Meninos Morenos - CP 01ed02 rev.1990.indd

Transcrição

Meninos Morenos - CP 01ed02 rev.1990.indd
Os Meninos Morenos – Ziraldo
O autor
PROJETO
P
ROJETO D
DE
E LLEITURA
EITURA
Ziraldo Alves Pinto
1
nasceu em Caratinga,
Minas Gerais. Desde a
mais tenra idade, Ziraldo já demonstrava paixão pelo desenho. Desenhava em todos os
lugares – nas calçadas,
nas paredes, na sala de aula... Outra de
suas paixões é a leitura. Lia tudo o que
lhe caía nas mãos: Viriato Correa, Monteiro Lobato e todas as revistas em quadrinhos da época.
A carreira de Ziraldo começou na revista Era Uma Vez... Depois, ele trabalhou em diversos jornais e revistas: Folha de Minas, A Cigarra, O Cruzeiro, Jornal do Brasil.
Ziraldo fez também cartazes para vários
filmes do cinema brasileiro; por exemplo, Os Fuzis, Os Mendigos, Selva Trágica etc.
Por causa da diversidade de sua obra,
não é possível limitá-lo apenas às artes
gráficas. Ele é um artista que tem, ao
longo dos anos, desenvolvido várias facetas de seu talento. Ziraldo é cartazista, pintor, jornalista, teatrólogo, chargista, caricaturista e escritor.
Atualmente, sua arte está presente em
nosso cotidiano e pode ser identificada,
Ficha
em centenas de camisetas, cartazes da
Feira da Providência, selos comemorativos do Natal, dos Correios e Telégrafos,
campanhas do PNLD etc.
Na literatura infantil, o autor estreou
com Flicts, publicado em 1969. Com o
máximo de cores e o mínimo de palavras, nesta obra Ziraldo conta a história
de uma cor que não encontrava seu lugar no mundo. Já na obra Os Meninos
Morenos, publicada em 2003, o diálogo
entre a prosa poética de Ziraldo e a poesia de Humberto Ak’abal está marcadamente registrado.
Autor:
Ziraldo
Poemas:
Humberto Ak’abal
Título:
Os Meninos
Morenos
Ilustrador:
Ziraldo; Borjalo e
telas de Portinari.
Formato:
15,5 x 23 cm
No de páginas:
96
Resenha
Segundo o próprio Ziraldo, a obra Os
Meninos Morenos é uma tentativa de
revelar para o mundo quem somos.
Para isso, as lembranças da infância de
dois meninos cor de terra – um na Guatemala, outro no Brasil, dois países deste enorme continente de meninos morenos – são reveladas. O menino moreno do Brasil tece a narrativa com passagens de sua avó pescando lagosta e
de seu avô que, um dia, lhe explicou a
música que a chuva toca (“É a chuva,
meu filho, tocando sua música”). Esses
dizeres do avô marcaram fortemente o
>>
Elaboração:
Sonia Maria Soares dos Reis
Quadro sinóptico
Gênero: prosa poética/poesia
Palavras-chave: meninos
morenos, aldeia, pueblo,
cidadezinha, infância
Temas transversais: direitos
humanos, pluralidade cultural,
saúde
Interdisciplinaridade: Língua
Portuguesa, Artes, Ciências,
História e Geografia
INDICAÇÃO:
leitor crítico:
a partir de
11
anos
ensino
fundamental
>>
personagem; até hoje, toda vez que
ouve a chuva tamborilando no telhado,
o moreno Ziraldo sente uma enorme
sensação de aconchego e segurança. Ziraldo relembra também o dia em que
seu pai decidiu despachar o cachorro
Zulu de trem... A imagem do pobre cão
chorando como criança, justo Zulu, que
sempre fazia festa como quem não sabe
o que é guardar rancor... Há, ainda, recordações do nascimento de um de seus
seis irmãos pelas mãos do avô parteiro;
da primeira vez em que seu pai foi ao cinema com ele e tantas outras recordações poéticas que preenchem o coração
de nosso narrador. Enfim, Os Meninos
Morenos é uma homenagem a várias
figuras importantes da vida do autor –
seus pais, seus avós, seu tio João Gualberto, além de seus amigos Zé Mamona, João Permanente, Zé Biscoito, João
Bobo e João Barbeiro – todos fiéis habitantes da terra dos meninos morenos de
sua infância. Ao mesmo tempo, o menino moreno da Guatemala empresta
alguns de seus belos e sensíveis versos,
também relatando trechos de sua infância, para, ao longo do livro, compor a
ternura e o brilho do universo “morenocêntrico” apresentado por Ziraldo.
Os Meninos Morenos aborda a temática da História e Cultura Afro-Brasileira
e Indígena da Lei n.11.645, promulgada
em 10 de março de 2008.
2
Conversa com o professor
Na perspectiva
i d
de Roland
l d Barthes,
h o
livro é um mundo. Nessa simples consideração, se reconhece a especificidade
do mundo da arte, garantida pelo escritor que cria as suas próprias dimensões,
avançando os limites estéticos e sociais
convencionais, para transformar a realidade conhecida e transfigurar a imagem do mundo. A arte, nesses termos,
é uma ruptura que permite a redescoberta e reelaboração das coisas que estão aí prontas, padronizadas; a ela não
se impõem os limites da História e a réplica de situações vigentes.
Considerando a definição de Julia Kristeva do texto como um diálogo de códigos que se produz, simultaneamente,
em nível de escritura e leitura, elucida-se a atitude criadora quanto aos rumos
que ela possa seguir ao intertextualizar
linguagens, experiências etc. A evocação
daquilo que o escritor lê, quando escreve, transformando o que evoca, pode
preencher o espaço do discurso com reminiscências, fatos lineares, descritivismo de paisagens e situações que o empobrecem pela ênfase especular. Como
pode, também, ir além da fixação da fotografia de dados realistas ou pessoais
para transgredir a reprodução pela tessitura de um universo simbólico. É nessa
segunda situação que inserimos a obra
Os Meninos Morenos, do escritor Ziraldo, com versos de Humberto Ak’abal.
Texto de dimensão profunda, que
não se submete à história particular do
escritor nem à época delimitada e a espaço preciso, atravessa os tempos, apresenta-se sempre atual, justificando-se como
eterno. Este livro confirma que a arte é
uma afirmação da essencialidade.
Preparando a leitura
– Afixe na sala de aula um cartaz que
contenha a famosa frase de Ziraldo:
“Ler é mais importante do que estudar”.
– Reflita com os alunos por que o autor
defende a ideia de que ler é mais importante do que estudar.
– Faça um levantamento com eles sobre os benefícios da leitura. O que ela
proporciona? Entretenimento, lazer,
aquisição de conhecimentos, ampliação do horizonte de experiências são
algumas possibilidades de resposta.
– Brinque de “Marcha, soldado” com
os alunos e, em seguida, leia para eles
o poema de Fátima Miguez:
“A infância avança/ de espada na
mão.../ Na liderança,/ um menino-capitão/ abre o desfile/ com seu cavalo-invenção/ soltando as rédeas/ da divertida fantasia/ de soldado-folião!/ O corneteiro anuncia/ a harmonia da festa,/
o ritmo empresta/ uma marcha marcial./
>>
>>
É tempo de carnaval!/ ”Marcha, soldado,/ cabeça de papel!Quem não marchar
direito/ vai preso pro quartel.”/ Marcham
meninos/ cumprindo seus destinos,/ na
valente brincadeira de soldados libertos/
pela alegria passageira./ Mesmo descalços,/ o sonho calça/ a carência do dia a
dia/ em três dias de folia.”
(Fátima Miguez)
– Depois, localize no livro Os Meninos
Morenos alguns fragmentos que trazem o mesmo tema: as cantigas e as
brincadeiras infantis.
Trabalhando a leitura
O momento da sensibilização
Sugerimos que instigue seus alunos,
apresentando alguns textos variados de
Humberto Ak’abal e fragmentos do texto em prosa de Ziraldo, como os que seguem. Deixe que eles conversem livremente sobre as impressões que tiveram.
“Quando nasci, as cidades de minha
infância eram exatos pueblos. E tinham
rios. Mais belos do que o Tejo. Era bonito, ainda que mortal, o pequeno rio
da minha primeira aldeia, o lugar onde
nasci.” (p. 10)
“Mi pueblo é grande.
É preciso esfregar
Sua terra nas mãos,
Sentir-se árvore entre bosques,
Reverenciar seus rituais...” (p. 7)
“Mamãe dizia que ele era puri. Na região do Brasil de onde eu vim, o Vale do
Rio Doce, havia dois grupos indígenas
que foram dizimados pelo colonizador:
os coroados e os puris. Na minha infância mais remota, vivendo ainda às margens do grande rio, lembro-me de que
descendentes dos puris, às vezes, apareciam na rua – como as populações rurais
chamavam o povoado – vendendo artesanato, cestas, tacapes, flechas, enfeites
de pena, artefatos de barro.” (p. 44)
3
“De barata a gente não gostou nunca. Mas os besouros, estes eram nossos
amigos.
Primeiro era fácil brincar de boizinho
com os besouros que a gente pegava
caídos ao pé do poste, nas noites de verão. Com uma linha amarrávamos uma
caixa de fósforos no seu dorso e fazíamos com que ele a puxasse como se
fosse um burrinho de carga...” (p. 50)
“O canto dos pássaros
está bem escrito,
qualquer um
pode senti-lo.” (p. 94)
Antecipe aos alunos que o livro que
vão ler trata das lembranças infantis dos
meninos morenos Ziraldo, brasileiro, mineiro do Vale do Rio Doce, e Humberto
Ak’abal, guatemalteco, do povo indígena
maya k’iche.
Após a leitura dos fragmentos acima,
indague sobre as afinidades entre os dois
meninos artistas: o fato de ambos serem
americanos (sul e central), a miscigenação nacional, as memórias da infância...
Localize a Guatemala no mapa: o que haveria em comum entre os dois países? >>
>>
Explorando a leitura
Outras atividades de sensibilização
podem aguçar a curiosidade dos leitores. Veja sugestões:
• Leve para a sala de aula fotos dos dois
artistas e mostre aos alunos. Apresente, ainda, outros livros de Ziraldo para
que eles possam folheá-los.
• Chame a atenção para alguns títulos e
capas dos livros de Ziraldo: O Menino
Maluquinho, O Menino Quadradinho,
O Menino Mais Bonito do Mundo, O
Menino da Lua... Quantos meninos!
Converse sobre “a presença do menino” na narrativa de Ziraldo.
• Finalmente, proponha uma sessão de
cinema para os alunos com o filme O
Menino Maluquinho, produzido em
1995. Converse com os alunos sobre
a adaptação do texto de Ziraldo feita
por Helvécio Ratton para a arte cinematográfica.
4
Primeira etapa do trabalho: da leitura semântica
Embora pertença ao universo da cultura infantil, com elementos lúdicos (brincadeiras, cantigas, jogos), o livro Os Meninos Morenos extrapola esse universo:
faz dialogar diferentes artistas e poetas
de séculos diferentes, de lugares diferentes. Nele estão presentes elementos
das culturas brasileira, portuguesa, guatemalteca... Assim, o livro oferece oportunidade para percebermos a história
dos meninos morenos sob vários pontos de vista:
– No início do livro, o escritor reproduz
um poema de Humberto Ak’abal, tornando evidente a intenção de dar ao
texto e às suas reminiscências sentido
poético, predispondo o leitor a uma
leitura sensível, que ultrapassa o limite
da expressão comum, puramente informativa, e da narração de fatos de
dimensão mais objetiva. O resultado
é uma obra reveladora de um estado
poético, decorrente da pureza da alma
e da espontaneidade do ser livre.
Os meninos morenos, que estão em
qualquer tempo e espaço, são colocados numa relação direta com elementos
da natureza – o riozinho, a chuva (tamborilando no telhado), o ar, o vento e
os pássaros – elementos de sentido me-
taforicamente poético, igualando-se ao
estado natural, bruto, misterioso e ilimitado da realidade, onde existe poesia.
“A chuva era muito forte, mas meu
avô estava protegido por sua enorme
capa gaúcha, que cobria, também, o
dorso do animal que ele montava: contra a luz dos raios, a silhueta que se desenhava parecia ser a de um só animal.
Acomodado sobre a cabeça do arreio,
na altura dos meus três anos, eu ia encolhidinho sob a capa que cobria o avô
e o cavalo. Ia ouvindo o tamborilar da
chuva caindo sobre a grossa gabardine
de que a capa era feita. Paciente, o avô
explicava ao menino curioso: ‘É a chuva,
meu filho, tocando sua música’. Sua voz
parecia vir do céu, lá fora.” (p. 13)
O escritor explora o relacionamento
poético dos meninos morenos com coisas miúdas e com a natureza, envolve-se
nesse processo de captação da atitude infantil, reassumindo a relação primeira, originária, mítica e poética da criança com o
mundo. Ele concilia o adulto, amadurecido para o seu intento criador, com o menino, mergulhado na magia da infância:
“O Jarinho falava com os animais. Ao
lado das plantas de seu pai, no seu quin-
>>
Geografia e História
tal, havia um pequeno jardim zoológico
que me matava de inveja (...).
Principalmente, o Jarinho tinha passarinhos nas inúmeras gaiolas penduradas
na grande varanda dos fundos, na sala
da casa, nas janelas.
Sua casa era uma sinfonia, e Jarinho
imitava os cantares de todos os seus
passarinhos.” (p. 45)
Atividade
i id d prática
i
O narrador-personagem é um menino com uma história particular, vivida
ao lado de seu pai, Geraldo; sua mãe,
Zizinha; avô, avó, irmãos; entretanto, o
texto imprime a essa história um caráter
universal. Ele é uma criança que experimenta a vida com toda a liberdade da
infância, descobre e cria coisas insólitas,
entende o mundo no dinamismo do seu
crescimento em diferentes estágios (p.
22 – o menino tem 6 anos), adentrando a realidade a cada momento com
mais profundidade. Tem espírito curioso e sensível, é observador, manifestando, por meio do desenho, a sua índole inventiva, pronta para o inesperado e
para a transformação do esperado.
5
mos conhecer a História. Proponha aos
• Estimule os alunos a pensar sobre a vida
alunos que eles sejam “historiadores”
deles mesmos. Seus alunos são de cidade
e pesquisem como vivem os garotos de
do interior? A cidade é um grande centro
Portugal, na região do Tejo, e como viurbano ou não? Do que eles brincam?
vem os garotos da Guatemala. Eles vão
Onde brincam? Depois, incentive-os a farefletir sobre os modos de vida em dizer uma comparação da infância dos gaferentes épocas e lugares: como se vesrotos do interior com a dos garotos dos
tem, o que comem, como se divertem,
grandes centros urbanos: como vivem e o
como são suas casas e suas famílias. A
que gostam de fazer? Quais os hábitos e
vida dessas crianças é muito diferente da
costumes das crianças que vivem em ouvida do menino do Vale do Rio Doce?
tros países como Portugal e Guatemala?
• Explique aos alunos que os historiado- • Monte um grande painel com mapas
desses lugares e fotos ou desenhos de
res estudam documentos e todo tipo de
crianças em seu dia a dia, em seus respista deixada pelas pessoas. Depois, em
pectivos países.
livros e exposições, expõem o significado
dessas pistas, para que também possa-
Artes e Língua Portuguesa
• Dê oportunidade de a criança se colocar • Proponha aos alunos que contem a “História de sua vida” p
por meio de:
na própria sala de aula e relatar suas experiências. Para isso, ela pode usar brinnquedos, brincadeiras, jogos, fotografias,
s, – textos em versos;
relatos por escrito sobre sua família: avô,
ô,
– desenhos das recordações mais
pai, mãe, irmãos etc.
importantes;
– relatos memorialísticos;
– colagens de lugares, cenas;
– álbuns de fotografias.
Artes e Língua Portuguesa
Brinquedos e brincadeiras existem há muitos e muitos anos. Não sabemos quem os inventou, só sabemos que eles são até hoje transmitidos por meio da cultura popular, de
boca em boca, de pai para filho, em todos os lugares de nosso planeta.
Criar brinquedos e brincadeiras é uma tarefa interessante e divertida: cada brinquedo
pode apresentar uma forma, um tamanho, uma cor diferente... de acordo com a imaginação de quem o constrói.
Ziraldo conta no seu livro Os Meninos Morenos que o seu negócio era ficar desenhando (p. 72), enquanto todos os seus amigos faziam seus brinquedos (carrinho de rolimã,
pião, pipas, gaiola etc.) e desenvolviam brincadeiras (soltar papagaio, jogar bola de gude,
rodar pião, pegar passarinho etc.).
colaborar trazendo gravuras e fotos de
• Divida a turma em dois grupos. O grubrinquedos populares para ajudá-los em
po 1 ficará encarregado de confeccionar
suas criações artísticas.
brinquedos folclóricos com sucata – madeira, latas, garrafas etc. E seus compo- • Organize, com os brinquedos confeccionentes poderão contar com a participanados, uma exposição para ser vista por
ção de pessoas da família/comunidade
toda a comunidade escolar. Durante o
para orientá-los. O grupo 2 deverá reevento cultural, as cantigas e brincadeicolher as cantigas e brincadeiras popuras pesquisadas devem ser compartilhalares (não só brasileiras, mas também de
das com o público.
outros povos). Você, professor, poderá
Educação
ç Física
• Professor, para envolver os alunos, você
pode organizar suas aulas em eventos
como: “Hoje é dia dos brinquedos...”;
“Hoje é dia das brincadeiras...”; “Hoje é
dia de sessão de filmes...”. E, sempre que
6
possível, estabeleça comparações entre
o universo das experiências infantis dos
participantes e o dos meninos morenos
de Ziraldo.
Segunda etapa do trabalho: da linguagem visual
A propensão para o jogo e para o imaginário é tipicamente da criança e viabiliza ao escritor, por meio da recuperação da potencialidade lúdica do mundo infantil, atingir o plano poético na
sua criação: a sua linguagem sensível é
fértil de significações metafóricas e de
construções que se apoiam na exploração sonora e gráfico-visual. No livro Os
Meninos Morenos, a comunicação se
faz de forma plástica, ampla, por meio
de significações contidas na forma, na
cor, na disposição da palavra no espaço
em branco entre um fragmento e outro.
Chame a atenção
ç do aluno para:
p
– o uso de capitulares;
– as belíssimas e sugestivas vinhetas;
– os diferentes tipos de letra utilizados no diálogo entre texto em verso e
texto em prosa;
– o emprego dos recursos gráficos
(p. 46-47/64);
– o diálogo com outras artes.
Atividade prática
A arte tem muitos segredos. Para desvendá-los, temos de aprender a observar o mundo
à nossa volta como se fosse a primeira vez que fizéssemos isso. É preciso aguçar os sentidos; não só a visão, mas também o tato, o paladar, o olfato e a audição.
Também é preciso conhecer a arte e os artistas, ver as reproduções de obras em livros
e revistas e ler poemas e narrativas. É interessante ler, também, o que dizem os críticos a
respeito dos artistas e de suas respectivas obras.
Artes e Língua Portuguesa
Escolha um aluno que, depois de obser• Organize uma aula em que os alunos
var o cartaz, fique na frente da turma,
tenham a oportunidade de apreciar os
de costas para o cartaz, descrevendo-o
mais diversos objetos (caixinhas, balande acordo com o que ficou registrado
gandãs, desenhos, lenços, instrumentos
em sua memória.
musicais, carrinhos, bonecas, fotografias, selos etc.). Coloque esses objetos • O próximo passo é fornecer histórias em
em uma grande caixa no centro da sala,
quadrinhos aos alunos. Peça que obreúna a turma e peça a todos que observem as cores usadas nos quadrinhos
servem os objetos ali colocados. Depois,
(elas se repetem ou não?), os recursos
peça que cada um retire da caixa o objegráficos, os tipos de balão (fala, de lito que mais lhe agrada. Estabeleça com
nhas quebradas, uníssono, cochicho, reos alunos uma conversa sobre a escolha
tangular etc.), a paginação e o que eles
feita por eles: o que (cor, textura, forexpressam. Em seguida, discuta com os
ma, tema etc.) o levou a escolher aquele
alunos a frase:
objeto e não outro? Mostre a eles que
nós estabelecemos relações com tudo o
“(...) o verdadeiro artista não pode vique nos cerca por meio de laços afetivos,
ver sem sua forma de expressão”.
sensações, referências.
• Traga um cartaz com uma paisagem, uma • Informe aos alunos que, em outubro
de 1960, a empresa gráfica O Cruzeiro
cena ou um conjunto de objetos que tepassou a publicar uma revista de quadrinha correspondência com os da história
nhos genuinamente brasileira. Tratavade Os Meninos Morenos. Peça à turma
-se de O Pererê, criação de Ziraldo Alves
que o observe bem, a fim de memorizar.
Pinto, que enfocava uma figura bastante
7
conhecida de nosso folclore, o Saci-Pererê.
• Convide os alunos a fazer uma releitura, por meio de desenhos, dos personagens da Turma do Pererê.
Com o livro Os Meninos Morenos, podemos constatar a forma de expressão
de Ziraldo. Então:
• Convide seus alunos a observar as
ilustrações do livro e o projeto gráfico.
Há todo um cuidado, toda uma arte
na composição do texto de Ziraldo.
O projeto gráfico é variado, cada página parece ter um desenho próprio
(verifique os detalhes, admire os tons
das cores, descubra os traçados).
• Organize uma seleção de livros ilustrados por Ziraldo. Apresente-os aos alunos, comentando o uso de recursos
expressivos da linguagem visual. Chame a atenção para o “estilo” de Ziraldo. Compare os livros. Organize uma
exposição na sala ou no pátio. Peça
aos alunos que escolham uma imagem/cena e, individualmente, façam,
por escrito, uma pequena descrição
da “imagem” escolhida e do estilo do
artista. Coloque os textos correspondentes ao lado de cada desenho para
que todos possam ler.
Terceira etapa do trabalho: da leitura intertextual
Em termos menos específicos, a intertextualidade significa um diálogo entre textos,
porque quem escreve deixa aflorar, de forma intencional, certas experiências, e outras
afloram inconscientemente; em outras palavras, aquilo tudo que foi lido e recolhido e,
portanto, faz parte do universo do autor, é transformado no momento da produção do
texto.
O escritor, ao escrever, lê experiências, vivências de âmbito particular, revê a realidade
existencial, sociocultural e histórica e textos de outros autores que são convenientes a
sua escritura.
Retomando a leitura do texto Os Meninos Morenos, observamos que o discurso de
Ziraldo se estrutura sobre o diálogo da narrativa com a poesia, transgredindo o limite
do gênero literário puro. Além do diálogo da narrativa com a poesia, no livro cruzam-se
se também:
– cantiga popular: Meu pai foi menino
de origem muito humilde, pobre, pobre,
pobre, de marré, marré, marré. (p. 34);
– fotografias: (p. 88-89);
– documentos oficiais: auto de cartório
(p. 34);
– citações de marchinha de carnaval:
Meu periquitinho verde, tire a sorte, por
favor..., de Nássara e Sá Roriz (p. 16);
– epígrafe: Eu também já fui brasileiro, /
moreno como vocês, de Carlos Drummond
de Andrade (abertura do livro, p. 4);
– telas de Portinari: Café, 1935 (p. 30); e
Brodowski, 1958 (p. 84-85);
– desenho de Portinari: Menino, 1950
(p. 55);
– Hino da Marinha: Qual cisne branco/
que em noites de lua/ vai navegando no
lago imenso... (p. 24);
8
– paráfrase da “Canção do exílio”, de
Gonçalves Dias: Pois é: minha terra tinha palmeiras onde, em vez de sabiá,
cantava o melro. E, como a gente chegava
muito cedo para a aula, os melros ainda
estavam cantando a sua canção matinal.
Era como se estivessem saudando os meninos morenos, que também chegavam
em bando para a escola. (p. 45);
– ilustração de Borjalo: cartum (p. 79);
– texto de Fernando Pessoa: O Tejo é
mais belo que o rio que corre pela minha aldeia./ Mas o Tejo não é mais belo
que o rio/ que corre pela minha aldeia./
Porque o Tejo não é o rio que corre pela
minha aldeia. (p. 10);
– canção: pauta de Sérgio Ricardo para o
tema da fita Deusa de Joba (p. 86);
– citação: nomes de filmes e heróis (p. 8384).
Atividade prática
A leitura do livro permite a interpretação de várias realidades (Fernando
Pessoa – Portugal/Aldeia; Humberto
Ak’abal – Guatemala/Pueblo; e Ziraldo –
Minas Gerais/cidadezinha) e determina
associações que condicionam leituras
variadas, detectáveis, ora em termos de
semelhanças entre tais realidades, ora de
oposições. Assim, o escritor lê a própria
vida e a de todos os seus irmãos, meninos morenos, no seu transcurso simples
e, ao mesmo tempo, profundo, imbricando a realidade simbólica do menino,
principiante – aprendiz na trajetória da
vida.
Nessa trajetória, os olhares dos artistas
se cruzam. Ziraldo, Humberto Ak’abal e
Portinari reconhecem diferentes formas
de injustiça social contra os meninos
morenos e, também, contra os homens
americanos. Portanto, oferecer suas
obras aos alunos é uma forma de sensibilizá-los para questões que demandam
solidariedade:
“A Lua
busca algum buraquinho
nas casas de pau a pique,
entra
e se senta no chão.” (p. 56) >>
>>
“João Permanente morava num barraco miserável, de pau a pique e sapé
(...)”. (p. 56)
“Os meninos morenos daqueles dias
morriam muito: por causa da água ou
por falta de água. As doenças que os
matavam eram provocadas pelos vermes que habitavam o rio de muito pouca água (...). Ou eram causadas pela desidratação dos recém-nascidos, por falta de informação das populações pobres dos cantos de rua.” (p. 60)
Artes, Filosofia e Geografia
• Converse com os alunos sobre a
“Declaração Universal dos Direitos
Humanos” (aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em
10 de dezembro de 1948) e “Os Direitos da Criança” (Declaração proclamada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, em 20 de novembro
de 1959). Leia alguns fragmentos do
documento e questione se esses direitos têm sido respeitados.
9
– “Todos os homens nascem livres. Todos os homens nascem iguais e têm,
portanto, os mesmos direitos.”
– “Todas as crianças têm o direito de
crescer protegidas, queridas e bem
tratadas. Como as plantinhas de que
a gente cuida com amor e carinho
para que cresçam bonitas e viçosas!”
– “Mesmo sendo muito diferentes
umas das outras e morando em lugares também muito diferentes, todas
as crianças têm o direito de ir à escola
para aprender. E o direito de brincar,
brincar bastante, para crescerem pessoas bem felizes.”
• Leve para a escola reproduções de telas de Cândido Portinari (sugestões:
a série Os Retirantes e telas de crianças de Brodósqui: Meninos Soltando
Pipa, 1943; Futebol, 1935 e outras)
para que os alunos observem as emoções que as telas suscitam. Como o
artista retrata o seu povo, a sua gente? Quem são as pessoas retratadas?
Como vivem? A sociedade e as autoridades públicas dispensam os cuidados devidos às crianças, às suas famílias?
• Procure informações sobre algum
programa de melhoria no padrão de
vida das pessoas mais pobres de seu
município (nas áreas de educação,
saúde, habitação, transporte ou mesmo na oferta de alimentos ou criação
de empregos). Elabore um boletim
informativo com as informações obtidas. Associe os artigos do boletim com
imagens de Portinari e com trechos
da “Declaração Universal dos Direitos
Humanos”.
• Selecione poemas de Humberto Ak’abal
e fragmentos do livro Os Meninos Morenos que dialoguem com as telas de
Portinari, com a “Declaração Universal
dos Direitos Humanos” e com os “Direitos da Criança”. Organize um painel
com as telas de Portinari na sala de aula
ou no pátio, associando o texto verbal
ao texto pictórico por meio de aproximação dos temas.
QUER SABER MAIS?
Para um trabalho mais aprofundado
sobre a obra de Ziraldo e sobre as propostas pedagógicas, consulte os termos
técnicos de leitura visual e a bibliografia
sugerida.
Pequeno glossário
Capitular é a letra que inicia um capítulo ou poema. Pode ser do mesmo tipo
usado no texto, em tamanho maior, em
negrito ou itálico; ou de tipo diferente;
ser ornamentada ou acompanhada por
um desenho relativo ao texto.
Ilustração é toda imagem que acompanha um texto. Pode ser um desenho,
uma pintura, uma fotografia, um gráfico etc.
Projeto gráfico é o planejamento de
qualquer impresso: cartaz, embalagem,
folheto, jornal, revista etc. No caso do livro, o projeto gráfico abrange: formato,
número de páginas, tipo de papel, tipo
e tamanho das letras, mancha (a parte impressa da página, por oposição às
margens), diagramação, encadernação
(capa dura, brochura etc.), tipo de impressão etc.
Vinheta é uma ilustração pequena,
até cerca de um quarto do tamanho da
página. Pequena estampa ou figura que
se coloca no princípio de um livro, intercalada no texto, no princípio ou no fim
de qualquer divisão ou subdivisão dele.
Do francês vignette, “pequena vinha”,
esses ornamentos representavam, na
10
origem, cachos e folhas da videira, símbolo da abundância.
Bibliografia básica
ARNHEIM, R. Arte e Percepção Visual
– Uma psicologia da visão criadora. São
Paulo: Pioneira. USP, 1980.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
CAMARGO, Luís. Ilustração do Livro
Infantil. Belo Horizonte: Lê, 1995.
READ, H. Educação pela Arte. São
Paulo: Martins Fontes, 1977.
ANEXO
A
NEXO TTEÓRICO
EÓRICO
Metodologia da Interpretação
Vivemos em uma sociedade grafocêntrica, embora se saiba que essa posição
conferida à palavra escrita não significa exclusividade; não só porque há culturas que
dela prescindem, mas também porque, na atualidade, confere-se à imagem uma nova
dimensão. Mas isso não impede que nos aproximemos da escrita informativa ou poética
– com certo respeito.
Com o objetivo de possibilitar a constru- contextualizada, no qual o aluno deverá
ção da compreensão de diferentes textos, interpretar o texto narrativo.
que abordam dos fatos mais simples aos O terceiro momento, o da aplicação, formais complexos, dos mais concretos aos mado pelos dois precedentes, é o da remais abstratos, valemo-nos da metodolo- cepção efetiva do texto, quando há formagia dos três olhares – Metodologia da In- ção de julgamento estético e, com ele, a
terpretação para auxiliar o ato da leitura. atualização do texto. Esse momento abarEssa metodologia tem sido vista como uma ca dois níveis de leitura: o nível da leitura
unidade tripartida em compreensão, inter- crítica, no qual o aluno deverá apreender
pretação e aplicação.
o discurso temático e ampliar o seu horiAssim, o primeiro momento, o da compreensão, quando se faz o primeiro contato
com o texto e a apreensão dos seus referenciais, corresponderia ao nosso nível de
leitura literal, no qual o aluno deverá reconhecer os elementos da superfície do texto,
como personagens, espaço, tempo. Para
isso, faz-se necessário, evidentemente, ter
domínio do código da língua portuguesa.
zonte de expectativa, dialogando com outros textos, formadores de sua história de
leituras e que abordem o mesmo tema, e
o nível da metaleitura, no qual o aluno deverá ter o domínio do conhecimento, pela
apropriação do discurso metalinguístico.
Conceitos e teoria dessa metodologia podem ser aplicados à leitura do texto verbal e
não verbal, uma vez que ela admite a interO segundo momento, o da interpretação, textualidade e a interdisciplinaridade; enfim,
quando o aluno, pelo exercício da herme- o dialogismo entre textos de áreas diferennêutica, dialoga com o texto, dá-se pela tes, mas de conteúdos complementares.
concretização de uma leitura mais apurada, tendo por base o horizonte de expectativa da primeira leitura. Esse momento
corresponde, para nós, ao nível da leitura
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Método dos três olhares à luz da estética da recepção
apresentado no quadro a seguir:
MOMENTOS DO
OLHAR
O que acontece
O que faz
2o MOMENTO
Olhar mediador
3o MOMENTO
Olhar ativo
Encontro do leitor
com um mundo
que não conhece
Encontro do leitor
com o mundo
significativo
Encontro do leitor
com o mundo
novo que agora
conhece
Uma leitura
que apanha
os elementos
significativos,
sinais, referentes
Uma leitura de
diálogo com o
texto, por meio
da pergunta e da
resposta
Uma leitura de
cruzamento do
ver e do sentir,
do exterior e do
interior, ou seja,
cruzar experiências
Olha e vê
Olha, vê, interroga
e busca
Olha, encontra,
associa, reúne,
interioriza, vê e lê
O que importa
Reconhecer
os elementos
significativos,
sinais, referentes
O exame da
realidade
representada,
por meio do
questionamento da
busca dos porquês,
causas e motivos
A integração do
novo que se vê
e do antigo que
é a experiência
do já visto, fusão
de horizontes,
ampliação de
conhecimento
O que resulta
Compreensão
VER-POR-CONHECER
Interpretação
VER-E-PENSAR
Aplicação
VER-PENSAR-LER
Como faz
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1o MOMENTO
Olhar receptivo
Bibliografia:
JAUSS, H. R. A História da Literatura como
Provocação à Teoria Literária. São Paulo:
Ática, 1994.
LONTRA, Hilda Orquídea Hartmann (org.)
Leitura e Literatura Infantil - Questão do ser,
do fazer e do sentir. Oficina Editorial do Instituto de Letras da UnB: FINATEC, 2000.
ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura - Perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática,
1988.
Este projeto de leitura está com a Nova Ortografia
conforme o Acordo Ortográfico da Língua Protuguesa.