referencial teorico - Faculdade Alfredo Nasser

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referencial teorico - Faculdade Alfredo Nasser
FACULDADE ALFREDO NASSER
INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO
CURSO DE LETRAS
ANNA LÍDIA BUENO CHAVES
O USO DOS ESTRANGEIRISMOS NA LINGUAGEM DO BRASILEIRO
Aparecida de Goiânia-GO
2010
ANNA LÍDIA BUENO CHAVES
O USO DOS ESTRANGEIRISMOS NA LINGUAGEM DO BRASILEIRO
Monografia apresentada à banca examinadora
do Departamento do curso de Letras da
Faculdade Alfredo Nasser, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Licenciatura em Letras, sob a orientação do
Professor Mestre Newton Paulo Monteiro.
Aparecida de Goiânia-GO
2010
O USO DOS ESTRANGEIRISMOS NA LINGUAGEM DO BRASILEIRO
Aparecida de Goiânia______/__________/_______.
EXAMINADORES
__________________________________________
****************
__________________________________________
****************
Dedico este trabalho a minha família – pais,
irmão e noivo: meu suporte, meu auxílio, meu
esconderijo secreto.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Deus e meu Anjo da Guarda, pela proteção e por terem me dado
a chance de ser aquilo que escolhi.
Aos meus pais, Antônio Cícero e Viviane, por me mostrarem o amor
incondicional, por acreditarem em mim, por terem me apoiado e por muitas vezes
terem se sacrificado para me dar tudo o que precisei.
Ao meu irmão, que com seu companheirismo e dedicação sempre me ajudou
e apoiou em todos os momentos.
Ao João, meu noivo, que com sua presença amorosa, tem compartilhado
bons e maus momentos ao meu lado, fazendo meu dia a dia ser diferente e melhor.
Que me ajudou a acreditar que eu era capaz e acima de tudo, me ensinou a amar e
ser amada. Por todos os conselhos, todo carinho, cumplicidade e compreensão,
especialmente nos momentos em que estive ausente.
Ao meu professor orientador, Newton Paulo Monteiro, que contribuiu para que
este trabalho fosse concluído com sucesso. Muito obrigada, de coração.
“...Somos sujeitos porque desejamos, sonhamos,
imaginamos e criamos, na busca permanente da
alegria, da esperança, do fortalecimento da
liberdade, de uma sociedade mais justa, da
felicidade a que todos temos direito...”
Madalena Freire
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade demonstrar como o uso dos estrangeirismos,
em especial o Inglês, tornou-se comum na Língua Portuguesa, trazendo novos
vocábulos que são o resultado das relações políticas, culturais e comerciais com
outros países. O Inglês fornece vasta nomenclatura, demonstrando que o processo
linguístico está relacionado com a história social, política e cultural de um povo. A
entrada de elementos estrangeiros na nossa língua é um fenômeno sociolinguístico
ligado ao prestígio de uma língua, vista por muitos com admiração. O Inglês,
considerado uma língua universal, permite o mínimo de comunicação entre todos e
pode resultar na perda não só da identidade cultural de um país, mas também a
idiomática. Constata-se que essa liderança idiomática do Inglês é reflexo de vários
fatores, entre os mais relevantes, a globalização, assim como, é perceptível e
inegável predileção por termos estrangeiros por usuários do nosso idioma,
resultando em influência na língua e na cultura brasileira.
Palavras-chave: Língua Portuguesa. Estrangeirismo. Inglês. Influência na língua.
ABSTRACT
This paper aims to demonstrate how the use of foreign words, especially English,
has become common in Portuguese, bringing new words that are the result of
political, cultural and trade relations with other countries. English provides a broad
nomenclature, demonstrating that the linguistic process is related to social history,
politics and culture of a people. The entry of foreign elements in our language is a
sociolinguistic phenomenon linked to the prestige of a language, viewed by many
with admiration. English, considered a universal language, allows a minimum of
communication between everyone and can cause the lost of cultural and idiomatic
identity. It seems that the leadership of English is a reflection of several factors, the
most important one being globalization, and it is noticeable and undeniable the
preference for foreign terms by users of our language, resulting in influences on the
Brazilian language and culture.
Key-words: Portuguese. Foreignness. English. Influence on the tongue.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10
1. ORIGENS E EVOLUÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA .................................... 12
1.1 O surgimento da língua portugesa ........................................................... 12
1.2 A evolução da língua portuguesa ............................................................. 14
2. A LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL ............................................................ 15
2.1 Fatos históricos ......................................................................................... 15
2.2 As principais características do português no Brasil ............................ 16
2.3 O estrangeirismo na língua portuguesa .................................................. 17
3. A IMPORTÂNCIA DA LÍNGUA NO CONTEXTO SOCIOCULTURAL................ 18
4. EMPRÉSTIMOS E IDENTIDADE CULTURAL ................................................... 22
5. ESTRANGEIRISMOS ......................................................................................... 25
6. O USO DOS ESTRANGEIRISMOS .................................................................... 29
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 36
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 41
ANEXOS .................................................................................................................. 43
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INTRODUÇÃO
A linguagem é a faculdade do ser humano de se expressar, é uma
característica que o diferencia dos outros animais. Ela permite que o homem se
comunique, formule leis, crie noções e entre na essência dos fenômenos. A
linguagem serve o pensamento, o qual, sem ela, jamais poderia existir. E a língua é
o mecanismo de linguagem utilizado por um grupo de indivíduos para transmissão
de ideias, de pensamentos.
A vida do homem está intimamente associada ao processo de comunicação,
cujo aprimoramento acompanha a própria evolução humana. Ao se relacionar com o
mundo, ele aperfeiçoa e multiplica a sua capacidade de comunicação.
As palavras são a matéria-prima dos idiomas e é por meio delas que se
percebe a expansão social, econômica e científica de um povo. Elas são criadas de
forma consciente para nomear as coisas e, com o passar do tempo, sofrem
modificações, evoluindo o seu sentido espontaneamente.
Assim como todos os idiomas, a língua portuguesa sofreu uma evolução
histórica, sendo influenciada por vários idiomas e dialetos até chegar ao estágio em
que se encontra atualmente. Pode-se observar, nesse processo de evolução, que
muitas palavras desapareceram, enquanto novas surgiram. É um processo que
nunca tem fim.
Não se pode falar em língua pura, todas sofrem influências de outras. E a
língua portuguesa não é diferente: é heterogênea e variável. No Brasil, em virtude da
demografia histórica, da escravização dos negros africanos, do contato com os
indígenas, e do contato com várias outras nações, a língua portuguesa também
sofre diversas influências.
O estrangeirismo é uma constante nos processos culturais em todo o mundo
e a análise do papel da aquisição de “empréstimos‟ linguísticos permeia os
processos de colonização e as migrações, uma miscigenação cultural que se
processa geralmente sem a voluntariedade de mudanças na vida social, por parte
dos moradores de um local.
As
manifestações
culturais
dominantes
receberam,
durante
séculos,
contribuições advindas da chegada de outros povos, da importação de objetos, da
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utilização constante de termos associados a ações ou a expressões estrangeiras.
Não há, entretanto, uma uniformidade em relação a se quantificar essa prática.
Se entre duas línguas, entre povos diferentes, ocorre imposição de um
determinado termo, a coexistência entre ambas acaba por modelar o léxico da
língua receptora. Essa ascendência de uma nação sobre a outra, caracterizadora do
empréstimo, deixa marcas na língua, de modo que se promova uma conexão entre
identidades culturais distintas, entre indivíduos e estruturas sociais, sob forte
influência da base material da sociedade – muitas vezes associadas ao poder
político e econômico.
Este estudo tem por objetivo identificar o emprego de estrangeirismos e a
miscigenação cultural provocada por essa influência, mostrando a forte presença do
Inglês na nossa língua, no nosso dia-a-dia.
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1. ORIGENS E EVOLUÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Para entendermos como os estrangeirismos começaram a fazer parte da
nossa língua e como isso nos influencia, é de suma importância voltarmos a origem,
assim entenderemos sua constante evolução.
A linguagem, que surgiu em virtude da necessidade do homem de se
comunicar, é uma de suas maiores habilidades. É a linguagem, juntamente com a
capacidade de pensar, que diferencia o ser humano dos demais seres vivos e
possibilita que ele se organize socialmente.
A língua é um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos. É
mutável, vive em constante evolução, acompanhando as mudanças do organismo
social que a criou (CUNHA e CINTRA, 2008).
1.1 O surgimento da língua portuguesa
O surgimento da língua portuguesa está ligado ao processo de constituição
da Nação Portuguesa. É a continuação ininterrupta, no tempo e no espaço, do latim
que chegou à Península Ibérica com a romanização dos povos do oeste e noroeste
no início do séc. III a.C (BECHARA, 2006).
No sul da Península Itálica, na região do Lácio, onde foi fundada a cidade de
Roma, vivia um povo de cultura rústica, que falava a língua latina, que veio a
desempenhar um importante papel na história da civilização ocidental. Com as
conquistas do Império Romano, novos povos passaram a se juntar aos romanos,
sendo impostos aos dominados os seus hábitos, instituições, padrões de vida, suas
leis, sua língua (CUNHA e CINTRA, 2008).
Até a metade do séc. IV a.C, os romanos ainda não haviam feito muitas
conquistas externas. Mas, com a Guerra dos Samnitas, iniciada em 326 a.C e
terminada em 295 a.C, com a Batalha de Sentino, começou a penetração dos
romanos na Península Itálica (CUNHA e CINTRA, 2008).
Foram ocorrendo sucessivas conquistas entre o período de 241 a.C a 107
d.C, sendo subjugados os territórios da Sicília, da Sardenha e da Córsega, da Ilíria,
da costa este e sul da Península Ibérica, dos reinos helenísticos do Oriente, da Gália
Cisalpina, da Ligúria, de Cartago e Norte da África, da Macedônia e da Grécia, da
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Gália Narbonense, da Gália do Norte, da Mésia, do Noroeste da África, do resto da
Península Ibérica, da Nórica, da Résia, da Panônia, do resto da Mauritânia, da
Bretanha, da Trácia, da Dácia, da Arábia Pétrea, da Armênia e da Mesopotâmia,
atingindo o máximo de sua expansão geográfica com a anexação da Dácia Romênia (CUNHA e CINTRA, 2008).
Desse modo, ao estenderem seus domínios, os romanos ensinavam e
aprendiam com as novas civilizações, propagando sua cultura, suas instituições, e
assimilando os hábitos de vida dos povos conquistados.
Desde o séc. III a.C, sob influência grega, o latim escrito foi se aperfeiçoando,
até atingir, no séc. I a.C, a perfeição da prosa de Cícero e César, ou da poesia de
Horácio. Consequentemente, essa língua literária, praticada pela elite, foi se
separando do latim corrente – o latim vulgar –, falado pelos mais variados povos da
Itália e das províncias (CUNHA e CINTRA, 2008).
Falado pelos soldados, marinheiros, colonos, funcionários romanos, o latim
vulgar foi se diversificando com o tempo, surgindo, assim, as chamadas línguas
românicas. Não mais havia no Império, a partir do século III da era cristã, uma
unidade linguística, embora as comunidades continuassem interligadas (CUNHA e
CINTRA, 2008).
Vale destacar vários fatos históricos que contribuíram para a dialetação.
Em 212, com o Édito de Caracala, foi estendido a todos os indivíduos livres
do Império o direito de cidadania, não mais sendo privilegiados os povos de Roma e
da Itália. De 284 a 305, Dioclésio tornou obrigatório o uso do latim. Em 330,
Constantino transferiu a sede do Império para Bizâncio, a nova Constantinopla. No
final do séc. IV, em 395, com a morte de Teodósio, o domínio foi dividido em Império
Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente. Este último durou até 1453,
enquanto que o primeiro permaneceu apenas até 476 (CUNHA e CINTRA, 2008).
No final do séc. V, os falares regionais já se aproximavam mais dos idiomas
românicos do que do próprio latim, iniciando-se o período do romance, ou romanço,
língua vulgar da fase de transição da qual se originam textos redigidos em línguas
româncias: francês, espanhol, italiano, sardo, provençal, rético, catalão, português
(séc. XIII), franco-provençal, dálmata e romeno (CUNHA e CINTRA, 2008).
Depois do processo de romanização, a Península Ibérica foi invadida pelos
germânicos, que trouxeram diversas influências, contribuindo para a fragmentação
da língua naquela região.
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Já no séc. VII, foi a vez de os árabes invadirem a Península, deixando suas
marcas na cultura e na língua, embora sem força suficiente para apagar a forte
influência românica já exercida sobre aquele povo.
1.2 A evolução da língua portuguesa
Foi durante o domínio árabe que as características distintivas dos romances
peninsulares se acentuaram, constituindo-se uma unidade linguística que se
conservou homogênea até a metade do séc. XIV – o galego-português.
No séc. XIII, com os primeiros documentos redigidos em galego-português, se
inicia a fase histórica da língua portuguesa. Assim como todos os idiomas, a língua
portuguesa está em um constante processo de evolução, no tempo e no espaço.
O processo de evolução do latim ao português atual, segundo José Leite de
Vasconcelos, apud Cunha e Cintra (2008), pode ser distinguido em cinco etapas:
a) latim lusitânico, falado na Lusitânia, desde a implantação do latim até o
séc. V, não constando nenhum documento;
b) romance lusitânico, falado na Lusitânia, do séc. VI ao séc. IX, também sem
nenhum documento;
c) português proto-histórico, também falado na Lusitânia, do séc. IX ao séc.
XII, com algumas características nos textos bárbaros;
d) português arcaico, que vai do séc. XIII à primeira metade do séc. XVI,
quando a língua começa a ser codificada gramaticalmente; e
e) português moderno, da segunda metade do séc. XVI até os dias atuais.
Nos séculos. XV e XVI, com os descobrimentos marítimos, os portugueses
levaram a sua língua a outras regiões, outros povos. A língua portuguesa é hoje a
língua oficial do Brasil, de Portugal, de Angola, de Cabo Verde, de Guiné-Bissau, de
Moçambique, de São Tomé e de Príncipe e de Timor Leste (CUNHA e CINTRA,
2008).
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2. A LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL
O Brasil, um país imenso, com um território de mais de 8 milhões de
quilômetros quadrados, possui um só idioma, e de importância internacional: a rica
língua portuguesa.
Embora os portugueses tenham chegado ao Brasil em 1500, a colonização
apenas se iniciou em 1532, quando foram criadas as capitanias hereditárias.
Aos portugueses se juntaram os índios, povos nativos da região, depois os
escravos trazidos da África. Esses três povos, além de vários outros vindos da
Europa, contribuíram fortemente para a formação da população brasileira.
2.1 Fatos históricos
O Brasil, quando aqui chegaram os portugueses, era povoado pelos índios,
vindo em seguida, os escravos africanos. Esses três povos se juntaram durante o
período colonial, formando-se a nação brasileira.
No início, somente o litoral era colonizado. Com a fundação da cidade de São
Paulo em 1554 e a descoberta do ouro em Minas Gerais, no séc. XVIII, os povos
foram se instalando no interior do país.
Segundo Teyssier (1997), a situação linguística do Brasil nesse período se
mostrava da seguinte forma:
Os “colonos” de origem portuguesa falam o português europeu, mas
evidentemente com trações específicos que se acentuam no decorrer do
tempo. As populações de origem indígenas, africana ou mestiça aprendem
o português, mas manejam-no de uma forma imperfeita. Ao lado do
português existe a língua geral, que é o tupi, principal língua indígena das
regiões costeiras, mas um tupi simplificado, gramaticalizado pelos jesuítas
e, destarte, tornado uma língua comum. Enfim, muitos povos indígenas
conservam os seus idiomas particulares, que se denominam línguas
travadas.
Durante muito tempo o português e o tupi viveram lado a lado como línguas
de comunicação. (TEYSSIER, 1997, p. 94)
Assim, o português e o tupi conviveram bem até o final do séc. XVIII. Mas a
obrigatoriedade do uso oficial da língua portuguesa e a proibição da língua tupi pelas
leis pombalinas em 1757, a expulsão dos jesuítas do Brasil – os protetores do tupi –
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bem como a chegada de numerosos imigrantes portugueses, contribuíram para a
decadência da língua nativa.
Quando o Brasil se tornou independente em 1822, procurou-se valorizar tudo
aquilo que poderia ser diferente de Portugal. Permitiu-se uma infiltração das
influências de outras culturas europeias, tais como a francesa, a italiana, a alemã,
entre outras.
Por volta de 1870, com o Romantismo, buscou-se a originalidade em nossa
língua, para torná-la mais viva e autêntica. E é José de Alencar o maior crítico ao
purismo exigido pelos padrões dos escritores portugueses naquela época.
Embora no séc. XIX tivessem surgido escritores adeptos ao tradicionalismo –
Machado de Assis e Rui Barbosa, por exemplo –, no séc. XX os escritores procuram
“falar” a língua do povo, recheando suas obras de brasileirismos. E, com o
Modernismo, a língua falada no Brasil ganha força. Há uma recusa às influências
europeias e um esforço para definir uma língua originariamente brasileira e autêntica
(TEYSSIER, 1997).
2.2 As principais características do português no Brasil
O português no Brasil possui um vocabulário atual diferenciado do de
Portugal. Algumas palavras têm significados bem diferentes, como por exemplo:
ônibus no Brasil chama-se autocarro em Portugal. E várias palavras eram escritas
de formas diferentes, tais como ação no Brasil, e acção em Portugal. Com a Nova
Reforma Ortográfica (que entrou em vigor em 2009), os vocábulos passaram a ser
grafados da mesma forma nos países que têm a língua portuguesa como língua
oficial.
Os filólogos, de um modo geral, reconhecem que, hoje, o Brasil possui uma
originalidade linguística muito rica, em virtude de um processo histórico, e que
Portugal possui uma unidade linguística superior incontestável.
No Brasil, as variações dialetais são mais socioculturais do que geográficas.
Primeiro, aparece a língua dos cultos; em seguida, a língua vulgar, das camadas
menos instruídas; e, por último, os falares regionais e rurais (TEYSSIER, 1997).
Além do mais, a tudo isso se juntam os falares de outros povos, uma vez que o
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Brasil, um país em desenvolvimento, mantém relações econômicas, sociais,
políticas, culturais, etc, com várias outras nações.
2.3 O estrangeirismo na língua portuguesa
O estrangeirismo é o uso de palavras, expressões ou construções oriundas
de um outro idioma tomadas como empréstimos por uma determinada comunidade.
É um fenômeno histórico-social marcante e, no mundo globalizado em que vivemos,
propicia, agiliza e facilita os contatos entre diversas nações.
Em todas as épocas, e em toda parte do mundo, especialmente nos dias de
hoje, com modernas tecnologias na área de comunicação, a troca de informações
entre as mais diferentes culturas e línguas resultam uma circulação de hábitos,
moda, produtos de um modo geral, entre outros, propiciando a penetração de
vocábulos pertencentes a um determinado idioma em outras línguas. É o que ocorre
também com a língua portuguesa.
Veremos nos capítulos seguintes como as diferentes culturas presentes no
nosso dia-a-dia influencia esses estrangeirismos, mostraremos um aspecto técnico
do que realmente é estrangeirismo, as polêmicas que permeiam esse assunto e
alguns exemplos que pertencem ao nosso cotidiano, mostrando como os
estrangeirismo (principalmente o Inglês) estão ligados à nossa fala, hábitos,
alimentação, rotina etc.
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3. A IMPORTÂNCIA DA LÍNGUA NO CONTEXTO SOCIOCULTURAL
A vida do ser humano está intimamente associada ao processo de
comunicação, e o aprimoramento da capacidade comunicativa acompanha a própria
evolução humana. À medida que amplia seu relacionamento com o mundo, o ser
humano aperfeiçoa e multiplica a sua capacidade de comunicação, envolvendo
palavras, sons e imagens. Textos verbais e não-verbais interagem e contribuem para
a representação oral e escrita das sociedades.
A língua constitui, pois, um código mutável que integra as relações humanas
e que, ao mesmo tempo em que sofre modificações, participa das mudanças nas
sociedades. Esse patrimônio social é responsável pela possibilidade de se preservar
o conhecimento e de transmiti-lo a outras gerações.
Como entidade social, a língua é definida como “[...] um conjunto de regras
fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas, que determinam o emprego dos
sons, das formas e relações sintáticas, necessárias para a produção dos
significados” (LOPES, 2001, p. 58). Este conceito difere da definição dada por Elia,
em que se lê que “[...] língua é o falar de uma comunidade, estruturalmente
diferenciado, portador de apreciável tradição cultural e reconhecido oficialmente por
um Estado como forma de comunicação em suas relações internas e externas.”
(ELIA, 2000, p. 28)
Em se tratando de aspecto social, ressalta-se que o caráter social de uma
língua é entendido como um sistema de signos convencionais que são facultados
aos membros de uma sociedade para a possibilidade de comunicação, constituindose o papel mais importante hoje nas relações humanas.
caráter social da língua é facilmente percebido quando levamos em
conta que ela existe antes mesmo de nós nascermos: cada um de
nós já encontra a língua formada e em funcionamento, pronta para
ser usada. E, mesmo quando deixarmos de existir, a língua subsistirá
independentemente de nós (TERRA, 1997, p. 20).
Entre a língua e a sociedade pode-se perceber que há um mundo de signos
linguísticos e inúmeras possibilidades comunicativas que irão formar as mensagens,
ou seja, os sons, os gestos, as imagens estarão associados à língua, ligando-a não
somente às relações diárias, mas também aos meios de comunicação de massa e à
vida cultural, científica ou literária, passando a estabelecer um contrato social.
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Uma vez interagentes, não se delimitam de forma clara as relações entre
língua, cultura e sociedade: é difícil estabelecer onde uma começa e a outra termina,
já que se estabelece uma relação íntima entre esses elementos. O estudo de uma
língua deve considerar fundamentalmente os contextos socioculturais em que ela se
apresenta, pois essa estrutura apresenta elementos básicos e, muitas vezes,
determinantes para as variações de linguagem. Essa contextualização permite
explicar ou mesmo justificar fatos que, apenas linguisticamente, seriam difíceis ou
até impossíveis de se determinarem. O enunciado, portanto, está intrinsecamente
associado à ambientação de que faz parte, promovendo interação entre seus
interlocutores. E, se, por um lado, o contexto social interfere nas variações
linguísticas, por outro a função que a língua exerce na sociedade determina a
importância da sua aquisição, fazendo com que sua aprendizagem seja de suma
importância para que o indivíduo também faça parte do contexto social. A sociedade,
portanto, existe através da linguagem e é representada pela junção de língua e
cultura. De acordo com Maingueneau (2002), a linguagem:
Seria a capacidade de comunicação oral, e as línguas seriam as
formas particulares por meio das quais cada comunidade, cada
sociedade ou grupo social realiza a linguagem. A questão do social,
portanto, está diretamente ligada à noção de língua, porque é a
noção de sociedade que vai permitir a delimitação desse particular
que é a língua, à vista do universal que é a linguagem.
(MAINGUENEAU, 2002, p. 41).
Vale salientar que os seres humanos dela fazem uso, modificam-na, mas não
a detêm para si ou não a possuem isoladamente. Para Hall (2006):
A língua é um sistema social e não um sistema individual. Ela
preexiste a nós. Não podemos, em qualquer sentido simples, ser
seus autores. Falar uma língua não significa apenas expressar
nossos pensamentos mais interiores e originais; significa também
ativar a imensa gama de significados que já estão embutidos em
nossa cultura e em nossos sistemas culturais. (HALL, 2006, p. 40)
Essa relação intrínseca constitui arranjo fundamental nas atividades
cotidianas e a mudança que se processa, tanto na cultura quanto na língua, seja por
eliminação, acréscimo ou modificação de elementos, ocorre de forma ininterrupta e
involuntária. Os indivíduos reestruturam aspectos linguísticos e valores morais, por
exemplo, muitas vezes sem perceber, porque como vimos, a língua se modifica
conforme a sociedade muda e evolui.
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Certamente as sociedades mais antigas, por viverem mais isoladamente,
preservavam tanto sua língua quanto sua cultura com diminutas modificações por
períodos mais prolongados, havendo pouca diferença mesmo entre gerações mais
distantes. Essa caracterização permitiu uma identidade limitada por aspectos físicos,
ou seja, delimitações espaciais indicavam uma nacionalidade, uma identidade
cultural nacional.
Essa cultura nacional abrange, portanto, a padronização de valores e a
singularização de costumes, assim como a adoção de uma linguagem unificada. A
movimentação do homem por territórios vizinhos e as suas viagens de exploração
culminaram, entretanto, numa troca de informações crescentes e numa inevitável
transfiguração sociocultural.
A facilidade de deslocamento e os avanços tecnológicos, enfaticamente nos
meios de comunicação, tornaram essa troca constante e intensa, de modo que se
passou a encontrar elementos de uma determinada cultura em outros locais ou em
todo o mundo, o que facilitou a entrada de estrangeirismos na nossa língua materna.
Os meios de comunicação nos permitem assistir um noticiário, por exemplo, numa
emissora norte americana, ao mesmo momento em que está sendo exibido lá. A
tecnologia de fácil acesso propiciou que grande parte da nossa sociedade tenha
contato com outros países, principalmente através da internet, uma grande rede
mundial de pessoas interligadas.
O discurso, desse modo, torna-se elemento de disseminação de valores e de
ideologias de uma sociedade, de modo que as sociedades receptoras não apenas
aceitem, mas passem a adotar a influência desse grupo social. Para Barros (2001):
A ideologia dominante é tão abrangente que torna as demais
organizações do saber fragmentárias e muitas vezes contraditórias,
pois incorporam elementos da representação dominante. O grau de
coerência e abrangência dos sistemas ideológicos não é, assim, o
mesmo nas diferentes concepções de mundo. (BARROS, 2001, p.
150).
Essa influência pode ter muitas origens, uma vez que as relações entre os
grupos sociais se fazem não apenas por interesses econômicos, mais muitas vezes
por aspectos sociais, como as redes de relacionamentos na internet (facebook,
twitter, msn messenger, orkut e tantas outras criadas a cada dia que passa). Mas em
qualquer situação é a cultura que acaba se transformando, acrescentando ou
modificando elementos. Embora a língua não sofra influência na mesma intensidade,
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modificações surgem – como é o caso dos empréstimos linguísticos ou do
estrangeirismo, que é o uso de palavras, expressões ou construções oriundas de um
outro idioma tomadas como empréstimos por uma determinada comunidade. É um
fenômeno histórico-social marcante e, no mundo globalizado em que vivemos,
propicia, agiliza e facilita os contatos entre diversas nações.
Em todas as épocas, e em toda parte do mundo, especialmente nos dias de
hoje, com modernas tecnologias na área de comunicação, a troca de informações
entre as mais diferentes culturas e línguas resultam uma circulação de hábitos,
moda, produtos de um modo geral, entre outros, propiciando a penetração de
vocábulos pertencentes a um determinado idioma em outras línguas. É o que ocorre
também com a língua portuguesa.
4. EMPRÉSTIMOS E IDENTIDADE CULTURAL
O fenômeno linguístico/cultural do estrangeirismo, palavra estrangeira que se
introduz em nossa língua, sempre levanta polêmicas O fenômeno não é tão simples
quanto possa parecer, nem envolve apenas o aspecto linguístico, mas também
questões culturais e políticas.
Sabemos que a palavra é um fenômeno ideológico por excelência. Sendo
assim, a adoção de uma palavra estrangeira revela-se como algo mais que uma
escolha formal: toda importação de termos é uma “intrusão” de uma cultura
estrangeira e traz consigo um precipitado de valores que interfere e modifica a
cultura importadora.
De acordo com Carvalho (2009) a língua-fonte é a que influencia na
imposição de um termo, e a que o recebe é a língua receptora. A coexistência entre
ambas tende a modelar o vocabulário da receptora por um recorte analógico do
mundo objetivo, de acordo com os traços da língua-fonte. A causa não é apenas a
vizinhança territorial, nem a convivência linguística. É resultado da ascendência de
uma nação sobre a outra no campo em que se dá o empréstimo.
Segundo Junqueira (1999) o conceito de identidade cultural diz respeito à
conexão entre indivíduos e estrutura social. O mundo das representações, do qual a
língua faz parte, tem uma dinâmica própria mas sofre influência da base material da
sociedade. Nele surge o conceito de visão do mundo, presente na forma de
comunicação.
A função social das representações é assegurar a dominação de uma classe
por outra, violência simbólica que também acontece entre nações, gerando o
dominante e dominado, com base no poder político e econômico, definindo o mundo
segundo seus interesses, na língua claro, não poderia ser diferente, sempre
aparecerá termos usados por nações que se sobressaem sobre outras.
Para Houaiss (1983) a identidade social e cultural é a categoria que define
como os indivíduos se inserem no grupo e como eles agem, tornando-se sujeitos
sociais. Define, também, a forma como o indivíduo incorpora o mundo material a
partir da experiência e projeta essa incorporação como construção simbólica.
Essa noção de identidade evoluiu junto com as transformações sociais que se
acentuaram no século XX. Houve uma transição do nacionalismo para a
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globalização, quando tudo passou a fazer parte do mercado dominado pelas
potências mais poderosas. Com a globalização, pela circulação planetária de
informação e cultura, criou-se uma área comum de referência, onde as identidades
específicas vão perdendo os contornos.
Com a evolução dos meios de comunicação, o indivíduo tem condições de
receber e consumir bens produzidos em outras culturas, incorporando a seu
cotidiano valores de realidades distantes. Desta forma, enfraquecem-se os vínculos
com a comunidade mais próxima, junto com as noções de regionalismo e
nacionalismo. A adoção indiscriminada de termos estrangeiros, provenientes da
cultura que domina, torna-se uma consequência natural.
Este não é um fenômeno recente: esteve sempre presente nas línguas
através de contatos fortuitos ou prolongados. Na atualidade, intensificou-se pelas
condições de supremacia de uma única nação sobre as demais. Faz-se a distinção
entre o termo já incorporado há muito tempo, um fato histórico e o empréstimo
recém-entrado, um fato político contemporâneo. Apesar disso , a linha divisória não
é sempre fácil de traçar. Nenhuma língua moderna é tão simples nas suas escolhas
que um conjunto de categorias possa descrevê-las exaustivamente.
Medidas que façam parte de uma política da língua não pecisam incluir
regulamentação de empréstimos. Basta que inclua a alfabetização em larga escala,
a melhoria do ensino no nível básico, com a qualificação do professorado de Língua
Portuguesa e o incentivo a publicações didáticas adequadas.
Abordaremos no presente trabalho, em específico, o caso específico do inglês
americano e sua influência na língua portuguesa no Brasil, resultante do domínio de
uma nação sobre a outra na área econômica e política.
Os empréstimos do inglês americano são de uso recente, relacionados a
negócios, cultura de massa, esportes e ciência. Essas palavras que voam sobre as
fronteiras linguísticas e políticas e aterrissam tranquilamente no campo “inimigo”,
podem ser reformuladas ou não na escrita, porém na fala são sempre adaptadas à
moda do freguês.
Para Houaiss (1983) a língua, sem sombra de dúvida, acompanha o poderio
econômico. As palavras - vindas do inglês têm o peso de 4.500 bilhões de dólares
(PIB dos povos de fala da língua inglesa), e têm a seu favor o peso da cultura
moderna da sociedade de consumo, com a publicidade, o cinema, a TV, a Internet,
divulgando o American way of life, a ser imitado e respeitado internacionalmente.
24
Em Crise da Nossa Língua de Cultura, Antonio Houaiss (1983) identifica os
problemas que enfrenta a língua portuguesa para conservar-se como forma de
expressar as mudanças e inovações, afirmando que a influência do inglês americano
faz com que a língua portuguesa corra o risco de não servir de meio de expressão
para as culturas complexas modernas Se qualquer língua recebe sempre uma
enxurrada de empréstimos de outra, ela se torna cada vez mais diferenciada de si
mesma.Este fato se observa no português brasileiro do ponto de vista quantitativo e
qualitativo.
O empréstimo se dá, em geral , como item lexical e torna-se testemunho de
uma competência insuficiente, concorrendo também para prejudicar o jogo de
significações cristalizado na língua.
Mas a
sintaxe
já começa a sofrer
consequências, pela disseminação do genitivo saxônico entre usuários em geral
sendo perigoso seu uso pelos que não conhecem o inglês. Bar do Zeca’s,
Machadu’s Pizza, Intimu’s Shop são formas de alta freqüência nos estabelecimentos
da periferia, misto mal digerido de inglês, latim e português. Também as preposições
estão sendo adotadas: in,off com valor adjetivo e by como preposição, surgindo as
construções do tipo Modelos by OcimarVersolatto. A outra observação é aqueles
xenismo, que nunca foram traduzidos, não são entendidos. Assim, por não entender
o que diz, já vimos alguém pedir um cheeseburguer sem queijo!
Claro isto ocorre nas camadas menos letradas da população. Os profissionais
da informática, do marketing, da publicidade, do turismo, empregam de forma
pedante e correta os termos em inglês, de alta frequência naqueles jargões
profissionais, e que também resultam do desnível sócio-educacional crescente, que
atormenta o país. Mas justamente aqueles mais letrados e bem situados, são, às
vezes, os que usam desnecessariamente os termos ingleses, para marcar sua
diferença da casta inferior e sua identificação com a casta superior: o dominador.
25
5. ESTRANGEIRISMOS
Um empréstimo significa, generalizadamente, a utilização de algo que
pertença a outrem. Uma unidade lexical estrangeira, ao integrar a língua nacional,
representa
um
“empréstimo
linguístico”.
A
esse
neologismo
intitula-se
estrangeirismo. À medida que passa a fazer parte da língua nacional, não mais
sendo considerado estranho, esse empréstimo passa a constar, inclusive, nos
dicionários. Para Garcez e Zilles:
Estrangeirismo é o emprego, na língua de uma comunidade, de
elementos oriundos de outras línguas. No caso brasileiro, posto
simplesmente, seria o uso de palavras e expressões estrangeiras no
português. Trata-se de fenômeno constante no contato entre
comunidades linguísticas, também chamado de empréstimo. A noção
de estrangeirismo, contudo, confere ao empréstimo uma suspeita de
identidade alienígena, carregada de valores simbólicos relacionados
aos falantes da língua que originou o empréstimo (GARCEZ; ZILLES,
2004, p. 15)
A utilização de unidades lexicais de outros sistemas linguísticos muitas vezes
é adotada no momento em que se importam objetos ou modelos que não possuem
nomenclatura equivalente na língua portuguesa. Para Câmara Júnior (1989, p. 269),
os empréstimos abrangem “(...) todas aquelas aquisições estrangeiras que uma
língua faz em virtude das relações políticas, comerciais ou culturais, propriamente
ditas, com povos de outros países”.
A sua inserção acontece em campo morfológico, não sintático e as estruturas
frasais não se corrompem. Mesmo assim, a opinião entre estudiosos se divide nesse
ponto, havendo quem critique o uso abusivo de vocábulos e expressões
estrangeiros.
Para os puristas, as unidades lexicais estrangeiras devem ser empregadas
quando não há termo equivalente na língua portuguesa e quando o seu
“aportuguesamento” não é viável. O aportuguesamento dos vocábulos ou a
utilização de termos nacionais equivalentes, entretanto, parecem não agradar à
população, que largo uso faz de termos estrangeiros, principalmente de origem
inglesa, nas mais variadas formas. Não é difícil encontrar, aliás, estrangeirismos
escritos de maneira incorreta ou mesmo utilização de vocábulos sem o devido
conhecimento de seu significado.
26
A indignação frente a essa realidade não se limita a gramáticos puristas: a
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, em dezembro de 2007, o
Projeto de Lei do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) proibindo o uso de
estrangeirismos no país.
Aldo Rebelo, Deputado Federal, enviou para votação o Projeto de Lei
1.676/99, dispondo sobre “a promoção, proteção, a defesa e o uso da língua
portuguesa”. A proposição original foi aprovada na Comissão de Educação, Cultura
e Desporto da Câmara dos Deputados, recebendo duas emendas. Foi encaminhada
ao Senado e aprovada, nos termos de um substitutivo. Agora se encontra na
Câmara, casa de origem, aguardando parecer da Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania.
O Projeto de Lei 1.676/99 tem por objetivo proibir o uso desnecessário de
palavras estrangeiras e, assim, valorizar a língua nacional. A justificativa do projeto
se faz com base em argumentos segundo os quais o homem simples terá grande
dificuldade diante do excessivo, e desnecessário, uso de palavras de outras línguas,
bem com a língua portuguesa ficará descaracterizada. Esse projeto se encontra em
tramitação, ainda não foi aprovado, e já se tornou alvo de polêmicas, gerando fortes
discussões e controvérsias a respeito do uso do estrangeirismo na língua
portuguesa no Brasil.
Na justificativa de seu projeto de lei, Aldo Rebelo assim o sustenta:
A História nos ensina que uma das formas de dominação de um
povo sobre outro se dá pela imposição da língua. Por quê? Porque é
o modo mais eficiente, apesar de geralmente lento, para impor toda
uma cultura – seus valores, tradições, costumes, inclusive o modelo
socioeconômico e o regime político.
(...)
De fato, estamos a assistir a uma verdadeira descaracterização da
língua portuguesa, tal a invasão indiscriminada e desnecessária de
estrangeirismos – como “holding”, “recall”, “franchise”, “coffe break”,
“self „‟service” – e de aportuguesamentos de gosto duvidoso, em
geraldespropositados – como “startar”, “printar”, “bidar”, “atachar”,
“database”. Isso vem ocorrendo com voracidade e rapidez tão
espantosas que não é exagero supor que estamos na iminência de
comprometer, quem sabe até truncar, a comunicação oral e escrita
com o nosso homem simples do campo, não afeito às palavras e
expressões e importadas, em geral do inglês norte-americano, que
dominam o nosso cotidiano, sobretudo a produção, o consumo e a
publicidade de bens, produtos e serviços, para não falar das palavras
e expressões estrangeiras que nos chegam pela informática, pelos
meios de comunicação de massa e pelos modismos em geral.Ora,
um dos elementos mais marcantes da nossa identidade nacional
27
reside justamente no fato de termos um imenso território com uma só
língua, esta plenamente compreensível por todos os brasileiros de
qualquer rincão, independentemente do nível de instrução e das
peculiaridades regionais de fala e escrita. Esse – um autêntico
milagre – está hoje seriamente ameaçado.
Que obrigação tem um cidadão brasileiro de entender, por exemplo
que uma mercadoria “on sale”, significa que esteja em liquidação?
Ou que “50% off” quer dizer 50% a menos no preço? Isso não é
apenas abusivo: é enganoso. E à medida que tais práticas se
avolumam (atualmente de uso corrente no comércio das grandes
cidades), tornam-se também danosas ao patrimônio cultural
representado pela língua.
E em entrevista concedida à Revista Isto é, Rebelo, que chegou a ser
chamado de xenófobo e autoritário, afirma que a língua portuguesa, culta e bela,
está ultrajada, e o objetivo de seu projeto não é proibir o uso de palavras
estrangeiras, e sim melhorar o ensino da língua portuguesa.
Manifestando-se a favor do projeto, o Senador Ronaldo Cunha Lima, em
pronunciamento irônico e sarcástico, descreveu um cotidiano hipotético recheado de
palavras estrangeiras:
Fui ao freezer, abri uma coca diet e saí cantarolando um
jingle,enquanto liga meu disc player para ouvir uma música new age
precisava de um relax. Meu check up indicava stress. Dei um time e
fui ler um bestseller no living do meu flat. Desci ao playground,
depois fui fazer o meu cooper. Na rua, vi novos outdoors e revi
velhos amigos do footing. Um deles comunicou-me aquisição de uma
nova maison, com quatro suítes e até convidou-me para o opens
house. Marcamos, inclusive, um happy hour.
Tomaríamos um drink, um scotch, de preferência on the rocks, o bar
man, muito chic, parecia um lord inglês. Perguntou-me se eu
conhecia o novo point society da cidade: Times Square, ali no
Gilberto Salomão, que fica perto do Gaf, o La Basque e o Baby Beef,
com serviço a la carte e self service.
(...) Voltei para casa, ou aliás, para o flat, pensando no day after.O
que fazer? Dei boa noite ao meu chofer que, com muito fair play
respondeu-me: Good night.
O Deputado Cunha Lima, como se pode observar, posicionando-se a favor da
proibição do uso exagerado dos estrangeirismos, manifestou-se especialmente
contra o uso de anglicismos.
A discussão acerca desse projeto se resume em dois questionamentos: se é
necessário proibir o uso dos estrangeirismos por meio de lei; e se esse projeto for
aprovado, ou seja, se se tornar lei federal, se surtirá efeitos.
Como se observa, não se trata de uma perspectiva gramatical apenas, mas
28
da própria valoração da língua portuguesa no contexto sociocultural, visando à
preservação da língua como elemento de identidade nacional.
Os períodos mais recentes indicam uma grande influência da língua inglesa
no Brasil, mesmo que não se configure resultado de processo imigratório. Há de se
destacar que se evidencia uma presença maciça de vocábulos advindos da língua
inglesa, por influência norte-americana, no país. Infante (2001, p. 193) ressalta que
“deve-se levar em conta que muitos empréstimos da língua portuguesa atual do
Brasil não ocorreram em Portugal e nas colônias africanas, onde a influência cultural
e econômica dos Estados Unidos é menor.”
Essa presença revela uma crescente absorção da cultura norte-americana,
generalizadamente, como fruto do desejo de se estruturar um padrão de vida
baseado no cotidiano americano. Evidencia-se um comportamento coletivo que
permite às diversas áreas sociais e econômicas a exploração desse desejo como
forma de imposição de determinados produtos, como é o caso da moda.
Tamanha tendência apresenta registros históricos desde o período de
colonização, época em que Portugal e a própria Europa serviam de referência para o
Brasil. Valorizava-se o que vinha de lá, desde roupas e móveis até expressões e
valores morais. Com o passar dos anos, a situação não mudou: a França colaborou,
mais tarde, com a sofisticação na indumentária e na decoração e, obviamente,
apareceram vocábulos e expressões francesas na língua portuguesa.
No que concerne à adoção maciça de vocábulos da língua inglesa, pode-se
vislumbrar uma intencional utilização do estrangeirismo como busca de identidade
cultural. Os Estados Unidos, símbolo de um excelente padrão de vida, estariam
representados em seus vocábulos, como se estes fossem ícones daqueles. Infante
(2001, p. 193) destaca que atualmente, na língua portuguesa do Brasil “a maior fonte
de empréstimos é o inglês norte-americano”.
O Brasil, assim como outras nações, não se esquivará da adoção dessas
expressões, é um fenômeno natural quando se considera a globalização e a
miscigenação cultural.
29
6. O USO DOS ESTRANGEIRISMOS
O léxico parte mais sensível de uma língua, é o agrupamento de forma que
tiveram origem em diversas outras línguas. É resultado da história de um povo, de
seus contatos, das divisas internacionais de trabalho num dado momento, da
convivência entre vários países. Desses contatos com outros povos, outras culturas,
outras línguas, surgem os estrangeirismos, que são meios de renovação lexical.
A língua portuguesa não é uma unidade, não é um veículo de cultura
uniforme. No caso do português no Brasil, o maior número de empréstimos é
atualmente, proveniente da língua inglesa, mais precisamente dos Estados Unidos,
considerados paradigmas de desenvolvimento. Não é por acaso que há uma adoção
indiscriminada de nomes próprios em inglês, sobretudo nos estratos sociais urbanos,
bem como nas designações de estabelecimentos comerciais, estes presentes nos
grandes centros e também nos mais afastados lugarejos (CARVALHO, 2009).
Carvalho (2009, p. 37), a respeito de mudanças linguísticas, afirma:
A língua se faz mediante mudanças que são manifestações de
criatividade na linguagem. Mas estudar mudanças não consiste
apenas em estudar alterações e desvios.
As necessidades expressivas se renovam, porque o homem não
pensa e diz aquilo que pensou e disse antes. Como a língua não é
um produto pronto e acabado, ela se refaz continuamente e se
fundamenta em modelos anteriores. Ela é dinâmica, porque a
atividade linguística é falar e entender algo novo por meio de uma
língua.
Assim, esse dinamismo da língua é resultante de alguns fatores: da
convivência de populações diferentes em um mesmo território, como por exemplo,
os empréstimos árabes deixados à língua da Península Ibérica; do predomínio
cultural de um país em determinada época, como a penetração dos italianismos na
língua portuguesa na época renascentista; e do poder econômico de uma nação
sobre outras, que leva, junto com sua tecnologia, com sua ciência, sua língua
(CARVALHO, 2009).
Desse modo, torna-se muito difícil, hoje, evitar os empréstimos
linguísticos, uma vez que a situação político-econômica mundial faz com que outras
línguas se incorporem a outros idiomas. E é a partir da frequência de uso de
palavras que se detecta qual língua exerce mais influência sobre outro idioma. E a
30
língua que exerce maior influência na língua portuguesa, atualmente, sem dúvida, é
a globalizada língua inglesa (CARVALHO, 2009).
Corrobora com esse pensamento Hall:
a „globalização‟ se refere àqueles processos, atuantes numa escala
global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando
comunidades e organizações em novas combinações de tempoespaço, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais
interconectado. (HALL, 2006, p. 67)
Uma vez que a economia e o mercado tenham se tornado globalizados, os
produtos e os processos tecnológicos, uniformizados, exigem a utilização de termos
e de vocábulos de compreensão também global. Mas não se trata apenas de uma
necessidade econômica ou de trabalho: as comunidades globais também interagem
por meio de uma universalização de linguagem que certamente privilegia uma língua
em maior evidência na sociedade mundial. Zilles (2004) aponta:
No campo das mudanças linguísticas, os empréstimos de palavras
ou expressões são em geral associados a atitudes valorativas
positivas do povo que os toma em relação à língua e à cultura do
povo que lhes deu origem. Muitas vezes são utilíssimos à elite, que
assim se demarca como diferente e superior [...]. Outras vezes, são
felizes incidências na constituição identitária e cultural de um povo
[...]. (ZILLES, 2004, p. 156)
Um sujeito, nos mais distintos agrupamentos de que faz parte, emprega
universos simbólicos na expressão de valores sociais, morais, culturais e políticos,
de modo que se estabeleça entre ele e seu grupo uma coesão e uma interação
permeada pela comunicação, daí serem adotados diversos estrangeirismos à nossa
língua.
Trata-se de uma identificação social ou cultural por meio de adoção de
determinados símbolos no discurso – no caso os empréstimos, como ferramenta de
identificação entre o objeto do discurso e a sua valorização atribuída à menção de
uma língua considerada elitizada. O empréstimo da língua inglesa no Brasil
contemporâneo, dessa forma, representa mais que uma necessidade: falar inglês é
mostrar-se um indivíduo superior aos outros, capacitado para falar essa língua
elitizada. Para Brandão (2004, p. 42), “os processos discursivos constituem a fonte
da produção dos efeitos de sentido no discurso e a língua é o lugar material em que
se realizam os efeitos do discurso”, de modo que um estrangeirismo seja a fonte
31
desse efeito para os ouvintes.
Considerando-se que a identificação semântica de vocábulos de língua
estrangeira – e mesmo a sua correta pronúncia – não sejam de domínio de grande
parte da população, o emprego de estrangeirismos sem necessidade denuncia uma
busca de sofisticação e de elitismo. Em se tratando de anglicismos, mais
especificamente, pode-se associar a essa busca a tentativa de aproximação de uma
sociedade que se observa mais próspera que a do Brasil. Consoante a isso, Garcez
e Zilles (2004) declaram que:
Em uma sociedade como a brasileira, na qual é imensa a
disparidade na capacidade de consumo dos cidadãos e na qual a
classe social consumidora sofre de grande insegurança social e se
mira em modelo externo de consumo, norte-americano ou europeu,
não surpreende que o anglicismo se preste para marcar a
diferenciação competitiva entre quem dispõe desse capital simbólico
e a massa não-consumidora. (ZILLES, 2004, p. 23)
Imitação ou identificação, usar termos em inglês soa como sofisticação e
elegância por parte do falante. Para ele, ser moderno, estar na moda, ser atual é
usar os mesmos termos que o país de referência usa. Qualquer modificação formal
em benefício do acervo lexical brasileiro desconfiguraria, portanto, a elegância das
unidades lexicais inglesas.
Os processos midiáticos e a publicidade aproveitam essa valorização, por
parte do consumidor, e abusam da substituição de vocábulos da língua portuguesa
por estrangeirismos. Para Schmitz (2004, p. 95), “é necessário um pouco de bomsenso [...]. Muitos estrangeirismos [grifo do autor] são desnecessários, mas os
termos no momento são essenciais para a progressão temática do discurso.”
Dentro da perspectiva da globalização são os meios de comunicação que se
revelam particularmente eficazes no desenhar, no tecer o inimaginável de todo ser
humano. São os responsáveis, sempre, por nos fornecer uma delicada dose de
magia dentro de um mundo que, por vezes, não é tão mágico assim. Nem todos os
indivíduos, entretanto, são igualmente atingidos por esse processo, uma vez que
eles encontram obstáculos na diversidade das pessoas e em diferentes lugares.
Fielmente ligados à noção de aldeia global, que é tida como “uma expressão
da globalidade de ideias, padrões e valores sócio-culturais, imaginários” (Ianni, 2004,
p. 119), os meios de comunicação podem expandir suas influências em todos os
aspectos. Eles detêm um determinado controle sobre como determinados fatores
32
nacionais, regionais, locais ou mundiais serão difundidos mundo afora.
Esse
processo
de
revolução
cultural
que
passou
a
influenciar
o
comportamento do homem aconteceu de forma lenta e, para alguns grupos sociais,
não houve respeito às suas culturas - o que, de certa forma, transparecia que os
mesmos já estavam inseridos nesse processo naturalmente. O fenômeno da
comunicação de massa, depois dos anos 1980, com o processo de informatização e,
em seguida, com o surgimento da rede mundial de computadores, supervalorizou a
internacionalização instantânea da comunicação.
Ferramenta que beneficiou o processo de globalização, ao eliminar fronteiras
e barreiras para a comunicação com outras nações, a Internet acelerou a autonomia
entre os povos de cada região, tornou dinâmico o processo de ensino e
aprendizagem e influenciou o desenvolvimento social e moral das pessoas.
Imaginem-se milhares de informações acessíveis a indivíduos pertencentes às mais
diferentes culturas, nos mais diversos lugares.
Dessa forma, o acesso às informações, ao conhecimento de novas tradições
e aos costumes é totalmente acessível, e essa grande acessibilidade que a Internet
proporciona, pode ser benéfica em vários aspectos, mas pode também acarretar
declínio de conceito de sociedade local, uma vez que se passa por um processo de
multiculturalismo.
Participar desse processo de globalização exige competência intercultural,
uma vez que as pessoas sentem a necessidade de adaptar-se a diferentes estilos
de ser, de operar e de comunicar-se. Essa competência implica conhecer outras
culturas e as diversas maneiras como as pessoas se comunicam.
[...] sempre se pensou que só pode haver um único motivo para
alguém querer aprender uma língua estrangeira: o acesso a um
mundo melhor. As pessoas se dedicam à tarefa de aprender línguas
estrangeiras porque querem subir na vida. A língua estrangeira
sempre representou prestígio. Quem domina uma língua estrangeira
é admirado como pessoa culta e distinta (RAJAGOPALAN, 2003, p.
65).
O estrangeirismo, por conseguinte, deixa de ser mera necessidade e passa a
ser um mecanismo de inclusão ou de exclusão de indivíduos numa determinada
esfera social. As sociedades dominantes sabem de sua capacidade de imposição de
determinados valores e o estrangeirismo passa a se constituir ferramenta de
discursos globalizados.
33
Essa forma de dominação pouco é percebida por aqueles que a absorvem e
que aceitam passivamente a mudança sociocultural e a uniformização advinda da
adoção da cultura dominante. A língua passa a ser meio de dominação ao
acompanhar a disseminação de valores, a aquisição de produtos, a negociação
entre países.
Muitos estrangeirismos são usados no Brasil. Alguns deles já fazem parte de
nosso dia-a-dia. Alguns, porém são usados de forma errônea, se considerarmos seu
significado original. Mas todo esse processo sociocultural adotado em nosso país
trouxe todas essas expressões usadas constantemente.
Não é preciso andar muito para encontrar diversos estrangeirismos
espalhados, eles estão por todas as partes: em lojas, supermercados, produtos de
beleza, marcas de roupas, etc.
Para ilustrar a acumulação de estrangeirismos na língua portuguesa no Brasil,
provenientes dos contatos, especialmente com o povo norte-americano, interessante
citar a música “Samba do aproach”, composta por Zeca Baleiro:
Venha provar o meu brunch
Saiba que eu tenho aproach
Na hora do lunch
Eu ando de ferryboat
Eu tenho savoir-faire
Meu temperamento é light
Minha casa é hi-tech
Toda hora rola um insight
Já fui fã do Jethro
Hoje me amarro no Slash
Minha vida agora é cool
Meu passado é que foi trash
Fica ligada no link
Que eu vou confessar meu love
Depois do décimo drink
Só um bom e velho engov
Eu tirei o meu green card
E fui para Miami Beach
Posso não ser um pop star
Mas já sou um noveaiu ric
Eu tenho appeal
Saca só meu background
Veloz como Demom Hill
Tenaz como Fittipaldi
Não dispenso um happy end
Quero jogar num dream teen
De dia um cacho man
E de noite um drag queen
34
Convém, ainda, citar trechos da música “Estrangeirismos”, composta por
Carlos Silva e Sandra Regina, que retrata bem as influências do inglês na língua
portuguesa, importadas especialmente dos Estados Unidos da América:
Outro dia me chamaram para ir ao McDonald´s comermos cheese
burgers.
O salão estava lotado e fizemos o pedido por um tal de drive thru.
Os colegas percebendo a minha irritação, disseram: se tu tiver com
pressa, eles têm um sistema delivery maravilhoso.
Desacostumado com esse linguajar, chamei os cabras: vamos
simbora
(...)
Seguimos mais adiante avistamos um restaurante bonito e luxuoso e
na porta de entrada uma luz néon piscando escrita OPEN.
Quando olhei pro chão, pude ver estampado um capacho com uma
bandeira americana me convidando: WELCOME. Ao adentrarmos
naquele recinto, eu pude observar na sua decoração, e nas paredes
estava escrito: ICE CAKE, CHEESE CAKE, CHEESE BURGER E
FAST FOOD.
Eu pensei comigo FOOD na Bahia a gente USA numa outra situação.
Observa-se que, nessas músicas, os compositores usam o exagero para
criticar, de uma forma bem humorada, o uso dos estrangeirismos na língua
portuguesa no Brasil.
Várias discussões, comentários e análises têm sido feitos a respeito da língua
portuguesa, não só da língua falada ou da língua escrita, mas também sobre suas
variantes, a norma culta, a respeito dos conceitos de linguagem, sobre a questão da
dominação, sobre a questão de se ter uma língua única e pura, sobre a identidade
nacional e especialmente sobre o uso, ou mais ainda, sobre os abusos dos
estrangeirismos pelos brasileiros.
Na concepção purista da língua, a língua “pura” seria uma língua “limpa”, sem
a incorporação de palavras estrangeiras, ou seja, preservada de empréstimos e mais
ainda protegida do seu uso exagerado. Visam, então, os “puristas” a conservação de
uma língua imutável, conservada em sua integridade e juventude. Referindo-se a
essa concepção, Bréal (1992) afirma que os “puristas” acreditam que a língua se
assemelha à pureza da raça, motivo pelo qual entendem que a palavra estrangeira
representa uma contaminação que deve ser repudiada.
Entretanto, sabe-se que, desde os primórdios, o homem não pertence apenas
a um único grupo ético ou nacional, uma vez que ele necessita fazer comunidades
que compartilhem ideais (BRÉAL, 1992). Diferentes grupos sentem a necessidade
35
de se encontrar, trocar experiências, e isso se faz por meio da ciência, da música,
filmes, literatura, moda, garantindo, assim, a incorporação de uma língua à outra.
Segundo Mattoso Câmara Jr. (1989), a língua não é propriedade privada –
tudo é socializado. A variabilidade da língua se faz no espaço, na hierarquia social,
no tempo, e de indivíduo para indivíduo, visando alcançar maior expressividade na
comunicação.
No atual cenário mundial não é diferente. A língua, em virtude do mundo
globalizado, por meio dos avanços da ciência e tecnologia vem, cada vez mais,
ultrapassando barreiras, no campo político, econômico e sociolinguístico. E é nesse
cenário mundial, de intercâmbio social, cultural, político, econômico, que as línguas
influenciam as outras e de outras sofrem múltiplas influências.
36
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou fazer uma reflexão acerca da influência do
estrangeirismo na língua portuguesa. Procurou esclarecer os mitos sobre o uso de
empréstimos linguísticos e demonstrou a importância deles em nossa língua.
Constatou-se que são elementos enriquecedores, mas que não devem ser usados
de forma abusiva, o que pode tornar a linguagem pedante, esnobe e de difícil
compreensão.
A língua é um organismo vivo, nunca acabado, está em constantes
transformações. Não é estática, imutável, inerte. Sempre foi assim, e assim sempre
será.
É importante anotar que o processo linguístico e suas contribuições foram e
sempre serão importantes para a composição do sistema lexical de todas as línguas.
Entretanto, devem-se preservar os termos já existentes na língua portuguesa, em
manifestação de amor ao nosso idioma.
O estrangeirismo se encontra presente em todas as línguas do mundo. É um
fenômeno natural. Os empréstimos linguísticos surgem das relações entre os povos,
em virtude de processos de colonização, de miscigenação, ou seja, da interação
entre culturas diferentes, de línguas diferentes.
Observa-se se assim que o uso de empréstimos linguísticos por todos os
povos não é uma prática nova, vem ocorrendo desde que o homem buscou novas
regiões para dominar e ampliar os seus impérios. Mas, sem dúvida, fatos e
descobertas recentes têm provocado uma modificação considerável no uso do
estrangeirismo.
A globalização é responsável pelo rompimento de barreiras entre várias
nações, de forma rápida e dinâmica. Integra e conecta diferentes comunidades,
facilitando a troca de informações por meio de um poderoso aparato tecnológico de
comunicação. E as pessoas vão se adaptando aos diferentes estilos de ser, de
operar e de comunicar-se.
Após a década de 80, com o processo de informatização e com o surgimento
da rede mundial de computadores, o fenômeno da comunicação de massa se
intensificou. O desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente da internet
acarretou uma verdadeira revolução cultural, que passou a influenciar o
37
comportamento dos indivíduos de uma forma bastante rápida e dinâmica.
O Brasil, formado por um território gigantesco, um dos maiores países do
mundo em extensão, mantém sua unidade linguística, com um idioma comum,
plenamente compreensível por todos os brasileiros, independente do grau de
instrução ou espaço geográfico. E esse é o elemento mais marcante da nossa
identidade nacional.
A língua portuguesa, todavia, como ocorre com todas as outras línguas, sofre
interferências de outros idiomas, bem como também os influencia. E nos últimos
séculos, tem-se percebido uma presença mais intensa da língua inglesa em nosso
idioma. O domínio econômico, científico e tecnológico da Inglaterra, e atualmente
dos Estados Unidos da América, tem interferido de forma avassaladora, impondo
seus valores e trazendo com estes os empréstimos linguísticos.
Assim, percebe-se que o motivo da valorização dos estrangeirismos em inglês
é o contato cotidiano com a língua inglesa, mais precisamente com os norteamericanos, em virtude da globalização. Alguns brasileiros exageram, por
acreditarem que o uso de palavras ou expressões da língua inglesa passa uma ideia
de status, de comportamento fino e elegante.
Sabe-se que o Brasil, cuja língua nativa era a tupi, ao ser colonizado por
Portugal, adotou como padrão a língua portuguesa. Empregaram-se, ainda, em
virtude da escravização, os empréstimos linguísticos das línguas africanas. Então,
houve um uso concomitante da língua portuguesa, da língua nativa e das africanas.
Além do mais, a língua portuguesa, àquela época, já registrava empréstimos
linguísticos provenientes de outros idiomas europeus.
O Brasil abriga pessoas das mais diversas regiões do mundo há várias
gerações. Com isso, a miscigenação vem propiciando a incorporação de outras
línguas em nosso idioma. Além disso, devido à globalização, as pessoas vêm
absorvendo os costumes de várias culturas do mundo com mais intensidade e muito
mais rapidez.
Desse modo, o estrangeirismo é simplesmente uma consequência das
relações entre os povos. No Brasil, essa tendência apresenta registros históricos,
desde o período da colonização, quando Portugal e a Europa eram referência para o
povo brasileiro. Atualmente, evidencia-se uma presença maciça de palavras
advindas da língua inglesa, em virtude do desejo de se estruturar um padrão de vida
baseado no cotidiano americano.
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Com efeito, o Brasil não tem uma cultura muito expressiva no cenário
mundial, motivo por que o povo acaba se conformando com a condição de usuário
de criações alheias. O acesso fácil às informações, ao conhecimento de novas
tradições, a novos costumes, por meio, especialmente da internet, pode ser
benéfico, mas esse processo de multiculturismo pode acarretar o declínio de
conceito de sociedade local.
O estrangeirismo encontra lugar privilegiado na língua portuguesa. Não
distingue sexo ou idade, e se consolida também nas relações comerciais, Os
puristas querem eliminar essas “anomalias” injetadas na nossa cultura, buscando
conservar a língua portuguesa livre de qualquer influência estrangeira.
Sem razão os puristas, uma vez que a língua é dinâmica e mutável. A língua
portuguesa já nasceu com influências de outras línguas, que, por sua vez, já eram
influenciadas. Nenhuma nação vive isolada e afastada completamente do restante
do mundo. As transformações fazem parte do curso natural das línguas, e os
empréstimos linguísticos contribuem para o seu enriquecimento.
Assim, a tentativa de Aldo Rebelo, em seu projeto de lei, bem como dos
“puristas”, de proibir o uso do estrangeirismo na língua portuguesa, se mostra
inócua, uma vez que as manifestações de linguagem ultrapassam os mecanismos
linguísticos e concretizam transformações sociais e delimitações culturais. Quem
muda uma língua e quem nela manda são os seus falantes.
É importante ressaltar que não se pode, em um mundo globalizado, em que
as relações acontecem de forma intensa, principalmente em virtude da internet e da
televisão, isolar uma cultura ou uma língua. As barreiras entre os povos foram
rompidas e, nessa relação entre eles, formou-se um multiculturismo, transformando
a linguagem das mais diversas nações. Assim, tudo caminha para uma interseção
de línguas.
Deve-se reconhecer a contribuição de palavras estrangeiras, aquelas
devidamente aportuguesadas, enriquecedoras do nosso idioma. No entanto, devemse condenar aquelas presentes nos meios de comunicação, que possuem um termo
correspondente na língua portuguesa, como, por exemplo, o uso de linkar em vez de
“ligar”, delivery em lugar de “entrega em domicílio, etc.
Embora considere louvável a iniciativa do Deputado Aldo Rebelo, com seu
projeto, a proibição do uso de estrangeirismo por meio de lei me parece tão inútil
quanto proibir desvios gramaticais e gírias. Além de o brasileiro ter dificuldades de
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cumprir leis, não será possível fiscalizar diálogos, propagandas publicitárias,
músicas, o registro de nome pessoas, de mercadorias, de estabelecimentos
comerciais, etc.
Enfim, os empréstimos tomados de outras línguas não descaracterizam a
língua portuguesa, enriquecem-na. Mas deve-se usar o bom-senso e evitar o
emprego abusivo de palavras estrangeiras.
Compreender a adoção do estrangeirismo como resultado da inserção de
elementos culturais por meio das ferramentas do contexto linguístico é considerar
que língua e sociedade estão intrinsecamente relacionadas e que não se pode
sustentar uma sem a presença da outra.
Na verdade, o estrangeirismo não constitui uma realidade isolada. Ele surge
inserido nas estruturas frasais da língua portuguesa, muitas vezes hibridamente
flexionados. O estrangeirismo participa, pois, dos próprios processos culturais e da
convergência de interesses cerceada pela imposição da mídia.
Usar o empréstimo linguístico seria, então, uma opção mais por imposição de
uma estrutura que por consciência. Se, por um lado, isso representa modificação da
linguagem, por outro representa um enriquecimento cultural.
De qualquer forma, é interessante ressaltar que não se pode, num mundo
cujo funcionamento tem se globalizado e cujas relações se fazem por meios como a
televisão e a Internet, isolar completamente uma cultura ou uma língua. Mais
importante seria tornar os usuários dessa língua cientes do fenômeno para que essa
adoção de estrangeirismos seja uma opção meramente. É preciso ter essa
consciência para que se faça melhor uso de tão rica troca.
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42
ANEXOS
43
ALGUNS ESTRANGEIRISMOS USADOS NO BRASIL
Outdoor
Fitness
Shopping
Happy Hour
Ok
Playground
Brother
Coffee-break
Call Center
Xerox
Delivery
VIP
Drive-thru
Download
Designer
Body (vestimenta feminina)
Fashion
On
Jeans
Off
Link
Gay
Teen
Drag queen
Zip
Affair
Light
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