1 Wrongful Conception, Wrongful Birth e Wrongful Life

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1 Wrongful Conception, Wrongful Birth e Wrongful Life
1
Wrongful Conception, Wrongful Birth e Wrongful Life: possibilidade de recepção de
novas modalidades de danos pelo ordenamento brasileiro.
Rafael Peteffi da Silva1
RESUMO: O artigo apresenta a atual configuração dos danos relacionados com as
categorias de Wrongful Conception, Wrongful Birth e Wrongful Life, entretecendo os
avanços registrados principalmente no Direito Norte-Americano e no Direito Francês.
Este estudo serve de base comparativa para a análise da assistemática jurisprudência
nacional, que trabalha principalmente com a responsabilidade civil decorrente de falhas
em procedimentos de vasectomia e laqueadura tubária, com vistas a perceber as
possibilidades de recepção dos modelos jurídicos estrangeiros, mormente no que
concerne à quantificação dos prejuízos patrimoniais e extrapatrimonias sofridos pelas
vítimas que trazem ao mundo crianças indesejadas.
PALAVRAS-CHAVE: Wrongful conception – Wrongful birth – Wrongful life –
vasectomia -reparação.
ABSTRACT: This article presents the current configuration of damage related to the
categories of Wrongful Conception, Wrongful Birth and Wrongful Life, entwining
progress made mainly by American law and French law. This study serves as the basis
for a comparative analysis of unsystematic jurisprudence, which deals mainly with civil
liability for flaws in the vasectomy and tubal ligation procedures, in order to incorporate
contributions from foreign legal models, especially with regard to the quantification of
patrimonial and extra-patrimonial damages suffered by victims who give birth to
unwanted children.
KEYWORDS: Wrongful conception. Wrongful birth. Wrongful life. Vasectomy.
Reparation.
SUMÁRIO: I-Introdução II- Novas tipologias de dano no direito estrangeiro
1.Wrongful Conception 2. Wrongful birth 3. Wrongful life III- Ordenamento Jurídico
Brasileiro e a possibilidade de recepção das novas formas de indenização IV- Análise
crítica da reparação por wrongful conception e uma proposta de quantificação racional
para este tipo de dano V- Considerações finais
I-Introdução
O mestre francês Jean Carbonnier costumava afirmar que o direito de reparação
de danos é a grande “vedete” do Direito Civil. Com efeito, o dinamismo com que novos
bens tuteláveis são desvelados pela sociedade moderna acaba por implicar,
inexoravelmente, discussões sobre os mecanismos mais adequados para reparar as
1
Rafael Peteffi da Silva, bacharel e mestre em Direito Civil pela UFRGS, Doutor em Direito pela USP,
Professor Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina, Professor da Escola da Magistratura
Catariense. Diretor Geral da ESA/SC.
2
lesões perpetradas a esses novos bens, gerando a ampliação constante do conceito de
dano indenizável2.
Exemplos bem acabados do fenômeno da ampliação dos danos indenizáveis
encontramos nos casos que a doutrina norte-americana denomina de wrongful
conception, wrongful birth e wrongful life3. As três espécies citadas lidam com o
nascimento de crianças de alguma forma indesejadas.
O wrongful conception aborda os casos de casais que escolheram lançar mão de
métodos para evitar o nascimento de crianças -- desde os mais prosaicos, como a
vasectomia e a pílula anticoncepcional, até o aborto -- e, por falha médica, acabaram
concebendo uma criança não planejada ou indesejada. As espécies de wrongful birth e
wrongful life ganharam inegável destaque com o aperfeiçoamento dos testes genéticos e
a conseqüente possibilidade dos pais terem conhecimento das possíveis deficiências
físicas e psicológicas de seus futuros filhos. Esse novo conhecimento científico, aliado
a métodos abortivos, permitiu o surgimento de estratégias procriativas tuteladas pelo
ordenamento jurídico e cujo eventual desrespeito perpetrado pelos médicos pode,
segundo a opinião de muitos juristas, gerar o dever de indenizar. A ação de wrongful life
ganha contornos ainda menos habituais, pois permite que a própria criança deficiente
seja a autora da ação de indenização4.
Apesar de não utilizar taxionomia tão típica para o tratamento destes exemplos,
o Direito Francês, mormente por também permitir o aborto, deparou-se com os mesmos
problemas e efetuou análise não menos profunda. O “Arrêt Perruche”, julgado pela
Corte de Cassação francesa, cujo conteúdo versava sobre o nascimento de uma criança
deficiente que teria sido abortada caso os pais tivessem recebido um diagnóstico prénatal correto, foi o caso mais discutido do século XXI, ultrapassando em muito o âmbito
jurídico5.
Em uma análise apressada, as conexões entre o tema do presente trabalho e o
Direito Brasileiro parecem extremamente tênues, exatamente pela possibilidade
reduzidíssima de hipóteses de efetivação de abortos lícitos no Brasil. Em trabalho
anterior chegamos a analisar os pontos de contato entre a jurisprudência francesa sobre
a matéria e as novas normas técnicas do Ministério da Saúde sobre o aborto6.
Entretanto, a jurisprudência brasileira mostra-se fértil em julgados que abordam
a temática de filhos indesejados, na maioria dos casos resultado de métodos
contraceptivos equivocadamente realizados, como a vasectomia e a laqueadura tubária.
Portanto, apesar de não apresentar manifestações jurisprudenciais tão ricas como as
2
Nesse sentido ver o admirável trabalho de Nancy Levit, que cunhou a expressão “danos etéreos” para
caracterizar as novas espécies de prejuízos indenizáveis, outrora inimagináveis. LEVIT, Nancy. Ethereal
Torts. George Washington Law Review, vol. 61, Novembro de 1992.
3
No próximo capítulo será verificado que, além da controvérsia sobre o caráter indenizável desses danos,
há ainda acesa controvérsia sobre a própria denominação correta das espécies citadas.
4
SETH, Darpana. Better off unborn? An analysis of wrongful birth and wrongful life claims under the
Americans with disabilities act. Tenessee Law Review. vol. 73, 2006. A autora, baseada em recente
pesquisa científica, afirma que, nos Estados Unidos, oitenta por cento dos fetos diagnosticados como
portadores da Síndrome de Down são abortados. p. 642.
5
MARKESINIS, Basil. Réflexions d’un comparatiste anglais sur et à partir de l’arrêt Perruche. RTDC,
2001, p. 77-102
6
PETEFFI DA SILVA, Rafael. Novos direitos, reparação dos pais pelo nascimento de filhos indesejados
e a tutela do direito de não nascer: um diálogo com ordenamento Francês.. In: Reinaldo Pereira e Silva
(Org.). Novos Direitos: Conquistas e Desafios. 1 ed. Curitiba:Juruá, 2008, p. 183-209
3
encontradas no direito estrangeiro, o ordenamento nacional já reclama sistematização,
pois a doutrina pátria não se aprofunda sobre o tema7.
No segundo capítulo trabalharemos -- baseados na taxionomia proposta pela
doutrina norte-americana, mas com profundas contribuições do ordenamento francês -as características, pressupostos, evolução histórica e atual estágio das espécies de
responsabilidade civil que são objeto deste trabalho. O terceiro capítulo será dedicado
ao estudo da incipiente produção doutrinária e da já relativamente substancial produção
jurisprudencial pátria. No quarto capítulo serão efetuadas relações entre as
possibilidades do ordenamento brasileiro e os sofisticados métodos de quantificação de
danos utilizados no direito norte-americano, a fim de criar um modelo prospectivo de
aplicação do wrongful conception ao cenário nacional.
II- Novas tipologias de dano no direito estrangeiro
As espécies de indenização referidas no título do presente trabalho já são fruto
de uma escolha do autor, pois não há consenso na nomenclatura utilizada pela doutrina
e jurisprudência norte-americanas. Pode-se afirmar que a única hipótese sobre a qual
não há qualquer controvérsia é o wrongful life, pois a unanimidade de autores concorda
que nesses casos teremos sempre o nascimento de uma criança deficiente que ocupará,
normalmente representada por seus pais, o pólo ativo da ação de indenização movida
contra o médico ou contra o hospital8.
A controvérsia, portanto, restringe-se ao wrongful conception e ao wrongful
birth. Alguns autores, como Michael Murtaugh, utilizam-se do termo wrongful birth
para denominar todo e qualquer tipo de ação movida por pais de filhos indesejados,
podendo estes nascer sadios ou com alguma deficiência grave9. Por outro lado, Darpana
Sheth representa outra tendência doutrinária, que acredita que a designação wrongful
birth deve ser empregada apenas para os casos de pais que deram à luz crianças
deficientes. Nesses casos, os médicos normalmente deixam de efetuar o diagnóstico
preciso sobre as condições do feto, retirando dos pais a possibilidade de abortamento.
7
Ainda temos poucos autores brasileiros que tratam a matéria. Com menção expressa às hipóteses típicas
encontradas no Direito Norte-americano temos KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do
Médico. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 34 e 35. O ilustre autor, assim como aconteceu
em nosso primeiro artigo sobre o tema, nota dificuldades em relacionar o tema do presente trabalho com o
Direito Brasileiro, exatamente pelas possibilidades reduzidas de abortamento em nosso ordenamento.
Nesse sentido as palavras do autor “No Brasil, dada a severa restrição à prática do aborto (art. 128 do
CP), tais reclamações careceriam de suporte legal. Na hipótese de a lei futura permitir a interrupção da
gravidez, devido a grave anomalia fetal – como propõem alguns legisladores – a ação de wrongful birth,
certamente, surgiria também aqui”
8
STRASSER, Mark. Wrongful life, wrongful birth, wrongful death, and the right to refuse treatment: can
reasonable jurisdictions recognize all but one?. Missouri Law Review, vol 64, 1999, p. 29; SHETH, 2006,
p. 646; HENSEL, Wendy F. The disabling impact of wrongful birth and wrongful life actions. Harvard
Civil Rights-Civil Liberties Law Review, vol.40, 2005, p. 143
9
MURTAUGH, Michael. Wrongful Birth: The Court’s Dilemma in Determining a Remedy for a “blessed
event”. Pace Law Review, vol. 27, 2007, p. 246 e 247 “Since the early 1970’s, claims for wrongful birth
have met with increasing success in the state courts. The litigation has arisen from a variety of factual
situations. Many of the successful actions have been brought by parents alleging that the physician’s
negligence prior to the conception of their child caused the injury. For instance, physicians have been
held liable for incorrectly performing a vasectomy or tubal ligation. The action may also arise after a
child has been conceived. Claims have been brought against physicians for failing to diagnose a
pregnancy or for failing to test for, or diagnose, fetal defects in time for the mother to obtain a legal
abortion”
4
Para os casos em que os pais simplesmente não queiram ter filhos, mas estes acabem
por nascer saudáveis, o wrongful birth não seria utilizado. A autora ainda apresenta uma
subdivisão para esses casos: quando o erro médico ocorre por falhas na contracepção,
como na hipótese de uma cirurgia de vasectomia mal realizada, utilizaríamos a
designação wrongful conception e a designação wrongful pregnancy usaríamos para os
casos do nascimento de crianças sadias em que o erro médico aconteceu após a
concepção, como ocorre nas falhas em procedimentos abortivos1011.
Kathleen Mahoney, em aprofundado artigo sobre a nomenclatura utilizada pela
jurisprudência norte-americana, reafirma a falta de consenso reinante na área, mas
concorda com a tendência majoritária de considerar que o wrongful conception
normalmente envolve gravidez não planejada, falhas contraceptivas por parte dos
médicos e o posterior nascimento de uma criança “saudável”, enquanto o wrongful birth
normalmente envolve gravidez planejada, falha médica no período pré-natal, falha em
testes genéticos e o posterior nascimento de uma criança deficiente12. A autora ainda
identifica, efetuando a conexão com os Estados americanos correspondentes, três
correntes jurisprudenciais específicas.
Em Minnesota e na Carolina do Norte, as cortes utilizam um conceito amplo do
termo wrongful conception, admitindo que este termo abranje questões envolvendo
falhas em testes genéticos e o conseqüente nascimento de crianças deficientes.
Importante notar que Minnesota impõe impedimento legal para a ação de wrongful
birth, enquanto que a Carolina do Norte concretiza o mesmo impedimento por
intermédio da jurisprudência de sua Suprema Corte, aceitando somente a ação de
wrongful conception. Entretanto, para esses dois Estados, o fator determinante para
caracterizar o wrongful birth é que o dano requerido pela vítima seja a perda da
oportunidade de abortar o feto. Assim, admite-se a reparação do dano nos casos em que
o nascimento de uma criança deficiente poderia ter sido obstado por métodos
contraceptivos13. Portanto, tendo os pais efetuado testes genéticos que erroneamente
apontaram para a ausência de determinado defeito genético numa eventual prole e, deste
modo, resolvido conceber a criança que posteriormente mostrou-se deficiente, poderiam
intentar demanda de reparação de danos em Minnesota e na Carolina do Norte, sob a
égide de um conceito amplo e pouco utilizado de wrongful conception14.
Já os Estados de Colorado e Washington consideram como wrongful birth toda a
ação que envolva o nascimento de crianças deficientes, pouco importando que esse
nascimento tenha ocorrido devido a diagnósticos equivocados e a conseqüente perda da
10
SHETH, 2006, p. 647, com explicações adicionais contidas nas notas 29 e 30.
HENSEL, 2005, p. 151, utiliza a denominação wrongful birth tanto para o caso do nascimento de
crianças deficientes como para o caso do nascimento de crianças saudáveis, advertindo que nesse último
caso as expressões wrongful conception e wrongful pregnancy são muito usadas.
12
MAHONEY, Kathleen A. Malpractice Claims Resulting from Negligent Preconception Genetic
Testing: Do These Claims Present a Strain of Wrongful Birth or Wrongful Conception, and Does the
Categorization Even Matter?. Suffolk University Law Review, vol. 39, 2006, p. 775 "Wrongful birth cases
tend to involve a planned pregnancy, postconception negligence, negligent neonatal testing or care, the
birth of an unhealthy child and a parental action for the lost opportunity to terminate a pregnancy.
Wrongful conception cases, in contrast, typically involve preconception malpractice, an unplanned
pregnancy resulting in the birth a healthy child, negligence in sterilizations, abortion procedures,
pregnancy diagnoses or contraception administration and a parental action for the lost opportunity to
avoid a pregnancy” p. 775
13
SHETH, 2006, p. 653
14
MAHONEY, 2006, p. 784. “The courts in these states focus primarily on the timing of the negligence
when characterizing these claims, rather than the health of the child or the factual circumstances
surrounding the malpractice”
11
5
oportunidade informada de abortar o feto ou que o nascimento da criança deficiente
tenha como causa a falha em métodos contraceptivos e a conseqüente perda de
oportunidade de evitar uma gravidez “de risco”. Essa visão parece ser majoritária no
Direito Norte-Americano15.
Por sua vez, Indiana e Nevada tratam as específicas ações de indenização aqui
abordadas sem impor nomenclatura especial, evitando qualquer tipo de “etiqueta” que
poderia ser conferida a essas hipóteses de indenização16. Concordamos com Mahoney
nas críticas dirigidas a esses Estados, tendo em vista que uma sistematização mais
específica de questões tão controvertidas auxilia a uniformizar conceitos e viabilizar
discussões racionais. Essa observação pode ser ainda mais importante em um sistema de
direito privado como o nosso, em que as cláusulas-gerais que caracterizam o direito
obrigacional brasileiro devem ser concretizadas e devem propiciar a construção de
catálogo de casos específicos, conferindo um padrão mínimo de segurança jurídica17.
A doutrina francesa, que não conta com a taxionomia tão bem trabalhada na
doutrina norte-americana, serve-se de grandes decisões paradigmáticas para conseguir
lançar as bases de um discurso racional e calcado nas mesmas premissas.
Paradoxalmente, como veremos a seguir, os autores franceses, mesmos sem fazer parte
de um sistema que tem o precedente como principal fonte de Direito, fazem referência
expressa ao “Arrêt Perruche” e a outros casos semelhantes para efetuarem os seus
arrazoados.
O presente trabalho utilizará a taxionomia majoritariamente encontrada no
direito norte-americano.
1. Wrongful Conception
Em 1934, a Suprema Corte de Minnesota foi provocada a julgar o caso
Christensen v. Thornby, em que um casal requeria reparação pelos custos advindos da
segunda gravidez da esposa, gerada pelos equívocos médicos verificados no
procedimento de uma vasectomia que falhou ao não deixar o cônjuge varão estéril. A
referida vasectomia, conforme restou comprovado nos autos, havia sido recomendada
pelos médicos porque a segunda gravidez geraria grande risco para a vida da esposa.
Este primeiro caso enfrentado pelos tribunais norte-americanos foi julgado
15
Idem, p. 786. A autora identifica inúmeros doutrinadores alinhados com os conceitos defendidos por
esses dois estados.
16
Idem, p. 787
17
Para um entendimento adequado do movimento de sistematização possibilitado pelas cláusulas gerais
ver MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um sistema em construção - As cláusulas gerais
no projeto do Código Civil Brasileiro. Revista dos Tribunais, vol.753, 1988. Nunca é demais lembrar os
enormes problemas que enfrentamos em nosso ordenamento jurídico por falta de “acordos semânticos”
em torno de alguns conceitos utilizados. Paradigmáticos exemplos temos na Responsabilidade Civil do
Estado, em que a teoria do risco administrativo é utilizada, por muitos autores, como sinônimo da teoria
do risco integral, sem atentar para o sentido original desta última. Para uma noção dos problemas práticos
que podem resultar dessa situação ver CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade
Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 224. Os mesmos problemas de falta de “acordos semânticos”
encontramos em algumas searas de aplicação da responsabilidade objetiva, conforme cuidadoso estudo de
GRAMSTRUP, Erik Frederico. Responsabilidade objetiva na cláusula geral codificada e nos
microssistemas In: Mário Luiz Delgado; Jones Figueiredo Alves. (Org.). Novo Código Civil: Questões
Controvertidas, Volume 5, Responsabilidade Civil. 1 ed. São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 125 e
seguintes.
6
improcedente, pois se verificou que o interesse jurídico tutelado pela vasectomia era a
vida da esposa e, como a segunda gravidez acabou transcorrendo de maneira normal,
não havia dano a ser reparado18.
Vinte e dois anos mais tarde observou-se o segundo caso envolvendo wrongful
conception: Shaheen v. Knight foi julgado na Pennsylvania e também foi considerado
improcedente. Entretanto, aqui se encontra um fundamento novo, pois o tribunal
considerou que o nascimento de uma criança, em qualquer hipótese, deve ser
considerado um “evento abençoado”, colocando-se fora da moldura do conceito de dano
indenizável.
Essa tendência negativa em relação ao wrongful conception somente foi
invertida em 1967, dez anos após o caso Shaheen, pela Corte de Apelação da Califórnia,
no caso Custodio v. Bauer19. O tribunal californiano decidiu que a falha do médico em
esterilizar o autor da demanda era suficiente para gerar o dever de indenizar todos os
danos em relação de causalidade com essa falha. O suporte dos magistrados da
Califórnia para sobrepujar os dois claros precedentes encontrava-se em um julgado da
Suprema Corte dos Estados Unidos: Griswold v. Connecticut, de 1965.
O caso Griswold explicitamente consagrou o direito da mulher a usar
contraceptivos e a efetuar um consciente planejamento familiar, contrariando os
argumentos encontrados no caso Shaheen, que asseverava que a procriação é o grande
objetivo do casamento20. Posteriormente, em 1973, a mesma Suprema Corte julgou o
paradigmático caso Roe v. Wade, consagrando a constitucionalidade do aborto e
reafirmando a autodeterminação feminina em relação à constituição de descendência21.
O caso Roe serve como pedra de toque de toda a sustentação constitucional das
espécies de reparação de dano tratadas neste artigo, mas especificamente para o estudo
do wrongful conception sua importância destacada está no fato de ter explicitamente
negado o argumento de que o nascimento de uma criança é, em qualquer circunstância,
um “evento abençoado”. Destarte, as razões da decisão possuem argumentos que
ressaltam poder a maternidade ou a prole adicional impor uma vida estressante à mãe,
pois a criação de uma criança pode ser causa de verdadeiro perigo para a sua saúde
física e mental22.
As premissas estabelecidas pela Suprema Corte dos Estados Unidos vêm
iluminando a jurisprudência americana, mas sem jogar pá de cal sobre o assunto. Nove
Estados americanos promulgaram leis proibindo a reparação por wrongful conception
ou restringindo a reparação de algum aspecto dos danos normalmente reparados nessa
espécie de responsabilidade civil. Bastante ilustrativo é a legislação promulgada em
1988 pelo Estado da Pennsylvania, que proíbe qualquer ação movida com base no
argumento de que uma pessoa não deveria ter nascido. Como a lei trata apenas dos
danos advindos do nascimento da criança, alguns tribunais conseguem tangenciar a lei,
18
MURTAUGH, 2007, p. 253
HENSEL, 2005, p. 151
20
MURTAUGH, 2007, p. 254
21
SHETH, 2006, p. 649
22
MURTAUGH, 2007, p. 254. Nesse sentido as palavras do magistrados da Suprema Corte, “Maternity,
or additional offspring, may force upon the woman a distressful life and future. Psychological harm may
be imminent. Mental and physical health may be taxed by child care. There is also the distress, for all
concerned, associated with the unwanted child, and there is the problem of bringing a child into a family
already unable, psychologically and otherwise, to care for it”
19
7
concedendo reparação pelos custos com despesas médicas e pelos desconfortos da
gravidez23.
Atualmente, pode se dizer que a maioria da jurisprudência americana aprova as
ações de wrongful conception, contando com a simpatia de 32 jurisdições estaduais24.
A situação encontrada no Direito Francês é bastante distinta. Com efeito, em 25
de junho de 1991, a Corte de Cassação francesa, seguindo a mesma linha de uma
decisão do Conselho de Estado francês de 1982, julgou caso em que a imperícia médica
possibilitou o nascimento de uma criança indesejada, solidificando o entendimento
predominante no ordenamento francês. A Corte de Cassação manteve a decisão da
Corte de Apelação de Riom, não concedendo qualquer reparação para uma jovem
desempregada de 22 anos que se submeteu legalmente a um aborto, mas acabou dando à
luz uma criança devido à falha cirúrgica do médico responsável, que não tomou o
cuidado de verificar se o embrião havia realmente sido retirado do corpo da gestante25.
O resultado chocou as associações de proteção aos direitos e à dignidade da
mulher, comprovando, como aconteceria mais tarde com o caso Perruche, a grande
repercussão social da matéria26
A reparação patrimonial não foi concedida sob o fundamento de que a criança
poderia ter sido dada para adoção, não sendo a mãe obrigada a manter o filho e
conseqüentemente arcar com suas despesas. Tampouco reparação por dano moral foi
observada, sendo estatuído como princípio que “o nascimento de uma criança sempre é
um acontecimento feliz”. Para aquela Corte Superior, somente um dano particular que
fosse além dos ônus normais da maternidade poderia ser digno de reparação27. Alguns
autores chegaram a afirmar que esse tipo de reparação não deveria ser concedido, pois
seria aconselhável evitar o constrangimento de, futuramente, a criança ter a consciência
de que seu nascimento foi considerado um “dano indenizável”28.
Interessante notar que a Corte de Cassação, em 1991, utilizou exatamente o
argumento base do caso Shaheen, de 1956, em que o nascimento da criança foi
considerado, sob qualquer circunstância, um “evento abençoado”29. Destaca-se que
assim como o direito norte-americano possuía, de forma mais destacada, o caso Roe v.
Wade, desde 1973, para fundamentar o direito da mulher ao aborto e a métodos
contraceptivos, fazendo com que a gestação não fosse considerada um evento
inexoravelmente positivo, também o ordenamento francês conta com a lei, desde 1975,
que torna a possibilidade de abortamento um direito subjetivo da gestante. Deste modo,
a doutrina francesa é praticamente unânime em criticar a conduta da Corte de Cassação,
23
Idem,p. 275 A legislação do Estado da Pennsylvania assim prescreve “There shall be no cause of action
or award of damages on behalf of any person based on a claim that, but for an act or omission of the
defendant, a person once conceived would not or should not have been born”
24
HENSEL, 2005, p. 153; MURTAUGH, 2007, p. 278
25
PETEFFI DA SILVA, 2008, p. 186. A referência citada trabalha o direito francês de maneira exclusiva
e mais aprofundada.
26
Nesse sentido BARBIÉRI, Jean-François. in J.C.P. 1992. II. 21784. “La réponse à la délicate question
de savoir si une réparation est due par le médecin défendeur suppose que l’on évince d’abord
l’argumentation periphérique, assez souvent circumjuridique, afin de s’em tenir, autant qu’il est possible,
au droit pur dela responsabilité civile” (grifos nossos)
27
JOURDAIN, Patrice. La naissance d’un enfant peut-elle engendrer un préjudice indemnisable pour la
mère en cas d’interruption volontaire de grossesse pratiquée sans succès? RTDC. 1991. 973
28
PETEFFI DA SILVA, 2008, p. 187.
29
“blessed event”
8
tendo em vista que a lesão a um direito subjetivo reconhecido pela legislação francesa
não pode deixar de ser reparado30.
2. Wrongful birth
Conforme afirmado anteriormente, a espécie de responsabilidade civil
denominada de wrongful birth normalmente envolve gravidez planejada, falha médica
no período pré-natal ou falha em testes genéticos e o posterior nascimento de uma
criança deficiente31, resultando na perda da oportunidade dos pais de realizarem um
aborto32.
Os autores americanos indicam Gleitman v. Cosgrove, julgado pela Suprema
Corte de New Jersey, em 1967, como a primeira decisão judicial enfrentando a
problemática do wrongful birth. Em Gleitman, observamos o clássico exemplo da mãe
infectada por rubéola no início da gestação que recebeu a equivocada informação, por
parte de seu médico, de que o bebê não tinha riscos de nascer deficiente. Quando do
nascimento, a criança apresentava retardamento mental e sérias deficiências de visão,
audição e fala. A ação foi julgada improcedente, em grande parte fundada na santidade
da vida e no argumento do “evento abençoado”33.
Somente dez anos após Gleitman v. Cosgrove, observamos a atuação da Corte
de Apelação de Nova Yorque34no caso Becker v. Swartz, na avaliação da demanda de
uma mãe que ficou grávida com mais de trinta e cinco anos de idade e não foi
informada pelo seu médico sobre os riscos desse tipo de gravidez, tampouco foi
aconselhada a efetuar o exame de amniocentese35. A criança fruto dessa gravidez
apresentava sério retardo, proveniente da Síndrome de Down. O tribunal considerou
muito complexo conceder reparação por dano moral porque as alegrias da maternidade
poderiam compensar integralmente os eventuais dissabores que o nascimento de um
filho deficiente poderia gerar. Entretanto, conferiu reparação pelos custos adicionais que
uma criança especial demanda, confirmando, desta forma, o primeiro caso de wrongful
birth36. Não podemos olvidar que entre o julgamento dos casos Gleitman e Becker
observou-se o paradigmático e já citado caso Roe v. Wade, julgado pela Suprema Corte
daquele país, revertendo todo o olhar sobre a questão do aborto e do direito de escolha
da gestante.
Essa decisão serviu para iniciar uma forte corrente jurisprudencial norteamericana que tem no caso Lininger v. Eisenbaum, julgado em 1988 pela Suprema
Corte do Colorado, um dos seus mais célebres exemplos. Na espécie, os autores haviam
sido equivocadamente informados pelos médicos de que a cegueira do primeiro filho
não tinha causas hereditárias, fato que motivou o nascimento do segundo filho,
30
Nesse sentido BARBIERI, 1991; JOURDAIN, 1991, p. 974 e FABRE-MAGNAN, Muriel. Avortment
et responsabilité médicale. RTDC, 2001, p. 289 p. 305 e 306. Concordando com a posição tomada pela
Corte de Cassação temos LE TORNEAU, Phillippe. D. 1991. p. 567
31
MAHONEY, 2006, p. 775
32
SHETH, 2006, p. 644
33
SHETH, 2006, p. 648 e HENSEL, 2005, p. 155
34
New York Court of Appeals.
35
A amniocentese é um método de diagnóstico pré-natal que consiste na aspiração transabdominal duma
pequena quantidade de fluído amniótico da bolsa amniótica, que envolve o feto. É tipicamente
aconselhada aos pais perante a probabilidade de deformações genéticas durante a gravidez
36
HENSEL, 2005, p. 157-158
9
igualmente cego. Posteriormente, ambos os filhos foram diagnosticados com um tipo de
cegueira congênita e hereditária37.
Atualmente, pode se afirmar que a corrente que admite o wrongful birth é
majoritária e utiliza alguns argumentos recorrentes para justificar suas decisões, tais
como evitar a negligência em testes pré-natais, preservar a autonomia nas escolhas
reprodutivas dos pais e compensar os pais pelos altos custos associados com a criação
de uma criança deficiente38.
Apesar da corrente jurisprudencial majoritária contar com inúmeros
doutrinadores que a respaldam39, também há vozes que se opõem à reparação por
wrongful birth40. A tese principal desses autores sustenta-se na discriminação contra os
excepcionais que estariam no cerne da ação de wrongful birth. Essa discriminação, após
o “Americans with Disabilities Act”, de 1990, seria expressamente proibida pelo
ordenamento norte-americano41. Hensel argumenta que os benefícios pessoais que os
autores podem ter em uma ação individual de wrongful birth poderiam botar em risco
todos os ganhos de identidade e igualdade que a categoria dos deficientes físicos
conquistou na sociedade42. Hensel ainda afirma que a indenização não é conferida a
todos os pais de deficientes, mas apenas àqueles que estão dispostos a declarar a menor
valia de seus filhos, criando, desta forma, verdadeiros bastardos emocionais. Em alguns
casos, as mães levam seus filhos ao tribunal como prova, para que o júri veja a
gravidade da deficiência, comprovando a sua vontade de ter efetuado um aborto43.
O Direito Francês também teve oportunidade de enfrentar a discussão proposta
pelos casos de wrongful birth. Em 14 de fevereiro de 199744, o Conselho de Estado
julgou caso em que uma gestante de 42 anos de idade se submeteu a um exame genético
para ter total certeza de que o filho não corria risco de nascer com alguma deficiência,
tendo em vista que na sua idade as chances de uma anomalia na formação do feto eram
muito elevadas. O exame realizado conferiu certeza de até 99% e indicou, por
inquestionável erro do laboratório, que o bebê, que mais tarde viria a nascer com
mongolismo, estava absolutamente saudável. Os pais da criança deficiente demandaram
o hospital onde se realizou o exame e o médico responsável pelos danos decorrentes do
nascimento. O Conselho de Estado conferiu como reparação material uma pensão
mensal por toda a vida da criança, no valor de cinco mil francos franceses, como forma
de reparar despesas com educação especial e cuidados extras que uma criança especial
necessita. A título de danos morais, concedeu cem mil francos franceses para cada
genitor, a fim de compensar as drásticas mudanças que adviriam em seu modo de vida.
37
STRASSER, 1999, p. 57 e SHETH, 2006, p. 649
HENSEL, 2005, p. 160 e SHETH, 2006, p. 651 essa autora chega a um grau de precisão ainda maior,
afirmando que são 23 jurisdições que aceitam o wrongful birth.
39
STRASSER, 1999. HENSEL, 2005, p. 143, nota 14, citando vários autores que apóiam tanto a ação de
wrongful birth como a de wrongful life. Frise-se que Hensel é absolutamente contrário a essas duas
espécies de responsabilidade civil.
40
Como bom exemplo desta corrente temos as opiniões de SHETH, 2006 e HENSEL, 2005.
41
SHETH, 2006, p. 653 e seguintes
42
HENSEL, 2005, p. 144.
43
Idem, p. 171 e 172. O autor ainda completa dizendo que na maioria dos casos de wrongful birth nós
temos casos de pós-concepção (aborto) e não de pré-concepção (vasectomia). Deste modo, fica claro que
a mãe não tinha apenas um desejo abstrato de não conceber um filho deficiente, mas que queria ter
abortado aquela criança específica, que acabou nascendo.
44
MOREAU, Jacques. J.C.P. 1997. II. 22828.
38
10
Em 26 de março de 199645, a Corte de Cassação julgou dois casos que
enfrentaram a mesma matéria. No primeiro, um casal procurou um médico para saber
quais as chances de seus futuros descendentes sofrerem dos mesmos problemas
genéticos do pai. O médico afirmou que não havia chance de transmissão da doença
paterna para seus descendentes. Cinco anos mais tarde, o casal concebeu um filho que
veio a apresentar exatamente os mesmos problemas que o casal visava evitar. A Corte
de Cassação entendeu que havia o nexo causal entre o resultado do exame genético
efetuado e a decisão dos autores da ação de indenização de ter um filho, pois nenhum
dado permitia que se pensasse que aquela opção seria mantida caso o resultado dos
exames genéticos fosse distinto, ou seja, apontasse chance considerável de a criança
nascer com os mesmos problemas apresentados por seu pai.
Na segunda espécie, uma gestante que contraiu rubéola durante a gravidez
requereu um exame para saber quais as chances de a doença aludida causar lesões ao
feto. O médico responsável informou que a gestante estava imune à doença e que o bebê
nasceria saudável. Um ano após o nascimento, a criança já apresentava graves seqüelas
originadas pela rubéola congênita adquirida na vida intra-uterina. Esse caso ficou
mundialmente conhecido como “Arrêt Perruche” e foi decisivo, como veremos no
próximo capítulo, para definir a responsabilidade dos agentes pelos danos causados às
próprias crianças excepcionais46.
Assim como o Conselho de Estado, a Corte de Cassação concedeu reparação por
danos patrimoniais e morais aos pais. Aqui não encontramos as divergências de
opiniões doutrinárias que encontramos no item anterior e que, de maneira muito
marcante, encontraremos no item sobre wrongful life. Desse modo, podemos afirmar
que há considerável consenso, tanto nos tribunais como na academia franceses, em
relação ao acerto em se conceder reparação para os casos de wrongful birth. O Direito
Francês, contudo, mostra-se, em nossa opinião, um tanto contraditório quando indeniza
o wrongful birth e nega reparação ao wrongful conception.
Como bem assevera Hermitte, os novos testes genéticos, conjugados com a
possibilidade de abortamentos voluntários, ou seja, sem causas clínicas, permitiram
verdadeiras “estratégias procriativas”47. Deste modo, pode-se afirmar que a livre escolha
do planejamento familiar, mesmo que por intermédio de um aborto, parece não ser um
interesse jurídico tutelado pelo Direito Francês, por outro lado, observa-se a proteção a
um interesse jurídico que nos parece menos nobre, nos casos de wrongful birth.
A assertiva da autora desvela outra diferença marcante em relação aos casos que
fundamentaram a argumentação sobre o wrongful birth, pois aqui os pais das crianças
queriam ter descendentes, tendo a falha no dever de informar apenas aniquilado sua
“estratégia procriativa”. Portanto, os pais não deram à luz filhos indesejados ou não
planejados, mas apenas filhos que deveriam, de acordo com a estratégia dos pais, ter
nascido destituídos de qualquer deficiência.
3. Wrongful life
45
JOURDAIN, Patrice. Le préjudice résultant de la naissance d’un enfant atteint d’un handicap
congénital. RTDC. 1996. p.623.
46
Descrição dos casos encontrada em PETEFFI DA SILVA, 2008, p. 191 e 192
47
HERMITTE, M. A. Le contentieux de la naissance d’enfants handicapés. Gaz. Pal. 1997, 1404.
“strategies procréatives”
11
O caso Gleitman v. Cosgrove, já narrado no item anterior, também é identificado
pela doutrina norte-americana como termo inicial da análise do wrongful life48. Neste
tipo de demanda, ao invés dos pais da criança excepcional requererem indenização, é o
próprio deficiente, normalmente representado por seus pais, que figura no pólo ativo da
ação. Aqui, portanto, a criança pede uma reparação que possa compensar a alegada
miserabilidade de sua vida. A Suprema Corte de Nova Jersey, no citado caso Gleitman,
assim como havia feito com o wrongful birth, rejeitou a reparação requerida pela
criança deficiente, utilizando alguns dos principais argumentos usados até os dias de
hoje. Destarte, um dos fatores primordiais apontados pelo tribunal desvela a dificuldade
de se vencer as barreiras do nexo de causalidade, pois a falha médica, que
impossibilitou os pais do requerente de efetuarem o aborto, não causou a deficiência da
criança, a qual já estava na sua carga genética49.
Em alguns casos análogos, podemos identificar o nexo de causalidade entre a
ação do médico e o dano causado à criança, gerando, nesses casos, o dever de reparar.
Em Walker v. Rinck, a Suprema Corte de Indiana condenou um médico a indenizar os
sérios danos físicos e psicológicos causados à criança por um procedimento equivocado
no momento do nascimento, envolvendo o fator RH do sangue da mãe50. Assim, como
nos casos de wrongful life a conduta médica não causou o dano alegado, a única opção
que teria o autor seria não-nascer!
A Suprema Corte do Colorado, no já citado Lininger v. Eisenbaum, coloca que
para se avaliar o dano requerido pelo autor seria necessário comparar o atual valor da
vida excepcional com o valor da inexistência, ou seja, o dano somente poderia ser
possível se considerássemos que, para o autor, seria melhor nunca ter nascido. Essa
avaliação, segundo o entendimento majoritário da jurisprudência norte-americana, é
absolutamente impossível51.
A força dos argumentos apresentados, com os quais concordamos, são
responsáveis por influenciar a imensa maioria da jurisprudência norte-americana sobre
wrongful life, já que apenas três Estados reconhecem a reparação deste tipo de dano52.
48
HENSEL, 2005, p. 155 e SHETH, 2006, p. 648. STRASSER, 1999, p. 34, contando com a colaboração
de outros autores, acredita que Zepeda v. Zepeda, de 1963, teve a primazia na temática do wrongful life.
Entretanto, como esse caso trata de uma criança que acionou o seu próprio pai por carregar o peso de ser
filho ilegítimo (seu pai não era casado com sua mãe e possuía uma esposa), afasta-se em muito dos casos
tradicionais de wrongful life, os quais, na sua imensa maioria, tratam de crianças seriamente deficientes
que poderiam ter sido abortadas caso os médicos tivesse informado corretamente os seus progenitores.
49
STRASSER, 1999, p. 52 e seguintes, citando o precedente Ellis v. Sherman, da Suprema Corte da
Pennsylvania, no qual a falta do nexo de causalidade foi apontado como principal razão para a
improcedência da demanda de wrongful life.
50
STRASSER, 1999, p. 45
51
STRASSER, 1999, p. 57. Segundo Manuel Carneiro da Frada, o Superior Tribunal de Justiça de
Portugal teve oportunidade, em 2001, de enfrentar a questão do wrongful life e mostrou-se muito firme na
posição de negar qualquer tipo de indenização à espécie. Esse decisão, apesar de não receber aplauso
unânime, foi sufragada por autores do porte de Menezes Cordeiro e António Pinto Monteiro. FRADA,
Manuel Carneiro da. A vida própria como dano. In: António Pinto Monteiro, Jorg Neuner e Ingo Sarlet
(org). Direitos Fundamentais e Direito Privado: Um perspectiva de direito comparado. Coimbra:
Almedina, 2007, p. 308
52
SHETH, 2006, p. 651 e HENSEL, 2005, p. 161, citando que a ação de wrongful life é aceita somente
em Nova Jersey, Washington e na Califórnia. Além dos fundamentos preponderantes na jurisprudência
americana, vale lembrar os interessantes argumentos trazidos pelos autores citados no item anterior,
plenamente utilizados em relação ao wrongful life.
12
A situação da jurisprudência francesa, no início do presente século, era por
demais controvertida, havendo discordância entre a Corte de Cassação e o Conselho de
Estado. O caminho jurisprudencial trilhado pelo já citado caso Perruche serve para
demonstrar o nível da controvérsia. Em 1993, a Corte de Apelação de Paris concedeu
reparação pelos danos sofridos pela Sra. Perruche, mas não concedeu indenização
alguma ao recém-nascido (wrongful life), pois considerou que não havia nexo de
causalidade entre os danos sofridos por ele e os equivocados procedimentos médicos. A
Corte de Cassação, em 1996, cassou o acórdão da Corte de Apelação de Paris somente
no que dizia respeito ao wrongful life. A Corte de Apelação de reenvio53, de Orleans,
recusou-se a acatar a determinação da Corte de Cassação, utilizando os mesmos
argumentos do tribunal parisiense. Finalmente, a decisão foi censurada, em novembro
de 2000, pela Assembléia plenária da Corte de Cassação, afirmando, de forma
definitiva, que o menor poderia requerer reparação dos danos causados pelos médicos e
pela imprecisão dos laudos laboratoriais, sufragando a tese do wrongful life.
A referida celeuma jurisprudencial foi responsável por uma das mais
espetaculares reações doutrinárias, donde surgiram dois grandes grupos de opiniões
contrárias, adotando os mais variados argumentos como fundamentação de suas
posições54. Os reflexos da decisão Perruche na sociedade civil não foram menores, e a
capacidade de o aludido caso despertar opiniões apaixonadas nos mais variados setores
da sociedade lhe rendeu a alcunha de “affaire Dreyfus” do século XXI. A pressão social
não passou despercebida pelo legislativo francês que promulgou, em 4 de março de
2002, a célebre “Lei Anti-Perruche” 55, a qual em seu art. 1 I prescreve que “ninguém
pode se prevalecer de um dano decorrente do simples fato do seu nascimento”56,
Além da mobilização social, a lei também foi fruto da manifestação decisiva da
doutrina que, utilizando em grande parte os já analisados argumentos da doutrina norteamericana, rechaçou o wrongful life57. Entretanto, a controvérsia doutrinária é ainda
acesa, contando a tese favorável ao wrongful life com autores de renome.
III- Ordenamento Jurídico Brasileiro e a possibilidade de recepção das novas formas de
indenização
53
Cour D’ Appel de renvoi.
54
JOURDAIN, 1996.; HERMITTE, 1997.; MOREAU, 1997.; observação de PENNEAU, Jean. D. 1997.
Somm. P. 322, observação HENNERON, Sandrine. D. 1999. Somm. p. 294, observação BOM;
BÉCHILLON D. 1999. Somm. p. 60; HAUSER, Jean. Encore le droit de ne pas naître: l’autodestruction
de l’homme par l’inflation des droits subjectifs. RTDC. 1996, p. 871; VINEY, Geneviève, J.C.P. 1997. I.
4025, nº 19 , VINEY, Geneviève. J.C.P. 1996. I. 3985, nº 19; FABRE-MAGNAN, MURIEL.
Avortment et responsabilité médicale. RTDC, 2001, p. 285-318 e MARKESINIS, Basil. Réflexions d’un
comparatiste anglais sur et à partir de l’arrêt Perruche. RTDC, 2001, p. 77-102.
55
PETEFFI DA SILVA, 2008, p. 195 e seguintes.
Tradução retirada de FÉO, Christina e VIERIA, Tereza Rodrigues. O direito de não nascer com
deficiência. Revista Consulex, n. 240, Janeiro de 2007, p. 12; SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a
nova fronteira dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2003, p. 142 e 143. e MORAES, Maria Celina
Bodin de. O princípio da dignidade humana. in Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006. p. 57 e 58, A ilustre doutrinadora carioca afirma que a teoria da perda de uma
chance foi utilizada para o deslinde do caso Perruche, com o qual não concordamos.
57
Ver, por todos, HERMITTE, 1997, p. 1405 e seguintes
56
13
Em trabalho anterior chegamos a analisar os pontos de contato entre a
jurisprudência francesa sobre a matéria e o Direito Brasileiro. Como os casos franceses,
em sua imensa maioria, tratavam de hipóteses envolvendo abortos voluntários, as
conexões com o ordenamento pátrio pareciam pouco promissoras58. Entretanto, as novas
normas técnicas do Ministério da Saúde sobre o aborto59, possibilitando que o
procedimento fosse efetuado sem a apresentação do boletim de ocorrência
comprobatório do estupro, aumentariam, em muito, segundo a opinião de alguns
autores, o número de abortos no Brasil e, consequentemente, os pontos de contato com
os ordenamentos alienígenas.
Com o estudo da jurisprudência norte-americana, notou-se que as espécies de
responsabilidade civil estudadas poderiam ter causa em procedimentos contraceptivos
permitidos e muito usados no Brasil, como a laqueadura tubária (comumente conhecida
como ligadura de trompas) e a vasectomia. Mesmo sob essa nova perspectiva, ainda se
observa que as hipóteses clássicas de wrongful birth e de wrongful life, por estarem
vinculadas a gestações planejadas (que acabaram frustrando a “estratégia procriativa”
dos pais), mantém uma dependência muito grande do direito ao abortamento voluntário
encontrado em outros países60.
Já no caso do wrongful conception -- em que o grande objetivo dos autores da
demanda, frustrado pelo erro médico, era ter evitado a gravidez – nota-se uma ligação
evidente com os métodos contraceptivos considerados lícitos pelo ordenamento pátrio.
Assim, empreender-se-á a análise dos principais exemplos jurisprudências do direito
nacional, estudando de modo muito particular quais os prejuízos indenizados pelos
tribunais brasileiros, bem como a sua metodologia de quantificação.
A primeira observação que se faz, ao analisar os julgados brasileiros, é que o
estudioso tem ao seu dispor um número de casos bastante considerável para ser
trabalhado, suficiente para que se tracem algumas nítidas tendências jurisprudenciais.
Com efeito, nos oito primeiros meses de 2008, somente o Tribunal de Justiça de São
Paulo julgou três casos envolvendo o nascimento de crianças indesejadas originadas por
problemas no procedimento de vasectomia61.
58
Nesse sentido a citação anterior de KFOURI NETO, 2007, p. 34 e 35
PETEFFI DA SILVA, 2008, p. 205 e seguintes
60
Essa afirmação não isola as espécies de wrongful birth do ordenamento nacional, tendo em vista que
casos como Lininger v. Eisenbaum, anteriormente citado e julgado em 1988 pela Suprema Corte do
Colorado, em que autores haviam sido equivocadamente informados pelos médicos que a cegueira do
primeiro filho não tinha causas hereditárias, fato que motivou o nascimento do segundo filho, igualmente
cego, também poderiam ter o mesmo tratamento pelas cortes brasileiras, já que não envolvem métodos
abortivos.
61
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ementa: INDENIZAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL - ERRO MÉDICO - DANO MATERIAL E MORAL - CIRURGIA DE
VASECTOMIA - INSUCESSO VERIFICADO - CONHECIMENTO DOS AUTORES DE TAL
POSSIBILIDADE - CONDUTA CULPOSA INCOMPROVADA- DECISÃO MANTIDA. Apelação
Com Revisão 5416194500. Recorrente: Celso Ramin e outra. Recorrido: Stainoff e Simão Saúde Ltda. e
outro. Relator(a): Antonio Marcelo Cunzolo Rimola. São Paulo, 27 de junho de 2008.
59
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ementa: ... CIVIL - Indenização por danos morais Esterilização por vasectomia - Insucesso. Gravidez da esposa ocorrida em torno de um ano após a
cirurgia. Inexistência de prova ou mesmo indícios de erro no procedimento cirúrgico. Possibilidade de
falha do método anticoncepcional - Informações e orientação prestadas pelo médico e pela Clínica
Municipal de Saúde. Recurso não provido . Apelação Com Revisão 5273545600. Recorrente: William da
Silva Oliveira. Recorrido: Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. Relator(a): Henrique
Nelson Calandra. São Paulo, 03 de junho de 2008.
14
Assim, parece-nos que o argumento seguidamente lembrado pelos norteamericanos e franceses, de que a ação de indenização poderia gerar um “bastardo
emocional”, pois os pais teriam de afirmar explicitamente que não desejavam o filho
concebido, não constitui barreira moral para grande parte das vítimas brasileiras.
Os casos de vasectomia e laqueadura tubária não encontram na possível
dificuldade de enquadramento dos casos de wrongful conception dentro da moldura de
dano indenizável a sua grande barreira para conceder indenização para as vítimas.
Destarte, como esses procedimentos não são absolutamente seguros, pois apresentam
uma probabilidade razoável de reversão, não se pode relacionar com absoluta certeza o
nascimento da criança com uma eventual falha cirúrgica por parte do profissional de
saúde62. Portanto, apenas uma pequena parte desses casos leva à procedência da ação de
reparação, normalmente fundamenta na falha do dever de informar do médico ou da
clínica médica, quando estes não informam corretamente sobre a possibilidade do
procedimento cirúrgico não resultar em infertilidade absoluta63.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ementa: ... gravidez da mulher, após cirurgia de
vasectomia Inexistência de responsabilidade indenizatória do médico por lesão decorrente de intervenção
cirúrgica, denominada vasectomia, sem a prova da conduta culposa do profissional, especialmente
considerando que, cientificamente, toda e qualquer cirurgia dessa natureza não conter e ao paciente a
certeza absoluta de que não mais poderá ...Apelação Com Revisão 4020925800. Recorrente: Antonio
Sergio Correa Gomes Recorrido: Fazendo do Estado de São Paulo. São Paulo, 11 de dezembro de 2007.
62
Nesse sentido todos os julgados do tribunal paulista constantes da última nota de rodapé. Também os
tribunais gaúcho e catarinense têm assim se manifestado, respectivamente,
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CIRURGIA DE VASECTOMIA.
GRAVIDEZ POSTERIOR NÃO PLANEJADA. IMPERÍCIA MÉDICA NÃO COMPROVADA. Não
estando comprovada nos autos a imperícia do réu quando da realização da cirurgia de vasectomia do
autor, inviável a sua responsabilização pela não planejada gravidez da esposa do recorrente, mormente
por que a falha no resultado de tal procedimento é uma possibilidade admitida pela doutrina... Apelação
Cível n. 70018629428 . Recorrente: João Carlos Picolo. Recorrido: Lenio Carlos Dagnoluzzo Tragnago.
Relator: Des.Paulo Roberto Lessa Franz.Porto Alegre, 18 de dezembro de 2007.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. EMENTA: DANOS MATERIAIS E MORAIS
– INTERVENÇÃO CIRÚRGICA – VASECTOMIA – OCORRÊNCIA DE GRAVIDEZ DA ESPOSA A
POSTERIORI – CARACTERIZAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE MEIO – CULPA NÃO
DEMONSTRADA – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIZAÇÃO – SENTENÇA MANTIDA –
RECURSO DESPROVIDO – 1. Ressalvadas algumas exceções (anestesiologista e cirurgião plástico
estético), tem o médico obrigação de meio, devendo, portanto, agir sempre em conformidade com os
meios que dispõe, na tentativa de alcançar a cura, que eventualmente pode não ser atingida. Somente a
inobservância dos cuidados adequados da conduta médica (culpa em uma de suas modalidades: imperícia,
imprudência ou negligência) é que pode ensejar a responsabilidade subjetiva do profissional, sendo
imprescindível à sua caracterização a comprovação do ato, dano e o nexo de causalidade entre ambos. 2.
‘A jurisprudência e a doutrina têm classificado as cirurgias de vasectomia como obrigações de meio, não
gerando indenização eventual gravidez indesejada, por não se tratar de método absoluto, eis que,
estatisticamente, este procedimento prevê a possibilidade de falha a cada dois mil casos.’ (Des. Wilson
Augusto do Nascimento). Apelação Cível n. 02.022712-4. Recorrente:Jair Machado Trajano. Recorrido:
Antonino Pandolfi e Serplan-Serviço de Orientação e Planejamento Familiar. Relator: Des. Dionízio
Jenczak. Florianópolis, 30 de agosto de 2004.
63
BRASIL.Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. EMENTA: RESPONSABILIDADE
CIVIL. INEXITOSO RESULTADO DE VASECTOMIA. CDC. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
DEFEITUOSA. DANOS MORAIS. no que diz com a responsabilidade do médico, conforme o § 4º, do
art. 14, do código de defesa do consumidor, é de ordem subjetiva, necessitando, portanto, além da prova
do dano e do nexo de causalidade, a demonstração de que o serviço foi culposamente mal prestado. in
casu pelo que se infere do processado, o cirurgião não se houve com as cautelas necessárias, mormente
quando evidenciado que deixou de informar corretamente o casal autor, além de não encaminhar o varão
à conveniente nova cirurgia. majoração da reparação pelo dano moral, negado o pensionamento.
15
Dentre as hipóteses de procedência da demanda, a jurisprudência brasileira
mostra-se bastante assistemática nas modalidades de prejuízos que podem ser
vinculadas ao nascimento de um filho saudável, mas indesejado. De início observa-se
que -- quando há a possibilidade de qualificar a conduta do réu como imputável – a
jurisprudência brasileira não se furta em conceder reparação para as vítimas, afastandose indubitavelmente da orientação seguida pela Corte de Cassação francesa, cuja
identificação com a teoria do “evento abençoado” é absoluta.
Porém, alguns julgados brasileiros também usam o argumento do “evento
abençoado”, algumas vezes para negar a existência do dano moral, outras vezes para
negar a existência de dano patrimonial. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
em julgamento proferido em dezembro de 200564, o desembargador relator assim se
manifestou,
“No que pertine ao pensionamento, entretanto, não merece
vingar o pedido. O nascimento de um filho, abstraídas as circunstâncias do caso
em comento, seguramente sempre causa enorme satisfação aos pais e a ordem
natural da existência é a de que essa criança, com atuais três anos e meio, esteja
enriquecendo a unidade familiar, além de se constituir, em tese, como provedor
dos pais, na velhice destes.
O casal de agricultores, ainda que com eventuais dificuldades,
vivendo em pequena comunidade do Interior do Estado, onde os parâmetros e as
exigências são diferentes e menores do que na chamada "urbe", por certo estará
tendo condições de bem prover o sustento da criança. Em sentido contrário não há
prova nos autos.
Ademais, não se pode admitir, em caso como o dos autos, que
venha a se impor ao médico que obrou com culpa, mas sem dolo, o dever de
pensionar os pais e/ou uma criança saudável.” (grifos nossos)
A verificação da concessão do dano moral, em casos envolvendo o
procedimento de vasectomia, pode turvar um pouco nossa análise, pois nessas hipóteses
os julgadores, com muita freqüência, identificam outro fator importante para a
concessão dos danos morais: o considerável abalo no relacionamento dos pais, gerado
pelas fortes suspeitas sobre uma possível conduta adulterina da gestante que engravida
de marido vasectomisado65.
As hipóteses de laqueadura tubária são mais apropriadas para a verificação da
existência de dano moral pelo nascimento de um filho indesejado, o mesmo
Apelação Cível n. 70012464111. Recorrente/Recorrido: Moises Rui, Ivete Maria Rui e Ernidio Luiz
Bassani. Relator: Luiz Ary Vessini de Lima. Porto Alegre, 15 de dezembro de 2005.
64
TJRS - Nº 70012464111, com ementa citada na nota anterior. Também não conferiu a reparação por
dano patrimonial o TJRJ, em BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível
nº 2007.001.60917. Recorrente: Fundação Municipal de Saúde de Petrópolis e Marli da Silva Oliveira.
Recorridos: Fundação Municipal de Saúde de Petrópolis, Marli da Silva Oliveira e Francisco José Baffi
Ferreira. Relator: Des. Gabriel de Oliveira Zéfiro. Rio de Janeiro, 18 de maio de 2008.
65
Paradigmática é a Apelação Cível BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível
n. 70009780065, Recorrente: NETLAB Recorrido: Paulo Gilberto Alves dos Santos. Relator : Des.
Cacildo de Andrade Xavier, de 18 de maio de 2005, cujo voto do Relator traz a seguinte passagem, “Não
se tem como negar a ocorrência do dano no presente caso. Com efeito, partindo da premissa que a
possibilidade de o casal ter outro filho era algo remotíssimo, outra não poderia ser a reação do autor em
desconfiar da fidelidade de sua esposa quando esta lhe comunicou estar grávida.”.
16
acontecendo com uma hipótese imensamente rica que assolou o Poder Judiciário
brasileiro nos últimos anos: os casos de “pílulas de farinha” do muito popular
anticoncepcional Microvlar. Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo
concedeu plena reparação patrimonial para os autores de uma ação de indenização pelo
nascimento de um filho indesejado de uma cliente do anticoncepcional Microvlar,
albergando inclusive amplo pensionamento. Entretanto, contrariando o voto do
desembargador relator, o desembargador José Luiz Gavião de Almeida proferiu voto
vencedor em que a teoria do “evento abençoado” foi utilizada para justificar a não
concessão de dano moral. Nesse sentido o ilustrativo fragmento do voto citado,
“Não se duvida que, no caso dos autos, a gravidez não era esperada, mas pelo
contrário, evitada pela autora, tanto que usava método contraceptivo. Princípio
constitucional previsto no art. 226 § 7º o consagra diretriz pela qual "o
planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar
recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas"
(Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, ed. Atlas, São Paulo, 2002, p.
683). (...)Tudo mostra que houve concepção indesejada imposta por culpa da
requerida. E não se pode duvidar de inicial aflição da autora, quando da notícia de
gravidez. Mas se tudo isso é verdade, não se pode falar em dano moral dessa
situação decorrente. A dor, a aflição, a tristeza experimentada não pode ser
superior à alegria, à felicidade do nascimento de um filho. Se assim não se
entender não se pode reconhecer qualidade de pai ao ascendente biológico. Mais
que isso, reconhecer tristeza dos pais na vinda do filho é garantir a este dano
moral contra aqueles por desrespeito ao dever de assistência que os primeiros
devem ao segundo. Nem toda dor é danosa, justificadora de reparação. A dor que
sofre um pai com a criação do filho é antes regozijo. Já se disse que ser mãe é
andar chorando num sorriso/ ser mãe é ter um mundo e não ter nada/ ser mãe é
padecer num paraíso (Henrique Maximiliano Coelho Neto). Não se duvida da dor
de ser mãe. Mas ela é compensada, e com sobras, pela vinda do filho que, por
isso, não pode ser motivo para justificar dor moral. O sofrimento do torcedor
durante o jogo de seu clube é compensado quando da vitória. A dor de curta
duração, especialmente quando antecedente de alegria que a suplanta em
intensidade, não tem preço. Por isso a necessidade, para efeitos indenizatórios, do
efeito lesivo durável. Não se há de restituir a alegria pela dor sofrida pela autora
se esta já se faz presente, ou ao menos é natural que isso tenha ocorrido. Com
todo respeito ao posicionamento do voto vencedor, não se pode concordar com a
comparação que se faz em relação ao estupro. O que choca, no caso do estupro é a
violência sofrida pela mulher. E tanto essa violência é reconhecida que se
permite, inclusive, o aborto. Não é o mesmo tratamento que a lei dá à gravidez
involuntária decorrente da falha no método contraceptivo utilizado, tanto que não
dá, nesse caso, bíll de indenidade ao aborto. Aqui não é a violência que marca a
mulher, mas a quebra de promessa de quem forneceu produto que deveria ser
eficaz e não foi. Por isso que, menos gravoso, se entende aplacado pela felicidade
superveniente”66.
Julgando hipótese com objeto semelhante, isto é, ação civil pública movida pela
Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor contra a empresa produtora do
contraceptivo Microvlar, o Superior Tribunal de Justiça confirmou o entendimento dos
tribunais inferiores da procedência do pedido de condenação genérica da requerida ao
66
BRASIL.Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ementa: Responsabilidade Civil – Pílula
Anticoncepcional ineficaz (placebo). Aplicação da Legislação Protetora do Consumidor. Ressarcimento,
pela Schering, dos prejuízos materiais. Apelação Cível n. 2097364700. Recorrente: Schering do Brasil
Química e Farmacêutica Ltda. Recorrido: Edilaine Procópio dos Santos. Relator: Antonio Vilenilson. São
Paulo, 03 de junho de 2008.
17
pagamento de danos morais, incluindo-se no objeto da lide os direitos individuais
homogêneos dos consumidores efetivamente lesados, de forma a permitir, por estes,
futura execução individual da sentença. A fundamentação da condenação em danos
morais, pela Ministra Relatora, Nancy Andrighi, segue abaixo explicitada,
“De forma muito breve, deve-se anotar, apenas a bem da verdade, que o produto
por ela fabricado é um anticoncepcional, cuja única utilidade é a de evitar uma
gravidez; portanto, a mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizálo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos. Nesse
contexto, a falha do remédio frustra a opção da mulher, e nisso reside a
necessidade de compensação pelos danos morais. O argumento da Schering, da
forma irrestrita como está exposto, leva ao paradoxo de se ter uma empresa
produtora de anticoncepcionais defendendo que seu produto não deveria ser
consumido, pois a maternidade, ainda que indesejada, é associada à idéia de
felicidade feminina.”67
Além das hipóteses em que o nascimento de um filho indesejado, pela utilização
do argumento do “evento abençoado”, acaba privando as vítimas da reparação do dano
moral ou do dano patrimonial, a jurisprudência brasileira também apresenta um número
considerável de decisões que concedem reparação para ambos os prejuízos.
Encontramos esses casos tanto nas hipóteses de métodos contraceptivos de viés
cirúrgico, como a vasectomia e a laqueadura tubária, como nos casos das ineficazes
pílulas anticoncepcionais68.
IV- Análise crítica da reparação por wrongful conception e uma proposta de
quantificação racional para este tipo de dano.
O capítulo anterior comprovou que a reparação do wrongful conception no
direito brasileiro ainda carece de sistematização. Com efeito, notamos que alguns
acórdãos concedem uma reparação plena para o nascimento de filhos indesejados,
incluindo danos morais e patrimoniais. Outras decisões, no entanto, utilizando-se do
argumento do “evento abençoado”, acabam por concluir pela inexistência do dano
moral ou, em outros casos, pela inexistência do dano patrimonial.
Como os juristas norte-americanos, com o pragmatismo que lhes é peculiar,
muito discutem sobre quais os danos que podem ser identificados com a ação de
wrongful conception e qual a sua correta quantificação, prestaremos particular atenção
ao ordenamento norte-americano para, com o subsídio do método comparatista, tentar
chegar a conclusões críticas sobre o tratamento do wrongful conception no ordenamento
brasileiro.
Michael Murtaugh, em aprofundado estudo sobre o assunto, aponta 1982 como
um ano decisivo para a definição da jurisprudência sobre wrongful conception nos
67
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 866.636/SP. Recorrente: Schering do Brasil
Química e Farmacêutica Ltda. Recorrido: Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor. Relator: Min.
Nancy Andrighi. Brasília, 29 de novembro de 2007.
68
Interessantes exemplos obtemos pelo exame de dois casos julgados pelo Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, Apelação Cível n. 51987/2005, que trata de reparação pelos danos causados pelo
anticoncepcional Microvlar e Apelação Cível 2005.001.44438, que concedeu ampla reparação pelos
prejuízos resultantes de uma vasectomia mal realizada.
18
Estados Unidos, pois nesta data foram decididos os principais casos, julgados por
Estados diferentes, que servem de paradigma para as linhas jurisprudenciais encontradas
até hoje naquele ordenamento69.
Já analisamos, no segundo capítulo, a tendência majoritária da jurisprudência
norte-americana em indenizar as ações baseadas em wrongful conception. Aqui
passaremos a abordar as duas grandes correntes jurisprudenciais que divergem sobre
variações em relação aos danos identificados com o wrongful conception. Portanto,
focaremos nosso exame na maneira com que a jurisprudência estrangeira vincula
prejuízos ao nascimento de uma criança saudável, mas indesejada.
Em Kingsbury v. Smith e em Wilbur v. Kerr, a Suprema Corte de New
Hampshire e a Suprema Corte do Arkansas, respectivamente, julgaram casos de
wrongful conception devido a problemas com métodos contraceptivos. Em Kingsbury -que analisou o caso de uma mãe de três filhos que se submeteu a uma laqueadura
tubária, mas acabou engravidando do quarto filho 18 meses após o procedimento -- os
magistrados limitaram a indenização, entendendo que os danos que apresentavam uma
conexão direta e imediata com a conduta do agente eram, além do dano moral, os custos
médicos com a laqueadura tubária e a perda de rendimentos advinda com a gravidez,
mas não concederam indenização pelos custos de criação da criança indesejada.
A mesma solução foi encontrada pelos magistrados de Wilbur v. Kerr, quando
afirmaram que a concessão de indenização pelos custos de criação permitiria o
aparecimento de um “bastardo emocional”, pois a criança, quando adquirisse
maturidade, acabaria por descobrir que seus custos pessoais são pagos por terceira
pessoa, tomando conhecimento de que seus pais não o desejavam70. O argumento do
“evento abençoado” representa ponto de apoio importante para essa corrente, pois esta
defende que seria uma injustiça o médico arcar com todos os custos de criação e não ter
nenhum dos benefícios intangíveis que a criação de uma criança proporciona71.
Representando outro entendimento, Ochs v. Borreli, julgado pela Suprema Corte
de Connecticut no mesmo ano de 1982, lembrou o direito de privacidade e
autodeterminação indubitavelmente concedido às mulheres desde os casos Griswold e
Roe, concluindo que todos os danos causados pelos médicos que desrespeitam esses
direitos devem ser reparados, incluindo os custos de criação de filhos saudáveis, mas
indesejados. Entretanto, a linha argumentativa encontrada no caso Ochs não
negligenciou por completo o argumento do “evento abençoado” e determinou que ele
deve ser levado em conta no momento da quantificação dos danos. Deste modo, os
magistrados sugerem um inusitado modo de “compensação parcial” do prejuízo
patrimonial sofrido pelos pais no custeio do filho indesejado com o regozijo típico que
existe na criação de uma criança. É interessante que o caso Ochs não fixa os parâmetros
para que essa compensação ocorra, deixando para o júri, no sistema processual norteamericano, essa delicada missão.
Atualmente, dos trinta e dois estados americanos que admitem a reparação pelo
wrongful conception, apenas cinco se filiam à segunda corrente aqui apresentada,
ficando a imensa maioria restrita à indenização do dano moral adicionado ao dano
patrimonial gerado pelos custos dos métodos contraceptivos (cirurgia de vasectomia ou
69
MURTAUGH, 2007, p. 260 e seguintes.
Idem, p. 264 e 283. A Suprema Corte de Indiana recentemente sufragou este entendimento, julgando,
em 2003, o caso Chaffee v. Seslar.
71
Idem, p. 285.
70
19
laqueadura tubária), pelos demais custos médicos e pela eventual perda de proventos
durante a gravidez72, nos moldes estabelecidos pelo caso Kingsbury v. Smith. Vale
lembrar que a pensão integral capaz de cobrir todos os custos da criança somente é
concedida nos casos de wrongful birth, ou seja, em casos de nascimento de crianças
deficientes.
Em data mais recente, a Suprema Corte de Massachusetts julgou o caso Burke v.
Rivo, concordando com os argumentos do caso Ochs. O tribunal referido explicitamente
repeliu os argumentos contidos em Wilbur v. Kerr, afirmando que somente os pais da
criança podem decidir se o pedido de indenização de um dano efetivamente sofrido
poderá gerar algum tipo de efeito emocional negativo em seu filho, afastando, desta
forma, o argumento do “bastardo emocional”. A instância máxima do Estado de
Massachussetts ainda apontou a contradição contida em decisões como Wilbur v. Kerr,
pois concedem a reparação de outros danos patrimoniais diretos e imediatos, que
também podem fazer com que a criança um dia descubra que fora indesejada73.
Interessante notar que um dos elementos que pode ter motivado o tribunal a desafiar a
corrente majoritária foi a razão pela qual a laqueadura tubária da senhora Burke foi
realizada. Destarte, a família Burke já tinha filhos e passava por uma situação de
dificuldade financeira, levando a senhora Burke a ter de voltar a trabalhar. Por este
motivo o procedimento contraceptivo foi efetuado, pois o nascimento de mais uma
criança seria desastroso para a economia familiar.
Murtaugh ajunta que os casos de wrongful conception que efetuam a referida
“compensação parcial”, propugnada em Ochs v. Borreli, tem como grande fundamento
a seção 920 do Restatement (Second) of Torts74, que prescreve que quando o dano
causado pelo agente também gera um benefício para o interesse da vítima que foi
lesado, o valor do benefício deve ser considerado para mitigar equitativamente o valor
da reparação. O autor, contudo, acredita que a utilização deste dispositivo, da maneira
como foi utilizado em Ochs v. Borreli e em Burke v. Rivo, contém algumas
inconsistências, pois a seção 920 prescreve que o benefício obtido deve ser relativo ao
interesse que a vítima visava proteger e que foi lesado pela conduta do agente.
Portanto, imperioso seria determinar qual o interesse que os pais visavam
proteger quando lançaram mão do método contraceptivo75. Em 1990, a Suprema Corte
de Wisconsin, no caso Marciniak v. Lundborg, respaldou o entendimento do autor,
afirmando que na hipótese julgada, os demandantes queriam evitar uma gravidez para
não ter o custo de uma nova criança. Portanto, a compensação parcial deve se dar com o
72
Idem, p. 278 e HENSEL, 2005, p. 151, este último autor confirma que a tendência majoritária está
alinhada com o caso Kingsbury v. Smith
73
Burke v. Rivo, 551 N.E.2d 1, 4 (Mass. 1990), “We are ... unimpressed with the reasoning that childrearing expenses should not be allowed because some day the child could be adversely affected by
learning that he or she was unwanted and that someone else had paid for the expense of rearing the child.
Courts expressing concern about the effect on the child nevertheless allow the parents to recover certain
direct expenses from the negligent physician without expressing concern about harm to the child when the
child learns that he or she was unwanted”
74
“When the defendant’s tortious conduct has caused harm to the plaintiff or to his property and in so
doing has conferred special benefit to the interest of the plaintiff that was harmed, the value of the benefit
conferred is considered in mitigation of damages to the extent that this is equitable”
75
MURTAUGH, 2007, p. 296 “However, the Connecticut court's analysis is flawed in that it ignores the
"same interest" limitation of the Restatement. A careful reading of section 920 reveals that it is not the
plaintiff who must benefit through the defendant's tort in order to fall within the parameters of the rule;
rather, it is the "interest" or purpose that the plaintiff was seeking to secure at the time of the defendant's
wrongdoing.”
20
potencial econômico que uma criança tem para seus pais76, como a possibilidade de
prestar alimentos em momento futuro. O autor também apóia o caso Hartke v.
Mckelway, julgado no Distrito de Columbia, em que os custos de criação não foram
indenizados, porque os pais nunca tiveram preocupações econômicas e a gravidez não
era desejada unicamente pelos graves riscos que isto causaria para a saúde da gestante.
77
Parece-nos meritório o posicionamento de Murtaugh, pois acreditamos que se o bem
jurídico que os pais da criança tentavam proteger não era econômico, os custos com a
criação da criança, outrora indesejada, como no caso da mãe que fez laqueadura tubária
simplesmente por razões de saúde, não poderiam ser encarados como um prejuízo
indenizável.
Em síntese, observa-se que a jurisprudência norte-americana majoritária concede
reparação por dano moral e pelos prejuízos patrimoniais relativos aos custos médicos
com o parto e com o método contraceptivo ou abortivo frustrado, bem como pela
diminuição dos ganhos dos pais devidos a gestação. Porém, a indenização, mesmo
parcial, pelos custos de criação pertence a uma parte minoritária das decisões judiciais.
Na França, como tivemos oportunidade de observar no segundo capítulo do
presente trabalho, a teoria do “evento abençoado” é utilizada para deixar os pais de uma
criança indesejada sem qualquer tipo de reparação.
Em relação ao dano extrapatrimonial, concordamos com o posicionamento
majoritário da doutrina francesa, que é equivalente ao posicionamento majoritário da
jurisprudência norte-americana. Já nos manifestamos78, na linha da citada decisão do
Superior Tribunal de Justiça, no sentido de considerar que, mesmo admitindo a difícil
hipótese de a mãe que um dia chegou a efetuar ou a tentar efetuar o aborto estar
absolutamente radiante pela chegada de seu rebento, antes indesejado, exigir a prova de
circunstâncias particulares, como um filho deficiente, para admitir qualquer tipo de
reparação para a mãe, vítima de falha médica, representa um excesso. Em praticamente
qualquer caso de aborto ou de utilização de método contraceptivo frustrado (como a
vasectomia, por exemplo) podemos admitir, sem necessidade de imaginação fértil, que a
gestante sofrerá alta dose de angústia até o nascimento da criança não planejada
(indesejada), visto que a futura mãe, sopesando todas as peculiaridades de sua condição
social, econômica e afetiva, efetivamente optou por não ter filhos ou por não ter mais
filhos. Portanto, no particular julgamento realizado pela gestante, a utilização de
métodos contraceptivos -- direito garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro -- era a
sua melhor opção, para si e para a criança indesejada que poderia trazer ao mundo.
Desse modo, a negativa ilegal de implementar a legítima opção feita pela mulher
representaria, sem sombra de dúvidas, angústia e abalo psíquico em intensidade para
caracterizar o que nossa doutrina e jurisprudência têm considerado como suficiente para
configurar o prejuízo extrapatrimonial.
Note-se que no citado caso do tribunal paulista, que utilizou o “evento
abençoado” para inviabilizar a reparação por dano moral, resta complexa a verificação
da utilização do mecanismo de “compensação”79 utilizado no direito norte-americano,
76
Idem, p. 299
Idem, p. 301.
78
PETEFFI DA SILVA, 2008, p. 189
79
Na doutrina nacional, há menção à “compensatio lucri cum damno”, que é exatamente a compensação
total ou parcial do dano sofrido pela vítima com os eventuais benéficos que a conduta danosa possa ter
gerado para esta mesma vítima. Entretanto, não encontramos uma análise aprofundada da jurisprudência
nacional na utilização deste instituto. Para uma correta noção do instituto ver FERREIRA DA SILVA,
Jorge Cesa. Inadimplemento das Obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007, p. 174
77
21
tendo em vista que se poderia considerar que o julgado entendeu pela própria
inexistência de dano moral. Entretanto, a referida decisão comparou a situação da
progenitora de uma criança indesejada com a situação de quem “padece no paraíso”, ou
seja, afirmou que “nem toda a dor é danosa”. Deste modo, há o inegável
reconhecimento, por parte do tribunal, da existência do padecimento ou da dor.
Nesse diapasão, a única forma de imaginar a não reparação do dano moral seria
considerar que este não está relacionado com um interesse juridicamente tutelado80.
Ora, parece-nos que a dicção do art. 226, parágrafo 7, da Constituição Federal, citado
pelo próprio acórdão em comento, não deixa dúvidas sobre a legitimidade do interesse
lesado pelo ato do agente, obrigando a reparação de todos os prejuízos que estiverem
em relação de causalidade direta e imediata. Assim, acreditamos que a conclusão de que
o dano moral possa ser “aplacado pela felicidade superveniente” nasce de uma
desautorizada premissa, baseada no já desgastada fórmula do “evento abençoado”,
desconsiderando a contundente argumentação contida no citado caso Roe v. Wade, bem
como efetuando ilegal limitação da eficácia plena do comando constitucional referido.
Em relação aos danos patrimoniais, também estamos de acordo com a linha
geral do ordenamento norte-americano. Assim, os custos médicos despendidos com
procedimentos como a vasectomia ou a laqueadura tubária deveriam ser integralmente
restituídos, bem como todas as despesas com parto e com a eventual perda de
rendimentos que poderia afligir os pais devido aos extenuantes cuidados com um recémnascido. Em relação ao pensionamento, amplamente concedido em alguns julgados
brasileiros, principalmente nos casos envolvendo as “pílulas de farinha” do
contraceptivo Microvlar, uma análise mais aprofundada se faz necessária.
Já dissemos que entendemos a possibilidade de chocar alguns juristas o fato do
responsável pela má execução de uma vasectomia ser considerado imputável pelos
custos de criação da criança até sua maioridade, já que esse menor, sustentado pelo
agente, poderia, no futuro, até auxiliar sua mãe em caso de necessidade financeira81.
Deste modo, chegamos a sustentar que ao menos as necessidades materiais
indispensáveis para a adaptação mais imediata da mãe do filho indesejado a sua nova
realidade deveriam ser suportadas pelo agente. Para sermos mais específicos,
asseverávamos que todos os custos relativos aos primeiros anos de vida, como despesas
com alimentação, higiene, medicação e educação deveriam ser suportados pelo agente,
bem como as eventuais perdas salariais que a jovem mãe sofreria por ter menos
disponibilidade para trabalhar, pois necessitaria de tempo para o cuidado com a criança.
De acordo com as particularidades do caso, prejuízos adicionais poderiam ser
facilmente detectados82. Intuitivamente, sem o conhecimento do direito norteamericano, propusemos uma certa reparação limitada, bastante semelhante à
“compensação parcial” proposta por uma parte da jurisprudência dos norte-americanos.
80
Sobre essa discussão no Direito Francês ver PETEFFI DA SILVA, 2008, p. 187, com os comentários
de Patrice Jourdain. Para a necessidade de existir a quebra de interesses juridicamente tutelados para a
indenização do dano moral ver SHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil.
São Paulo, Atlas, 2007, p. 97-176.
81
FABRE-MAGNAN, 2001, p. 305-306. A autora acredita que seria um exagero imputar ao médico
todos os custos relativos à criação da criança, mas custos como as despesas médicas com as falhas no
abortamento deveriam ser ressarcidas. Deste modo, pondera que a alocação de reparação a título de dano
moral seria o mais adequado, pois, no mínimo, a mãe sofreria de estresse.
82
PETEFFI DA SILVA, 2008, p. 190. Essa foi a síntese de nossa opinião exarada quando da análise
exclusiva do Direito Francês.
22
Entretanto, parece-nos complexo, dentro dos marcos legais que regem o nosso
direito de responsabilidade civil, utilizar como fundamento jurídico a “compensação
parcial” conscientemente realizada pela jurisprudência norte-americana. Grande parte
da argumentação utilizada anteriormente, em defesa da indenização do dano moral,
pode ser aqui replicada, pois também há a evidente lesão a um interesse juridicamente
tutelado e há o evidente prejuízo econômico por parte do réu.
No caso do tribunal gaúcho, igualmente citado no capítulo anterior83, em que
não houve reparação de dano patrimoniais, parece ter ocorrido real “compensação”, nos
mesmos moldes efetuados pelos tribunais norte-americanos. Concordamos com o
professor Murtaugh, quando, defendendo uma aplicação purista da seção 920 do
Restatement (Second) of Torts, diz que a compensação deve ocorrer somente quando
esta tiver relação com o interesse lesado. Portanto, também entendemos problemática a
“compensação”, mesmo que parcial, de um interesse patrimonial com um benefício
anímico84.
Desta forma, seduzidos pelos conhecimentos recentemente amealhados,
acreditamos que uma reparação ampla dos danos causados, incluindo um
pensionamento integral pelos custos de criação da criança indesejada, seria a decisão
mais correta, tendo em vista a existência, em grande parte dos casos, do nexo de
causalidade certo e direto entre a conduta do agente e os custos de criação. Devemos
fazer menção, uma vez mais, à necessidade de se levar em conta o interesse jurídico
buscado pelos pais na efetivação do método contraceptivo, impedindo a reparação pelos
custos de criação quando os pais nunca tiveram preocupações financeiras, como, por
exemplo, no caso de laqueadura tubária efetuada com o intuito de prevenir uma
gravidez de alto risco. Nossa propensão a propor um modelo jurídico nacional próprio
para a reparação do wrongful conception, em oposição total à jurisprudência francesa e
em oposição parcial à jurisprudência norte-americana, resta mais fortalecida pela
83
TJRS - Nº 70012464111
Apesar de se tratar de tema complexo, apto a gerar um texto exclusivo para a análise de suas
possibilidades de admissão pelo direito brasileiro, acreditamos que, em grande medida, a compensação
parcial sugerida pela seção 920 do Restatement (Second) of Torts deveria ser importada com muitíssimo
cuidado. Primeiramente, o próprio art. 944 positiva, em nosso ordenamento, o princípio da reparação
integral do prejuízo. Portanto, a regra geral, entre nós, deve ser a impossibilidade de aplicação da regra de
compensação parcial do prejuízo. Note-se que a melhor doutrina afirma que, quando alguém “vê
aumentado seu patrimônio por trabalhos de outra pessoa que agia no seu próprio interesse” ( NANNI,
Giovanni Ettore. Enriquecimento Sem Causa. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 262, baseado nos
ensinamentos de Agostinho Alvim. No mesmo sentido NORONHA, Fernando. Enriquecimento sem
causa Revista de Direito Civil, vol. 56, p. 51) não existiria o preenchimento do suporte fático da norma
contida no art. 884 do Código Civil e, portanto, não existiria a necessidade de restituir o valor acrescido
em seu patrimônio. Assim, parece-nos que, v.g., um novo Shopping Center, cuja construção causou
rachaduras na casa vizinha, mas também em muito a valorizou, deveria indenizar a total quantia
necessária para arrumar as referidas rachaduras, sendo impedido de alegar a valorização aludida como
forma de compensação pecuniária e, portanto, causa para a diminuição da indenização. Em hipóteses
muito específicas, como quando da indenização por desapropriação indireta efetuada pelo ente estatal nos
casos em que a obra realizada na área expropriada acaba gerando grande valorização para a área
remanescente, podemos notar a possibilidade de uma certa “compensação” parcial entre os valores
devidos pelo ente estatal e o benefício econômico auferido pelo proprietário da área em razão da
valorização. Contudo, essa possibilidade advém da interpretação de dispositivo legal específico, o art. 27
do Decreto-lei 3365/41, que autorizaria que a referida valorização fosse levada em consideração no
cálculo da indenização. Para um excelente panorama da discussão judicial sobre o tema, que mostra que a
regra do art. 27 vem sendo aplicada de maneira muito restrita, ver o Recurso Especial 831.405 –SC. D.J.
12/11/2007., Rel. Min. Luiz Fux. Deste modo, acreditamos que a argumentação mais acessível para os
que desejam albergar a tese majoritária no ordenamento norte-americano como modelo para o direito
brasileiro, seja centrar o debate no nexo de causalidade e questionar quais os danos que estão em relação
direta e imediata com a conduta do réu.
84
23
evidente contradição encontrada nos sistemas estrangeiros, que optam pelo sistema aqui
proposto, de reparação integral do prejuízo, somente nos casos de nascimento de filhos
excepcionais (wrongful birth), consagrando odiosa discriminação85.
Quando a ação de indenização é ajuizada contra médicos ou outros profissionais
da saúde, nos casos de vasectomia e laqueadura tubária, observou-se que a tendência da
jurisprudência brasileira é improceder totalmente a demanda com base no fundamento
de não existência da culpa. Nos casos em que a condenação ocorre, notou-se que o
fundamento normalmente reside na falta do dever de informar por parte dos médicos.
Nessa hipótese, uma minuciosa análise do caso concreto deve ser realizada, pois nos
parece que uma ligeira falha no dever de informar pode ser considerada como uma
culpa leve que levou a vítima a suportar os altos custos de criação de uma criança. Deste
modo, acreditamos que muitos desses casos poderiam preencher o suporte fático do
parágrafo único do art. 944 do Código Civil, fazendo com que o médico não reparasse a
integralidade dos danos sofridos pelas vítimas. É evidente que a aplicação do
dispositivo aludido necessita de uma análise concreta, em caso específico, para verificar
a real existência dos seus pressupostos de eficácia, quais sejam: a culpa leve por parte
do profissional e a gravidade do dano sofrido pela vítima.
VI- CONSIDERAÇÕES FINAIS
As incontáveis questões complexas que envolvem o wrongful conception, o
wrongful birth e, principalmente, o wrongful life, são responsáveis pela impressionante
atração que essas novas espécies de danos causam na doutrina estrangeira. Com efeito,
o cunho interdisciplinar contido na análise dessas espécies desafia inclusive pensadores
afastados do mundo jurídico. A doutrina brasileira tem se mostrado mais tímida,
mormente por acreditar que o assunto somente adquire relevância em países que
apresentam a ampla possibilidade de abortos voluntários.
Com a observação de alguns métodos contraceptivos lícitos, como a laqueadura
tubária, notou-se a possibilidade de vinculação estreita destes novos danos,
principalmente o wrongful conception, com o Direito Brasileiro. Assim, estudou-se
primeiramente os avançados debates existentes no direito estrangeiro para, valendo-se
de um típico fenômeno de recepção e de circulação de modelos jurídicos, possibilitar a
elaboração de um modelo jurídico-hermenêutico nacional86. Esse modelo, em nossa
opinião, deve possibilitar uma ampla indenização dos danos advindos do nascimento de
uma criança indesejada, permitindo a reparação da integralidade dos danos patrimoniais
e extrapatrimonias observados.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.
85
Com essa concepção, por todos, HENSEL, 2005.
REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito. 1. ed., 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 107.
Conforme o ensinamento do autor, através do estudo do direito comparado a doutrina pode formar
modelos jurídicos prospectivos. Nas suas palavras: “Consoante já observei, a doutrina exerce uma função
de vanguarda, pois, conforme será logo mais examinado, além de ela dizer o que as normas jurídicas
efetivamente significam ou passam a significar ao longo de sua aplicação no tempo, cabe-lhes enunciar os
princípios gerais que presidem a vigência e eficácia das normas jurídicas, bem como conceber os modelos
hermenêuticos destinados a preencher as lacunas do sistema normativo, modelos esses convertidos em
modelos prescritivos graças ao poder constitucionalmente conferido ao juiz.”
86
24
Chron - Chronique
D - Dalloz
Gaz. Pal - Gazette du Palais
I.R.- information rapide
JCP - Juris-classeur périodique
obs. - observations
p. - página
pan.- panorama
Resp. civ. et assu. - Revue de Responsabilité civile et assurance
RGAT - Revue générale des assurances terrestres
RIDC - Revue internationale de droit comparé
RTDC - Revue Trimestrielle de Droit Civil
RTDSS - Revue trimestrielle de droit sanitaire et social
Somm - sommaire commenté
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25
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70009780065. Recorrente: NETLAB Recorrido: Paulo Gilberto Alves dos Santos.
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Recorrente: Shering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. Recorrido: Edilaine
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 866.636/SP. Recorrente:
Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. Recorrido: Fundação de Proteção e
Defesa do Consumidor. Relator: Nancy Andrighi. Brasília, 29 de novembro de 2007.
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