MECANISMO DE INTERACÇÃO ENTRE O HNO3 E OS
Transcrição
MECANISMO DE INTERACÇÃO ENTRE O HNO3 E OS
MECANISMO DE INTERACÇÃO ENTRE O HNO3 E OS AEROSSÓIS MARINHOS, DURANTE OS PERÍODOS DE BRISA D. A. LOPES e C. A. PIO Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro. RESUMO: As brisas marítimas constituem provavelmente as condições mesometeorológicas com maior impacto na qualidade do ar em Portugal, já que a maioria das indústrias, transportes e população se encontram localizadas junto da orla costeira. Durante a ocorrência deste fenómeno de transporte, o sal marinho é arrastado para o interior do território nacional, interagindo com os compostos gasosos presentes na atmosfera, nomeadamente com o HNO3(g). Assim, com o objectivo de descrever este mecanismo reaccional elaborou-se um modelo, que aplicado aos resultados experimentais, permitiu identificar a difusão através da fase aquosa como sendo a etapa mais lenta do mecanismo de transferência de massa. Não obstante, verificou-se que a cinética de formação/libertação de HCl(g) no seio dos aerossóis constituía a etapa controlante do processo global. O modelo permitiu avaliar os coeficientes de acomodação respectivos, para cada sessão de campo, tendo-se obtido valores médios da ordem de 10-2-10-3, substancialmente inferiores, aos valores referidos por alguns autores para aerossóis produzidos laboratorialmente. PALAVRAS-CHAVE: Aerossóis marinhos, controlante, coeficiente de acomodação. HNO3, cinética química, etapa 1. INTRODUÇÃO As espécies químicas solúveis são preferencialmente eliminadas da fase gasosa por absorpção nos aerossóis, promovendo a ocorrência de reacções químicas com cinéticas, por vezes, várias ordens de grandeza mais rápidas que as verificadas na fase gasosa [Chameides e Stelson, 1992]. Nas zonas costeiras da Europa, o cloreto pertencente ao sal marinho é geralmente substituído por sulfato e nitrato de origem antropogénica [Ten Brink et al., 1997], em consequência do ataque encetado pelos compostos gasosos acídicos, tais como o HNO3 e/ou o H2SO4 e o seu percursor gasoso SO2 [Clegg e Brimblecombe, 1985; Keene et al., 1990; Sievering et al., 1991; Mamane e Gottlieb, 1992; Fenter et al., 1994; 1995; Ten Brink, 1998], de acordo com as seguintes reacções químicas: HNO3 ( g ) + NaCl ( s, aq ) → HCl ( g ) + NaNO3 ( s, aq ) (1) H2 SO4 + 2 NaCl ( s, aq ) → 2 HCl ( g ) + Na2 SO4 ( s, aq ) (2) 1 A substituição ocorre fundamentalmente nos aerossóis cujos diâmetros se situam na gama compreendida entre os 0.5 e os 2 µm [Keene et al., 1998], alterando as suas propriedades ópticas, nomeadamente a relação entre a quantidade de radiação reflectida e a quantidade total de aerossóis [Ten Brink et al., 1997]. Estudos realizados por vários autores ao longo dos anos, demonstraram que outros óxidos de azoto, tais como o NO2, o N2O5 e o ClONO2 também reagem com o NaCl, promovendo a volatilização do cloreto particulado [Finlayson-Pitts et al., 1989; Livingston e Finlayson-Pitts, 1991; Finlayson-Pitts, 1993; Laux et al., 1994; Vogt et al., 1996]. As reacções em que intervém o NO2/N2O4 e o ClNO2 são marcadamente de pequena importância, ao passo que a do N2O5 pode mesmo exceder a velocidade de reacção com o HNO3, em condições de atmosfera moderadamente poluída [Laux et al., 1994]. O mecanismo em que intervém o N2O5, ocorre fundamentalmente durante a noite, período para o qual é favorecida a sua produção [Laux et al., 1994]. Contudo para os aerossóis marinhos no estado líquido, as conclusões anunciadas alteram-se significativamente. Fenter et al. [1994] referindo resultados dos mesmos autores, observa que neste caso a cinética de reacção com o HNO3 é muito mais rápida, comparativamente com as reacções em que intervém o N2O5 e o NO2. No caso concreto do NO2 a cinética mantém-se extremamente lenta, com um coeficiente de incorporação da ordem de 10-4, apesar de tudo cerca de uma ordem de grandeza mais rápida, relativamente à mesma reacção, mas com os aerossóis no estado sólido. 2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL Para estudar o mecanismo de interacção entre o HNO3(g) e os aerossóis marinhos no estado líquido, procedeu-se à colheita simultânea dos compostos gasosos e particulados, a várias distâncias da orla costeira, durante a ocorrência de brisas marítimas. Na região de Aveiro, a brisa assume uma direcção predominante de Noroeste-Sudeste, pelo que uma correcta avaliação das transformações químicas ocorridas no percurso, passa pela colocação de postos de colheita de poluentes segundo a sua direcção de fluxo predominante. O método baseado na determinação das concentrações de poluentes, obtidas por amostragem simultânea a diferentes distâncias da costa, já tinha sido adoptado com sucesso no estudo da cinética de neutralização dos aerossóis acídicos pela amónia gasosa [Harrison e Kitto, 1992]. A localização dos postos de colheita teve em linha de conta para além dos aspectos meteorológicos já referidos, os aspectos relacionados com a circulação do trânsito automóvel, que é particularmente intenso no Verão. 2 Com base nesta conjugação de factores, seleccionou-se Oliveira do Bairro para instalar o posto de amostragem mais afastado da orla costeira. As massas de ar de origem marinha percorrem aproximadamente 30 Km sobre o território nacional, antes de alcançarem esta localidade, o que corresponde a um percurso de aproximadamente 2 horas de duração. O equipamento de recolha das amostras foi colocado no cimo do depósito de abastecimento de água, a uma altura de 40 m. O posto de colheita intermédio foi instalado na localidade de Mamodeiro, no Figura 1 - Mapa indicando a localização dos cimo da torre da igreja local, que postos de colheita de poluentes. dista cerca de 12 Km de Oliveira do Bairro, segundo a direcção definida pela estrada nacional 235. As amostragens foram realizadas no compartimento que alberga os sinos, a uma altura do solo de aproximadamente 15 m. Mediante estas opções, as massas de ar de origem marinha, oriundas de Noroeste, passam em primeiro lugar sobre Aveiro, antes de atingirem sequencialmente as estações de Mamodeiro e Oliveira do Bairro. Considerouse inviável a instalação de uma terceira estação junto ao oceano, na reserva de S. Jacinto, segundo a direcção linear definida pela estrada 235, pois todas as operações de assistência e manutenção, implicariam a travessia por barco da ria de Aveiro, ou o seu contorno por estrada, o que equivaleria a um percurso de aproximadamente 70 Km. Como se prevê que as massas de ar marinhas, sejam quimicamente homogéneas quando atingem a orla litoral, procedeu-se à colocação de uma terceira estação na praia do Areão, a qual dista sensivelmente 20 Km para sudoeste da cidade de Aveiro. A estação foi instalada a cerca de 300 m da linha de água e de um quilometro das habitações mais próximas, num terreno arenoso propriedade do governo, parcialmente revestido por vegetação rasteira, arbustos e pinheiros de pequeno porte. Em cada local de amostragem realizou-se a colheita dos compostos gasosos, HNO3, HCl, HNO2, SO2, NO2 e NH3, mediante o recurso à utilização de “denuders” bianelares, revestidos internamente com uma substância química adequada à sua remoção. Para a colheita das partículas, recorreu-se à utilização de um conjunto de quatro filtros em série, colocados a jusante de dois “denuders” revestidos com K2CO3 e de um outro revestido com H3PO4. Deste modo, conseguiu-se a remoção prévia dos compostos gasosos acídicos, bem como da amónia, minimizando a possibilidade de ocorrência de interacção química com as partículas retidas. 3 Após as colheitas, procedeu-se à extracção das espécies químicas adsorvidas nas paredes de cada “denuder” e de cada filtro. Os extractos obtidos foram subsequentemente analisados por cromatografia iónica para os aniões inorgânicos Cl-, NO2-, NO3- e SO42-, colorimetricamente para o NH4+ pelo denominado método do azul de indofenol e por emissão atómica para o Na+ [Harrison e Perry, 1986]. As técnicas de colheita e análise adoptadas encontram-se detalhadamente descritas em Lopes [1999]. 3. RESULTADOS E CONCLUSÕES Para as concentrações iónicas associadas aos aerossóis nas duas fracções granulométricas consideradas, procedeu-se ao cálculo da quantidade de água líquida, da molalidade das diversas espécies iónicas e dos respectivos coeficientes de actividade médios, relativos às espécies NO3- e Cl- existentes na fase particulada, em cada localidade e período de colheita. A obtenção destes valores é fundamental para permitir avaliar a grandeza das forças iónicas existentes no seio dos aerossóis e aferir do grau de afastamento relativamente ao comportamento de solução ideal. Assim, admitindo como premissa inicial que o aerossol é essencialmente constituído por NaCl, pode-se com base nos dados referentes aos coeficientes osmóticos em função da molalidade de NaCl tabelados em Hamer e Wu [1972], obter uma expressão que relaciona a molalidade do NaCl com a humidade relativa no ambiente circundante HR (em %). Recorrendo aos valores médios de humidade relativa obtidos durante os diferentes períodos de colheita, foi possível determinar a concentração de sal marinho presente no seio dos aerossóis. A partir do teor de sódio medido experimentalmente, determina-se uma primeira estimativa da quantidade de água existente por unidade de volume de ar. A partir deste valor é possível efectuar o cálculo das forças iónicas e dos coeficientes osmóticos, recorrendo ao modelo de Pitzer [Pitzer, 1973; Pitzer e Kim, 1974]. Com os valores obtidos procedeu-se à reavaliação da quantidade de água líquida existente na atmosfera, das concentrações de cada espécie química, da força iónica e dos coeficientes osmóticos e de actividade. Criou-se deste modo um processo iterativo que termina quando forem verificados os critérios de convergência estabelecidos. Registaram-se forças iónicas extremamente elevadas, com máximos de 28 molal na fracção grosseira e de 56 molal na fina. Com valores desta ordem de grandeza, o comportamento intrínseco dos aerossóis é fortemente não-ideal, conforme revelam os resultados apresentados na tabela I. Com base nas concentrações de Cl- e NO3- existentes na fase aquosa e de HCl e HNO3 na fase gasosa, foi possível avaliar as razões entre as concentrações de Cl- e de NO3para as concentrações medidas experimentalmente e para as concentrações de equilíbrio com as existentes na fase gasosa, através de: 2 * mNO3− H HNO3 . PHNO3 .γ HCl = * mCl − H HCl . PHCl .γ HNO3 2 4 (3) Onde mi é a molalidade da espécie i no aerossol, Hi* representa a constante de Henry efectiva de i, Pi a respectiva pressão parcial e γi os coeficientes de actividade. Tabela I - Valores médios, desvios padrão, máximos e mínimos da força iónica e dos coeficientes de actividade do HNO3 e do HCl em solução, no Areão (A), em Mamodeiro (M) e em Oliveira do Bairro (OB). γ HNO I(molal) γ HCl 3 A M OB A M OB A M OB Dp>2 µm Média Desvio Máximo Mínimo 4.511 4.817 28.23 0.9574 5.914 4.659 19.30 0.6117 5.438 5.288 26.58 0.4095 1.11 2.22 17.3 0.511 0.822 0.771 5.30 0.377 0.656 0.866 6.16 0.292 1.68 3.96 30.1 0.556 1.31 1.54 9.73 0.489 1.30 2.37 16.6 0.483 Dp<2 µm Média Desvio Máximo Mínimo 8.977 11.19 56.38 0.9819 10.95 10.76 44.69 0.7835 11.59 9.505 46.78 1.102 1.02 2.95 22.1 0.314 1.10 2.61 16.3 0.300 0.716 1.32 9.39 0.299 1.10 1.58 10.4 0.411 1.01 1.32 8.09 0.408 1.09 1.33 7.16 0.404 A incerteza acerca da composição iónica integral do aerossol, nomeadamente no que concerne à sua concentração hidrogeniónica, não permite a obtenção de razões de equilíbrio precisas na fase particulada. Não obstante, a influência provocada pelo H+ e cinge-se à pelos restantes catiões não medidos, na razão de equilíbrio [ C l ] − [N O ] − 3 alteração da força iónica e dos efeitos interiónicos expressos no cálculo dos coeficientes de actividade pelo modelo de Pitzer. A partir das medições prévias realizadas nesta região, observou-se que o cálcio, o potássio, o magnésio e o hidrogénio tinham uma participação reduzida na constituição química dos aerossóis marinhos [Pio et al., 1996]. Por exemplo, registaram-se no Areão em 1993/94 níveis de H+ (numa base molar) correspondentes a ≈15% e 2% dos catiões totais, nas partículas grosseiras e finas, respectivamente [Castro, 1997]. Com o objectivo de avaliar o grau de incerteza eventualmente cometido pela não consideração do ião H+ no cálculo da razão entre as concentrações de Cl- e de NO3-, procedeu-se à realização de um teste de sensibilidade, que confirmou a irrelevância da acidez livre na determinação da razão de equilíbrio. Verificaram-se diferenças médias da grandeza inferiores a 5% para variações da concentração total de catiões na forma de H+, da ordem dos 50%. A tabela II permite comparar os resultados de equilíbrio, com os resultados experimentais. As concentrações de equilíbrio termodinâmico foram obtidas, considerando que em cada fracção as espécies iónicas se encontram internamente misturadas, ou pelo contrário que o sal marinho e o sulfato de amónio estavam presentes em partículas distintas (misturadas externamente). No que concerne à fracção grosseira, infere-se que as razões diminuem com a progressão da brisa para o interior do país. Paralelamente [C l ] [NO ] observa-se que as razões avaliadas com base nos resultados experimentais estão significativamente afastadas do ponto de equilíbrio termodinâmico nas três localidades, facto que revela que o processo de volatilização em curso não está terminado. − 3 − 5 Tabela II - Razões entre as concentrações de cloreto e de nitrato, nos aerossóis marinhos durante os períodos de brisa marítima, numa base equivalente. [Cl-]/[NO3-] [Cl-]/[NO3-] [Cl-]/[NO3-] Avaliação Modelo Modelo experimental mistura mistura interna externa Areão Dp>2µm Média Mediana Desvio padrão Dp<2µm Média Mediana Desvio padrão Dp>2µm Média Mediana Desvio padrão Dp<2µm Média Mediana Desvio padrão Dp>2µm Média Mediana Desvio padrão Dp<2µm Média Mediana Desvio padrão 274.5 11.8 1086.1 8.39 4.97 11.18 8.45 5.15 11.20 6.51 4.77 6.36 9.66 4.31 16.42 Mamodeiro 10.31 4.58 17.45 2.68 1.25 3.59 0.72 0.37 1.08 0.78 0.43 1.14 1.35 0.94 1.14 0.49 0.32 0.57 O. Bairro 0.57 0.37 0.63 1.32 0.79 1.56 0.46 0.34 0.44 0.51 0.43 0.47 1.22 0.77 1.26 0.38 0.21 0.37 0.43 0.23 0.45 Na fracção fina, verifica-se um comportamento análogo ao da fracção grosseira, com excepção da localidade do Areão. Nesta localidade, a razão relativa aos valores experimentais é inferior à de equilíbrio, contrariando a tendência observada nas restantes estações. Este facto por si só, representa que fisicamente o processo de volatilização no Areão já ocorreu para além do ponto de equilíbrio termodinâmico, o que do ponto de vista físico é um absurdo. O seu cálculo entra em linha de conta com a concentração de HCl(g) na atmosfera, que está afectada por um fenómeno interferente provocado pela impacção de partículas de sal marinho no “denuder” de colheita. Este efeito acarretou uma sobrevalorização significativa e artificial dos teores de ácido clorídrico junto à costa, onde a concentração salina é substancialmente superior. Por este facto, o cálculo da razão de equilíbrio está imbuído de um determinado grau de incerteza, cuja importância diminui drasticamente nas restantes localidades, sendo mesmo desprezável em Oliveira do Bairro. Por isso, nas localidades de Mamodeiro e de Oliveira do Bairro, as razões de equilíbrio e experimentais diminuem de grandeza com a 6 deslocação da brisa marítima, sendo as primeiras inferiores às segundas. Também na fracção fina, o processo de volatilização em curso não atingiu o ponto de equilíbrio termodinâmico, durante o percurso até Oliveira do Bairro. A acontecer, ocorrerá primeiro na fracção fina, em virtude do processo de volatilização de cloreto ser mais efectivo nas partículas de menores dimensões, o que estaria de acordo com o modelo desenvolvido por Meng e Seinfeld [1996]. Estes autores concluíram adicionalmente, em face do seu estudo, que o tempo necessário para alcançar o equilíbrio termodinâmico pode ser da ordem de algumas horas, sendo manifestamente inferior na fracção fina. Nesta mesma fracção, o tempo de equilíbrio pode variar entre 1.5 minutos até 10 horas, para valores de coeficiente de acomodação compreendidos entre 1 e 0.001. Para a fracção grosseira o tempo de equilíbrio é mesmo superior a 10 horas. Por seu turno, o modelo de Keene et al. [1998] também prevê razões entre o cloreto e o nitrato inferiores às de equilíbrio, mas desta feita provocadas por limitações ao nível da cinética reaccional, contrariamente ao modelo de Meng e Seinfeld [1996] onde o controlo do processo residia na transferência de massa através da interface. Dado que não existe ainda um consenso acerca do passo que controla o mecanismo de ataque do ácido nítrico aos aerossóis marinhos, foi desenvolvida uma metodologia que permite avaliar os parâmetros de interacção e eventualmente identificar a etapa controlante do processo. 3.1 Cálculo dos coeficientes de acomodação De seguida procede-se à determinação dos coeficientes de acomodação efectivos, α , com base na velocidade de formação de nitrato na fase particulada, na concentração média de nitrato existente no seio das partículas e na concentração de HNO3 existente na fase gasosa, recorrendo ao modelo descrito em Lopes [1999]. Tendo em conta que o sistema químico proposto é traduzido pela equação geral (1), fica claro que à parte de alguns fenómenos de condensação e volatilização de compostos constituídos por nitrato e cloreto, sobretudo de NH4NO3 e NH4Cl, uma variação da concentração de nitrato na fase particulada, implica uma variação de sinal contrário em termos de cloreto. Dado que a concentração de sódio diminui genericamente à medida que as massas de ar se deslocam para o interior do país, e uma vez que este factor provoca alterações ao nível das concentrações atmosféricas mesmo na ausência de interacção química devido ao efeito de deposição, admitiu-se que o fenómeno da deposição afectava de modo similar as concentrações de sódio e de cloreto. Assim, corrigiram-se as concentrações de cloreto obtidas em Mamodeiro, para as concentrações de sódio observadas no Areão e as concentrações de cloreto de Oliveira do Bairro, para as concentrações de sódio registadas em Mamodeiro. Posto isto, afectou-se as variações de concentração de cloreto entre as estações de colheita, à interacção ocorrida entre fases, durante o trajecto das massas de ar. Aplicando o modelo de reacção heterogénea, já referido é possível determinar os coeficientes de acomodação, do HNO3(g) nos aerossóis marinhos no estado líquido. 7 Tabela III - Coeficientes de acomodação ( α ) obtidos para as duas fracções granulométricas, com base nos resultados experimentais obtidos em período de brisa marítima. Data Média Desvio padrão Máximo Mínimo dp > 2 mm A-M 8.82E-02 1.43E-01 5.64E-01 3.00E-04 M-OB 2.48E-02 6.53E-02 3.06E-01 3.17E-05 dp < 2 mm A-M 1.39E-02 3.84E-02 1.62E-01 1.75E-05 M-OB 5.37E-03 1.67E-02 7.27E-02 2.30E-05 Obtiveram-se valores médios da ordem de 10−3 − 10−2 e mínimos e máximos da ordem de 10-5 e 10-1, respectivamente. Os valores máximos aproximam-se do obtido por Ponche et al.. [1993], que foi de 0.11±0.01 para aerossóis produzidos laboratorialmente. Embora Kirchner et al. [1990] também tenha avaliado o valor de α para o HNO3 nas mesmas condições, tendo obtido um valor de 0.071±0.02 a 273 K. Os valores de α médios calculados neste trabalho são de um modo geral inferiores a estes. Este facto pode sugerir a eventual existência de uma película orgânica na superfície das partículas, que dificulta a transferência de massa interfacial. Esta hipótese foi avançada por diversos autores, entre os quais Tang e Munkelwitz [1993] e Andrews e Larson [1993]. Em estudos realizados na região de Aveiro por Kavouras et al. [1997] e Alves et al. [1998], foram determinadas concentrações de compostos orgânicos totais nas partículas, da ordem dos 50 µg/m3. Estes resultados acabam por reforçar a credibilidade da hipótese adiantada por Tang e Munkelwitz [1993] e Andrews e Larson [1993]. 3.2 Identificação da etapa controlante Os valores dos tempos característicos, para as diferentes etapas do mecanismo reaccional, foram calculados através das respectivas equações de definição, referentes à difusão na fase gasosa τ dg , à difusão na fase aquosa τ da , à transferência através da interface τ PP e à reacção química τ c [Finlayson-Pitts e Pitts, 1986; Lopes, 1999]. As suas grandezas estão patentes nas tabelas IV e V, para as fracções grosseira e fina, respectivamente. Para proceder ao cálculo de τ PP recorreu-se à utilização dos coeficientes de acomodação avaliados com base nos resultados experimentais. Observase ainda que τ dg e τ da apresentam em ambas as fracções granulométricas, ordens de grandeza francamente baixas, com um máximo de 1.27x10-4 s, o que permite desde logo admitir a existência de um pseudo estado estacionário em ambas as fases, que era aliás um dos pressupostos do modelo desenvolvido [Lopes, 1999]. Uma simples inspecção aos valores dos tempos característicos, verifica-se que τ da é extremamente superior a todos os restantes, identificando a transferência de massa por difusão através da fase aquosa, como sendo a etapa mais lenta do mecanismo de transferência de massa. Os valores dos tempos característicos obtidos no decurso deste trabalho concordam em pleno com os obtidos por Ponche et al. [1993] para aerossóis marinhos com diâmetros da ordem dos 100 µm. Estes autores obtiveram valores para τ d g = 2 .8 × 1 0 − 6 s , τ pp = 3.8 × 10 − 6 s (considerando coeficientes de acomodação de 0.1), 8 τ da = 7 .9 × 10 − 2 s e τ c < 5 × 10 − 9 s . Também neste caso o tempo característico de maior grandeza pertence à etapa da difusão intraparticular. As diferenças registadas tem origem no facto das granulometrias divergirem em cerca de 100 vezes de um trabalho para o outro. Tabela IV - Valores estatísticos referentes aos parâmetros de interacção entre o HNO3(g) e os aerossóis no estado líquido (Dp>2 µm). τpp (s) Média Desvio padrão Máximo Mínimo A 2.09x10-11 8.59x10-11 4.21x10-10 2.41x10-17 M 1.10x10-13 2.79x10-13 1.20x10-12 5.29x10-18 OB 6.01x10-10 2.62x10-9 1.28x10-8 4.35x10-18 τ dg = 188 . × 10−8 s ; τ da = 127 . × 10−4 s ; τ c = 4.54 × 10−10 s Tabela V - Valores estatísticos referentes aos parâmetros de interacção entre o HNO3(g) e os aerossóis no estado líquido (Dp<2 µm). Média Desvio padrão Máximo Mínimo τpp (s) M 4.26x10-10 1.30x10-9 4.47x10-9 1.04x10-17 = 141 . × 10−5 s A 4.64x10-10 1.32x10-9 4.49x10-9 7.90x10-18 τ dg = 2.09 × 10−10 s ; τ da OB 1.29x10-9 4.95x10-9 2.05x10-8 1.08x10-16 Repare-se que até a este ponto foram avaliados os tempos característicos relativos às etapas de difusão na fases gasosa e aquosa, de transferência através da interface e da reacção de ionização do ácido nítrico em solução. Destas, a mais lenta reside indubitavelmente na difusão através da fase aquosa. No entanto alguns autores, entre os quais Schurath et al. [1996], admitem a possibilidade de que quando o processo de volatilização já ocorreu em extensão considerável, a concentração de cloreto particulado pode atingir um nível suficientemente baixo, que transforme a cinética da reacção de formação do HCl, no passo limitante de todo o mecanismo de interacção. Uma vez que se trata de uma reacção química elementar, possui uma lei de velocidade que é função da concentração de Cl- e do pH na fase particulada. A constante de acidez do HCl é de 1.74x106 M [Seinfeld e Pandis, 1997], o que evidência que a constante cinética da reacção de formação do HCl é 1.74x106 vezes mais lenta que a correspondente constante cinética de dissociação. Contudo, até à data da redacção deste artigo, ainda não foi possível encontrar os valores das respectivas constantes cinéticas. Deste modo, não é ainda possível determinar este tempo característico e afirmar com toda a convicção que o controlo do mecanismo se situa na velocidade de formação do HCl, ao nível intraparticular, não obstante esta tese ser partilhada por outros autores, nomeadamente Keene et al. [1998] e Ten Brink [1998]. 9 7. AGRADECIMENTOS Este projecto foi financiado pela Comissão das Comunidades Europeias e pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica através dos protocolos EV5V-CT910050 e PRAXIS/3/3.2/AMB/38/94. Os autores agradecem ainda a bolsa concedida a Diamantino Lopes pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. 8. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves C., Pio C. and Duarte A. 1998. The organic composition of air particulate matter from semi-rural and forest portuguese areas. In European Geophysical Society, XXIII General Assembly Nice, 20-24 April. Andrews E. and Larson S. M. 1993. Effect of surfactant layers on the size changes of aerosol particles as a function of relative humidity. Environ. Sci. Technol. 25, 1864-1867. Castro L. M. 1997. Composição e origem dos poluentes particulados numa atmosfera costeira. Ph. D. Thesis, Universidade de Aveiro. Chameides W. L. and Stelson A. W. 1992. Aqueous-phase chemical processes in deliquiscent sea-salt aerosols: A mechanism that couples the atmospheric cycles of S and sea salt. J. Geophys. Res. 97, 20565-20580. Clegg S. L. and Brimblecombe P. 1985. Potential degassing of hydrogen chloride from acidified sodium chloride droplets. Atmos. Environ. 19, 465-470. Fenter F., Caloz F. and Rossi M. 1995. Experimental evidence for the efficient dry deposition of nitric acid on calcite. Atmos. Environ. 29, 3365-3372. Fenter F., Caloz F. and Rossi M. 1994. Kinetics of nitric acid uptake by salt. J. Phys. Chem. 98, 9801-9810. Finlayson-Pitts B. J. and Pitts J. N., Jr. 1986. Atmospheric chemistry: Fundamentals and experimental techniques. Wiley Interscience, New York. Finlayson-Pitts B. J. 1993. Chlorine atoms as a potential tropospheric oxidant in the marine boundary layer. Res. Chem. Int. 19, 235-249. Finlayson-Pitts B. J., Ezell M. J. and Pitts J. N., Jr. 1989. Formation of chemically active chlorine compounds by reactions of atmospheric NaCl particles with gaseous N2O5 and ClNO2. Nature 337, 241. Hamer W. J. and Wu Y.-C. 1972. Osmotic coefficients and mean activity coefficients of uni-valent electrolytes in water at 25 ºC. J. Phys. Chem. Ref. Data 1, 1047-1099. Harrison R. M. and Kitto A. M. 1992. Estimation of the rate for the reaction of acid sulphate aerosol with NH3 gas from atmospheric measurements. J. Atmos. Chem. 15, 133-143. Harrison R. M. and Perry R. 1986. Handbook of Air Pollution Analysis. Chapman and Hall, London. Kavouras I., Apostolaki M., Stephanou E. G., Pio C. A., Alves C. and Duarte A. C. 1997. Determination of fine organic aerosol content in semi-rural and forest areas in Portugal, in 6th Int. Conf. on Carbonaceous Part. in the Atmos., Viena. Keene W. C., Pszenny A. A. P., Jacob D. J., Duce R. A., Galloway J. N., Schultz-Tokos J. J., Sievering H. and Boatman J. F. 1990. The geochemical cycling of reactive chlorine through the marine troposphere. Global Biogeochem. Cycles 4, 407-430. Keene W. C., Sander R., Pszenny A. A. P., Vogt R., Crutzen P. J. and Galloway J. N. 1998. Aerosol pH in the marine boundary layer: A review and model evaluation. J. Aerosol Sci. 29, 339-356. 10 Kirchner W., Welter F., Bongartz A., Kames J., Schweighoeffer S. and Shurath U. 1990. Trace gas exchange at the air/water interface: Measurements of mass accomodation coefficients. J. Atmos. Chem. 10, 427-449. Laux J. M., Hemminger J. C. and Finlayson-Pitts, B. J. 1994. X-Ray photoelectron spectroscopic studies of the heterogeneous reaction of gaseous nitric acid with sodium chloride: Kinetics and contribution to the chemistry of the marine troposphere. Geophys. Res. Lett. 21, 1623-1626. Livingston F. E. and Finlayson-Pitts B. J. 1991. The reaction of gaseous N2O5 with solid NaCl at 298 K: Estimated lower limit to the reaction probability and its potential role in tropospheric and stratospheric chemistry. Geophys. Res. Lett. 18, 17-20. Lopes D. A. 1999. Influência das brisas marítimas na química da poluição atmosférica, nas zonas costeiras. Ph. D. Thesis, Universidade de Aveiro. Mamane Y. and Gottlieb J. 1992. Nitrate formation on sea-salt and mineral particles-a single particle approach. Atmos. Environ. 26A, 1763-1769. Meng Z. and Seinfeld J. H. 1996. Time scales to achieve atmospheric gas-aerosol equilibrium for volatile species. Atmos. Environ. 30, 2889-2900. Pio C. A., Castro L. M., Cerqueira M. A., Santos I. M., Belchior F. and Salgueiro M. L. 1996. Source assessment of particulate air pollutants measured at the Southwest European coast. Atmos. Environ. 30, 3309-3320. Pitzer K. S. and Kim J. 1974. Thermodynamics of electrolytes. IV-Activity and osmotic coefficients of mixed electrolytes. J. Am. Chem. Soc. 96, 5701-5707. Pitzer K. S. 1973. Thermodynamics of electrolytes. I-Theoretical basis and general equations. J. Phys. Chem. 77, 268-277. Ponche J., George Ch. and Mirabel Ph. 1993. Mass transfer at the air/water interface: Mass accomodation coefficients of SO2, HNO3, NO2 and NH3. J. Atmos. Chem. 16, 1-21. Schurath U., Bongartz A., Kames J., Wunderlich C. and Carstens T. 1996. Laboratory determination of physico-chemical rate parameters pertinent to mass transfer into cloud and fog droplets, in EUROTRAC-Transport and Chemical Transformation of Pollutants in the Troposphere. Vol. 2 - Heterogeneous and Liquid Phase Processes (edited by Warneck P.), pp. 182-189. Springer, Berlin. Seinfeld J. H. and Pandis S. N. 1997. Atmospheric chemistry and physics: From air pollution to climate change. Wiley-Interscience Publication. Sievering H., Boatman J., Galloway J., Keene W., Kim Y., Luria M. and Ray J. 1991. Heterogeneous sulphur conversion in sea-salt particles: the role of aerosol water content and size distribution. Atmos. Environ. 25A, 1479-1482. Tang I. N. and Munkelwitz H. R. 1993. Composition and temperature dependence of the deliquiscence properties of hygroscopic aerosols. Atmos. Environ. 27A, 467-473. Ten Brink H. M., Kruisz C., Kos G. P. A. and Berner A. 1997. Composition/size of the light-scattering aerosol in The Netherlands. Atmos. Environ. 31, 345-349. Ten Brink H. M. 1998. Reactive uptake of HNO3 and H2SO4 in sea-salt (NaCl) particles. J. Aerosol Sci. 29, 57-64. Vogt R., Crutzen P. J. and Sander R. 1996. A mechanism for halogen release from seasalt aerosol in the remote marine boundary layer. Nature 383, 327-330. 11