CONSIDERAÇÕES DOBRE OS MEDICAMENTOS GENÉRICOS

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CONSIDERAÇÕES DOBRE OS MEDICAMENTOS GENÉRICOS
CONSIDERAÇÕES DA COORDENAÇÃO E ASSESSORIA TÉCNICO-CIENTÍFICA
NACIONAL DA PASTORAL DA SAÚDE – CNBB
REFERENTE ÀS PRÁTICAS AS TERNATIVAS (TERAPIAS COMPLEMENTARES)
São Paulo, 07 de setembro de 2002.
Considerando:
1- o surgimento e a proliferação de inúmeras modalidades de terapias alternativas em todo o
mundo, com estimativa de que haja cerca de 800 tipos das mesmas;
2- o compromisso do agente de Pastoral da Saúde de estar atento para as diferentes práticas
alternativas de saúde não pertencentes a nossa cultura e que são usadas sem a necessária
fundamentação e comprovação científica e que causam estranheza, insegurança, desconfiança e
descrédito da ação pastoral na comunidade, evitando-se assim o fanatismo e o dogmatismo;
3- a necessidade da conscientização em relação às prática alternativas de saúde a respeito de seus
valores e limites, questionando-as e orientando-se com a necessária fundamentação e
comprovação científicas;
4- a importância de reconhecer os milenares resultados satisfatórios de muitas práticas não
alopáticas na cultura oriental e que o agente de Pastoral da Saúde é responsável pela formação
de opiniões em nossas comunidades e portanto tem o dever de assegurar a seriedade e o
compromisso em garantir uma saúde plena e segura à população;
5- o fato do não reconhecimento atual pela comunidade científica à maioria destas terapias, mas
com a possibilidade futura da concretização do mesmo, através de informações clínicoepidemiológicas sobre eventuais benefícios terap6euticos das mesmas, obtidas por estudos
observacionais e ensaios clínicos randomizados de boa qualidade metodológica, sendo tomados
como fonte de evidência científica e cujos resultados nortearão todos os aspectos biomédicos,
éticos, morais e profissionais relacionados aos referidos tratamentos;
6- o desconhecimento por parte da comunidade científica da real extensão dos efeitos, vantagens,
desvantagens, riscos e benefícios da modalidades não alopáticas;
7- o perigo de camuflagem de sinais e sintomas de patologias graves, provocando assim um
possível retardamento no diagnóstico preciso e conseqüente atraso na terapêutica recomendável;
8- o difícil acesso ao sistema de saúde em situações tais como: demanda elevada ou superlotação;
mau atendimento; despreparo de atendentes; escassez de profissionais em número e em
capacitação humana; má distribuição dos profissionais de saúde pelo Brasil; insuficiente
quantidade de unidades de saúde e outros fatores como distância física, riscos relacionados à
criminalidade e ao narcotráfico, entre outros;
9- o alto custo de medicamentos alopáticos, inclusive de genéricos, dificultando e até
impossibilitando o respectivo uso pela população de menor poder aquisitivo;
10- a liberdade individual e a autonomia de, como cidadão, acreditar, defender, difundir, promover
e optar pela terapêutica (alopática ou não alopática) proposta, em uma eventual necessidade,
bem avaliando os riscos e os benefícios da mesma;
11- o fato de que algumas condutas (exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica;
charlatanismo; curandeirismo – art. 282, 283 e 284 do CPB, respectivamente) são definidas
como crime, podendo o executor responder, nas várias instâncias da Lei, sobre qualquer
conseqüência negativa desta atitude para si próprio ou outrem;
12- a necessidade de clarear a posição da Igreja em relação a esta temática, oferecendo subsídios e
argumentos de defesa para possíveis problemas legais quanto ao exercício das práticas não
alopáticas em nosso meio.
Recomenda-se
1- a necessidade de se garantir ao cidadão o direito à saúde como dever do Estado, trabalhando a
dimensão político-institucional da Pastoral da Saúde e não isentando os governantes de sua
responsabilidade constitucional de proporcionar, com qualidade, uma saúde digna e gratuita a
toda população;
2- atender-se para o fato de que as terapias alternativas não podem significar simplesmente um a
solução menos onerosa, ou um mero paliativo, ou a única possibilidade à população
economicamente menos favorecida, permitindo, assim, uma fácil comodidade para o governo;
3- valorizar, ressaltar e incentivar os magníficos trabalhos realizados por comunidades criativas e
inteligentes, que implantam programas de Fitoterapia, co, atendimento e acompanhamento
médico,mantendo hortas comunitárias com fornecimento de ervas medicinais para uma
adequada aplicação clínica, barateando os custos e valorizando a imensa riqueza em
biodiversidade e a sabedoria popular de nosso país;
4- lembrar que os vegetais possuem semelhança se metabolismos próprios e dinâmicos,
produzindo substâncias que podem trazer graves transtornos à saúde humana; portanto, torna-se
necessário oferecer, ao agente da Pastoral da Saúde, cursos ou treinamentos reconhecidos para
uma útil colaboração na prática da Fitoterapia, garantindo ao mesmo participação no cultivo, na
manipulação, na higiene e na preparação de plantas para este propósito;
5- implementar cursos adequados e aprofundados de capacitação e/ou formação em práticas não
alopáticas quando reconhecidas,promovendo ainda uma Educação Continuada em Saúde aos
defensores e/ou candidatos e praticantes de tais modalidades;
6- estabelecer parcerias entre a Pastoral da Saúde e instituições sérias e experientes nas áreas da
Saúde e da Educação para oferecer cursos e/ou treinamentos padronizados e reconhecidos de
práticas não alopáticas;
7- a criação de e o apoio a Conselhos profissionais para estes futuros especialistas das práticas
alternativas, garantindo a regulamentação e a contínua fiscalização necessárias à seriedade deste
trabalho;
8- promover ações nas comunidades que visem reconhecer a importância da alimentação como
fator de prevenção de doenças, proporcionando uma correção de hábitos nutricionais
inadequados;
9- não fazer diagnósticos, eis que o mesmo é um ato privativo de médicos e odontólogos,
respeitando-se os limites de cada profissão, conforme a definição de ato médico do Conselho
Federal de Medicina (CFM) de 25/01/01;
10- lembrar que os procedimentos de prevenção primária (antes da instalação da doença) e de
prevenção terciárias (ante da instalação de seqüelas da doença) que não envolvam medidas de
diagnóstico e de indicação terapêutica, são definidos, pelo próprio CFM, como atos
profissionais compartilhados;
11- não assumir o risco de ser tido como pessoa que incentivou outrem a abandonar (ou, até mesmo,
a não procurar) o tratamento reconhecido pela comunidade científica;
12- atender para o fato de que Homeopatia é uma especialidade regulamentada e praticada por 4
profissionais de saúde (médicos, odontólogos, veterinários e farmac6euticos), sendo que é da
competência de médicos e odontólogos o diagnóstico e prescrição de medicamentos
homeopáticos a pacientes humanos, dentro de suas respectivas áreas de atuação; da
competência de veterinários, o diagnóstico e prescrição de medicamentos homeopáticos
exclusivamente para animais e, da competência de farmacêuticos a manipulação, controle de
qualidade e dispensação de tais medicamentos; portanto, a Homeopatia não pode ser
considerada como Prática Alternativa;
13- atender para o fato de que Acupuntura é uma especialidade médica e no que compete a
diagnóstico e a terap6eutica, somente poderá ser exercida por esse profissional; portanto, a
mesma também não poderá ser considerada como Prática Alternativa;
14- que qualquer atendimento em relação às práticas não alopáticas. Somente aconteça se houver
autorização, vínculo e supervisão paroquial, ou seja, sob a orientação de cada pároco e que
aconteça preferencialmente nas depend6encias das próprias paróquias, cabendo a este certificarse da legitimidade e eficácia de tais práticas;
15- considerando a eventual necessidade de fazer prova junto às autoridades de fiscalização, ou
junto a terceiros menos intencionados, confeccionando avisos de orientação à população
atendida de que o trabalho exercido não se destina a curar doenças, mas tão somente preveni-las
ou atenuar seus efeitos, e afixa-los em locais estratégicos (sugestões de dizeres: “Este trabalho,
beneficente e gratuito, não substitui o dos médicos ou de profissionais afins, os quais devem ser
procurados sempre que necessários!”);
16- lembra que o trabalho do agente da Pastoral da Saúde, voluntário que é, não se coaduna com
recebimentos de honorários ou venda de remédios, pelo que eventual conduta neste sentido não
deve se feita na qualidade de agente da Pastoral da Saúde (o fim de lucro é causa especial de
aumento de pena, de acordo com o CPB);
17- notificar ao Ministério Público (Promotores de Justiça) a prática de charlatanismo (anunciar ou
prometer cura por meio secreto ou infalível), de exercícios ilegal da medicina, arte dentária ou
farmacêutica e curandeirismo.
(OBS: a) sinceros agradecimentos à importante colaboração, na confecção deste documento, de
inúmero profissionais e agentes da Pastoral da Saúde de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia,
Ribeirão Preto, Uberlândia e outras mais e instituições como Universidade de São Paulo – Usp ,
Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Conselho Federal de Medicina – CFM e ao Hospital de
Medicina Alternativa de Goiânia – HMA;
b) sinceros agradecimentos aos Coordenadores Regionais, Diocesanos e Representantes de
diocese pela aprovação deste documento na Assembléia Nacional da Pastoral da Saúde em 07/09/02).
Coordenação de Assessoria Técnico-Científica Nacional da PS-CNBB
BEM E MAL EXISTEM – PORQUÊ?
1.À partida não diria que existem duas entidades ontologicamente diferentes e opostas, em
conflito permanente, com vitórias e derrotas, num equilíbrio instável, sem solução à vista, com
vitórias e derrotas, num equilíbrio instável, sem solução à visita, como um fatalismo...
Por outro lado é uma experiência universal explícita que há realidades com perfeições e
outras com defeitos. E entre o perfeito e o com defeito, apercebemo-nos que se trata de questões
quantitativas, qualitativas ou de ordenação entre seres que são comparáveis e se referenciam
mutuamente.
Freqüentemente dizemos, em situações negativas envolventes, “do mal o menos”ou, em casos
de diferente valorização, objetiva ou subjetiva, afirmamos: “Vão-se os anéis e fiquem os dedos”,
ou seja, é freqüente que as escolhas, mais do que opção pela positiva, tornam-se uma fuga pelo
mal menor entre vários a enfrentar e a sofrer.
A experiência de bem e de mal é universal, mas não é homogênea a explicação causal nem a
avaliação ética. Experimentamos em nós e à nossa volta, na interioridade e na exterioridade, na
consciência psicossomática e na relação com os elementos cósmicos, que ora somos causa limitada
do mal, ora somos vítimas, sem hipótese de controlo conhecida.
2.Nas constatações do que está bem ou mal deparamos com questões materiais, psicológicas,
estéticas, éticas, sociais, ecológicas, etc.. r parece quase evidente que o bem é plenitude, perfeição
de ser e o mal é ausência, vazio, descontrolo na ordenação intrínseca ou externa dos seres.
Todavia o mal aparece como defici6encia nos seres bons, mas limitados e sujeitos à perturbação.
Mas parece plausível dizer que não há seres ontologicamente maus; nos seres bons pode haver e
há defici6encias físicas,psicológicas e morais.
Neste sentido o mal físico, psicológico, estético ou moral e pertinentemente definido como
sendo a ausência do bem devido a um ser numa determinada situação significativa e
determinante nas referências recíprocas da ordenação dos seres. As defici6encias, sofridas e
causadas, precisam de ter uma explicação plausível ou racional. As filosofias aplicaram-se a
encontrar explicações; os resultados não têm sido conclusivos ou definitivos. E mesmo as
teologias, incluindo a judeo-cristã com várias acentuações, remetem para uma desordem
introduzida no macro e no microcosmos pelo confronto ingênuo dos seres humanos com o
Criador.
3.Mas continuamos a ter em aberto questionamento que exigem leal confronto e busca de
respostas, mais ou menos coerentes e afinadas, para satisfazerem a inteligência e darem segura
orientação à vida pessoal e social.
O que significa que determinada ação ou missão duma decisão foi boa ou má? Que garantias
inteligíveis são possíveis para ter a certeza que uma escolha foi eticamente pertinente?
Se as pessoas são todas diferentes, que razões válidas poderemos fornecer para as tratarmos a
todas de modo fraterno de cada uma, ajustando-nos às suas carências? Em que se fundamenta a
comum dignidade humana que serviu de filosofia orientadora da declaração dos comuns direitos
humanos, em 1948.12.10?
A ética, a moral e a deontologia, que fornecem “normas” coerentes para a vida pessoal e
social, serão fruto de preconceitos, de ajustamentos e acordos ocasionais e circunstanciais ou tem
razões fundamentadas na percepção e avaliação de certas pessoas e na intuição social? Parece
claro que desde que despertou o desenvolvimento reflexivo do ser humano, recorrendo à
linguagem abstrata manifestada na descoberta e apuramento de instrumentos de trabalho
organizado, com o recurso ao uso sistemático do fogo, a arte rupestre e à funeração intencional e
religiosa dos mortos, com o recurso à linguagem simbólica universalizante, a humanidade revelase a si mesma como livre e responsável, com capacidade de invenção, execução e avaliação crítica,
de que resultou uma percepção pessoal e coletiva de dependência e de auto-responsabilização.
4.As teorias sobre ética e religião são múltiplas. Cada época, cultura e contexto social e
histórico decantam informação e desenvolvimento distintos. A consciência ética pode pois
aparecer como um dever ou é fruto de virtude, o que implica liberdade e responsabilidade
paralelas e assumidas. A experiência da liberdade e da responsabilidade é uma das constatações
que vamos fazendo ao longo da nossa evolução pessoal e progresso da vida comunitária em que
surge a necessidade de regras éticas e coerentes.
A liberdade física, psicológica e ética envolve a capacidade atual, objetiva e subjetiva de se
auto determinar face aos objetivos particulares conhecidos e que se descobrem como aptos a
responder às nossas carências. Nos contextos de vida, devido aos conceitos de direitos e deveres,
progressivamente estabelecem-se normas para tornar a vida social interessante e justa. Todavia a
ignorância, os medos, as manipulações, as ditaduras, as carências e sofrimento, os tóxicos e as
paixões negativas e consumistas perturbam a vida pessoal e social, com incidência na consciência
ética e social. Os direitos são determinados pela comum estrutura e pelas necessidades de cada
pessoa, cujos deveres são proporcionais às capacidades de cada um para concorrer para o bem
comum que a todos deveria incluir, proporcionando vez e voz a todos.
5.Rapidamente afloramos aspectos do bem e do mal na base da plenitude conseguida e da
deficiência sofrida com a respectiva causalidade direta ou indireta. De fato não é lógico que haja
dois absolutos, um princípio do bem e outro do mal; e também seria contraditório que houvesse
dois princípios relativos em mútuo equilíbrio entre o bem e o mal;
e que os relativos postulam um absoluto que explique a causalidade eficiente e final e que por
essa dinâmica desencadeie o começo e a orientação evolutiva e dinâmica para a consumação e a
plenitude pessoal e global.
Visto que nos experimentamos como livres, também é lógico que assumamos a tarefa dos
deveres, como acontece na vida profissional e relacional, ou seja, com ciência, competência e
honestidade deontológica. A moral ocidental, que se difundiu e influenciou positivamente as
varias culturas, insiste na confluência entre direitos e correspondentes deveres a partir do
respeito pelo criador e legislador e pelas pessoas idênticas em dignidade, em vocação de felicidade
pela auto-realização e a efetiva solidariedade.
O decálogo, como lista primordial dos direitos e deveres naturais universais, indica o que
deve ser feito e evitado. Jesus Cristo aperfeiçoou esta dinâmica da moral na base: “ama o teu
próximo como a ti próprio” ou faz por ele e com ele o que razoavelmente queres para ti.Há
coincidência entre o que Deus manda e explícita como resposta coerente à ordem da criação e da
razão que são criadas com participação e expressão relativas do Criador.
6.A filosofia greco-romana, no domínio da ética, formalizou princípios e normas interessantes
a partir da identificação da inclinação humana comum e pelos valores homogêneos de respeito
pelos outros e pela cooperação solidária; entretanto apareceram múltiplas propostas
diversificada. Mas foi sobretudo E.Kant que insistiu na fundamentação ética a partir da
consciência pessoal e respectiva motivação determinante dos comportamentos. Assim a única
fundamentação correta para levar a pessoa a ver, discernir, ponderar, decidir e agir bem, seria o
estrito sentido do dever assumido de modo teórico-prático.
A pessoa normal e razoável é portanto moralmente responsável, para cumprir os seus
deveres. O imperativo categórico de viver de tal modo que se torne um modelo universal implica
sempre a motivação de realmente cumprir o dever; ainda que os resultados concretos,
acidentalmente, não correspondam à motivação e decisão, o comportamento seria moralmente
correto visto que a intencionalidade fora adequada.
7.Mesmo não contestando a afirmação de que as pessoas, enquanto seres racionais, t6em
sempre deveres, denominados categóricos, enquanto são sempre válidos, porque são absolutos e
incondicionais, isto não deixa de estar sujeito ao subjetivismo e ao relativismo porque a pessoa
parte sempre de si mesma como primeira e última instância: “age apenas segundo o máximo”
que possas e mesmo querer como leis universais, ou seja, o principio da universalidade; o que
implicaria que as pessoas não estariam sujeitas à parcialidade, à apreciação subjetiva.Ora não é
isso que sempre e universalmente acontece na vida pessoal e social. Daí que esta proposta sofre de
real vacuidade na sua fundamentação moral, embora tenha negativamente influenciado certos
moralistas e a jurisprudência que nos envolve.
8.Por outro lado a opção ética do consequencialismo parece inadequada, porque o
comportamento pessoal ético seria avaliado a partir das melhores conseqüências previstas e
promovidas, como sendo as adequadas. É evidente que viveríamos na permanente dúvida do
acerto subjetivo ou objetivo. O utilitarismo está nesta mesma direção e é uma forma aplicada;
baseando-se no pressuposto de que a finalidade humana e o hedonismo, ou seja, algo é bom na
medida em que desencadear, promover e conseguir a maior felicidade global. Nesta perspectiva o
que é acentuado é o princípio da utilidade ou da maior felicidade global; a ação seria boa na
medida que ponderadamente tiver mais hipótese de conseguir o máximo de felicidade e o mínimo
de infelicidade.
Parece claro que esta atitude pragmática assenta na perspectiva da probabilidade e sujeita a
permanentes Eros de previsões subjetivas, sem ter em conta as opiniões e situações
psicossomáticas daqueles com quem partilhamos os riscos da vida, que terão critérios diferentes
de felicidade. Daí que nem seria possível ser esclarecimento justo nem generosos porque os
critérios de felicidade são subjetivos e mutáveis, até para cada pessoa. Daí que o cálculo de maior
ou menor bem não dispõe de aferições credíveis, universais e englobantes para a comunidade.
Também não parece viável aplicar outro princípio negativos: decidir e agir para conseguir o
menor grau de felicidade para o maior número de pessoas; essa atitude é que seria a melhor
decisão ética e buscando a felicidade possível.
Outra perspectiva desta proposta seria o utilitarismo das regras e dos atos, ou seja;
estabelecer regras reguladoras das atitudes deontologicamente científicas e socialmente aceitáveis
para conseguir consensos e sujeitarem-se todos as regras objetivas, deixando de ter de refletir
antes de decidir qual a máxima felicidade e a menor infelicidade conseqüente à nova ação.
9.É muito conhecida e discutida a chamada ética das virtudes, ou seja, a pessoa virtuosa,
sendo boa, age bem, como propôs Aristóteles na famosa Carta a Nicómaco; nela defende que a
pessoa como um todo deve tornar-se apta a pensar, decidir e agir bem. O princípio básico é de
que a ação traduz a qualidade do se; por isso quem assimilar as virtudes, ou forças de bem,
torna-se pessoa boa e de bem.
A palavra chave, na ética aristotélica, é : eudaimonia” que tem tido tradução variadas como
busca da felicidade e de total prosperidade; de fato no contexto referido, a palavra significa
conseguir o desenvolvimento integral e integrado durante toda a vida pessoal. Para se conseguir
este objetivo de desenvolvimento pessoal, tem de ser cultivado, estudando e assimilando as
virtudes que se tornarão hábitos sadios, traduzidos em atividades corretas: pensar logicamente,
discernir com ponderação e decidir ajustadamente, a tempo e horas, para orientar a ação nas
respectivas vertentes pessoais e sociais, ou seja, sem nunca esquecer a pessoa ao serviço do bem
comum, como animal racional e social. Nesta perspectiva o ideal ético é pois a constante
promoção das virtudes incorporadas e harmonizadas que tornam cada vez melhor a pessoa
virtuosa, cada vem mais apta a agir corretamente na aplicação à vida pessoal, familiar,
profissional e sócio política, ultrapassando o utilitarismo e imperativo categórico.
Este modelo parece lógico e operativo. Mas isto supõe que seja aceite que há uma natureza
humana comum a todas as pessoas e que é possível um acordo irrecusável dos padrões de
sentimentos com escalão homogêneo de virtudes, em contrapeso com o contrário que seriam
defeitos ou vícios.
10.Mais recentemente tem-se abordado questões com outra perspectiva, a saber: qual pode e
deve ser o estatuto das teorias éticas, ou seja, a metaética; ela aborda primeiramente a questão do
significado e valor dos sistemas que foram sugerindo por ação das filosofias e religiões.
A questão central volta0se sobre a questão metafísica e ética: o que é bem e o que é mal? A
solução naturalista defende que os juízos éticos devem estar diretamente ligados e dependentes
dos fatos predominantemente científicos acerca dos seres humanos; como conseqüência deve
seguir-se a dinâmica utilitarista já referida, ou seja buscar fundamentos antropológicos para
estabelecer medidas e critérios acerca da qualidade e quantidade da felicidade pessoal e social.
Como já observamos, os fatos e os valores seriam subjetiva e falaciosamente determinados. O
relativismo acentua: o que é diferente entre as pessoas, culturas e religiões, mas esquece o que
une e é comum a todos os seres humanos do mesmo gênero e espécie.
11.Em suma: o que é pessoal e relativo à própria identidade psicossomática, cultural, religiosa
e circunstancial; todavia não oferece especiais dificuldades reconhecer que o gênero animal e a
espécie racional nos seres humanos é comum a todos; por isso será possível descobrir os valores
que caracterizam o desenvolvimento evolutivo do gênero e da espécie, cultivando
coincidentemente as virtudes e integrando as referências dos valores homogêneos à original
qualidade de vida pessoal e social, segundo a reta razão.
E porque tudo deve ser esclarecido, aferido e desenvolvido, estimulando pertinentemente a
interioridade e a exterioridade pelas ciências, as técnicas, as filosofias e as religiões, é importante
que cada pessoa vá esclarecidamente afinando a consciência valorativa para que assim a
consciência moral pessoal, retamente esclarecida e criteriosamente apta a ver, julgar e agir, se
torna a regra imediática do agir moral: consciente, responsável e virtuosa na complementaridade
social. Assim poderá com discernimento e sentido do real, acerca do bem e do mal, aprender a
ser, a decidir e a agir sadiamente.
Efetivamente o bem e o mal moral, o mérito ou culpa, são proporcionais à afetiva e cultivada
liberdade pessoal que com lucidez pode e deve esclarecidamente ponderar as situações ou
circunstancias para fazer opções e aplicar os devidos meios em vista do melhor bem possível no
concreto, para si e para os outros; no caso de ter de enfrentar situações, todas com aspectos
negativos, deverá avaliar objetivamente e optar pelo menor mal, que não deseja, mas enfrenta
com responsabilidade esclarecida.
Fr. Bernardo, o.p.
Vive e Morrer Numa Instituição Psiquiátrica
Jorge Teixeira
Falar sobre a morte é algo que nos toca bastante fundo a todos, não só pela questão inevitável de
sermos confrontados, amiúde, com a morte de pessoas conhecidas, amigas, familiares, como por
enquanto pessoas, nos questionarmos sobre essa realidade inevitável e misteriosa que todo o ser
humano enfrenta.
Pessoalmente acredito profundamente que a vida não é somente a realidade terrena, mais ou
menos prolongada, que eu amo e usufruo com todo o vigor de que sou capaz.
Acredito que esta realidade visível é fundamental para a realização como pessoa e que viver
bem, viver feliz, viver em plenitude, viver em eternidade começa já aqui. Este é o momento que nos foi
dado viver fisicamente e é um crime desperdiçá-lo.
Tenho a convicção que a Vida é um todo... com uma passagem pelo meio, passagem essa que
umas vezes parece chegar cedo de mais, outras tarde de mais, umas de forma suave, outras
abruptamente. Acredito que depois da ponte eu continuarei a viver, não sei como, nem de que modo,
mas continuarei EU, com a minha singularidade e com a minha maneira de ser adquirida, forjada
naquilo que vivi e fui e que transporto comigo...
A vida não acaba, apenas se transforma
Acreditar nisto não retira espinho que por vezes se crava no mais profundo de nós quando a
morte nos bate perto... cicatriza, mas não evita o sofrimento da ferida...
É que a morte traz, inevitavelmente consigo, a ausência de alguém, de uma presença física,
quebra uma realidade na qual essa pessoa estava mais ou menos presente.
Viver de acordo com esta perspectiva leva-me a questionar certos procedimentos que por vezes,
se têm face à morte e a aponta algumas pistas que gostaria de partilhar e oportunamente de ver
debatidos.
Comunicar a notícia da morte: a morte como fato consumado
A inevitabilidade da morte deveria dar-nos uma outra preparação e à-vontade, mas o certo é que
comunicar a notícia da morte a alguém traz sempre consigo um certo constrangimento a quem tem de o
fazer. Mesmo quando esse desfecho é o mais esperado e a pessoa se encontra há muito tempo na
iminência desse momento. O que mais uma vez me faz pensar que o ser humano está feito para uma
eternidade, para um prolongamento, “acabar” não é natural, o último batimento cardíaco não pode
significar o finalizar de uma existência.
Para mim é sempre constrangedor anunciar a morte de ágüem independentemente da pessoa a
quem se comunica. Claro que é muito diferente comunicar a morte a um familiar que nunca teve
ligação afetiva com o doente, do que o comunicar a um familiar que se sabe, e se nota, ter uma grande
ligação afetiva ao doente. Sentimo-nos muito pequeninos nesse momento...
Encontra-se de tudo: familiares que nunca tiveram grandes contatos nem ligações afetivas com
os seus doentes, ou que mantêm ligações meramente formais, mas que querem a todo o custo garantir a
“ultima morada” do seu familiar. Nunca se importaram minimamente com a vida do seu familiar mas
querem “guardar os seus ossos”, toda a sua preocupação reside nisso, em que o corpo do seu familiar
vá para a sepultura de família...
A preocupação com a morte só faz sentido quando foi precedida pela preocupação pela vida. Se
a vida de alguém foi esquecida, negligenciada, perdoem que qualifique de folclore todo o culto que se
faz em torno da morte de alguém.
Dar sentido à morte
Ajudar alguém a morrer, ser presença nesse momento, ser consolação e esperança só é possível
e faz sentido se, de fato, esse comportamento for a continuidade de toda uma humanização e
dignificação que contemplou a pessoa enquanto viveu. Abordagens “à la minuto”, no momento da
morte, são perfeitamente dispensáveis e contraducentes. Mistificações e histerias religiosas, a quem
nunca dói destinatário de uma dedicação pastoral séria e profunda, não passam de beatices e por vezes
de verdadeiros atentados ao sagrado, quando não são as forma mais impróprias de tranqüilizar a
consciência.
Sofrer e morrer sozinho:
São inúmeras as situações que todos conhecemos de pessoas que suportaram sozinhas um
calvário de sofrimento... infelizmente são poucas as situações que conheci, no meu contexto
profissional, de pessoas que tiveram o acompanhamento da sua família na sua doença terminal.
Gostaria de partilhar uma situação que me marcou, muito profundamente. Era um senhor com
uma neoplasia já detectada muito tardiamente. Tinha um nível cultural bastante diferenciado dos
restantes utentes. A situação familiar não era nada simples, o pai já tinha falecido, a mãe estava
bastante idosa, demente e vivia com uma filha débil mental. O nosso utente ia a casa quase
mensalmente, onde convivia adequadamente com vizinhos e alguns primos. Por fim, ficou acamado e
deixou de ir a casa. Nunca mais teve visitas. Manteve-se sempre com grande lucidez. Chegou a hora
final e, como já acontecera anteriormente, contataram-se os parentes que, como até então, se negaram
com evasivas a uma visita. Para uma pessoa como este senhor, morrer sozinho estou certo que custou
mais que muitas das sessões de quimioterapia. Não o expressou desta forma, mas o modo como
viveram os últimos tempos não deixava dúvida.
Morrer onde não se queria morrer
Em muitas das pessoas que conhecemos, especialmente esse são pessoas já de alguma idade, é
comum o desejo de não morrer no Hospital. A sua cada é o lugar de eleição para morrer. Penso que em
muitos dos casos se deve respeitar esse desejo.
Na nossa Instituição que de alguma forma é a casa de muitos dos nossos utentes, existem
pessoas que formulam este desejo e dele fazem idéia chave ao chegar a sua hora. Em muitas situações
penso que este desejo deveria ser atendido e muitas vezes se privam as pessoas de morrer na sua “casa”
para morrerem passadas poucas horas num Hospital que não lhe diz nada e onde nada já pode ser feito.
Dignidade até ao fim
A preocupação com a dignificação do momento presente leva a que toda a nossa atuação se
centre na pessoa enquanto fulcro de toda o nosso trabalho e dedicação.
Dignificar o momento da morte entronca nesta preocupação e neste esforço de ver a pessoa
como um todo, sujeito e destinatário de toda a nossa ação.
Dignificar o momento da morte pressupõe também dignificar o momento do sepultamento. Há
já tempos muito remotos que se executam rituais mais ou menos elaborados para sepultar os mortos.
Muitos desses rituais são, por um lado, o reflexo da dignidade que se prestava àquele corpo já sem
vida, mas que teve vida, e por outro lado, muitos deles denotam a crença que muitos desses povos
tinham na continuidade da vida.
Independentemente dessa análise, o que gostaria de deixar como partilha é que me parece lógico
que qualquer pessoa deve ser destinatária de um funeral digno e segundo os costumes da sua zona e da
sua religião.
Na nossa Instituição existem muitos Utentes sem qualquer familiar. Não é de estranhar que ao
falecerem alguns utentes não exista ninguém de família que se ocupe do seu funeral. Nestes casos
optou-se por serem os utentes com mais ligação a esse companheiro que, se assim o desejarem,
acompanhem as cerimônias fúnebres.
O fato de se ser doente mental, já por si tão rotulante e marginalizante em vida, não pode, de
maneia nenhuma, diferenciar as pessoas até na hora de morrer e de ser sepultado... pois para além de
toda a lógica, se já em vida somos todos iguais, quanto mais na hora da morte, ainda que existam
muitas diferenças acidentais nos ritos exteriores...
Morre o são e o doente, o médico psiquiatra e o doente mental, o abastado e o miserável... mas
até nesses momentos teimamos em fazer diferenciações, quando afinal são essas as que mais têm de
morrer.

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