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Urticária crônica como manifestação inicial de mieloma múltiplo: relato de caso L. Monte12, D. La Reza3, E. Costa4, C. Sodré5, A. França6. Resumo A urticária é uma enfermidade comum e multifatorial. Estima-se que 10% a 20% da população presente um episódio de urticária em alguma fase de sua vida. As neoplasias estão entre as causas mais raras. Apresentamos um caso de urticária crônica cujo diagnóstico final foi de Mieloma Múltiplo (M.M.), alertando para necessidade de uma investigação sistemática e criteriosa destes pacientes. Introdução A urticária é uma erupção cutânea caracterizada pelo aparecimento súbito de pápulas eritêmato-pruriginosas, habitualmente de duração efêmera1. Na maior parte dos casos é aguda e autolimitada, desaparecendo em uma a duas semanas. De forma arbitrária consideramos urticária crônica aquela que perdura por mais de seis semanas2. Drogas, alimentos, aditivos químicos, antígenos inaláveis, infecções, agentes físicos, fatores psicogênicos e mais raramente doenças sistêmicas3 são possíveis causas. O principal mediador químico é a histamina, liberada por mastócitos e basófilos. Serotonina, cininas, leucotrienos, prostaglandinas, acetilcolina, produtos da degradação de fibrina, histaminase e anafilatoxinas também podem estar envolvidos. A liberação destes mediadores pode ser provocada por fatores imunitários ou não. Os mecanismos que promovem sua liberação são múltiplos, sendo os mais aceitos aqueles mediados por IgE, ativação do sistema do complemento pelas vias clássica e alternativa, ação direta de drogas e agentes químicos sobre mastócitos e ação do sistema formador de cininas no plasma. Formas crônicas de urticária tem sido associada à ação de produtos de eosinófilos, capazes de prolongar a reação inflamatória da pele. A histopatologia pode apresentar três padrões distintos. Na urticária aguda, dilatação de pequenas vênulas e capilares na derme superficial, edema e proliferação de fibras colágenas. Na urticária crônica, associadas às lesões acima descritas, podem estar presentes neutrófilos, linfócitos T ativados e eosinófilos, com aumento do número de mastócitos, não sendo usualmente observados basófilos e linfócitos B. Um terceiro padrão é encontrado na vasculite urticariforme, com infiltrado de neutrófilos e necrose da parede dos vasos, podendo ser demonstrada deposição de imunoglobulinas e componentes do complemento 3. Em relação ao diagnóstico sindrômico, devemos valorizar principalmente a história clínica e o exame físico. Visando o diagnóstico etiológico e de acordo com cada caso, devem ser solicitados: hemograma com contagem diferencial de 1 Aluna do Curso de Aperfeiçoamento em Imunologia Clínica da Faculdade de Medicina (FM) /Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) /Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 2 [email protected] 3 Médica do Serviço de Imunologia do HUCFF/UFRJ; Mestranda em Clínica Médica-Imunologia, FM/UFRJ. 4 Médico do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Mestrando em Clínica Médica-Imunologia da FM/UFRJ. 5 Professor da FM/UFRJ lotado no Serviço de Dermatologia do HUCFF. 6 Professor Titular da FM/UFRJ lotado no Serviço de Imunologia Clínica do HUCFF. Coordenador do curso de Aperfeiçoamento em Imunologia Clínica da FM/HUCFF/UFRJ. leucócitos, VHS, complemento, FAN, VDRL, EAS, tele radiografia de tórax, parasitológico de fezes, sorologia para hepatite, hormônios tireoidianos, imunoglobulinas, crioglobulinas entre outros. A biópsia de pele deve ser realizada nos casos de urticária crônica de difícil manejo, quando as lesões são atípicas ou quando há suspeita de doença multi-sistêmica ou vasculite. A medida terapêutica inicial é, se possível, o afastamento do agente causal. Estudos demonstram que mesmo não se determinando a causa, 90% dos casos de urticária evoluem para cura em cinco anos4. O tratamento medicamentoso inclui anti-histamínicos orais (H1 e H2) e em alguns casos antidepressivos tricíclicos e antagonistas do PAF podem ser úteis. Agentes simpaticomiméticos como a adrenalina, são mais utilizados nos casos de urticária aguda, para diminuir sua intensidade e duração, sendo ineficientes no controle da urticária crônica. Os corticosteroides, como a prednisona, só devem ser utilizados em casos excepcionais e retirados o mais rapidamente possível, tendo em vista seus possíveis efeitos colaterais. Relato de caso Paciente de 59 anos, branco, masculino, casado, natural e residente no Rio de Janeiro, eletricista. Encaminhado ao ambulatório de Imunologia Clínica do HUCFF por apresentar há dois anos lesões máculo-pápulo-eritematosas não pruriginosas na região anterior do tórax. As lesões estenderam-se para região lombar, flancos e coxas, surgindo máculas acastanhadas intercaladas ou sobrepostas a pápulas eritematosas pouco pruriginosas, evanescentes (desapareciam em menos de 24 hs). Associava piora das lesões à ingestão de carne de porco, chocolate e margarina. Em nenhum momento as lesões cutâneas desapareceram completamente, mesmo com uso de antihistamínicos e dieta de exclusão alimentar. Negava uso de medicamentos, emagrecimento, febre ou dor ósteoarticular. Exame físico: máculas acastanhadas e vinhosas, de bordos imprecisos na região torácica anterior, braços, antebraços, região lombar, flancos, abdômen e com menor intensidade nas coxas. Sobre tais máculas observavam-se pápulas eritematosas de bordos bem delimitados, contornos circulares, ovaladas ou irregulares em praticamente todas as regiões mencionadas, exceto em região lombar, flancos e abdômen. As lesões desapareciam à digitopressão (fotos A e B). Pressão arterial elevada (150x110 mmHg) e o restante do exame sem alterações dignas de nota. A impressão diagnóstica foi de urticária crônica sendo iniciada investigação etiológica. Foi prescrito hidroxizine (0,5 mg/kg/dia) e tentada nova dieta de exclusão sem resultados significativos. Exames complementares estão relacionados nos Quadros 1 e 2. Duas biópsias de pele foram inconclusivas. O hemograma mostrava anemia normocrômica e normocítica além de eosinofilia importante. A eletroforese de proteínas séricas foi fundamental, mostrando hiperglobulinemia e aumento entre as frações? E? Correspondente à FRAÇÃO M, formada por imunoglobulinas monoclonais. A dosagem das imunoglobulinas no sangue revelou elevação importante dos níveis de IgA, que compõe a FRAÇÃO M, redução de IgG e IgM, com IgE normal. A biópsia de medula óssea mostrou plasmocitose moderada (30% de plasmócitos). Esses achados firmaram o diagnóstico de mieloma múltiplo secretor de IgA. Os critérios diagnósticos do M.M. estão relacionados no Quadro 3 5. No Serviço de Hematologia o paciente iniciou quimioterapia e após o primeiro ciclo de melfalan e dexametasona houve desaparecimento das lesões eritematopapulosas, permanecendo apenas áreas maculares acastanhadas não pruriginosas (FOTO 3), que regrediram totalmente após 6 meses de tratamento. Discussão O paciente apresentava um quadro de urticária crônica de difícil controle. A anemia normocrômica normocítica associada à eosinofilia, neutropenia e VHS elevado sugeriam uma causa subjacente, pois raramente estão presentes na urticária crônica idiopática. Vasculopatias podem estar associadas a neoplasias malignas, sendo mais frequentes as manifestações cutâneas relacionadas às neoplasias hematológicas do que aos tumores sólidos. As evidências de auto anticorpos, complexos imunes e consumo de complemento estão ausentes nestes casos, sendo o mecanismo etiopatogênico desta vasculite desconhecido6. O M.M. é uma doença linfoproliferativa na qual um clone de plasmócitos prolifera na medula óssea desorganizando sua estrutura. Ocorre destruição óssea importante, hipercalcêmica, anemia, alterações da função renal, imunodeficiência humoral e celular, distúrbios da coagulação e infecções de repetição7. A etiologia do M.M. é desconhecida, sendo apontadas como participantes a predisposição genética, vírus oncogênicos, estimulação inflamatória e antigênica crônicas. O fator de risco mais provável é a exposição prolongada ou repetida a baixas doses de radiação ionizante. Nos EUA corresponde a 10% dos tumores sanguíneos e 1% das neoplasias em geral. Sua incidência é maior em idosos (acima de 60 anos) e negros, afetando em torno de 4:100000 pessoas/ano. O prognóstico é ruim, com sobrevida em torno de 28% após 5 anos do início dos sintomas8. Diversas manifestações cutâneas estão associadas ao M.M.5, podendo ser divididas didaticamente em dois grupos: específicas e inespecíficas. As lesões específicas incluem o plasmocitoma extra-medular de pele ou mucosa e os tumores cutâneos que são metástases do tumor de medula óssea. As manifestações inespecíficas são: amiloidose, xantogranuloma necrobiótico, mucinose papulosa, pioderma gangrenoso, dermatose pustular subcorneal de Sneddon-Wilkinson, sindrome de Sweet, escleroderma, escleromixedema, vasculite leucocitoclásica, sindrome POEMS, urticária, angioedema, xantomas planos e hiperceratose folicular9. As manifestações cutâneas do M.M. podem preceder por anos o diagnóstico da hemopatia9/10, como no presente caso. A vasculite urticariforme não é uma manifestação específica nem frequente desta doença, sendo o plasmocitoma secundário mais frequentemente encontrado no M.M. secretor de IgA9. A quimioterapia geralmente resulta numa regressão destas manifestações. Summary Urticaria is a common disease with many clinical presentations.It's expect to affect 10% to 20% of the population at some time during life.There is many causes of urticaria and neoplasm is one of most rare.This paper presents a case of chronic urticaria that's conclusive diagnosis was Multiple Myeloma, showing the necessity of systematic but judicious investigation of this patients. Referência bibliográfica 1. Sampaio, M. Alergia e Imunologia em pediatria. São Paulo: Sarvier; 1991:100102. 2. Middleton, Elliot. Allergy, principles and practice. 4? ed., USA: Mosby; 1993:1553-1580. 3. Patterson, Roy. 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Quadro 1 Quadro 2 Quadro 3 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE MIELOMA MÚTIPLO 1) citológicos: a) Morfologia da M.O.: plasmócitos e/ou células de mieloma em 10% ou mais, quando 1000 ou mais células foram contadas. b) Plasmocitoma diagnosticado por biópsia em medula ou tecidos moles. 2) Clínico-laboratoriais: a) Proteína M demonstrável por imunoeletroforese no plasma. b) Proteína M demonstrável por imunoeletroforese na urina. c) Radiografia com lesões osteolíticas; osteoporose generalizada se M.O. for composta de? 30% de plasmócitos. d) Células de mieloma em mais de um esfregaço de sangue periférico. Combinações: 1a e 1b; 1a ou 1b + 2a / 2b / 2c ou 2d.
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