Baixar - Hospital São Luiz
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Ruim da cabeça Saiba quando a cefaleia pode ser sinal de doenças bem mais graves Para que a pressa? Mesmo quando o bebê está pronto, há bons motivos para não antecipar o parto n º 3 | a b r i l - j u n h o | 2012 Hora do alerta Por que o infarto é difícil de diagnosticar – até por quem já sofreu um sumário 2 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz 04 10 14 20 28 34 42 48 acontece na rede Saiba o que há de novo nos hospitais da Rede D’Or São Luiz medicina avançada Com avanço na cirurgia ortopédica, gesso perde reinado de dez séculos viver bem Quando reduzir o estômago significa reduzir a diabetes cefaleia O que fazer se a dor de cabeça não for apenas uma dorzinha de cabeça primeiros cuidados Por que, mesmo no final da gravidez, uma semana a mais faz muita diferença planeta saudável Aquecimento global, como indica o nome, afeta a todos. Mas crianças sofrem mais emergência Difícil de diagnosticar, o enfarte pode ser confundido até com má digestão rodando por aí A aventura de chegar ao pico mais alto da África – um cartão-postal em risco de extinção 38 56 diagnóstico Haggéas Fernandes leva às UTIs uma formação eclética e uma preocupação humana unidades e médicos Os hospitais da Rede D’Or São Luiz e os profissionais que contribuíram com esta edição SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 3 Acontece na rede CENTRO DE ONCOLOGIA Parceria com pesquisadores de instituições de ponta Rede faz tratamento inovador na América Latina O Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), criado em 2010 no Rio de Janeiro, mantém parceria com universidades importantes, como a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Federal Fluminense (UFF), e com instituições de pesquisa, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sem fins lucrativos, o instituto é voltado à pesquisa clínica e translacional (que alia a medicina às ciências básicas). Também dedica-se ao ensino, com quatro programas de residência médica (Cardiologia, Medicina Intensiva, Pediatria e Radiologia) e um de pós-graduação lato sensu em neurociências. Nicola Labate INSTITUTO D’OR HOSPITAL E MATERNIDADE SÃO LUIZ São Luiz Itaim inaugura Smart Track com sucesso O pronto-socorro da unidade Itaim adotou o sistema Smart Track. Nele, a triagem dos pacientes é feita com mais agilidade por uma equipe multiprofissional. Em caso de emergência, o paciente imediatamente recebe o atendimento necessário. Se a classificação de seu quadro for simples ou dependente de uma avaliação mais profunda, ele é encaminhado diretamente para salas onde passará por cuidados médicos. Nas unidades Anália Franco - onde o método foi adotado no final do ano passado - e Itaim o resultado tem se mostrado eficaz e o tempo de espera nas recepções diminuiu consideravelmente. “Além de manter um excelente nível para os pacientes graves, conseguimos oferecer atendimento em tempo menor”, diz o diretor geral, Rodrigo Gavina. Em julho, o sistema também será adotado na unidade Morumbi do São Luiz. HOSPITAL JOARI O Hospital Joari, no bairro carioca de Campo Grande (zona oeste do Rio de Janeiro), prepara-se para se transformar na principal referência médica de uma das regiões que mais crescem na cidade. Está em processo de certificação pela Organização Nacional de Acreditação e passa por obras de expansão, que ainda neste ano ampliarão a quantidade de leitos de 147 para 210. Também em 2012 haverá a implantação de uma nova área de emergência, a modernização do centro cirúrgico e um novo setor de imagens. Estão previstas ainda a criação de um setor de hemodinâmica, a ampliação do Laboratório de Análises Clínicas e das UTIs Neonatal e Pediátrica, além da criação de um Centro de Terapia Intensiva com 16 leitos. 6 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz Fotos Divulgação Ampliação na zona oeste do Rio de Janeiro O Centro de Oncologia D’Or, anexo ao hospital Quinta D’Or, no Rio de Janeiro, realizou, em maio, a primeira radiocirurgia de fígado da América Latina. O procedimento para metástase hepática foi feito em conjunto com a Radiologia Intervencionista do hospital, através do implante de três fiduciais de ouro, IGRT e rastreamento respiratório (gating respiratório). “O procedimento, aplicado em portadores de metástase no fígado, no pâncreas ou no pulmão, é menos invasivo e permite que o paciente retome mais rapidamente sua rotina”, destaca o oncologista e radiologista Felipe Erlich, coordenador da seção de Radioterapia do Centro. Além disso, é usado em casos não resolvidos por cirurgias convencionais. Segundo o médico, o procedimento aconteceu sem intercorrências, e o paciente tolerou muito bem o tratamento – que, em geral, dura três semanas. As etapas de implementação médica e física do procedimento foram registradas e enviadas ao Congresso da Sociedade Brasileira de Radioterapia, rendendo dois trabalhos científicos ao Centro de Oncologia. HOSPITAL RIOS D’OR Cirurgia sem corte O Hospital Rios D’Or tem uma área especializada em cirurgia por vídeo. A equipe, coordenada pela médica Tatiana Alvarez, atende casos em ortopedia, urologia, cirurgia geral e de emergência, como retirada de apêndice. Essa técnica é menos invasiva que a operação usual. No lugar do corte, o cirurgião faz três furinhos. Por um deles passa a câmera e, pelos outros dois, as pinças que serão seu instrumento de trabalho. “Como as incisões são menores, a cicatrização é mais rápida. Isso diminui o tempo de internação e o período em que o paciente ficará sob efeito da anestesia. O risco de infecções também cai, e a volta do paciente à rotina é mais precoce”, explica Tatiana. As contraindicações a esse tipo de cirurgia são raras, mas podem acontecer em pessoas com problemas pulmonares. O indivíduo passa por uma série de exames para atestar que está apto a prosseguir. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 7 acontece na rede HOSPITAL E MATERNIDADE BRASIL Nível de qualidade inédito na região do ABC paulista O Hospital e Maternidade Brasil, de Santo André (SP), conquistou o selo nível 3 da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Tornou-se, assim, o único da região do ABC paulista a contar com esse padrão de certificado, que constata a qualidade do serviço prestado e dos controles de riscos clínicos e não clínicos. O processo inclui visitas frequentes de equipes da ONA, que preparou um relatório com as exigências necessárias. “O reconhecimento é resultado do compromisso com o paciente e com o trabalho desenvolvido por cada médico, cada colaborador e cada pessoa que, direta ou indiretamente, contribui para a excelência do serviço prestado por nós”, afirma Ana Gargalak, administradora da área de qualidade do hospital. Em maio, a instituição também recebeu a Certificação Diamante Cirurgia Segura, concedida pela 3M do Brasil em reconhecimento a profissionais, unidade de centro cirúrgico e instituição que seguem boas práticas em procedimentos cirúrgicos. HOSPITAL COPA D’OR Seis anos de pioneirismo Fotos Divulgação Fotos Divulgação A Unidade Neurointensiva do Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro, completa seis anos em 2012. Pioneiro no Estado, o local oferece atendimento multidisciplinar em complicações neurológicas, o que aumenta as chances de recuperação dos pacientes. Em razão de sua acentuada especialização, a unidade é uma das que mais tratam pacientes com esse tipo de doença no Rio de Janeiro – foram cerca de 100 ao longo dos últimos anos. 8 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz medicina avançada por Leonardo Guariso e Manuel Alves Filho Aposentadoria do Shutterstock Usado há séculos pela medicina em imobilizações, o material tem sido frequentemente substituído pelas cirurgias – mais rápidas para reabilitação do paciente 10 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz por muito tempo, crianças e adolescentes cultivaram um hábito quase obrigatório com colegas que estivessem imobilizados em razão de um trauma ortopédico, principalmente em braços e pernas. Como ato de solidariedade ao acidentado, autografavam o gesso, deixando mensagens bem-humoradas com desejos de pronto restabelecimento. Esse hábito não está propriamente ameaçado de extinção, mas já não é tão comum quanto antes: gradualmente, a órtese vem sendo substituída por cirurgias. Um caso exemplar foi o do jogador de vôlei Giba, que em fevereiro deste ano operou uma fratura na tíbia (osso da canela). Em maio, já estava liberado para os treinamentos. Se tivesse colocado gesso, o prazo não seria tão curto: passaria de dois a três meses com a tala, para só depois iniciar a fisioterapia – tempo demais para um atleta de seu nível, eleito seis vezes o melhor do mundo. Com o desenvolvimento das técnicas cirúrgicas e a ampliação do conhecimento sobre a cicatrização dos ossos (chamada de consolidação), aumentou o número de casos para os quais se indica operação, segundo o ortopedista Fernando Brandão de Andrade e Silva, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Isso visa justamente o conforto do paciente, que fica imobilizado por menos tempo e com resultados melhores”, complementa o também ortopedista Lucas Leite Ribeiro, da unidade Morumbi do Hospital São Luiz, de São Paulo. “Há menor incidência de deformidades e melhor recuperação do membro afetado. Além disso, a mobilidade volta em menos tempo”, explica Ribeiro. O princípio da cirurgia é o mesmo do gesso: imobilizar. A diferença é que ela atua internamente. Fixada ao osso, uma placa de metal estabiliza a área fraturada e permite a regeneração óssea. Como age no ponto, a reparação é mais rápida. No tratamento de fratura na tíbia, por exemplo, coloca-se uma haste de metal dentro do osso, para alinháSuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 11 lo. Enquanto o trauma é consolidado, as articulações estão livres para se mexer; assim, não sofrem o enrijecimento natural provocado pelo uso pouco intenso. Quando o problema atinge o maior osso do corpo, o fêmur, o tempo até voltar a andar varia de uma a duas semanas com cirurgia; com gesso, são dois meses até o primeiro passo, segundo Andrade e Silva. A recuperação de uma ruptura na clavícula também é mais rápida com operação (duas semanas, ante um mês e meio com tipoia). “Claro que a consolidação varia de osso para osso e de acordo com o tipo de fratura”, pondera o médico Fernando Baldy, chefe de traumatologia da Escola Paulista A da Medicina, vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O tempo de recuperação tem impacto direto nos músculos, que foram feitos para o estica e puxa habitual. Quando imóveis, tendem a atrofiar-se, o que dificulta ainda mais a reabilitação – pode-se perder até 8% da massa muscular por dia. Por isso, o uso do gesso é comumente descartado no tratamento deatletas,queteriam de enfrentar o dobro do tempo para se recuperar. “Atualmente, tratar tendinites, lesões de ligamentos e distensões musculares com imobilização total representa uma perda de tempo importante”, afirma o fisioterapeuta Felipe Ribeiro Mascarenhas, membro da Sociedade Brasileira de Estudos da Dor. Em algumas situações, a operação traz benefícios de longo prazo. Uma fratura intraarticular (na região das juntas, como joelho, cotovelo e tornozelo), se tratada com cirurgia, permite o melhor alinhamento do osso. Isso diminui as chances de artrose, doença causada por irregularidade na cartilagem das articulações. “O funcionamento da articulação fica mais próximo do normal”, explica Andrade e Silva. Com o gesso, chegar a esse nível é quase impossível. operação tem o mesmo princípio da órtese: imobilizar. Mas atua internamente e age diretamente na área com problema, o que agiliza a Um velho conhecido O gesso é conhecido e usado há milênios pelo homem, originalmente nas atividades de construção. Escavações arqueológicas feitas na Síria e na Turquia revelaram que o material já era empregado na confecção de afrescos decorativos, no preparo do solo e na fabricação de recipientes por volta de 8000 a.C. Também foram encontradas nas ruínas da cidade de Jericó (Cisjordânia), datadas de 6000 a.C., evidências do uso do gesso em modelagens. O material serviu, ainda, à construção de elementos que compõem a grande pirâmide de Quéops, no Egito. De acordo com estudo publicado pelo fisiatra Demétrio Praxedes Araújo, membro da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, o gesso começou a ser empregado na medicina, mais especificamente pela ortopedia, no século 10. Com o decorrer do tempo, sua aplicação ganhou cada vez mais espaço. No século 18, por exemplo, o uso na construção tornou-se tão comum na França que praticamente todos os edifícios da época contavam com o material em sua estrutura. Vendido normalmente na forma de um pó branco, o material é produzido a partir de um mineral chamado gipsita, composto basicamente de sulfato de cálcio hidratado. Quando esmagada e aquecida, a gipsita perde água, formando o gesso. Ao ser novamente misturada com água, endurece rapidamente, assumindo a forma definitiva após 8 a 12 minutos. 12 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz ainda na ativa Várias fraturas podem ser operadas, mas em alguns casos ainda vale a pena recorrer a gesso e órteses. Lucas Leite Ribeiro, do São Luiz, explica que as principais variáveis são a idade do paciente (em crianças, frequentemente opta-se por gesso), a classificação da fratura, se ela é exposta ou fechada e os riscos envolvidos. “Em geral, a órtese, inclusive o gesso, é indicada quando o osso não sofreu nenhum desvio de posicionamento”, aponta o ortopedista Trajano Sardenberg, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu (SP). Mesmo em alguns desses casos, porém, o gesso também perde terreno. “Ele tem sido substituído cada vez mais por produtos Skyhawk/Shutterstock Shutterstock recuperação com tecido, metal e especialmente plástico, que proporcionam uma série de vantagens”, afirma o médico José Luiz Amin Zabeu, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). O problema é que esses recursos mais modernos são caros, o que faz com que boa parte da população não tenha acesso a eles. De qualquer modo, embora materiais modernos estejam sendo aplicados cada vez mais na recuperação de fraturas e torções, o gesso ainda cumpre papel importante em vários casos. Costuma ser a melhor opção em fraturas no meio do osso, especialmente se o paciente for criança, que tem uma capacidade de regeneração maior que a dos adultos. Em comparação aos produtos alternativos, o gesso também é mais adequado quando a órtese não pode ser removida durante toda a recuperação do paciente, como em fraturas de tíbia que não podem ser operadas. “Na fratura de tíbia, é interessante colocar o gesso de modo que ela fique adequadamente posicionada para a regeneração”, afirma o ortopedista Paulo Barbosa, coordenador do setor de Ortopedia do Hospital Quinta D’Or, do Rio de Janeiro. O gesso é indicado ainda na correção de deformidades nas crianças como pé torto congênito. Essa patologia exige trocas periódicas, o que seria inviável no caso de uma órtese de fibra de vidro, por exemplo, no mínimo cinco vezes mais cara que o gesso tradicional. Além disso, também é a melhor opção para contusões e inflamações nas articulações, porque é feito sob medida para os contornos do corpo do paciente. “Quanto mais próxima da extremidade está a fratura, mais provável que seja tratada com gesso. Por isso é que se usa mais gesso para fraturas no pé ou na mão do que no joelho ou no cotovelo”, explica Ribeiro, do Hospital São Luiz. Por ser fácil de manipular – e barato, em comparação com as alternativas disponíveis no campo médico – o material ainda deve continuar sendo usado por bom tempo pela medicina, avalia Zabeu, da PUC-Campinas. “Desde que corretamente recomendado e aplicado, ele cumpre de modo adequado, por exemplo, a função de imobilizar o membro ou estabilizar a articulação”. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 13 viver bem por Chantal Brissac Menos estômago, menos diabetes tipo 2 pode ser minimizada ou até eliminada por meio da cirurgia bariátrica NoomHH/Steve Collender/Shutterstock Uma das doenças que mais preocupam atualmente, a diabetes 14 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 15 Federação Internacional de Diabetes estima que, daqui a duas décadas, nada menos que 380 milhões de pessoas ao redor do planeta terão diabetes – 54% a mais do que hoje. No Brasil, são 21 milhões de diabéticos, segundo uma pesquisa por amostragem feita nas cinco regiões do país. Trata-se de 11% da população brasileira. “Chega a ser um problema de saúde pública”, destaca o médico Luiz Vicente Berti, médico do Hospital e Maternidade São Luiz, especialista em cirurgia bariátrica e metabólica e um dos coordenadores desse estudo, apresentado em 2009 no Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, em São Paulo. Berti destaca que, dessa parcela, poucos nascem com a doença (diabetes do tipo 1); a maior parte (78,7%) é portadora do tipo 2, aquele que se desenvolve ao longo da vida. Essa fatia considerável é que está na mira da medicina, que encontrou uma resposta eficiente para alguns casos da enfermidade: a cirurgia bariátrica, popularmente conhecida como “operação de redução do estômago”. Cerca de 90% dos portadores da diabetes tipo 2 são obesos ou estão pelo menos acima do peso. Os graus mais acentuados de obesidade associam-se, ainda, a outras moléstias, como a hipertensão arterial sistêmica e as dislipidemias. “A cirurgia bariátrica é um método eficiente por provocar a perda de peso e controlar as comorbidades nesses pacientes”, resume Berti, que é membro do Conselho Executivo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e da Federação Internacional de Cirurgia de Obesidade. Um dos maiores pesquisadores brasileiros sobre a doença, Berti conta que o combate ao excesso de peso foi o objetivo principal da técnica, desenvolvida em 1954, quando o cirurgião norte-americano A. J. Kremen fez seus primeiros experimentos. Não por acaso, ela ganhou o nome que tem: “baros”, em grego, significa “peso”. “Com o tempo e depois de milhares de pacientes operados, novas descobertas científicas apontaram para outras direções”, afirma o médico. Ele se refere às pesquisas feitas na Suécia, em 1995, que revelaram que a cirurgia não favorecia apenas os pacientes com efeito na insulina A descoberta de que o procedimento melhorava a diabetes veio com modelos cirúrgicos que mexiam um pouco no intestino e também no estômago, conta o médico Sérgio Santoro, do Departamento de Gastroenterologia da Associação Paulista de Medicina. “Essas técnicas alteram a produção dos hormônios do intestino, tanto os responsáveis por reduzir o estímulo para começar a comer como os que levam à saciedade. E isso tudo acaba intensificando a produção de insulina. Ou seja, a diabetes melhora ou some completamente.” É o caso do hormônio GLP-1, produzido pelo intestino quando ali chega um alimento: essa substância aumenta a saciedade e também estimula a síntese de insulina pelo pâncreas para dar conta do açúcar. A cirurgia controla a síndrome metabólica como um todo, incluindo o resultado final dela, que é a diabe- 16 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz eGraphia/Shutterstock Pouco mais de 20 milhões de brasileiros são diabéticos, sendo que quase 79% têm o tipo 2 da doença, aquele que o paciente desenvolve ao longo de sua vida Cada vez mais comuns A diabetes tipo 1 é uma das doenças crônicas mais comuns na infância e cresce cerca de 3% ao ano em crianças na fase pré-escolar. Nesse tipo, as células do pâncreas que fabricam insulina, o hormônio que ajuda a glicose a entrar nas células, foram destruídas. Já na diabetes tipo 2 a produção da insulina não é suficiente ou as células não conseguem aproveitá-la da melhor forma. É o fenômeno da resistência à insulina. Geralmente, são os quilos a mais na balança que dificultam a absorção da glicose pelas células. Tida antes como uma doença de adulto, ela vem crescendo em taxas alarmantes em crianças e adolescentes, como consequência da epidemia mundial de sedentarismo, da obesidade e de maus hábitos alimentares. Somem-se a esses fatores os diagnósticos inadequados e tardios, e tem-se uma das doenças mais comuns atualmente. Mesmo assim, a diabetes tipo 2 ainda se caracteriza por ser mais tardia – aparece, em geral, após os 45 anos. Os fatores de risco são obesidade, hipertensão arterial, histórico familiar e sedentarismo, entre outros. Nos dois casos de diabetes, o excesso de glicose no sangue traz vários problemas que, se não forem controlados, podem levar à morte. No Brasil, a diabetes responde por 40% das mortes por doenças cardiovasculares. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 17 Laitr Keiows/Shutterstock A obesidade mórbida, mas também os que tinham doenças ligadas ao metabolismo, como diabetes tipo 2, pressão alta, gordura no fígado, ácido úrico elevado e alterações do colesterol e dos triglicérides. tes tipo 2. “Ela ajuda no controle de todas as doenças metabólicas: colesterol, triglicerídeos, esteatose hepática, diabetes melitus tipo 2 (DM2). Mas a doença de maior gravidade e de mais difícil controle clínico é o DM2, por isso esse impacto é maior”, explica Berti. Com o tempo, os casos de pacientes operados que apresentavam níveis adequados da glicemia, do colesterol e dos triglicérides – e até chegavam a suspender remédios – passaram a ser cada vez mais frequentes. A tendência também se refletiu no nome: a prática passou a ser chamada de cirurgia bariátrica e metabólica. Há vários tipos, mas a mais realizada no mundo é a gastroplastia redutora com desvio intestinal, que, além de reduzir o estômago, agiliza o transporte da comida até a porção mais à frente do intestino, liberando as incretinas, que atuam no metabolismo da glicose. Essa é também a mais eficaz no tratamento da diabetes tipo 2, segundo o médico Antonio Claudio Jamel Coelho, especialista em cirurgia digestiva e bariátrica que atende pacientes nos hospitais Badim e Barra D’Or, ambos da Rede D’Or São Luiz, no Rio de Janeiro. “O ponto central do tratamento do obeso diabético é a perda de peso. Por isso, todas as cirurgias melhoram a doença, no entanto, o desvio intestinal é um fator de melhora independente da perda de peso.” Não é em todos os casos que a doença desaparece. Jamel observa que, de acordo com os novos critérios da American Diabetes Association, a taxa de eficiência depois da cirurgia é de 45%. Esse percentual se refere ao resultado de um exame básico para verificar os níveis glicêmicos do paciente, a hemoglobina glicada, que deve ficar abaixo de 6,5% para ser considerada normal. Mas por outro parâmetro, ele ressalta, o resultado pode ser considerado bem maior: “Posso dizer que 100% dos pacientes melhoram significativamente, isto é, reduzem as doses das medicações e experimentam taxas de glicose mais estáveis”, afirma o médico. “Quando a obesidade é o fator mais importante na gênese da diabetes, a cirurgia é completamente eficaz. Em indivíduos não tão obesos, parecem existir outros mecanismos envolvidos.” Os tipos de cirurgia bariátrica Restritivas diminuem a quantidade de alimentos que o estômago é capaz de comportar. As mais realizadas são a banda gástrica, colocação de um anel ajustável logo abaixo da transição esofagogástrica, e a gastroplastia em Y de Roux com ou sem anel, que transformam uma porção do estômago em um pequeno reservatório (cerca de 30 ml), diminuindo bastante a quantidade de alimento ingerido. Também promovem uma desabsorção de parte dos alimentos através de um desvio no trânsito do intestino delgado. Disabsortivas reduzem a capacidade de absorção do intestino. São procedimentos com indicações mais selecionadas que levam a um processo de maior desabsorção alimentar. Técnicas mistas com pequeno grau de restrição e desvio curto do intestino. Uma delas é a duodenal switch, associação entre um tipo de diminuição do estômago e desvio intestinal. Nessa cirurgia, 85% do estômago é retirado, porém, a anatomia básica do órgão e sua fisiologia de esvaziamento são mantidas. O desvio intestinal reduz a absorção dos nutrientes, levando ao emagrecimento. 18 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz última escolha Mas será que vale a pena se submeter à cirurgia, com todos os riscos que uma operação envolve, para se livrar da diabetes? O que todos os médicos preconizam é que os pacientes se submetam à cirurgia apenas se já tentaram, sem sucesso, vários tratamentos clínicos e nutricionais. A primeira recomendação é sempre a adoção de hábitos saudáveis, com nutrição controlada e atividade física regular. Depois, vem a aposta nos medicamentos. Só quando o resultado não aparece em nenhuma dessas condições parte-se para o procedimento cirúrgico. O presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Ricardo Cohen, doutor em cirurgia pela Universidade de São Paulo, frisa que a atividade física é fundamental para controlar a diabetes. Aivolie/Shutterstock Veniamin Kraskov/Shutterstock O diabético pode voltar a desenvolver a doença mesmo após a cirurgia; para evitar isso precisa fugir da alimentação ruim e do sedentarismo, por exemplo “Quanto maior for a massa muscular, mais consumo de glicose existe; quanto maior for a atividade física, maior será o gasto da glicose, abaixando o açúcar no sangue.” Mesmo quem se submeteu à cirurgia não pode achar que está tudo resolvido e se esquecer da nutrição balanceada e dos exercícios. “Se não forem feitas alterações importantes no estilo de vida, a diabetes pode voltar, sim”, alerta Jamel, da Rede D’Or São Luiz. “Outros fatores importantes para uma chance maior de retorno são idade maior que 60 anos e tempo de doença maior que 10 anos”, acrescenta. A indicação médica mais comum é operar apenas quem tem Índice de Massa Corporal (IMC) maior que 35 ou 40. Cohen, um dos especialistas que pesquisam a cirurgia bariátrica em pacientes com IMC abaixo de 30, aponta mais um fator a considerar: os níveis de peptídeo C, que indicam se a cirurgia pode ser a saída ou não. “A dosagem da substância determina se o diabético ainda é capaz de fabricar insulina. Se não for mais, porque desenvolveu diabetes tipo 2 há muito tempo, a cirurgia bariátrica já não servirá para ele”, explica. Ainda que o procedimento reduza muito a mortalidade por efeitos ligados à diabetes, ele envolve riscos. As complicações mais comuns nesse caso são as infecções da ferida operatória, a reabertura de feridas antes fechadas, fístulas, úlceras, doenças pulmonares, tromboflebite (formação de coágulo em razão de inflamação da parede de uma veia). As vantagens são inúmeras, mas os riscos não são desprezíveis. O melhor, como sempre, é o paciente avaliar seu caso com o médico para que se tome a melhor decisão caso a caso. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 19 especial por Verônica Couto Um bicho de 200 cabeças Olly/Shutterstock Distúrbio de saúde mais comum no mundo, a dor de cabeça se desdobra em vários tipos, inclusive em alguns que são sintomas de doenças bem mais graves que a simples cefaleia 20 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 21 Caliber 3D /Shutterstock P 22 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz Benicce/Shutterstock ara o poeta sueco Tomas Tranströmer, Prêmio Nobel de Literatura no ano passado, a dor de cabeça é um lugar da casa, é toda a casa, até uma cidade inteira, de onde não se consegue sair. “A dor de cabeça é um quarto onde tenho que ficar enquanto não consigo pagar o aluguel de outro lugar. Cada cabelo dói até ficar grisalho”, escreve ele em “A casa da dor de cabeça”. Outro poeta, o brasileiro João Cabral de Melo Neto, combateu por tantos anos as dores de cabeça que homenageou sua principal aliada nessa luta com o poema “Num monumento à aspirina” (“Claramente: o mais prático dos sóis, / o sol de um comprimido de aspirina:/ de emprego fácil, portátil e barato”). Não é à toa que ela é cantada em prosa e verso: trata-se do distúrbio de saúde mais comum do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E não é uma, mas uma legião – são mais de 200 tipos. Algumas são elas próprias a doença, como as enxaquecas; e há as que refletem sintomas de outros problemas, como a meningite ou tumores, que a automedicação – condenada por todos os especialistas – pode perigosamente mascarar. “As dores de cabeça são provavelmente as dores mais comuns que levam as pessoas a procurarem auxílio médico”, diz o neurologista Bernardo Liberato, chefe do serviço de neurologia vascular e coordenador da unidade neurointensiva do Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro. “Com as lombares ou de coluna, é a causa mais frequente de dores recorrentes na sociedade moderna e fator importante de impacto nas atividades profissionais, especialmente na população ativa.” De acordo com a neurologista Celia Roesler, da Sociedade Brasileira e Internacional de Cefaleia, 93% da população brasileira já sentiu dor de cabeça. Desse total, diz ela, 31% precisariam de tratamento médico por enfrentarem distúrbios que, em momentos de crise, levam até à incapacidade funcional. As mulheres sofrem mais: 76% delas relatam pelo menos uma dor de cabeça ao mês, em comparação a 57% dos homens. A mais comum, diz Celia, é a cefaleia tensional episódica, de leve a moderada, registrada por 90% das pessoas. “Acontece quando se dormiu pouco, trabalhou ou bebeu demais, ou se passou por algum estresse”, explica. “Não é uma dor que lateje. Trata-se de uma tensão neuromuscular, uma disfunção de serotonina que repercute no músculo. Não precisa nem adianta tomar calmante, apenas analgésico.” Mas isso sempre após a consulta a um médico. A automedicação, muito comum entre os consumidores, acarreta efeitos colaterais (especialmente no fígado e no estômago), confunde ou mascara os sintomas de doenças graves, manifestos nas dores de cabeça, e SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 23 excesso de álcool também contribui para evitar enxaquecas. Mas uma variação hormonal, por exemplo, pode detoná-la. Razão por que esse tipo agudo de dor de cabeça predomina nas mulheres. “Ela pode começar na menarca (a primeira menstruação), piora nos períodos que antecedem e durante a menstruação, e acaba na menopausa”, diz a neurologista da SBC. latejante Já a enxaqueca pode durar de quatro a 72 horas. Começa fraca e vai piorando, a ponto de dificultar muito a execução de atividades rotineiras. As crises podem vir acompanhadas de vômitos e tonturas, desidratação e fraqueza. Pioram com incidência de luz, cheiros, barulhos e movimento. Melhoram com repouso, pouca luz, silêncio e, claro, analgésicos. Por que acontecem? “É uma disfunção química cerebral, muitas vezes hereditária”, responde Celia. Durante a crise, há geralmente uma descarga de adrenalina, substância que contrai vasos sanguíneos. O que dói, efetivamente, são os vasos situados entre a calota craniana e o couro cabeludo. “Esses vasos, primeiro, se contraem. Quando se dilatam, provocam a dor. Além disso, caem os níveis de serotonina, o que pode gerar uma parada peristáltica, no estômago, o que explica o enjoo. É uma doença de muitas facetas – mexe com o humor, com o labirinto, dando tonteira e taquicardia, devido à vasoconstrição.” A enxaqueca tem tratamento. Se o histórico das dores é relativamente curto (quatro ou cinco anos desde a primeira ocorrência), Celia acredita que seja possível até curá-la. Mas casos crônicos, com dez, 20 anos, costumam exigir medicamentos para controle. Também há métodos preventivos, que dependem do perfil do paciente. Liberato, do Copa D’Or, lembra que há pesquisas com terapias alternativas, como acupuntura. “Contudo, frequentemente é necessária uma combinação de terapias para a abordagem bem-sucedida das cefaleias crônicas”, diz ele. Uma rotina com atividades físicas, alimentação balanceada, sem cigarro e sem de chutar cadeira Se as mulheres sofrem com mais frequência, devido à variação dos hormônios – a enxaqueca acomete cerca de 20% das mulheres e 6% dos homens, segundo o levantamento apresentado pela neurologista Eliana Melhado no 25º Congresso Brasileiro de Cefaleia, em 2011 –, a pior dor de cabeça atinge principalmente o público masculino. “Pesquisas apontam que mais dolorosa do que cólica renal, de vesícula, é a cefaleia em salvas – ou cefaleia de Horton”, afirma Celia. As causas que a desencadeiam não são conhecidas. Mais frequente em homens, geralmente fumantes, a partir dos 30 anos (embora apareça também em adolescentes), surge de forma sazonal. Pode acontecer uma vez por ano, com duração de três meses e em ciclos de uma a oito crises por dia, que variam de 15 a 180 minutos. “É uma dor lancinante, como se um ferro em brasa perfurasse o cérebro. Sempre do mesmo lado, alcança fronte, o olho – que fica vermelho, lacrimeja. A pálpebra pode cair, a narina entope ou escorre. Na hora da crise, o paciente é capaz de chutar coisas, jogar a cadeira longe. Por isso, é importante interrompêla rapidamente.” A dificuldade de diagnosticar a cefaleia em salvas tem sido muitas vezes motivo de sofrimento dos pacientes. Seu tratamento envolve medicações injetáveis subcutâneas e inalação de oxigênio. Zenphotography/Shutterstock Estimativas da Sociedade Brasileira de Cefaleia sugerem que 93% da população brasileira já foi pelo menos uma vez afetada pelo problema 24 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz Michael Pettigrew/Shutterstock também faz com que elas se tornem crônicas. “Quando há uma dor moderada, o cérebro produz endorfina. Na pessoa que toma muito analgésico, o cérebro se acomoda e vai pedir cada vez mais o remédio. É o chamado efeito rebote”, afirma Celia. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 25 Kovalev Sergey/Shutterstock esse histórico, sente uma dor intensa, às vezes com desmaio, pode ser um aneurisma que se rompeu. Uma dor que começa mediana e, no período de um mês, vai aumentando progressivamente, ao mesmo tempo em que se notam dificuldades de coordenação motora – lábios repuxados, por exemplo –, pode ser sintoma de um tumor cerebral.” Para Liberato, do Copa D’Or, a dor de cabeça pode ser sinal de algo mais grave, especificamente, de um sangramento ou tumor cerebral, ainda que isso seja menos comum. “Quem tem dor de cabeça crônica deve se preocupar caso a característica da dor tenha mudado radicalmente”, alerta. “Naqueles que nunca tiveram uma dor intensa, seu aparecimento deve sempre ser investigado, especialmente quando o início é muito súbito e forte, o que pode representar um sangramento cerebral.” A presença de febre e cefaleia intensas também deve ser investigada, destaca o neurologista, porque pode significar um quadro infeccioso cerebral, como meningite. Quando o problema inclui áurea – alterações visuais e sensitivas, efeito da contração dos vasos –, o paciente enxerga manchas escuras, “cobrinhas” cintilantes, desenhos geométricos. Casos assimpodemparecer derrame,poisprovocam dormência no corpo. Celia aponta, contudo, que na dor de cabeça com áurea a dormência é progressiva e acontece apenas de um lado, começando pela mão, subindo pelo braço, metade do rosto e da língua. Esses sintomas costumam levar de 15 a 40 minutos, para que então a cefaleia se instale. No derrame, diferentemente, a dormência– generalizada – e a dor acontecem ao mesmo tempo. Isso não quer dizer que dor de cabeça com áurea seja desprezível. “Quem tem enxaqueca com áurea e toma anticoncepcional oral tem maiores riscos de sofrer um acidente cardiovascular (AVC); se for fumante, o risco dobra, porque o comprometimento cardiovascular é muito grande.” A dor de cabeça mal sinal Em alguns casos, a dor de cabeça que é sintoma de pode ser muito mais que uma dor de cabeça. doenças mais graves “Cefaleias explosivas, que surgem abruptaé chamada de cefaleia mente, em segundos ou minutos, atingindo a intensidade máxima instantaneamente, secundária. Quase sempre sugerem a ruptura de um aneurisma arteé aguda e aparece de rial intracraniano ou de outras malformações vasculares”, escreve, em artigo publicado em repente abril do ano passado na revista Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o neurologista Jose Speciali, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, ligada à USP. “A cefaleia aguda, que leva o paciente a procurar por um atendimento emergencial, ou uma cefaleia de aparecimento recente na vida do paciente, deve ser sempre interpretada como sinal de alerta. A possibilidade de ser uma cefaleia secundária é grande, e, dependendo da doença causadora da cefaleia, as complicações podem ser graves e mesmo fatais”, aponta Speciali, que coordena o Serviço de Cefaleia e Algias Craniofaciais do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. “Se a pessoa nunca teve dor de cabeça, e ela se instala rapidamente, com rigidez de nuca, febre e vômito em jato, pode ser uma meningite”, complementa Celia. “Se o paciente, com 50 anos, também sem 26 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz primeiros cuidados por Paula Montefusco Vale a pena esperar Zdenek Rosenthaler/Shutterstock Mesmo quando não há mais risco de prematuridade, cada semana a mais de gravidez diminui as chances de complicações no recém-nascido 28 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 29 30 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz Parto normal permite evolução natural do nascimento Carlos Eduardo Corrêa, ligado ao Conselho Internacional de Certificação de Consultores em Amamentação. Apesar das eventuais dificuldades iniciais, o bebê precoce não corre tantos riscos como o prematuro. As crianças nascidas antes da 37ª semana geralmente enfrentam problemas mais graves, como dificuldade de controlar a temperatura corporal e incapacidade de sucção. trabalho de parto Uma parcela dos partos anteriores à 39ª semana acon- tece naturalmente, mas é significativo o número de ocorrências ligadas a cesáreas eletivas, sem que a mãe passe por trabalho de parto. “Ele é importante para preparar o bebê, pois permite uma evolução natural do nascimento”, explica Graziela. Se a criança nasce após 37 ou 38 semanas, mas passa por esse processo, os riscos de complicações respiratórias diminuem. “Mesmo que ele tenha nascido de cesárea, se a mãe entrou em trabalho de parto, é positivo”, completa. “Mas, claro, o ideal é o parto normal”, afirma. Quando a cesárea é recomendada, a melhor opção é aguardar pelo menos que a gestação atinja as 39 semanas. A médica Uma M. Reddy, que está entre as autoras do estudo conduzido pelos três órgãos de saúde dos Estados Unidos, disse em entrevista ao The New York Times que “as mulheres precisam saber que as gestações a termo não são todas iguais”. “Se a gestação não tem complicações, os bebês não deveriam ser retirados antes de 39 semanas”, defendeu. Com parto natural, a situação é diferente. “Se nascer de 37 semanas por parto normal, Mathom/Shutterstock P rematuro, como indica a palavra, é o que ocorre antes de estar pronto, antes da hora favorável. Logo, se são prematuros os bebês que nascem com menos de 37 semanas de gestação, os que vêm depois estariam no tempo certo, seriam maduros o suficiente para enfrentar os primeiros dias fora da barriga da mãe. Na prática, porém, não é exatamente assim. O tempo ideal de gestação humana é de 40 semanas. Entre 37 e 39 semanas, diz-se que o bebê é “a termo”, ou seja, pronto para nascer. Não por acaso, porém, alguns especialistas utilizam a expressão “a termo precoce”, porque a criança nasce com tamanho normal, mas às vezes seu desenvolvimento – principalmente o dos pulmões, últimos órgãos a amadurecer – ainda pode estar em processo. Uma pesquisa conduzida por três órgãos de saúde dos Estados Unidos (o Institute of Health, a Food and Drug Administration e a March of Dimes) analisou dados de 46 milhões de partos naquele país entre 1995 e 2006 e concluiu que crianças nascidas após 39 semanas de gravidez têm mais chance de sobrevida do que as de 37 ou 38 semanas. “A maioria dos que nascem entre essas semanas se desenvolve como bebês de 40 semanas, mas um pequeno percentual tem dificuldades para respirar, o que aumenta o risco de afetar o sistema nervoso central do recém-nascido”, explica a pediatra neonatologista Graziela Lopes Del Ben, das unidades Itaim e Anália Franco do Hospital São Luiz. “Se o bebê tem problemas respiratórios, ele pode até morrer ou ficar com sequelas, como uma isquemia cerebral”, aponta a neonatologista Dulce Zanardi, do Hospital Estadual Sumaré, vinculado à Unicamp. O amadurecimento neurológico também pode ser comprometido. A fase de adaptação do recém-nascido ao ambiente geralmente dura de dois a três dias, período em que são avaliados os seus reflexos cognitivos em resposta a estímulos externos. “Somente depois disso é possível supor que vai ficar tudo bem”, diz Dulce. “Quanto menor a idade gestacional, maior o risco de problemas de adaptação ao ambiente”, afirma Graziela, que também é pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Passado esse período, o bebê normalmente só permanece internado se tiver uma doença ou um distúrbio”, complementa. Além disso, a criança “a termo” pode nascer com dificuldade de sucção, incapaz de mamar adequadamente, em razão de imaturidade ou sonolência excessiva – maiores se comparadas às de um bebê de 39 semanas. Isso dificulta ou até impossibilita a alimentação e pode causar hipoglicemia. “Nessas horas é importante dispor de uma equipe hospitalar de apoio ao aleitamento que ensine a mãe a posicionar o filho e ajudá-lo a pegar a mama corretamente”, afirma Graziela. Se o bebê tiver dificuldade para abrir a boca e sugar, o leite pode ser dado no copinho ou por uma sonda ligada diretamente ao estômago. “Quando o recém-nascido consegue sugar, é feita a chamada relactação, lactação induzida ou translactação. No processo, a sonda é colocada por fora da aréola do peito e o bebê suga os dois. Ou ainda, a sonda é colocada no nariz, mas o bebê suga o peito mesmo assim. É importante esse contato com o seio para estimular o peito a produzir leite e para que o bebê aprenda a sugar”, explica o pediatra neonatologista SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 31 Hansenn/Shutterstock provavelmente o bebê vai ser maduro. O que pode sofrer é um desconforto respiratório inicial e ir para a UTI neonatal. Aí, ele dependerá do acolhimento para superar essas dificuldades iniciais”, afirma Corrêa. “Se o bebê não está pronto para nascer, é um estresse inicial. A mãe também pode não estar preparada, inclusive do ponto de vista físico – a produção do leite pode demorar, por exemplo”. Situações como essas podem aumentar a angústia materna. “Se a criança nasce com 37 ou mais semanas, a mãe não está esperando que ele vá para a UTI”, afirma O Graziela. “Nesse caso a mãe recebe alta e o bebê, não. bebê de 37 Ou, ainda, os dois vão semanas geralmente para casa e está tudo está com tamanho normal, bem, mas a criança tem um desconforto mas seu desenvolvimento, respiratórioeprecisa sobretudo dos pulmões, voltar para o hospital”, aponta a médica pode ainda estar do São Luiz. incompleto Para observar a mãe e 32 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz a criança, os hospitais costumam mantê-los ao menos dois dias internados, o que facilita o monitoramento do recém-nascido e permite que eventuais problemas sejam solucionados mais rapidamente. Mas, os bebês precoces, em alguns casos, ficam internados um pouco mais de tempo que a mãe para compensar o desenvolvimento incompleto, às vezes fazendo uso de ventilação mecânica para aliviar o desconforto respiratório. Com assistência adequada, esses pequenos percalços geralmente representam apenas um susto inicial para os pais, sobretudo os de primeira viagem. Bem monitorados e, quando cuidados adicionais são necessários, tratados corretamente, os bebês precoces costumam se desenvolver normalmente. Mesmo nascendo um pouco antes, seguem, por exemplo, o calendário tradicional de vacinas: recebem a dose contra hepatite nas primeiras 12 horas de vida e outras vacinas, aos 2, 4 e 6 meses, como recomendado pelo Ministério da Saúde. Em pouquíssimo tempo, serão como os de 40 semanas – darão a mesma dose de trabalho e de alegria. planeta saudável por Leonardo Guariso Elas sofrem mais Fatores ambientais têm influência em mais de 80 doenças, segundo a OMS. Crianças de até cinco anos são as mais afetadas; nos centros urbanos, a poluição é a grande vilã 34 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz Serhiy Kobyakov/Shutterstock o lugar onde você vive influencia, sim, a sua saúde. Estima-se que 24% das doenças no mundo são causadas por fatores ambientais, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em 2006. O estudo apresenta mais de 80 enfermidades relacionadas ao meio ambiente, sendo malária, diarreia e infecções respiratórias as mais comuns. Na pesquisa, a entidade ainda alerta para um dado: crianças com até cinco anos de idade são as mais afetadas. Cerca de 4 milhões delas morrem anualmente por males provocados por questões ambientais. A maioria em países em desenvolvimento, aponta a OMS. Marcus Vinicius Polignano, professor associado do departamento de medicina preventiva social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que criança é mais dependente do adulto para sua saúde. Fácil de entender o motivo. Isso porque a pouca experiência de vida faz com que ela tenha menor noção de perigo ou proteção. Veja o exemplo de um bebê de oito meses. Seu primeiro instinto é levar qualquer coisa à boca, como um pedaço de papel sujo no chão. Há também a questão fisiológica. Ela explica a singularidade de um organismo ainda jovem. “Existem diversos fatores inter-relacionados, que vão desde a idade e peculiaridades anatômicas até características fisiológicas e imunológicas”, conta Katia Nogueira, doutora em saúde coletiva e presidente do comitê de adolescência da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj). Um deles se refere ao sistema imunológico, responsáSuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 35 tempo. Ou seja, o número de males diminui com a idade. Note: uma criança entre seis meses e três anos tem por volta de nove infecções respiratórias anualmente, por exemplo. Entre três a cinco anos, três ou quatro. Com cinco, uma ou duas. Em resumo, quando atinge os seis anos, o sistema imunológico está quase no nível de um adulto. o perigo está no ar Segundo o relatório da OMS, mais de 1,5 milhões de mortes no mundo têm como causa infecções respiratórias atribuídas aos fatores ambientais anualmente. Nos grandes centros urbanos, o perigo está à solta. Carros, indústrias e ônibus liberam diariamente toneladas de gases agressivos à camada de ozônio e à saúde humana, isso sem contar a fumaça de cigarro, igualmente prejudicial. “Qualquer criança tem mais chance de ter do- Shutterstock A criança demora até cerca dos seis anos de idade para ter seu sistema imunológico pronto para se defender; antes disso, cada corpo estranho é uma ‘charada’ 36 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz ença respiratória se viver num lugar mais poluído”, afirma Rita de Cássia dos Santos Ferreira, pneumologista do Hospital Esperança, no Recife. O fato de o diâmetro das vias aéreas não estar totalmente formado nos pequenos também explica a dificuldade que eles têm para se defender contra a poluição. Por ser mais estreito, as minipartículas dos poluentes se prendem na parede do tubo, quando deveriam ser expelidas. Ali, evoluem para uma inflamação. Com a região enfraquecida, a ação de vírus ou bactérias é facilitada. É como fazer uma comparação entre um cano e um canudo. Qual dos dois é mais fácil de entupir? Um organismo em formação entende óxidos, dióxidos, monóxidos, entre outros causadores da má qualidade do ar, como uma bomba para o aparelho respiratório. “A exposição contínua leva o pulmão a sofrer alteração na mucosa, prejudicando a higiene brônquica [retirada dos poluentes]”, explica Marília Teixeira de Brito, coordenadora de Pediatria do Hospital Esperança. Resultado: tosse irritativa, desconforto torácico, lesão e inflamação pulmonares, entre outros males. Dependendo do grau de exposição às partículas nocivas, a infecção pode evoluir para uma doença mais séria, como a asma, mas desde que haja casos de histórico familiar. Vale lembrar que a asma é uma enfermidade multifatorial, ou seja, deflagra de acordo com um amontoado de fatores. A exposição contínua a poluentes é um deles. Uma pesquisa da Organização Pan Americana da Saúde (Opas) de 1999 já alertava para o problema. Segundo o estudo, as crises entre crianças e adolescentes têm aumentado desde 1980 nos Estados Unidos, na época, afetando mais de 42 milhões de menores. Além disso, a má qualidade do ar deixa a criança mais cansada. Ao detectar os agentes nocivos, o corpo faz um esforço para expulsá-los. A árvore brônquica age com movimentosciliares para tentar expelir essas micropartículas. Quando a exposição é contínua, no en- Zalman/Shutterstock vel por combater bactérias, vírus, parasitas, entre outros agentes. A criança nasce com esse sistema totalmente vulnerável. Os únicos anticorpos são aqueles recebidos pela placenta da mãe ainda na gravidez. Essa barreira permanece até os seis meses de idade. A partir daí, com exceção das vacinas, o corpo começa a criar os próprios artifícios de proteção através do contato com o ambiente. “Teoricamente, a criança tem deficiência imunológica se comparada ao adulto”, aponta Gilberto Petty, professor adjunto do departamento de pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Até os seis anos, a defesa contra os agentes externos está praticamente fortalecida. Antes disso, no entanto, cada novo invasor é como se fosse uma charada – daquelas bem complicadas – a ser decifrada pelo sistema imunológico. Ainda em fase de consolidação, o organismo luta para inibir o corpo estranho, representado por micro-organismos. Limitado, perde a batalha, e o pequeno adoece. O curioso é que o sistema imunológico “aprende” com o ataque inimigo e cria resistência com o tanto, o desgaste é maior. Nessa situação, o diafragma, músculo que participa do processo de limpeza, é mais solicitado do que o normal para um sistema respiratório ainda jovem. Conclusão: o excesso de trabalho fadiga a musculatura diafragmática e, consequentemente, deixa a pessoa cansada. Por isso, muitas vezes os médicos recomendam a inalação, justamente para facilitar a limpeza das partículas químicas da área e, consequentemente, a ação do aparelho respiratório. O lado bom dessa história é que muito pode ser feito para proteger os pequenos. “Asmáticos ou crianças com tendência a desenvolver a doença necessitam de um ambiente limpo e livre de pó”, diz Marília. Uma boa dica, portanto, é passar pano úmido nos móveis e no chão todos os dias para que a poeira não se espalhe pelo recinto. Residências perto de construções têm uma chance maior de acumular pó nos cômodos. Tapetes, carpetes e brinquedos de pelúcia, como se sabe, são verdadeiros ninhos para a proliferação de ácaros. Cortinas também agem como focos de poeira e devem ser lavadas pelo menos uma vez por semana. Um ambiente arejado é outra importante dica. A ventilação pelos cômodos faz com que o ar se renove. Grosso modo, é como liberar espaço para que o vírus “saia”. E mais: um estudo da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, indica que a presença de uma pessoa na sala leva 37 milhões de bactérias ao local a cada hora, acumulando-se aos micro-organismos já deixados por outros ocupantes. Para o professor Polignano, da UFMG, sem políticas públicas para consolidar ambientes saudáveis, os cuidados dentro de casa não serão suficientes. Ele diz que saúde pública e coletiva têm de incorporar uma visão ambiental. “A gente precisa criar cidades saudáveis, com ecossistemas para que a população tenha qualidade de vida e saúde. É uma ligação que não podemos perder de vista. Saúde depende muito mais de bem-estar do que de remédio”, finaliza. A exposição de organismos em formação a gases poluentes leva a tosses irritativas, desconforto torácico, lesão e inflamações pulmonares; em excesso, causa até asma SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 37 diagnóstico por Paula Montefusco Intensiva, mas humana As diferentes especialidades do médico Haggéas Fernandes o levam a defender um novo modelo de UTI, que incentiva o contato com familiares Paulo Pampolin/Hype na medicina, pode-se escolher uma área muito restrita. Um ortopedista, que já é especializado em ossos, ligamentos, músculos e articulações, pode fechar o foco ainda mais e tratar só de joelhos. Mas há os que se dedicam a mais de um tema, ampliando o escopo da sua atuação e relacionando os diferentes campos. E foi assim com Haggéas da Silveira Fernandes. Filho de um amazonense e de uma carioca, mudou de cidade várias vezes durante a infância – a família passou por Manaus, pelo Rio de Janeiro e, finalmente, estabeleceu-se em São Paulo, em 1989. Aos 12 anos, veio a certeza de que seria médico. “Na escola, tinha afinidade com a área de biológicas e sempre gostei de pesquisas, e isso me motivou a pensar em seguir essa carreira”, relembra. Curiosamente, o gosto pela medicina tinha a concorrência de uma área um tanto diferente. “Cogitei em algum momento ser piloto, por gostar do mecanismo de comando de um avião.” Motivado pela nova perspectiva, Fernandes se aprofundou nessa área, acompanhando pousos e decolagens de dentro de cabines. A experiência lhe trouxe conhecimentos específicos. Sacolejar num avião, por exemplo, não é algo que lhe incomode. “O avião tem mecanismos para evitar a turbulência grave. E passar pela 38 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz turbulência leve ou moderada é o jeito dele de voltar ao seu estado inicial”, explica, com propriedade. Mesmo seguindo sua aspiração inicial pela medicina, durante a faculdade os múltiplos interesses se encontraram. Haggéas cursou a Universidade Federal do Amazonas e fez residências em São Paulo, no hospital Beneficência Portuguesa, e na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde se especializou em medicina intensiva. A terapia intensiva, área que requer conhecimento relacionado a diversas especialidades, não era um curso à parte: era preciso, antes, estudar três anos de anestesia ou dois de clínica ou de cirurgia. E foi esta a sua opção. Por via das dúvidas, cursou também gastroenterologia, com especialização em endoscopia, colonoscopia, fez residência em cirurgia, além de MBA em gestão de saúde. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 39 “Não queria ser só (SP). Tomou gosto e optou por se dedicar exclusivamente ao estudo e à prática dessa, que é uma das áreas mais estressantes e de maior desgaste emocional da medicina, por lidar com pacientes que, muitas vezes, sofreram acidentes, tentaram suicídio, estão em pós-operatório ou são idosos com infecção generalizada. “Durante a residência, estagiei em uma unidade de choque [setor que recebe pacientes mais graves de uma UTI] e vi que o meu destino era trabalhar, estudar e entender um setor complexo, como a UTI.” Assim surgiu a oportunidade para chefiar outras unidades. Hoje, Haggéas é médico intensivista e coordena a UTI adulto do Hospital e Maternidade Brasil, em Santo André, da Rede D’Or São Luiz. A nova colocação motivou-o a cursar um MBA em gestão hospitalar, na Fundação Getulio Vargas. “Não queria ser apenas um bom médico. Por isso, venho me dedicando a essa área de gestão cada vez mais.” Ele se prepara para continuar a estudar o tema em julho, quando viaja para os Estados Unidos, onde fará uma pós-MBA na Universidade da Califórnia. humanização Sua rotina é bem agitada. Acorda às 4h45, vai a dois hospitais, visita os pacientes e cuida da gestão das unidades. Mesmo assim, faz questão de reservar sempre uma parte de seu dia para conversar com as famílias dos internados, tarefa essencial para o seu trabalho. “Sentir as necessidades de cada um é algo que gosto muito de fazer”, 40 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz ideia é manter o foco no paciente, demonstrando que é possível que ele se sinta acolhido mesmo em um ambiente tido como hostil. A humanização da UTI tem sido uma das atuais causas defendidas por Fernandes, que se dedica a disseminar o conceito mundial de trazer a rotina do paciente ao hospital, particularmente nesse setor, para humanizá-lo. Para ele, as visitas devem ser incentivadas e o contato com a família o mais frequente possível. “Isolar o setor prejudica a pessoa, que está longe da família, rodeada por estranhos, sob temperatura baixa, luz acesa e ruídos 24 horas por dia. Ela pode enfrentar um estresse pós-terapia intensiva, como se tivesse passado por um trauma físico”, resume o médico. O modelo defendido por Haggéas visa melhorar o atendimento e manter o foco na qualidade de vida dos pacientes. Há, por exemplo, aparelhos de TV ou rádio para eles se distraírem, lugar para a família ficar e uma equipe treinada para lidar com os visitantes – frequentemente ansiosos e cheios de dúvidas sobre o que está sendo feito. Por meio de sua experiência, o especialista viu na humanização mais uma possibilidade de oferecer ao paciente recuperação rápida e sem sequelas. Para isso, a ideia é tratá-lo o mínimo possível como doente. A alta em menor tempo, explica ele, ajuda a diminuir o número de mortes por sepse – uma grave inflamação que ocorre como resposta a um agente infeccioso e que é a principal causa de morte em UTIs. No Hospital e Maternidade Brasil, Haggéas se vê apenas como uma parte do processo para a recuperação do paciente. A execução do trabalho é multidisciplinar: depende de diversos profissionais, como farmacêuticos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e fonoaudiólogos. “Temos uma lista que é preenchida durante a visita. Existe espaço para cada um exprimir sua opinião. Essa troca entre os profissionais é extremamente importante. Depois disso, sentam as oito pessoas em uma mesa e os casos são analisados para gerar o plano assistencial e decidir o que vai ser feito com cada paciente”, explica o médico. O resultado do trabalho não poderia ter sido mais positivo: a UTI, bem como todo o Hospital Brasil, recebeu recentemente o selo de certificação nível 3 pela Organização Nacional de Acreditação (ONA). Esse reconhecimento atesta a segurança e os serviços prestados no estabelecimento seguem padrões nacionais de qualidade e de excelência. “Isolar a UTI prejudica pink floyd Além o paciente. O que deatenderosfamiliares, outro momento contribui para isso é o importante de seu próprio ambiente: ele está dia é o tempo reserlonge da família, em um vado para a família: esposa e um casal de local com ruídos 24 filhos, de 10 e 6 anos. Nos finais de semana, horas por dia” Paulo Pampolin/Hype um bom médico. Por isso, venho me dedicando Com tantas esjustifica. “Na UTI à área de gestão cada vez cirúrgica, vejo os pecializações, em 2002 ele foi convipacientes diariamais”, diz o coordenador dado a comandar a mente, converso e da UTI para adultos do tento dar um pouco UTI de um hospital de São Bernardo do Campo de conforto a todos.” A Hospital Brasil Fernandes se reveza entre os próprios estudos e o dos filhos, repassando principalmente matérias como história, geografia e ciências. “Há uns três anos, li para os dois o livro Reinações de Narizinho, acho que toda criança tem que conhecer Monteiro Lobato”, acredita. O esporte também faz parte da rotina de passeios. Palmeirense, costuma levar o filho mais velho ao estádio para assistir ao time do coração em campo. Mas não só a medicina intensiva e a família dividem a paixão de Fernandes. Ele cultiva uma longa relação “paralela” com o rock n’ roll, expressa em uma coleção de aproximadamente 400 vinis e mais de 5 mil CDs, onde se encontram grupos dos anos 70, como Lynyrd Skynyrd, Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath, passando por gravações raras de Bob Dylan, Janis Joplin, bandas alemãs e suecas pouco conhecidas e chegando a representantes do rock progressivo argentino. O álbum predileto do médico é o que leva o título The Dark Side of the Moon, ícone do grupo britânico Pink Floyd. “Junta uma banda que eu adoro com músicas que são... Nem sei explicar, é um marco na história do rock”, defende, com entusiasmo. E por que não associar o rock à terapia praticada na UTI? “Sei que existem projetos de musicoterapia em UTI, porém não é algo usual. Não tenho experiência com isso, mas acho que num processo atual de humanização ela pode ajudar os pacientes, especialmente os neurológicos, e tornar o ambiente mais amigável”, defende o médico. No que depender de Haggéas, ações de humanização continuarão a ser implantadas nas Unidades de Tratamento Intensivo colaborando para que a área deixe de ser um lugar de onde só se recebe más notícias. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 41 Alisa Karpova/Shutterstock emergência por Sara Duarte Feijó o t i u M lém ele a aqu to d per eito a op n os mas r i e l i b ra s o s s i n to o r n o a s o % d hecer m de d doenç , 2 s a r a lé on Apenbem rec far to. A amento, alta de a díbula sa um in ormig azia, f a man d e ra x e f d u z i r d o r n t ó d e p ro e a t é p o d o re s e su 42 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 43 O enfartado pode sentir azia, queimação e até gazes em alguns casos Bork/Shutterstock Q uando se trata de doenças do coração, a falta de informação pode ser fatal. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, a cada 2 minutos morre uma pessoa devido a uma enfermidade cardiovascular. Entretanto, pouca gente sabe reconhecer uma das mais graves formas desse tipo de enfermidade, o enfarte – apenas 2% dos brasileiros que já sofreram desse problema sabem reconhecer os sintomas, de acordo com uma pesquisa encomendada ao DataFolha pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Mesmo em instituições de saúde há falhas. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine, que acompanhou 10.689 pacientes em dez hospitais, observou que 2,1% dos enfartes não foram diagnosticados no atendimento de emergência — em alguns centros de saúde, a porcentagem chegou a 11%. O principal sinal do ataque cardíaco (como é popularmente conhecido o enfarte do miocárdio) é a dor aguda no peito. Mas ele também pode se manifestar por meio de outros sintomas, como: formigamento no braço, falta de ar, fadiga, azia, suor excessivo, dor nas costas e no pescoço. Ou seja: além daquela terrível sensação de que algo aperta o coração, a pessoa que está enfartando pode sentir dores e desconforto em toda a região torácica. Isso acontece porque os órgãos e tecidos do corpo são interligados e interdependentes. O músculo cardíaco não funciona sozinho: precisa de uma boa oxigenação promovida pelos pulmões, da pressão sanguínea (ou bombeamento de sangue) eficiente e constante e, ainda, de um sistema circulatório sadio, livre de placas de gordura ou coágulos que impeçam a chegada do sangue e do oxigênio aos diversos órgãos. O enfarte agudo do miocárdio pode ser descrito como a morte de células do coração por falta de oxigênio, explica o cardiologista Miguel Antônio Moretti, chefe do setor de cardiologia da unidade Anália Franco do Hospital São Luiz. “Para que o músculo cardíaco funcione, é preciso que as artérias coronárias levem o oxigênio pelo sangue até ele”, diz. “Quando uma dessas artérias está obstruída, esse fornecimento é interrompido, e o coração entra em sofrimento. Se nada for feito para frear essa obstrução, as células cardíacas entram em colapso e morrem.” Os sintomas do enfarte podem ser agudos, ou seja, fortes e lancinantes, ou difusos (capazes de provocar um mal-estar crescente e contínuo, que pode durar horas ou dias), de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Jadelson Pinheiro de Andrade. “Dependendo de qual artéria estiver obstruída, o paciente pode apresentar um conjunto de sintomas diferentes”, informa. A forma de ataque cardíaco mais conhecida é aquela em que o paciente sente dor aguda no peito e formigamento no braço e na mão esquerdos. “Isso geralmente acontece quando o paciente tem Os sintomas do enfarte podem ser sentidos instantaneamente – essa é a forma mais conhecida - ou se manifestarem por horas ou até mesmo por vários dias Alex Mit/Shutterstock Fatores que põem em risco a saúde do coração 44 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz Hereditariedade se você tem algum parente de primeiro grau que sofreu enfarte ou acidente vascular cerebral (AVC) antes dos 60 anos, é possível que também seja propenso a sofrer desses males. Faça um controle periódico com um cardiologista. Obesidade pessoas com sobrepeso tendem a acumular gordura no corpo e também dentro das artérias que irrigam o coração (é o chamado colesterol ruim, ou LDL). Quanto maior a circunferência abdominal, maior a chance de a pessoa ter problemas cardíacos. Tabagismo Quem fuma ou convive com fumantes tem maiores chances de desenvolver problemas circulatórios que levam a enfarte, isquemias ou derrame. É que o tabaco provoca o estreitamento das artérias e veias que irrigam os órgãos. Sedentarismo A prática de atividade física moderada três vezes por semana ajuda a manter sob controle os níveis de colesterol, glicose e triglicérides. Se essas substâncias não estiverem no nível normal, o paciente fica propenso a uma série de doenças, tais como enfarte, derrame e diabetes. Hipertensão quem tem pressão alta e não faz nada para controlá-la corre o risco de nutrir uma bombarelógio no organismo. Quando a pressão sobe demais, o sistema circulatório entra em pane, o que pode levar a um enfarte fulminante. Diabetes o mau funcionamento do pâncreas provoca uma espécie de inflamação crônica nas veias e artérias. Isso torna o coração do paciente mais frágil e mais propenso a enfarte. Menopausa as mulheres, quando deixam de ter a proteção dos hormônios femininos, passam a correr mais riscos de desenvolver doenças do coração. Elas precisam, então, fazer atividade física e dieta para evitar o entupimento das artérias coronarianas. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 45 Dor no peito é coisa séria e deve ser tratada com rapidez. Nos hospitais da Rede D’Or São Luiz, o paciente com esse sintoma recebe atendimento ao chegar ao pronto-socorro. Sem enfrentar filas, é levado à sala de emergência para submeter-se a um eletrocardiograma, registro da atividade elétrica do coração. O procedimento demora 10 minutos. “Com o resultado do eletrocardiograma em mãos, o médico decide qual será o próximo passo”, conta o cardiologista Dario Ferreira, coordenador clínico do Hospital São Luiz Morumbi, em São Paulo. Em seguida, o paciente faz um exame de sangue chamado marcador de lesão miocárdica, que identifica algumas substâncias que só aparecem quando as células do coração sofreram com a falta de sangue, como o complexo de proteínas troponina e a enzima creatinoquinase (CK-MB). Ainda na sala de emergência, se for descartada a doença coronariana, a pessoa é liberada. Já em suspeita de enfarte, o paciente passa por uma angioplastia primária, que é a tentativa mecânica de desobstruir a artéria entupida (cateterismo). “Depois, ele é encaminhado para a UTI para fazer outros exames”, afirma Ferreira. Lá, o próximo procedimento é um ecocardiograma (o ultrassom do coração), com o objetivo de analisar como estão os batimentos e se o músculo apresenta problema de contração. O cliente recebe alta assim que a atividade coronariana estiver normalizada. 46 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz Andrade. “É comum essa dor aparecer durante o sono, e o paciente achar que é apenas alguma espécie de enrijecimento muscular provocado por tensão.” sinal de alívio É claro que ninguém precisa ficar neurótico com qualquer dorzinha que surgir no tórax. Algumas podem ser causadas por tombos ou acidentes que atinjam as costelas ou a clavícula. Há ainda a dor nas costas crônica, provocada por inflamação na coluna vertebral. Ou ainda a dor acompanhada de chiado e falta de ar, bastante comum em pacientes com asma, enfisema pulmonar e outros males respiratórios. Criador do Portal da Prevenção, um site mantido pela Sociedade Brasileira de Cardiologia para tirar dúvidas sobre doenças cardiovasculares, Moretti diz que dores na região do tórax só devem ser motivo de preocupação quando o paciente já tem histórico de problemas cardiovasculares. “Salvo em casos de defeitos congênitos, indivíduos jovens e saudáveis têm baixa probabilidade de sofrer um enfarte”, afirma. “Em geral, essa doença acomete pessoas com mais de 50 anos e está relacionada a fatores de risco, como hipertensão, tabagismo e excesso de gordura abdominal, por exemplo.” (veja quadro na página anterior) Dariush M./Shutterstock Passo a passo da emergência uma obstrução na artéria coronária anterior, na parte da frente do coração, junto ao peito”, diz Andrade. Se houver uma placa de colesterol ou um coágulo obstruindo a artéria circunflexa, localizada na parte de baixo do coração, logo acima do estômago, o enfartado sentirá azia, queimação e até gazes. “É comum o paciente achar que está com má digestão e ignorar esse mal-estar”, diz Moretti. “Mas, se os sintomas duram mais de 24 horas e a pessoa é fumante, hipertensa ou diabética, é melhor correr logo para o hospital. Só assim será possível dar-lhe medicamentos que interrompam o enfarte e salvem a sua vida.” Se a obstrução for na artéria coronária posterior, localizada na parte de trás do coração, próximo à espinha dorsal, o sintoma é uma dor forte nas costas. “É uma dor reflexa, que vem do coração e passa para a região dorsal”, explica Andrade. “E costuma surgir no momento em que a pessoa está sob forte emoção, ou quando atravessa a rua correndo para pegar um táxi, ou ainda quando está subindo uns lances de escada.” Há um quarto tipo de enfarte, que acomete a região das coronárias diagonais, ligada à artéria coronária descendente anterior. “Nesse caso, a pessoa vai sentir uma forte pressão na mandíbula ou no pescoço”, diz rodando por aí por Airton Ortiz Aventura no topo da África montanha isolada do planeta DarkOne/Shutterstock Jornalista narra as peripécias para escalar os 5.895 metros do monte Kilimanjaro, a maior 48 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 49 Vladimir Kondrachov/Shutterstock ontanha isolada mais alta do mundo e topo da África, o monte Kilimanjaro pode ser visto a, no mínimo, 100 quilômetros de distância. E em fotos de postais, catálogos turísticos e imagens de satélite estampadas. Em qualquer desses casos, o visual é sempre impressionante. Ainda assim, nada que se compare a encará-lo de perto, atravessar suas encostas e, a 5.895 metros do nível do mar, ver as entranhas desse maciço formado por três vulcões extintos. Fica na Linha do Equador, no Parque Nacional Kilimanjaro, fronteira da Tanzânia com o Quênia. A região tem cinco zonas de vegetação, facilmente identificáveis, pois muitas plantas e árvores só crescem em determinadas altitudes. Infelizmente, a primeira zona de vegetação, entre o planalto tanzaniano (800 metros de altitude) e o começo da escalada (1.800 metros de altitude), foi transformada em lavoura pelos chaga, a tribo que vive nas encostas da montanha. O topo também está sob ameaça; lá, os índices de chuva são de deserto, o que dificulta a reposição da geleira que está derretendo pelo calor – a neve do pico, antes tida como “eterna”, deverá derreter completamente em algumas épocas do ano, consequência do aquecimento global. Axel2001/Shutterstock Vladimir Kondrachov/Shutterstock M À medida que o viajante O mida, preparada nos abrigos que existem na montanha: massa, arroz, ovos, banana, leite, café, pão e chás; o outro para transportar minha mochila cargueira com equipamentos pessoais: colchonete de espuma, saco de dormir, lanterna de cabeça, caixinha de primeiros socorros, remédios, protetor solar e roupas quentes para usar no ataque final ao cume da montanha, como gorro, luvas e meias de lã. Eu carrego apenas a mochilinha de mão, com docu- Kilimanjaro fica na fronteira entre a Tanzânia e o Quênia, primeiro dia Montei a expedição para escalar o Kilimanjaro em Moshi (861 metros de altitude), a cidade base para se visitar o parque. Ela fica a 46 quilômetros do Aeroporto Internacional Kilimanjaro, aonde chegam voos diários, via Johanesburgo, na África do Sul. Aluguei um jipe para me levar até a entrada do parque, menos de uma hora de estrada. Contratei um guia, exigência local, e dois carregadores: um deles para transportar nossa co- em região que favorece a escalada em qualquer época do ano, menos entre março e maio 50 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz vai se afastando dos acampamentos mais abaixo no kilimanjaro, ele deixa de observar árvores que compõem uma densa floresta e passa a verificar uma vegetação típica de regiões áridas mentos, um abrigo contra chuva, câmera fotográfica, água e duas barras de chocolate. A entrada do parque e o começo do trekking ficam em Marangu (1.800 metros de altitude). Inicio por uma estradinha que logo se transforma numa trilha larga, com um leve aclive. O caminho vai se estreitando, e a floresta se fecha sobre minha cabeça. As raízes das árvores cruzam o caminho, segurando a terra e formando pequenos degraus. No primeiro dia, percorro a segunda zona de vegetação da montanha, entre os 1.800 metros da entrada do parque e os 2.727 me- tros do local do primeiro acampamento, em Mandara. Passo por uma floresta tropical, muito úmida, com árvores altíssimas, pássaros e bandos de macacos. Chego ao acampamento ao escurecer. As pequenas cabanas estão pintadas de marrom, e no telhado há um captador de energia solar. Ele carrega uma bateria no subsolo, o suficiente para alimentar três bicos de luz em seu interior. Há ainda uma casa maior, usada como refeitório, com uma pequena varanda, ideal para se descansar tomando chá antes do jantar. Eu havia me preparado durante três meses, correndo uma hora por dia e evitando alimentos gordurosos. Agora, curtia o resultado desse esforço, pois caminhara quase 10 quilômetros montanha acima e não estava cansado. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 51 terceiro dia O acampamento fica sobre um pequeno platô, na encosta da montanha. O sol está muito forte, o dia, claríssimo. As nuvens, abaixo do nível das cabanas, formam um lindo tapete branco. Fico horas caminhando pelas redondezas, forçando a aclimatação — o terceiro dia serve exatamente para isso. Impressiona a aridez do local. O chão está coberto de cascalho vulcânico, não há o menor sinal de vida vegetal. Aqui e ali, um roedor foge ao me ver. quinto dia Inicio a subida do cone formado pela cratera que me levará ao cume da montanha. A noite tem uma beleza fria, que vai se intensificando pouco a pouco. As estrelas escoltam a lua cheia, que se desloca numa velocidade igual à minha, como se estivesse, também ela, e só por solidariedade, fazendo sua própria escalada rumo ao outro lado do planeta. Piso no chão fofo, coberto de cascalho quebradiço, e meu pé desliza. A cada passo avanço 10 centímetros, ou menos. E assim vou, horas sem fim. Atinjo a quinta zona de vegetação – a zona do cume: ar rarefeito, incidência direta da radiação solar, temperaturas baixíssimas e nada de água. O terreno muda com o surgimento de enormes pedras, sinal de que me aproximo do cume. Para cada pedra deixada para trás, surge outra maior. E mais uma. E a próxima. Cada vez mais frio, cada vez menos oxigênio, cada vez mais cansado. Com muito esforço, como venho fazendo nas últimas horas, alcanço mais uma pedra, e elas acabam: estou no cume! À minha frente, o enorme buraco da cratera. Ainda é possível sentir umfortecheirodeenxofre e ver a fumaça No início do ataque final ao cume da quarto dia Saio muito cedo. Cruzo um montanha, a mais de 4.700 córrego a 3.940 metros de altitude, provavelmente o rio mais alto do mundo, e entro metros de altura, pedras passam no território das lobélias e dos senécios, a dominar a paisagem, árvores típicas do Kilimanjaro. No meio da e o ar fica cada vez manhã entro na quarta zona de vegetação, que se estende até os 5 mil metros de altitude – a zona mais rarefeito alpina –, bombardeada por altas doses de radiação ultravioleta durante o dia, temperaturas congelantes durante a noite, altas taxas de evaporação e ocasionais nevascas. Entre as plantas que melhor conseguem sobreviver neste ambiente estão os líquens, uma combinação de fungo com alga. Eles evitam o solo ressequido, fixando-se na parte inferior das pedras vulcânicas. A vida animal é tão esparsa quanto a vegetal. Algumas aves de rapina fazem rápidas incursões durante o dia, em busca de insetos, mas poucas outras espécies podem voar num ar tão rarefeito. Cruzo o planalto desértico e, no final do dia, chego ao pequeno refúgio de Kibo (4.703 metros), no pé da cratera, formado por três galpões coletivos e uma cozinha, perdidos acima das nuvens. A temperatura beira zero grau, e a desolação é total. O vento é normal. Janto cedo e me enfio no saco de dormir, pois lá pela meia-noite iniciarei, com outros montanhistas, o ataque final ao cume do Kilimanjaro. Essa será a única parte da escalada que se faz de noite, pois o objetivo é ver o nascer do sol lá de cima. 52 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz Arquivo Pessoal segundo dia Saio cedo e logo entro no terceiro ecossistema da montanha. A paisagem, aos poucos, ganha novos contornos, e de floresta tropical úmida passa para tropical de altitude. As árvores, agora mais raras, têm parasitas em forma de chorão caindo dos galhos. O terreno vai ficando seco e firme. Minhas botas não enterram mais no barro. Passo a usar os bastões de trekking, que me ajudam a manter o equilíbrio do corpo. Os pássaros do dia anterior vão sendo substituídos por aves de rapina, e os macacos, por pequenos roedores que correm entre os grossos capins. Por ter saído da floresta, já posso ver o cume nevado à minha frente, embora esteja a 30 quilômetros de distância. A imagem é lindíssima, principalmente porque define com precisão o objetivo do meu esforço, cada vez mais próximo. Ao entardecer, chego ao acampamento de Horombo (3.780 metros) em meio às nuvens. Além da alimentação adequada, é preciso me hidratar com mais rigor. A altitude e o frio, responsáveis pela baixa umidade do ar, fazem meu organismo perder até 2 litros de água por dia. Preparação para alcançar o pico Alcançar os 5.895 metros do monte Kilimanjaro requer não só esforço físico. Os que se aventuram na escalada devem estar preparados para enfrentar também o frio e a altitude, avisa o infectologista Carlos Lotfi, diretor da unidade Anália Franco do Hospital São Luiz. Ele sabe do que fala: além de médico, é praticante inveterado de trekking e já foi, inclusive, ao pico mais alto da África. “O mais importante é trabalhar o condicionamento físico. Cerca de quatro meses antes da escalada, eu intensifi- quei a esteira e a bicicleta. É preciso estar muito bem preparado para vencer a altitude, que é a principal dificuldade, especialmente a partir dos 4 mil metros”, aconselha. Para contornar os efeitos do ar rarefeito, Lotfi usou um diurético que faz com que a pessoa respire com maior frequência. “Isso acaba compensando um pouco a falta de oxigênio no local”, diz. Com a alimentação foi relativamente fácil: os próprios guias que acompanham os turistas fornecem comida adequa- da. Em relação à bebida, explica ele, é fundamental ingerir 2 litros de água diariamente, para suportar o desgaste e evitar dores de cabeça por desidratação. Líquidos mais quentes, como chá e leite, ajudam a compensar as baixas temperaturas. “Outro ponto importante é guardar energia para o dia de alcançar o pico. É muito desgastante. No meu caso, foram 18 horas de caminhada entre o início da subida e a descida abaixo dos 4 mil metros, quando finalmente descansamos.” SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 53 Quando ir Hotel Principe di Savoia O Parque Nacional Kilimanjaro está a três graus da linha do Equador, podendo ser visitado em qualquer mês do ano. Para quem vai escalar a montanha, melhor evitar os meses de março e maio, devido às chuvas. Uma dica Peter Zaharov/Shutterstock Ao regressar da Tanzânia para a África do Sul, voe via Zanzibar, a famosa ilha das especiarias e lindas praias no oceano Índico. Há voos do Aeroporto Kilimanjaro direto para o local e de lá para Johanesburgo/Brasil. Passeios adicionais Convém que a visita ao parque, que dura uma semana para quem vai escalar o Kilimanjaro, seja combinada com um safári pela região. O ideal seriam três dias, incluindo a área de conservação do vulcão Ngorongoro (a 250 quilômetros de Moshi), onde se podem ver leões, guepardos, hienas, girafas, hipopótamos, rinocerontes, búfalos e muitos outros animais. Quem tiver mais tempo pode estender o safári ao Parque Nacional do Serengueti, passando pela Garganta do rio Olduvai, onde existem os fósseis humanos mais antigos que se conhece. 54 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz expelida do seu interior. A lua cheia, que acompanhara meu sofrimento durante toda a subida, agora me recompensa, iluminando a geleira de Oguro que se forma na borda da cratera. É bonito, mas fico triste. Quando estive aqui pela primeira vez, seis anos antes, era muito maior. Em alguma época do passado, um lençol de gelo cobria toda a parte superior da montanha, 20% da neve que existia no continente africano. As eternas neves do Kilimanjaro não são, contudo, tão eternas assim, pois vêm retrocedendo desde então, limitando-se, atualmente, a cobrir apenas parte do cume. A lua se vai, e do outro lado da montanha surge um ponto luminoso. As fagulhas rasgam o espaço e invadem o meu corpo com calor e vida, devolvendo-me a energia sugada pela terra. Foi o mais belo nascer do sol que vi em toda a minha vida. Placa indica o cume do Kilimanjaro, onde é possível ver as chamadas eternas geleiras, que diminuem de tamanho por causa do aquecimento global