchetes dos tabloides ingleses, os mais Alex Silva famosos do mundo, nos quais, ao que se sabe, jornalistas em conluio com policiais grampeavam telefones dos ricos e famosos – e mesmo de pessoas comuns – em busca de novidades “reais” para satisfazer a curiosidade popular? No dia a dia das negociações, no Congresso dos EUA, entre o governo do presidente americano Barack Obama e os líderes dos partidos Democrata e Republicano, que pelejavam para fechar um acordo que evitasse a possibilidade de um calote no pagamento regular dos juros sobre a monumental dívida do país? A despeito da complexidade dos conceitos, pode-se dizer que, do ponto de vista técnico, as transformações do dinheiro e da informação são fenômenos essenciais para se entender as características básicas do mundo novo em que vivemos. E a grande mudança recente é que notícias e haveres financeiros passaram a circular à velocidade da luz e a ser acumulados em quantidades monumentais em diversos tipos de aparatos magnéticos, graças à revolução nas tecnologias de armazenamento e transmissão de dados que caracterizam as últimas décadas. Nas finanças, surgiu o mercado aberto, com as aplicações entre bancos centrais (aplicações interbancos) e também entre os BCs e as mesas das grandes casas financeiras. Apareceram os derivativos, contratos referenciados a diversas variações de preços, como os de commodities e de câmbio, às taxas de juros e mesmo às mudanças climáticas. Ou às perspectivas de calote dos tomadores de empréstimos, empresas ou nações, como é o caso dos credit default swaps. No campo da informação, surgiu a internet, que hoje, por exemplo, já é fonte de aproximadamente 40% das notícias nacionais e internacionais para a população americana. Em 2003, a worldwide web bateu o rádio, e em 2008 superou os jornais impressos como principal fonte de notícias nos EUA, segundo a World Association of Newspapers, uma associação internacional de jornais impressos. E ainda no campo da informação, mas em sentido mais amplo, há poucos anos a indústria cultural era praticamente a única produtora de filmes, vídeos, livros e programas de comentários e notícias, despejados sobre um público basicamente passivo. Mas em pouco tempo tudo mudou. Com o aparecimento dos blogs, das redes sociais como o Facebook, do YouTube e de correlatos, o público passou a compartilhar, produzir e divulgar informações e produtos culturais. A dívida pública americana entra nessa história por vários canais. Os americanos foram os campeões nesse processo de desenvolvimento da informação e do dinheiro. Foram, por exemplo, os criadores da Microsoft, da Apple e da Intel, as maiores e mais famosas empresas de software e de microeletrônica. Criaram o que chamam de “indústria financeira”. Já em meados dos anos 1980, a parte sul da ilha de Manhattan, em Nova York, havia se transformado no centro monumental das grandes casas financeiras globais. Ali ficam as duas grandes Bolsas globais, tanto a de Wall Street – na qual são listadas as tradicionais companhias americanas – como a Nasdaq – a das ações das empresas de tecnologia. E ali ficavam as torres gêmeas do World Trade Center, com as sedes de várias empresas associadas a esse mesmo sistema financeiro global. Apoiados num sistema de notícias em “tempo real”, informados sobre a saúde e os planos das empresas, sobre o sentimento dos consumidores e sobre o desempenho fiscal e financeiro dos governos de todo o mundo, os aplicadores das corretoras, dos bancos de investimento e dos operadores de vários tipos de fundos passaram a ser, como diz o romancista americano Tom Wolfe, um dos melhores narradores das histórias desse tempo, os “senhores do Universo”. As conquistas americanas alimentadas por esse novo ambiente de informação e dinheiro acelerados foram, de fato, extraordinárias. Nos anos 1970, os EUA enfrentaram uma grave crise. Entre 1971 e 1972, deixaram de honrar os acordos de Bretton Woods, pelos quais garantiam um pagamento equivalente em ouro para cada dólar em circulação, que se tornara a moeda internacional após a II Guerra Mundial. Em 1975, saíram derrotados do Vietnã. Em fins daquela década, a inflação no país atingiu dois dígitos. A recuperação ocorreu nas duas décadas seguintes e foi coroada com dois eventos monumentais: em 1989 caiu o Muro de Berlim e em 1991 desmoronou 49 retratodoBRASIL | 7 a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, criada a partir da Revolução Russa de 1917 para construir um novo regime social, em contraposição ao capitalismo. A partir de então, o modelo liberal americano tornou-se, aparentemente, o único caminho para o desenvolvimento das nações. E os anos 1990 foram, finalmente, os anos da exuberância dos mercados: o Índice Dow Jones, que mede a valorização das ações das principais empresas dos EUA, disparou de aproximadamente 3 mil pontos em 1990, data da primeira invasão americana do Iraque, para cerca de 12 mil pontos no início de 2000. DUAS FANTASIAS A esse rol de grandes fatos devemos acrescentar duas “teses” muito populares nos anos 1980 e 1990, especialmente. Elas são, digamos assim, conclusões mais amplas a que as pessoas recorrem para enquadrar os fatos numa moldura mais geral e orientar-se. Uma é que os EUA são a pátria da liberdade. A espetacular liberdade de informação de que o país desfruta é a causa central de suas grandes realizações. A outra é que os mercados, livres do intervencionismo estatal, são o instrumento básico para o desenvolvimento. Ronald Reagan, presidente americano por dois mandatos a partir de 1981, dizia que o governo não era uma solução para o problema de seu país – o governo era o problema. Na campanha eleitoral de 1980, ele apresentou uma animação empilhando dólares para mostrar o crescimento da dívida pública dos EUA. E prometeu cortar a dívida, para reduzir o tamanho do Estado. As grandes teses, no entanto, também acabam submetidas ao teste da prática. A democracia americana de fato teve sua fase progressista com a luta nacional pela independência da Inglaterra no final do século XVIII, a guerra civil pelo final da escravidão em meados do século XIX e a participação na frente antifascista na II Guerra Mundial. Mas há tempos o país tornou-se uma nação imperialista que impõe seu estilo de governo pela força das armas e associa-se aos grupos mais conservadores dos outros países para impedir a construção de caminhos de desenvolvimento alternativos ao modelo liberal. No final dos anos 1970, por exemplo, ainda no governo do democrata Jimmy Carter, para se contrapor às forças soviéticas que intervieram no Afeganistão a pedido de um governo secular, os EUA passaram a financiar e armar os grupos 8 | retratodoBRASIL 49 mais reacionários do islamismo, como os talibãs e os adeptos da seita wahhabista da Arábia Saudita, na qual se destacaria, depois, Osama Bin Laden. Também a recuperação financeira americana teve sua contrapartida. Por um lado, ela criou uma elite financeira global interessada na manutenção do sistema, a qual elevou sua participação no lucro total da economia dos EUA, por exemplo, de aproximadamente 15% para 40% entre os anos 1960 e 2000. Por outro, ao contrário do que Reagan propagandeava, a ação do Estado que ele comandava não reduziu a dívida pública. Ao contrário, elevou-a. A dívida americana havia dado três saltos: Em meados do século XIX, com os gastos na guerra civil, passou de aproximadamente 10% para 30% do PIB do país. Depois de décadas de queda, na I Guerra Mundial ela voltou a subir, de 10% para 40% do PIB americano. Para onde o capital dos milionários e bilionários pode fugir se a dívida americana perder o seu status de dinheiro global e faltar o porto seguro dos títulos do Tesouro dos EUA? Subiu novamente, de aproximadamente 20% para mais de 100% do PIB, no período que vai da Depressão, no início dos anos 1930, à II Guerra Mundial. Mas caiu para aproximadamente 40% do PIB americano, continuadamente, em todos os governos posteriores, de Harry Truman (1945-1953) a Jimmy Carter (19771980). Reagan elevou-a para cerca de 60% do PIB dos EUA. DEZ ANOS DE CRISE No final de 2000, as bolsas de Nova York despencaram. Chegara ao fim a época da “exuberância irracional” e da “ganância infecciosa” dos mercados, para usar os termos de Allan Greenspan, então presidente do Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano. E com os terroristas do 11 de Setembro o problema acentuou-se: faliram várias empresas da chamada “nova economia”, como a Enron e a Worldcom. E pareceu que a crise financeira americana teria um desfecho trágico. Mas o republicano George W. Bush, que governou de 2001 a 2008, empurrou a crise para frente com um aumento nas despesas na segurança interna do país e os gastos de duas grandes guerras: a invasão do Afeganistão em 2001 e a do Iraque em 2003. Com isso, elevou a dívida pública dos EUA de 5,72 trilhões para 9,21 trilhões de dólares, entre sua posse e o início de seu último ano de governo. E acelerou os gastos quando a crise explodiu de forma mais espetacular, em setembro de 2008. Esses gastos continuaram crescendo até que a dívida pública americana chegou a 14,3 trilhões de dólares neste ano. É muito dinheiro. Bem mais que todas as reservas em ouro depositadas por dezenas de bancos centrais do mundo – Brasil inclusive – no cofre do Fed de Nova Iorque, de 200 milhões de onças-troy. Como a onça-troy estava cotada a 1.600 dólares, em meados de julho, esse total equivalia a 3,2 trilhões de dólares. Ou seja, pouco mais de um quarto da dívida pública americana. Obama tocou o país tentando sair da crise por variantes dos mesmos caminhos pelos quais Bush vinha. E os EUA chegaram à situação atual: uma dívida pública de 14,3 trilhões de dólares, maior que o PIB do país, tal como após a II Guerra Mundial. E em situação muitas vezes pior: no dia 14 de julho, o governo americano teve de engolir calado a admoestação do portavoz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hong Lei. Ele disse: “Esperamos que o governo americano adote políticas responsáveis e medidas que garantam os interesses dos investidores”. Como se sabe, a China tem 1,15 trilhão de dólares em títulos garantidos pelo Tesouro dos EUA. Não será fácil para os americanos honrar seus compromissos e não é fácil, também, vislumbrar de que forma se vai substituir a dívida americana no papel que ela desempenha no atual sistema financeiro internacional. Quando a crise estourou, no final de 2007, o déficit do orçamento americano era de 165 bilhões de dólares e o PIB do país, mais ou menos do tamanho do atual. Agora, no orçamento anual que democratas e republicanos discutem para valer a partir de setembro próximo, o déficit está previsto para 1,3 trilhão de dólares, mais de 40% do total de receitas previstas para o governo. Ou seja, se os americanos tivessem uma Lei de Responsabilidade Fiscal como AS NOSSAS ILUSÕES LIBERAIS As reflexões sobre a dívida americana são especialmente oportunas para o Brasil, que nos anos 1980 e 1990 também foi assolado por um surto liberal. Essas ideias já estavam presentes no País na década final do regime militar de 1964 a 1985. O governo dos generais promoveu, então, um recuo organizado, de concessões a setores liberais, do grande capital e dos grandes proprietários de terra, que haviam se distanciado do regime. Uma amplíssima luta popular, desencadeada na segunda metade dos anos 1970, empurrou a aber- Reprodução a que o Fundo Monetário Internacional impôs ao Brasil no final de 1998, quando o País quebrou, que obriga o governo a ter um superávit primário – um saldo de receitas sobre as despesas correntes para evitar o crescimento da dívida –, teria de cortar, na próxima execução orçamentária, mais de 40% de todas as despesas atualmente previstas. Isto porque as medidas extraordinárias de estímulo monetário que os governos Bush e Obama tomaram ao emprestar alguns trilhões de dólares àqueles considerados muito grandes para falir não surtiram o efeito esperado – estimular a economia. E essa é a principal causa do déficit: mais da metade dele vem da queda de receitas decorrente do baixo crescimento econômico, a despeito de todos os estímulos. Já os anos de renascimento do projeto liberal criaram centenas de bilionários e cerca de 10 milhões de milionários – o maior lote deles formado por americanos – espalhados, de modo geral, pelas economias mais ricas. Os títulos da dívida pública americana são a principal forma de dinheiro desses magnatas, de suas empresas e principais executivos. Em todas as crises financeiras menores, dos anos 1990, e mesmo, de início, na crise de 2008, a fuga desses aplicadores, que buscam ganhos maiores em investimentos mais rentáveis e de maior risco, foi em busca do porto seguro que representavam os títulos do tesouro dos EUA. E agora, para onde eles podem fugir? E mais, como os americanos, em última instância, sairão da crise, se nos anos da euforia liberal transferiram boa parte do parque produtivo americano para ser operado por mão de obra barata na Ásia e deixaram o país com menos condições para reagir? Com um setor produtivo reduzido, de que forma os americanos poderão estimular a criação de emprego e o crescimento econômico? Cofre do Fed em Nova York: o ouro de dezenas de países atinge 3,2 trilhões de dólares, o que representa pouco mais de um quarto da dívida pública dos Estados Unidos tura para além dos limites imaginados pelos generais, mas foi insuficiente para afastá-los do poder. Na crise do início dos anos 1970, os americanos romperam unilateralmente o compromisso de garantir com suas reservas de ouro os dólares emitidos. Hoje nem esse tipo de ilusão existe mais Em 1985 foi feita uma transição negociada para um governo democrático. E todos os governos que se seguiram acrescentaram à abertura inicial mais alguns pontos, que acabaram dando ao País o regime atual, de amplas liberdades políticas. Ao mesmo tempo, no entanto, a democratização não removeu do País uma das principais características do seu atraso: a dependência econômico-financeira. Podese dizer, inclusive, que o Brasil saiu da ditadura militar para a ditadura do capital financeiro. Isso se deu exatamente com um extraordinário crescimento da influência da imprensa liberal e com uma ampla abertura para a circulação de capitais. Por exemplo, nunca na história deste País, como diria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o capital financeiro internacional mandou para suas matrizes no exterior tanto dinheiro quanto agora. Para este ano, na última estimativa feita em junho pelo Banco Central do Brasil, serão 37 bilhões de dólares, mais de sete vezes a média de remessas dos oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, apenas a título de lucros e dividendos. Será essa a contribuição brasileira para ajudar a resolver a crise financeira que se abate sobre o capitalismo central? 49 retratodoBRASIL | 9