OS TRÊS PÉS DO POTE

Transcrição

OS TRÊS PÉS DO POTE
OS TRÊS PÉS DO POTE
Contribuições para um novo diálogo
entre
os habitantes dos bairros populares,
os poderes púbicos e
os profissionais das cidades
Universidade Central de Venezuela - FAC. Arquitectura e Urbanismo
Código Postal 14459 - CARACAS 1011 -A- e-mail : [email protected]
Fundação Charles Léopold Mayer – 38, rue Saint Sabin – F- 75011 Paris
E-mail : [email protected] – Site Web : http ://sente.epfl.ch/fph/
SUMARIO
Preâmbulo_________________________________5
Declaração de Salvador_______________________7
Palavras dos moradores em Istambul___________19
Declaração de Dacar________________________23
A palavra dos habitantes
sobre a questão das violências urbanas_________33
3
4
Preâmbulo
O
«
s três pés do pote », disseram os habitantes dos
bairros populares das cidades da África Ocidental, na ocasião
do encontro inter-africano de Dacar, que reuniu habitantes,
responsáveis eleitos e profissionais das cidades em fevereiro
de 1998.
Os três pés do pote são necessários para se poder guisar
cidades habitáveis, cidades onde faz bom viver.
Os três pés do pote: os habitantes, os poderes públicos e os
profissionais da cidade. Lindo slogan, mas como havemos de
fazer concretamente? Que fazer para que as boas intenções
não se dissolvam numa « participação » álibi ou numa
« parceria » de fachada? Para que os habitantes dos bairros
populares e os próprios bairros sejam reconhecidos?
Simplesmente reconhecidos. Como os co-autores, no seu dia a
dia, de uma cidade e de uma sociedade que se estão a
inventar, a construir, andando.
O texto que apresentamos aqui agrupa quatro declarações
internacionais, quatro contribuições a esta marcha. Porque as
declarações, mesmo se bem intencionadas, não podem servir
para nada quando o problema se situa realmente nas razões
de força e de poder, no isolamento dos habitantes, nas
mentalidades e na organização dos poderes públicos?
Por isso, estas declarações são somente um instrumento : a
codificação, a um dado momento, de reflexões colectivas, uma
base de convicções par irmos mais longe, para construirmos
novas modalidades de diálogo a partir de alguns princípios
simples e para estruturarmos redes.
Estas declarações, frutos de encontros internacionais, foram
elaboradas entre 1991 e 1998, mas são na realidade o produto
de uma longa história, a dos pioneiros como Téolinda Bolivar
no Venezuela, Paul Henri Chombart de Lauwe ou Michel
Anselme em França, e milhares de outros, conhecidos ou
anónimos,
6
que estão lutando desde vinte, trinta ou quarenta anos, para
fazerem reconhecer a competência dos habitantes e o seu
direito à palavra e à acção em tudo o que determina
concretamente a sua vida.
Influenciaram, por sua vez, directa ou indirectamente, outras
tomadas de posição, outras tomadas de consciência. São
somente um elo na cadeia.
Constatámos que poderiam ser úteis à acção, e com esse
único objectivo, decidimos reuni-las num fascículo.
O próximo horizonte, que é um pouco mais do que um sonho e
um pouco menos do que uma realidade, será o próximo
encontro mundial de habitantes de México, no final do ano
2000.
Fevereiro 2000
Téolinda Bolivar
Caracas
Pierre Calame
Paris
DECLARAÇÃO DE SALVADOR
sobre a participação dos habitantes e a acção pública
para uma cidade mais humana
Foi à iniciativa de Téolinda Bolivar, da Universidade Central do
Venezuela - Faculdade de arquitectura e de Urbanismo de Caracas,
a convite do governo de Venezuela, e sob a conduta de Pierre
Calame, director da FPH e da ARCI (Associação para a Pesquisa
Cooperativa Internacional), que uns quinze responsáveis, peritos e
técnicos das cidades se reuniram em Caracas, em 1991, para
trocarem as suas experiências e tentarem encontrar respostas ao
problema dos bairros em dificuldade. No final desse encontro, foi
redigida uma declaração baseada em seis princípios.1
No final de novembro de 1993, o grupo de Caracas, renovado e
alargado a uns quarenta participantes vindos de dezassete países e
de quatro continente, reuniu-se novamente em Salvado da Bahia2.
Inspirando-se do texto de Caracas, o grupo redigiu colectivamente a
Declaração de Salvador abaixo apresentada..
Preâmbulo
Em 1993, no mundo inteiro, crianças, mulheres e homens
vivem em condições precárias ou indignas do nível de
desenvolvimento dos países onde residem. É um dever dos
Estados remediar a essa situação.
7
A reabilitação dos bairros onde está concentrada a pobreza faz
parte das tarefas urgentes. É um direito dos habitantes que
sejam associados à elaboração, à realização, ao
acompanhamento e à avaliação de tal reabilitação.
Nós, eleitos nacionais e locais, responsáveis administrativos,
representantes dos habitantes e peritos, convencidos destes
deveres e destes direito, vindos de dezassete países e de
quatro continentes, estamos reunidos de 29 de Novembro a 3
de Dezembro de 1993 em Salvador da Bahia, no Brasil. […]
Constatamos em todos os nossos países, ricos ou pobres, a
existência de zonas urbanas degradadas: bairros espontâneos,
bairros antigos no centro das cidades, bairros de habitações
sociais desvalorizadas.
Durante muito tempo, alguns acreditaram que era uma
situação temporária, e que o desenvolvimento económico
chegaria a eliminá-la. Mas não é o caso. Certos bairros
concentram a exclusão social porque as nossas formas actuais
de desenvolvimento geram ou deixam subsistir uma exclusão
permanente. Os princípios monetaristas que governam a
política internacional reforçam esta tendência.
Esses bairros, essas zonas de pobreza hão de existir durante
muitos anos. É preciso portanto conceber uma política
ambiciosa, a longo prazo, de promoção humana dos seus
habitantes e da transformação das suas condições de vida, no
respeito dos seus direitos, da sua dignidade e das suas
capacidades.
Uma tal política de reabilitação deve inscrever-se numa política
geral que compreenda um desenvolvimento do mundo rural e
das pequenas cidades para atenuar a concentração da
população nas grandes metrópoles, e numa política urbana
que garanta a vinda de populações novas em boas condições.
Deve também, através do seu financiamento e da sua conduta,
participar na construção de um mundo mais justo e mais
responsável.
Conceber e implementar uma tal política de reabilitação é o
dever conjunto da comunidade internacional, dos estados e
das colectividades locais. […]
9
Para conseguirmos a implementação dos princípios em que
acreditamos, consideramos que as declarações de Caracas e
de Salvador podem constituir um instrumento eficaz, e por isso
propomos o seguinte:
 aos estados, às colectividades locais, aos organismos
internacionais: que marquem a sua adesão formal a estas
declarações, comprometendo-se assim a definir e a pôr em
obra os meios efectivos de satisfazerem aos princípios que
enunciam, a participar activamente nas redes nacionais e
internacionais de intercâmbio de experiências, e a se
submeterem aos prazos regulares de um procedimento de
avaliação dos resultados obtidos,
 que se assegure uma larga difusão destas duas
declarações, em direcção às colectividades locais, aos
habitantes dos bairros e aos profissionais, com modalidades
de difusão e de discussão adaptadas aos diversos públicos,
 que as declarações constituam um quadro de referência
regular para as sessões de formação,
 que a nível local, possam servir de referência para as cartas
de reabilitação, definindo claramente os procedimentos de
parceria adoptados,
 que constituam critérios de base para a avaliação pública
das políticas implementadas a diversos níveis,
 que se apoie a implantação de redes regionais, nacionais e
internacionais de intercâmbios de experiências entre os
representantes dos habitantes dos bairros degradados,
primeiros concernidos e primeiros peritos para as soluções que
os concernem.
Durante o encontro de Salvador da Bahia, tivemos a
possibilidade de confrontar a experiência adquirida nos nossos
diversos países, o que permitiu a elaboração dos seis
princípios da Declaração de Caracas. O texto seguinte não tem
valor de proposta universal. É uma colectânea de ideias, de
pistas de reflexão, de experiências, que completa o trabalho
realizado há dois anos em Caracas e que deve agora ser
enriquecida de maneira contínua pela rede de intercâmbios de
experiências.
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Primeiro princípio
APRENDER A RECONHECER, REFORÇAR E
ESTIMULAR AS DINÂMICAS DOS BAIRROS
1. Não confundir conhecimento dos problemas e
reconhecimento dos habitantes. Os estudos técnicos, os
diagnósticos só são úteis quando também são definidos,
pilotados e partilhados pelos habitantes.
2. Reconhecer os habitantes, significa reconhecer a sua
história e a sua cultura, reconhecer o valor do bairro e a sua
forma espacial, a sua inscrição no longo prazo.
3. As formas múltiplas de entreajuda e de intercâmbio de
serviços implementados pelos habitantes, muitas vezes de
maneira informal, devem ser reconhecidas, mesmo se for
necessário para isso mudar a lei.
4. O necessário reconhecimento do trabalho dos habitantes
concerne o trabalho realizado nas construções e o valor
profissional dos esforços empreendidos para a estruturação
social dos bairros e a representação dos habitantes.
5. Morar no mesmo bairro não implica necessariamente uma
comunidade de destino: reconhecer os habitantes, também
significa reconhecer as suas diferenças.
6. Em alguns casos, a população dos bairros perdeu confiança
em si, nas suas possibilidades, na sua criatividade. Para que
haja um reconhecimento dos bairros, é necessário antes que a
população comece por se conhecer a ela própria. Um primeiro
passo nessa direcção é muito simplesmente a construção da
palavra e a possibilidade de a fazer ouvir.
7. O reconhecimento específico das aspirações e das
dinâmicas das mulheres e dos jovens é indispensável.
8. A identidade do bairro também é função das formas de
organização adoptadas pelos habitantes. Tais formas de
organização não são espontâneas, são antes o fruto de uma
aprendizagem cultural herdada da história ou que deve ser
adquirida agora. Neste segundo caso, a duração do processo
de aquisição deve ser tida em conta.
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Segundo princípio
RECONHECER AOS HABITANTES O DIREITO DE
HABITAR
1. A afirmação, a nível nacional, do reconhecimento dos
bairros espontâneos e uma política de reabilitação que se
comprometa a não deportar os seus habitantes fora desses
bairros, são actos essenciais da consolidação do seu estatuto.
2. A consolidação do estatuto ou, no caso dos bairros
espontâneos ou ilegais, a sua regularização, não passam
necessariamente pelo facto de dar a terra aos moradores em
plena propriedade. Em alguns casos, constitui a reivindicação
principal, porque a legalização da propriedade das terras é
indispensável para se poder dispor de uma ligação aos
serviços urbanos - água, electricidade, caixas de correio etc. ou é considerada como a única segurança fiável contra a
expulsão.
3. Numerosas outras fórmulas interessantes são utilizadas
para consolidar a posição dos habitantes: propriedade do
terreno detida conjuntamente pelo homem e pela mulher,
cessão colectiva dos solos a uma unidade da vizinhança,
criação de estatutos de propriedade particular, aluguer a muito
longo prazo, etc.
4. A discussão com os habitantes a propósito das modalidades
da consolidação do seu estatuto de ocupação é tão importante
como a escolha dessas modalidades.
Terceiro princípio
FAZER EMERGIR A PALAVRA DOS HABITANTES
PROMOVER OUTROS MODOS DE
RELACIONAMENTO ENTRE DECISORES E
CIDADÃOS
1. A vontade política de enfrentar através de uma acção a
longo prazo a precariedade urbana e de assegurar a promoção
económica, social e humana, e a transformação do quadro de
vida dos habitantes dos bairros pobres, nunca pode ser
considerada como adquirida. Uma tal acção está muito longe
de
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corresponder aos desejos e aos interesses de muitos eleitores.
Por isso, muitas políticas generosas de desenvolvimento
integrado somente existem no papel ou sob a forma de
operações experimentais.
2. Os habitantes dos bairros precários têm em geral pouca
confiança no jogo político e nos políticos. A confiança pública
não se pode construir sem uma profunda mudança da atitude
dos próprios responsáveis políticos: transparência da gestão
dos fundos, promessas honradas, continuidade das acções,
possibilidade de avaliação do nível de eficácia da acção.
3. Muitos eleitos pensam que o facto de terem sidos escolhidos
como representantes de uma população os torna capazes de
interpretar as aspirações da totalidade dessa população. É
uma ilusão, e ainda mais quando de se trata das aspirações de
mulheres ou de crianças em situação precária.
4. Para entreter a vontade política de agir, a melhor solução é
reforçar, através de vários métodos, a capacidade dos
habitantes dos bairros degradados a fazerem ouvir a sua voz e
a participarem nas decisões que os concernem ou cujas
consequências os concernem.
5. A prática política, as relações entre governantes e
governados, as que existem entre os governantes e interesses
económicos dominantes ou mafiosos, as tradições da moral
política, variam de maneira considerável de um país para o
outro. O apoio, inclusive financeiro, ao desenvolvimento das
organizações sociais dos habitantes, a procura de novas
formas de expressão colectiva nos lugares onde as
organizações populares tradicionais declinaram, são de
primeira importância em toda a parte.
6. A emergência de uma palavra colectiva, de organizações
sociais e de capacidades de proposta da parte dos habitantes
implica muitas vezes o apoio de "facilitadores": organizações
profissionais e universidades. É essencial que esse apoio seja
fornecido sobre bases claras, com papeis claramente
definidos, para que os "facilitadores" não acabem por usurpar
a palavra e o projecto dos habitantes, e por falar e agir em
seus nomes.
7. As marginalidades sociais, económicas e urbanas reforçamse mutuamente. Os habitantes dos bairros precários ou
degradados sentem-se marcados socialmente, e este
sentimento não os incita a sentirem-se cidadãos. Uma
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política de reabilitação pode permitir-lhes recuperar o seu
orgulho, e fazer nascer uma espiral positiva, incitando os
habitantes a construir a sua palavra, a formular os seus
projectos e, se for caso disso, a fazer valer os seus interesses
através do voto.
8. A emergência de dirigentes no seio da população tão-pouco
deve ser idealizada. Chamados a negociar com novos
parceiros, podem-se afastar da sua "base" e fazerem-se
apanhar pelo jogo político tradicional.
9. No diálogo entre habitantes dos bairros e poderes públicos,
é por vezes útil dispor de locais neutros onde os diálogos se
possam instaurar de uma maneira diferente e onde se possam
esquecer as relações directas de negociação e de poder.
10. A construção da palavra passa pela construção da
memória. Os organismos de apoio à população têm ali um
domínio de acção privilegiado que permite às organizações
populares capitalizar e difundir a sua própria experiência.
11. Existem fórmulas diversas e interessantes para alargar a
participação dos habitantes às decisões que os concernem:
constituição de comités económicos e sociais, locais onde as
mulheres e os jovens possam ser melhor representados que
nas assembleias eleitas, organização de debates públicos,
tomadas de decisões concernindo directamente a população.
Estas novas formas democráticas perturbam os hábitos
adquiridos e "complicam" a tomada de decisão. Também neste
domínio devem ser criadas aprendizagens. Mas é preciso ter
cuidado com as desilusões que pode fazer nascer um debate
aberto, quando não há depois nenhuma tradução concreta das
perspectivas anunciadas.
12. A aprendizagem da confiança e da possibilidade de uma
negociação sobre as políticas de reabilitações a longo prazo
pressupõe a existência de poderes e de serviços locais
estruturados, seguros de uma certa continuidade, e sendo
portanto capazes de tomar compromissos contratuais a longo
prazo.
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Quarto princípio
REFORMAR A ACÇÃO PÚBLICA
1. A acção pública é indispensável a todos os níveis. As
iniciativas privadas (ONGs, associações) são muito úteis, mas
não se podem substituir ao papel dos poderes públicos.
Somente a intervenção dos estados nacionais ou federais
pode propor respostas financeiras, jurídicas e institucionais, à
altura dos desafios globais. Os poderes públicos locais são
responsáveis pela concepção e pela implementação de
modalidades concretas adaptadas às realidades dos bairros.
2. A acção pública deve ser reformada para:
 servir de ligação entre a acção no quadro construído, os
serviços públicos e o apoio à promoção económica e social
dos habitantes,
 construir relações de parceria contratuais com os
habitantes e conduzir a acção no tempo,
 tornar mais eficazes os mecanismos de decisão e de
repartição do dinheiro.
3. Os dispositivos devem ser simples: os procedimentos
complexos de coordenação inter-serviços ou interadministrativos são muitas vezes contra-produtivos. É preciso
privilegiar os contratos de objectivo que conduzem os
operadores a dizerem como entendem pôr em obra os
objectivos procurados, os instrumentos de transparência e de
avaliação pública, os locais de concertação e as
aprendizagens da negociação, a difusão e a discussão à volta
de experiências e de métodos que constituem referências, mas
não modelos ou procedimentos obrigatórios.
4. É indispensável implementar dispositivos de apoio aos
profissionais, locais de conhecimento, de discussão de ideias,
de confrontação dos métodos, de formação e de capitalização
das experiências. O apoio da pesquisa e da Universidade
devem permitir introduzir nesses locais uma visão mais
distanciada. É necessário fazer emergir uma palavra e uma
peritagem técnica, no sentido largo do termo. Poderemos
desenvolver progressivamente uma engenharia institucional,
financeira e técnica capaz de inventar soluções adaptadas a
cada situação.
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Quinto princípio
ARTICULAR OS RITMOS ADMINISTRATIVOS E
POLÍTICOS COM OS RITMOS SOCIAIS
1. Os bairros e as cidades são, à imagem dos humanos que
neles moram, organismos vivos, sistemas bio-socio-técnicos
complexos. O ser humano é regido por um conjunto de ritmos
biológicos aos quais correspondem numerosos ritos sociais.
Da mesma maneira, um bairro tem os seus ritmos, os seus
ritos e os seus tempos. Podem ser utilmente tidos em conta
para permitir a adaptação do bairro às mutações do ambiente
e às políticas que lhe são aplicadas.
2. Na prática, é muitas vezes difícil fazer evoluir os sistemas e
os ritmos administrativos e políticos. É sobretudo a nível local
que uma síntese entre os diversos ritmos, administrativos e
políticos, pode ser realizada de maneira válida, no quadro da
realização de um projecto.
3. A tomada em conta dos ritmos da vida dos bairros pelos
ritmos administrativos é facilitada quando são definidos
critérios e modalidades simples e transparentes para o
financiamento das políticas e dos projectos.
Sexto princípio
IMPLEMENTAR DISPOSITIVOS DE FINANCIAMENTO
COERENTES RELATIVAMENTE AOS OBJECTIVOS
PROSSEGUIDOS
1. Uma parte significativa do financiamento deve provir do nível
nacional e manifestar a necessária solidariedade nacional face
aos fenómenos de exclusão, e a coerência dos meios
financeiros envolvidos relativamente à amplitude dos desafios.
É recomendado que esta solidariedade se possa exprimir
através de um compromisso firme e a longo prazo do governo
sobre a parte do rendimento nacional consagrado à
reabilitação dos bairros precários ou degradados.
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2. A importância dos desafios e o impacto da abertura
internacional sobre o desenvolvimento dos países, requerem a
manifestação da solidariedade internacional no financiamento
das políticas e dos projectos. Esta contribuição das
organizações internacionais é aliás uma garantia da
continuidade das políticas e dos projectos.
3. É necessário também que os meios consagrados pela
colectividade nacional ou local à reabilitação de cada bairro,
sejam atribuídos de uma maneira global, o que permite uma
maior flexibilidade de afectação a um domínio de acção ou a
outro.
4. Esta soma global deve poder transformar-se em produtos
diferenciados para que os financiamentos sejam divididos
conforme modalidades diferentes, podendo assim cobrir o
fundiário, as infra-estruturas, os serviços urbanos, o
melhoramento das habitações, a animação do processo, a
organização dos habitantes e o intercâmbio de experiências, e
a acção económica. Os investimentos público e privado, das
famílias ou dos agentes económicos, podem assim ser
combinados diferentemente, em função dos domínios, para
criarem produtos diferenciados conforme as urgências a curto
prazo ou as acções a muito longo prazo.
5. Os critérios de alocação dos fundos públicos devem
imperativamente ser simples, transparentes e submetidos a
uma avaliação periódica. Devem ser coerentes com a filosofia
do conjunto e basear-se principalmente sobre a demonstração
que foram implementados a nível local um dispositivo e um
projecto permitindo o respeito do princípio do desenvolvimento
sustentável, que integre as relações entre os homens, e entre
os homens e o seu meio ambiente, como também do princípio
da salvaguarda dos interesses das gerações futuras.
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PALAVRAS DOS HABITANTES EM ISTAMBUL
Durante a conferência « Habitat II » dedicadas às questões urbanas
que aconteceu en Júnio de 1996 em Istanbul, a Fundação Charles
Leoplod Mayer para o progresso do Homem, tomando em conta o fato
que nesse tipo de conferências cada um fala do papel dos habitantes
sem lhes dar diretamente a palavra, organizou um « fóro dos
habitantes » com a participação de Franceses, Senegaleses,
Venezuelanos e Mexicanos. Este forum teve lugar no dia 4 de Júnio de
1996, com uma riqueza exceptional. Os habitantes discobriram que,
apesar de diferências maiores nos seus
contextos políticos,
econômicos e culturais, ficaram encontrando as mesmas dificuldades
para serem realmente aceitados como parceiros aceitaveis, e eles
desejaram tomar juntos a palavra. O texto seguinte tem sido
amplamente difundido em Istanbul.
Nós, cidadãos da América Latina, da África e da Europa
reunidos em Istambul, inaugurando a Conferência Mundial da
Cidade - Habitat II, realizamos um "Forum dos Habitantes". Este
rico momento de debates e de trocas de experiências deixounos mais fortes e seguros de nós mesmos e nos possibilitou
entrarmos em acordo sobre um certo número de idéias,
princípios e de reivindicações abaixo apresentadas.
O resultado deste intercâmbio em si demonstra a aberração que
existe em organizar uma conferência mundial sobre habitat...
sem a presença dos habitantes, em vista do fato de que as
cidades existem por eles e para eles. No entanto as instituições
presentes nessa reunião de cúpula não parecem preocupadas
em incluir os habitantes, preferindo, em seu lugar, falar em
nome deles.
“ Os habitantes têm sua própria palavra, por quê não escutálos? 1“
 RECONHECIMENTO, DIGNIDADE E ORGULHO
“ Nossa luta nos fez reencontrar o orgulho, a palavra, a
cidadania frente àqueles que nos ignoram.”
Todo homem, toda mulher, todo grupo de base merece
consideração e reconhecimento. Muitas vezes somos obrigados
a conquistar esta dignidade através da força de nossa palavra e
de nossa ação junto aos responsáveis e aos que decidem, que,
na maioria das vezes ignoram-nos, desprezam-nos ou evitamnos. Os habitantes têm uma experiência de vida que tem um
valor de saber e de saber fazer que deve ser levada em conta
pelas autoridades.
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 MORADIA PARA TODOS
“ Nós - habitantes - não podemos morar nem no ar nem no
mar. Temos o direito de estarmos e de continuarmos a morar
sobre a terra. “
Toda coletividade deve garantir aos homens e mulheres que a
compõem o direito de ter um teto, um espaço privado, estável
e protegido. Este direito pode originar-se de um título de
propriedade, mas também igualmente basear-se no uso
permanente que assegura a legitimidade de viver por muitos
anos em uma mesma terra, casa e bairro.
 EXERCÍCIO DA CIDADANIA E PODER DOS CIDADÃOS
“ Reivindicar não é suficiente, é necessário propor, ser capaz
de negociar, de se fazer escutar e de agir. “
Nós habitantes temos então que aprender as regras do jogo,
formarmo-nos para sermos capazes de nos relacionar e
podermos assumir a posição de verdadeiros negociadores
junto àqueles que decidem. É necessário ainda que tenhamos
acesso a todo tipo de informação que precisarmos, sob uma
forma compreensível pela grande maioria e não apenas pelos
expertos. Devemos também poder encontrar espaços e
ocasiões para nos encontrarmos. A cidadania se constrói no
decorrer do tempo respeitando o ritmo dos habitantes. Nossas
ações coletivas serão tanto mais eficazes quanto mais
contarmos com apoios.
“ Necessitamos de apoio e de amigos, não de intermediários
que nos confisquem a palavra”
É legítimo e desejável que alguns dentre nós, fortalecidos pela
experiência, engajem-se em algumas instituições ou na ação
política. Portanto, é indispensável que outros menos
experientes, dentre nós habitantes, garantam de forma
imediata a continuação
manutenção da pressão.
do
trabalho
organizativo
e
a
 PARCERIA E COMPLEMENTARIEDADE
” Não questionamos a existência das autoridades, esperamos
simplesmente que estas cumpram seu papel de responsáveis
públicos para que possamos também cumprir o nosso papel
de cidadãos ativos. Preferimos ter menos promessas, mas que
estas sejam realmente cumpridas. “
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É desesperador para nós habitantes-cidadãos nos
encontrarmos face a autoridades que se disfarçam ou que
repassam as suas responsabilidades a outros.
“Será que vale a pena viver assim sem jamais ter respostas?”
A ação coletiva e a tenacidade parecem os melhores meios
para nos tornarmos participantes das decisões, para vencer a
inércia e as estratégias negativas das autoridades.
“É terrível lutar contra inimigos que não nos deixam jamais ver
seus rostos. Em casos de ameaça grave, outros habitantes,
outras autoridades devem poder exercer o direito de
ingerência para proteger aqueles que estiverem em perigo.”
A pior coisa para nós habitantes é sofrermos pressões de toda
sorte, inclusive ameaçados de perder a vida, mesmo
desenvolvendo nossa ação dentro da legalidade. Direito,
informação e solidariedade devem ser privilegiados para
resistirmos à violência.
“Nós habitantes aprendemos as regras do jogo enquanto que
às vezes nossos parceiros não respeitam estas regras que
eles mesmos elaboraram ou as modificam bruscamente.”
A parceria com as autoridades e com os poderes públicos é
muitas vezes difícil de ser construída. A representação
democrática é muitas vezes decepcionante. As mudanças
políticas muitas vezes impedem a continuidade de projetos
anteriormente negociados, sendo necessário recomeçar tudo
outra vez. O risco de apropriação exclusiva em favor dos
intermediários existe realmente.
“Eu encontro força e coragem no meu desejo de ser um
cidadão pleno.”
Todo morador é um cidadão pleno quando participa e elabora
suas próprias decisões.
“Apenas um contrato claro e transparente com nossos
parceiros pode nos garantir.”
Para serem duráveis e estáveis as parcerias devem basear-se
em regras e modalidades negociadas claramente entre
autoridades e habitantes. Estas regras e modalidades devem
ser descritas e apresentadas em um caderno de encargos a
ser elaborado e assinado por ambas as partes e difundido
amplamente. Este caderno deve conter ainda um dispositivo
que nos permita controlar a boa execução do contrato.
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CONVOCAÇÃO
Nós habitantes de todos os cantos do mundo, reunidos em
Istambul,
* Esperamos que os governos e as agências financeiras
internacionais (Banco Mundial, OIT, FMI ...) levem em
conta, quando da celebração de acordos os problemas do
desenvolvimento, da moradia e do emprego, em todos os
níveis e em todos os países
* Fazemos apelo a todos os Estados que cessem toda
forma de pressão, de condenação ou de violência contra os
habitantes e membros de suas organizaçoes implicados na
luta pelos direitos, pela cidadania, pelo acesso à terra e à
moradia.
* Decidimos nos organizar em uma rede internacional aberta
a todos os habitantes do mundo inteiro, e de desenvolver
nossa ação em torno de três eixos. Para a implementação
destes eixos esperamos das autoridades públicas e da
comunidade internacional a ajuda que nos é indispensável
1.
Possibilitar a difusão da informação sobre cada
uma de nossas experiências;
DECLARAÇÃO DE DACAR
Durante a Cimeira das Cidades (Conferência Habitat II) de Junho de
1996 em Istambul, o Presidente da Câmara de Dacar, o Sr. Mamadou
Diop, propôs aos participantes do fórum dos habitantes que decorria
na cidade, um encontro africano entre responsáveis eleitos, habitantes
e profissionais da cidade.2 Este encontro inscreveu-se na continuação
dos princípios de acção definidos em Caracas (1991) e Salvador de
Bahia (1993), e evidentemente no trabalho realizado no quadro do
fórum de habitantes de Istambul. Decorreu entre 1 e 7 de Fevereiro
de 1998 e envolveu não só participantes vindos de onze países
africanos, como também alguns habitantes e especialistas latinoamericanos e franceses, que incarnaram, de certa maneira, a ligação
que deveria existir entre os habitantes do mundo.
O texto que se segue é multiforme: relata as principais constatações
apresentadas durante o encontro, elabora os primeiros princípios de
um código de boa conduto e um carta da acção local, propõe um
caderno de encargos e abre o caminho de uma nova série de acções
a levar neste quadro. Constitui hoje em dia o texto de referência da
Rede Inter-africana de Habitantes que foi criada depois.
Depois de três, ou mesmo quatro décadas de gestão
centralizada, os Estados Africanos foram confrontados a
dificuldades económicas. A situação obrigou-os a abandonar
largas partes das suas prerrogativas aos habitantes e às
ONGs. Face a este impasse, a descentralização parece
constituir para tais Estados a última solução que lhes resta ou
a única panaceia. Esta nova distribuição transformou os
habitantes em parceiros ou em actores indispensáveis no que
diz respeito à gestão do Estado e das colectividades locais. É
neste contexto que se inscreve o encontro de Dacar.
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Pela primeira vez, eleitos locais, representantes das
associações nacionais de presidentes de câmaras,
especialistas do sector público e não governamentais das
cidades, e habitantes vindos de dez países da África Ocidental
e dos Camarões, encontraram-se em Dacar, de 5 a 7 de
Fevereiro de 1998, num espírito de igualdade, e de diálogo
aberto e amigável, para lançarem as bases de novas formas
de colaboração entre eles.
Através deste encontro, a África Ocidental e os Camarões
sublinharam a importância das cidades africanas no futuro do
continente e o lugar dos meios populares na construção e na
gestão das cidades. Foi a continuação do processo
internacional lançado na América Latina em 1991 e
prosseguido em Istambul na Conferência Habitat II em 1996,
processo que tenciona transformar em profundidade as
políticas públicas no que concerne os bairros populares.
Encorajado pela afirmação do Presidente da Câmara de
Dacar, Presidente da Associação dos Presidentes de Câmaras
Senegaleses, no começo do encontro - que afirmou a
necessidade de uma mudança profunda das práticas da parte
dos presidentes de câmaras - e constatando a possibilidade de
ultrapassar a desconfiança mútua que marca geralmente estes
relacionamentos, o encontro de Dacar reuniu os três colégios :
responsáveis eleitos, habitantes e profissionais.
A partir das experiências contadas pelos habitantes e pelos
profissionais, e da narração das dificuldades e das decepções,
os eleitos locais reconheceram que a descentralização tal
como é praticada actualmente não é o que deveria ser 3. Fez-se
a constatação geral que o Estado se demitiu4 e que a situação
actual faz aparecer numerosos paradoxos:
 Enquanto que antes existiam quadros tradicionais sólidos, a
descentralização superpõe novos quadros administrativos ou
políticos que parecem inadaptados e que enfraquecem os
primeiros. Ao mesmo tempo, referências culturais tradicionais
que poderiam ter evoluído no contexto da descentralização
infelizmente se vão desintegrando no meio urbano.
25
 A eleição, fundamento da democracia local, que confere
tradicionalmente ao eleito africano um verdadeiro «dever de
serviço», é muitas vezes interpretada hoje como um «direito de
fazer ou de decidir» unilateralmente. O presidente da câmara,
que deveria estar à escuta e ao serviço da totalidade dos
habitantes, parece por vezes comportar-se de maneira
autoritária, tendo somente em conta os seus próprios
interesses e os da sua família política.
 O "dizer", ou seja as promessas, e o "fazer", ou seja as
realizações, apresentam muitas vezes um desvio importante
ou podem até tornar-se contraditórios.
 Em toda a parte, numerosas iniciativas de habitantes estão
à obra, mas são muitas vezes combatidas ou ignoradas pelo
presidente da câmara. Este tem mais tendência a agir em vez
dos habitantes e sem os consultar, quando deveria associá-los
e ajudá-los nas suas acções.
 O presidente da câmara, as ONGs e os habitantes podem
ter interesses e/ou visões divergentes. Estas contradições são
amplificadas pela ausência de quadro de concertação:
. É verdade que os habitantes têm direitos, mas
também têm deveres de cidadãos que infelizmente nem
sempre exercem;
. os técnicos das colectividades locais que deveriam
estar sobretudo ao serviço dos habitantes, são por vezes
vítimas de pressões políticas ou de uma visão de tecnocrata
demasiadamente invasora;
. as ONGs, que deveriam estar à escuta e ao serviço
dos habitantes, muitas vezes se substituem a eles, ou estão
mais preocupadas com as prioridades dos financiadores.
 Esta situação põe em relevo o paradoxo dos países
desenvolvidos que, defendendo a democracia em África,
favorecem ao mesmo tempo a imisção das ONGs nos
assuntos do Estado ou das colectividades locais, o que
perturba o jogo democrático.
26
 O Estado deve reconhecer o seu peso na gestão da cidade.
Ele é que financia os grandes equipamentos, decide das
regras da contabilidade pública, fixa as normas, constitui o
modelo
da
segmentação
da
acção
pública
em
serviços múltiplos. Tem as maiores dificuldades em escutar e
em cooperar com os presidentes das câmaras e com os
habitantes. Também é ele que dá a imagem da acção
autoritária. É ele finalmente que afecta, conforme os seus
próprios critérios, o essencial dos meios para a transformação
do Estado, em função das necessidades.
Fortes desta constatação partilhada, os três colégios do
encontro internacional de Dacar apresentaram um caderno de
encargos para a acção, cujos princípios poderiam servir de
guia aos presidentes de câmaras, aos profissionais e aos
habitantes, no quadro das suas acções quotidianas e das
acções concretas que poderiam ser postas em prática pelos
habitantes e/ou com a colaboração dos presidentes de
câmaras e técnicos.
Caderno de encargos nacional
Em cada um dos nossos países, os governantes devem pôr
em prática medidas capazes de:
. instituir um sistema descentralizado que integre a
especificidade sociocultural africana, inspirando-se mais dos
modos tradicionais de gestão da comunidade;
. mobilizar os meios susceptíveis de satisfazer os
compromissos do Estado e das colectividades locais, e
sobretudo não se servir da falta de meios como de um álibi
para a inacção, mas fazê-lo valer pelo contrário como uma
justificação da parceria;
. reinventar referências comuns, no modelo das
referências tradicionais;
. empenhar-se num processo de formação à cidadania
a todos os níveis, no plano teórico e prático, de maneira a
estabelecer um diálogo social permanente de baixo para cima,
e de cima para baixo, condição sine qua non para uma boa
descentralização;
27
. definir e aceitar o papel de cada actor: as infraestruturas pesadas, a segurança, a saúde, a escola pública...
constituem o domínio reservado do Estado, enquanto que os
habitantes podem intervir por exemplo no domínio da limpeza
da cidade e do enquadramento das crianças, e que o
profissionalismo dos técnico pode ser posto ao serviço do
interesse geral.
Carta para a acção local
Uma carta para a acção local deve permitir:
. definir melhor o papel de cada actor social: eleitos,
profissionais, habitantes, por um lado, mas também os poderes
tradicionais, e favorecer as interacções entre uns e outros,
implementando regras bem definidas;
. melhorar as relações entre habitantes e eleitos de
maneira a que as decisões que tomem juntos permitam a
intervenção dos diversos outros actores na produção e na
gestão da cidade (ONGs, chefes tradicionais, técnicos)
. implementar um sistema de concertamento, de
acompanhamento e de avaliação que implique os diferentes
actores concernidos ao longo das diversas fases.
Os princípios gerais constituem o caderno de encargos da
concertação:
 Os eleitos e os técnicos devem indicar como tencionam
proceder para conhecerem e reconhecerem as aspirações, as
iniciativas e as competências dos habitantes.
 Os habitantes devem dispor de um local e de um apoio
neutro que lhes permitam formular a sua palavra, as suas
aspirações e as suas propostas, e onde se possam formar ao
diálogo, sem que ninguém se possa substituir a eles.
28
 A diversidade das aspirações de um mesmo bairro deve ser
reconhecida, a palavra dos sem voz deve ser procurada. As
formas de concertação tradicionais devem ser revisitadas, para
permitir a instauração de formas adaptadas de concertação no
seio da comunidade.
 A administração deve ser reorganizada para poder estar à
escuta da população, já que a própria separação dos serviços
e dos orçamentos opõe-se de facto a uma solução real das
aspirações dos habitantes, mesmo quando os técnicos e os
eleitos o desejam verdadeiramente. Devem ser designados
interlocutores responsáveis, permanentes e competentes,
capazes de intervir mesmo na ausência do presidente da
câmara.
 Os serviços públicos devem adaptar-se ao ritmo real dos
habitantes. Devem mostrar a sua capacidade em reagir
rapidamente às situações de urgência, dizer como tencionam
organizar-se para dar tempo ao diálogo e à construção da
confiança, e comportarem-se em parceiros capazes de se
comprometerem no longo prazo.
 Formas de intervenção pública devem ser encontradas para
permitir a associação efectiva de meios privados e públicos, e
suster a iniciativa conjunta dos habitantes e dos serviços
públicos.
 Em cada projecto, em cada acção, e a cada etapa, os
papeis de cada um (ONGs, serviços técnicos, eleitos,
habitantes) devem ser clarificados e contratualizados.
Esta contratualização deve descrever a tarefa precisa sobre a
qual cada um se compromete. A este respeito, os chefes
tradicionais têm um lugar importante a ocupar, nomeadamente
para convencer as populações da relevância de algumas
decisões. Um decisão elaborada de maneira consensual é a
condição de uma boa execução.
29
Código de boa conduta
 Saber escutar e fazer-se escutar para antecipar,
compreender e acompanhar as mutações em curso. Através
do diálogo, o habitante deve poder situar-se com o seu
eleito numa relação de vizinhança.
 Comprometer-se a agir no quadro da lei, a exigir o seu
respeito e a implementar os dispositivos de controlo.
 Comprometer-se a instaurar uma colaboração mútua e a
implementar um dispositivo de parceria para a gestão da
cidade.
Iniciativas concretas
Uma formação à cidadania
Convém implementar uma universidade cidadã que ofereça
aos animadores das organizações de habitantes um espaço de
formação, que se possa apoiar sobre o intercâmbio de
experiências e que seja destinada a reforçar as capacidades
de compreensão e de negociação dos habitantes para a
construção da cidade, os eleitos e os técnicos dispondo eles
dos seus próprios espaços inter-africanos de formação.
Sessões de formação mútua reunindo eleitos, habitantes e
técnicos
Já que se aprende uns com os outros, a implementação de
sessões de formação cidadã, prolongando o espírito do
encontro de Dacar e reunindo os três « colégios » - habitantes,
eleitos e técnicos - deve permitir uma formação recíproca à
escuta e à negociação, e facilitar um trabalho mais concreto
sobre alguns temas de interesse comum: saúde, ambiente,
segurança urbana.
30
Locais de encontro neutros
Favorecer e reforçar as associações de base, e pôr à sua
disposição a nível local um espaço « neutro » de intercâmbios,
de encontros e de negociação, criando assim quadros de
concertação entre elas, nos quais o eleito pode desempenhar
um papel de facilitação ou de árbitro.
Equipas de intercâmbio e de interajuda
Constituição de micro redes de cidades ou de grupos de base
envolvidos em acções novadores para resolver os mesmos
problemas, e que desejam ajudar-se e aconselhar-se
mutuamente.
Encontros internacionais
… periódicos entre habitantes, eleitos e profissionais para
avaliar os progressos realizados no que diz respeito às
recomendações acima apresentadas.
Um observatório da descentralização
A
constituição
de
um
observatório
africano
da
descentralização, formado por representantes dos três
colégios, para seguir e acompanhar a implementação da
descentralização nos estados africanos.
Uma rede inter-africana de habitantes
Criação de uma rede inter-africana de habitantes5 para trocar
experiências, organizar encontros, ajudar-se uns aos outros, e
constituir um parceiro identificado frente às redes de
presidentes de câmaras e de técnicos intervindo em África.
Pois "a cidade, como o pote, precisa dos seus três pés para se
segurar: habitantes, técnicos e eleitos". Os habitantes, que são
os que carecem mais de meios de troca, devem beneficiar de
ajuda para consolidarem o seu pé.
31
Os participantes ao encontro de Dacar comprometeram-se a
restituir às suas bases respectivas as conclusões da
conferência e a suscitar encontros nacionais associando os
três colégios para debater da Declaração de Dacar.
32
A PALAVRA DOS HABITANTES SOBRE A
QUESTÃO DAS VIOLÊNCIAS URBANAS
Fórum sobre a violência urbana
Dacar, 7 de fevereiro de 1998
Durante o encontro de Dacar entre responsáveis eleitos, habitantes e
profissionais da cidade (1-7 fevereiro de 1998) decorreu um fórum
especialmente dedicado às violências urbanas. Este fórum
inscreveu-se num processo de auto-inquéritos sobre as violências
urbanas, levado conjuntamente com o Rio, Marselha1 e Dacar
(alargado hoje a Filadélfia e Fortaleza). Reuniu todos os participantes
ao encontro. Os habitantes apresentaram a declaração abaixo
apresentada, enquanto que os presidentes de câmaras se reuniram
para lançar as bases de um Fórum africano para a segurança
urbana2.
A violência esteve sempre presente na vida urbana, em todas
as culturas e em todas as épocas. Porém, a essa violência
respondiam modos de regulação comunitários adequados, que
impediam a divisão das sociedades humanas. Mas a violência
atinge hoje proporções incomensuráveis, em quase todas as
cidades de todos os países no mundo.
As violências urbanas são, em todos os casos, o fruto de um
encadeamento lógico, derivado de várias causas entre as
quais as frustações, as dificuldades económicas, e umas
políticas sociais inexistentes ou inadaptadas.
34
As causas profundas
A partir dos anos 70, a emergência de uma grave crise
económica conduziu à desagregação de vários sistemas socioeconómicos, o que resultou essencialmente numa subida da
desigualdade, na pobreza, na ruptura da coesão social (visível
no desmantelamento da família) e na desobrigação
progressiva do Estado. A coincidência destes fenómenos
conduziu ao acréscimo da violência urbana contemporânea.
Atinge o mundo inteiro, mas sobretudo as pessoas mais
frágeis (mulheres, crianças…). Como o infanticídio — que é
talvez a pior das violências — afecta primeiramente os seus
autores, que nem sempre são os mais responsáveis e que são
muitas vezes os que sofrem mais com ela.
As causas secundárias (factores amplificadores)
Numerosos factores contribuíram a reforçar a violência. Entre
os mais salientes, encontram-se:
 o défice de democracia e de liberdade (a confiscação da
palavra);
 o êxodo rural maciço para as cidades, a urbanização
descontrolada e a demografia galopante, a imprecisão
predial, etc.;
 a crise dos modelos de referências familiares e
institucionais que se traduz sobretudo pelo desespero dos
mais jovens;
 o clientelismo político;
 a corrupção galopante e a proletarização da polícia, que
tenta abusar do seu poder;
 a prostituição, o tráfico de droga, o roubo, como únicas
respostas à miséria;
 a promoção de um modelo mercante revezado pelos
médias. Uma situação destas só pode ter repercussões a
nível social. As políticas de restruturação promovem o
modelo mercante, mas tais promessas muitas vezes
acabam sobre impasses.
35
As expressões e manifestações de violência
O enunciado destas causas mostra que a violência é um
fenómeno complexo e difuso que pode conduzir a
manifestações variáveis em função dos contextos locais e
nacionais. São porém sempre significantes e são
«mensagens» enviadas às autoridades e à sociedade. Entre
as expressões contemporâneas mais vulgares da violência,
algumas são conotadas de maneira negativa, outras mais
positivamente:
* o infanticídio,
* as vinganças e as justiça
* os roubos ou agressões popular,
com armas,
*a
proliferação
das
* as violações e as violências quadrilhas de jovens,
conjugais,
* as novas formas de arte
* os assassinatos crapulosos, urbana (hip hop, grafs…).
* o vandalismo, os motins
urbanos, as depredações
dos locais que simbolizam a
instituição…,
As respostas inadequadas
Costuma-se atribuir a violência das cidades somente aos
bairros populares, mas pensamos que ela não é só o problema
dos habitantes da periferia. As instituições e as classes
favorecidas, ao fazer uma demonstração agressiva da sua
riqueza, são elas também produtoras de violência. Existem
portanto formas reais e simbólicas de uma violência
institucional e "burguesa". E é porque muitas vezes se pensou
que a violência urbana era gerada pelos pobres, que se
avançaram respostas inadequadas. Por exemplo:
* um acréscimo dos dispositivos de repressão,
* a aparição de brigadas aplicando uma «justiça» popular
expedita em resposta à ineficácia das soluções
institucionais,
* a designação dos imigrados como bodes expiatórios,
responsáveis de todos os males (xenofobia).
36
As respostas alternativas
Face ao multiplicar de respostas falsas e à inadequação das
soluções habituais, torna-se urgente identificar as novas
alternativas. As sessões de habitantes apresentaram por
exemplo as seguintes propostas:
 a implementação de instâncias de concertação podendo
agrupar os habitantes, os responsáveis eleitos e os
especialistas implicados (assembleias de bairro). É
necessário instaurar parcerias com os actores urbanos
(municipalidades, serviços técnicos do Estado, ONGs,
organizações das comunidades de base …) ;
 a criação de comités de conciliação popular;
 dar às forças públicas os meios consequentes
necessários e fazer da polícia um serviço público de
proximidade, capaz de emitir conselhos de prevenção
susceptíveis de favorecer a integração social;
 lançar acções em direcção aos presos, às crianças da
rua, às prostitutas, etc.;
 a implicação directa dos responsáveis eleitos nos
projectos de inserção dos mais desfavorecidos,
nomeadamente dos mais jovens;
 a promoção das lutas sinceras contra o desemprego, a
ausência de escolarização e o enfraquecimento da família;
 a implicação das quadrilhas na procura de soluções
pacíficas;
 a implicação das populações na definição das políticas
que as concirnam;
 o apoio à criação de casas de justiça articuladas à volta
de um programa de polícia de proximidade;
 a promoção de uma cultura de paz.
37
Recomendações dos habitantes dos bairros populares
aos eleitos
A identificação de soluções alternativas permitiu emitir um
certo número de recomendações que os habitantes
apresentaram aos responsáveis eleitos para os ajudarem
na sua abordagem dos problemas da violência urbana e
da segurança, que são preocupações partilhadas. As
soluções propostas mais acima são exemplos do tipo de
acções que podem ser aconselhadas.
Trata-se de propostas diversas, prontas a serem debatidas
por todos, já que é evidente que a mobilização e a
participação dos habitantes devem ser efectivas durante a
duração completa dos programas locais.
Porém, quaisquer que sejam as atitudes e as opiniões de
cada um de nós sobre a violência urbana contemporânea,
devemos sempre lembrar-nos que é um fenómeno
complexo que não pode ser combatido somente com
séries de soluções simples. Devemos sobretudo deixar de
pensar que é possível ir à guerra contra a violência com as
próprias armas da violência …
38
Asembleia Mundial dos Habitantes em Mexico
Para qualquer informação sobre a organização:
Mexico :
Habitat International Coalition
Cordobanes N. 24 - Col San Jose Insurgentes - 03900 Mexico
D.F.
Tél. : 52 56 51 68 07 – Fax : 52 55 93 51 94
Contato : Joël Audefroy
e-mail : [email protected]
SEDUVI, Secretaria de Desarrollo Urbano y Vivienda
Avenida Morelos 104, Col. Juarez – Mexico D.F.
Tél. : 52 57 05 02 71 ; 52 57 05 03 20 – Fax : 52 57 05 73 25
Contato : Mari Carmen Fanjul
Venezuela :
Bulletin Ciudades de la Gente
Apartado 16164 – Mildred Guerrero-Boletin – La Candelaria
Caracas 1011-A
Tél. : 605 2006 – Fax : 574 1915
Contato : Téolinda Bolivar
e-mail : [email protected]
França
Fondation Charles Léopold Mayer – FPH
38, rue Saint Sabin – F- 75011 Paris
Tél. : 33 1 43 14 75 75 – fax : 33 1 43 14 75 99
Contato : Karine Goasmat
e-mail : [email protected]
Coédition FPH / Universidad Central de Venezuela - FAC, Pierre Calame / Teolinda Bolívar
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