A dimensão política das microculturas juvenis

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A dimensão política das microculturas juvenis
ORGANIZADORES
FAMILIA, ESCOLA EJUVENTUDE Olhares cruzados Brasil-Portugal UNIVERSlDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
REITOR Clclio Campolina Diniz
VICE-REITORA Rocksane de Carvalho Norton
EDITORA UPMG
DrRETOR Wander Melo Miranda
VrCF.-DlRETOR Roberto Alexandre do Canno Said
CONSELHO EDITORIAL
Wander Melo Miranda (PRESIDENT E)
Antonio L\liz Pinho Ribeiro
Plavio de Lemos Carsalade
Hdoisa Maria Murgel Starling
Marcio Gomes Soares
Maria das Grayas Santa Barbara
Maria Helena Damasceno c Silva lvlegale
Roberto Alexandre do Carmo Said
Belo Horizonle
Editora UFMG
2012
@
2012, Os autores
2012, Editora UFMG
Este livro ou parte dele nilo pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizayao
escrita do EdItor.
FI98
SUMARIO
Familia, escola e juventude: olhares cruzados Brasil-Portugal
Juarez Dayrell. .. [et aL], organizadores - Belo llorizonte : Editora
UFMG,2012.
449p.: il.
Outms organizadores: Maria Alice Nogueira, Jose Manuel Resende,
Maria Manuel Vieira. Indui \Ji\Jliografia. [SBN: 978-85-7041-9194 Sociologia. 2. Educa<;iio. 3. Familia. 1. Dayrell, Juarez. II. Nogueira,
Maria Alice. Ill. Resende, Jose Manuel. IV. Vieira, Maria Manuel.
COD: 306.85
CDU: 301185.14
Elahorada pela DI1TI Setor
'll-atamento da lnforma,ao
Bibliotcca Universit<iria da UFMG
COOIWENAc,:AO EDITORIAL I DANlVIA WOLFF AssrsTf.:NcIA EDITORIAL I ELIANE SOUSA E EUCLIDIA MACEDO COORDENAc,:AO DE TEXTOS I MARIA DO CARMa LI?.ITE RIBEIRO PREPARA\=AO DE TEXTOS I MICHEL GANNAM
REVrSAO DE PROVAS I BEATRIZ TRINDADE, DAVID BEZERRA DE SOUZA,
NATHALIA CAMPOS E SIMDNE FERREIRA
COORDENAc,:AO GRAFlCA I CAsslO RIBEIRO PRO)ETO GRAFf CO I WARREN MAIHLAC APRESENTA<;:AO
Os organizadores
9
PRIMElRA
A fAMILIA NA SOCIEDADE CONTEMPORANEA
A
LEGITIMIDADE CULTURAL NO MUNDO CONTEMPORANEO
DO POLITEISMO CULTURAL CONTEMPORANEO AO
TRABALHO ESCOLAR DE ELlMINA<;:AO DA DISSONANCIA
Jolio Teixeira Lopes
24
EXPERIENCIAS DE SOCIALIZM,:AO
E DISPOSI<;:OES nfBRIDAS DE HABITUS
Jacintha Set/oil
Maria da
38
AS MUI~<\<;:OES DA PAISAGEM CUnURAL
ENTRE A LEGITIMIDADE E A LEGlTIMAyAO DO CAPITAL
CULTURAL EM SUA FORMA ESCOLAR
56
Zaia Brandao
FORMATAc;:AO, CAPA E PRODU\=AO GRAFfCA I DlfGO OLIVEIRA A RELAyAO
FAMILlA-ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE
SOCIOLOGICA DA RELA<;:Ao ESCOLA-FAMfuA
UM ROTElRO SOBRE 0 CASO PORTUGUES
76
Pedro Silva
EDITORA UFMG
Av. Antonio Carlos, 6.6:>7 Ala direita da Biblioteca Central Terreo
Campus Pampulha 31270-901 Belo Horizonte-MG Brasil
Tel. +55 31 3409-4650 Fax ,55 313409-4768
[email protected]
UM TEMA REVISITADO
As CLASSES MEDIAS E A EDUCA<;;AO
Maria Alice Nogueira
ESCOLAR
110
A RELA<;AO
~:--.((
SOCIAUZA~:AO E ESCOLA
NOS MEIOS POPULARES
)lA
298
ApONTAMENTOS DE UM ITINERARIO DE PESQUISAS
Nadir
132
NOVAS DESIGUALDADES CRIADAS PELA
ESCOLAR NA DECADA DE 1990
SOCIOLOGIA DA EDUCA(AO R PRATICA DOCENTE
Lea PinheiT"O Paixao
151
EFETTOS SOBRE A
T'l\.W'T'T'T'TTU"'!
323
Monica Peregrina
As
PESQUTSAS SOBRE 0 EFEITO DO ESTABELECIMENTO DE ENSINO
COLETIVAS
ESTRATEGIAS DE FAMIUAS E ESCOLAS
COMPOSlyAO SOCIAL E EFEITOS DE ESCOLA
172
Ana Matias Diogo
RESISTENCIA VERSUS
A DlMENSAO POLlTICA DAS
Vitor Sergio
MICROCULTURAS JUVENIS
h~rreira
TRA(OS DA RETORICA PRODUZlDA SOBRE
o "EFEITO DE ESCOLA" 344
AUTONOMIA E SOCIOLOGIA
ANALISE EXPLORATORIA VA OPINIAO DIFUNDIDA NA IMPRENSA ESCRITA REDEFININDO CONCElTOS TRANSVERSAlS A PARTIR
E DAS RFPRFSPN
DO DEBA1'E ACERCA DAS TRANSI!;:OES PARA A VIDA ADULTA
DOS PROFESSORES DO ENSINO SECUNDARIO
PafJfJamikal
Moria Bent?ciita Portl<gal e Melo
372
A<;AO COLETIVA, cunURA E
o PARADIGMA DA ESCOLA EFICAZ ENTRE A
E A APROPRIA<;AO SOCIAL
NO BRASIL
CONSIDERA<;:6ES PRELIMINARES
Bruno Dionisio
215
Marilia Pontes Sposito
QUALlDADE DA EDUCA<;Ao
394
JUVENTUDE E DIVERSIDADE
Jose Francisco Soares
231
RA<;:AiETNIA, GENERO E SEXUALIDADE
TRAJETORIAS ESCOLARES,
PROPRIEDADES SOCIALS E ORIGENS NACIONAIS
SEGUNDA SEyAO
JUVENTUDE CONTEMPORANEA E EDUCAc;:Ao
DESCENDENTES DE IMIGRANTES NO ENSINO BASICO PORTUGUES
Teresa Seabra I Sandra Mateus
408
]UVENTUDE E COTIDIANO ESCOLAR
SOCIALIZA<;AO
NA ESCOLA SECUNDARIA PORTUGUESA
As COMPOSlyOES ENTRE 0 PROJETO ESTATAL IMAGINADO
E DTVERSIDADE
ARTICULANDO GENERO, RA<;:A E SEXUALIDADE
Wivian Weller
425
DE CIDADANIA
E AS GRAMATICAS POLlnCAS DISPONIVEIS
Jose Manuel Resende I Pedro Jorge Caetano
258
INCERTEZA E INDIVIDUA<;Ao
COMO PROCESSO DE
Maria Marluel Vieira
BIOGRAFICA
276
SOBRE OS AUTORES
445
-.... VITOR
SI;:RGIO
RESISTENCIA VERS
FERREIRA
EXISTENCIA?
DIMENSAo POLlnCA
IS
INTRODUC;AO
o trabalho de campo realizado no ambito do meu doutora­
mento, 0 qual versava a problemMica da modifica<;ao corporal
com recurso a tatuagem e body piercing em larga extensao na
I levou-me ate aos mundos clas rnicroculturas juvenis,
contextos socials de rnargem/ mais ex-d:ntricos e ex-otizados,3
em que ocorre um "fluxo de significados e valores manejados
por pequenos grupos de jovens na vida quotidiana, atendendo
a situa<;oes locais concretas".1 Como notam algumas das suas
mais recentes,5 essas estruturas sociabilisticas foram
objeto de acentuadas transforma<;:oes no tempo, refletindo-se nas
socializa<;:oes, vivencias e experiencias dos seus
a perten<;:a era entendida como permanente, exigindo
um elevado grau de compromisso dos participantes, a adesao
passou a ser assumida como transeunte e grau de eompromisso
substancialmente mais fraco; onde subsistia lim baixo nivd de
mobilidade, passou a persistir um acentuado grau de mutabi­
lidade intergrupal, implicando a circula<;ao atraves de socialidades
reticulares, estruturadas em redes microculturais cujos "n6s
se intercruzam em afinidades fd.geis e lealdades temporarias,
revisionaveis e transitorias, a qualquer tempo renegociadas ou
canceladas;6 onde a homogeneidade estilistica imperava, passou
a existir uma profusao eddiea e aeumulada de estilos visuais e
musicais, sendo tambem bastante mais diversificada a ple!iade de
recursos slmDollCOS em torno dos quais se estruturam as sociabili­
oncle permanecia uma forte
dades c iclentidades juvenis;, por
nticlade de grupa, passou a haver uma identidade fragmentada,
provisoria e acentuadamente indivicluada.
Mas as diferem,:as nao ficam por aqui. Considerando a pesquisa
de terreno feita em Portugal, 0 objetivo deste ensaio sera dar cOl1ta
das diferen<;as entre as realidades microculturais juvenis atuais
relativamente as do passado - tal como nos foram apresentadas em
pesquisas empreendidas na epoca B aqui tamanda como dimen­
sao de analise as suas ideologias e eticas de vida. Resumindo, onde
existia uma politica de
militante e coletiva, orientada
por uma etica de vida contestati'iria, movida por valores univer­
salistas de melhoria das condi<;:oes de vida, passa a existir uma
polftica de existencia, orient ada por uma etica de vida celebratoria,
que cultiva valores particularistas, hedonistas, experimentalistas,
presenteistas e canvivialistas no sentido do alargamento das pos­
ibilidades de expressao individual. Senao
DISTANCIA DAPOLlTICA
APROXIMAc;Ao SUBPOLlTlCA
As mieroculturas juvenis eresceram impressivamente em Portugal
descle os anos de 1980, num contexto marcado pda desencanta·
mento com as instfmcias politicas tradicionais, segllido pela euforia
do periodo p6s-revolucionario;
crescimento eeonomico e
maior propensao ao conSllmo e ao lazer;
aberlura cultural
ao exterior, com a consequente clemocratiza~:ao do espa~:o
co e relativa libera<;ao dos costumes; e ainda pela
prolongamento da escolaridade obrigatoria, que coloea os
numa situa<;ao de moratoria de "integra<;ao civica" e depenclencia
parental mais prolongada. Nesse contexto, as microculturas juve­
nis com os seus valores, praticas e recurs os estilisticos tiveram
tuniclade de difundir-sc nas zonas urban as do pais, enCOll­
trando um lugar receptiv~ nos corpos e mentes
muitos jovens
desafetados e/ou desencantados com os formatos mais ortodoxos
da participa~~ao social e poUtica.
345
.~
Objetivamente a margem dos centros de poder e dos processos
institucionais de tomada de decisao, e nao venda neles represen­
tados os seus interesses e preocupa~6es, alguns jovens encontra­
ram nas microculturas oportunidade de sc fazerem represenlar
socialmente como tal. Ai eles deixam de constituir "viti mas" que
necessitam de "cuidados intervencionistas" (como acontece nos
espa~os politicos tradicionalmente orientados para os jovcns), ou
meros
de consumo (como sucede no espa~o das economias
que tern os jovens como publico-alvo), configurando formas so­
ciabilisticas espccificamenle juvenis de socializa~ao, participa~ao
e protagonismo social, com linguagens e codigos proprios para se
expressarem enquanto sujeitos de si mesmos, para produzirem e
manifestarem as suas opinioes e aspira~6es sobre 0 mundo, con­
forme os seus pr6prios interesses e expectativas.
Na cren~a de que a poliLica eum mundo distante, que esta para
alem do seu poder de influencia e indisponivel para responder as
suas
desejos e necessidades, os jovens que foram objeto
desta pesquisa revelam-se ctetivamente bastante ceticos quanto
a relevancia e eficacia da a~ao movida atraves dos mecanismos
convencionais disponiveis para 0 exerdcio da cidadania polilica. 9
Pouco confiantes nos atuais moldes de funcionamento do sistema
politico, bem como nas institui<;:oes e pessoas que 0 representam,
ainda, alguma dificuldade em se
ci(mar no espectro poHtico-partid<irio portugues, bem como em
lidar com a tradicional clivagem esquerda-direita, cada vez mais
fragil enquanto polo de identifica~ao politica e secundarizada em
favor de novas formas de olhar e ordenar 0 politico, 0 ideol6gico
e os conflitos sociais.
Nem pereo tempo a falar de politicas. Eu e que me tenho de safar.
governo! C.. ) Seja de direita ou
de esquerda. ( ... ) Sou apolitieo, nao tenho nada a vcr com essas eolsas.
(... ) [Nunca votaste?] Nao, nunea. Nlmca na vida, nem me vou dar a
esse trabalho. ( ... ) E assim: eu estou mesmo a eagar para a sociedade! Os
meus valores sao s6 naqueJes que me rodeiam, al e que eu gosto de ver a
democracia. (. .. ) Para mim, quando falo de demoeracia nao epreciso ser
logo a falar do pafs e de politi ca. A demoeracia acho que tem de come<;:ar
eem casa, se for preciso. Primeiro assim 110 grupo de amigos ...
C..) E assim que eu vejo, seja qual for 0
346
Confrontados com a escassez de programas ideol6gicos credl­
veis e disponiveis em que se revejam, esses jovens partilham entre
si nao apenas um sentimento de distfmcia ao poder, como tambem
um sentimel1to de incapacidade perante a hip6tese de protagonismo
atraves das vias tradicionais e alinhadas de excrdcio da
cidadania, representadas em movimentos organizados e formais
de a<;:ao coletiva. Mesmo quando representam areas de natureza
mais expressiva, as praticas de sociabilidade mais organizada e
institucional despertam-Ihes um reduzido interesseY
A dificuldade em lidar com os mecanismos e institui~6es repre­
sentalivas do modo tradicional de exercicio da cidadania carac­
teristica da cultura poHtica desses jovens, nao implica, contudo,
a sua alegada despolitiza~iio no sentido da inercia ou resigna<;:ao
passiva perante os atuais problemas sociais, ou da inexistencia de
reflexividade, discussao e empenhamento social. Pelo contnirio, a
atitude critica que assumem per ante a a~ao e institui~oes politicas
comencionais indicia algnma consciencia civica por parte desses
jovens, meSI110 quando esta implica rea~6es de saida como resposta
ls
estrategica ao modo de funcionamento do sistema. Saidas,
designadamente, em dire~ao a espa~os de socialidades alterna­
tivas 16 ou retiros 5ubcu/turais,17 que nao deixam de ser animados
por uma 16gica de divergencia reformista das fundacoes sociais,
econ6micas e culturais.
Sc Illuitas vezes as novas
negligenciam e se mostram
aliP'l1l1das das agendas, causas e formas de a~ao politic a mais insti­
dos centros de poder e decisao tradicionais, em
alguns desses jovens esse sentimento de aliena~ao corresponde a
uma postura consciente e cultivada, na medida em que pretendem
justamente escapar a essa esfera de a~ao tradicional rumando em
a outras. A aliena~ao e aqui entendida nao no sentido
rnarxista do termo, mas no sentido da partilha de um sentimento
de alien dentro das sociedades contemporaneas, ou seja, lIm
sentimento de distanciamcnto critico perante 0 mundo que os
rodeia, percebido com desencanto e pessimismo, um sentimento de
demarca~ao do sistema em que se veem implicados, na sua ordell1
Alienar, do [atim alienare, quer
transferir para outrern 0 dominio
347
fJ
4
'!
I
l
n
r-i
j
i;
I:Ie
I:
de.
eo que esses jovens fazem: alheiam-se de determinados
mundos, deixando 0 seu dominio ao cuidado (ingI6rio, na Sua
perspectiva) dos politicos profissionais, e
rnais apeteciveis, sedutores, receptivos aos seus
fundos e conectados com as suas pv"",-iZ",
em que
de pensar, de ver e de scr no
ser
I:
da
estrategica,
como das praticas e das causas po1iticas
ancoradas na realpolitik, esses jovens acabam por valorizar espayos
de participayao, intervenyiio e exprcssao social, dotacios
de recursos e canais de produyiio, mobilizayiio e difusao mals
apeteciveis que os convencionais, 110 senlido de anunciar as Suas
preocupayoes, valores e interesses e de atuar em conformidade
com as suas expectativas e desejos, medos e anseios. Sao jovens que
encontram nas microculturas espayos sociativos em conexao com a
vivida,IB sentindo-os tambem
sua pr6pria
a vivcncia de Draticas c atitudes perante a vida e a sociedade
uma
criativa e
e
revelam-se espayOS
na medida em que concedem aos
sens atores nao apenas urn contexto disponivel aexperimentayao
de eticas e estilos de vida dissidentes dos dominantes, como tambetn
de recursos expressivos e performativos de
urn vasto
intervenyao
agregado a um circuito relativamente organi,
zado de canais de difusao,21 muitos deles globalizados a disti'll1cia
de urn click. Nesses circuitos sociais marginais, os jovens van
sendo expostos e socializados em entendimentos cdtieos
a realidade social (ou determinadas parcel as da 111,e"Llldj
modos de funcionamento, padroes de
de contravis6es em
as COI1­
POLlTICAS DE RESISTENCIA
POLITICAS DE EXISTENCIA
E nessa medida que as microculturas juvenis tern vindo a ser
tradicionalmente caractcrizadas como culturas de resisiencia,
conlestatarias de determinados modelos de ordem socialY
mais ortodoxa, revela-se
explorado para caracterizar as
-hegemonicas nos atuais contextos
du.;:ao social e culturaL
Tal como foram analisadas para as subculturas do passado,
dotadas de uma
as pniticas de resistencia pressupunham
intencionalidade transformadora da ordcm coletiva, tendo como
produzir a ruptura na "ordem social" e ganhar 0 lugar
dominante no que os atores percepcionavam como relayoes de
scndo tais priticas preconizadas com consciencia dos deitos
sociais que del as poderiam advir. 24 Nessa concepyao, os recursos
materiais e sim b6licos mobilizados pelos jovens cram subsumidos
ao selllugar de classe e vistos como reflcxo da sua posiyao domi­
nada, oprimida e explorada enquanto membros da dasse
de onde emergiam as subculturas
reprcsentantes sociais
dos sellS membros mais jovens.
Giroux 26 acrescenta ainda que, para llma
tefa de passar de uma
condenayao ideologic a aberta
H.I<:VIV~l<t"
de revelaidio
e provtc1enClar a oportuIlld
interesses de emancipayao social. Para tal, a resistencia pressupoe
organizayao grupal associada a um programa politizado,
autocentrada e fechada, orientada no sentido de
satisfazcr os interesses do coletivo que celebra e iTIteressada
em resultar em mudanyas efetivas na estrutura do sistema que
denuncia.
Ora, cssa concepyao de resistcncia enquanto exercfcio de
poder subversivo torna-se analiticamente menos
quando as identidades iuvenis microculturais, na sua
348
349
T
e fragmenta<;:ao reticular contemporaneas, ja nao surgem estru­
turadas na base da classe social, em [un<;:ao das
0 conceito
come<;:ou por ser desenhado. A potencialidade analitica desse
conceito surge assim mais localizada, contextualizada, sendo
particularmente di[kil identi[icar com nitidez, por exemplo, os
focos de oposi<;:ao das ditas pra.ticas de resistencia. Estas, de
de
ja nao sc observam orientadas para a rejei<;:ao de uma
domina<;:ao estrutural em [ace de uma hegemonia classista, mas
endere<;:adas a uma certa "ordem social".
Fssa ordem social IS descrita e aDresentada pelos entrevistados
como urn complexo e diluido sistema
elacoes de poder
e de [ormas de oHranizacao social
capitalista", "sociedade de consumo" ou "sociedade tecnocratica",
por exemplo), de processos culturais difusos associ ados a no<;:oes
de "progresso" ou "desenvolvimento" operadas pela
das form as sociais capitalistas
, "desumaniza<;:ao", "burocratiza<;:ao': "tecnologiza-;:ao",
"polariza<;:ao social", "individualiza<;:ao", "corrup<;:ao" ou "amea<;:a
eco16gica"), bem como de valores que Ihes sao correlacionados
" "materialismo" ou "sucesso"). Estes
focos de crttica confluem na resistencia a uma cullura mainstream
que e representada pelos jovens como premiando a
de adapta<;:ao do agente as contingencias e
do sistema e vivida como forma de corrosao do caracter.
Estou numa fase da minha vida em que tive que me prostltUlr urn
pouco, se quiseres, la esta, ao estereotipo, ao modelo existente. E nao me
sinto bem. Nao me sinto bern por estar desprovido de brincos, nao me
sinto bern por ter de ir trabalhar a ter de esconder partes das tatuagens
mesma esconder, por muito que tentasse. E cusla-me!
algumas nao
( ... ) A imagem inicial que a pessoa da para ser aceite, tem que ser uma
coisa ja bastante comprometida, ja
Ea, por outro lado, uma redu<;:ao de escala na intenc;:ao enos
desejados na atual operacionaliza<;:ao de praticas
cionais. Apesar de potencialmente conterem inten<;:oes e deitos
disruptiyoS, a rejlexividade transformadora subjacente a mobili­
dessas praticas tende a ser pouco ambiciosa em termos de
,c;n
I
I
II
i
.
de mudan<;:a social.29 A natureza politica das
que lhes estao subjacenles e mais latente do que manifesta, sendo
as respectivas consequencias de transforma<;:ao e inova<;:iio social
nao deliberadas e de absor~ao incer/a.
Sem perder 0 sen proposito dissidente, no senlido do agir em
nao conformidade, a politica que subjaz as praticas oposicionais
empreendidas em contextos microculturais nao e propriamente
revolucionaria, no senlido de tentar substituir os modelos domi­
nantes pelos seus proprios modelos. Sao praticas que tendem a
assumir mais a forma de demarca~ao pes50al perante os modelos
prescritivos da sociedade global(izada) do que de imposi~~ao coletiva
de urn dado model(), enquanto tentativa por parte de urn dado
grupo no senlido de impor a todos os outros 0 seu modo de vida.
A sua reflexividade transformadora cst amais direcionada para,
atraves do desafio que advem da oposi<;:ao e confronto) 2:arantir urn
espa<;:o social para a existem:ia da sua diferenc;:a
modelo alternativo de estilo de vida
estereotipos que sobre estes recaem e, em ultima ins\i.l.ncia, ten tar
o seu reconhecimento social enquanto possibilidades legitim as
de preiticas ani­
de vivcr a vida. l ! Nao serao, portanto,
quilatorias, no sentido que o[ereccm a possibilidade de mudar 0
mundo, cnquanto estrategias de luta com 0 objetivo de deslruir a
social vigente" e impor uma nova ordem substitutiva.
pdticas que aproveitam
sobretudo, praticas predat6rias, ou
o espa<;:o e os meios que a atual ordem social Ihcs disponibiliza
no sentido de se (a)firmarem e se fazerem reconhecer
possibilidades alternativas, a par de outras, tentando desse modo
das fronleiras culturais da expressao e da criatividade
(atraves do corpo, da
da imagem
minha primeira tatuagem foil um pouco de indole pOl1tlca, que
ja na altura mostrava 0 meu desagrado pela forma como se orientava a
sociedade. ( ... ) [As lOomcac;:oes no corpo] no meu caso, em tennos de
nao serao bem, v<lla, a forma de passar uma mensagem.
Sera mais uma postura, 0 desprezo pelo estereotipo, mas sera uma postura
que contesta os valores imDostos. Nao e DfoDriamente ir contra 0 este­
Ou seja, e como afirmar "eu posso continuar a ser
mas
351
T
tiio born quanta os outros, sem querer aparentar como todos os outras 0
querem tazer" Ou
sem
0 modelo existente. (. .. ) Talvez
que
haja seja uma necessidade por
das pessoas de se demarcarem desta
sociedade dita moderna. Ao dizer "niio estamos de aeordo com isto, entao
procuramos outras maneiras de estar".32
°
As praticas oposicionais desses jovens nao tem pretens()es de
dar voz a coletivos uniformes, nem implicam a subversao ativa e
intencional sobre 0 "sistema': atraves de um combate coletivamente
organizado. Pelo contrario, consubstancializam
(que se
pretendem) individualizadas, tendo como
transforma­
dora uma escala que nflO vai muito alcm de uma certa esfera de
domesticidade formada pela
sociabilistica que funda e
esse "set or do
densifica 0 mundo de vida do ator que as
mundo quotidiano que esta ao seu alcance e que, do seu ponto de
e
em volta de si, como
vista, se ordena
centro".J3
nos
urn sentimento comumente
hipotese
modelo de
de a<;:30 social de movimentos
do
Eles nao
de fato, armados de novos artefatos sociais para tentar instituir
sequer e
coletivamente uma nova ordem social. Essa
Embora desafetos ao modelo social existente, nao
de programa social
por ~~'dHIV)~
a
no sentido de expressar um UlJLo.!'i,'W",
'sociedade ideal", corn
futuras de "igualdade", "harmo­
nia" e "justi<;:a", como acontece em
parte dos programas
ha da sua parte uma
sociais de natureza utopica. Feio
recusa konoclasta das maquetas sociais que denotem, a partida,
tal ambiC;aO. 34
Em {dtima analise, a propria noC;ao de utopia social vai contra
os prindpios e valores mais baskos desses jovens. Todos os pro­
gramas utopicos, de forma a suspender as turbulencias cia historia,
sao dotados de uma racionalidade identitaria que tende a promover
352
cidadaos uniformizados e
sociais (de produ<,:ao e
por legisladores que tem por
e 19Udllldl
da vida coletiva:
lamenta~ao
do modo de habitar, cia
e do consumo, regu­
dos easarnentos e dos nascimentos,
normativo da ciencia, moral
dessas sociedades alternativas
Mercier
entrevistados demonstram nao querer.
Tudo 0 que os
a
que
Os program as sociais
o comunismo ou 0 nacional-socialismo, por
mas mais no
sao, por vezes, invocados sob a forma de
crftico que proporcionam relativamente as recentes
que na
form as de organiza<;:~io social das sociedades
dimensao prcpositiva e
que os seus manifestos
tendem a prescrever para 0 futuro societario.
denunciam
mais do que anunciam, diagnosticam mais do que prognosticam.
A sociedade ideal nao existe. Nao hoi nada ideal, para mim os ideais
morreram hJ multo. ( ... ) Creio em mim. Pronto. De resto, nao ereio
assim em muito mais coisas. Crcio, tipo, nas fim;:as c6smieas.
sou
uma formiga no meio do nada, mas que. ao mesmo tempo, eu sou tudo,
porque vivo para mim acima de tudo. E emesmo assim. E no que ell ereio
acima de tudo. 37
Esses jovens nao pretendern mais do que marcar performativa­
mente a sua distancia pessoal perante 0 ordenamento que percep­
cionam na sociedade contemporanea, e nele demarcar urn espayo
alternativo de existencia social. Essa forma de (re )ayao social e
empreendida ja nao Hum sentido idealista e holista, orientada
por elaborados sistemas ideologicos em
do "bem
mas num sentido pragmatko e microsc6pico
tao somente,
construir e fazer reconhecer 0 seu proprio mundo de
das orienta<;:oes de um programa
reveiam, antes, lIma
e
que reivindicam uma
a coexistencia cultural atraves do questionamento e desafio dos
canones que tendem a 11l0delar a sua vida. 0 que estl em causa
ja nao e a reclamayao coletiva de uma mudanya no sistema, mas
a reivindicayao individualizada de urn espa<;o social em que uma
de existir se imap"inf' viavel
e
a politica de resisterlcia fundamentada no
de
propria da cxperiencia subcultural
das culturas juvenis do pos-guerra, da lugar a ul1la polftica de
existf~ncia, tnobilizadora de pniticas que procuram possibilidades
de constnlyaO, expressao e reconhecimento de utna identidade
imaginada como
autcntica e
num estilo de vida que
e itinenirios sociais mais normativi­
zados no atual sistema social. Num sistema em que
percebem a sua
social sujeita a
e
prcscriyoes no scntido da massificayao e homogeneizayao cultural,
as suas praticas oposicionais correspondem a formas de reayao
que lhes per mite, simultaneamente, (de)marcar esteticamcnte a
Sua presenya no mundo e protagonizar performativamente uma
forma de existencia no mundo.
Eu adquiri um estilo de vida. .) Quer dizer, tenho uma vida de
sou contribuinte como os outros sao, mas tenho a m1nha
nao se metam, quero viver it minha maneira, com as minhas
com os meus piercings, com as minhas ideias malucas. Fazer 0 que todos
os seres humanos querem: a felicidadc it minha maneira ... ( ... ) Porque,
aquila que nos gostamos, para que eque
afinal de contas, se nao
est amos a viver, para que e que 0 ser humano vem d? Por que eque tem
que ser tudo como os OLltroS, como meia duzia de gravatinhas, mandam?!
Nao tern que ser assim, a vida epara nos sentirmos bem.
das mlcroculturas
ClVlCa para 0 campo
da esfera economica e
40 no sentido de
um
de Iiberdade, dignidade e respeito para 0 desenvolvimento
estilos de vida que se pretendem escapat6rios amassificayao e
normativizayao encontrada nos padroes culturais dominantes
frequentemente representados pela
cultura de origem dos
em causa -, criando sistemas de
e de
que OUSall1 o~~oY;n'
culturais
a matriz ideologic a das suas a<;oes passa, entao, 3 ser dominada
por
de ordem moral que visam ao reconhecimento
quotidiano de determinadas estCticas, eticas c pragm<iticas de
vida, ou seja, 0 reconhecimento social de determinadas formas
de existencia individual.
A reflexividade transformadora
da cultura politic a
das microculturas juycnis, como se viu, nao surge associada a
reivindicayao, defesa ou extensao coletiva do usu[ruto de direitos
estrilamente politicos ou socia is, sequer mesl1lo dos cham ados
direitos negativos. Existe, sim, a redama<;:ao de direitos culturais
no sentido da liberdade individual para escolher e
viver um dado estilo de
Oaf a centralidade que questoes associadas a
corpo, entre outros
consumo, como 0 visual, a music a ou 0
recursos de estilo, adquirem na vivencia libertaria desscs jovens.
Mais do que luta pela equidade de direitos, a sua 3yaO aponta
para uma luta pela subjetividade,43 orientada por llma concep<;ao
de "pessoa" ja nao vinculada a considerayoes sobre 0 mundo, mas
a questoes existenciais de identidade pessoal. A critica imanente a
ordem social de que esses jovens sao
produtores e
tores nao repousa sobre
de ordem
gularidade. As suas reivindicayoes prefiguram -se equacionadas nao
no quadro tradicional e universalista da cidadania - que pressup6e
o mesmo conjunto de liberdades e responsabilidades dvicas para
todos os cidadaos mas num quadro de diversidade social, cultural
e etica que implica um modelo de sociedade mais pJuralista.
354
355
l' Recusando os entendimentos dominantes e normativos sobre
a vida em sociedade que categorizam 0 seu comportamento
individual dentro de urn codigo exclusivo de valores e virtudes
publicas, recolocam-no como possibilidade entre tantas outras.
Mais do que funcionar como antitese social, as politicas de exis­
tencia procuram promover a incorpora<;:ao social de estruturas de
reciprocidade intersubjectiva,44 no sentido da abertura it alteridade,
da sensibilidade it diferen<;:a, do reconhecimento da pessoa na sua
singularidade e nao na continuidade de tra<;:os classificatorios que
a posicionam no contexto de determinadas identidades coletivas. 45
Estruturas, em suma, que permitam a esses jovens viver a sua
"diferen<;:a" em condi<;:6es de "indiferen<;:a" perante a sua visibili­
dade ao olhar do outro, que possibilitem viver urn estilo de vida
que se pretende "alternativo" aos que sao disponibilizados pelo
"supermercado de estilos", em condi<;:6es de dignidade, respeito e
liberdade individual. Uma liberdade que, na linha de uma certa
tradi<;:ao praxiologica da anarquia (mais vivida que refletida) ja
encontrada no movimento punk, nao se observa arbitraria, apre­
sentando-se como exerdcio de autodisciplina moral, ponderado
e realizado em condi<;:6es de pluralismo coexistencial, no sentido
de ver instituida uma "desordem da moral expressa na existencia
de multiplas moralidades, frequentemente conflituantes entre si".46
[Sou] anarquista! Se quiseres ... Nao anarquico, anarquista. Anarquista,
e isto e a minha propria explica<;ao, nao e baseada nem em filosofos,
nem pens adores. Anarquista e quando se pretende promover a filosofia.
Anarquico e quando pretende promover a a<;ao em si. C... ) Livre de pre­
conceitos, livre de tabus. Livre de barreiras. C... ) Neste momenta dou-me
com gente mais nova, como com gente mais velha, com gente de varias
correntes literarias, de varias correntes filosMicas, de varias correntes de
pensamento. E nunca segreguei ninguem porque e isto ou porque e aquilo,
ou porque tern aspira<;oes a ser ou porque ja deixou de ser isto ou aquilo.
Nem em termos de escolhas sexuais eu fa<;o discrimina<;oes. Tenho amigos
e amigas com as mais variadas cores e com os mais variados feitios. Nao
aborre<;o ninguem. Desde que nao se metam ... La esta, 0 grande principio
da anarquia e "a minha liberdade acaba onde come<;a a liberdade do
~Utro", e vice-versa. A partir do momenta em que nao comecem a querer
interferir com 0 meu mundo, eu respeito 0 mundo dos outros. Abarco
no meu mundo todos aqueles que eu acho que devem participar dele. 47
Numa epoca em que existe uma verdadeira "acumula<;:ao
de diferen<;:as",48 a pretensao politica das microculturas juvenis
reflete, ness a perspectiva, uma estrategia de remoraliza~ao da
vida quotidiana, no sentido de integrar na ordem moral da atual
sociedade a necessidade de dignidade na diferen<;:a individual e de
fazer reconhecer uma cultura de civilidade que a respeite, atraves
da amplia<;:ao das concep<;:6es dominantes da "normalidade". Urn
reconhecimento que, neste caso, nao se orienta no sentido da esfera
institucional do sistema politico 49 sequer se almeja no plano do
direito juridico. 50 0 reconhecimento e aspirado no plano da propria
quotidianeidade dos individuos, considerando as suas necessidades
afetivas e de reciprocidade na estima social de outros concretos. 51
Choca-me a intransigencia e 0 "it vontade", que eu acho que e tipico
portugues, com que as pessoas se sentem de opinar umas sobre as
outras. 0 "it vontade': a liberdade que as pessoas se dao a elas pr6prias
de comentar, de falar e de apontar umas para as outras. C... ) Por isso e
que eu tenho pouca esperan<;a que isso mude de fato, porque as pessoas
nao sao civilizadas, nao sao educadas e nao ha uma cultura de respeito
da individualidade, de tudo isso que se cultiva ja urn bocado la fora. C... )
o respeito e 0 aceitar a liberdade, a diferen<;a, tudo isso, acho que ja dava
uma volta de 180°.52
A politica de dignidade na diferen<;:a, aqui, implica ser-se reco­
nhecido como unico, no sentido que se e reconhecido nao apenas
como cidadao susceptivel de ter direitos iguais, mas reconhecido
na sua particularidade e respeitado enquanto pessoa. Trata-se,
portanto, de uma cultura politica contra a humilha~ao, a injuria
e 0 insulto mundano,53 ou seja, contra todas as a<;:6es ultrajantes,
discriminatorias e menos corteses que, de uma forma ou de outra,
afetam quotidianamente 0 sentido de dignidade desses jovens. A
sua exigencia de reconhecimento vai a par da reivindica<;:ao e luta
pela dissolu<;:ao de uma sociedade menos prescritiva e normativa,
com criterios de "normalidade" cuja rigidez e grau de institucio­
naliza<;:ao e susceptivel de transformar toda e qualquer diferen<;:a
radical em estigma.
357
356
-------.
I
f
I~
'!
II
~
~
ETlCA
tiTICA
CONTESTA<::AO VER5 LIS
CELEBRA<::Ao
Longe da
holista de
coletiva caracteristica
de alguns movimenlos juvenis tradicionais, os estilos de vida
palorios construidos no ambito das microculturas juvenis,
sem percler os con tornos de ativismo
a partir dos
o mundo e questionado e desafiado, sao assumidos de uma forma
mais mundana, com ambi~6es mais rasantes e lcncoes mais
pessoalizadas, em lorno da ro/",/.wnrnn
e 'a~memaQa de valores sensiveis como 0
o presen­
tcismo on 0 experimentalismo. Pretendendo lutar mais por uma
existencia marginal dentro das eslruturas que pelo acesso a uma
posi~ao de centro, aos jovens que encenam os seus modos de vida
sobre 0
a partir das microculturas juvenis, interessa menos
mundo do que aproveita-Io, predd-lo no que de melhor ele oferece.
A ambi<;ao de vida desses jovens e vive-Ja como uma deriva
"rotas exoticas" que se atravessam no Huir das rotinas,54 na
constante experimentarao proporcionada pelo desafio dos limites
e do risco. E um modo de vida estruturado no sentido da aber­
lura ao irnprevisivel e ao imponderavel que 0 quotidiano traz
com pontos de partida concretos, mas sem pontos de
chegada predefinidos, 0 mais livre possive! de constrangimentos
predeterrninados.
Eu era mesmo todo certinho. E sei que prescindia de bue de coisas.
E sei que agora tambem estou a prescindir porquc podia atinar e saber
muito mais cenas, mas, para mim, expcriencia c tudo! C.. ) Ja experimentei
montes de coisas. (. .. ) E pronto, fui venda
fui escolhcndo
cenas que me interessam mais. (. .. ) Acima de tudo, sou uma pessoa que
Tern alta necessidade de
nao con segue estar presa assim muito
de movimento, ( ... ) de andar mesmo a deriva. (. Nunca
aceitei que me impusessem nacia, sem ser as meus pais, claro. De resto,
quis sempre
( ... ) Eu vivo a vida mcsmo alucinantemente! Sinlo
o
mesmo passar, mas sem parar! Ate os rnomentos de descanso
nao sao, 'tis aver, isso e que e mesmo bue de esquisito. Constantemente
estresse. Mas nao e aquele estresse de "tenho de fazer isto': nao. E
a cena de estar sempre a querer fazer coisas e a viver coisas. E uma cena
358
positiva, mas que e um bocado
(. .. ) Nao sei como
mas para mim a vida e mesmo em pleno!"
e que eu
o ceticismo que compartilham perante 0 futuro SOCial, asso­
ciado a consciencia da transiloriedade subjacente it
juvenil, bem como aos atributos de inconformismo e a irreverencia
que the sao socialmente imputados, proporciona a esses jovens
uma vivencia mais livre de constrangimentos e
sociais. Dai a sua preocupa~ao nao so em aproveitar essa
ao maximo, como em prolonga-Ia, adotando uma etica da
celebrarao da existencia. Em contraponto as form as passivas de
"matar 0 tempo" ou as formas combativas de viver a vida, essa
etica evidencia uma constante procura do lado festivo da
enquanto demonstra~ao de vitalidade e de energia criativa. 56 Os
valores que a caracterizam passam
experimentalismo enquanto
tentativa constante de testar 0 Ii mite possive!; pe!o hedonismo como
do prazer, do gozo e da
em torno do
presentismo como forma imediata e desfuturizada de viver
intensivamente 0 momento
Eu tinha que ter urn
Ja andava a meter
que nao
wna semana antes do meu acidente eu dormia oito horas numa semana,
estava a viver muito intensamente todos os dias, como se fosse 0 (tltimo.
( ... ) Hoje ern dia sou contra a folina, sempre a favor de uma cena nova,
viver 0 dia a dia como de e. (. ,.) Porque eque tem que haver uma rotina,
.. Nao! Sou contra os escravos de
uma hora de jantar, escravos de
ernbora que estou dentro cia sociedade, ter que se ser escravo do
deles de vez em quando, sou obrifmdo a iSSO.'8
Na sua vivcncia quotidiana, a etica de ce!ebra<;ao surge nitida­
mente associada aos momentos de lazer dos jovens enlrevistados,
encarados como
de ruptura, insurrci<;ao, liberdade e evasao
re!ativamente as obrigatoriedades rotineiras dos tempos de trabalho.
No decorrer dos tempos de lazer, e convocado urn conjunto de
praticas em que os consumos de musica nas suas mais variadas
formas drogas "\eves" e bebidas alcoolicas assumem um papel
relevante pda sua recorrencia, habitual mente desenvolvidas no
contexto de uma forte solidariedade convivial, fundada em redes
de afinidades eletivas e afetivas.
.059
':"~">.
A muska, nas suas varias formas de aFropria;;:ao, em conjunto
com as drogas e as bebidas alco6licas, operam como "ingredientes"
relevantes na "arte de bem viver" desses jovens,59 proporcionando
a constru;;:ao de um "paraiso arlificial" como forma de evasao a
urn quotidiano sentido como opressivo e rotineiro. 60 Alterando as
percep<;:oes habituais, esse tipo de substancias permite a idealiza;;:ao
subjetiva de um novo mundo, um mundo de sensa;;:oes novas
que desvaloriza 0 mundo real e a ele se sobrepoe. Sobreposi;;:ao
eva siva essa que, dada a consciencia da sua aparencia, se pretende
e guardada para momentos de exce;;:ao, e nao
continllamente cultivada.
[0 meu quotidiano J elevantar cedo, if para 0 trabalho, passar Ja oito
hora5, vir para casa e dar banho ao pulo cnquanto eJa faz 0 jantar,
a IlOiLe, olha, ou vou urn bocadinho para 0 cornputador me entreter ou
vou ate a ma ter com 0 pessoaL ,Mas e assim todos os dias e s6 ao fim
de semana e que um homem se estica, S6 ao tim de semana c que lim
se estica assim: vai curtir concertos, ensaio, pronto, tenho a minha
banda, Cnrto sempre ter uma banda, 'tis aver. musica e aquela basco
.) E giro, e fuma las e bebe-Ias e rir! Fa, e curtido, 'tas aver! E curth
aonde a curtc for. Fa, aprocura da meJhor gargalhada, 'tas a vet. (, .. )
Quem quiser dar nas drogas, da. A unica coisa que eu condeno ea gente
ser dependente. Seja de alcool, seja de qualquer Lipo de droga, 'tas aver.
( ... ) Mas uma pessoa que sember dar, pa, isso e feito para curtir, entao
curtam. Seiam e modcrados. Sc forem moderados ainda vivem uma vida
a curtir. Senao, estao
que e mcsmo assim. ( .. _) Eu sou um
que gosto de
que curta de aprendet
de "~""-,,,.'"
Felizmente nao fez nada de
de constitllircm redes de rela-;:6es sociais fluidas, dis­
persas e intrincadas, os participantes das microculturas juvenis
convergem na partilha de uma etica de celebra;;:3.o da existencia,
em que valores como a "autenticidade'~ a "diferen-;:a", 0
a "convivialidade", 0 "hedonismo", 0 "presenteismo", a "experi­
rnenta~~ao", a "rebcldia'~ a "liberdade" etc. se organizarn enquanto
sistema oricntador da COI1stru-;:ao de estilos de vida escapatorios.
Formando-se nas orl as dos qllotidianos juvenis, esses espa-;:os fomen­
tam 0 encontro social e de universos simbolicos relativamente
informais e subterraneos, em que sao experimentados, e legitim ados gostos esteticos mais marginais, bern como perante a vida e a sociedade mais ex-centricas. numa comunhao de afinidades e afetividades conviviais. Dai serem contextos sociais onde tend em a
valores
mais heterodoxos, muitas vezes expressos em VerS(leS mais
exacerbadas de comporlamento. Ao contrario das formas de
organiza;;:3.o rnais burocraticas, em que os jovens correm 0 risco de
serem olhados como uma massa indiferenciada com 0 mesrno tipo
de problemas, interesses e expectativas, as microculturas
acabarn por Ihes conceder uma forma flexivcl de
social para viver mna sllbjetividade e urn estilo de vida que se
pretende djferente e singular, conccdendo-Ihes urn rcpert6rio de
recursos materiais e sirnb6licos que articulam para dar sentido a
uma existencia que se pretende individual(izada).
Constituindo "nos" em redes de afinidades e afetivas nas
a t'tica do desvio e a norma, nas microculturas
os seus
protagonistas encontram disponibilidade ,1 inova;;:ao e margem de
Iiberdade para experimental' novos modelos esteticos e eticos, que
nao) a reificar-se ern estilos de vida com continui­
Sao espa<;:os de deriva, sem grandes
de navega-;:ao, ern que se exaItam os val ores da Iiberdade atraves
do culto do excesso, da extravagancia, do bizarro, tudo 0 que possa
chocar a moral burgucsa mais tradicional, assegurando assim a
possibilidade de romper com 0 banal, 0 saturado, 0 normativo, 0
convencional. Contextos 50ciais, portanto,
de serern
como laborat6rios de experimellta(,:ao criativa 65 ou
laboratOrios culturais,66 potenciando a criatividade e inovacao em
diversas esferas.
CONCLusAo
Num contexto de intensa prolifera;;:ao e pulveriza;;:ao das possi­
bilidades de escolha cultural sociahnente disponfveis, por meio
de transforma;;:oes, flls6es e revivalism os varios e sucessivos, a
manllten;;:ao das fronteiras sociais e sirnb6licas das microculturas
fragilizou-se profundamente. Hoje em elia, as
360
361
T
i
sociais a contextos microculturais nao sao exdusivistas e baseadas
em compromissos de longa dura<;:ao. Os jovens van vagueando
por varias microculturas, paralela e/ou sucessivamente. Nesse
processo, acumulam um importante capital de
sua fragmenla<;:ao, se vai construindo em redes de
"n6s" vao constituindo espa<;:os privilegiados de vivencia e referencia
quotidiana, investidos de maior ou menor densidade afetiva.
No quadro de intera<;:oes que esses espa<;:os sociais propor­
cionam, os jovens adquirem capacidade critica e reflexiva, de
confronto e discussao, de iniciativa e proposta, de agenciamento
e desempenho, de
e
em suma, de protagonismo social.
Sao, por con sequencia, espac;os em que os jovens se descobrem
mais cidadaos do que vitimas de desvantagens sociais, neles
encontrando estimulo e reconhecimento para as suas iniciativas
criativas, disponibilidade it experiencia e ao exercicio de novas
de vida, autonomia e liberdade na cOllstrw;:ao de uma
individualidade que nao colide com uma intensa vida sociativa,
bem como capacidade de interven<;:ao no sentido de influenciar
a ado<;:ao de novos c6digos culturais e funda<;:(les eticas na socie­
dade contemporanea. Autorrealiza<;:ao, sociabilidade convivial e
cidadania tendem, portanto, a andar a par nesse tipo de contextos.
Perante esse cenario, juntamo-nos a Crossley, para quem,
em dia, "a cidadania deve ser vista do ponto de vista do mundo
de vida e da intersubjetividade".1i7
a par de outros autores,6B
no sentido da necessidade de alargar 0 universo de
observaveis da cidadania para alem da abordagem sistemica e
holista que, na esteira de Marsha1,69 a tem caraclerizado, bem como
para alem da formalidade
que a associa ao mero exercicio de
luta e reivindiea<;:ao de conjunto de prMicas legais e politicas. Ha
que ampliar a sua esfera da a<;:ao e de reflexao, vislumbrando nao
apenas as estrategias que visam a indusao formal, mas tambem as
lutas simbolieas e pouco visiveis que oeorrem no campo cultural
desconstru<;:ao das no<;.()es de "normalidade", bem como pdo
reconhecimento da mesma dignidade e respeito perante formas e
recursos culturais escapat6rios aos legitimos.
As microculturas juvenis contempora.neas sao disso um bom
exemplo, sendo espac;os onde os seus atores pretendem afirmar
\'
\;
362
e construir subjetividades que procuram nao ser reduzidas a
categorias funcionais ou disfuncionais do sistema, mas que, pelo
eontrario, buscam 0 reconhecimenlo e a dignifica<;:ao social da
sua diferen<;:a espedfica. Dal os seus atores, ao mesmo tempo que
a cultivar la<;os de cumplicidade 11a expressao pllblica da
os forjem tambem no direilo it liberdade, ao respeito e a
dignidade os quais se reivindicam, servindo-se das microculturas
como espac;os experimentais de auto11omia e
pessoal, bem como de formulac;ao e legitima<;:ao social de estilos e
eticas de vida que se pretende rn escapat6rios aos mais mainstream.
NOTAS
1
2
Em termos mctodo!ogicos, a informa~ao empfrica aoresentaaa rccolhida no ambito do trabalho de campo que mento da autor, sobre a pratica de no corpa, a qual se constaloU set' simb6licos natureza microculturaL Os relatos aprcsenlauos
em situa~ao de entrevista individual serniestruturada na sua prepara'fiio e
na sua aplica~ao, de corpo> extensivamente marcados, mllititatuados e sionais ou apenas consumidores de I atuagem clou Marcas que demarcam: tatllagcm, body piercillge Vilor
Lisboa: lmprensa de Ciendas Sociais, 2008.) Como salientam Cabral e Meneses (CABRAL, Joao de Pina; MENESES, Ines.
Apresenta~ao do numero especial Lisboa: cidade de margcns. Arullise Social,
v. XXXIV, n. 153, p. 861,2000), "quando falamos de centro e de margens, rc­
corremos a llmJ metMora espaciaJ para referir algo que ultrapassa em muito
a espadaJidade - ou ate a sua correlata tcmporalidade. Em ul.tima instancia,
quando falamos de ccntros e margens, estamos a falar do
que esta
inscrito nas vivencias socioculturais: da forma como a
5e
em termos de negocia,,6es constantes, sobrepostas e comp6sitas de
A condi<;ao de "margem", nesse sentido, abrange
objetos, pniticas e
significado, que sao menos legitimados pela opera"i'1O dos processos de poder
simb6lico" (CABRA L, loao de Pina. .A condi~ao do !imiar:
nias e contradi~6es. Analise Soda 1, v. XXXIV, n. 153, 874, 20UO) , esse
crer, de confirmar
de constituir 0 dado pda emmcia"ao, de fazer ver e
ou de transformar a visao do mundo e, desse modo, a a,,3.o sobre 0 mundo"
(BOURDIEU, Pierre. 0 poder sirnbalim. Lishoa: Dife!, 1989. p, 14). Ora, desde
meados do secul0 XX que
e val ores, se produzem e reproduzem socialmente
lradicionais e formais de rcgulayao e controlo das
como
a familia, a escola, 0\1 as organiza,,6es polft ieas e civicas, por exemnlo.
363
normativa c
4
FEIXA, Carles. De j6vencs,
. ruptllras e continuidades da contracultura. Rio de Janeiro: fLelras, 2007).
juvenil socialmente mals
o conceito de "rede de afinidade" da conta de uma forma social que nao passa
necessariamente pela condi<;:ao proxemica, circunscrita e estalica inerente
uma conglomera<;:ao de
teias sociais justapostas e fluidas por ondc os jovens se movem, ancoradas em
universos sociais e simbolicos que podem ir alem das fronleiras (7PM"'"''
e situa<;:6es territorialmente delimitadas, quando
ciberespa<;o.
as tradicionais nomenclaturas conceituais, mas por
tribus. Barcelona: Ariel, 1998. p. 270.
Nomeadamcnte as que consubstanciam a viragem conceitual
I
ruralista. Ver: MUGGLETON, David. Inside Subculture: The Postmodern
Oxford: Berg, 2002; MUGGLETON, David; WEINZIERL,
Rupert (Eds.). The Post-Subcultures Reader. Oxford: Berg, 2003; BENNETT,
Andy; KAHN-HARRIS, K. (Eds.). After Subculture, London:
2004;
HESMONDHALGH, David. Subcultures, Scenes or Tribes? None
Journal of Youth Studies, v. 8, n. 1, p. 21-40,2005.
6
0 conceito de
,
a problematic a dos movimentos
jnvenis por McDonald (McDONALD, Kevin. From Solidarity to
Social Movements Beyond "Colectivc Identity": The Case of Globalization
Conflicts. Social Movement Studies, v. I, n. 2, p. 109-128) justamente para
evitar a rcifica<;ao ontol6gica e estatica, a homogeneidade e fechamento social,
a cristaJizayao identitaria e a determinac;:ao ideologica
suposta" ou "p6s-suposta" em anteriores nomenclaturas, como, por e)cCIIl,JlO,
as de "tribo" (vcr: BENNET1: Andy. Subcultures or Neo-tribes?
the Relationship between Youth, Style and Musical Taste. Socio/mrv
n. 3, p. 599617, 1999; COSTA, Pcre-Oriol; TORNERO, lose
TROPEA, Fabio. Trilms urbanas: eI ansia de identidad juvcnil, enlre cl culto
de Ja
y la autofirmallon a traves de la violencia. Barcelona: Paidos,
1996; DIAZ, Andres Soriano. Microculturas juveniles: las tribus urbanas
como fenomeno emergente. Jovenes Revista de Estudios sobre Juvcntud, n.
15, p. 134-149,2001; FElXA, op. cit.; FOURNIER, Valerie. Les nouvelles tribus
urbaines: voyage au coeur de quelques formes contcmporaines de margin ali
culturellc. Paris: Georg Editeur, 1999; MAFFESOLI, MicheL Le temps des
tribus: Ie dedin de l'individu alisme dans Ie, Socieles de masse. Paris: Meridi­
ens Klincksieck, 1988; MAGNANI, lose Guilherme Cantor. Tribos urbanas:
metiifora ou categoria? Cadernos de Campo Revista de Pos-Graduap'jo em
tropologia, v. 3,11.2, 1992; PAIS, Jose Machado. Jovens, bandas musiciais
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its Origins and Politics, [rom the
to Postmodernism. Journal of Youth Studies, v. 8, n. 1, p. 1-20, 2005;
GELDER, Ken; THORNTON, Sarah (Eds.). inc Subcultures Reader. London!
New York: Routledge, 1997; MUNGHAM, Geoff; PEARSON, Geoff (Eds.).
Class Youth Culture. London: Routledge & Kegan Paul, 1976) ou de
"contracultura" (vcr ROSZCAK, Theodore. A contracultura: reflex6es sobrc a
sociedade tecnocratica e a oposi<;:iio juvcnil. Petropolis: Vozes, 1972; SAVATER,
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Montesinos Editor, 1982; SCHAFRAAD, Pytrik. More than Music: Punk as
a Counterculture? In: AAVV - Transitions (if Youth
Culture, Subculture and Identity. Estrasburgo: Concdho da
p. 61-80; YINGER, John Milton. Countercultures. New York: The free Press,
1982; para uma discllssao atualizada do conceito de "contraculturi: ver tambem
MENDES DE ALMEIDA, Maria Isabel; NAVES,Santuza Cambraia rOrll.). "Por
364
jogos, outros recursos simb61icos. , Ver, por exemplo: BLACKMAN, op. ciL; GELDER; THORNTON, op. cit.;
MUNGHAM; PEARSON, op. cit.
9
LO
]1 l2 13 Alias, refugiando-se em critCrios formais frequcntemente etaristas, as no<;6es
tradicionais e orevalecentes de cidadania tendem a excluir muitos jovcns
direilos e dcvcres legalmente consignados e que os
um estatuto de cidadania
correspons;]vel na reivindica<;iio e manuten<;:ao de intcresses pr6prios
a assul1<;:ao da "maioridade'; os jovens tern, cfetivamente, poucas oporluni­
dades para se fazercm presentes enquanto sujeitos (TOURAINE, Alain. La
formation dt! sujet.ln: DUllEr, Franc;ois; WIEVIORKA, Michel (Eds.). Pcnscr
Ie sujct: autollr dAlain Touraine. Paris:
1995. p. 21-45; DAYRELL,
Juarez. 0 jovcm como sujeito social. Revista Brasileira de EduCl1\,ao, n. 24, p.
40-52,2003). vivendo uma
de indifere1ll;:a intantilizadora (GIROUX,
A. Teenage Sexuality, Body Politics, and the Pedagogy of Display. In:
EPSTEIN, Jonathon S. (Ed.). Youth Culture: Identity in a Postmodern World.
Oxford: Blackwell Publishers, 1998. p. 28) que os coloca sodalmente nlUna
posi<;1\o moratoria e
relativamcnte a participa<;ao efetiva (mais do
que consultiva Oil representativa) em processos de tomada de decisao acerca
de aspectos da vida social que os concern em diretamente. Para aprofundar as
imagens e representac;:6es sociais dos jovens entrevistados sobre a sociedade
vcr: FERREIRA, Vitor Sergio. PoHtica do corpo e polilica de
vida: a tatuagern e 0 body piercing como cxpressao corporal de uma etica da
dissidencia. Etnogn:ifica, v.ll, n. 2, p. 291-326,2007.
BECK, Ulrich. A rcinvcn<;:ao da politica: rumo a uma teoria da modernizac;:ao
reflexiva. In: BECK, Ulrich; GLDDENS, Anthony; LASH, Scott (Eds.). Mo­
tradi<;ao e estetica no mundo moderno. Oeiras:
Celta, 2000.
Eletricista na construc;:ao civil, oil avo ano de cscolaridadc, sexo masculino, 28
anos.
CABRAL, Manuel Villaverde.
Oeiras: Celta, 1997.
~laaaama
Portugal.
Como afirma Santos, as organizayoes de
porto ou Gutras formas de
que. ao mesmo tempo, se espera que atue como
mentos considerados disruptivos e como dctonador
36')
.".. uma duplicidade dificil de harmonizar" (SANTOS,
Maria de Lourdes Lima. Cultura, tempos !ivres e associativismo juveni!' In:
CONGRESSO PORTUGUES DE SOCIOLOGIA - ESTRUTURAS SOCIAlS
E DESENVOLVIMENTO, 2., Lisboa. Alas ... Lisboa: Fragmentos, 1993. v. II.
p. 287-288). Na mesma Iinha, Willis vem afirmar que "muita da criatividadc
que identificamos [no que de designa de "protocomunidades"] evaporaria
transferida para as institui\:oes. Muitas das reais encrgias simbolicas
jovens sao essencialmente ir~formai5 na sua 16gica, scntido e motiva<;ao"
(WILLIS, Paul. Common Culture: Simbolic Work at Play in the
Cultures of the Young. Buckingham:
University Press, 1990. p. 55).
11 A mllsica, a escrita, a banda, 0
ou outras formas de
tatuagens e 0 body piercing e outros acess6rios de constrw;:ilO
21 Vcr, entre outros: GIROUX, Henry A. Border
London: Kouueage, 1992; HA ENFLER, Ross. Rethinking Subcultural Resistence. Journal v. 33, n. 4, p. 406-436,2004; RABY, Rebecca. What is
Youth Studies, v. n. 1, p. 151-171,2005; SEYMOUR,
v. 6, n. 3. p. 303-321, 2006.
Susan.
MAFFESOLI, Michel. La
la tribalisatlOn elu illonde
postmodcrne. Paris: La Table J\loderne, 2002. p. 85.
25
RUCIn; Dieter. The Str"'''''''M
In: RUSSEL, Dalton;
26
21 Order: New Social and Political Movements in Western Democraties. CamPolity Press, 1990. p. 162.
ao recente alargamento da paleta de formas conte lIdos politicos a pratieas,
causas e valores alternativos aos institucionalrnente inlDostos.
366
chats, F,Kcbook, Twitter, Orkut e outros rccursos COHEN, Stanley J.; TAYLOR, Lauric. Escape Attempts: The
and Pmc· lice of Resistance to Everyday Life. London: Penguin Books, 1978; COllEN. Peter. Subcultural Conflict and Working-class Community. In: HALL, S. e/ al. (Eds.). Culture, Media, Language. London: Hutchinson, 1984; HALL, Stuart; JEHERSON,
(Eds.). Resistence Through Rituals: Youth Cultures in Post­ War Britain. London: Hutchinson and c.C.C.S.fUniversity of 1976. J5
Na acep<;iio de Beck (op. cit., 1'.18), a "subpolitica" concerne as a<;oes areas
da vida social que, tradicionalmente fora das instancias burocraticas e for­
mais do cxerdcio politico e das suas
representativas, tem sido
de repolitiza<;ao, ou seja, de atribuicao no reccnte contexto de de reinven~ao da vez, Bares, discotecas e centros culturais, estudios e editoras, fanzines, concertos
e outros eventos regulares etc.
Alraves de websites,
virtualmente Conjunto de atitudes e de comportarnentos que os tradicionais autores da
ciencia politka vem a dcsignar como "negligencia politica", no sentido do 5i­
lencio, ina<;:ao, abandono, redLl<;ao de esfon;o e de aten~iio ao exercicio politico
institucional e aos problemas sociais a que este acorre. Ver:
Pedro. Democratas, descontenles e desa±etos: as atitudcs dos portugueses
ao sistema politico. In: FREIRE, Andre; LOBO, Marina Costa;
Pedro (Org.). Portugal U voios: as elei;;oes legislativas de 2002.
de Ciencias Sociais, 2004. p. 356-357.
as redes de sociabilidade microcultural correspondem a la~os socials
mais sociativos (inspirado no conceito
de SimmeJ: SIMMEL, Georg.
SOclabilidade: um exemnln riP sociologia pura ou formal. In: HUIO, Evaristo
Sao Paulo, J 983) que associativos significa que
respomiem a quadros de rclayoes sociais que, longe dos compromissos de
prazo e fusionismos gregarios caracte
e hierarquicas que pautam a formalidadc da vida associativa, sao caracteriza­
das por uma estrutura ilexivei., voluntarista e conVivial, scm qualquer tipo de
formal e institucional nem
ideologica unidirccio­
mais afinitivos e afetivos que definitivos e vinculativos,
represent ativos de interesses mais expressivos que instrumentais.
as
28 por
Centre for
GIROUX. Border Crossings, p. 288290.
SENNETT, Richard. The Corrosion
The Personal
of Work in the New Capitalism, New York/London: W. W. Norton
1998.
Profissional de
anos.
'eauenCla universitaria, sexo masculino, 25
rptlr»:/vl'r1a{1r transjormadora essa "reHexividade prunordlal que
os consensos peIo simples fato de os
(PAIS, Jose
Machado. Quotidiano e reilexividade. In: TORRES, Anaha; BAPTISTA, Luis
(Eds.). Sociedades contempodineas: reflexividade e a~ao. Porto: Afronlamenlo,
2008. p. 246), concedendo-lhe uma capacidade de intervenyao na rcalidadc
que passa peIa modifica<;iio das represcnta<;oes que a reflelem, Dodendo dar
origem a novas
na sua
que no quotidiano surge como radicalmente "diferente': induz efetivarnente
a aten<;:ao e interroga<;ao sobre a respectiva presen"a no mundo, expondo-sc
como op"ao a ser cOllsiderada e slmbolo enigmatico a ser decifrado.
30 HOLZER, Boris; SORENSEN, Mads P.
"Iron Cage" of Modern Politics?
p. 92-93,2003.
Culture and Society, v. 20,
the
2,
II.
Lash e Featherstone (LASH, Scott; FEATHERSTONE, Mike. Recognition and
Difference: Politics, Identity, Multiculture.
Culture and Society, v. 18,
n.2-3, 1-19,2001) advogam a utilidade do cotlceito de reconhecimento na
analise
atuais formas de cultura politica, na medida em que abre espao;:o para
a analise das novas realidades emDiricas cncetadas Delos nmros movimcntos
367
T
sociuis, em termos de u\:6es (FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. Rl'.d!,trihl1it;ol1 viragem das preocupa~oes re­
presentadas pelas primeiras para questaes levantadas pelas segundas no
ambito dos mais recentes movimentos sociais. As
construidas com base na no<;ao
social, sendo, sobretudo, focalizadas em ohiC'tivl1< mente na
dos bens por sua vez, sao em objetivos de natureza cultural, social e 11 necessidade de respeito e Profissiollal de
an05.
univcrsitaria, ,exo masculino, 25
da vida
Lisboa:
de Cierl­
89. Em contraste corn a zona das coisas distant'es (MEAD,
Ie soi, la societe. Paris: PUF, 1963; BI.UMER, llerbert.
Trlteme/ionism:
and Method. New York: Prentice-Hall
Enllcwoocl Cliffs, 1(1)9),0 munda de vida
ao I1Ilmdo de a/canee
do individuo, sua zona de opera~ao quotidiana (SCHUTZ, Alli'ed;
LUCKMANN, Thomas. Las estructums del !nundo de la vida. Buenos Aires:
Amonorlu, 1977. p. 54-55),
"em lorno do 'aqui' do meu corpo e
do 'agora' do meu
Este 'aqui e agora' Ii: 0 lDco da aten<;iio que presto
,} realidade da
(LUCKMANN, Thomas; BERGER, Peter. A
constru~iio social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Lisboa:
Dina Livro, 1999. p. 39-40).
'" Identificando esta tendencia para alguns <los "novos movimentos sociais",
autores como Fried1l1an (FRIEDMAN, Jonathan. Cultural
and Global
Process. London: Sage, 1994) ou Touraine (TOURAINE, Alain. On the Frontier of
Social Movements. Current Sociology, v. 52, n. 4, 717·725,2004) prop6em
a substitui<;ao da expressao "movirnento
"movimento cultural"
para as atuais formas de a~ao coletiva,
carateI' historicamenle
contextualizado dos primciros.
que, em dom(·
aos gostos esteticamente
mais padronizados e
experiencias sociais mais normativas e
rotineiras, as rotas de
mais lineares e saturadas, aos modelos prcscritivos
e estandardizados dos
olhados como vias prescritivas
e saluradas de viver a vida (PAIS, Jose Machado. Ganchas, tachas e biscates;
jovens, trabalho c futuro. Porto:
2001. p. 71).
as
42
PAIS, Jose Machado.
)4
do mililantismo coletivista e programatico que caracteriZ3va alguns
dos movimentos juvenis contestatarios dos anos de 1970 e 1980, chcga-se a
ironizar a ao;:ao social de rnovimentos como os
e os plinks.
.\3 44 45 16
que nao existe, ou existe
(au-t6pas). Desde a obra
fulura de um mundo
vivido no prescnle. Os programas
sociais
nesse sentido, a
le6ricas que
apresentam
sociais evocativos de um futuro distante,
sem
nem tempo proprio, qne nao existem senao na forca das
que lhes ciao forma expressiva.
WUNENBURGER,
Estudante universitario,
47 4S
368
Culture
Como 0 gcncro, a ra~a ou a orienta<;ao sexual, por
tra<;os identitarios
que foram c conlinuam a SCI'
mobilizados.
PAIS. Quolidiano e reflexividade, p. 253.
Profissional de bod)' piercing,
anos.
universitaria, sexo masculino, 25
LASH; FEATHERSTONE, op. cit., p. 9.
Recognition; Morality
os novos movimentos sociais tenda
que sc garantcm as condicaes sociais de existencia necessarias ao acesso ao
reconhccimento moral.
50 Fiel de armazem, setimo ano de escolaridadc, sexo mas(ulino, 23 anos.
YAR, Majid. Recognition and the Politics ofHuman(e) Desire.
and Society, v. 18, n. 2-3, p. 72-73,2001.
e moral estabelecido entre
masculino, 20 anos.
Dits et rierits,
McDONALD, Kevin. 0tmggles
Experience.
49 Societes, n. 10, p. 5, 1986.
In:
Direttos civis e sociais que a cidadania estatui como universals, ou seja,
veis e conferidos a loda, as
determinados segmcntos sociais rnais vulnenlveis em
atributos (cor d;
oricnta~:ao sexual etc.). Ou
sua
universal, tern de
ern
dClenninadas
nilo no sentido de lhes conferir situa<;6es
excepclOllais, mas de evidenciar c acautelar as condi.;:iies de discrimina<;:ao
de preconceito a que estcio
(CABRAL, Mannel Villaverde 0 exercicio
dacidadama
ern
v.35, n. lS4-155,p. 85-113,
20(0)
Com base na
maliva, baseada em
institui<;iies
de uma moralidade de ordem universalista e nor­
de
solidariedade e jusli~a perante as
FRASER; HONNETH, op. cit.
369
.,. Profis,ional de
an os.
MELUCCI, Alberto. Nomads of/he Present: Social Movements and Individual
Needs in Contemporary Society. Filadelphia: Temple University Press, 1989.
piercing, nono ano de cscolaridade, sexo feminino, 34
FRASER; HONNETH, op. cit.
54 "Na verda de,
termo 'exotica' (do grego exotik6s) remete para tudo 0 que
dcsconhccido, extravagante. Extravagar, por sua vez, remete
para a
de andar fora de ordem, que, neste caso, seria a ordem da rotina"
(PAIS, Jose Machado. A vida C01110 aventura: uma nova etica de lazer? In:
CONGRESSO MUNDIAL DO LAZER- NEW ROUTES FOR LEISURE.
Alas... Lisboa: ImlJrensa de Ciencias Sociais, 1994. p. 1(0).
nZeml11D.
and the Lifeworld. In:
London:
2001. p. 37.
0
e
50 CROSSLEY, Nick.
STEVENSON, Nick (Ed.). Culture alld
Estudante univcrsit'lrio, sexo masculino, 20 anos.
CAILLOIS, Roger. () homem eo
Lisboa: Ediyocs 70,1988.
NU111a sociedade caracterizada
em term05 de
recursos que
o prcsente
(0 passado e 0 futuro) e torna -se, no
para os jovens, como se perdessem 0 seu
lIIlUluaue historica (PAIS, Jose Machado. Introduyao. In: _
(Org.).
Gerar;6cs e valores ria
(ontempori'mea. Lisboa: Secretaria
de Estado da Juventude/Instituto de Ciencias Sociais, 1998. p. 45-46).
68 Vcr, por
ELLlOT1:
STEVENSON, Nick (Ed.). Culture
47-61; NASH, Kate. The "Cultural Turn" in Social
of Cultural Politics. Sociology, v. 35, n. I, p. 77 92,2001;
Citizenship. London: Sage, 2001; TURNER, Bryan S. Outline
of Cultural Citizenship. In: STEVF,NSON, Nick (Jid.).
Culture alld nzensnip. London: Sage, 2001. p. 11':12; TLJRNF,R, Bryan S.
and Social
London: Sage, 2001; TURNER,
(Ed.).
Critical Concepts. London:
S.; HAMILTON, (Eds.).
1994.
MARSHAL, T. 11.
versity Press, 1963.
117" 1'1.<1111)
and Social Class.
Uni­
Fie! de armazem, oitavo ano de escolaridade, sexo rnasculino, 23 anos.
PAIS. A vida como aventura, p. 104.
DUMAZEDlER, Joffre. nevolution culture/ie du temps fibre, 1968-1988. Paris:
Meridiens Klinckieck, 1988. p. 62.
PAIS. j()vens, bandas
mu~iciais
e revivalismo triba15, p. J 7.
Alias, as situayoes de dependencia ou
em face dos consumos de drogas
e alcool sao objeto de cemura, mesmo por parte daqueles que ja passaram por
esse tipo de situa<;ao, na medida em que significam a perda do controlo que
deti'm sobre 5i proprios e a sua vida.
61 Electricisla na construyiio civil, oitavo ano, sexo masculino, 28 allOS.
64
en,,,',",,pr, Heinzlmaier e Zentner (GROSSEGGER, Beate; HEINZLMA1ER,
ZENTNER, Manfred. Youth Scenes in Austria. In: AAVV Trans iCitizenship it!
Culture, Subculture and Identity. EstrasConcelho da Europa, 200 I. p. 197) fazem a distin\:ao entre cu/turas
juvenis e csti/os de vida em termos de fase etaria: quando se ejovem, adota-se
uma cultura juvenil, quando se c adulto, adota-se lim estilo de vida, que
pressupoe aIguma estabilidadc e individualidade na apropria<;ao dos recur~os
proporcionados pelas cenas em que Sf circulou.
FElXA, Carles; CARMEN COSTA, Joan Pallares. From Okupas to Makineros;
tizenship and Youth Cultures in Spain. In: AAVV -- Transitions of Youth
Lttizenship in Europe: Culture, Subculture and Identitv. Estrasbu!!o: COllcelho
da Europa, 2001. p. 305-320.
370
371

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