Tradução, divulgação científica e Terminologia – um ensaio

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Tradução, divulgação científica e Terminologia – um ensaio
 Tradução, divulgação científica e Terminologia – um ensaio exploratório
Maria Teresa Santos*
Artigo recebido em: 02/10/2012
Aceito em: 29/11/2012
Resumo: A crescente perspectiva de investimento em pesquisas, assim como a intensificação das trocas não
apenas comerciais de bens e serviços, mas intelectuais - de conhecimento científico, metodologias e técnicas de
pesquisa – entre países, tem impulsionado a produção de textos especializados repletos de terminologias. Por
circularem entre comunidades linguísticas com diferentes idiomas, frequentemente demandam tradução. Os
tradutores, por sua vez, diante da especialidade dos textos com que se deparam, necessitam não apenas de
proficiência nos idiomas envolvidos, mas consciência do conjunto de variáveis extralinguísticas incidentes sobre
a tradução desses textos. Nesta perspectiva, o estudo que segue tem como fim problematizar a tradução de textos
de divulgação científica considerando a terminologia e suas contribuições no que diz respeito a linguagens de
especialidade e banalização.
Palavras-chave: Tradução. Terminologia. Divulgação científica.
Translation, scientific dissemination and Terminology: an exploratory paper
Abstract: Increasing investments in research and the intensification of exchange of knowledge, methodologies
and research techniques among countries have boosted the production of specialized texts full of terminologies.
Because these texts move around communities of distinct languages, translation is often required. Translators, for
their turn, when facing specialized texts are required not only proficiency in the languages involved, they also
need to be conscious of the extralinguistic issues that affect their translations. Under this perspective, the present
study aims at discussing the translation of scientific dissemination texts focusing on terminology and its
contribution to the matter of specialized languages and banalization.
Keywords: Translation. Terminology. Scientific dissemination.
* UnB, [email protected] In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 24 Bem difundido entre os estudiosos da comunicação está o reconhecimento de que a
linguagem é a única instituição social sem a qual nenhuma outra [instituição social] pode
existir. É por meio da linguagem que nos percebemos integrantes de uma cultura e
reconhecemos, no Outro, traços e necessidades comuns a desencadear-nos identificação,
noção de pertencimento. É especialmente por meio do léxico e de suas articulações (flexões
de gênero, número, grau, tempos/modos verbais), que, enquanto humanos, nos situamos no
mundo e respondemos a ele.
É ainda através dos recursos expressivos da linguagem verbal que distintas
comunidades, afastadas entre si cultural, temporal e espacialmente, entram em contato com as
mais variadas descobertas e inovações provindas da racionalidade humana. A necessidade de
saber do homem aliada à busca por melhorias em suas condições de vida possibilitou
descobertas que, a fim de serem devidamente exploradas e categorizadas, necessitavam ser
nomeadas.
Especialmente a partir do século XX, com os crescentes esforços no sentido de
delimitação dos campos do saber e de seus objetos de análise, e ainda com o aprimoramento
dos métodos de pesquisa científica, fez-se evidente a necessidade de estruturação sistemática
dos recursos expressivos pertencentes às mais diversas áreas do saber humano. O anseio pela
estruturação de unidades lexicais menos suscetíveis a incompreensões ocasionadas por
lacunas socioculturais e contextuais motivou, desta forma, a consolidação da disciplina
Terminologia, cujos esforços referem-se principalmente ao processo de nomear conceitos e
objetos pertencentes a áreas especializadas de estudo.
Cabré, esclarecendo o objeto de estudo da Terminologia, ensina:
A terminologia é, antes de tudo, um estudo do conceito e dos sistemas
conceituais que descrevem cada matéria especializada; o trabalho
terminológico consiste em representar esse campo conceitual e estabelecer
as denominações precisas que garantirão uma comunicação profissional
rigorosa.i (1993, p. 52, tradução minha)
Esse trabalho terminológico que mira uma comunicação mais precisa entre campos
especializados do saber está associado ao tratamento das chamadas linguagens de
especialidade. Linguagem e não língua pelo fato de o inventário lexical especializado estar
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 25 compreendido no - e vinculado ao - inventário da língua geral, compartilhada pelo grupo de
indivíduos falantes de uma língua, não constituindo, pois, uma língua a parte.
Convém salientar que o conceito de linguagem de especialidade não dialoga com o de
língua artificial. Enquanto o primeiro encontra-se inserido no domínio da língua geral,
estando a esta subordinado, ainda que com características e especificidades próprias que
diferenciam termos de palavras, no caso das línguas artificiais, estas são constituídas por uma
estrutura sistemática desvinculada de uma língua geral específica – a título de exemplo temos
as linguagens de programação que, na informática, possibilitam a comunicação entre software
e hardware.
As linguagens de especialidade refletem, assim, os esforços em direção à otimização
da comunicação por meio de uma linguagem que melhor atenda à necessidade de
representação, sistematização e transmissão do saber especializado. Ainda segundo Cabré:
O uso de repertórios terminológicos sistematizados ou harmonizados – por
meio da Terminologia – contribui para tornar mais eficaz a comunicação
entre especialistas, comunicação essa que se propõe, acima de tudo, a ser
concisa, precisa e adequada. (1996 apud ALMEIDA et al., 2003, p.01)
Tal ideal de comunicação persegue o princípio de que um termo, considerando o
contexto específico X, deve vincular-se a um único conceito, evitando-se equívocos oriundos
da polissemia da língua geral.
Ainda que críticas direcionadas a essa hipótese de estabilidade semântica - um termo
para um conceito – sejam pertinentes, elas não parecem reduzir a importância da
Terminologia e as contribuições de sua ocupação. Na verdade, após o reconhecimento das
incongruências presentes na Teoria Geral da Terminologia (TGT), com as reflexões propostas
por Maria Teresa Cabré (1993) e a ascensão da Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) e
da Socioterminologia, que põe em relevância a questão das variações e da instabilidade dos
termos e conceitos, o objetivo da disciplina desvinculou-se do postulado normativo de um
para um, que trata os termos como unidades estanques, e direcionou-se à valorização dos
aspectos linguísticos, sociais e cognitivos relacionados ao tratamento das terminologias.
Observa-se o rompimento com a busca por uma sistematização rígida e fechada, e,
reconhecendo a dinamicidade das línguas e da própria sociedade que as consagra, preza-se
uma abordagem descritiva que, longe de desconsiderar as normas e tentativas de
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 26 padronização, percebe-as como sistematizações auxiliares e por si mesmas suscetíveis a
transformações.
Dissertar sobre a relevância dos estudos terminológicos para as diversas disciplinas
que deles se beneficiam é, de certa maneira, um metadiscurso, é argumentar sobre os
benefícios da terminologia tendo a própria argumentação como comprovação de tais
benefícios. As linguagens de especialidade permeiam os mais diversos campos do saber, sem
distinção quanto à complexidade e/ou tecnicidade da área, porém com diferenciações quanto
ao grau de especialização. Estudos terminológicos aplicam-se a desde manuais explicativos
sobre motores de avião, passando por disciplinas das ciências agrárias, humanas, jurídicas,
religiosas, e chegando ao inventário de termos que compreendem receitas culinárias,
horóscopos, folclore e esportes.
Enquanto disciplina cujo objeto de estudo é, de maneira geral, a linguagem humana e a
problemática a ela relacionada, faz-se possível reconhecer o diálogo entre Terminologia e
Tradução. Da mesma forma como aquela lida com a linguagem em contextos especializados,
a tradução, da mesma forma, não se encontra desvinculada do conceito de especialidade. Se
para os terminólogos o objetivo, entre outros, é otimizar a transmissão dos mais variados
saberes especializados - tendo em vista obstáculos como variedades linguísticas, diferenças
socioculturais e econômicas, política, ideologia e ainda normas (impostas ou socialmente
difundidas) -, para os tradutores, os desafios são coincidentes.
É possível alegar que a prática da tradução não se resume a textos especializados,
enquanto que o objeto da terminologia seja necessariamente a linguagem especializada.
Entretanto, ainda que abordando o conceito de especialidade segundo uma nova perspectiva e
julgando pela especificidade que cada texto a ser traduzido/vertido apresenta – gênero,
funcionalidade ou skopos, peculiaridades socioculturais, espaciais e mesmo linguísticas, além
de todos os obstáculos referidos no parágrafo anterior – a tradução não se encontra
desassociada do conceito de especialidade.
Ademais, o volume preponderante de textos a demandarem tradução/versão
compreende produções intelectuais oriundas das mais diversas áreas científicas e técnicas:
contratos jurídicos internacionais, documentos, manuais de instrução, bulas, rótulos de
produtos, textos normativos, além de bibliografias, artigos, dissertações e teses de áreas
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 27 especializadas, assim como textos de divulgação científica. Todas essas tipologias textuais são
constituídas por termos cuja tradução não está unicamente subordinada à dimensão
linguística, mas também à esfera sociocultural que tanto influencia quanto é influenciada pela
língua.
Neste sentido, Camargo, analisando a tradução de terminologias da área médica
oferece-nos exemplos de como cada sociedade concebe a realidade sob diferentes ângulos e,
naturalmente, utilizando línguas e associações semióticas diferentes:
Apesar dos esforços para uma sistematização da nomenclatura anatômica,
esta passou por uma fase caótica, visto que estruturas idênticas eram
descobertas e descritas em diferentes idiomas. Como exemplo do problema
surgido não apenas para os médicos, mas também para os tradutores, Paiva
(2006) cita o termo ‘epífase’ ou ‘corpo pineal’, que chegou a apresentar, em
três idiomas ocidentais (francês, inglês e alemão), mais de cinqüenta
sinônimos. ( 2006, p. 59)
Ainda segundo consta na pesquisa de Camargo (2006), o anseio por padronização dos
termos da anatomia tornou-se mais concreto apenas em 1950 quando, em Oxford, foi criada a
Comissão Internacional de Nomenclatura Anatômica. Esta, perseguindo uma postura
prescritiva, estipulou princípios a serem obedecidos com relação à denominação de conceitos.
Embora este recorte diga respeito ao processo de normatização da linguagem da anatomia, a
ele subjaz uma dificuldade incidente não apenas sobre este campo de estudo. Aplicada às
diversas áreas do saber está a problemática de que cada grupo social - em específico os
falantes de diferentes idiomas - cria recortes diferentes da realidade, oriundos de associações
semióticas diversas.
Em face da grande quantidade de tipologias textuais objeto de tradução e de análise
terminológica, impõe-se, a este artigo, a necessidade de fazer um recorte, colocando o
enfoque em um determinado tipo de texto a fim de melhor desenvolver o tema. Neste estudo,
abordarei em específico os textos de divulgação científica.
1. A divulgação científica
O reconhecimento da importância de se investir em educação e em pesquisas a fim de
se agregar valor aos produtos comercializados em mercado global – desvinculando-se do
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 28 perfil de meros exportadores de commodities - tem motivado governos de países emergentes a
investirem tanto na produção quanto no intercâmbio de novos conhecimentos e técnicas.
Parcerias entre universidades internacionais e estímulo ao contato entre docentes, discentes e
pesquisadores parece ser, hoje, a estratégia preponderante.
Segundo Camargo:
Profissionais brasileiros têm contribuído amplamente para o
desenvolvimento das diversas áreas técnicas e científicas por meio de
pesquisas realizadas em nosso país e no exterior. Esse fato pode ser
constatado pelo aumento de publicações de revistas nacionais
especializadas em diferentes campos da Engenharia, Informática, Medicina,
etc. (2006, p. 56)
Leite apesar de hoje estar com dados ultrapassados, em 2001 já alertava sobre o progresso da
ciência brasileira e sua divulgação:
Segundo dados do Livro Verde do MCT, o Brasil ocupa o décimo sétimo
lugar no mundo em números de trabalhos científicos aceitos por publicações
indexadas, com 12333 artigos no ano 2000 (dados do Institute for Scientific
Information – ISI). Isso representa um acréscimo de mais de 400% em
relação a 1981, contra uma média de crescimento mundial da ordem de
90%. (2001, s/p)
Todavia, nem todos os interessados nos temas abordados podem ler os textos
originalmente escritos em português, assim como publicações em língua estrangeira nem
sempre são de fácil acesso a não falantes do idioma. Diante de tal limitação, a tradução
mostra-se imprescindível para a divulgação desses estudos.
Não bastasse a barreira linguística, relacionada à diferença de idiomas, há um
obstáculo igualmente relevante para a tradução e a divulgação científica: a questão da
acessibilidade dos textos ao público não especialista no assunto e a estratégia de banalização.
Antes, porém, de introduzir a problemática da banalização, convém esclarecer o conceito de
divulgação científica.
Bueno (1985), em sua tese de doutorado situa difusão científica como um gênero que
se desdobra nas espécies: divulgação científica, disseminação científica e jornalismo
científico.
A difusão, assumida de maneira abrangente, diz respeito ao compartilhamento de
informações científicas e tecnológicas através dos mais diversos recursos e estratégias. Os
subgêneros deste conceito maior são delimitados e caracterizados conforme o público ao qual
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 29 essa difusão se destina: a especialistas ou a um público geral. Enquanto a disseminação
científica tem como público os especialistas e, como exemplo, os comunicados e trabalhos
apresentados em congressos e reuniões científicas, a divulgação científica visa a uma maior
abrangência e tem como destinadores também o público não especialista nas áreas abordadas.
Sua prática geralmente é intermediada por jornalistas.
Ainda sobre o subgênero divulgação científica, este é dirigido para fora do seu
contexto originário – a comunidade científica – mobilizando diferentes recursos, técnicas e
processos para a veiculação das informações científicas e tecnológicas ao público em geral.
Isso se dá especialmente através de revistas consideradas científicas e se relaciona com outro
domínio social, o jornalismo.
O discurso de disseminação científica, produzido por uma comunidade de especialistas
que tem por objetivo atingir seus pares possui, assim, características distintas em relação aos
textos de divulgação científica. Enquanto o discurso científico circula primordialmente nas
academias e institutos de pesquisa e segue uma metodologia que visa a formar profissionais
e/ou pesquisadores, a divulgação científica – como é o caso das revistas - não se propõe
necessariamente a formar especialistas, mas a partilhar saberes e despertar interesses. Disso
resulta-se que a diferença entre os dois universos discursivos não se resume ao amplo
emprego de terminologias por parte do discurso científico ou à recorrência à banalização,
considerando textos de divulgação científica. O recorte do fato a ser tratado ocorre de distintas
maneiras. Tomando a área médica como exemplo, no caso da divulgação científica, Moirand
ensina:
As descobertas médicas não são realmente explicadas, antes se explicam
suas consequências positivas sobre a saúde (preservação do corpo); aos
especialistas de catástrofes, a mídia demanda não tanto explicar o
fenômeno, mas sua opinião sobre a previsão ou conselhos sobre a
construção de prédios (preservação dos bens); não são os mecanismos
internos das novas tecnologias que são expostos, mas a imagem da
modernidade que confere sua utilização. (2000, p.21)
Também Santos reafirma: “O que há na mídia é o alheamento ao fazer científico. Ela
apresenta resultados como produtos acabados, sem expor os processos que levaram a eles.”
(2007, p. 39).
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 30 Não é possível, no entanto, afirmar que toda e qualquer revista com fins de divulgação
científica siga o mesmo modelo de abordagem. Dois exemplos são a revista
Superinteressante, publicada pela Editora Abril, e a Scientific American Brasil, veiculada pela
Duetto Editorial a partir de traduções da Scientific American escrita em inglês americano.
Enquanto a Superinteressante prioriza um jornalismo que não tanto explique o
fenômeno e suas propriedades, mas os impactos destes sobre a vida do cidadão comum –
recorrendo à estratégia de banalização da linguagem -, a Scientific American Brasil inclina-se
a discutir o fenômeno, suas propriedades e a problemática imposta com maior rigor científico.
O público da Scientific certamente é mais filtrado, porém os textos não se direcionam
exclusivamente a especialistas. Em ambos os casos ocorre o tratamento da linguagem, que
nem deve ser simplória a ponto de trazer descrédito ao leitor mais rigoroso, gerando-lhe a
impressão de que nada ali há para acrescentá-lo, e nem deve, por outro lado, ser especializada
e seletiva a ponto de excluir do público não especialista a possibilidade de leitura e interação.
Fica claro, deste modo, que a adequação ao saber já compartilhado pelo público leigo
impõe-se como condição necessária ao objetivo de divulgação do conhecimento científico. Se
o contato com a novidade não for viabilizado por meio de um discurso minimamente
acessível, com os devidos acréscimos explicativos e uso de recursos que acionem o repertório
lexical já familiar ao leitor, intercalando entre o novo e o já conhecido, não será possível
cumprir os propósitos da divulgação científica que, como defendido por seus idealizadores,
referem-se à democratização do conhecimento científico. É neste momento que a estratégia de
banalização mostra-se pertinente.
2. A Banalização
A explicação de Cabré sobre a questão da banalização possibilita uma introdução clara
sobre o conceito:
Quando explicamos detalhes de nosso trabalho a amigos de profissões
diferentes, quando explicamos a um advogado um assunto patrimonial,
quando comentamos sobre a partida de futebol no domingo, entre outros,
“banalizamos” a terminologia de cada área. Os meios de comunicação de
massa contribuem especialmente para a banalização da terminologia
especializada.ii (1993, p.136, tradução minha)
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 31 Também Barbosa, tendo em vista o discurso técnico-científico e as dificuldades de
comunicação entre indivíduos com diferentes graus de formação, discorre sobre o conceito de
banalização. Este, segundo ela, refere-se ao:
[...] processo de transcodificação que, a partir da linguagem técnicocientífica, procura tornar compreensíveis aos não especialistas de uma área
mas por ela interessados os significados e os valores específicos do universo
de discurso em causa. Trata-se de uma metalinguagem mais acessível, que
ainda remete para o universo de experiência técnico-científico. (2002, s/p)
Sobre o processo de transcodificação, este se refere à explicação de uma linguagem
primeira – a técnico-científica/especializada – por uma linguagem segunda – a banalizada -.
Para tornar compreensível uma linguagem de especialidade é necessário, portanto,
utilizar um léxico adequado, que represente a via de acesso a um universo de discurso
especializado. Neste sentido, Barbosa (2002, s/p) esclarece que:
[...] o desenvolvimento de mecanismos que permitam estabelecer relações
entre vocábulos da linguagem banalizada e termos técnico-científicos
revela-se muito eficaz para a comunicação entre o leigo e o especialista e
como instrumento - para o aluno ou iniciante - de acesso a um novo
universo de discurso, sem que este lhe pareça uma linguagem artificial e
completamente desvinculada do seu saber anterior.
Dentre os citados mecanismos de otimização da compreensão está não somente a
substituição de termos por palavras da língua comum, mas estratégias como definição de
termos provavelmente desconhecidos, utilização de paráfrase, exemplos, explicitações, etc.
Barbosa (2002, s/p) assim, reitera que a banalização:
[...] compreende também certas operações como intertextualidade,
paráfrase, estabelecimento de equivalências entre estruturas semânticolexicais de universos de discurso diversos, dos quais resulta, também um
metatexto explicativo.
A consciência de todas essas implicações incidentes sobre as linguagens de
especialidade e, no caso do foco deste estudo, sobre textos de divulgação científica, é bastante
relevante para a tradução desses textos. Com respeito aos tradutores, infere-se que
familiaridade com o repertório da língua geral e proficiência gramatical no idioma estrangeiro
não bastarão para que seu trabalho atenda às necessidades impostas pela divulgação científica.
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 32 Será preciso, tendo em vista o público ao qual se traduz, reconhecer o momento de substituir
terminologias por palavras que permitam a compreensão por parte de não especialistas, bem
como acionar os recursos expressivos de facilitação da leitura e explicação das terminologias
que se manterão no texto, tudo isso considerando os aspectos pragmáticos e socioculturais dos
idiomas envolvidos.
Uma das grandes dificuldades impostas à tradução de terminologias consiste em
encontrar termos, nos diferentes idiomas, que se relacionem ao mesmo conceito e, em um
segundo momento, adequar estes termos conforme o grau de especialização do público ao
qual se destina.
Barbosa (2005, s/p) oferece exemplos neste sentido. O que, em português, na
medicina, é hemiparesia, na enfermagem é comumente referido como adormecimento. Na
comunicação entre leigos, todavia, formigamento é de uso preponderante. O raciocínio é o
mesmo se considerarmos Hálux valgo, termo científico, ossinho e joanete, sendo este último
vocábulo uma forma de interface entre o científico e o banalizado; como outro exemplo temos
condrocalcinose, inflamação articular e gota.
Resta saber, no momento em que se verte um texto escrito em português para um
idioma estrangeiro, se existe, na comunidade para a qual se traduz, uma alternativa ao termo
científico, um vocábulo também banalizado e de uso recorrente que satisfaça o conceito ao
qual o termo se refere. Não havendo tal intermediário, há a opção de banalização não por
meio de um vocábulo equivalente, mas através da explicitação do conceito por meio da língua
geral. É o que ocorre, conforme exemplo sugerido por Aubert (2001, p. 47), com “certidão
negativa junto ao INSS”. Por se tratar de termos culturalmente marcados, há de se encontrar
soluções contextualmente pertinentes como good standing certificate from the Brazilian
Institute of Social Security. Good standing certificate, (certificado de boas procedências)
apresenta marcas de banalização que facilitam a compreensão do que é uma certidão
negativa.
Em sentido contrário, do inglês para o português, temos, como exemplo, o termo
“FDA” ou [U.S] Food and Drug Administration - órgão comumente mencionado em
pesquisas relacionadas à gestão de alimentos e produtos farmacêuticos. Por ser uma sigla
desconhecida para outras comunidades, é comum, na ocasião da tradução, recorrer-se não
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 33 apenas à tradução literal da sigla: Departamento de administração de produtos alimentícios e
farmacêuticos, mas também paráfrases como: o departamento norte-americano responsável
por testar, controlar e inspecionar alimentos e remédios. Relações de equivalência como uma
espécie de ANVISA dos Estados Unidos a desencadearem familiaridade também caracterizam
a banalização.
Exemplos de banalização por meio não da substituição de termos por palavras, mas
pela explicação com linguagem popular desses termos é estratégia recorrente principalmente
em revistas de divulgação científica cujo público alvo inclui leitores não especializados.
O seguinte parágrafo, retirado de uma reportagem da revista Scientific American
intitulada “Aplicações dos animais transgênicos” ilustra bem essa estratégia:
Nos últimos anos, os avanços da biotecnologia sucederam-se a um ritmo
frenético. Graças a eles foi possível dominar o processo de alteração
genética, a ponto de alterar o genoma animal, ou seja, o material
responsável pelas características hereditárias do ser vivo, e criar um
organismo transgênico em laboratório que pode possuir genes de outras
espécies em seu genoma. Isso aconteceu porque o DNA – que contém a
informação genética – é uma molécula que pode ser transferida de uma
espécie a outra. (PESQUERO, 2007, p 78, grifo meu)
Os animais transgênicos são definidos de várias formas. Para a Federação
Européia das Associações de Ciência em Animais de Laboratório,
transgênico é ‘um animal que possui seu genoma [vide que o termo
genoma foi pormenorizado no parágrafo anterior] modificado
artificialmente pelo homem, quer por meio da introdução, quer da
alteração ou da inativação de um gene [uma sequência definida de DNA].
Esse processo deve culminar na alteração da informação genética contida
em todas as células desse animal, até mesmo nas células germinativas
[óvulos e espermatozóides], fazendo com que essa modificação seja
transmitida aos descendentes. (PESQUERO, 2007, p 78, grifo meu)
Os exemplos acima citados são comuns tanto em textos de divulgação científica em
português quanto em inglês. Como exemplo em sentido inverso, o texto intitulado “Special
delivery: World’s first ‘test tube baby’ turns 30”, divulgado pela Scientific American, também
emprega o mesmo recurso:
Louise Brown, the first child conceived by assisted reproductive technology
or in vitro fertilization (IVF), as it is commonly known, enters her 30s
today. (Scientific American, 2008, s/p)
Because we have identical DNA in each of our cells, our bodies have
mechanisms, such as DNA methylation, to control which genes are
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 34 expressed in certain cell types – a process called genomic imprinting. When
a methyl group (a carbon atom with three hydrogen atoms attached) binds
to a cytosine molecule (one of the four nucleotides that make up DNA), it
tells the cell’s transcription machinery not to transcribe that gene. (Scientific
American, 2008, s/p, grifo meu)
É razoável inferir que, em proporções consideráveis, banalização, no discurso de
divulgação científica, está menos relacionada à substituição de termos por palavras e mais
ligada à preservação de termos - simples ou complexos - com o acréscimo de explicações que
possam acionar o repertório já conhecido pelo leitor não especialista. Convém salientar que
tais explicações adicionais seriam desnecessárias caso o texto fosse direcionado
exclusivamente a especialistas. A estes, termos como gene, célula germinativa, DNA, ou
mesmo IVF - in vitro fertilization dispensam informações conceituais como as apresentadas.
Uma das possíveis justificativas para a estratégia verificada é a de que simplificando
demais o vocabulário, por meio de substituições lexicais que prezem por tornar o texto o mais
compreensível possível ao público leigo, o discurso acabe sendo associado como superficial
aos olhos do leitor mais rigoroso, gerando-lhe descrédito em relação àquele canal de
informação.
Em suma, o objetivo deste trabalho foi o de explicitar as contribuições da
Terminologia para os Estudos da Tradução – em específico para a tradução de textos de
divulgação científica -, tendo em vista, especialmente, o tratamento da linguagem de
especialidade e a estratégia de banalização do discurso, que visa a incluir, ao público leitor da
revista, indivíduos não especialistas nas áreas abordadas. Para tanto, foi necessário abordar
tópicos sobre terminologia, tradução, assim como salientar a relação harmoniosa entre as
disciplinas para, num segundo momento, dedicar atenção ao subgênero divulgação científica.
Fez-se necessário ressaltar as peculiaridades e diferenças entre discurso científico – utilizado
pela própria comunidade científica com o objetivo de atingir seus pares – e discurso de
divulgação científica – que visa a difusão do conhecimento científico para fora do contexto
originário.
A DC, como vimos, pressupõe um maior tratamento da linguagem: além da
preocupação com os termos e suas designações em contextos especializados, é preciso
recorrer a estratégias discursivas que permitam a interação com interlocutores não
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 35 especializados, já que entre seus pressupostos está, segundo os mais idealistas, a “partilha
social do saber” (SANTOS, 2007, p.38).
A presente análise, de natureza dissertativa - posto que não traz resultados de uma
pesquisa empírica substancial -, apesar de sucinta contribui para o reconhecimento de que
diferentes campos do saber concebem a realidade de distintas formas - conforme indicam os
exemplos citados da medicina -, daí a dificuldade enfrentada por aqueles que se lançam em
busca de equivalências conceituais perfeitas. Outra consideração final razoável diz respeito à
percepção de que, ao tradutor desses textos especializados, não basta o domínio linguístico
dos idiomas envolvidos: é preciso estar consciente da função e do público ao qual seu trabalho
se destina, bem como ter consciência dos fatores pragmáticos, culturais e ideológicos que lhe
impõem desafios como, por exemplo, a escolha pelo emprego de agrotóxico ou de defensivo
agrícola, invasão ou ocupação de terras. A terminologia mostra-se, nessa perspectiva, de
importância fundamental não apenas para a prática tradutória, mas para qualquer tipo de
produção textual que envolva conhecimentos especializados.
In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 36 Referências bibliográficas
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i La Terminología es, ante todo, un estudio del concepto y de los sistemas conceptuales que describen cada materia especializada; el trabajo terminológico consiste em representar ese campo conceptual, y establecer las denominaciones precisas que garantizarán una comunicación profesional rigurosa. ii Cuando explicamos detalles de nuestro trabajo a los amigos que no son de la misma profesión, cuando a un abogado le hablamos de un asunto patrimonial, cuando comentamos el partido de fútbol del domingo, etc, “banalizamos” la terminología especializada de cada área. Los medios de comunicación de masas contribuyen especialmente a la banalización de la terminología especializada. In‐Traduções, ISSN 2176‐7904, Florianópolis, v. 4, n. 7, p.24‐38, jul./dic., 2012. 38 

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