Um artigo - Social Good Brasil

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Um artigo - Social Good Brasil
LUCRAR É SIMPLESMENTE SOBREVIVER
O conceito de Inovação Social e geração de valor distribuído
Existe um grande abismo entre a escala dos problemas que enfrentamos e a escala
das soluções que oferecemos*1. O mundo de hoje abundante nos mostra com nitidez
todos os problemas escancarados, mas ainda pouco é feito ou conhecido para
solucioná-los. Construir um negócio que soluciona problemas sociais pode ser sua
melhor estratégia para o futuro.
A inovação social estabelece um novo paradigma no capitalismo, fazendo com que
os negócios feitos por pessoas e para as pessoas se transformem em reais sistemas
de troca, numa relação benéfica mútua, construindo soluções que respondam as
necessidades sociais. É aí que o jogo muda. O novo jogo significa que ganhar só é
ganhar quando todos os atores do sistema ganham, um jogo onde ninguém tem que
perder. É a lógica do frescobol ao invés da lógica do tênis. Uma lógica sustentável à
longo prazo, a lógica de prosperidade do futuro.
Tênis e frescobol são o mesmo jogo, só que no tênis você joga para o outro errar. A
tua dor é o meu prazer. No frescobol é ao contrário, você só acerta se o outro acerta.
Então eu levanto a bola para tu acertar e devolver a bola para mim. Ou seja, o meu
prazer é o seu prazer. Eu só posso acertar se você acertar e é essa lógica que nós
estamos querendo trazer para o mundo.*2
O Brasil é hoje a 7a maior economia do mundo. As previsões dizem que chegará a 5a
maior economia em 2025... A economia cresce rápido, porém o posicionamento do
país no IDH (índice de desenvolvimento humano) é ‘85’, atrás de países como
Bósnia-Herzegovina e Azerbaijão. Diante de tantas desigualdades e exclusão social
resultantes do sistema capitalista tradicional que estamos aplicando em nosso país,
já está na hora de falarmos em um novo jogo, com regras mais inclusivas e que
propiciem que todos ganhem...
A inovação social é este novo jogo e está crescendo e ganhando cada vez mais força
no Brasil e no mundo. A cada dia vemos mais negócios, movimentos e ações
surgindo seguindo o conceito, como no caso do Catarse, Nossa SP, Meu Rio, Design
Echos, Imagina na Copa, It’s Noon, Cria, Purpose, Festival de Ideias, GreenTee,
Yunus Negócios Sociais Brasil, Dharma, Banco Pérola, Aoka, Instituto Tellus, Pimp my
Carroça, Benfeitoria, Shoot The Shit, Nós Vc, Social Good, Muro dos Sonhos e entre
muitos outros projetos, movimentos que surgiram nos últimos 5 a 10 anos no Brasil,
mostrando a emergência do tema.
Isso não quer dizer que inovação social venha se tornado um tema conhecido,
muitas vezes até quem está fazendo inovação social não sabe caracterizá-la tal
como... Inovação social ainda é um tema em crescimento e por isso não tem o seu
conceito fechado...
Inovação social se refere a mudanças na maneira em que indivíduos ou comunidades
agem para solucionar um problema ou para gerar oportunidades. Essas inovações
são normalmente direcionadas mais por mudanças de comportamento do que por
mudanças em tecnologia ou de mercado...*3
Inovação social é algo bem simples, são novas soluções que respondem a
necessidades nunca antes contempladas e que melhoram a vida das pessoas e, talvez
por ser tão simples e óbvia, passe despercebida pelos olhos de muitos.
O grande impulso para a inovação é enxergar a lacuna entre o que existe e o que as
pessoas realmente precisam.
Para enxergar essa lacuna precisamos mudar o nosso modelo mental... Inovação
social significa gerar impacto real e positivo por meio de soluções que transformam a
realidade social de maneira inovadora e sustentável. Significa criar sistemas onde
todos ganham. Ou seja, inovação social é uma nova solução para um problema social
que é mais eficaz, eficiente, sustentável que as soluções existentes ou que crie valor
para a sociedade como um todo ao invés de somente para um indivíduo ou
organização privada.*4
Inovação social não significa somente atuar com a base da pirâmide*5 ou com a
extrema pobreza. Inovação social se refere à sociedade como um sistema complexo
e ao impacto positivo gerado por e para todas as pessoas - sem deixar, obviamente,
de reconhecer a importância de integrar a base da pirâmide e de combater a
extrema pobreza.
Significa repensar o que é aceito como contexto, como normal e estático, o entender
como imposição e transformá-lo.
Durante muitos anos acreditou-se que o propósito de todos os negócios era
exclusivamente gerar lucro. Esta máxima está sendo repetida exaustivamente deste
do século XIX quando foi cunhada e se tornou quase uma verdade absoluta... Até o
momento que alguém a percebeu como realidade imposta e decidiu transformá-la: o
propósito dos negócios não é exclusivamente gerar lucro. Os negócios dependem
intrinsicamente de lucro, ele é fundamental para a sua própria sustentabilidade, mas
o lucro não é, e nem deve ser, a sua razão de existência.
Para nós, seres humanos, vivermos, nós dependemos de nossas células sanguíneas.
No entanto, mesmo sabendo que nossa sobrevivência está condicionada a essas
células, nenhum ser humano faz delas o único propósito de sua existência.*6
Uma pessoa que vive exclusivamente para garantir que suas células estejam
funcionando normalmente acaba se dedicando a uma vida vazia, neurótica, sem
relações e sem grandes conquistas - o mesmo pensamento se aplica aos negócios.
Os negócios devem ser baseados em um propósito maior, em algo que gere valor
para a sociedade, que possa melhorar o mundo. Essa visão só está se mostrando
possível agora.
Para entendermos profundamente esse novo modelo de pensamento, temos que
entender a evolução da consciência humana, a evolução em conseguir lidar com
sistemas cada vez mais complexos, mais interdependentes e óbvios. Sabemos o
quanto evoluímos em lidar com complexidade. Essa evolução de consciência nos
habilitou a pensar em novas maneiras de agir em nosso meio. Em novas maneiras de
combinar ou recombinar fatores para que possamos criar soluções ganha-ganha. A
gerar soluções de real impacto social que sejam sustentáveis (também
financeiramente) e, por isso, podem prosperar e gerar impacto como num ciclovirtuoso.
No entanto, como diz Schopenhauer, Toda verdade passa por três estágios. Primeiro,
é ridicularizada. Segundo, é violentamente contrariada. Terceiro, é aceita como
sendo evidente.
A grande diferença entre inovação social e outros tipos de inovação é que ela é
baseada em valores sociais como fator primordial ao invés do lucro.*7
Isso não quer dizer que o lucro não pode estar no meio do “jogo”.Ele só não é
mais o maior objetivo do negócio e talvez se posicione como um dos grandes fatores
para que o negócio sobreviva e prospere.
A inovação social pode transformar o capitalismo num capitalismo com propósito,
consciente. Transformando os negócios em negócios prósperos, de valor e com
futuro. Gerando dinâmicas entre diferentes setores e criando novas maneiras de
gerar o valor social e o lucro.
A inovação social nos mostra a emergência de uma nova economia, a economia
social, que mistura alguns elementos antigos e muitos novos que acabam por
reformular essa economia.
Para fazer tal transformação na economia e no modelo vigente de pensamento do
capitalismo, acredita-se que já se possui todos os ingredientes necessários. Já temos
o conhecimento, a tecnologia e propósito em abundância, o que precisamos fazer é
simples: recombinar o que já existe, sem ter que necessariamente fazer uma grande
revolução no sistema. Isso é inovação social.
Juliana Proserpio
2013
*1 Trecho extraído do livro Social Innovation Book, Young Foundation e traduzido livremente
*2 Frase extraída de Joaquim Melo no filme “Quem Se Importa” de Mara Mourão
Joaquim Melo é coordenador geral do Banco Palmas, um banco comunitário de desenvolvimento fundado em 1998 no
Conjunto Palmeira, um bairro de periferia de Fortaleza. O Banco Palmas faz empréstimos a juros baixos aos moradores do
bairro. Em 2012 já havia emprestado mais de 3,6 milhões em microcrédito, conforme o relatório anual de 2012 . O empréstimo
é feito com uma moeda social, as Palmas, que tem o mesmo valor do real e só circulam no bairro para estimular a circulação de
dinheiro na comunidade, aumentando os gastos e lucros no comércio local, fortalecendo a renda e gerando trabalho.
*3 Trecho extraído do livro – Collaborative Services / Social Innovation and Design for Sustainability, de François Jégou, Ezio
Manzini, traduzido livremente
François Jégou é consultor em design estratégico com licenciatura em desenho industrial. É professor convidado no Politécnico
de Milão e na La Cambre School, em Bruxelas. Ele dirige a consultoria SDS junto com Ezio Manzine, especializada em coprojetar cenários e novos sistemas, design sustentável e inovação social, Solutioningdesign.net
Ezio Manzini é professor de desenho industrial no Politecnico di Milano, é também diretor de projeto da Unidade de Pesquisa e
Inovação para a Sustentabilidade e coordena o Mestrado em Design Estratégico e doutorado em programas de design
industrial. Ele trabalha com design estratégico e design para a sustentabilidade, com foco na construção de cenários e
desenvolvimento de soluções. Ele tem escrito vários livros, incluindo “Product-service Systems and Sustainability.
Opportunities for Sustainable Solutions”, com C. Vezzoli e o “Sustainable Everyday” com F. Jegou.
*4 Definição dada por Stanford e traduzida livremente
*5 conceito cunhado por Prahalad
*6 Analogia criada por Edward Freeman – professor Darden School of Business
*7 Trecho traduzido livremente do artigo Big Society – Young Foundation

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