Partidos politicos e sociedade civil Jorge Romano

Transcrição

Partidos politicos e sociedade civil Jorge Romano
Partidos políticos e sociedade civil nos processos de democratização
na América Latina
In: Mundo Rural - configurações rural-urbanas: poder e políticas (org: Eli Lima, Nelson Delgado e
Roberto Moreira)
Jorge O. Romano.
1. Introdução
A América Latina, nos seus dois séculos de vida independente, talvez seja a região
do mundo que mais reivindicou a democracia, consagrando-a nas instituições,
limitando-a na sua implementação e recriando-a na prática. Nos últimos anos, após
um período de regimes autoritários, as transições criaram condições para a instalação
de regimes democráticos em sua dimensão eleitoral e política. Ou seja, na grande
maioria dos países latino-americanos se avançou na “democracia eleitoral” e nas
liberdades básicas. Todavia, é um desafio a construção da “democracia de cidadania”.
Isto é, aquela na qual os direitos políticos são usados como alavanca para que outros
direitos – civis, econômicos, sociais, ambientais e culturais – possam se tornar
efetivos. As grandes massas de latino-americanos ainda estão percorrendo o caminho
de eleitores a cidadãos ativos e plenos (PNUD, 2004: 36).
O desafio de aprofundar os processos de democratização de tal forma que
permitam a construção e vigência dos direitos se dá num contexto caracterizado por
uma espécie de “triângulo político-social”. O primeiro vértice desse triângulo é a
difusão dos regimes democráticos. Quase em sua totalidade, os países conseguiram os
requisitos básicos – principalmente eleitorais - desse tipo de regime. O segundo
vértice é a persistência da pobreza. Comparada com outras regiões democráticas do
mundo, a América Latina apresenta junto com a democracia eleitoral grandes massas
de população vivenciando privações materiais,
negação de direitos e
desempoderamento. O terceiro vértice do triângulo é a profunda desigualdade. As
sociedades latino-americanas exibem não só a persistência, mas o aprofundamento da
desigualdade em patamares dos mais elevados do mundo. Assim, a América Latina é
uma região em desenvolvimento, organizada politicamente sob regimes democráticos,
porém, com sociedades fortemente caracterizadas pela pobreza e pela desigualdade
(PNUD, 2004: 38-39).
Estas características foram e são apropriadas por discursos autoritários que
contribuíram no passado para a implantação de regimes ditatoriais e que hoje
sustentam que a democracia é inviável no continente. Voltam, transfigurados, os
velhos supostos de que primeiro seria necessário o crescimento econômico para
depois poder pensar em democracia. Nestes discursos, uma “democracia de
cidadania” seria uma barreira para “o crescimento” devido à “sobrecarga da demanda”
que ela traria consigo.
Paralelamente, nesta ressignificação promovida pelos novos discursos
autoritários, a sociedade civil (reduzida ao “terceiro setor”) junto com o mercado
aparecem como o pólo das “virtudes” frente aos “vícios” intrínsecos do Estado, em
geral, e da sociedade política - partidos e parlamentos - em particular (Dagnino et alli,
2006: 56).
1
Contra estes argumentos aponta-se que somente com “mais e melhor” democracia
se pode promover um desenvolvimento econômico, ambiental, social e politicamente
“sustentável” que leve à superação da pobreza e à construção de sociedades mais
igualitárias, já que, somente na democracia, as pessoas que não atingem os níveis
básicos de bem-estar e sofrem as injustiças da desigualdade podem reivindicar, eleger
e se mobilizar em defesa dos seus direitos (PNUD, 2004: 40). Mais e melhor
democracia não implica “mais do mesmo”. Após uma década de predomínio do
“modelo único” de democracia reafirmado pelo neoliberalismo1, o que se manifesta
nos processos de democratização na América Latina é uma recriação da
“demodiversidade”, isto é, da coexistência pacífica ou conflituosa de diferentes
modelos e práticas democráticas (Santos B. e Avritzer, L , 2002: 71) sustentados por
diferentes orientações e projetos políticos2.
A redemocratização na América Latina não ficou reduzida aos limites estruturais
da implantação de democracias eleitorais. Nela se manifestaram tensões entre a
restauração de procedimentos, regulações e instituições da democracia formal e a
criação de novas normas e princípios organizadores da atividade política como um
todo. Isto é, a conformação de uma nova gramática social (Lechner, 1988: 32) que vem
orientando e dando novo significado ao conjunto de instituições e práticas políticas,
num contexto onde permanecem - ou se atualizam - componentes e práticas
autoritárias.
1
O neoliberalismo propiciou a perda da “demodiversidade” com a transformação de um dos modelos e
práticas de democracia - a liberal e, mais restritamente, a eleitoral de “baixa intensidade democrática” – em
modelo único, universal e hegemônico (Santos B. e Avritzer, L., 2002: 72).
2
Em alguns casos, as orientações políticas em disputa seriam expressões de “projetos políticos”, no sentido
gramsciano, tal como é recuperado na análises de Dagnino et alli (2006). Isto é, enquanto um conjunto de
crenças, interesses, concepções de mundo e representações do que deve ser a vida em sociedade que orientam
a ação política dos diferentes sujeitos. A noção de projeto político implica, primeiro, a ênfase tanto na
intencionalidade como no papel do sujeito – enquanto agência humana - na ação política. Segundo, a unidade
entre ação e representação; isto é, o vínculo indissolúvel entre a cultura e a política que ela expressa. Terceiro,
uma variedade de manifestações e formas – não restritas às formulações sistematizadas e abrangentes dos
projetos partidários – através das quais representações, crenças e interesses se apresentam, com um grau
diverso de coerência, em ações políticas. E, quarto, uma diversidade interna em termos de combinação de
dimensões: societária, coletiva, individual, de classe, organizacional, institucional e até “estatal”. Nessas
análises, os autores identificam três grandes projetos políticos em disputa na América Latina durante a recente
democratização: o projeto autoritário, o neoliberal e o democrático-participativo (Dagnino et alli, 2006: 3842). Em nossa perspectiva, há algumas restrições ao uso pleno da noção de projeto para a análise dos
processos de democratização em curso na região. Por mais que a definição detalhada acima tente não se
restringir às formulações sistematizadas e abrangentes, a noção de projeto per se evoca um nível alto de
racionalidade, coerência e intencionalidade da ação política. Este alto nível de unicidade, racionalidade,
coerência e intencionalidade – que não está, atualmente, presente na região - reduziria a riqueza e
complexidade da ressignificação das práticas políticas e da promoção da “demodiversidade”que caracterizam
o processo de democratização em curso na América Latina. Ainda que seja possível identificar algumas
dessas características de unicidade nas formulações e práticas que fariam parte do “projeto neoliberal”, o
mesmo não pode atribuir-se às manifestações do “projeto democrático-participativo”. No contexto atual, nem
consideramos que se possa falar da existência de um único “projeto democrático-participativo”. Talvez seja
mais elucidativo destacar na análise a diversidade entre diferentes orientações político-ideológicas
progressistas presentes no novo mapa político regional e que não necessariamente conformam um ou diversos
“projetos” altamente integrados. Finalmente, falar de projeto autoritário, não deve obscurecer o fato de que
diversos componentes autoritários permanecem ou são recriados tanto no projeto neoliberal como nas
orientações político-ideológicas progressistas ou, no dizer de Dagnino et alli, no “projeto democráticoparticipativo”.
2
As visões dicotômicas em termos de virtudes e vícios, que não reconhecem a
heterogeneidade da sociedade civil, da sociedade política e das orientações políticas
em disputa, aportam muito pouco para a compreensão dos fenômenos de
aprofundamento da democratização e de construção de novas gramáticas sociais.
Diferentemente, pretendemos recuperar as transições dos regimes autoritários e
as consolidações democráticas que se vivenciam na região a partir de um olhar que
reconheça essas heterogeneidades. A primeira parte do trabalho focaliza os papéis
desempenhados pelos partidos políticos nesses processos, visando ressaltar
similitudes e diferenças em termos de sistemas partidários e da trajetória dos
mesmos. Na segunda parte procura-se caracterizar o papel dos diferentes atores da
sociedade civil, considerando que, enquanto esfera autônoma, a sociedade civil é uma
construção social relativamente recente e heterogênea nos diferentes países latinoamericanos3. Finalmente, o trabalho aponta para questões e preocupações teóricas e
políticas que estariam propiciando a recriação da demodiversidade na América Latina.
2. O papel dos partidos políticos na transição e na consolidação democrática
Nos debates travados na região, considera-se que os processos de
democratização implicam duas transições. Uma primeira – a fase de transição
propriamente dita - que vai do regime autoritário anterior à instalação pactuada ou
abrupta de um governo democrático. E uma segunda que, a partir deste governo,
avança para a consolidação da democracia ou, em outras palavras, para a efetiva
vigência do regime democrático (O’Donnell, 1988). Para entender o papel dos atores
políticos na transição democrática seria necessário não se restringir à sua primeira
fase, mas também levar em conta as dificuldades que se manifestam no árduo
processo de consolidação.
Em geral, considera-se que os partidos são as atores políticos por excelência,
enquanto mediações necessárias entre a sociedade civil e o Estado, formando quadros,
propondo orientações ideológicas e criando redes operativas que se transladam ao
governo (Dagnino et alli, 2006: 36). Cabe entender as especificidades que assumiram
3
O privilégio dado no recorte analítico aos partidos políticos e à sociedade civil não implica desconhecer a
importância de outros atores, relações e aspectos também fundamentais na compreensão dos complexos
processos de democratização, como por exemplo: o rol dos militares e das forças de seguridade, o fator
“USA”, o contexto de liberalização econômica, o rol da religião, os valores democráticos e não democráticos
e o rol da cultura política. Sobre estes aspectos e atores, ver entre outros um conjunto de artigos apresentados
no workshop internacional “Democratic Reform Process in Latin America and the Arab World” organizado
en Petra (Jordânia) em maio de 2007 pelo Center for Strategic Studies, University of Jordan e o Arab Center
for Development and Futuristic Research. Especificamente: Varas, Augusto: “Civil-Military and Security
Sector Reform in Latin América”; Calderon, Fernando “Historical turning-point: Latino America political
transition and its socio-institutional context”; Meyer, Lorenzo: “Transitions to democracy in Latin America.
The role of the American factor”; Bidegain, Ana Maria: “Religion’s role in Latin American’s process of
democratization”; Garretón, Manuel Antonio “Democracy and democratization: theory and process”;
Cavarozzi, Marcelo: “Latin America’s economic reforms and transitions to democracy in the late twentieth
century”. Uma primeira versão de nosso trabalho também foi apresentada nesse workshop.
3
os partidos durante as duas transições nos diversos países a partir de um conjunto de
questões levantadas por Cavarozzi e Garretón (1989) sobre:
a) o papel que os partidos desempenharam no sistema político precedente aos
regimes autoritários;
b) o que aconteceu com eles durantes esses regimes;
c) o seu papel na primeira transição;
d) as dificuldades que encontraram na segunda transição - ou consolidação
democrática - em particular, a situação de “deslegitimação” ou de “crise dos
partidos”.
a) No período anterior às ditaduras a matriz da relação entre o Estado, o
regime e a sociedade civil propiciou a conformação específica em cada país do sistema
de partidos. Assim, tanto Chile como Uruguai apresentam uma trajetória na qual os
partidos eram peças-chave na canalização de demandas e, ainda que com diferenças,
na própria constituição e reconhecimento dos principais atores sociais. No Chile, o
sistema partidário refletiu mais claramente o fracionamento social e ideológico. Esta
correspondência implicou duas características. Por um lado, restava pouco espaço
para a atuação autônoma da sociedade civil. Isto é, as organizações da sociedade civil
apresentavam fortes clivagens partidárias, e sua presença e atuação pública estiveram
quase sempre orientadas pelos confrontos político-partidários. Por outro lado, a
polarização progressiva do sistema partidário dificultou a conformação de coalizões
majoritárias e outras práticas de concertação. No caso do Uruguai, a nãocorrespondência tão acurada do mapa social e ideológico pelo sistema partidário como no caso do Chile - criou possibilidades de concertação, porém, com o custo do
enfraquecimento do sistema bipartidário e o surgimento de um novo ator político - a
Frente Ampla - enquanto canal de demandas e propostas diluídas, ou sem espaço de
manifestação no sistema (Cavarozzi e Garretón, 1989: 15).
No Brasil e na Argentina, o sistema partidário era mais débil. No caso do Brasil,
a articulação entre a forte presença do Estado e o peso das oligarquias regionais
propiciou um sistema partidário nacional fraco, ancorado em facções e práticas
clientelísticas. Ainda que a partir do Estado Novo tenha se procurado recriar um
sistema partidário que refletisse o fracionamento social, através da constituição de um
novo partido representativo dos setores trabalhadores (o PTB) junto com os partidos
das elites tradicionais e modernas (PSD e UDN), a forte intromissão estatal
transformou todos eles em “partidos da ordem”. No caso da Argentina, a debilidade do
sistema partidário correspondeu a uma alta densidade da sociedade civil. Os
principais partidos – tanto o Justicialista como o Radical - apresentavam estruturas
internas marcadas pelo personalismo de suas lideranças e com uma matriz ideológica
difusa. Eles não expressavam plenamente os diversos interesses dessa densa
sociedade civil. Arraigados como verdadeiras subculturas, apresentaram um jogo
político de permanente exclusão (Cavarozzi e Garretón, 1989: 15-16).
O discurso autoritário que levou à instalação de governos militares em vários
países da região quase sempre apresentou como causa - ou desculpa - para a quebra
dos regimes democráticos a incapacidade dos partidos políticos e/ou a falência do
sistema partidário. Esta afirmação ideologizada encobria a complexidade de
interesses e causas que levaram aos golpes de Estado, atribuindo ao mesmo tempo a
4
responsabilidade às vítimas, neste caso, ao sistema partidário enquanto componente
central do regime democrático deposto. Porém, sem cair no plano das justificativas
autoritárias, não pode se negar a importância que coube na frágil preservação do
regime democrático tanto à forma de inserção dos partidos e do sistema partidário na
relação Estado-sociedade, como ao tipo de relacionamento entre os partidos e com os
atores civis e militares. Nos casos latino-americanos conformaram-se como riscos, por
exemplo: a luta destrutiva entre partidos sem preocupação com as regras do jogo do
sistema; a radicalidade dessa luta em situações de crise, manifestada na opção feita
em alguns cálculos partidários de sobrepor a “razão do partido” à “razão nacional”,
levando a cumplicidades com os golpes militares visando a eliminação do adversário;
o reforço da polarização ideológica que acentuou a fragmentação da sociedade e
restringiu a capacidade institucional de resolução dos seus conflitos; o predomínio do
estilo elitista, que limitou a representatividade dos partidos e abriu espaço para a
procura de outros canais de expressão, incluindo as próprias forças armadas; e a
prática do clientelismo que bloqueou a construção de uma cidadania ativa (Cavarozzi
e Garretón, 1989: 16).
b) O tipo de enraizamento que os partidos apresentavam na sociedade em
termos de sua representatividade e abertura para a participação dos atores sociais,
assim como a natureza do regime ditatorial, teve estreita relação com o que veio a
acontecer com eles durante os períodos autoritários.
Encontram-se claras diferenças nas experiências autoritárias. No Chile, Uruguai
e Argentina a coalizão golpista foi claramente marcada por uma perspectiva de
destruição da democracia. O sistema partidário foi proscrito e a prática eleitoral,
eliminada. Diferentemente no Brasil, o sistema partidário foi reorganizado, mantendose a regularidade e obrigatoriedade do voto (Lessa, 2001: 41).
Porém, independentemente da natureza do regime ditatorial, todas as
sociedades latino-americanas vivenciaram alguma fase mais repressiva. Nela, em
geral, o sistema partidário deixou de funcionar, sendo que a atividade dos partidos,
quando existiu, visou garantir a sobrevivência da organização e dos seus militantes.
Muitos partidos ficaram “congelados”, outros entraram na clandestinidade e alguns
foram quase dizimados. Estes contextos de profunda alteração da vida interna dos
partidos propiciaram a cristalização das lideranças já estabelecidas, assim como as
dificuldades de renovação ideológica. Ambas situações contribuíram para dificultar as
relações com os atores sociais. Assim, em muitos casos, as expressões de oposição ao
regime ditatorial e a canalização das demandas populares fizeram-se, principalmente,
através de atores de fora do sistema político, por exemplo, sindicalistas, religiosos,
intelectuais e artistas. Porém, nos casos onde o sistema partidário era sólido (como no
Chile), um grande número das manifestações da dissidência social e cultural foi
animado por militantes dos partidos. Como artífices dessa prática política de
resistência, esses militantes, em geral, adquiriram maior autonomia dos quadros
dirigentes dos partidos, constituindo-se um mecanismo alternativo de
questionamento e renovação das lideranças partidárias (Cavarozzi e Garretón, 1989:
17-18).
5
Quando se criaram aberturas nos regimes autoritários, as experiências latinoamericanas apontam para uma forte linha de continuidade partidária, com o
reaparecimento, em geral, dos partidos que tinham sido proscritos. Estes partidos, em
geral, procuraram assumir o relevo de uma oposição ou dissidência que se
manifestava mais nos planos social e cultural, que no político (Cavarozzi e Garretón,
1989: 18). Para além das eventuais renovações em termos de liderança partidária em geral associadas ao papel ativo de militantes nas manifestações da dissidência
social e cultural durante o regime ditatorial - em quase todos os casos, a substituição
das organizações da sociedade pelos partidos veio associada à retomada das práticas
tradicionais de fazer política pelos próprios partidos. Esta pretensão de monopólio da
representação legítima e a falta de renovação do “estilo de fazer política” contribuíram
para o distanciamento e o descrédito de muitos partidos durante o processo de
consolidação democrática.
Uma situação particular da ação dos partidos sob o regime ditatorial é o caso
dos partidos representativos dos setores civis que apoiaram não só os golpes, mas
também os próprios regimes autoritários. O Brasil foi uma das poucas situações onde
foi criado um partido oficial do regime. Porém, em quase todos os países latinoamericanos as ditaduras militares contaram com o apoio direto ou indireto de
partidos de direita, ainda que, como na Argentina e no Uruguai, todos os partidos
significativos tenham se declarado de oposição em algum momento. Em geral, nos
primeiros tempos, os partidos da ordem estiveram identificados ou confundidos com
o próprio regime, influenciando não necessariamente através de canais políticos
institucionalizados (já que, em geral, o próprio sistema político estava em suspenso)
mas através de suas lideranças, de personalidades, das organizações corporativas
alinhadas ou até da pressão social de suas bases. Nos momentos de abertura, ante a
iminência de processos eleitorais – vide o caso chileno - se colocou como desafio a
assunção da posição de herdeiros dos regimes autoritários ou o retorno ao tradicional
espaço da direita na sua reorganização enquanto ator político (Cavarozzi e Garretón,
1989: 18).
c) Cabe agora recuperar a experiência do papel dos partidos na América Latina
na fase de transição dos regimes militares. O’Donnell (1988) diferencia as transições
por colapso das negociadas mediante acordos ou pactos. Porém, a suposição de que os
regimes que foram economicamente destrutivos e altamente repressivos - como por
exemplo Argentina, Uruguai e Chile (com ressalvas na questão econômica) apresentariam transições por colapso não se manifestou plenamente. Com diferentes
trajetórias, no Uruguai e no Chile as transições foram em grande medida pactuadas.
Todavia, no caso da Argentina, o colapso aconteceu devido a uma coincidência de
fatores como a explosão de conflitos internos, uma forte oposição silenciada e a
tentativa de projetar para o exterior os seus problemas e conflitos empreendendo
alguma aventura bélica (como a disputa militar pelas Ilhas Malvinas frente ao Reino
Unido). Neste caso, ainda que tenham ocorrido negociações com a oposição, os
governantes autoritários não conseguiram controlar plenamente a agenda nem o
resultado das mesmas. Porém, as seqüelas do caráter do regime deixaram enormes
restrições objetivas na nova democracia, como uma economia destruída e profundas
6
feridas políticas fruto da extensa repressão. A isto somou-se o legado de forças
armadas hostis ao governo e alienadas do poder civil, com a constante ameaça de
“morte rápida” da nova democracia por um novo golpe militar (O’Donnell, 1988: 4950).
As transições negociadas ou pactuadas aconteceram principalmente em países
como Brasil e Equador, onde o regime autoritário foi relativamente bem-sucedido e a
repressão, menos extensa e sistemática. Graças a períodos de forte expansão
econômica, segmentos importantes do empresariado e dos setores médios foram
resultados do próprio regime autoritário. Estes segmentos e setores, que, em muitos
casos, também participaram nas transições junto com a oposição, mantiveram uma
lembrança positiva do regime autoritário e funcionaram como o seu “colchão social”.
Assim, mediante acordos ou pactos os governantes autoritários conseguiram impor à
oposição boa parte dos temas e do ritmo da agenda, inclusive a garantia da “não
revisão do passado” (O’Donnell, 1988: 51-52).
Tanto nas transições por colapso como nas pactuadas, coube aos partidos um
papel significativo. As transições que culminaram com eleições aconteceram após
amplas mobilizações populares, dentro de marcos institucionais de enfrentamento e
negociação, em maior ou menor medida, entre os governos autoritários e a oposição.
Por exemplo, eleições após a derrota das Malvinas na Argentina; plebiscito e eleição
no Uruguai; plebiscito e reformas institucionais no Chile; e eleições indiretas no Brasil
(Cavarozzi e Garretón, 1989: 20-21). Em todos os casos, os partidos comandaram a
quase totalidade dos processos, desde o enfrentamento e as negociações - explícitas
ou implícitas - até aqueles indispensáveis para a conformação de poliarquias4: a
institucionalização do regime político, a intermediação entre as demandas da
sociedade e o Estado, e a profissionalização da política. Isto é, ainda que com as
limitações típicas da urgência de “queimar etapas” ou de “encontrar fórmulas
mágicas” que se manifestaram na quase totalidade dos processos de transição latinoamericanos, os partidos favoreceram os processos de institucionalização democrática,
principalmente por serem atores principais na articulação das regras de jogo
assumidas pela maioria e, ao mesmo tempo, comporem os espaços organizativos
mínimos nos quais se pode realizar a competição política. Foram peças-chave na
intermediação ao propiciar a incorporação da mobilização social através de formas de
representação e participação. Promoveram a profissionalização ao se constituírem em
canais de seleção de pessoal político para liderar e gerir a política cotidiana5
(Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 138).
4
Nos debates sobre a transição e a consolidação, seguindo a orientação de Dahl (1971), a democracia é
entendida como democracia política ou “poliarquia”. Isto é, um “governo de muitos” que necessita de
condições que garantam a todos os cidadãos a livre oportunidade de formular suas preferências, de expressálas através de ações individuais ou coletivas e de conseguir que essas preferências não sejam discriminadas,
tendo o mesmo peso que outras ante o governo. É um sistema político de instituições democráticas onde estão
presente, entre os seus principais componentes, os partidos políticos e o direito a formar organizações
políticas para influir os governos existentes, opondo-se a grupos de interesse organizados. A poliarquia
coexiste com diversos graus de democratização nos planos econômico, social e cultural (O’Donnell, 1988: 43
e 67).
5
A bibliografia tradicionalmente aponta como funções básicas exercidas pelos partidos: proporcionar poder
aos dirigentes, competir eleitoralmente, recrutar elites para tornar operativo o sistema político, socializar a
política, bem como representar e articular interesses de grupos sociais. Todas estas funções se desempenham
7
Se os partidos tiveram um papel significativo nesses processos, eles mesmos
foram afetados pelo “efeito transicional”. As transições foram fonte de aparição,
desestruturação ou fortalecimento dos partidos e dos sistemas de partidos6. Dentro
deste panorama heterogêneo podem se delinear quatro cenários de sistemas de
partidos7.
QUADRO 1
Tipologia dos partidos políticos da América Latina
Sistema de partidos no início da transição
Partidos com maior apoio na eleição fundacional
legislativa
País
Ano
Partidos
Cenário I
Argentina
1983
UCR-PJ
Chile
1989
ConcertaciónUnión
por
el
Progreso de Chile
Uruguai
1984
PC-PN-Frente
Amplio
Peru
1980
APRA-AP
Cenário II
Bolívia
1985
MNR-ADN
Sistema de partidos na consolidação
Partidos com maior apoio em eleições legislativas
posteriores
Ano
Partidos
Brasil
1986
Equador
Cenário III
Paraguai
Honduras
Nicarágua
Panamá
Cenário IV
El Salvador
Rep.
Dominicana
Guatemala
1978
PFL-PMDBARENA/PDS/PPR
CFP-ID-PCE
1993
1981
1984
1994
1999
1997
UCR-FREPASO- PJ
Concertación- Unión por el
Progreso de Chile
1994
PC-PN- Frente Amplio
2000
Peru 2000- Peru Posible
1997
1998
MNR- ADN- MIR- CONDEPAUCS
PFL-PSDB-PMDB-PT
1998
DP-PSC-PRE-ID-MUPP-NP
ANR- PC- PLRA
PLH-PNH
FSLN
PRD-ARNULFISTA
1998
1997
1996
1999
ANR- PC- PLRA
PLH-PNH
FSLN-ALIANZA LIBERAL
PRD-ARNULFISTA
1982
1978
ARENA-PDC-PCN
PR/PRSC-MMP
1997
1998
ARENA-FMLN
PRD-PLD
1985
DCG-UCN-MLN
1999
FRG-PAN
independentemente da concepção de partido que se estabeleça: organizações para o recrutamento de votos
eleitorais, partidos de integração de massas, empresas eleitorais, partidos catch all ou partidos cartel
(Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 138).
6
Segundo Mainwaring e Scully, um sistema partidário é concebido como um conjunto de interações
padronizadas na concorrência entre partidos. Entre outras características, um sistema implica tanto que as
regras na competição eleitoral sejam conhecidas e aceitas como também que se manifeste continuidade do
número dos grandes partidos. Uma grande descontinuidade neste número apontaria para o surgimento de um
novo sistema (Mainwaring e Scully, 1994: 44-45).
7
Nem todos os países entram nestes cenários. Ficam de fora tanto casos onde os processos transicionais
foram muito mais antigos (Costa Rica, Colômbia e Venezuela) ou aqueles que apresentaram por muito mais
tempo um sistema de partido único (México), ou que ainda continuavam com esse sistema (Cuba) (Alcántara
Sáez e Freidenberg, 2002: 141-142).
8
Colômbia
Costa Rica
Venezuela
México
1982
PC-PL
1998
1982
PLN-UNIDAD
1998
1973
AD-COPEI
2000
1985
PRI
2000
Fonte: Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002
PC-PL
PLN-PUSC
AD-COPEI-MVR-MAS
PRI-PAN-PRD
O primeiro cenário corresponde a países com tradições partidárias sólidas, em
termos de configuração de máquinas partidárias com capacidade de conseguir adesão
e mobilizar amplos setores da população. Os melhores exemplos são países do Cone
Sul: Argentina, Chile e Uruguai. O universo partidário reproduziu o quadro anterior à
quebra do regime democrático. Isto é, na Argentina, radicais e justicialistas; no Chile
socialistas, democrata-cristãos, radicais e conservadores; e no Uruguai, colorados,
brancos e os partidários da Frente Ampla. Assim, em todos se manifesta uma
continuação da política nacional de inícios dos anos 1970, com um apoio eleitoral de
mais de noventa por cento. Também pode-se incluir o Peru já que os dois partidos
que se alternaram no poder nos primeiros anos pós-transição (APRA e Ação Popular)
eram anteriores ao regime ditatorial. Posteriormente, o Peru sofreu uma das maiores
crises do sistema de partidos na América Latina (Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002:
140-141).
O segundo cenário contempla um modelo misto, com partidos nascidos em
meados do século XX (e que mantêm uma estrutura sólida) convivendo com partidos
surgidos durante o processo de transição ou, em alguns casos, durante o próprio
regime autoritário. É o caso da Bolívia onde o Movimento Nacional Revolucionário
conviveu com partidos novos como ADN, MIR e mais adiante CONDEPA e UCS.
Também pode ser incluído neste cenário o Equador onde partidos sólidos, anteriores
à ruptura democrática como o PSC, atuaram junto a partidos novos (Alcántara Sáez e
Freidenberg, 2002: 141). Finalmente, no caso do Brasil, o sistema resultante nos
primeiros anos da transição, apesar de conter partidos anteriores ao período
ditatorial (como o PTB), em sua grande parte estava composto por partidos formados
no período autoritário ou durante a própria transição, como o PMDB (que junto com o
PP assumiu o primeiro governo pós-ditadura), o PSDB, que em aliança com o PFL viria
a governar por dois períodos, e o Partido dos Trabalhadores, que através de uma
coalizão está governando também por dois períodos.
O terceiro cenário inclui casos de manutenção dos partidos anteriores ao
período ditatorial, mas vazios do ponto de vista político e social. Por exemplo,
Paraguai onde a presença contínua de fraude eleitoral marcou a existência do partido
Colorado e do Liberal Radical Autêntico e só depois das primeiras eleições pósconstitucionais o jogo partidário ficou mais legitimado. Também cabem os casos de
Honduras (com os partidos Nacional e Liberal) e do Panamá (com o PRD e o
Arnulfista) (Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 141).
Finalmente, o último cenário corresponde a sistemas onde, como resultado da
debilidade partidária histórica somada aos efeitos dos governos ditatoriais, quase não
existiu um marco mínimo de partidos, propiciando-se um processo de refundação
paralelo ao processo de transição. Corresponde principalmente aos casos de El
9
Salvador onde a ARENA e o FMLN são resultado do conflito bélico que assolou o país;
ou também da Guatemala, onde FRG, PAN e URNG têm uma origem equivalente
(Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 141).
Sobre esta heterogeneidade de sistemas partidários é que se vai desenvolver o
difícil processo de consolidação democrática que – também com diferenças segundo
os países - se manifestou desde finais dos anos 1980 até aproximadamente o início do
novo século.
d) O processo de consolidação da democracia teve que cumprir a condição
fundamental de que não houvesse uma regressão para o autoritarismo, seja via “morte
rápida” através de um golpe militar clássico, seja via “morte lenta” com a progressiva
diminuição dos espaços para o exercício do poder civil conformando-se uma situação
de governo civil com soberania militar. Assim, uma questão estratégica fundamental
dos atores democráticos foi como evitar essas regressões e, ao mesmo tempo,
promover o avanço - ainda que oscilante e incerto – no processo de consolidação do
novo regime democrático (O’Donnell, 1988: 43-44).
Apresentaram-se fortes obstáculos: a subsistência de atores marcadamente
autoritários que controlavam importantes recursos de poder; a atitude de
neutralidade ou indiferença com relação ao regime político de parte de muitos atores;
a vigência, em diferentes planos, de padrões fortemente autoritários de dominação; as
conseqüências desestabilizadoras das crises econômicas e a acentuação dos processos
de desigualdade e empobrecimento gerados não só pelos regimes ditatoriais, mas
também pelas opções de políticas populistas ou neoliberais que os próprios governos
democráticos fizeram na região (O’Donnell, 1988: 44).
A esse quadro de dificuldades somaram-se as tendências centrífugas,
incentivadas pela competição eleitoral assim como por demandas massivas não
satisfeitas que tenderam a quebrar o consenso inicial e as coalizões partidárias antiautoritárias. A cisão destas coalizões se deu entre os partidos que “administravam a
transição” e os que “administravam as demandas sociais” (Cavarozzi e Garretón, 1989:
21).
Em geral, as mudanças que os partidos sofreram se devem a fatores endógenos
do sistema, como a proliferação de lideranças de tipo personalista, a concentração de
poder no Executivo e a corrupção. Ao mesmo tempo, o universo partidário latinoamericano foi afetado por questões institucionais, como as mudanças constitucionais
e as novas leis partidárias e eleitorais. Também operaram fatores exógenos, como a
derrocada do socialismo real com a perda de referencial ideológico de grande parte da
esquerda latino-americana, ou a crise que se abateu na região ante a opção política
das elites de integração plena à globalização que acentuou a desintegração do modelo
vigente de substituição de importações, o enfraquecimento do Estado e a
fragmentação de interesses na sociedade (Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 143).
10
Em termos de volatilidade eleitoral8, segundo Mainwaring e Scully (1994), a
região apresentou índices muito mais elevados de falta de regularidade nos padrões
de competição em comparação com as democracias dos países da Europa Ocidental.
Porém, internamente existiu uma grande variação. Os sistemas mais
institucionalizados - ou com tradições partidárias sólidas como Costa Rica, Uruguai,
Chile - detinham as menores volatilidades. No outro pólo, com padrões de
competição extremamente instáveis, se encontravam países como Bolívia, Equador,
Brasil (isto é, aqueles correspondentes a sistemas mistos conformados por partidos
antigos e outros nascidos no processo de transição ou durante o regime autoritário) e
também Peru como resultado da crise do seu sistema institucionalizado tradicional.
Em geral, houve continuidades das mesmas siglas partidárias entre o início dos
processos de transição (começo dos anos 1980) e durante a consolidação (no final dos
anos 1990). As mudanças nos sistemas partidários afetaram um número limitado de
casos (como Peru, Brasil e Venezuela). Nos demais países, o câmbio radical nos
conteúdos programáticos, com a adoção do neoliberalismo pelos velhos defensores do
populismo, não implicou uma renovação significativa da cúpula dirigente nem uma
transformação significativa das suas bases sociais de apoio. Isto ficou mais evidente
no caso do Partido Justicialista sob a presidência de Menem, na Argentina, ou no caso
do PRI no México, com o presidente Salinas de Gortari. Os partidos “continuaram
sendo o que eram”. A classe política manteve as velhas siglas sem procurar outro tipo
de acomodação, apesar da crescente percepção hostil da população sobre os partidos.
Em alguns casos, as expectativas geradas pelas boas performances eleitorais iniciais de
novos partidos ou frentes partidárias que pudessem mudar os sistemas tradicionais como no caso do M 19, na Colômbia, ou do FREPASO, na Argentina – não foram
correspondidas com o decorrer dos seguintes processos eleitorais (Alcántara Sáez e
Freidenberg, 2002: 143-144).
Com relação ao formato numérico dos sistemas de partido, tomando o Poder
Legislativo como âmbito primordial da competição política, a América Latina
apresentou uma tendência ao multipartidarismo. Só um número reduzido de países
(Costa Rica, Honduras e Paraguai), até finais dos anos 1990, se aproximou do
bipartidarismo, o qual traduz com mais simplicidade a lógica situação-oposição.
Distinguindo um grupo intermediário - conformado por México, República
Dominicana, Colômbia e Uruguai - os demais países estavam imersos em situações
multipartidárias. O multipartidarismo implicou, em geral, dificuldades para a
governabilidade: por um excesso de ofertas partidárias que criavam confusão do
eleitorado na diferenciação dessa oferta; pela rotação mais multiforme em termos de
êxitos eleitorais; pelo aumento da complicação na conformação de maiorias sólidas,
claras e estáveis através de acordos amplos que viessem a conformar governos de
coalizão. Exemplos claros de multipartidarismo seriam Bolívia, Brasil e Chile9
(Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 145-146).
8
O índice de volatilidade mede a mudança na cota de cadeiras de todos os partidos de uma eleição para outra,
expressando o nível de regularidade que apresentam os padrões de competição entre eles (Mainwaring e
Scully, 1994: 47).
9
No caso do Chile, as dificuldades da governabilidade neste período não estariam só vinculadas ao
multipartidarismo, mas principalmente à manutenção do poder das forças armadas.
11
A polarização ideológica10 entre os partidos políticos era relativamente alta,
deixando espaço para o multipartidarismo através da inclusão de fórmulas partidárias
intermediárias que expressariam a crescente heterogeneidade social latinoamericana. A excessiva polarização é comumente interpretada como indicador de uma
próxima ruptura do sistema político11. Porém, na América Latina a alta polarização
poderia ser expressão de uma função integradora do sistema político, como, por
exemplo, nos casos de El Salvador e Nicarágua cujos elevados índices – os maiores da
região – expressariam a integração das guerrilhas no sistema político. Por sua vez, os
altos índices de polarização no Chile expressariam o aprofundamento pelo regime
autoritário da divisão de uma sociedade já divida, e no México manifestariam as
tensões anteriores a mudanças históricas que a eleição do ano 2000 trouxe com a
derrota do PRI após mais de meio século no poder. Porém, em outros casos – como os
de Equador, Bolívia, Peru e Venezuela - a crescente polarização apontaria para
fraturas do sistema de partidos e pressões em termos de não governabilidade do
sistema político (Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 147-148).
Em linhas gerais, o processo de consolidação da democracia na região
apresentou um caráter ambíguo. Por um lado, a não-ruptura do sistema político
liberal aponta para a consolidação da democracia eleitoral, apesar da diferença de
grau e da debilidade institucional segundo os países. Por outro, a persistência
deteriorada desses sistemas políticos liberais reforça o deficit de “democracia da
cidadania”, principalmente nos anos 1990.
O neoliberalismo transformou-se na ideologia oficial das novas democracias.
Reformar o Estado deixou de ser sinônimo de sua democratização para ser
confundido com a redução de suas funções reguladoras e de suas responsabilidades
sociais. A desmoralização da política, o desinteresse pelo público, a privatização
exacerbada das relações sociais e do próprio Estado levaram a uma crise da política,
com “formas deformadas” de modelos políticos liberais (Sader, 2002: 654-655).
Os casos das presidências de Fujimori no Peru, Menem na Argentina e Collor no
Brasil são exemplos destas “formas deformadas” de “democracias delegativas”
(O’Donnell, 1997). Nestes modelos políticos se dá a concentração de poder no
Executivo, particularmente na figura do presidente12. O presidencialismo comum a
10
Através da polarização ideológica – em geral na escala direita/esquerda - se pretende vincular a ideologia,
os partidos e os eleitores. Dizer que dois grupos são pólos separados indica que suas atitudes são tão
diferentes que não poderiam encontrar-se mais distantes umas das outras. Comumente se usam medidas como
a distância e a superposição para identificar a polarização dos sistemas de partidos. Quanto maior for a
distância e menor a superposição ideológica, o sistema estará mais polarizado. No sentido oposto, o sistema
partidário será mais moderado quando menor for a distância e maior a superposição. Os índices se constroem
a partir da autopercepção e da percepção dos outros (Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 147).
11
O grau de polarização diz respeito a governabilidade, apontando para a propensão ou não das elites políticas
por fórmulas de consenso - através de compactuar políticas que favoreçam a ação governamental - ou por
fórmulas de discenso que dificultam essa ação (Alcántara Sáez e Freidenberg, 2002: 148).
12
Nas democracias delegativas, o presidente estaria praticamente isento da accountability horizontal – como a
dos tribunais e das legislaturas – já que esta é vista como um impedimento da plena autoridade que lhe foi
delegada e da rapidez no processo decisório que se espera dele. Também o presidente se considera por cima
dos partidos políticos, assumindo um papel de encarnação da nação e de guardião dos seus interesses.
12
todos os países e a experiência populista pela qual tinham passado muitos deles
favoreceram a instalação deste tipo de democracias.
Nestas democracias delegativas, os partidos políticos, o parlamento e os atores
da sociedade civil tradicionalmente influentes – como os sindicatos – ficaram
subordinados na tomada de decisões. O presidente ocupava um lugar na alta
hierarquia do partido, monopolizando a iniciativa política. Ao mesmo tempo, estas
experiências se caracterizaram pela importância do carisma ou da personalização
política. Os partidos se conceberam mais como máquinas que mobilizavam lealdades e
sentimentos para o confronto eleitoral do que como verdadeiros instrumentos de
governo, exacerbando características como ideologias difusas, ausência de programas
coerentes, debilidade organizativa e tradição de subordinação aos objetivos e
ambições do líder. Como resultado, se aprofundou a crise de representação,
predominando um abstencionismo crescente.
Na grande maioria dos países, o aumento do desemprego, da pobreza e da
desigualdade, que resultou das experiências neoliberais, delineou um contexto que,
junto com os efeitos das democracias delegativas, agravou as dificuldades do sistema
político e dos próprios partidos. Perda de legitimidade dos governos, dos legislativos e
da Justiça; enfraquecimento das organizações sociais; desmoralização das ideologias e
dos partidos; desinteresse eleitoral e político geral; ausência quase total de debates
políticos relevantes são alguns dos aspectos do aprofundamento da deterioração dos
sistemas políticos liberais, que continuaram ocorrendo sem rupturas, isto é, dentro
das regras do jogo democrático eleitoral (Sader, 2002: 653).
Nas pesquisas de opinião elaboradas na região, os partidos políticos receberam
uma baixíssima valoração, ocupando em geral a última posição entre o conjunto de
instituições públicas. A pesquisa do Latinobarómetro de 1998 apontava que 75% dos
latino-americanos tinham pouca ou nenhuma confiança nos partidos políticos,
elevando-se esse índice a 84%, nos casos de Venezuela e Equador, ou a 81%, na
Argentina. Por seu lado, Costa Rica e Uruguai apresentavam valores menores (63%)
de desconfiança, mas que ainda eram muito altos (Latinobarómetro, 1998).
Em geral, o quadro que se apresentava no início do novo século era de
processos de consolidação ambíguos e que tinham assumido um caráter elitista, com
sistemas políticos que tinham deixado à margem a participação de atores civis. E,
sobretudo, reproduzindo as fraturas existentes em termos étnicos, regionais e de
desigualdade cidadã. Partidos que tinham como uma de suas mais importantes
bandeiras a defesa de ética na política, uma vez instalados ou próximos do poder,
reproduziram em alguns dos seus setores práticas clientelísticas e patrimonialistas,
que desembocaram em formas de corrupção. A tensão e o conflito entre componentes
democráticos e autoritários atravessavam o interior de todos os partidos, superando
as visões polares que atribuíam aos partidos modernos e/ou de esquerda as virtudes
cívicas e aos partidos conservadores e/ou de direita os vícios. Estas tensões, como
veremos, também estiveram presente entre os atores da sociedade civil.
Finalmente, as medidas de governo não necessitariam ter relação com as promessas de campanha, já que o
presidente estaria autorizado a governar da forma que considere melhor (O’Donnell, 1997: 293-294).
13
3. O papel dos atores da sociedade civil no processo de democratização
Nos debates sobre a democratização, a sociedade civil pode ser entendida como
uma esfera de ação intermediária, situada entre o Estado e as famílias, na qual
diferentes tipos de organizações, grupos e associações de indivíduos se organizam de
maneira autônoma e voluntária visando tanto a defesa e ampliação dos seus direitos,
valores e identidades, como a influência, o controle e a fiscalização das ações das
autoridades políticas (Panfichi e Chirinos, 2002: 305). A heterogeneidade é uma forte
marca da composição da sociedade civil nos países da América Latina: diversidade de
atores, com distintos formatos institucionais (associações, movimentos sociais, redes,
coalizões, mesas, fóruns, sindicatos), diferentes tipos de relacionamento com o Estado
e uma pluralidade de práticas e orientações político-ideológicas que incluem desde
componentes autoritários até democráticos (Dagnino et alli, 2006: 27).
Enquanto esfera autônoma, a sociedade civil seria uma construção social
relativamente recente na América Latina. Houve profundas dificuldades para
conformar atores, práticas e espaços associativos independentes da coerção e
cooptação estatal, num contexto onde a cultura política hegemônica não propiciava o
reconhecimento da pluralidade e da autonomia como princípios básicos das práticas
coletivas. A estes elementos somaram-se o impacto combinado de regimes
autoritários, conflitos políticos armados e processos inacabados de democratização
política e de reformas econômicas neoliberais (Panfichi e Chirinos, 2002: 304-305).
A multiplicidade de atores sociais que têm seus próprios canais de articulação com
a sociedade política e com o sistema econômico, e com freqüência se opõem em
diferentes espaços públicos, aponta para o fato de que a sociedade civil estaria
entrecruzada de conflitos e que ela seria uma sorte de “arena de arenas”, e não um
território harmonioso de convivência pacífica (Olvera, 2003: 28).
Nas transições democráticas acontecidas nos finais dos anos 1970 e, sobretudo,
em inícios dos anos 1980 diversas organizações da sociedade civil tiveram um rol
ativo na denúncia e pressão sobre os regimes autoritários pela constante violação dos
direitos humanos e o seu caráter antidemocrático. Porém, essas transições se
manifestaram num contexto geral de reformas estruturais neoliberais que
modificaram o funcionamento da economia e sua relação com o Estado e a sociedade
civil (Panfichi e Chirinos, 2002: 304).
Neste contexto, um dos processos que se observa foi o progressivo
enfraquecimento e transformação das formas tradicionais de organização e
representação de interesses que estavam presentes em quase todos os países da
região. Houve uma quebra das formas homogeneizadoras de organização e ação
coletiva que colocavam à classe operária, vinculada a partidos políticos populares,
como ator principal na construção da cidadania. Estes partidos formulavam ou eram
portadores de propostas unificadoras que visavam a articulação e mobilização não só
da classe, mas das maiorias - o povo - com uma agenda de consolidação dos direitos e
14
de integração dos excluídos aos benefícios da tutela estatal (Panfichi e Chirinos, 2002:
313-314).
O enfraquecimento das formas tradicionais de ação e representação de interesses
afetou principalmente as organizações sindicais, que tinham sido vítimas principais da
repressão dos governos autoritários, assim como atores fundamentais dos processos
de democratização. Na América Latina, onde mais de 50% da população
economicamente ativa nos anos 1990 passaram a estar na informalidade o
movimento sindical ficou restrito à parte “visível” dos que trabalhavam e viviam do
seu trabalho, apresentando dificuldades em representar o enorme conjunto de
trabalhadores “invisíveis” (Grzybowski, 2003: 49).
Com as mudanças do mercado de trabalho - incentivadas pelos planos de ajuste
estrutural no marco das reformas neoliberais e da transformação do tradicional papel
do Estado como distribuidor de recursos - diminuiu a afiliação aos sindicatos e se
reduziu a sua capacidade de negociação coletiva e de pressão política frente aos
empresários e ao Estado. Esta tendência geral de enfraquecimento do sindicalismo
apresentou especificidades e diferenças entre os países da região. No Peru e na
Colômbia os sindicatos se encontraram dramaticamente debilitados pela confluência
dos impactos do contexto econômico e social criado pelas políticas neoliberais com a
violência política que colocou as lideranças sindicais no meio do fogo cruzado entre
guerrilhas, paraestatais e aparelhos coercitivos do Estado (Panfichi e Chirinos, 2002:
314-315).
Numa posição diferente, no Chile e na Argentina, onde existia uma tradição
sindical antiga e consolidada, os sindicatos conseguiram manter grande parte do seu
poder na luta social. No Chile, a transição significou o reforço da subordinação das
organizações sindicais aos partidos políticos. Na Argentina, os sindicatos estavam
muito arraigados na sociedade civil pelos laços com o Movimento Peronista e com o
Estado através da delegação corporativa de prestações de serviços sociais para os
seus afiliados. O novo contexto da transição democrática e da reestruturação
neoliberal do mercado de trabalho enfraqueceu os sindicatos argentinos. Porém, e da
mesma forma que no Chile, se desenvolveram transformações na composição, nas
formas e nas práticas dessas organizações que levaram a um relativo êxito se
comparado com outros países da região. Particularmente, os sindicatos iniciaram a
transformação de uma lógica de representação de interesses específicos para uma
representação social mais ampla e inclusiva. Reconhecendo o direito ao trabalho como
um verdadeiro paradigma dos direitos sociais, procuraram estender – como no caso
da Central de Trabalhadores Argentinos (CTA) – o espaço de representação a outras
organizações com demandas diversas, como trabalho para desempregados, acesso à
moradia de inquilinos e residentes de favelas e defesa e promoção de direitos de
minorias (trabalhadores migrantes, mulheres e crianças de rua). Reivindicando maior
autonomia sindical em relação aos partidos e ao Estado, postularam a necessidade de
articulações com movimentos sociais e outras entidades da sociedade civil e
promoveram mudanças nas pautas clássicas de confrontação com o Estado, através de
uma incidência propositiva na definição de políticas públicas mais eqüitativas
(Panfichi e Chirinos, 2002: 314-315).
15
No pólo oposto ao movimento sindical, as diversas organizações de proprietários e
capitalistas - classistas, de defesa coletiva de interesses, de formulação de propostas e
de incidência política direta - conformaram outro sujeito do núcleo duro das
sociedades civis, mesmo que, na maior parte das vezes, não se reconhecessem como
fazendo parte delas (Grzybowski, 2003: 49). O poder exercido pelos empresários,
grupos econômicos e setor financeiro se constituiu numa das principais formas
internas de poder fático na região13. O patronato funcionou como lobby muito
influente tanto pelo poder de veto que emana de suas decisões de investimento como
pelo financiamento de campanhas eleitorais, incluindo práticas de compra de votos ou
de “fabricação de candidatos” (PNUD, 2004: 167). Nos países latino-americanos, o
patronato enquanto sujeito social forjou-se como um ator antidemocrático
(Grzybowski, 2003: 49). O seu processo de conversão, ainda parcial, está se dando
pela influência das crises econômicas criadas com a liberalização indiscriminada - que
lhes tirou riquezas e poder - como também pela força das lutas que outros sujeitos
sociais vêm fazendo na democratização. Ficam em aberto o engajamento e a
capacidade da nova geração de proprietários e empresários na ruptura da lógica de
exclusão social que assola a região (Grzybowski, 2003: 50).
Os meios de comunicação de massa se constituíram num dos poderes fáticos mais
importantes da América Latina. Os meios propiciaram modos de construção do
imaginário coletivo e movimentos de opinião que alimentaram os processos de
participação social e construção de identidade nas sociedades civis. Eles se
apresentaram – e se apresentam - como espaços de disputa atravessados por
profundas contradições entre sua função pública e política, e a crescente
oligopolização privada de sua propriedade (Grzybowski, 2003: 50). De acordo com os
líderes latino-americanos, sua grande influência era considerada positivamente como
13
O relatório do PNUD sobre o estado da democracia na América Latina apontou outras formas de poder
fático como os meios de comunicação, as Forças Armadas, os fatores extraterritoriais, a guerrilha e os poderes
ilegais. A influência das Forças Armadas diminuiu com a sua profissionalização e com as divisões internas.
Porém, em países como Venezuela e Equador, as forças militares apareciam mais politizadas e com forte
reconhecimento público. No caso dos fatores extraterritoriais, o papel dos Estados Unidos foi um elemento
central durante a guerra fria, tanto na desestabilização de governos democráticos que, na sua visão,
colocariam riscos ao seu projeto hegemônico, como no suporte aos regimes autoritários. Na democratização, a
estabilidade e a governabilidade passaram a ser critérios pragmáticos de apoio norte-americano. Porém, a
continuidade do embargo a Cuba, os planos militares no combate ao narcotráfico na Colômbia, as tentativas
de desestabilização do governo Chavez na Venezuela e a pressão pela ALCA e por acordos bilaterais de
comércio com os países latino-americanos apontam para a permanência e reprodução de diferentes
componentes do seu intervencionismo ativo na região. Junto à política dos Estados Unidos, os organismos
multilaterais de crédito (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Banco Interamericano de
Desenvolvimento) assim como as agências privadas avaliadoras de risco-país se apresentavam como fatores
extraterritoriais com forte ingerência nas reformas e nas orientações político-econômicas das democracias
latino-americanas. O fenômeno da guerrilha, que marcou forte presença na vida de países centro-americanos
(como Guatemala, Nicarágua e El Salvador) e sul-americanos como Peru, ficou reduzido à Colômbia, ainda
que agravado pela presença das forças paramilitares. Finalmente, cresceu a importância dos poderes ilegais
vinculados a atividades ilícitas como contrabando, prostituição, jogo clandestino e, sobretudo, tráfico de
drogas. No caso do tráfico de drogas, os desafios para a democratização estão relacionados ao controle que ele
exercia sobre setores dos aparelhos estatais e partes dos territórios nacionais; aos fortes incentivos para a
passagem da economia formal à informal; à promoção da corrupção de funcionários e dirigentes políticos com
o “dinheiro sujo”; ao incremento da violência e da criminalidade; e à geração de novas formas de pressão, por
ter atraído a intervenção direta ou indireta do governo dos Estados Unidos, que limitavam ainda mais a ação
governamental nas democracias latino-americanas (PNUD, 2004: 167-169).
16
um aumento dos controles democráticos sobre o exercício do governo. Porém, em
muito casos, agiram como um “controle sem controle”, cumprindo funções que
extravasaram o direito à informação. Os meios apresentaram a capacidade de gerar
agenda, predispor a opinião pública, deteriorar a imagem de figuras públicas
governamentais e fazer invisíveis, reduzir a importância ou criminalizar as
mobilizações e movimentos sociais. Haveria uma estreita vinculação entre grandes
grupos econômicos e meios de comunicação, sendo que através destes os empresários
concentrariam mais poder ainda, seja por serem os seus proprietários, seja porque
impunham condições mediante o controle das pautas publicitárias (PNUD, 2004:
167).
Outro fenômeno que acompanhou o processo de democratização, em particular a
onda neoliberal dos anos 1990, foi a transformação das formas tradicionais de
filantropia, em termos de difusão do voluntariado e das fundações corporativas
filantrópicas. A intensificação e a renovação da prática do voluntariado, associadas ao
crescimento do “terceiro setor”, seriam também expressão do deslocamento do
compromisso político para a sensibilização social que se fez presente em amplas
camadas médias e em setores populares latino-americanos. Esta despolitização da
visão e da prática desses setores foi correlata à difusão das seitas evangélicas e à
reorientação carismática da igreja católica propiciada pelo Vaticano. Por sua vez, a
transformação das práticas tradicionais filantrópicas foi estimulada a partir da esfera
internacional pelas agências de cooperação privadas e oficiais e com amplo apoio dos
meios de comunicação. Em muitos casos manifestaram-se um discurso e uma prática
que destacavam a responsabilidade social do empresariado como parte do seu
compromisso cívico com a sociedade. Porém, esta prática da responsabilidade social
empresarial com o desenvolvimento das fundações corporativas levantou polêmicas e
debates sobre a questão da eficácia da adesão voluntária no controle dessa
responsabilidade e a interferência de interesses empresarias – como visibilidade e
propaganda - na orientação estratégica e na abragência dos programas filantrópicos.
As igrejas foram um outro ator importante da democratização. A América Latina
foi e continua sendo uma das regiões de maior presença da Igreja Católica, com forte
influência tanto nas sociedades como nos próprios Estados. Nos anos 1960 e 1970, o
desenvolvimento da Teologia da Libertação, com a multiplicação das comunidades
eclesiais de base e a adesão de partes da hierarquia eclesiástica, propiciou a mudança
do papel da Igreja Católica enquanto aliada tradicional das elites e dos seus governos.
Esta mudança favoreceu a conformação e o reconhecimento de diversos movimentos
sociais, atores centrais na luta contra os regimes autoritários. Porém, a partir de João
Paulo II, se produziu um refluxo conservador com a hegemonia de setores religiosos
fundamentalistas. Paralelamente houve um significativo e constante crescimento das
igrejas evangélicas, sobretudo do pentecostalismo na região, primeiro entre os setores
populares e posteriormente entre as classes médias. Junto ao relativo declínio dos
partidos promovidos pela Igreja Católica (isto é, os “partidos democratas cristãos”
presentes por mais de meio século em diversos países latino-americanos) houve um
crescimento das bancada evangélicas nos Parlamentos, eleitas tanto pelas
agremiações tradicionais como através da conformação de partidos próprios. Da
mesma forma se deu uma apropriação crescente por parte das igrejas evangélicas de
meios de comunicação de massas, principalmente rádios mas também emissoras
17
televisivas. Assim, o fundamentalismo tanto católico como evangélico cresceu, ao
mesmo tempo que as igrejas mantiveram um dos mais altos índices de confiança
institucional na região - só superado pelos corpos de bombeiros – em oposição à
descrença da população nos partidos políticos e no Congresso (Latinobarómetro
2006).
Paralelamente ao enfraquecimento e à transformação das formas tradicionais de
organização de representação de interesses – isto é, o sindicalismo e os partidos
políticos – desenvolveram-se novas formas de associação e organização civil que,
junto com os movimentos sociais, colocaram novos temas e problemas na agenda
político-social e propiciaram outras formas de ação coletiva (Panfichi e Chirinos,
2002: 317).
Houve uma emergência de organizações de direitos humanos e cidadãos que,
através da “política de direitos”, buscaram construir espaços autônomos de
reivindicação frente ao Estado dos direitos fundamentais da democracia, assim como
de promoção efetiva da justiça. No Chile e na Argentina, a emergência da política de
direitos se manifestou através de organizações com um agenda de trabalho contra os
abusos do autoritarismo militar. Conformadas inicialmente por familiares e amigos
das vítimas – como as Mães da Praça de Maio, na Argentina - propiciavam também o
retorno ao Estado democrático. No Peru, na Colômbia, na Guatemala e em El Salvador,
as organizações de direitos humanos defenderam a vigência da lei e da justiça em
meio aos conflitos armados internos. Em geral, tiveram o apoio e a participação ativa
da Igreja Católica. A forma institucional predominante foi a de entidades sem fins
lucrativos, particularmente, organizações não governamentais (ONGs). Em vários
casos - como a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, no Peru – as
organizações propiciaram o trabalho conjunto através de uma articulação de
estratégias local, nacional e internacional para assegurar a liberação de prisioneiros
inocentes, influenciar na legislação sobre direitos humanos e até promover direitos
econômicos, sociais e culturais. O impacto variou nos países da região em função de
uma série de condições, como a existência de uma efetiva separação de poderes, a
presença de um judiciário com autonomia e legitimidade, e uma imprensa livre e
democrática (Panfichi e Chirinos, 2002: 320-322).
Houve uma continuidade entre o trabalho inicial das organizações de direitos
humanos e a atuação das organizações de promoção da cidadania dos anos 1980 e
1990. Na Argentina estas organizações trabalharam para construir espaços
deliberativos de democracia, onde se privilegiava o consenso, assim como
promoveram ações de defesa do interesse público e de institucionalização de novos
direitos pela via legal, articulando o esforço de advogados, juízes e formadores de
opinião (Panfichi e Chirinos, 2002: 321). Na América Latina, em geral, muitas das
organizações e dos movimentos que tinham os direitos humanos como sua referência
agiram como promotoras da cidadania. A redefinição prática da noção de cidadania a
partir do desenvolvimento das próprias sociedades civis se constituiu num dos
elementos centrais das disputas em torno da construção de novas gramáticas sociais
que dessem sustentação a uma consistente “democracia de cidadania” para além da
restrita democracia eleitoral. A radicalidade do processo aumentou quando, em países
como Argentina ou Brasil, se renovaram velhas lutas e movimentos ou se criaram
18
novos sujeitos a partir exatamente de sua situação de exclusão, “invisibilidade” 14 ou
subordinação econômica, cultural e política15 (Grzybowski, 2003: 47-48).
O campo das ONGs na região apresentou uma marcada heterogeneidade. As
primeiras surgiram, em geral, vinculadas a entidades religiosas ou ecumênicas
promovendo serviços assistenciais e assessoria ao sindicalismo e a organizações
populares emergentes. Durante a transição e a fase de consolidação democrática se
expandiu a atuação de ONGs internacionais ao mesmo tempo que cresceu o número
de ONGs nacionais e locais, apoiadas por fundações e agências de cooperação privada,
governamental ou internacional. Através de perspectivas de educação popular e de
promoção da cidadania, muitas delas trabalharam com relativo sucesso em termos de
organização e participação dos grupos e comunidades de “invisíveis”. Com o
neoliberalismo, esse crescimento se multiplicou, proliferando novas organizações de
prestação de serviços que conformaram o “terceiro setor” como um suposto “pólo de
virtudes” no desempenho “mais efetivo e eficiente” de funções sociais fruto do
desmantelamento dos Estados. Este verdadeiro mercado de organizações do terceiro
setor entrou em disputa pelo reconhecimento público com as “ONGs do campo
democrático”; isto é, aquelas ONGs que através da política de direitos e da promoção
da cidadania participaram do enfrentamento aos regimes autoritários visando a
construção da “democracia da cidadania”. Em alguns casos, dentro “do campo
democrático” se manifestou a prática do substituísmo quando as ONGs assumiram
uma representatividade dos setores populares que não lhe foi delegada,
impulsionando fenômenos de “onguização” dos movimentos sociais: isto é,
movimentos sociais criando ONGs – ou assumindo o tipo de prática delas - ou ONGs
“criando” movimentos sociais. Porém, além destes aspectos críticos de suas práticas,
cabe ressaltar o papel relevante que diversas ONGs tiveram na luta pela construção de
uma democracia de cidadania nos países da região16.
14
A noção de “invisíveis” refere-se a um enorme contingente de indivíduos – de 20% a 60% da população
total dos países - que não fazem parte das sociedades civis latino-americanas por não terem o reconhecimento
público dos seus direitos – sociais, culturais, econômicos e, em alguns casos, até civis e políticos - e não
disporem de formas de organização social ou de práticas de lutas que lhes permitam superar a exclusão social,
negadora de sua cidadania. São os politicamente destituídos de qualquer poder real. Como já foi apontado, na
região houve o avanço da cidadania eleitoral formal. Mas ter o direito político de votar num contexto
caracterizado pela desigualdade, pobreza e exclusão social não é a mesma coisa que ser plenamente cidadão.
Assim, muitos eleitores vieram a fazer parte do contingente de invisíveis das sociedades latino-americanas
(Grzybowski, 2003: 48).
15
Como resultado das sucessivas crises econômicas vivenciadas na Argentina, surgiu o movimento dos
“piqueteiros”. Composto principalmente por desocupados ou empregados precários, jovens e pessoas de
terceira idade, organizados em diferentes formas – como por exemplo a Coordenadora Aníbal Verón ou a
Assembléia Nacional Piqueteira – o movimento tornou públicas as suas reivindicações através de protestos e
mobilizações centradas nos cortes de estradas e ruas, apoiado por organizações de promoção de cidadania.
Pelo geral este tipo de mobilização implicou a repressão pelas forças de seguridade.
16
As ONGs desenvolveram diferentes estratégias para influenciar as políticas públicas. Entre elas, Varas
aponta como exemplos de modalidades de interação com o Estado que permitiu um impacto sistêmico em
nível nacional: a interface múltipla e a institucionalidade cooperativa propiciada por ONGs e centros
acadêmicos em torno dos direitos da mulher no Chile; a estratégia de Estado substituto promovida por
consórcios de ONGs e instituições acadêmicas na elaboração de propostas de descentralização de políticas no
Peru; e o aprofundamento das relações com o Judiciário através do uso pelas ONGs de instrumentos do direito
do interesse público na Argentina (Varas, 2006: 37).
19
O surgimento de “organizações de sobrevivência” - organizações sociais de
base que procuram satisfazer as necessidades dos mais pobres - se acentuou durante
o processo de consolidação da democracia eleitoral no contexto de políticas
econômicas neoliberais. Em países onde se reproduzem os processos de
empobrecimento, a demanda por alimentos tem sido utilizada tradicionalmente nas
estratégias de cooptação e clientelismo por parte dos governos e dos partidos. O
diferente durante o processo de democratização foi o nível de organização e
mobilização dessas organizações de sobrevivência formadas principalmente por
mulheres pobres, com uma base comunitária ou de bairro e, em geral, executoras
finais de programas de assistência alimentar tanto do Estado como da cooperação
técnica internacional. Porém, criou-se uma relação ambígua e complexa em termos de
interesse mútuo, autonomia, dependência e clientelismo entre as organizações de
sobrevivência, os partidos, o Estado e a cooperação internacional. No Peru, as
“organizações femininas para a alimentação” e, na Argentina, os refeitórios e creches
nos bairros pobres urbanos – que proliferaram com as crises econômicas propiciadas
pelo neoliberalismo - assumiram freqüentemente o caráter de redes clientelísticas
neutralizando os impactos positivos desse processo organizativo em termos de
promoção de cidadania (Panfichi e Chirinos, 2002: 318-320).
Entre as relações de dominação e desigualdade que atingem os “invisíveis”, a
questão étnico-racial adquiriu maior ressonância enquanto referência na constituição
de novos sujeitos sociais. Por mais que as estatísticas mostrassem sua importância,
este tipo de dominação foi camuflada ou negada, não só pelo poder estatal, mas dentro
da própria sociedade civil. O racismo e a discriminação estão no coração mesmo das
sociedades civis e limitam o seu desenvolvimento democrático. Em geral, a fragilidade
e a ambigüidade caracterizaram os movimentos e organizações em torno desta
questão (Grzybowski, 2003: 47). Porém, nos últimos anos, têm crescido as
reivindicações desses grupos. Um dos exemplos que ganhou maior repercussão foi o
levante armado de indígenas ocorrido em Chiapas (México) em 1994, organizados
enquanto Exército Zapatista de Liberação Nacional. O movimento propiciou
mobilizações para a garantia do seu território e ampliou a sua estratégia fazendo
causa comum com diversos setores da população mexicana em sua oposição ao
neoliberalismo e promovendo, através da internet, a solidariedade internacional
(Slater, 2000: 521-522). Ao mesmo tempo, a forte presença de mobilizações dos povos
indígenas influenciou de forma significativa as eleições e os governos da região. São
exemplos Equador, Peru, Guatemala e, sobretudo, a Bolívia, com a eleição do primeiro
presidente indígena.
A questão indígena e racial em alguns países se apresentou vinculada à
tradicional questão de acesso à terra e luta pela reforma agrária. Desde a Revolução
Mexicana, reformas agrárias, em muitos casos seguidas de contra-reformas,
marcaram as lutas camponesas – e indígenas – no México, Bolívia, Cuba, Peru, Chile,
Equador, Costa Rica, Nicarágua e El Salvador. No processo de democratização, os
movimentos camponeses e de sem-terra voltaram a ganhar espaço na sua construção
como sujeitos, reunidos em torno de articulações como a Via Campesina, organizações
de representação regional como a CLOC, e fortes movimentos sociais nacionais como o
Movimento Sem Terra no Brasil. Estes sujeitos apresentaram uma agenda cada vez
mais ampla de reivindicações e demandas, compreendendo o acesso à terra, a
20
soberania alimentar, o questionamento da incorporação da agricultura nas
negociações da Organização Mundial de Comércio, a rejeição à difusão dos
transgênicos impulsionada pelas grandes corporações transnacionais e a promoção de
um modelo de desenvolvimento da agricultura centrado na agricultura familiar,
alternativo ao modelo exportador das grandes propriedades do agronegócio.
A irrupção das mulheres enquanto sujeitos sociais por meio de organizações e
movimentos foi um dos fenômenos mais visíveis nas sociedades civis da região nas
últimas décadas. Nos anos 1970, seguindo o padrão comum de outros movimentos, o
feminismo priorizou uma estratégia de confrontação com o Estado e os grupos de
poder dominantes. Através dessa estratégia procurou despertar a consciência política
das mulheres contra o poder patriarcal que, junto com o domínio sobre os corpos, as
excluía da esfera pública e do trabalho. Em geral, a dupla militância, tanto no
movimento como em partidos de esquerda, criou tensões em relação à prioridade de
luta das mulheres: a luta contra a dominação de classe ou a luta contra a opressão de
gênero? Estas tensões provocaram divisões e, majoritariamente, a saída – ou
relativização – da militância partidária com o caminho da organização autônoma.
Ainda que essa foi a tendência geral, houve países como a Argentina onde o peso da
identidade partidária permaneceu forte. Nos finais dos 1980 e, sobretudo, nos anos
1990, o movimento de mulheres latino-americano pluralizou-se, diversificando-se em
uma série de feminismos que buscavam responder com diversas estratégias às
mudanças propiciadas pela onda neoliberal (Panfichi e Chirinos, 2002: 323). Isto é, o
feminismo deixou de ser um movimento social unitário, para se converter em um
heterogêneo campo de ação que atravessava diversas arenas culturais, sociais e
políticas (Alvarez, 2000: 386). As feministas passaram a se organizar em redes e
movimentos que extrapolaram os países da própria região, tornando-se mais
internacionalistas do que outros atores sociais. Neste contexto se produziu a absorção
seletiva de discursos e agendas por parte de outros atores da sociedade civil assim
como da sociedade política e arenas de política nacional e internacional. Quase todos
os governos da região criaram órgãos especializados, ministérios e secretarias
encarregados de melhorar a situação das mulheres e “incorporá-las ao
desenvolvimento”. Em países como Brasil e Argentina, foram aprovadas cotas para
mulheres nas listas eleitorais de candidatos. Centrais sindicais - como a Central Única
dos Trabalhadores do Brasil – adotaram algumas das bandeiras de luta do feminismo,
passando a combater, entre outros problemas, o assédio sexual nos locais de trabalho.
O processo da Conferência de Beijing, em 1995, recebeu a influência ativa de
feministas latino-americanas (Alvarez, 2000: 396-397).
A reconfiguração do campo do feminismo, e em particular do tema das relações
de autonomia ou articulação com o Estado, provocou tensões e intensos debates nos
movimentos e organizações feministas. Os relativos êxitos nos processos das políticas
nacionais e internacionais favoreceram a especialização e profissionalização
progressiva de um número crescente de ONGs feministas, propiciando a chamada
“onguização do movimento” (fenômeno este que também esteve presente em outros
movimentos, como o ambientalista). Entre os aspectos que caracterizaram a
“onguização” estão: uma tendência a substituir os movimentos tradicionais na
interlocução com o Estado por demandas e promoção de direitos, o relegar o trabalho
de mobilização e de conscientização junto as mulheres de classe populares e a
21
crescente apropriação de recursos das agências bilaterais, multilaterais e de
fundações privadas orientadas tanto para a promoção desses direitos como
principalmente para o provimento de serviços públicos que antes eram de
responsabilidade dos governos. Também se manifestou a crescente articulação ou
formação de redes que ligaram militantes individuais, grupos, ONGs especializadas e
movimentos não só em cada país, mas, sobretudo, em nível regional e global.
Propiciou-se, assim, a transnacionalização dos discursos e das práticas (Alvarez, 2000:
385). Finalmente, a escolha da primeira presidente mulher e um ministério com alto
grau de presença feminina no Chile apontaram para a importância das mulheres
enquanto referência dos processos de democratização. Porém, esta importância não
se expressaria ainda da mesma forma na institucionalidade política em geral, nem nas
estruturas de poder, e muito menos em igualdade de oportunidades em nível de
trabalho e renda no âmbito regional (Grzybowski, 2003: 46-47).
O movimento ambientalista que se desenvolveu principalmente a partir do
processo de democratização lutou pela promoção da sustentabilidade e de justiça
ambiental. Tendo a Conferência Eco-92 no Rio de Janeiro como um marco, através do
debate público, de mobilizações e de campanhas e ações que visavam impacto na
mídia, um conjunto diverso de movimentos sociais, associações e organizações não
governamentais nacionais e internacionais tentou a transformação da preocupação
com o bem comum representado pelo patrimônio natural em um valor a ser
perseguido por todos os grupos e setores da sociedade. A questão ambiental também
contribuiu na conformação e no reconhecimento público de diversos movimentos e
lutas, como o das comunidades indígenas, das populações extrativistas afetadas pelo
desmatamento das florestas, dos grupos expulsos por barragens de hidrelétricas no
Brasil, ou contra a privatização de águas em Cochabamba, na Bolívia (Grzybowski,
2003: 47). Ao mesmo tempo cresceu a atuação de ONGs nacionais e internacionais na
região propiciando, através da profissionalização e especialização, a reprodução do
fenômeno de “onguização” do movimento ambientalista, de forma equivalente ao
feminismo.
Finalmente, no início do século XXI, a grande maioria dos movimentos sociais e
atores da sociedade civil dos países latino-americanos - assim como representantes
de outros continentes - que questionavam a ordem neoliberal vieram a participar de
uma nova política de coalizões e redes reais e virtuais através do processo do Fórum
Social Mundial. Isto é, uma articulação muito flexível de coalizões, campanhas, ONGs e
redes de movimentos transnacionais, nacionais e locais, com múltiplas prioridades,
unidas em sua crítica à ordem neoliberal ante as múltiplas desigualdades (como as de
região, nação, classe, raça, etnia, gênero e geração) por ela incentivadas. O Fórum
propiciou não só os eventos mundiais levados a cabo a partir de 2001 em Porto Alegre
mas também os fóruns temáticos, regionais e nacionais a eles associados enquanto um
processo político e social. Este processo, que envolveu centenas de milhares de
pessoas, recuperou por sua vez o legado de diversas ondas de mobilização da tradição
libertária como as mobilizações de 1968, as revoltas contra o FMI no final dos anos
1970 e durante a década de 1980, as mobilizações contra o ajuste estrutural nos anos
1990 e a revolta dos zapatistas em Chiapas (Delgado e Romano, 2005: 264-265).
22
O legado do Fórum Social Mundial é ter possibilitado um espaço de tradução da
diversidade de agendas, demandas e experiências de luta dos movimentos sociais e
das redes contra a globalização neoliberal. Com ele, foram criadas oportunidades
para um esforço político coletivo de compreensão das diferentes lutas através do
diálogo entre distintos atores com visões, características e propósitos diversos, sem
que fosse necessária a imposição de uma mesma “língua” (Delgado e Romano, 2005:
292-293). Com “um outro mundo é possível” e enquanto um “laboratório vivo” da
cidadania mundial, o FSM propiciou o repensar a própria política e a
institucionalidade democrática, vindo somar-se nos questionamentos que os atores da
sociedade civil em cada país manifestavam sobre as formas restritas de democrática e
cidadania vigentes.
Por último – e apesar do caráter sucinto e incompleto deste mapeamento cabe destacar três aspectos que apontam para a heterogeneidade, as disputas e a
dinâmica política dos atores da sociedade civil no processo de democratização na
região.
Primeiro, a sociedade civil dos processos de transição e consolidação
democrática não era a mesma sociedade civil que vivenciou a instalação dos regimes
autoritários durante as décadas de 1960 e 1970. Apesar das continuidades, ela se
reconformou, aumentando significativamente a fragmentação e multiplicidade de
interesses, práticas e visões. Esta fragmentação se acentuou nas últimas décadas, fruto
tanto das transformações econômicas e sociais mais gerais que também se
vivenciaram em nível mundial, como também das características dos próprios
processos políticos e sociais que envolveram a transição e a consolidação da
democracia nos diferentes países da região.
Segundo, atores da sociedade civil, em particular os movimentos sociais,
durante a democratização desempenharam um papel ativo na disputa pela
ressignificação das práticas democráticas, estando inseridos em processos que
visavam a ampliação do político pela transformação de práticas dominantes, pelo
aumento da cidadania e pela inserção na política de atores sociais excluídos nos
processos eleitorais, na participação e controle dos processos de decisão e no acesso
às políticas públicas (Santos e Avritzer, 2002: 53-54). A “luta por direitos”, e em
particular a luta pelo reconhecimento dos “invisíveis” enquanto novos atores e
cidadãos plenos com o alargamento da polis democrática, não foi só uma pressão
sobre o Estado mas também uma luta contra os interesses das elites já inclusas. Esta
elites utilizaram os instrumentos legais e privados - como o poder da mídia disponíveis para impedir esse alargamento. Ou seja, a disputa pelo reconhecimento e
a ressignificação das práticas democráticas reafirmou e fez visível a heterogeneidade
e diversidade de interesses e conflitos existentes na própria sociedade civil.
Terceiro, a conquista e manutenção da autonomia pelos atores da sociedade
civil foi um processo diverso, não linear e marcado por avanços e retrocessos. Num
contexto de aumento da desigualdade, de persistência da pobreza, de crise econômica
– que em vários países atingiu também as classes médias – e de força dos poderes de
fato, o enfraquecimento do Estado propiciado pela onda de reformas neoliberais não
23
implicou em reduções significativas do seu poder de cooptação. Pelo contrário, este
poder do Estado aumentou, por exemplo, através de programas governamentais
emergenciais ou assistencialistas. Ao mesmo tempo, apesar da perda de legitimidade
dos partidos, continuou a reprodução de suas práticas clientelistas em relação aos
velhos e novos atores da sociedade civil. O crescente poder econômico dos grandes
grupos empresariais e os processos de privatização dos serviços estatais também
reproduziram o risco de cooptação – e, em alguns casos, de corrupção - de atores da
sociedade civil, como as ONGs, por estas grandes corporações. A oligopolização
privada dos meios de comunicação de massas afetou o reconhecimento de novos
sujeitos sociais, criminalizando em vários casos as lutas e movimentos dos
“invisíveis”. Os poderes ilegais, em particular o narcotráfico e os para-militares,
através da violência, ameaça, corrupção ou cooptação, colocaram em risco a
autonomia e – em vários casos – a sobrevivência de organizações de base e outros
atores da sociedade civil. Por sua vez, as agências de cooperação internacional, as
novas formas de filantropia e algumas práticas das próprias ONGs – como o
substituismo - se apresentaram como fatores de risco da autonomia de outros atores
da sociedade civil. Num sentido oposto, por exemplo, os espaços de tradução,
intercâmbio, articulação e formação de redes, abertos por processos como o do Fórum
Social Mundial, criaram oportunidades de fortalecimento e construção de autonomia
dos movimentos sociais e de outros atores da sociedade civil.
4. Depois das transições
No início do novo século, as questões referentes à transição e à consolidação vêm
sendo desdobradas paulatinamente em novas preocupações teóricas e políticas que
apontam para a ressignificação das práticas e as questões de coexistência pacífica ou
conflituosa de diferentes modelos de democracia. Por um lado, as questões sobre as
tensões entre reprodução da institucionalidade formal e crise de legitimidade da
democracia. Por outro, os problemas em torno da ampliação dos espaços públicos17, a
articulação de formas de democracia representativa e participativa, a
heterogeneidade da sociedade civil e do Estado e a diversidade de projetos políticos
em disputa.
Assim, para finalizar, caberia destacar quatro aspectos dos processos de
democratização em curso na região depois das transições. O primeiro é a consolidação
17
O espaço público permite aos indivíduos problematizar “em público” uma condição de desigualdade na
vida privada. Isto é, lhes permite questionar a sua exclusão de arranjos políticos através de uma deliberação
ampla. A condição de publicidade pode gerar uma nova gramática societária (Santos e Avritzer, 2002: 52-53).
O público se distingue do estatal, passando a ser considerado como um espaço da sociedade. De uma
perspectiva de democracia participativa, os espaços públicos poderiam ser considerados como instâncias
deliberativas que permitem o reconhecimento e a voz a novos atores, caracterizados pela pluralidade social e
política, sem estar monopolizados por algum ator social ou político ou pelo próprio Estado, havendo uma
tendência à igualdade de recursos em termos de informação, conhecimento e poder, e onde se visibiliza o
conflito e se oferecem condições para sua resolução levando em conta os interesses e opiniões na sua
diversidade (Dagnino et alli, 2006:23-24). Enquanto nos espaços públicos fracos, só se leva a cabo a
deliberação, nos “fortes” a deliberação se acopla à decisão. Na construção da democracia, a prática da
deliberação tende a ampliar a esfera política, criando novas formas de relação entre a sociedade civil, a
sociedade política e o Estado (Dagnino et alli, 2006:24-25)
24
da democracia eleitoral que se manifesta na América Latina, apesar das diferenças em
termos de debilidade institucional (veja-se as crises políticas nacionais por que
passaram Peru, Equador, Bolívia e Venezuela) (Dagnino et alli, 2006: 12). Ao longo do
trabalho fizemos várias referências à consolidação da democracia eleitoral nos
diferentes países. Aqui gostaríamos de ressaltar a importância que assume per se a
continuidade da democracia eleitoral numa região onde a democracia tem sido tão
reiteradamente “consagrada nas instituições e destruída na prática”. Também cabe
destacar o potencial de uso dos direitos políticos que a continuidade da democracia
eleitoral garante como alavanca na construção de uma “democracia de cidadania” e
na ampliação do “experimentalismo democrático”.
O segundo aspecto, numa orientação diferente, diz respeito ao descrédito
manifestado pela população sobre a efetividade do tipo de democracia praticado na
região em termos de justiça social, eficácia governamental e inclusão política, como
constata o estudo do PNUD de 2004 sobre a situação da democracia na América
Latina, particularmente, a sua falta de capacidade na promoção do reconhecimento
político de grandes massas de população através do acesso das mesmas a políticas
públicas que lhes propiciassem maior eqüidade e melhores condições de vida.
Existem leituras que visualizam neste descrédito uma nova crise da democracia na
região, até com riscos – ainda que não atualmente presentes - de golpes militares. A
democracia aparentaria perder vitalidade: se desconfia de sua capacidade de
melhorar as condições de vida enfrentando os processos que geram crescente
desigualdade e pobreza; os partidos políticos apresentariam um baixo nível de estima
pública e muitos Estados estariam enfraquecidos e deslegitimados (PNUD, 2004: 36).
Porém, outras leituras têm um olhar diferente sobre essa crise da democracia. Por
exemplo, para a ALOP (a associação que congrega as ONGs latino-americanas de
promoção da cidadania) a democracia estaria sendo revitalizada. A América Latina se
apresentaria como um dos locais no cenário internacional onde mais claramente os
sentidos da democracia estariam em disputa (ALOP, 2006: 13). Haveria uma disputa
entre projetos políticos que, usando muitas vezes os mesmos conceitos e apelando a
discursos parecidos, são, de fato, diferentes. O questionamento às instituições
democráticas feito pelas mobilizações sociais seria mais uma rejeição à forma
predominante de democracia “de elites”, de cima para baixo, que a conjunção de
projetos neoliberais e autoritários propiciou. As experiências de democratização na
região apontam para a construção de uma nova agenda a partir tanto da emergência,
em vários países, de um campo político popular, da ampliação dos espaços públicos e
de experiências de democracia participativa, como também da eleição de uma série de
governos “progressistas” ou de “esquerda”. A construção desse campo se daria através
da articulação e mobilização em nível nacional de um conjunto de atores da sociedade
civil – organizações de base, ONGs, e movimentos sociais - com uma trajetória de
mais de trinta anos de prática social e política na luta pela democratização do Estado e
da sociedade, e que também apresenta sinais de articulação regional (ALOP, 2006:
13).
O terceiro aspecto diz respeito especificamente a diversos experimentos de
aprofundamento e inovação democrática através da ampliação dos espaços públicos
25
que colocam em disputa a ressignificação da idéia mesma de democracia (Dagnino et
alli, 2006: 13). Por um lado, através da recolocação no debate democrático das
relações entre procedimentos e participação social e a complementaridade entre
democracia representativa e participativa. Por outro, com a recolocação do problema
dos limites da representação política tradicional ante a diversidade cultural e social
crescente (Santos, 2005: 54-55). As lutas pela democratização da democracia, por
socializar o poder e articular formas representativas e participativas de democracia
que se estão manifestando em alguns dos países da região (por exemplo, Brasil,
Uruguai ou Venezuela) são inovações cuja viabilidade ainda está em processo de
comprovação. No nível local, há alguns anos vêm sendo implementadas experiências
de descentralização e de democratização da gestão pública, como no caso dos
orçamentos participativos onde os cidadãos têm a opção de participar diretamente
nas decisões sobre o uso dos recursos públicos. No plano nacional, Constituições como
a do Brasil e a da Venezuela introduziram dispositivos que promovem e legitimam a
participação direta dos cidadãos em questões de interesse público. Porém, na prática,
os governos tenderam a esvaziar o componente fundamental de democratização das
decisões nas instâncias de participação.
O quarto aspecto corresponderia ao crescimento de orientações políticas de
esquerda no novo mapa político regional que se manifesta numa onda eleitoral de
“governos progressistas” (com todas as restrições que hoje se colocam a noções como
“esquerda” ou “progressista”). Nesse mapa se identificam quatro principais
orientações políticas: a modernização conservadora, o reformismo pragmático, o
reformismo nacional popular e neodesenvolvimentismo indigenista (Calderón, 2007:
13). À exceção da modernização conservadora – que seria representada pelos
governos Uribe na Colômbia, Garcia no Peru e Calderón no México, assim como pela
grande maioria dos atuais governos da América Central - as outras orientações
políticas fariam parte grosso modo desta onda progressista. O reformismo pragmático
seria predominante nos governos de Lula, no Brasil; Bachelet, no Chile e Vazquez, no
Uruguai; o reformismo nacional popular no governo Chavez, na Venezuela; e
neodesenvolvimentismo indigenista com Morales, na Bolívia. No caso de Kichrner na
Argentina e Ortega na Nicarágua haveria uma oscilação entre o reformismo
pragmático e o nacional popular. E no governo Correa no Equador, entre o
reformismo nacional popular e o neodesenvolvimentismo indigenista18.
Em linhas gerais, os governos progressistas reintroduzem na agenda nacional e
latino-americana a defesa dos interesses nacionais e de uma integração regional
autônoma; a retomada do controle sobre os recursos naturais; a reavaliação da dívida
externa; a ampliação dos espaços públicos e do experimentalismo democrático; e o
fortalecimento do Estado enquanto local onde se deve inscrever e fazer valer os
direitos de cidadania, garantindo para a população não só um leque de direitos civis e
políticos mas um conjunto cada vez mais abrangente de direitos sociais, econômicos,
ambientais e culturais (ALOP, 2006: 13).
18
Cabe destacar que tanto no México como no Peru, apesar de não ter conseguido vencer nas eleições, as
orientações políticas “progressistas” obtiveram amplo apoio popular. E nas próximas eleições a serem
realizadas no Paraguai e na Guatemala também essas orientações vêm apresentando bons índices de intenção
de voto.
26
Este crescimento das orientações progressistas apontaria para uma mudança no
comportamento das maiorias, reforçando o voto como instrumento de renovação.
Com efeito, as transformações estão se dando dentro das regras da democracia
eleitoral. A utilização do voto como instrumento de democratização também se
manifestou nos referendos, como no caso da Colômbia em 2004 quando se rejeitaram
os processos de ajuste fiscal e os planos do FMI; ou na Bolívia para defender os
recursos naturais; ou no Uruguai, para garantir a água como bem público; ou no
referendo revocatório da Venezuela, onde a grande maioria garantiu a continuidade
do governo Chávez. Além de mudar o mapa político na região, estes processos
eleitorais expressam uma interação maior entre movimentos sociais, partidos
políticos e governantes recém-eleitos que, ao favorecer o alinhamento de perspectivas
e interesses, abririam oportunidades para a construção tanto de uma nova cultura
política como de uma nova governabilidade democrática (ALOP, 2006: 15).
Assim, desde a crise da Argentina – onde a palavra de ordem das mobilizações era
“que se vayan todos” manifestando uma rejeição não só aos governantes ou aos
partidos, mas a um estilo de fazer política e de governar – até a eleição de Morales na
Bolívia – que tem como um dos seus pilares a reivindicação dos direitos das
populações indígenas – o que se pode ler seria uma rejeição não da democracia, mas
da forma predominante de democracia “de elite” com o seu estilo excludente de fazer
política (ALOP, 2006:14).
Finalmente, a riqueza e a pluralidade dos processos de democratização que estão
acontecendo na região desqualificam qualquer intento simplificador, permitindo
sempre múltiplas interpretações. Assim, como vimos, alguns visualizam como sinais
da inviabilidade da democracia na região o descrédito da população na efetividade da
democracia em resolver problemas de justiça e inclusão social. Esta inviabilidade
implicaria no crescente risco de instabilidade dos governos eleitos e até no possível
retorno a soluções autoritárias. Outros, mais radicais ainda, considerando as novas
configurações de poder na fase atual do capitalismo, a marginalidade do peso
econômico da região no cenário mundial, os conflitos crescentes, a violência e a falta
de seguridade social, apontam para um cenário de desintegração social e até de
questionamento de alguns dos Estados nacionais.
Por fim, como estávamos ressaltando, há interpretações que identificam a América
Latina como uma das regiões onde se estão travando com maior intensidade disputas
pela ampliação constante da pólis, pela ressignificação das práticas democráticas e
pela criação de novas gramáticas sociais.
Nessas disputas visualizam-se
possibilidades de revitalização da democracia a partir da organização e da capacidade
de incidência dos atores da sociedade civil, assim como da sua rearticulação com os
setores da sociedade política, que estariam propiciando a superação das práticas e dos
estilos autoritários e elitistas de fazer política. A constituição de um campo político
popular, a ampliação dos espaços públicos e do experimentalismo democrático e
também o crescimento das orientações políticas progressistas com os novos governos
de esquerda seriam sinais dessa revitalização da democracia.
27
O debate e a crítica estão em aberto. A América Latina encontra-se num turningpoint no qual as relações entre institucionalidade política, igualdade e eqüidade são
fundamentais para a consolidação democrática (Calderón, 2007: 2). A resolução dos
problemas político-institucionais na região dependerá, em grande medida, de como
venha a dar-se conta dessas relações garantindo o reconhecimento e a participação
política dos “invisíveis” numa constante construção e renovação de uma democracia
da cidadania.
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