Nº PARECER Nº 3343/09 – AF MANDADO DE SEGURANÇA N.º

Transcrição

Nº PARECER Nº 3343/09 – AF MANDADO DE SEGURANÇA N.º
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
Gabinete do Subprocurador-Geral da República Dr. Antonio Fonseca
E-mail: [email protected]
Nº
PARECER Nº 3343/09 – AF
MANDADO DE SEGURANÇA N.º 14041/DF – PRIMEIRA SEÇÃO
IMPETRANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA
RELATOR
: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL.
PROGRAMAÇÃO
AUDIOVISUAL.
CLASSIFICAÇÃO
INDICATIVA.
HORÁRIO DE VERÃO. FUSO HORÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.
1 – Ausente prejuízo à defesa e assegurado o contraditório aos impetrados, é
possível a emenda à inicial, para a adequação do pedido aos fatos atuais e
diante da sazonabilidade do horário de verão.
2 – A provável reiteração do descumprimento ao parágrafo único do artigo
19 da Portaria MJ n.º 1.220/06, com a renovação do horário de verão,
habilita o conhecimento do mandamus como preventivo, que objetiva evitar
lesão futura à coletividade de crianças e adolescentes. Precedentes do STJ.
3 – Alegações genéricas acerca da dificuldade do cumprimento da
classificação indicativa de obras audiovisuais durante o horário de verão não
autorizam o desrespeito à Portaria do Ministério da Justiça n.º 1.220/07,
que reflete a preocupação constitucional de que a produção e a programação
das emissoras de rádio e televisão atendam aos princípios, dentre outros, do
respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (CF, art. 221, IV)
e da proteção integral dos direitos inerentes à criança e ao adolescente, em
obséquio à sua dignidade e acesso à informação indispensável ao seu
desenvolvimento psicológico e social de forma saudável (CF, art. 227; ECA,
art. 76).
4 – O direito da criança e do adolescente à dignidade é público e subjetivo,
a salvo de toda forma de negligência, exploração, violência ou opressão
(CF, art. 227). Esse direito restringe e se sobrepõe à liberdade de
comunicação (CF, art. 221). A lei (ECA, art. 76) e o regulamento (Port.
1.220/07) apenas projetam essa estrutura jurídica fundamental. O
constituinte e o legislador ordinário não podiam ser mais claros. Essa
preocupação abriga valores universais (vide Blumler, Jay G. Television and
the public interest: Vulnerable values in West European broadcasting) que
não podem ser malbaratados por acerto precário (Ofício Abert 65/2008 e
Aviso 1616-MG/MJ).
5 - Parecer pela concessão da ordem.
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Mandado de Segurança nº 14.041/DF
2
Excelentíssimo Senhor Ministro Relator,
Mandado de segurança (fls. 02/14), processado sem
liminar,
em
face
de
decisão
do
Senhor
Ministro
de
Estado da Justiça (Aviso nº 1616/MG-MJ, de 14/10/2008).
O
órgão
impetrante
busca
cancelar
a
dispensa
da
observância pelas emissoras de rádio e televisão dos
diferentes
classificação
todos
fusos
indicativa
os Estados
único),
horários
direito
dos
na
programas
(Port. 1.220/MJ,
público
vinculação
exibidos
art. 19
indisponível
da
da
em
parágrafo
coletividade
das crianças e adolescentes.
A impetração sustenta, em síntese (fls. 10-13):
a) a proteção integral dos direitos inerentes à
criança e ao adolescente, como sua dignidade e
convivência familiar sadia, isto é, o acesso à
informação
indispensável
ao
desenvolvimento
psicológico e social de forma saudável;
b) o Aviso nº 1616 (f. 20) do Ministro da Justiça
permitiu que no horário de verão de 2008 a
programação vista pelas crianças e adolescentes
no Sul, Sudeste e Brasília às 19:30 horas fosse
vista pelas crianças e adolescentes dos estados
do Norte, Roraima, Rondônia, Acre e Amazonas às
17:30 horas;
c) nos seguintes estados do Centro-Oeste, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, por adotarem o
horário de verão, a exibição do mesmo programa
ocorreu às 18:30 horas;
d) nos
seguintes
estados
nordestinos,
Bahia,
Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Ceará, Maranhão e Piauí, a
programação das 19:30 horas também fosse vista
às 18:30 horas;
e) é dever
das emissoras
exibir no
horário
recomendado
para
o
público
infanto-juvenil
programas
com
finalidades
educativas,
artísticas, culturais e informativas (ECA, art.
76);
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f) cerca de 26 milhões de crianças e adolescentes,
residentes nos estados em que não vigora o
horário de verão, ou com fuso horário diferente
em uma, duas ou três horas do horário de
Brasília, ficam expostas a cenas de sexo e de
violência em desacordo com a legislação e o
regulamento (ECA, artigos 74 e 76, e artigos 17
e 19 da Portaria 1.220/2007 da pasta da
Justiça).
Ao tempo da impetração vigia o horário de verão.
Por isso, o impetrante formulou pedido no sentido de
(fl. 14):
a) imediata suspensão da permissão às emissoras
para exibir sua programação sem observância da
classificação indicativa;
b) anulação da permissão precária (Aviso n.º
1616/MJ), mesmo na vigência do horário de verão,
dada em desconformidade com a lei e o regulamento
(art. 19 da Port. 1220/MJ).
Informações
77/95)
e
da
da
Advocacia-Geral
Consultoria
Jurídica
da
do
União
(fls.
Ministério
da
Justiça (fls. 101/115).
Emenda
iminente
da
término
inicial,
do
fls.
horário
126/129.
de
verão
Diante
do
do
período
2008/2009, o Parquet apresentou emenda à inicial para
que:
a) seja declarada a legalidade do artigo
parágrafo único, da Portaria n.º 1220/MJ;
19,
b) o Poder público, através do Ministério da
Justiça,
exija,
em
caráter
permanente,
das
emissoras de rádio e televisão, durante o horário
de verão, a estrita observância dos diferentes
fusos horários na vinculação da classificação
indicativa dos programas, inclusive.
A
Rádio
ABERT
e
—Associação
Televisão—
Brasileira
respondeu
à
de
Emissoras
de
emenda
alegando,
em
apertada síntese:
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inexatidão do ato apontado como coator, uma vez
que
o
impetrante
se
desincumbiu
de
individualizar o ato vergastado, limitando-se a
colacionar nos autos a notícia de que a
autoridade coatora teria proferido “decisão
suspendendo parcialmente a citada resolução até
o final deste ano, conforme informou ao MPF
pelo Aviso n.º 1616/GM-MJ” (fl. 144);
ii. perda do objeto, posto que “a denominada hora
de verão que teve início em 18 de outubro de
2008 vigeu apenas até o dia 15 de fevereiro
último, portanto, ainda que ilegal (o que não
foi), a decisão vergastada pelo presente
mandado
de
segurança
está
completamente
exaurida” (fl. 146);
iii.impossibilidade de alteração do pedido, uma
vez que esta só pode ser efetivada até o
aperfeiçoamento da relação processual;
iv.legalidade do ato.
i.
A Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça
prestou a informação de que, diante do novo pedido, já
não se vislumbrava a ocorrência de ato concreto emanado
de
autoridade
que
pudesse
ser
atacado
pela
via
do
referente
ao
mandado de segurança.
OPINIÃO
A impetração prospera.
Caráter preventivo da impetração - Viabilidade
Ao
término
período
de
emendou
a
do
horário
2008/2009,
inicial
o
para
de
verão
Representante
“obrigar
o
do
poder
Parquet
público,
através do Ministério da Justiça, a exigir, em caráter
permanente,
das
emissoras
de
rádio
e
televisão
a
estrita observância dos diferentes fusos horários na
vinculação
da
classificação
indicativa
dos
programas
exibidos no rádio e na televisão, inclusive durante o
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horário
de
verão
previsto
no
Decreto
5
n.º 6558/2008”
(fl. 129).
Registre-se que foi feito contato com o Sr. Davi
Ulisses Brasil Simões Pires, Diretor do Departamento de
Justiça,
Classificação,
Títulos
e
Qualificação,
do
Ministério da Justiça, para que fornecesse o inteiro
teor da decisão do Ministro da Justiça em resposta a
requerimento
formulado
pela
ABERT
–
Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão.
O funcionário enviou o Ofício da ABERT que busca
pronunciamento sobre a questão, verbis:
7. Não obstante todo o acima exposto, forçoso é o pronunciamento de V. Exa. sobre
a matéria, a fim de conferir maior segurança jurídica à aplicação da citada Portaria
1.220/07. Assim, serve a presente para solicitar a V. Exa. que confirme que as
disposições do parágrafo único do artigo 19 da Portaria 1.220,, de 11 de julho de
2007 são aplicáveis apenas ao fuso horário local, independente da hora de verão.
O
Sr.
Ministro
n.º 1616/GM-MJ
ao
da
Justiça
Exmo.
Sr.
encaminhou
o
Aviso
Procurador-Geral
da
República para comunicar, no essencial:
(…) tenho a informar que entendi conveniente fazer valer por mais este ano
o entendimento de não se aplicar à hora de verão a vinculação da classificação
indicativa ao horário de exibição da programação televisiva.
Informo que a referida decisão levou em conta argumentação da
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, em face da
sazonalidade da hora de verão, das graves dificuldades de implementação e de
prováveis conseqüências danosas às economias regionais.
Duas
circunstâncias
dão
ao
presente
mandado
de
segurança caráter preventivo: o inevitável retorno do
horário de verão e os teores do requerimento e do Aviso
n.º 1616/GM-MJ, que sugerem a provável reiteração dos
mesmos
atos,
parágrafo
com
único
o
do
consequente
descumprimento
artigo
da
19
Portaria
ao
n.º
1.220/2007. É induvidoso o temor de que a lesão volte a
acontecer.
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Nesse sentido, afirma o ministro Luiz Fux:
O mandado de segurança que objetiva evitar eventual atuação do fisco no que
pertine à exigibilidade de tributo, revela feição eminentemente preventiva, posto
que não se volta contra lesão de direito já concretizada, razão pela qual não se
aplica o prazo decadencial de 120 dias previsto no art.18, da Lei 1.533/51
(Precedentes jurisprudenciais desta Corte: EREsp n.º 512.006/MG, Rel. Min.
Teori Albino Zavascki, DJU de DJU de 17/09/2004; REsp n.º 291.720/ES, Rel.
Min. Denise Arruda, DJU de 04/08/2004; AgRg no AG n.º 491.591/TO, Rel. Min.
José Delgado, DJU de 17/05/2004; e AgRg no AG n.º 563.305/RJ, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJU de
03/05/2004). (excerto da ementa do AgRg no Resp 911778/RN, 1ª Turma, DJ
24/4/2008)
A emenda da inicial, ademais, em nada prejudica a
defesa dos litisconsortes.
Classificação Indicativa
Quanto à classificação indicativa para a exibição
de programas, a Constituição Federal estabelece:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto nesta Constituição.
(...)
§ 3º - Compete à lei federal:
I - - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar
sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários
em que sua apresentação se mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de
se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem
o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços
que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
.....................................................
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão
aos seguintes princípios:
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
O Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua:
Art. 74. O poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e
espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não
se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.
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Parágrafo único. Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deverão
afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação
destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado
de classificação.
E prevê, entre as infrações administrativas:
Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso
do autorizado ou sem aviso de sua classificação:
Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de
reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação
da emissora por até dois dias.
A Portaria MJ n.º 1.220/2007 estabelece:
Art. 19. A vinculação entre categorias de classificação e faixas horárias de exibição,
estabelecida por força da Lei nº 8.069, de 1990, dar-se-á nos termos seguintes:
I – obra audiovisual classificada de acordo com os incisos I e II do artigo 17:
exibição em qualquer horário;
II – obra audiovisual classificada como não recomendada para menores de 12
(doze) anos: inadequada para exibição antes das 20 (vinte) horas;
III – obra audiovisual classificada como não recomendada para menores de 14
(catorze)
anos: inadequada para exibição antes das 21 (vinte e uma) horas;
IV – obras audiovisual classificada como não recomendada para menores de 16
(dezesseis) anos: inadequada para exibição antes das 22 (vinte e duas) horas; e
V – obras audiovisual classificada como não recomendada para menores de 18
(dezoito)
anos: inadequada para exibição antes das 23 (vinte e três) horas.
Parágrafo único. A vinculação entre categorias de classificação e faixas horárias de
exibição implica a observância dos diferentes fusos horários vigentes no país.
A metodologia aplicada pelo Ministério da Justiça
para a classificação das obras se concentra em três
fases de trabalho, tendo sempre em vista a análise do
grau
de
conteúdos
relacionados
a
sexo,
drogas
e
violência:
1ª Fase: Descrição fática de cenas da obra, com
análise
do
perfil
relacionamentos,
ações
das
e
personagens
condutas
e
de
seus
contracenadas,
os
efeitos sonoros e visuais contemplados, o grau de nudez
nas relações sexuais, os instrumentos utilizados pelas
personagens nas cenas de violência e o tipo de droga
abordada na obra;
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2ª Fase: Descrição temática, levando-se em conta o
contexto,
os
elementos
que
podem
levantar
temáticas
relacionadas à discriminação racial e de gênero, defesa
dos direitos da criança e do adolescente, direitos do
idoso e liberdade de expressão. Avaliação da forma em
que
estão
expressos,
na
obra,
os
princípios
constitucionais que regem a comunicação social no nosso
país.
De
acordo
emissoras
devem
com
dar
a
Constituição,
preferência
produtores
a
e
finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas, bem
como respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e
da família;
3ª Fase: Gradação. Reúne as compreensões traçadas
nas duas etapas anteriores e inclui a obra em uma das
seis
faixas citadas
na Portaria
n.º 1.220/2007.
São
elas:
-
Livre - para todo público
Não recomendada para menores
Não recomendada para menores
Não recomendada para menores
Não recomendada para menores
Não recomendada para menores
de
de
de
de
de
10
12
14
16
18
anos
anos
anos
anos
anos
Horário de verão
De outro lado, o Decreto n.º 6.558/2008 instituiu
a
hora
de
verão
em
parte
do
território
nacional,
dispondo:
Art. 1o Fica instituída a hora de verão, a partir de zero hora do terceiro domingo do
mês de outubro de cada ano, até zero hora do terceiro domingo do mês de fevereiro
do ano subseqüente, em parte do território nacional, adiantada em sessenta minutos
em relação à hora legal.
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Parágrafo único. No ano em que houver coincidência entre o domingo previsto para
o término da hora de verão e o domingo de carnaval, o encerramento da hora de
verão dar-se-á no domingo seguinte.
Art. 2o A hora de verão vigorará nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal.
O horário de verão, em síntese, é a alteração do
horário
de uma
região, designado
apenas durante
uma
porção do ano, adiantando-se em geral uma hora no fuso
horário
oficial
local,
com
o
intuito
de
promover
economia de energia elétrica com o aproveitamento da
luz natural dos dias mais longos nas estações de verão
e primavera.
O risco de exposição da coletividade infanto-juvenil e
de dificuldade de acesso à informação educativa e
cultural adequadas
A simples alegação da ABERT de que a alteração dos
horários
de
obrigaria
programação
as
durante
radiodifusoras
investimentos
não
é
o
horário
a
fazer
justificativa
de
verão
vultosos
apta
ao
descumprimento do disposto no parágrafo único do art.
19 da Portaria n.º 1.220/07. As emissoras costumam ter
uma programação nacional e outra local; portanto já são
experientes
para
atuar
nesse
sentido,
no
cotidiano.
Adaptar-se às diferenças faz parte do negócio (produção
e comércio de informação). Ainda que não o fosse, o
custo do negócio não justifica sacrificar os valores
vulneráveis da criança e do adolescente.
O
desrespeito
informação
e
a
da
norma
liberdade
de
dificulta
escolha,
o
acesso
como
à
também
infringe normas de proteção à criança e ao adolescente.
Dentre alguns pontos, destacam-se:
 Crianças
e
adolescentes
são
pessoas
em
desenvolvimento e necessitam de ajuda tanto para
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selecionar quanto para compreender aquilo a que
assistem;
 O jovem brasileiro passa em torno de 3 a 4 horas
diárias em frente da TV;
 Estudos indicam que as crianças tendem a imitar o
que veem e não distinguem ficção de realidade;
 Ao tomar nota da classificação, os pais podem
decidir se a programação é adequada ao seu filho.
No
porquê
caso,
e
a
como
investimentos
ABERT
o
de
descurou-se
horário
de
grandes
de
verão
cifras,
demonstrar
implicaria
com
o
em
possíveis
interrupções de transmissão em rede. Desta feita, meras
alegações
não
são
aptas
a
ensejar
o
desrespeito
à
vinculação entre categorias de classificação e faixas
horárias de exibição.
Valores vulneráveis e acerto precário
No capítulo Da Família, da Criança, do Adolescente
e do Idoso (CF, artigos 226 e seguintes) o constituinte
estabeleceu os direitos desses segmentos da sociedade.
No capítulo Da Comunicação Social (CF, artigos 220 e
seguintes) o constituinte estabeleceu a liberdade de
comunicação e de expressão. Mas esses postulados são
limitados
ou
sobrepostos
por
aqueles,
atinentes
à
proteção da criança e do adolescente. Infeliz da nação
que não sabe protegê-los ou negligencia a sua proteção
em nome do lucro.
A proteção constitucional, reduzida no plano de
legislação
ordinária,
reflete
uma
preocupação
universal:
European recognition of children as potentially vulnerable viewers presumes the
validity of three related values: respect for their developing educative needs;
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fairness in the sense of not exposing them to sophisticated advertising messages
before they have developed a protective awareness of persuasion; and avoidance of
exposure to overly adult fare1.
Crianças
e
adolescentes
são
consumidores
vulneráveis, e vulneráveis são os valores que orientam
a sua proteção. Uma das formas de compatibilizar essa
proteção com o negócio de comunicação é restringir a
programação a horários por faixa etárias, como se faz
na Europa e na América:
Children and young people are also television consumers and, specially among
problem groups, may tend to watch addictively. Broad agreement exists that the
likely socializing effects of television require special precautions, particularly in
the case of children and young people. The measures can be divided into two
groups, one negative, the other positive.
The negative measures take two forms. The first is of the absolute prohibition of
certain kinds of programming, a ban on such things as incitement to racial hatred
(a constraint applying also do adult audiences). The second reflects an attempt
to make the viewing of certain kinds of programmes difficult for children,
such as those portraying violence. One approach is through the so-called
family viewing (or 'watershed') policy which restricts such programmes to
times of day when children are less likely to be watching. Codes of practice
often exist, sometimes enshrined in statute (Germany), sometimes issued by
sypervisory bodies (United Kingdom), sometimes in the self-regulatory
documents of the broadcasting industry itself (the former NAB Codes in the
United States). Difficulties of definition occur again and, in countries where
freedom of communication is virtually absolute (the United States), the
proscriptions are milder than in countries (Germany and the United Kingdom)
where it is more natural to restrict freedom of communication in the interest of
other values2. (grifo meu)
1 “O reconhecimento europeu de que as crianças formam um público potencialmente vulnerável
presume a validade de três valores relacionados: o respeito pelas suas necessidades educacionais
em desenvolvimento; a adequação no sentido de não as expor à publicidade sofisticada antes que
tenham formado a capacidade de lidar com a persuasão; e proteção contra a programação
explicitamente adulta.” (BLUMLER, Jay G. “Vulnerable Values at Stake” in BLUMLER, J. G. (ed.)
Television and the Public Interest: vulnerable values in West European broadcasting. London: SAGE
Publications Ltd., 1992. pp. 37-38).
2 “Crianças e jovens também são consumidores de televisão e, em especial entre grupos
problemáticos, podem assistir a ela compulsivamente. Há amplo consenso de que os efeitos sociais
da televisão pedem cautela especial, em particular no caso de crianças e jovens. As medidas podem
ser divididas em dois grupos, um negativo, o outro positivo.
As medidas negativas tomam duas formas. A primeira é a proibição total de certos tipos de
programação, a vedação de certas coisas como o ódio racial (uma restrição também aplicável ao
público adulto). A segunda reflete uma tentativa de dificultar o acesso de crianças a certos
tipos de programas, como os que exibem violência. Uma abordagem é por meio dos
horários por faixas etárias, que restringem tais programas aos horários em que houver
menos chance de que crianças estejam vendo. Códigos de conduta existem com frequência, às
vezes inscritos na lei (Alemanha), às vezes emitidos por agências reguladoras (Reino Unido), às
vezes em documentos autorregulatórios das próprias emissoras (os antigos regulamentos da
Associação Nacional de Emissoras nos Estados Unidos). Mais uma vez as dificuldades de definição
ocorrem, e, em países em que a liberdade de comunicação é praticamente absoluta (Estados
Unidos), as vedações são mais leves que nos países (Alemanha e Reino Unido) em que é mais
natural a restrição da liberdade da comunicação no interesse de outros valores.” (HOFFMANN-RIEM,
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A
Abert
(Associação
Brasileira
de
Emissoras
12
de
Rádio e Televisão) enviou o Ofício 65/2008, de 6 de
outubro
de
2008
(texto
anexo).
No
expediente,
a
Associação contesta a imposição de faixas de horário
por
suposta
violação
da
liberdade
de
expressão3
e
formula consulta ao Sr. Secretário Nacional de Justiça.
Destaca-se do ofício:
Cabe ressaltar que a ABERT entende que a imposição de
faixa horárias para a exibição de programas segundo sua
classificação indicativa não encontra respaldo na
Constituição Federal, violando a liberdade de expressão
e o pátrio poder. O assunto, no entanto, aguarda
manifestação definitiva do Supremo Tribunal Federal,
motivo pelo qual tem grande relevância a consulta
formulada. (texto anexo)
A resposta veio através do Aviso nº 1616/GM-MJ,
assinado pelo Sr. Ministro da Justiça (f. 20).
Desprovido de fundamento, o Aviso é uma figura de
Direito Administrativo imprópria para a Administração
estabelecer
orientação
que
depende
de
interpretação
jurídica relevante. Entre vários significados, Cretella
Júnior esclarece:
Aviso é o ato por meio do qual o Secretário de Estado
transmite
ordens,
instruções
ou
esclarecimentos,
sobretudo aos chefes de serviço" (Carlos Maximiliano,
Comentários à Constituição de 1891, ed. de 1918,
pág. 537). "Os avisos não poderão versar sobre
interpretação de lei ou regulamento, cuja execução
estiver exclusivamente a cargo do Poder Judiciário"
(Lei n.º 23, de 30 de outubro de 1891, que reorganiza
os serviços da Administração Federal, art. 9º, §2º). No
direito administrativo brasileiro, aviso é a fórmula
mediante a qual os auxiliares do Chefe do Executivo
Wolfgang. “Defending vulnerable values: regulatory measures and enforcement dilemmas” in
BLUMLER, J. G. (ed.) Television and the Public Interest: vulnerable values in West European
broadcasting. London: SAGE Publications Ltd., 1992. p. 188)
3 No STF não há qualquer indicação de abono à posição da Abert, conforme recentes decisões (ADI
3927/DF, Min. Ellen Gracie, DJ 07.08.2007; AC 1267/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 09.11.2006;
ADI 2398/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 13.10.2006).
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Gabinete do Subprocurador-Geral da República Dr. Antonio Fonseca
Mandado de Segurança nº 14.041/DF
13
Federal e Estadual se comunicam entre si, como também
com outras autoridades categorizadas e de prestígio,
dentro da hierarquia administrativa. (CRETELLA JÚNIOR,
José.
Dicionário
de
Direito
Administrativo.
Ed.
Forense, 1978, pág. 103)
Como se vê, direitos constitucionais relevantes se
viram malbaratados por um acerto precário, em que o
titular da Pasta da Justiça atendeu o interesse dos
membros de uma associação empresarial.
CONCLUSÃO
O ofício Abert 65/2008 (anexo) e o Aviso 1616MG/MJ
são
observância
provas
do
concretas
direito
do
temor
fundamental
de
de
que
a
crianças
e
adolescentes (artigos 17 e 19 da Port. MJ 1.220/2007)
venha a ser relaxada, sobretudo naquelas localidades de
fusos horários diversos do de Brasília, e mais ainda no
período de horário de verão. Isso justifica o exame e
concessão do mandado de segurança preventivo.
Do exposto, o parecer é pela concessão da ordem.
Brasília, 24 de junho de 2009.
Antonio Fonseca
EMRB
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