Baixar - Hospital São Luiz

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Baixar - Hospital São Luiz
Ruim da cabeça Saiba quando a cefaleia pode ser sinal de doenças bem mais graves
Para que a pressa? Mesmo quando o bebê está pronto, há bons motivos para não antecipar o parto
n º 3 | a b r i l - j u n h o | 2012
Hora do alerta
Por que o infarto é difícil de diagnosticar
– até por quem já sofreu um
sumário
2 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
04
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42
48
acontece
na rede
Saiba o que
há de novo
nos hospitais
da Rede D’Or
São Luiz
medicina
avançada
Com avanço
na cirurgia
ortopédica, gesso
perde reinado de
dez séculos
viver bem
Quando
reduzir o
estômago
significa
reduzir a
diabetes
cefaleia
O que fazer
se a dor de
cabeça não for
apenas uma
dorzinha
de cabeça
primeiros
cuidados
Por que, mesmo
no final da
gravidez, uma
semana a
mais faz muita
diferença
planeta
saudável
Aquecimento
global, como
indica o nome,
afeta a todos.
Mas crianças
sofrem mais
emergência
Difícil de
diagnosticar,
o enfarte pode
ser confundido
até com
má digestão
rodando por aí
A aventura
de chegar
ao pico mais alto
da África –
um cartão-postal
em risco de
extinção
38
56
diagnóstico
Haggéas
Fernandes
leva às UTIs
uma formação
eclética e uma
preocupação
humana
unidades
e médicos
Os hospitais
da Rede D’Or
São Luiz e
os profissionais
que contribuíram
com esta
edição
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 3
Acontece na rede
CENTRO DE ONCOLOGIA
Parceria com
pesquisadores de
instituições de ponta
Rede faz tratamento inovador na América Latina
O Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), criado em 2010 no
Rio de Janeiro, mantém parceria
com universidades importantes,
como a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Estadual do Rio de
Janeiro (Uerj) e a Federal Fluminense (UFF), e com instituições
de pesquisa, como a Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro (Faperj) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Sem fins lucrativos, o instituto
é voltado à pesquisa clínica e
translacional (que alia a medicina às ciências básicas). Também
dedica-se ao ensino, com quatro
programas de residência médica
(Cardiologia, Medicina Intensiva,
Pediatria e Radiologia) e um de
pós-graduação lato sensu em neurociências.
Nicola Labate
INSTITUTO D’OR
HOSPITAL E MATERNIDADE SÃO LUIZ
São Luiz Itaim inaugura Smart Track com sucesso
O pronto-socorro da unidade Itaim adotou o sistema Smart Track. Nele, a triagem
dos pacientes é feita com mais agilidade por uma equipe multiprofissional. Em
caso de emergência, o paciente imediatamente recebe o atendimento necessário.
Se a classificação de seu quadro for simples ou dependente de uma avaliação mais
profunda, ele é encaminhado diretamente para salas onde passará por cuidados
médicos. Nas unidades Anália Franco - onde o método foi adotado no final do ano
passado - e Itaim o resultado tem se mostrado eficaz e o tempo de espera nas
recepções diminuiu consideravelmente. “Além de manter um excelente nível para
os pacientes graves, conseguimos oferecer atendimento em tempo menor”, diz o
diretor geral, Rodrigo Gavina. Em julho, o sistema também será adotado na unidade Morumbi do São Luiz.
HOSPITAL JOARI
O Hospital Joari, no bairro carioca de Campo Grande (zona oeste do
Rio de Janeiro), prepara-se para se transformar na principal referência médica de uma das regiões que mais crescem na cidade. Está em
processo de certificação pela Organização Nacional de Acreditação e
passa por obras de expansão, que ainda neste ano ampliarão a quantidade de leitos de 147 para 210. Também em 2012 haverá a implantação de uma nova área de emergência, a modernização do centro
cirúrgico e um novo setor de imagens. Estão previstas ainda a criação
de um setor de hemodinâmica, a ampliação do Laboratório de Análises Clínicas e das UTIs Neonatal e Pediátrica, além da criação de um
Centro de Terapia Intensiva com 16 leitos.
6 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
Fotos Divulgação
Ampliação na zona oeste do Rio de Janeiro
O Centro de Oncologia D’Or, anexo ao hospital Quinta D’Or, no Rio de Janeiro, realizou, em maio, a primeira radiocirurgia de fígado da América Latina. O
procedimento para metástase hepática foi feito em conjunto com a Radiologia
Intervencionista do hospital, através do implante de três fiduciais de ouro, IGRT
e rastreamento respiratório (gating respiratório). “O procedimento, aplicado em
portadores de metástase no fígado, no pâncreas ou no pulmão, é menos invasivo e permite que o paciente retome mais rapidamente sua rotina”, destaca o
oncologista e radiologista Felipe Erlich, coordenador da seção de Radioterapia
do Centro. Além disso, é usado em casos não resolvidos por cirurgias convencionais. Segundo o médico, o procedimento aconteceu sem intercorrências, e o
paciente tolerou muito bem o tratamento – que, em geral, dura três semanas.
As etapas de implementação médica e física do procedimento foram registradas e enviadas ao Congresso da Sociedade Brasileira de Radioterapia, rendendo
dois trabalhos científicos ao Centro de Oncologia.
HOSPITAL RIOS D’OR
Cirurgia sem corte
O Hospital Rios D’Or tem uma
área especializada em cirurgia
por vídeo. A equipe, coordenada
pela médica Tatiana Alvarez, atende casos em ortopedia, urologia,
cirurgia geral e de emergência,
como retirada de apêndice. Essa
técnica é menos invasiva que a
operação usual. No lugar do corte, o cirurgião faz três furinhos.
Por um deles passa a câmera e,
pelos outros dois, as pinças que
serão seu instrumento de trabalho.
“Como as incisões são menores, a
cicatrização é mais rápida. Isso
diminui o tempo de internação
e o período em que o paciente
ficará sob efeito da anestesia. O
risco de infecções também cai,
e a volta do paciente à rotina
é mais precoce”, explica Tatiana. As contraindicações a esse
tipo de cirurgia são raras, mas
podem acontecer em pessoas
com problemas pulmonares. O
indivíduo passa por uma série
de exames para atestar que está
apto a prosseguir.
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 7
acontece na rede
HOSPITAL E MATERNIDADE BRASIL
Nível de qualidade inédito na região do ABC paulista
O Hospital e Maternidade Brasil, de Santo André (SP), conquistou o selo nível 3 da Organização Nacional
de Acreditação (ONA). Tornou-se, assim, o único da região do ABC paulista a contar com esse padrão de
certificado, que constata a qualidade do serviço prestado e dos controles de riscos clínicos e não clínicos.
O processo inclui visitas frequentes de equipes da ONA, que preparou um relatório com as exigências necessárias.
“O reconhecimento é resultado do compromisso com o paciente e com o trabalho desenvolvido por cada
médico, cada colaborador e cada pessoa que, direta ou indiretamente, contribui para a excelência do serviço prestado por nós”, afirma Ana Gargalak, administradora da área de qualidade do hospital.
Em maio, a instituição também recebeu a Certificação Diamante Cirurgia Segura, concedida pela 3M do
Brasil em reconhecimento a profissionais, unidade de centro cirúrgico e instituição que seguem boas práticas em procedimentos cirúrgicos.
HOSPITAL COPA D’OR
Seis anos de pioneirismo
Fotos Divulgação
Fotos Divulgação
A Unidade Neurointensiva do Hospital Copa
D’Or, no Rio de Janeiro, completa seis anos
em 2012. Pioneiro no Estado, o local oferece
atendimento multidisciplinar em complicações
neurológicas, o que aumenta as chances de
recuperação dos pacientes. Em razão de sua
acentuada especialização, a unidade é uma
das que mais tratam pacientes com esse tipo
de doença no Rio de Janeiro – foram cerca de
100 ao longo dos últimos anos.
8 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
medicina avançada por Leonardo Guariso e Manuel Alves Filho
Aposentadoria do
Shutterstock
Usado há séculos pela medicina em imobilizações, o material tem
sido frequentemente substituído pelas cirurgias – mais rápidas para
reabilitação do paciente
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por muito tempo, crianças e adolescentes
cultivaram um hábito quase obrigatório com colegas que estivessem imobilizados em razão de um trauma ortopédico,
principalmente em braços e pernas. Como ato de solidariedade ao acidentado, autografavam o gesso, deixando mensagens
bem-humoradas com desejos de pronto restabelecimento. Esse
hábito não está propriamente ameaçado de extinção, mas já
não é tão comum quanto antes: gradualmente, a órtese vem
sendo substituída por cirurgias.
Um caso exemplar foi o do jogador de vôlei Giba, que em fevereiro deste ano operou uma fratura na tíbia (osso da canela).
Em maio, já estava liberado para os treinamentos. Se tivesse
colocado gesso, o prazo não seria tão curto: passaria de dois
a três meses com a tala, para só depois iniciar a fisioterapia –
tempo demais para um atleta de seu nível, eleito seis vezes o
melhor do mundo.
Com o desenvolvimento das técnicas cirúrgicas e a ampliação
do conhecimento sobre a cicatrização dos ossos (chamada de
consolidação), aumentou o número de casos para os quais se
indica operação, segundo o ortopedista Fernando Brandão de
Andrade e Silva, do Instituto de Ortopedia
e Traumatologia da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP).
“Isso visa justamente o conforto do paciente, que fica imobilizado por menos tempo e
com resultados melhores”, complementa o
também ortopedista Lucas Leite Ribeiro, da
unidade Morumbi do Hospital São Luiz, de
São Paulo. “Há menor incidência de deformidades e melhor recuperação do membro
afetado. Além disso, a mobilidade volta em
menos tempo”, explica Ribeiro.
O princípio da cirurgia é o mesmo do gesso: imobilizar. A diferença é que ela atua internamente. Fixada ao osso, uma placa de
metal estabiliza a área fraturada e permite
a regeneração óssea. Como age no ponto, a
reparação é mais rápida. No tratamento de
fratura na tíbia, por exemplo, coloca-se uma
haste de metal dentro do osso, para alinháSuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 11
lo. Enquanto o trauma é consolidado, as articulações estão livres
para se mexer; assim, não sofrem o enrijecimento natural provocado pelo uso pouco intenso. Quando o problema atinge o maior
osso do corpo, o fêmur, o tempo até voltar a andar varia de uma a
duas semanas com cirurgia; com gesso, são dois meses até o primeiro passo, segundo Andrade e Silva. A recuperação de
uma ruptura na clavícula também é mais rápida com
operação (duas semanas, ante um mês e meio
com tipoia). “Claro que a consolidação varia
de osso para osso e de acordo com o tipo de
fratura”, pondera o médico Fernando Baldy,
chefe de traumatologia da Escola Paulista
A
da Medicina, vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O tempo de recuperação tem impacto direto
nos músculos, que foram feitos para o estica
e puxa habitual. Quando imóveis, tendem
a atrofiar-se, o que dificulta ainda
mais a reabilitação – pode-se
perder até 8% da massa
muscular por dia. Por
isso, o uso do gesso é
comumente descartado no tratamento
deatletas,queteriam
de enfrentar o dobro
do tempo para se recuperar. “Atualmente,
tratar tendinites, lesões
de ligamentos e distensões
musculares com imobilização
total representa uma perda de tempo importante”, afirma o fisioterapeuta Felipe Ribeiro Mascarenhas, membro da Sociedade
Brasileira de Estudos da Dor.
Em algumas situações, a operação traz benefícios de longo prazo. Uma fratura intraarticular (na região das juntas, como joelho,
cotovelo e tornozelo), se tratada com cirurgia, permite o melhor alinhamento do osso.
Isso diminui as chances de artrose, doença
causada por irregularidade na cartilagem das
articulações. “O funcionamento da articulação fica mais próximo do normal”, explica
Andrade e Silva. Com o gesso, chegar a esse
nível é quase impossível.
operação tem
o mesmo princípio da
órtese: imobilizar. Mas atua
internamente e age diretamente
na área com problema,
o que agiliza a
Um velho conhecido
O gesso é conhecido e usado há milênios pelo homem, originalmente nas atividades de
construção. Escavações arqueológicas feitas na Síria e na Turquia revelaram que o material já era empregado na confecção de afrescos decorativos, no preparo do solo e na
fabricação de recipientes por volta de 8000 a.C. Também foram encontradas nas ruínas
da cidade de Jericó (Cisjordânia), datadas de 6000 a.C., evidências do uso do gesso em
modelagens. O material serviu, ainda, à construção de elementos que compõem a grande
pirâmide de Quéops, no Egito.
De acordo com estudo publicado pelo fisiatra Demétrio Praxedes Araújo, membro da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, o gesso começou a ser empregado
na medicina, mais especificamente pela ortopedia, no século 10.
Com o decorrer do tempo, sua aplicação ganhou cada vez mais espaço. No século 18, por
exemplo, o uso na construção tornou-se tão comum na França que praticamente todos os
edifícios da época contavam com o material em sua estrutura.
Vendido normalmente na forma de um pó branco, o material é produzido a partir de um
mineral chamado gipsita, composto basicamente de sulfato de cálcio hidratado. Quando
esmagada e aquecida, a gipsita perde água, formando o gesso. Ao ser novamente misturada com água, endurece rapidamente, assumindo a forma definitiva após 8 a 12 minutos.
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ainda na ativa Várias fraturas podem
ser operadas, mas em alguns casos ainda vale a pena recorrer a gesso e órteses. Lucas
Leite Ribeiro, do São Luiz, explica que as
principais variáveis são a idade do paciente
(em crianças, frequentemente opta-se por
gesso), a classificação da fratura, se ela é exposta ou fechada e os riscos envolvidos. “Em
geral, a órtese, inclusive o gesso, é indicada
quando o osso não sofreu nenhum desvio
de posicionamento”, aponta o ortopedista
Trajano Sardenberg, professor da Faculdade
de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu (SP).
Mesmo em alguns desses casos, porém,
o gesso também perde terreno. “Ele tem sido substituído cada vez mais por produtos
Skyhawk/Shutterstock
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recuperação
com tecido, metal e especialmente plástico,
que proporcionam uma série de vantagens”,
afirma o médico José Luiz Amin Zabeu, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(PUC-Campinas). O problema é que esses
recursos mais modernos são caros, o que faz
com que boa parte da população não tenha
acesso a eles.
De qualquer modo, embora materiais modernos estejam sendo aplicados cada vez
mais na recuperação de fraturas e torções,
o gesso ainda cumpre papel importante em
vários casos. Costuma ser a melhor opção em
fraturas no meio do osso, especialmente se o
paciente for criança, que tem uma capacidade de regeneração maior que a dos adultos.
Em comparação aos produtos alternativos,
o gesso também é mais adequado quando a
órtese não pode ser removida durante toda
a recuperação do paciente, como em fraturas de tíbia que não podem ser operadas.
“Na fratura de tíbia, é interessante colocar o
gesso de modo que ela fique adequadamente posicionada para a regeneração”, afirma
o ortopedista Paulo Barbosa, coordenador
do setor de Ortopedia do Hospital Quinta
D’Or, do Rio de Janeiro.
O gesso é indicado ainda na correção de
deformidades nas crianças como pé torto congênito. Essa patologia exige trocas periódicas,
o que seria inviável no caso de uma órtese de
fibra de vidro, por exemplo, no mínimo cinco vezes mais cara que o gesso tradicional.
Além disso, também é a melhor opção para
contusões e inflamações nas articulações,
porque é feito sob medida para os contornos
do corpo do paciente. “Quanto mais próxima
da extremidade está a fratura, mais provável
que seja tratada com gesso. Por isso é que se
usa mais gesso para fraturas no pé ou na mão
do que no joelho ou no cotovelo”, explica
Ribeiro, do Hospital São Luiz.
Por ser fácil de manipular – e barato, em
comparação com as alternativas disponíveis
no campo médico – o material ainda deve
continuar sendo usado por bom tempo pela
medicina, avalia Zabeu, da PUC-Campinas.
“Desde que corretamente recomendado e
aplicado, ele cumpre de modo adequado, por
exemplo, a função de imobilizar o membro
ou estabilizar a articulação”. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 13
viver bem por Chantal Brissac
Menos
estômago,
menos
diabetes
tipo 2 pode ser minimizada ou até eliminada por meio da cirurgia bariátrica
NoomHH/Steve Collender/Shutterstock
Uma das doenças que mais preocupam atualmente, a diabetes
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Federação Internacional de
Diabetes estima que, daqui a duas décadas, nada menos que 380
milhões de pessoas ao redor do planeta terão diabetes – 54% a mais
do que hoje. No Brasil, são 21 milhões de diabéticos, segundo uma
pesquisa por amostragem feita nas cinco regiões do país. Trata-se
de 11% da população brasileira. “Chega a ser um problema de
saúde pública”, destaca o médico Luiz Vicente Berti, médico do Hospital e Maternidade São Luiz,
especialista em cirurgia bariátrica e metabólica e um dos coordenadores desse estudo,
apresentado em 2009 no Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e
Metabólica, em São Paulo.
Berti destaca que, dessa parcela, poucos
nascem com a doença (diabetes do tipo 1);
a maior parte (78,7%) é portadora do tipo 2,
aquele que se desenvolve ao longo da vida. Essa
fatia considerável é que está na mira da medicina,
que encontrou uma resposta eficiente para alguns
casos da enfermidade: a cirurgia bariátrica, popularmente
conhecida como “operação de redução do estômago”.
Cerca de 90% dos portadores da diabetes tipo 2 são obesos ou estão
pelo menos acima do peso. Os graus mais acentuados de obesidade
associam-se, ainda, a outras moléstias, como a hipertensão arterial
sistêmica e as dislipidemias. “A cirurgia bariátrica é um método eficiente por provocar a perda de peso e controlar as comorbidades
nesses pacientes”, resume Berti, que é membro do Conselho Executivo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica
e da Federação Internacional de Cirurgia de Obesidade.
Um dos maiores pesquisadores brasileiros sobre a doença, Berti
conta que o combate ao excesso de peso foi o objetivo principal da
técnica, desenvolvida em 1954, quando o cirurgião norte-americano
A. J. Kremen fez seus primeiros experimentos. Não por acaso, ela
ganhou o nome que tem: “baros”, em grego, significa “peso”.
“Com o tempo e depois de milhares de pacientes operados, novas
descobertas científicas apontaram para outras direções”, afirma
o médico. Ele se refere às pesquisas feitas na Suécia, em 1995, que
revelaram que a cirurgia não favorecia apenas os pacientes com
efeito na insulina A descoberta de
que o procedimento melhorava a diabetes
veio com modelos cirúrgicos que mexiam um
pouco no intestino e também no estômago,
conta o médico Sérgio Santoro, do Departamento de Gastroenterologia da Associação
Paulista de Medicina. “Essas técnicas alteram a produção dos hormônios do intestino,
tanto os responsáveis por reduzir o estímulo
para começar a comer como os que levam à
saciedade. E isso tudo acaba intensificando
a produção de insulina. Ou seja, a diabetes
melhora ou some completamente.” É o caso do hormônio GLP-1, produzido pelo
intestino quando ali chega um
alimento: essa substância
aumenta a saciedade e
também estimula a
síntese de insulina
pelo pâncreas para
dar conta do açúcar.
A cirurgia controla a síndrome metabólica como um todo,
incluindo o resultado
final dela, que é a diabe-
16 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
eGraphia/Shutterstock
Pouco
mais de 20
milhões de brasileiros
são diabéticos, sendo que
quase 79% têm o tipo 2 da
doença, aquele que o paciente
desenvolve ao longo
de sua vida
Cada vez mais comuns
A diabetes tipo 1 é uma das doenças crônicas mais
comuns na infância e cresce cerca de 3% ao ano em
crianças na fase pré-escolar. Nesse tipo, as células do
pâncreas que fabricam insulina, o hormônio que ajuda
a glicose a entrar nas células, foram destruídas. Já na
diabetes tipo 2 a produção da insulina não é suficiente ou
as células não conseguem aproveitá-la da melhor forma.
É o fenômeno da resistência à insulina. Geralmente, são
os quilos a mais na balança que dificultam a absorção
da glicose pelas células.
Tida antes como uma doença de adulto, ela vem crescendo
em taxas alarmantes em crianças e adolescentes, como
consequência da epidemia mundial de sedentarismo, da
obesidade e de maus hábitos alimentares. Somem-se a
esses fatores os diagnósticos inadequados e tardios,
e tem-se uma das doenças mais comuns atualmente.
Mesmo assim, a diabetes tipo 2 ainda se caracteriza por
ser mais tardia – aparece, em geral, após os 45 anos.
Os fatores de risco são obesidade, hipertensão arterial,
histórico familiar e sedentarismo, entre outros.
Nos dois casos de diabetes, o excesso de glicose no sangue traz vários problemas que, se não forem controlados,
podem levar à morte. No Brasil, a diabetes responde por
40% das mortes por doenças cardiovasculares.
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A
obesidade mórbida, mas também os que tinham doenças ligadas ao metabolismo, como diabetes tipo 2, pressão alta, gordura no
fígado, ácido úrico elevado e alterações do
colesterol e dos triglicérides.
tes tipo 2. “Ela ajuda no controle de todas as doenças metabólicas:
colesterol, triglicerídeos, esteatose hepática, diabetes melitus tipo
2 (DM2). Mas a doença de maior gravidade e de mais difícil controle clínico é o DM2, por isso esse impacto é maior”, explica Berti.
Com o tempo, os casos de pacientes operados que apresentavam
níveis adequados da glicemia, do colesterol e dos triglicérides – e
até chegavam a suspender remédios – passaram a ser cada vez mais
frequentes. A tendência também se refletiu no nome: a prática passou a ser chamada de cirurgia bariátrica e metabólica.
Há vários tipos, mas a mais realizada no mundo é a
gastroplastia redutora com desvio intestinal, que,
além de reduzir o estômago, agiliza o transporte
da comida até a porção mais à frente do intestino, liberando as incretinas, que atuam
no metabolismo da glicose. Essa é também
a mais eficaz no tratamento da diabetes
tipo 2, segundo o médico Antonio Claudio Jamel Coelho, especialista em cirurgia
digestiva e bariátrica que atende pacientes
nos hospitais Badim e Barra D’Or, ambos da
Rede D’Or São Luiz, no Rio de Janeiro. “O
ponto central do tratamento do obeso diabético é a perda de peso. Por isso, todas as
cirurgias melhoram a doença, no entanto,
o desvio intestinal é um fator de melhora
independente da perda de peso.”
Não é em todos os casos que a doença
desaparece. Jamel observa que, de acordo
com os novos critérios da American Diabetes
Association, a taxa de eficiência
depois da cirurgia é de 45%.
Esse percentual se refere ao resultado de um
exame básico para
verificar os níveis
glicêmicos do paciente, a hemoglobina glicada, que deve
ficar abaixo de 6,5%
para ser considerada
normal. Mas por outro
parâmetro, ele ressalta, o
resultado pode ser considerado
bem maior: “Posso dizer que 100% dos pacientes melhoram significativamente, isto
é, reduzem as doses das medicações e experimentam taxas de glicose mais estáveis”,
afirma o médico. “Quando a obesidade é o
fator mais importante na gênese da diabetes, a cirurgia é completamente eficaz.
Em indivíduos não tão obesos, parecem
existir outros mecanismos envolvidos.”
Os tipos de cirurgia bariátrica
Restritivas diminuem a quantidade de alimentos que o estômago é capaz de comportar. As mais realizadas são a banda gástrica, colocação de um anel ajustável logo
abaixo da transição esofagogástrica, e a gastroplastia em Y de Roux com ou sem anel,
que transformam uma porção do estômago em um pequeno reservatório (cerca de 30
ml), diminuindo bastante a quantidade de alimento ingerido. Também promovem uma desabsorção de parte dos alimentos através de um desvio no trânsito do intestino delgado.
Disabsortivas reduzem a capacidade de absorção do intestino. São procedimentos
com indicações mais selecionadas que levam a um processo de maior desabsorção alimentar.
Técnicas mistas com pequeno grau de restrição e desvio curto do intestino. Uma
delas é a duodenal switch, associação entre um tipo de diminuição do estômago e desvio
intestinal. Nessa cirurgia, 85% do estômago é retirado, porém, a anatomia básica do órgão e sua fisiologia de esvaziamento são mantidas. O desvio intestinal reduz a absorção
dos nutrientes, levando ao emagrecimento.
18 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
última escolha Mas será que vale a
pena se submeter à cirurgia, com todos os
riscos que uma operação envolve, para se
livrar da diabetes? O que todos os médicos
preconizam é que os pacientes se submetam
à cirurgia apenas se já tentaram, sem sucesso, vários tratamentos clínicos e nutricionais. A primeira recomendação é sempre a
adoção de hábitos saudáveis, com nutrição
controlada e atividade física regular. Depois,
vem a aposta nos medicamentos. Só quando o resultado não aparece em nenhuma
dessas condições parte-se para o procedimento cirúrgico.
O presidente da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Ricardo
Cohen, doutor em cirurgia pela Universidade de São Paulo, frisa que a atividade física
é fundamental para controlar a diabetes.
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Veniamin Kraskov/Shutterstock
O
diabético pode
voltar a desenvolver
a doença mesmo após a
cirurgia; para evitar isso precisa
fugir da alimentação ruim
e do sedentarismo,
por exemplo
“Quanto maior for a massa muscular, mais
consumo de glicose existe; quanto maior for
a atividade física, maior será o gasto da glicose, abaixando o açúcar no sangue.”
Mesmo quem se submeteu à cirurgia não
pode achar que está tudo resolvido e se esquecer da nutrição balanceada e dos exercícios. “Se não forem feitas alterações importantes no estilo de vida, a diabetes pode
voltar, sim”, alerta Jamel, da Rede D’Or São
Luiz. “Outros fatores importantes para uma
chance maior de retorno são idade maior
que 60 anos e tempo de doença maior que
10 anos”, acrescenta.
A indicação médica mais comum é operar
apenas quem tem Índice de Massa Corporal
(IMC) maior que 35 ou 40. Cohen, um dos especialistas que pesquisam a cirurgia bariátrica em pacientes com IMC abaixo de 30,
aponta mais um fator a considerar: os níveis de peptídeo C, que
indicam se a cirurgia pode ser a saída ou não.
“A dosagem da substância determina se o diabético ainda é capaz de fabricar insulina. Se não for mais, porque desenvolveu diabetes tipo 2 há muito tempo, a cirurgia bariátrica já não servirá
para ele”, explica.
Ainda que o procedimento reduza muito a mortalidade por efeitos
ligados à diabetes, ele envolve riscos. As complicações mais comuns
nesse caso são as infecções da ferida operatória, a reabertura de feridas
antes fechadas, fístulas, úlceras, doenças pulmonares, tromboflebite (formação de coágulo em razão de inflamação da parede de uma
veia). As vantagens são inúmeras, mas os riscos não são desprezíveis.
O melhor, como sempre, é o paciente avaliar seu caso com o médico
para que se tome a melhor decisão caso a caso. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 19
especial por Verônica Couto
Um bicho de
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Distúrbio de saúde mais comum no mundo, a dor de cabeça se
desdobra em vários tipos, inclusive em alguns que são sintomas
de doenças bem mais graves que a simples cefaleia
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P
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ara o poeta sueco Tomas Tranströmer,
Prêmio Nobel de Literatura no ano passado, a dor de cabeça é um
lugar da casa, é toda a casa, até uma cidade inteira, de onde não se
consegue sair. “A dor de cabeça é um quarto onde tenho que ficar
enquanto não consigo pagar o aluguel de outro lugar. Cada cabelo dói
até ficar grisalho”, escreve ele em “A casa da dor de cabeça”. Outro
poeta, o brasileiro João Cabral de Melo Neto, combateu por tantos
anos as dores de cabeça que homenageou sua principal aliada nessa luta com o poema “Num monumento à aspirina” (“Claramente:
o mais prático dos sóis, / o sol de um comprimido de aspirina:/ de
emprego fácil, portátil e barato”).
Não é à toa que ela é cantada em prosa e verso: trata-se do distúrbio de saúde mais comum do mundo, segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS). E não é uma, mas uma legião – são mais
de 200 tipos. Algumas são elas próprias a doença, como as enxaquecas; e há as que refletem sintomas de outros problemas, como
a meningite ou tumores, que a automedicação – condenada por
todos os especialistas – pode perigosamente mascarar.
“As dores de cabeça são provavelmente as dores mais comuns
que levam as pessoas a procurarem auxílio médico”, diz o neurologista Bernardo Liberato, chefe do serviço de neurologia vascular
e coordenador da unidade neurointensiva do Hospital Copa D’Or,
no Rio de Janeiro. “Com as lombares ou de coluna, é a causa mais
frequente de dores recorrentes na sociedade moderna e fator importante de impacto nas atividades profissionais, especialmente
na população ativa.”
De acordo com a neurologista Celia Roesler, da Sociedade Brasileira e Internacional de Cefaleia, 93% da população brasileira já
sentiu dor de cabeça. Desse total, diz ela, 31% precisariam de tratamento médico por enfrentarem distúrbios que, em momentos
de crise, levam até à incapacidade funcional. As mulheres sofrem
mais: 76% delas relatam pelo menos uma dor de cabeça ao mês, em
comparação a 57% dos homens.
A mais comum, diz Celia, é a cefaleia tensional episódica, de leve a moderada, registrada por 90% das pessoas. “Acontece quando se dormiu pouco, trabalhou ou bebeu demais, ou se passou por
algum estresse”, explica. “Não é uma dor que lateje. Trata-se de
uma tensão neuromuscular, uma disfunção de serotonina que repercute no músculo. Não precisa nem adianta tomar calmante,
apenas analgésico.”
Mas isso sempre após a consulta a um médico. A automedicação,
muito comum entre os consumidores, acarreta efeitos colaterais
(especialmente no fígado e no estômago), confunde ou mascara
os sintomas de doenças graves, manifestos nas dores de cabeça, e
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 23
excesso de álcool também contribui para evitar enxaquecas. Mas
uma variação hormonal, por exemplo, pode detoná-la. Razão por
que esse tipo agudo de dor de cabeça predomina nas mulheres.
“Ela pode começar na menarca (a primeira menstruação), piora
nos períodos que antecedem e durante a menstruação, e acaba na
menopausa”, diz a neurologista da SBC.
latejante Já a enxaqueca pode durar
de quatro a 72 horas. Começa fraca e vai piorando, a ponto de dificultar muito a execução
de atividades rotineiras. As crises podem vir
acompanhadas de vômitos e tonturas, desidratação e fraqueza. Pioram com incidência
de luz, cheiros, barulhos e movimento. Melhoram com repouso, pouca luz, silêncio e,
claro, analgésicos.
Por que acontecem? “É uma disfunção
química cerebral, muitas vezes hereditária”,
responde Celia. Durante a crise, há geralmente
uma descarga de adrenalina, substância que
contrai vasos sanguíneos. O que dói, efetivamente, são os vasos situados entre a calota
craniana e o couro cabeludo. “Esses vasos,
primeiro, se contraem. Quando
se dilatam, provocam a dor.
Além disso, caem os níveis de serotonina, o
que pode gerar uma
parada peristáltica,
no estômago, o que
explica o enjoo. É
uma doença de muitas facetas – mexe
com o humor, com o
labirinto, dando tonteira
e taquicardia, devido à vasoconstrição.”
A enxaqueca tem tratamento. Se o histórico das dores é relativamente curto (quatro
ou cinco anos desde a primeira ocorrência),
Celia acredita que seja possível até curá-la.
Mas casos crônicos, com dez, 20 anos, costumam exigir medicamentos para controle.
Também há métodos preventivos, que dependem do perfil do paciente. Liberato, do Copa
D’Or, lembra que há pesquisas com terapias
alternativas, como acupuntura. “Contudo,
frequentemente é necessária uma combinação
de terapias para a abordagem bem-sucedida
das cefaleias crônicas”, diz ele.
Uma rotina com atividades físicas, alimentação balanceada, sem cigarro e sem
de chutar cadeira Se as mulheres sofrem com mais frequência, devido à variação dos hormônios – a enxaqueca acomete cerca
de 20% das mulheres e 6% dos homens, segundo o levantamento
apresentado pela neurologista Eliana Melhado no 25º Congresso
Brasileiro de Cefaleia, em 2011 –, a pior dor de cabeça atinge principalmente o público masculino.
“Pesquisas apontam que mais dolorosa do que cólica renal, de vesícula, é a cefaleia em salvas – ou cefaleia de Horton”, afirma Celia.
As causas que a desencadeiam não são conhecidas. Mais frequente
em homens, geralmente fumantes, a partir dos 30 anos (embora
apareça também em adolescentes), surge de forma sazonal. Pode
acontecer uma vez por ano, com duração de três meses e em ciclos
de uma a oito crises por dia, que variam de 15 a 180 minutos. “É uma
dor lancinante, como se um ferro em brasa perfurasse o cérebro.
Sempre do mesmo lado, alcança fronte, o olho – que fica vermelho,
lacrimeja. A pálpebra pode cair, a narina entope ou escorre. Na
hora da crise, o paciente é capaz de chutar coisas, jogar
a cadeira longe. Por isso, é importante interrompêla rapidamente.”
A dificuldade de diagnosticar a cefaleia em
salvas tem sido muitas vezes motivo de sofrimento dos pacientes. Seu tratamento envolve medicações injetáveis subcutâneas e
inalação de oxigênio.
Zenphotography/Shutterstock
Estimativas
da Sociedade
Brasileira de Cefaleia
sugerem que 93% da
população brasileira
já foi pelo menos uma
vez afetada pelo
problema
24 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
Michael Pettigrew/Shutterstock
também faz com que elas se tornem crônicas.
“Quando há uma dor moderada, o cérebro
produz endorfina. Na pessoa que toma muito
analgésico, o cérebro se acomoda e vai pedir
cada vez mais o remédio. É o chamado efeito
rebote”, afirma Celia.
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 25
Kovalev Sergey/Shutterstock
esse histórico, sente uma dor intensa, às vezes
com desmaio, pode ser um aneurisma que se
rompeu. Uma dor que começa mediana e, no
período de um mês, vai aumentando progressivamente, ao mesmo tempo em que se notam
dificuldades de coordenação motora – lábios
repuxados, por exemplo –, pode ser sintoma
de um tumor cerebral.”
Para Liberato, do Copa D’Or, a dor de
cabeça pode ser sinal de algo mais grave,
especificamente, de um sangramento ou
tumor cerebral, ainda que isso seja menos
comum. “Quem tem dor de cabeça crônica
deve se preocupar caso a característica da
dor tenha mudado radicalmente”, alerta.
“Naqueles que nunca tiveram uma dor intensa, seu aparecimento deve sempre ser
investigado, especialmente quando o início é
muito súbito e forte, o que pode representar
um sangramento cerebral.” A presença de
febre e cefaleia intensas também deve ser
investigada, destaca o neurologista, porque
pode significar um quadro infeccioso cerebral, como meningite.
Quando o problema inclui áurea – alterações visuais e sensitivas, efeito da
contração dos vasos –, o paciente enxerga manchas
escuras, “cobrinhas”
cintilantes, desenhos
geométricos. Casos
assimpodemparecer
derrame,poisprovocam dormência no
corpo. Celia aponta,
contudo, que na dor
de cabeça com áurea a
dormência é progressiva
e acontece apenas de um lado,
começando pela mão, subindo pelo braço,
metade do rosto e da língua. Esses sintomas
costumam levar de 15 a 40 minutos, para que
então a cefaleia se instale. No derrame, diferentemente, a dormência– generalizada – e
a dor acontecem ao mesmo tempo. Isso não
quer dizer que dor de cabeça com áurea
seja desprezível. “Quem tem enxaqueca
com áurea e toma anticoncepcional oral
tem maiores riscos de sofrer um acidente
cardiovascular (AVC); se for fumante, o
risco dobra, porque o comprometimento
cardiovascular é muito grande.” A
dor de cabeça
mal sinal Em alguns casos, a dor de cabeça
que é sintoma de
pode ser muito mais que uma dor de cabeça.
doenças mais graves
“Cefaleias explosivas, que surgem abruptaé chamada de cefaleia
mente, em segundos ou minutos, atingindo
a intensidade máxima instantaneamente,
secundária. Quase sempre
sugerem a ruptura de um aneurisma arteé aguda e aparece de
rial intracraniano ou de outras malformações
vasculares”, escreve, em artigo publicado em
repente
abril do ano passado na revista Ciência e Cultura,
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o
neurologista Jose Speciali, professor da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto, ligada à USP.
“A cefaleia aguda, que leva o paciente a procurar por um atendimento emergencial, ou uma cefaleia de aparecimento recente
na vida do paciente, deve ser sempre interpretada como sinal de
alerta. A possibilidade de ser uma cefaleia secundária é grande, e,
dependendo da doença causadora da cefaleia, as complicações podem ser graves e mesmo fatais”, aponta Speciali, que coordena o
Serviço de Cefaleia e Algias Craniofaciais do Hospital das Clínicas
de Ribeirão Preto.
“Se a pessoa nunca teve dor de cabeça, e ela se instala rapidamente,
com rigidez de nuca, febre e vômito em jato, pode ser uma meningite”, complementa Celia. “Se o paciente, com 50 anos, também sem
26 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
primeiros cuidados por Paula Montefusco
Vale a pena
esperar
Zdenek Rosenthaler/Shutterstock
Mesmo quando
não há mais risco
de prematuridade,
cada semana a
mais de gravidez
diminui as chances
de complicações no
recém-nascido
28 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 29
30 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
Parto
normal
permite
evolução
natural do
nascimento
Carlos Eduardo Corrêa, ligado ao Conselho
Internacional de Certificação de Consultores em Amamentação.
Apesar das eventuais dificuldades iniciais,
o bebê precoce não corre tantos riscos como o prematuro. As crianças nascidas antes da 37ª semana geralmente enfrentam
problemas mais graves, como dificuldade
de controlar a temperatura corporal e incapacidade de sucção.
trabalho de parto Uma parcela
dos partos anteriores à 39ª semana acon-
tece naturalmente, mas é significativo o
número de ocorrências ligadas a cesáreas
eletivas, sem que a mãe passe por trabalho
de parto. “Ele é importante para preparar
o bebê, pois permite uma evolução natural do nascimento”, explica Graziela. Se a
criança nasce após 37 ou 38 semanas, mas
passa por esse processo, os riscos de complicações respiratórias diminuem. “Mesmo
que ele tenha nascido de cesárea, se a mãe
entrou em trabalho de parto, é positivo”,
completa. “Mas, claro, o ideal é o parto normal”, afirma.
Quando a cesárea é recomendada, a melhor
opção é aguardar pelo menos que a gestação atinja as 39 semanas. A médica Uma M.
Reddy, que está entre as autoras do estudo
conduzido pelos três órgãos de saúde dos
Estados Unidos, disse em entrevista ao The
New York Times que “as mulheres precisam
saber que as gestações a termo não são todas
iguais”. “Se a gestação não tem complicações,
os bebês não deveriam ser retirados antes
de 39 semanas”, defendeu.
Com parto natural, a situação é diferente.
“Se nascer de 37 semanas por parto normal,
Mathom/Shutterstock
P
rematuro, como indica a palavra, é o que
ocorre antes de estar pronto, antes da hora favorável. Logo, se são
prematuros os bebês que nascem com menos de 37 semanas de
gestação, os que vêm depois estariam no tempo certo, seriam maduros o suficiente para enfrentar os primeiros dias fora da barriga
da mãe. Na prática, porém, não é exatamente assim.
O tempo ideal de gestação humana é de 40 semanas. Entre 37 e 39
semanas, diz-se que o bebê é “a termo”, ou seja, pronto para nascer.
Não por acaso, porém, alguns especialistas utilizam a expressão “a
termo precoce”, porque a criança nasce com tamanho normal, mas
às vezes seu desenvolvimento – principalmente o dos pulmões, últimos órgãos a amadurecer – ainda pode estar em processo.
Uma pesquisa conduzida por três órgãos de saúde dos Estados
Unidos (o Institute of Health, a Food and Drug Administration e a
March of Dimes) analisou dados de 46 milhões de partos naquele
país entre 1995 e 2006 e concluiu que crianças nascidas após 39
semanas de gravidez têm mais chance de sobrevida do que as de
37 ou 38 semanas. “A maioria dos que nascem entre essas semanas
se desenvolve como bebês de 40 semanas, mas um pequeno percentual tem dificuldades para respirar, o que aumenta o risco de
afetar o sistema nervoso central do recém-nascido”, explica a pediatra neonatologista Graziela Lopes Del Ben, das unidades Itaim
e Anália Franco do Hospital São Luiz.
“Se o bebê tem problemas respiratórios, ele pode até morrer ou
ficar com sequelas, como uma isquemia cerebral”, aponta a neonatologista Dulce Zanardi, do Hospital Estadual Sumaré, vinculado à Unicamp. O amadurecimento neurológico também pode
ser comprometido.
A fase de adaptação do recém-nascido ao ambiente geralmente
dura de dois a três dias, período em que são avaliados os seus reflexos cognitivos em resposta a estímulos externos. “Somente depois
disso é possível supor que vai ficar tudo bem”, diz Dulce. “Quanto
menor a idade gestacional, maior o risco de problemas de adaptação ao ambiente”, afirma Graziela, que também é pesquisadora da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Passado esse período,
o bebê normalmente só permanece internado se tiver uma doença
ou um distúrbio”, complementa.
Além disso, a criança “a termo” pode nascer com dificuldade de
sucção, incapaz de mamar adequadamente, em razão de imaturidade
ou sonolência excessiva – maiores se comparadas às de um bebê de
39 semanas. Isso dificulta ou até impossibilita a alimentação e pode
causar hipoglicemia. “Nessas horas é importante dispor de uma equipe hospitalar de apoio ao aleitamento que ensine a mãe a posicionar
o filho e ajudá-lo a pegar a mama corretamente”, afirma Graziela.
Se o bebê tiver dificuldade para abrir a
boca e sugar, o leite pode ser dado no copinho ou por uma sonda ligada diretamente
ao estômago. “Quando o recém-nascido consegue sugar, é feita a chamada relactação,
lactação induzida ou translactação. No processo, a sonda é colocada por fora da aréola
do peito e o bebê suga os dois. Ou ainda, a
sonda é colocada no nariz, mas o bebê suga o peito mesmo assim. É importante esse
contato com o seio para estimular o peito a
produzir leite e para que o bebê aprenda a
sugar”, explica o pediatra neonatologista
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 31
Hansenn/Shutterstock
provavelmente o bebê vai ser
maduro. O que pode sofrer
é um desconforto respiratório inicial e ir
para a UTI neonatal.
Aí, ele dependerá do
acolhimento para
superar essas dificuldades iniciais”,
afirma Corrêa. “Se o
bebê não está pronto
para nascer, é um estresse inicial. A mãe também pode não estar preparada, inclusive do
ponto de vista físico – a produção do leite
pode demorar, por exemplo”.
Situações como essas podem aumentar a
angústia materna. “Se a criança nasce com 37
ou mais semanas, a mãe não está esperando
que ele vá para a UTI”, afirma
O
Graziela. “Nesse caso a mãe
recebe alta e o bebê, não.
bebê de 37
Ou, ainda, os dois vão
semanas geralmente
para casa e está tudo
está com tamanho normal, bem, mas a criança
tem um desconforto
mas seu desenvolvimento,
respiratórioeprecisa
sobretudo dos pulmões, voltar para o hospital”, aponta a médica
pode ainda estar
do São Luiz.
incompleto
Para observar a mãe e
32 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
a criança, os hospitais costumam mantê-los ao menos dois dias
internados, o que facilita o monitoramento
do recém-nascido e permite que eventuais
problemas sejam solucionados mais rapidamente. Mas, os bebês precoces, em alguns
casos, ficam internados um pouco mais de
tempo que a mãe para compensar o desenvolvimento incompleto, às vezes fazendo
uso de ventilação mecânica para aliviar o
desconforto respiratório.
Com assistência adequada, esses pequenos
percalços geralmente representam apenas
um susto inicial para os pais, sobretudo os
de primeira viagem. Bem monitorados e,
quando cuidados adicionais são necessários,
tratados corretamente, os bebês precoces
costumam se desenvolver normalmente.
Mesmo nascendo um pouco antes, seguem,
por exemplo, o calendário tradicional de vacinas: recebem a dose contra hepatite nas
primeiras 12 horas de vida e outras vacinas,
aos 2, 4 e 6 meses, como recomendado pelo
Ministério da Saúde. Em pouquíssimo tempo, serão como os de 40 semanas – darão
a mesma dose de trabalho e de alegria. planeta saudável por Leonardo Guariso
Elas
sofrem mais
Fatores ambientais têm influência em mais de 80 doenças,
segundo a OMS. Crianças de até cinco anos são as mais afetadas;
nos centros urbanos, a poluição é a grande vilã
34 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
Serhiy Kobyakov/Shutterstock
o lugar onde você vive influencia, sim, a sua saúde. Estima-se que 24% das
doenças no mundo são causadas por fatores ambientais, segundo relatório da Organização
Mundial da Saúde (OMS), divulgado em 2006. O estudo apresenta mais de 80 enfermidades
relacionadas ao meio ambiente, sendo malária, diarreia e infecções respiratórias as mais
comuns. Na pesquisa, a entidade ainda alerta para um dado: crianças com até cinco anos de
idade são as mais afetadas. Cerca de 4 milhões delas morrem anualmente por males provocados por questões ambientais. A maioria em países em desenvolvimento, aponta a OMS.
Marcus Vinicius Polignano, professor associado do departamento de medicina preventiva
social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que criança é mais dependente do adulto para sua saúde. Fácil de entender o motivo. Isso porque a pouca experiência
de vida faz com que ela tenha menor noção de perigo ou proteção. Veja o exemplo de um
bebê de oito meses. Seu primeiro instinto é levar qualquer coisa à boca, como um pedaço
de papel sujo no chão.
Há também a questão fisiológica. Ela explica a singularidade de um organismo ainda jovem. “Existem diversos fatores inter-relacionados, que vão desde a idade e peculiaridades
anatômicas até características fisiológicas e imunológicas”, conta Katia Nogueira, doutora
em saúde coletiva e presidente do comitê de adolescência da Sociedade de Pediatria do
Estado do Rio de Janeiro (Soperj). Um deles se refere ao sistema imunológico, responsáSuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 35
tempo. Ou seja, o número de males diminui
com a idade. Note: uma criança entre seis meses e três anos tem por volta de nove infecções
respiratórias anualmente, por exemplo. Entre
três a cinco anos, três ou quatro. Com cinco,
uma ou duas. Em resumo, quando atinge os
seis anos, o sistema imunológico está quase
no nível de um adulto.
o perigo está no ar Segundo o relatório da OMS, mais de 1,5 milhões de mortes
no mundo têm como causa infecções respiratórias atribuídas aos fatores ambientais
anualmente. Nos grandes centros
urbanos, o perigo está à solta. Carros, indústrias e
ônibus liberam diariamente toneladas
de gases agressivos
à camada de ozônio
e à saúde humana,
isso sem contar a
fumaça de cigarro,
igualmente prejudicial. “Qualquer criança
tem mais chance de ter do-
Shutterstock
A
criança demora
até cerca dos seis
anos de idade para ter seu
sistema imunológico pronto
para se defender; antes disso,
cada corpo estranho é
uma ‘charada’
36 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
ença respiratória se viver num lugar mais
poluído”, afirma Rita de Cássia dos Santos
Ferreira, pneumologista do Hospital Esperança, no Recife.
O fato de o diâmetro das vias aéreas não
estar totalmente formado nos pequenos também explica a dificuldade que eles têm para
se defender contra a poluição. Por ser mais
estreito, as minipartículas dos poluentes se
prendem na parede do tubo, quando deveriam ser expelidas. Ali, evoluem para uma
inflamação. Com a região enfraquecida, a
ação de vírus ou bactérias é facilitada. É como
fazer uma comparação entre um cano e um
canudo. Qual dos dois é mais fácil de entupir?
Um organismo em formação entende óxidos, dióxidos, monóxidos, entre outros causadores da má qualidade do ar, como uma
bomba para o aparelho respiratório. “A exposição contínua leva o pulmão a sofrer alteração na mucosa, prejudicando a higiene
brônquica [retirada dos poluentes]”, explica
Marília Teixeira de Brito, coordenadora de
Pediatria do Hospital Esperança. Resultado:
tosse irritativa, desconforto torácico, lesão e
inflamação pulmonares, entre outros males.
Dependendo do grau de exposição às partículas nocivas, a infecção pode evoluir para
uma doença mais séria, como a asma, mas
desde que haja casos de histórico familiar.
Vale lembrar que a asma é uma enfermidade multifatorial, ou seja, deflagra de acordo
com um amontoado de fatores. A exposição
contínua a poluentes é um deles. Uma pesquisa da Organização Pan Americana da Saúde
(Opas) de 1999 já alertava para o problema.
Segundo o estudo, as crises entre crianças
e adolescentes têm aumentado desde 1980
nos Estados Unidos, na época, afetando mais
de 42 milhões de menores.
Além disso, a má qualidade do ar
deixa a criança mais cansada.
Ao detectar os agentes
nocivos, o corpo faz
um esforço para expulsá-los. A árvore
brônquica age com
movimentosciliares
para tentar expelir
essas micropartículas. Quando a exposição é contínua, no en-
Zalman/Shutterstock
vel por combater bactérias, vírus, parasitas, entre outros agentes.
A criança nasce com esse sistema totalmente vulnerável. Os únicos anticorpos são aqueles recebidos pela placenta da mãe ainda na
gravidez. Essa barreira permanece até os seis meses de idade. A partir daí, com exceção das vacinas, o corpo começa a criar os próprios
artifícios de proteção através do contato com o ambiente. “Teoricamente, a criança tem deficiência imunológica se comparada ao
adulto”, aponta Gilberto Petty, professor adjunto do departamento
de pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Até
os seis anos, a defesa contra os agentes externos está praticamente
fortalecida. Antes disso, no entanto, cada novo invasor é como se
fosse uma charada – daquelas bem complicadas – a ser decifrada
pelo sistema imunológico.
Ainda em fase de consolidação, o organismo luta para inibir
o corpo estranho, representado por micro-organismos.
Limitado, perde a batalha, e o pequeno adoece. O
curioso é que o sistema imunológico “aprende”
com o ataque inimigo e cria resistência com o
tanto, o desgaste é maior. Nessa situação, o diafragma, músculo
que participa do processo de limpeza, é mais solicitado do que o
normal para um sistema respiratório ainda jovem. Conclusão: o
excesso de trabalho fadiga a musculatura diafragmática e, consequentemente, deixa a pessoa cansada. Por isso, muitas vezes
os médicos recomendam a inalação, justamente para facilitar a
limpeza das partículas químicas da área e, consequentemente,
a ação do aparelho respiratório. O lado bom dessa história é que
muito pode ser feito para proteger os pequenos. “Asmáticos ou
crianças com tendência a desenvolver a doença necessitam de um
ambiente limpo e livre de pó”, diz Marília. Uma boa dica, portanto,
é passar pano úmido nos móveis e no chão todos os dias para que a
poeira não se espalhe pelo recinto. Residências perto de construções
têm uma chance maior de acumular pó nos cômodos.
Tapetes, carpetes e brinquedos de pelúcia, como se sabe, são verdadeiros ninhos para a proliferação de ácaros. Cortinas também
agem como focos de poeira e devem ser lavadas pelo menos uma
vez por semana. Um ambiente arejado é outra importante dica.
A ventilação pelos cômodos faz com que o ar se renove. Grosso
modo, é como liberar espaço para que o vírus “saia”. E mais: um
estudo da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, indica que
a presença de uma pessoa na sala leva 37 milhões de bactérias ao
local a cada hora, acumulando-se aos micro-organismos
já deixados por outros ocupantes. Para o professor
Polignano, da UFMG, sem políticas públicas para
consolidar ambientes saudáveis, os cuidados
dentro de casa não serão suficientes. Ele diz
que saúde pública e coletiva têm de incorporar uma visão ambiental. “A gente precisa
criar cidades saudáveis, com ecossistemas
para que a população tenha qualidade de vida e saúde. É uma ligação que não podemos
perder de vista. Saúde depende muito mais
de bem-estar do que de remédio”, finaliza. A
exposição de
organismos em formação
a gases poluentes leva a
tosses irritativas, desconforto
torácico, lesão e inflamações
pulmonares; em excesso,
causa até asma
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 37
diagnóstico por Paula Montefusco
Intensiva, mas
humana
As diferentes especialidades do médico Haggéas Fernandes o levam a defender
um novo modelo de UTI, que incentiva o contato com familiares
Paulo Pampolin/Hype
na medicina, pode-se escolher uma área muito restrita. Um
ortopedista, que já é especializado em ossos, ligamentos, músculos
e articulações, pode fechar o foco ainda mais e tratar só de joelhos.
Mas há os que se dedicam a mais de um tema, ampliando o escopo
da sua atuação e relacionando os diferentes campos.
E foi assim com Haggéas da Silveira Fernandes. Filho de um
amazonense e de uma carioca, mudou de cidade várias vezes durante a infância – a família passou por Manaus, pelo Rio de Janeiro
e, finalmente, estabeleceu-se em São Paulo, em 1989. Aos 12 anos,
veio a certeza de que seria médico. “Na escola, tinha afinidade com
a área de biológicas e sempre gostei de pesquisas, e isso me motivou
a pensar em seguir essa carreira”, relembra.
Curiosamente, o gosto pela medicina tinha a concorrência de
uma área um tanto diferente. “Cogitei em algum momento ser
piloto, por gostar do mecanismo de comando de um avião.” Motivado pela nova perspectiva, Fernandes se aprofundou nessa
área, acompanhando pousos e decolagens de dentro de cabines.
A experiência lhe trouxe conhecimentos específicos. Sacolejar
num avião, por exemplo, não é algo que lhe incomode. “O avião
tem mecanismos para evitar a turbulência grave. E passar pela
38 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
turbulência leve ou moderada é o jeito dele de voltar ao seu estado inicial”, explica,
com propriedade.
Mesmo seguindo sua aspiração inicial pela
medicina, durante a faculdade os múltiplos
interesses se encontraram. Haggéas cursou
a Universidade Federal do Amazonas e fez
residências em São Paulo, no hospital Beneficência Portuguesa, e na Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), onde se especializou
em medicina intensiva. A terapia intensiva,
área que requer conhecimento relacionado
a diversas especialidades, não era um curso
à parte: era preciso, antes, estudar três anos
de anestesia ou dois de clínica ou de cirurgia.
E foi esta a sua opção. Por via das dúvidas,
cursou também gastroenterologia, com especialização em endoscopia, colonoscopia,
fez residência em cirurgia, além de MBA em
gestão de saúde.
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 39
“Não
queria ser só
(SP). Tomou gosto e optou
por se dedicar exclusivamente ao
estudo e à prática dessa, que é uma das áreas
mais estressantes e de maior desgaste emocional da medicina, por lidar com pacientes
que, muitas vezes, sofreram acidentes, tentaram suicídio, estão em pós-operatório ou
são idosos com infecção generalizada. “Durante a residência, estagiei em uma unidade
de choque [setor que recebe pacientes mais
graves de uma UTI] e vi que o meu destino
era trabalhar, estudar e entender um setor
complexo, como a UTI.” Assim surgiu a oportunidade para chefiar outras unidades. Hoje,
Haggéas é médico intensivista e coordena a
UTI adulto do Hospital e Maternidade Brasil, em Santo André, da Rede D’Or São Luiz.
A nova colocação motivou-o a cursar um
MBA em gestão hospitalar, na Fundação Getulio Vargas. “Não queria ser apenas um bom
médico. Por isso, venho me dedicando a essa
área de gestão cada vez mais.” Ele se prepara para continuar a estudar o tema em julho, quando viaja para os Estados Unidos,
onde fará uma pós-MBA na Universidade
da Califórnia.
humanização Sua rotina é bem agitada.
Acorda às 4h45, vai a dois hospitais, visita
os pacientes e cuida da gestão das unidades.
Mesmo assim, faz questão de reservar sempre uma parte de seu dia para conversar com
as famílias dos internados, tarefa essencial
para o seu trabalho. “Sentir as necessidades
de cada um é algo que gosto muito de fazer”,
40 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
ideia é manter o foco no paciente, demonstrando que é possível que ele se sinta acolhido mesmo em
um ambiente tido como hostil.
A humanização da UTI tem sido uma das
atuais causas defendidas por Fernandes, que
se dedica a disseminar o conceito mundial de
trazer a rotina do paciente ao hospital, particularmente nesse setor, para humanizá-lo.
Para ele, as visitas devem ser incentivadas
e o contato com a família o mais frequente
possível. “Isolar o setor prejudica a pessoa,
que está longe da família, rodeada por estranhos, sob temperatura baixa, luz acesa e
ruídos 24 horas por dia. Ela pode enfrentar
um estresse pós-terapia intensiva, como se
tivesse passado por um trauma físico”, resume o médico.
O modelo defendido por Haggéas visa
melhorar o atendimento e manter o foco
na qualidade de vida dos pacientes. Há, por
exemplo, aparelhos de TV ou rádio para eles
se distraírem, lugar para a família ficar e uma
equipe treinada para lidar com
os visitantes – frequentemente ansiosos e cheios
de dúvidas sobre o que
está sendo feito.
Por meio de sua
experiência, o especialista viu na
humanização mais
uma possibilidade de
oferecer ao paciente recuperação rápida e sem
sequelas. Para isso, a ideia é tratá-lo o mínimo possível como doente. A alta em menor tempo, explica ele, ajuda a diminuir o
número de mortes por sepse – uma grave
inflamação que ocorre como resposta a um
agente infeccioso e que é a principal causa
de morte em UTIs.
No Hospital e Maternidade Brasil, Haggéas se vê apenas como uma parte do processo para a recuperação do paciente. A
execução do trabalho é multidisciplinar:
depende de diversos profissionais, como
farmacêuticos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e fonoaudiólogos. “Temos
uma lista que é preenchida durante a visita.
Existe espaço para cada um exprimir sua
opinião. Essa troca entre os profissionais
é extremamente importante. Depois disso,
sentam as oito pessoas em uma mesa e os
casos são analisados para gerar o plano assistencial e decidir o que vai ser feito com
cada paciente”, explica o médico.
O resultado do trabalho não poderia ter
sido mais positivo: a UTI, bem como todo
o Hospital Brasil, recebeu recentemente
o selo de certificação nível 3 pela Organização Nacional de Acreditação (ONA). Esse reconhecimento atesta a segurança e
os serviços prestados no estabelecimento
seguem padrões nacionais de
qualidade e de excelência.
“Isolar
a UTI prejudica
pink floyd Além
o paciente. O que
deatenderosfamiliares, outro momento
contribui para isso é o
importante de seu
próprio ambiente: ele está dia é o tempo reserlonge da família, em um vado para a família:
esposa e um casal de
local com ruídos 24
filhos, de 10 e 6 anos.
Nos finais de semana,
horas por dia”
Paulo Pampolin/Hype
um bom médico. Por
isso, venho me dedicando
Com tantas esjustifica. “Na UTI
à área de gestão cada vez cirúrgica, vejo os
pecializações, em
2002 ele foi convipacientes diariamais”, diz o coordenador
dado a comandar a
mente, converso e
da UTI para adultos do tento dar um pouco
UTI de um hospital de
São Bernardo do Campo
de conforto a todos.” A
Hospital Brasil
Fernandes se reveza entre os próprios estudos e o dos filhos, repassando principalmente matérias como história, geografia e
ciências. “Há uns três anos, li para os dois
o livro Reinações de Narizinho, acho que
toda criança tem que conhecer Monteiro
Lobato”, acredita. O esporte também faz
parte da rotina de passeios. Palmeirense,
costuma levar o filho mais velho ao estádio
para assistir ao time do coração em campo.
Mas não só a medicina intensiva e a família dividem a paixão de Fernandes. Ele
cultiva uma longa relação “paralela” com
o rock n’ roll, expressa em uma coleção de
aproximadamente 400 vinis e mais de 5 mil
CDs, onde se encontram grupos dos anos
70, como Lynyrd Skynyrd, Led Zeppelin,
Deep Purple e Black Sabbath, passando por
gravações raras de Bob Dylan, Janis Joplin,
bandas alemãs e suecas pouco conhecidas
e chegando a representantes do rock progressivo argentino. O álbum predileto do
médico é o que leva o título The Dark Side
of the Moon, ícone do grupo britânico Pink
Floyd. “Junta uma banda que eu adoro com
músicas que são... Nem sei explicar, é um
marco na história do rock”, defende, com
entusiasmo.
E por que não associar o rock à terapia
praticada na UTI? “Sei que existem projetos
de musicoterapia em UTI, porém não é algo
usual. Não tenho experiência com isso, mas
acho que num processo atual de humanização
ela pode ajudar os pacientes, especialmente
os neurológicos, e tornar o ambiente mais
amigável”, defende o médico.
No que depender de Haggéas, ações de
humanização continuarão a ser implantadas nas Unidades de Tratamento Intensivo
colaborando para que a área deixe de ser um
lugar de onde só se recebe más notícias. SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 41
Alisa Karpova/Shutterstock
emergência por Sara Duarte Feijó
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42 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 43
O enfartado
pode sentir
azia,
queimação
e até gazes
em alguns
casos
Bork/Shutterstock
Q
uando se
trata de doenças do coração, a falta de informação pode ser fatal. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, a cada 2
minutos morre uma pessoa devido a uma
enfermidade cardiovascular. Entretanto,
pouca gente sabe reconhecer uma das mais
graves formas desse tipo de enfermidade, o
enfarte – apenas 2% dos brasileiros que já
sofreram desse problema sabem reconhecer
os sintomas, de acordo com uma pesquisa
encomendada ao DataFolha pela Sociedade
Brasileira de Cardiologia.
Mesmo em instituições de saúde há falhas.
Um estudo publicado no New England Journal of Medicine, que acompanhou 10.689 pacientes em dez hospitais, observou que 2,1%
dos enfartes não foram diagnosticados no atendimento de emergência — em alguns centros de saúde, a porcentagem chegou a 11%.
O principal sinal do ataque cardíaco (como é popularmente conhecido o enfarte do miocárdio) é a dor aguda no peito. Mas ele
também pode se manifestar por meio de outros sintomas, como:
formigamento no braço, falta de ar, fadiga, azia, suor excessivo, dor
nas costas e no pescoço. Ou seja: além daquela terrível sensação de
que algo aperta o coração, a pessoa que está enfartando pode sentir
dores e desconforto em toda a região torácica.
Isso acontece porque os órgãos e tecidos do corpo são interligados e interdependentes. O músculo cardíaco não funciona sozinho:
precisa de uma boa oxigenação promovida pelos pulmões, da pressão sanguínea (ou bombeamento de sangue) eficiente e constante
e, ainda, de um sistema circulatório sadio, livre de placas de gordura ou coágulos que impeçam a chegada do sangue e do oxigênio
aos diversos órgãos.
O enfarte agudo do miocárdio pode ser descrito como a morte
de células do coração por falta de oxigênio, explica o cardiologista
Miguel Antônio Moretti, chefe do setor de cardiologia da unidade
Anália Franco do Hospital São Luiz. “Para que o músculo cardíaco
funcione, é preciso que as artérias coronárias levem o oxigênio pelo
sangue até ele”, diz. “Quando uma dessas artérias está obstruída,
esse fornecimento é interrompido, e o coração entra em sofrimento. Se nada for feito para frear essa obstrução, as células cardíacas
entram em colapso e morrem.”
Os sintomas do enfarte podem ser agudos, ou seja, fortes e lancinantes, ou difusos (capazes de provocar um mal-estar crescente
e contínuo, que pode durar horas ou dias), de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Jadelson Pinheiro de
Andrade. “Dependendo de qual artéria estiver obstruída, o paciente
pode apresentar um conjunto de sintomas diferentes”, informa.
A forma de ataque cardíaco mais conhecida é aquela em que o
paciente sente dor aguda no peito e formigamento no braço e na
mão esquerdos. “Isso geralmente acontece quando o paciente tem
Os sintomas do enfarte podem ser sentidos instantaneamente – essa é a forma mais conhecida - ou se manifestarem por horas ou até mesmo por vários dias
Alex Mit/Shutterstock
Fatores que põem em risco a saúde do coração
44 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
Hereditariedade
se você tem algum parente
de primeiro grau que sofreu
enfarte ou acidente vascular
cerebral (AVC) antes dos
60 anos, é possível que
também seja propenso a
sofrer desses males. Faça
um controle periódico com
um cardiologista.
Obesidade
pessoas com sobrepeso
tendem a acumular gordura
no corpo e também
dentro das artérias que
irrigam o coração (é o
chamado colesterol ruim,
ou LDL). Quanto maior a
circunferência abdominal,
maior a chance de a pessoa
ter problemas cardíacos.
Tabagismo
Quem fuma ou convive
com fumantes tem maiores
chances de desenvolver
problemas circulatórios que
levam a enfarte, isquemias
ou derrame. É que o tabaco
provoca o estreitamento das
artérias e veias que irrigam
os órgãos.
Sedentarismo
A prática de atividade física
moderada três vezes por
semana ajuda a manter sob
controle os níveis de colesterol,
glicose e triglicérides. Se essas
substâncias não estiverem
no nível normal, o paciente
fica propenso a uma série de
doenças, tais como enfarte,
derrame e diabetes.
Hipertensão
quem tem pressão alta e não
faz nada para controlá-la corre
o risco de nutrir uma bombarelógio no organismo. Quando a
pressão sobe demais, o sistema
circulatório entra em pane, o
que pode levar a um enfarte
fulminante.
Diabetes
o mau funcionamento do
pâncreas provoca uma espécie
de inflamação crônica nas veias
e artérias. Isso torna o coração
do paciente mais frágil e mais
propenso a enfarte.
Menopausa
as mulheres, quando deixam de
ter a proteção dos hormônios
femininos, passam a correr mais
riscos de desenvolver doenças
do coração. Elas precisam,
então, fazer atividade física e
dieta para evitar o entupimento
das artérias coronarianas.
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 45
Dor no peito é coisa séria e deve ser tratada com rapidez. Nos
hospitais da Rede D’Or São Luiz,
o paciente com esse sintoma recebe atendimento ao chegar ao
pronto-socorro. Sem enfrentar
filas, é levado à sala de emergência para submeter-se a um
eletrocardiograma, registro da
atividade elétrica do coração. O
procedimento demora 10 minutos.
“Com o resultado do eletrocardiograma em mãos, o médico decide
qual será o próximo passo”, conta o cardiologista Dario Ferreira,
coordenador clínico do Hospital
São Luiz Morumbi, em São Paulo.
Em seguida, o paciente faz um
exame de sangue chamado marcador de lesão miocárdica, que
identifica algumas substâncias
que só aparecem quando as células do coração sofreram com a
falta de sangue, como o complexo
de proteínas troponina e a enzima
creatinoquinase (CK-MB).
Ainda na sala de emergência, se
for descartada a doença coronariana, a pessoa é liberada. Já em
suspeita de enfarte, o paciente
passa por uma angioplastia primária, que é a tentativa mecânica
de desobstruir a artéria entupida
(cateterismo). “Depois, ele é encaminhado para a UTI para fazer
outros exames”, afirma Ferreira.
Lá, o próximo procedimento é um
ecocardiograma (o ultrassom do
coração), com o objetivo de analisar
como estão os batimentos e se o
músculo apresenta problema de
contração. O cliente recebe alta
assim que a atividade coronariana
estiver normalizada.
46 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
Andrade. “É comum essa dor aparecer durante o sono, e o paciente achar que é apenas
alguma espécie de enrijecimento muscular
provocado por tensão.”
sinal de alívio É claro que ninguém
precisa ficar neurótico com qualquer dorzinha que surgir no tórax. Algumas podem
ser causadas por tombos ou acidentes que
atinjam as costelas ou a clavícula. Há ainda
a dor nas costas crônica, provocada por inflamação na coluna vertebral. Ou ainda a dor
acompanhada de chiado e falta de ar, bastante
comum em pacientes com asma, enfisema
pulmonar e outros males respiratórios.
Criador do Portal da Prevenção, um site
mantido pela Sociedade Brasileira de Cardiologia para tirar dúvidas sobre doenças
cardiovasculares, Moretti diz que dores na
região do tórax só devem ser motivo de preocupação quando o paciente já tem histórico
de problemas cardiovasculares. “Salvo em
casos de defeitos congênitos, indivíduos jovens e saudáveis têm baixa probabilidade
de sofrer um enfarte”, afirma. “Em geral,
essa doença acomete pessoas com mais de
50 anos e está relacionada a fatores de risco, como hipertensão, tabagismo e excesso
de gordura abdominal, por exemplo.” (veja
quadro na página anterior) Dariush M./Shutterstock
Passo a passo
da emergência
uma obstrução na artéria coronária anterior,
na parte da frente do coração, junto ao peito”, diz Andrade.
Se houver uma placa de colesterol ou um
coágulo obstruindo a artéria circunflexa,
localizada na parte de baixo do coração, logo acima do estômago, o enfartado sentirá
azia, queimação e até gazes. “É comum o
paciente achar que está com má digestão e
ignorar esse mal-estar”, diz Moretti. “Mas,
se os sintomas duram mais de 24 horas e a
pessoa é fumante, hipertensa ou diabética,
é melhor correr logo para o hospital. Só assim será possível dar-lhe medicamentos que
interrompam o enfarte e salvem a sua vida.”
Se a obstrução for na artéria coronária
posterior, localizada na parte de trás do coração, próximo à espinha dorsal, o sintoma
é uma dor forte nas costas. “É uma dor reflexa, que vem do coração e passa para a região
dorsal”, explica Andrade. “E costuma surgir
no momento em que a pessoa está sob forte
emoção, ou quando atravessa a rua correndo para pegar um táxi, ou ainda quando está
subindo uns lances de escada.”
Há um quarto tipo de enfarte, que acomete a região das coronárias diagonais, ligada
à artéria coronária descendente anterior.
“Nesse caso, a pessoa vai sentir uma forte
pressão na mandíbula ou no pescoço”, diz
rodando por aí por Airton Ortiz
Aventura no topo da África
montanha isolada do planeta
DarkOne/Shutterstock
Jornalista narra as peripécias para escalar os 5.895 metros do monte Kilimanjaro, a maior
48 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 49
Vladimir Kondrachov/Shutterstock
ontanha isolada mais alta do
mundo e topo da África, o monte Kilimanjaro pode ser visto a, no
mínimo, 100 quilômetros de distância. E em fotos de postais, catálogos turísticos e imagens de satélite estampadas. Em qualquer
desses casos, o visual é sempre impressionante. Ainda assim, nada
que se compare a encará-lo de perto, atravessar suas encostas e, a
5.895 metros do nível do mar, ver as entranhas desse maciço formado por três vulcões extintos.
Fica na Linha do Equador, no Parque Nacional Kilimanjaro, fronteira da Tanzânia com o Quênia. A região tem cinco zonas de vegetação, facilmente identificáveis, pois muitas plantas e árvores só
crescem em determinadas altitudes. Infelizmente, a primeira zona
de vegetação, entre o planalto tanzaniano (800 metros de altitude)
e o começo da escalada (1.800 metros de altitude), foi transformada em lavoura pelos chaga, a tribo que vive nas encostas da montanha. O topo também está sob ameaça; lá, os índices de chuva são de
deserto, o que dificulta a reposição da geleira que está derretendo
pelo calor – a neve do pico, antes tida como “eterna”, deverá
derreter completamente em algumas épocas do ano, consequência do aquecimento global.
Axel2001/Shutterstock
Vladimir Kondrachov/Shutterstock
M
À medida que o viajante
O
mida, preparada nos abrigos que existem na
montanha: massa, arroz, ovos, banana,
leite, café, pão e chás; o outro para
transportar minha mochila cargueira com equipamentos pessoais: colchonete de espuma, saco
de dormir, lanterna de cabeça,
caixinha de primeiros socorros,
remédios, protetor solar e roupas quentes para usar no ataque
final ao cume da montanha, como
gorro, luvas e meias de lã. Eu carrego
apenas a mochilinha de mão, com docu-
Kilimanjaro
fica na fronteira entre
a Tanzânia e o Quênia,
primeiro dia Montei a expedição para escalar o
Kilimanjaro em Moshi (861 metros de altitude), a cidade
base para se visitar o parque. Ela fica a 46 quilômetros
do Aeroporto Internacional Kilimanjaro, aonde chegam voos diários, via Johanesburgo, na África do Sul.
Aluguei um jipe para me levar até a entrada do parque,
menos de uma hora de estrada. Contratei um guia, exigência
local, e dois carregadores: um deles para transportar nossa co-
em região que favorece a
escalada em qualquer época
do ano, menos entre
março e maio
50 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
vai se afastando dos acampamentos mais abaixo no kilimanjaro, ele deixa de observar árvores que compõem uma densa floresta e passa a verificar uma vegetação típica de regiões áridas
mentos, um abrigo contra chuva, câmera
fotográfica, água e duas barras de chocolate.
A entrada do parque e o começo do trekking
ficam em Marangu (1.800 metros de altitude). Inicio por uma estradinha que logo se
transforma numa trilha larga, com um leve
aclive. O caminho vai se estreitando, e a floresta se fecha sobre minha cabeça. As raízes
das árvores cruzam o caminho, segurando a
terra e formando pequenos degraus.
No primeiro dia, percorro a segunda zona
de vegetação da montanha, entre os 1.800
metros da entrada do parque e os 2.727 me-
tros do local do primeiro acampamento, em Mandara. Passo por
uma floresta tropical, muito úmida, com árvores altíssimas, pássaros e bandos de macacos.
Chego ao acampamento ao escurecer. As pequenas cabanas estão
pintadas de marrom, e no telhado há um captador de energia solar.
Ele carrega uma bateria no subsolo, o suficiente para alimentar três
bicos de luz em seu interior. Há ainda uma casa maior, usada como
refeitório, com uma pequena varanda, ideal para se descansar tomando chá antes do jantar.
Eu havia me preparado durante três meses, correndo uma hora
por dia e evitando alimentos gordurosos. Agora, curtia o resultado desse esforço, pois caminhara quase 10 quilômetros montanha
acima e não estava cansado.
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 51
terceiro dia O acampamento fica sobre um pequeno platô,
na encosta da montanha. O sol está muito forte, o dia, claríssimo.
As nuvens, abaixo do nível das cabanas, formam um lindo tapete
branco. Fico horas caminhando pelas redondezas, forçando a aclimatação — o terceiro dia serve exatamente para isso. Impressiona a aridez do local. O chão está coberto de
cascalho vulcânico, não há o menor sinal de vida
vegetal. Aqui e ali, um roedor foge ao me ver.
quinto dia Inicio a subida do cone formado pela cratera que me levará ao cume
da montanha. A noite tem uma beleza fria,
que vai se intensificando pouco a pouco. As
estrelas escoltam a lua cheia, que se desloca
numa velocidade igual à minha, como se estivesse, também ela, e só por solidariedade,
fazendo sua própria escalada rumo ao outro
lado do planeta.
Piso no chão fofo, coberto de cascalho
quebradiço, e meu pé desliza. A cada passo
avanço 10 centímetros, ou menos. E assim
vou, horas sem fim. Atinjo a quinta zona de
vegetação – a zona do cume: ar rarefeito,
incidência direta da radiação solar, temperaturas baixíssimas e nada de água.
O terreno muda com o surgimento de enormes pedras, sinal de que me aproximo do
cume. Para cada pedra deixada para trás,
surge outra maior. E mais uma. E a próxima.
Cada vez mais frio, cada vez menos oxigênio,
cada vez mais cansado. Com muito esforço,
como venho fazendo nas últimas horas, alcanço mais uma pedra, e elas acabam: estou no cume!
À minha frente, o enorme buraco da cratera.
Ainda é possível sentir
umfortecheirodeenxofre e ver a fumaça
No
início do ataque
final ao cume da
quarto dia Saio muito cedo. Cruzo um
montanha, a mais de 4.700
córrego a 3.940 metros de altitude, provavelmente o rio mais alto do mundo, e entro metros de altura, pedras passam
no território das lobélias e dos senécios,
a dominar a paisagem,
árvores típicas do Kilimanjaro. No meio da
e o ar fica cada vez
manhã entro na quarta zona de vegetação, que
se estende até os 5 mil metros de altitude – a zona
mais rarefeito
alpina –, bombardeada por altas doses de radiação
ultravioleta durante o dia, temperaturas congelantes
durante a noite, altas taxas de evaporação e ocasionais nevascas.
Entre as plantas que melhor conseguem sobreviver neste ambiente
estão os líquens, uma combinação de fungo com alga. Eles evitam o
solo ressequido, fixando-se na parte inferior das pedras vulcânicas.
A vida animal é tão esparsa quanto a vegetal. Algumas aves de
rapina fazem rápidas incursões durante o dia, em busca de insetos, mas poucas outras espécies podem voar num ar tão rarefeito.
Cruzo o planalto desértico e, no final do dia, chego ao pequeno
refúgio de Kibo (4.703 metros), no pé da cratera, formado por três
galpões coletivos e uma cozinha, perdidos acima das nuvens. A temperatura beira zero grau, e a desolação é total. O vento é normal.
Janto cedo e me enfio no saco de dormir, pois lá pela meia-noite
iniciarei, com outros montanhistas, o ataque final ao cume do Kilimanjaro. Essa será a única parte da escalada que se faz de noite,
pois o objetivo é ver o nascer do sol lá de cima.
52 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
Arquivo Pessoal
segundo dia Saio cedo e logo entro no terceiro ecossistema da
montanha. A paisagem, aos poucos, ganha novos contornos, e de
floresta tropical úmida passa para tropical de altitude. As árvores,
agora mais raras, têm parasitas em forma de chorão caindo dos galhos.
O terreno vai ficando seco e firme. Minhas botas não enterram
mais no barro. Passo a usar os bastões de trekking, que me ajudam
a manter o equilíbrio do corpo. Os pássaros do dia anterior vão
sendo substituídos por aves de rapina, e os macacos, por pequenos
roedores que correm entre os grossos capins.
Por ter saído da floresta, já posso ver o cume nevado à minha
frente, embora esteja a 30 quilômetros de distância. A imagem é
lindíssima, principalmente porque define com precisão o objetivo
do meu esforço, cada vez mais próximo.
Ao entardecer, chego ao acampamento de Horombo (3.780 metros) em meio às nuvens. Além da alimentação adequada, é preciso
me hidratar com mais rigor. A altitude e o frio, responsáveis pela
baixa umidade do ar, fazem meu organismo perder até 2 litros de
água por dia.
Preparação para alcançar o pico
Alcançar os 5.895 metros do monte Kilimanjaro requer não só esforço físico.
Os que se aventuram na escalada devem
estar preparados para enfrentar também
o frio e a altitude, avisa o infectologista
Carlos Lotfi, diretor da unidade Anália
Franco do Hospital São Luiz. Ele sabe
do que fala: além de médico, é praticante inveterado de trekking e já foi,
inclusive, ao pico mais alto da África.
“O mais importante é trabalhar o condicionamento físico. Cerca de quatro
meses antes da escalada, eu intensifi-
quei a esteira e a bicicleta. É preciso
estar muito bem preparado para vencer
a altitude, que é a principal dificuldade,
especialmente a partir dos 4 mil metros”, aconselha.
Para contornar os efeitos do ar rarefeito,
Lotfi usou um diurético que faz com que
a pessoa respire com maior frequência.
“Isso acaba compensando um pouco a
falta de oxigênio no local”, diz.
Com a alimentação foi relativamente fácil: os próprios guias que acompanham
os turistas fornecem comida adequa-
da. Em relação à bebida, explica ele, é
fundamental ingerir 2 litros de água
diariamente, para suportar o desgaste
e evitar dores de cabeça por desidratação. Líquidos mais quentes, como chá
e leite, ajudam a compensar as baixas
temperaturas.
“Outro ponto importante é guardar energia para o dia de alcançar o pico. É muito desgastante. No meu caso, foram 18
horas de caminhada entre o início da
subida e a descida abaixo dos 4 mil metros, quando finalmente descansamos.”
SuaSaúde Rede D’Or São Luiz | 53
Quando ir
Hotel Principe di Savoia
O Parque Nacional Kilimanjaro está
a três graus da linha do Equador,
podendo ser visitado em qualquer
mês do ano. Para quem vai escalar a montanha, melhor evitar os
meses de março e maio, devido
às chuvas.
Uma dica
Peter Zaharov/Shutterstock
Ao regressar da Tanzânia para a
África do Sul, voe via Zanzibar, a
famosa ilha das especiarias e lindas praias no oceano Índico. Há
voos do Aeroporto Kilimanjaro
direto para o local e de lá para
Johanesburgo/Brasil.
Passeios adicionais
Convém que a visita ao parque, que
dura uma semana para quem vai
escalar o Kilimanjaro, seja combinada com um safári pela região.
O ideal seriam três dias, incluindo
a área de conservação do vulcão
Ngorongoro (a 250 quilômetros de
Moshi), onde se podem ver leões,
guepardos, hienas, girafas, hipopótamos, rinocerontes, búfalos
e muitos outros animais. Quem
tiver mais tempo pode estender
o safári ao Parque Nacional do
Serengueti, passando pela Garganta do rio Olduvai, onde existem
os fósseis humanos mais antigos
que se conhece.
54 | SuaSaúde Rede D’Or São Luiz
expelida do seu interior. A lua cheia, que acompanhara meu sofrimento durante toda a subida, agora me recompensa, iluminando
a geleira de Oguro que se forma na borda da cratera. É bonito, mas
fico triste. Quando estive aqui pela primeira vez, seis anos antes,
era muito maior.
Em alguma época do passado, um lençol de gelo cobria toda a
parte superior da montanha, 20% da neve que existia no continente africano. As eternas neves do Kilimanjaro não são, contudo, tão
eternas assim, pois vêm retrocedendo desde então, limitando-se,
atualmente, a cobrir apenas parte do cume.
A lua se vai, e do outro lado da montanha surge um ponto luminoso. As fagulhas rasgam o espaço e invadem o meu corpo com calor
e vida, devolvendo-me a energia sugada pela terra.
Foi o mais belo nascer do sol que vi em toda a minha vida. Placa indica o cume
do Kilimanjaro,
onde é possível
ver as chamadas
eternas geleiras,
que diminuem de
tamanho por causa do
aquecimento global