A ESTREIA COMO PROCESSO COMPOSITIVO:

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A ESTREIA COMO PROCESSO COMPOSITIVO:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
A ESTREIA COMO PROCESSO COMPOSITIVO:
REFLEXÕES SOBRE A MONTAGEM DE 3 PEÇAS
Marcelo Ricardo Villena
Curitiba, 2012
2
MARCELO RICARDO VILLENA
A ESTREIA COMO PROCESSO COMPOSITIVO:
REFLEXÕES SOBRE A MONTAGEM DE 3 PEÇAS
Trabalho final da disciplina Ensino e Prática
de Música Contemporânea no Curso de
Mestrado
em
Música
da
Universidade
Federal do Paraná. Profª. Drª. Zélia Chueke.
Curitiba, 2012
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................4
1. Fluxo intermitente – Marcelo Villena...........................................................5
Montagem de Fluxo intermitente....................................................................8
2. Pequena impressão – Sergio Andrés Murillo Jerez.................................12
Montagem de Pequena impressão................................................................14
3. A espera silente – Marcelo Villena.............................................................18
Montagem de A espera silente......................................................................21
Considerações finais.......................................................................................24
Referências.......................................................................................................25
4
INTRODUÇÃO
No segundo semestre de 2011, dentro do âmbito dos trabalhos da
disciplina Ensino e Prática de Música Contemporânea, tivemos a oportunidade
de montar 3 peças inéditas: Fluxo intermitente, Pequena impressão e A espera
silente. O presente escrito apresenta reflexões sobre o processo de montagem
das mesmas e como o diálogo entre compositor e intérprete influenciou o
processo de escrita a partir da experimentação de ideias e mudanças
sugeridas.
O texto é dividido em três partes, sendo cada uma destas dedicada a
uma peça específica. Inicialmente abordam-se questões poéticas (intenções
expressivas, problemas técnicos) para posteriormente reflexionar sobre o
processo de montagem e as influências deste sobre o processo de escrita.
5
1. Fluxo intermitente – Marcelo Villena
Fluxo intermitente foi composta para a disciplina Seminário Avançado
de Composição I, sob orientação da professora Roseane Yampolschi. A
composição está inserida na minha produção do mestrado, que considera o
uso de paisagens sonoras como motivação para a criação de peças
instrumentais. A partir da escuta de paisagens sonoras (combinando a audição
de áudios com as vivências nos ambientes gravados) procuro retirar elementos
que possibilitem a elaboração de planejamentos compositivos. Isto é, retiro das
sonoridades presentes nos ambientes ideias de forma, textura, timbre e
espacialidade.
Fluxo intermitente trabalha os três primeiros itens. A forma da peça é
deduzida a partir da elaboração de uma linha de tempo. Chamo linha de tempo
à colocação em papel dos eventos destacados de uma gravação de uma
paisagem sonora. Procuro reconhecer tipos de sonoridades e mudanças de
comportamento sonoro (intensidade, densidade e textura), apontando com
precisão sua localização temporal. Desta maneira, estabeleço a forma geral da
peça, que se torna desta maneira um tipo de “relato” dos acontecimentos
sonoros de um dia determinado em uma dada paisagem sonora.
A partir da linha de tempo faço também um mapeamento de
sonoridades a serem “reproduzidas” por meio de instrumentos. Procuro
reconhecer as características morfológicas e tipológicas do som reconhecido.
As características morfológicas são aquelas passíveis de análise de espectro
sonoro: faixa de frequência, tipo de ataque, caimento, sustentação e
ressonância.1 Já a tipologia se refere a aspectos psicológicos, a como o som é
percebido e catalogado por critérios subjetivos de escuta. Esses critérios
permitem estabelecer categorias de comportamento, de maneira que dois sons
podem apresentar similitude, pertencer a “tipos” de sons similares. Ambas as
1
Geralmente conhecidas pela abreviatura em inglês: ADSR (Attack, Decay, Sustain e Release)
6
abordagens (a morfológica e a tipológica) oferecem critérios de seleção de
timbres instrumentais similares aos escutados na paisagem sonora.2
A textura é deduzida a partir da escuta de comportamentos globais.
Uma paisagem sonora muda com o decorrer do tempo em um processo
dinâmico comparável a certos repertórios de música contemporânea. 3 Desta
forma, podemos perceber em um momento dado, uma textura vazia, composta
exclusivamente de ressonâncias de carros passando ao longe, e em outro uma
textura densa e complexa, que combina carros passando perto, cantos de
pássaros, os ruídos de uma obra em construção, latidos de cães, passos e
vozes de pessoas transitando na calçada.
Fluxo intermitente concentra-se principalmente no fluxo dos carros na
rua Lamenha Lins ao 1400, no bairro Rebouças (Curitiba), na região
popularmente conhecida como a “baixada”. Por esse motivo, a peça intercala
momentos de intensidade contrastante. O fluxo temporal da peça foi retirado da
linha de tempo observando principalmente este foco auditivo. Mas é necessário
destacar que outros elementos foram retirados dessa audição para enriquecer
o trabalho, de maneira que, a pesar de termos um foco sonoro central (o fluxo
de carros), diversos elementos do entorno foram incorporados para
contextualizar o ouvinte na sonoridade geral do ambiente: som do vento, latidos
de cachorros, objetos sendo arrastados e vozes de pessoas.
As vozes de pessoas, particularmente, foram “interpretadas” com muita
liberdade. Motivaram a criação de partes cantadas, dentro de um contexto
predominante de mímesis de ruídos. Em vez de tentar descobrir o que falaram
as pessoas, tomei um texto poético asteca presente no livro Dezoito cantos
náhuatl. 4 Neste livro, o pesquisador Marcos Caroli Rezende transcreve os
2
Esta terminologia (morfologia e tipologia) é empregada, entre outros, por Pierre Schaffer no Tratado
dos objetos musicais (1966).
3
Encontro similitudes principalmente com repertórios em que predomina um tratamento “textural” dos
materiais compositivos: Xenaquis e Ligeti, por exemplo.
4
REZENDE, Marcos Caroli. Dezoito cantos náhuatl: textos bilíngües comentados. Florianópolis: Editora
da UFSC, 1995.
7
textos originais em náhuatl (língua usada no Império Asteca) e coloca ao lado
sua tradução ao português. Um texto em particular chamou minha atenção por
um paralelismo com o comportamento da paisagem no áudio: o poema 6.
Neste poema é apresentada a ideia de uma flor que desabrocha: relacionei a
ideia deste poema com o fluxo crescente da sonoridade do trânsito, pensando
na ideia de uma sonoridade tênue, que gradualmente (e de forma interrupta)
fosse expandindo-se pela sala de concerto. A seguir transcrevo o poema na
íntegra nas duas línguas. Para a peça foram empregados somente os três
primeiros versos.
Itzmolini xochitl, célia, mimilihui,
cueponi... Yehuaya
Mitecpa on quiza in cuicaxochitl in
tepan tic tzetzeloa, tic ya moyahua Aya
ticuicanitl! Ohuaya.
Ohuaya ohuaya ohuaya anahue
Xon ahuiyacan Huiya antocnihuan Yehuaya
ma on netotilo in xochincalitec
in onca ye noncuica Aya
nicuicanitl! Ohuaya.
Desponta, brota, faz-se botão a flor,
Desabrocha...
De dentro de ti saem as flores do canto,
Tu as esparzes sobre os homens,
Tu as espalhas:
És um cantor.
Alegremo-nos, meus amigos,
E no meio das flores
- Aí onde eu canto Dancemos:
Sou um cantor.
Desta maneira, incluí o poema para “traduzir” as vozes presentes na
gravação da paisagem, por refletir a ideia sonora da peça: retratar o fluxo do
trânsito na rua em crescendo, com interrupções que servem para escutar as
ressonâncias das sonoridades na sala de concerto. Neste ponto, cabe destacar
que as partes silenciosas da peça convidam o ouvinte a perceber as
sonoridades próprias da paisagem sonora da sala de concerto, criando um
diálogo entre a paisagem “retratada” na composição e a paisagem “viva”,
presente no momento da execução.
8
Montagem de Fluxo intermitente
A peça é composta para a seguinte formação: flauta transversal alto,
soprano, piano e violoncelo. Na primeira versão a parte da flauta era composta
para quena, um instrumento típico da música andina, 5 imaginando que eu
mesmo tocaria essa parte. Posteriormente, porém, preferi transcrever a parte
para flauta transversal alto para poder conduzir a montagem da peça. Isto é,
considerei mais apropriado não participar tocando naquele momento. A escolha
da flauta alto se deu por causa do registro aproximado ao da quena em sol com
que estava trabalhando. Por outro lado, as técnicas estendidas que a quena
realizava também eram possíveis na flauta: sons eólicos, harmônicos e whisper
tons. Outras técnicas imaginadas antes da experiência com o intérprete se
mostraram mais eficazes com a mudança. As batidas de dedos nos orifícios da
quena ganharam mais potência sonora como batidas de chaves na flauta
transversal.
Os ensaios deram início com encontros individuais com os intérpretes
para fazer uma leitura inicial, útil ao esclarecimento de dúvidas de escrita e
procura de sonoridades adequadas ao imaginário da peça. Foram feitas
gravações de estes encontros para colher amostras dos sons. Essas amostras
serviram para realizar uma montagem da peça em ambiente virtual de estúdio
de gravação. 6 Estes ensaios iniciais não encontraram maiores inconvenientes.
A escrita foi facilmente compreendida, assim como sua realização. As primeiras
sugestões surgiram do violoncelista, que propôs a escrita de alguns
detalhamentos sobre o tipo de gesto a ser realizado pelo instrumentista.
Nos ensaios coletivos o processo foi mais complexo. A começar, a
partitura está escrita sobre o modelo de uma linha de tempo. Isto levaria a
pensar que o melhor funcionamento da peça seria executá-la tal qual ela está
5
Para conhecer alguns exemplares deste instrumento visitar o site:
<http://raiarkaypora.blogspot.com/p/quenas.html>
6
Uso o software multitrack Nuendo da Streimberg nesta etapa fundamental para conferir sonoridades e
compará-las com o áudio da paisagem.
9
escrita. Requereria simplesmente, na convicção inicial, de uma regência
eficiente, que mantivesse uma pulsação firme dos tempos unida a uma
indicação precisa das entradas. Devo confessar que o texto superou minhas
capacidades técnicas como regente. As entradas eram confusas e os músicos
se perdiam. Decidimos ensaiar em duas etapas: 1) primeiro nos dedicamos a
internalizar o tempo da peça através de uma marcação sonora (contagem dos
tempos em voz alta), cabendo aos intérpretes descobrir suas entradas sem
indicação gestual; 2) internalizado o tempo da peça passamos a descobrir as
relações sonoras entre os eventos presentes na grade geral. Isto foi possível
devido a que todos os músicos ensaiaram com a grade geral. Desta maneira,
foram sendo feitas, no decorrer dos ensaios, indicações das relações entre
gestos e sonoridades. Essa forma encontrada por todos foi apropriada pela sua
relação com o próprio processo composicional. Durante os ensaios remarquei
principalmente os vínculos que a sonoridade de um instrumento tinha (na
minha concepção) com a sonoridade de outro. Exemplos abundam na peça,
majoritariamente em forma de “duos”: whisper tons da flauta relacionados com
o arco do violoncelo (crinas) passado no canto da caixa harmônica, batidas no
piano relacionadas com as batidas no violoncelo, glissandi de diversos
instrumentos, respirações sonoras na parte da voz com os sons eólicos da
flauta etc.
Mas se minha preocupação estava centrada na execução pontual das
sonoridades, a dos instrumentistas se focou no fluxo temporal e na unidade
gestual. Faltando pouco mais de uma semana para a estreia, houve a
desistência do pianista (que não participava da disciplina). Decidi ser o
intérprete dessa parte que já me era familiar por tê-la executado durante as
experimentações iniciais no instrumento durante o processo inicial de
composição. O maior problema é que na última semana eu me encontrava
envolvido em outra estreia que aconteceria em outra cidade. 7 Contei com a
colaboração dos intérpretes que realizaram um ensaio durante minha ausência.
Neste ensaio foram resolvidos diversos problemas de ensemble e, segundo me
7
A estreia de Xon Ahuiyacan no IX ENCUn (Encontro Nacional de Compositores Universitários), em Porto
Alegre, estava agendada há meses e nunca tinha sido passada.
10
referiram, foram realizadas preciosas anotações sobre a interação gestual
entre os instrumentos.
Para a estreia decidimos seguir duas referências principais (a voz e a
flauta) e combinamos olhares pontuais em outros casos para coordenar os
gestos, sempre decidindo que um dos instrumentistas tomaria a iniciativa e o
outro o seguiria. A voz foi escolhida como referência principal por dois motivos.
Primeiro: é mais fácil para o cantor exteriorizar o gesto, já que ajuda na
execução. Os movimentos corporais reforçam o apoio diafragmático e o
trabalho dos músculos abdominais e intercostais. Já para o instrumentista o
gesto pode eventualmente ajudar ou atrapalhar a execução. Dentro dos
instrumentos a flauta foi escolhida para dar algumas entradas por permitir
maior facilidade de movimentação e pela maior experiência do intérprete, o
músico profissionalmente mais ativo.
Para concluir, queria referir algumas modificações feitas a partir de
sugestões dos intérpretes.
O primeiro evento da soprano (esfregar entre si duas folhas de papel)
foi uma modificação sugerida por Iara Rodríguez. No original a proposta era
esfregar as palmas das mãos. A solução encontrada foi mais eficiente, até
porque, mesmo não sendo do conhecimento da cantora, no áudio original o
som que motivou a ação era som de papel. Na parte de soprano foram
incorporadas notas mais agudas que as que constavam no original por causa
do registro específico da intérprete.
Na parte da flauta, as frases finais em náhuatl foram cantadas na boca
do instrumento também por sugestão do intérprete, ganhando maior projeção e
“fundindo” melhor com a fala do pianista na caixa de ressonância do piano.
Inúmeras foram as sugestões do flautista, Fabrício Ribeiro, para solucionar
problemas de ensemble.
O violoncelista, Sergio Murillo Jerez, sugeriu ajustes principalmente na
continuidade de alguns sons, que na versão original interrompiam o fluir da
música. Foram modificadas as durações de alguns mutes e de gestos col legno
batutto.
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A professora da disciplina, Zélia Chueke, sugeriu alterações no pedal
de ressonância do piano, que originalmente permanecia continuamente
abaixado. Sugeriu sua retirada em dois pontos para que outras sonoridades
(whisper tons e fry), que ficavam ocultas na textura, viessem à tona.
Todas estas sugestões contribuíram para uma apresentação senão
impecável muito orgânica. A estreia, no dia 18 de outubro de 2011 (Auditório do
DeArtes), foi bem recebida pelo público que fez comparações entre os sons
presentes na peça e suas memórias de sonoridades presentes no seu
cotidiano.
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2. Pequena impressão – Sergio Andrés Murillo Jerez
Pequena impressão foi composta aproveitando parte do instrumental
disponível na aula: flauta, violino, violoncello, piano e quarteto vocal. Minha
participação nesta peça foi como cantor na estreia, em aula aberta da disciplina
Ensino e Prática de Música Contemporânea no dia 29 de outubro de 2011.
Pequena impressão me faz refletir sobre as características diferentes
da poética de Murillo Jerez em relação à minha, tanto em aspectos concretos
(tipo de materiais sonoros) quanto aos princípios estéticos. A proposta do
Murillo Jerez, em linhas gerais, parece a primeira vista tender mais à abstração
do que à mímesis de eventos do mundo real.8 Porém, creio perceber no seu
impulso dramático um tratamento narrativo da forma, senão narrativo no
sentido estrito de “contar uma história” através dos sons, pelo menos no
sentido de “criar uma história” através dos sons, uma história sonora; e se
penso assim é por ser ciente do seu interesse em duas artes essencialmente
narrativas: cinema e literatura. Porém, creio que Murillo Jerez procura não
definir suas sensações de uma maneira definitiva. As alturas, por outro lado,
parecem ser a base de sustentação da composição (diferente do meu trabalho,
onde elas tem peso secundário), escolhidas pela escuta, a partir de seu
potencial expressivo e não a partir de princípios estruturais estabelecidos a
priori. O tratamento da voz em Pequena impressão, por outro lado parece
focado em aspectos diferentes do que nas minhas peças. Enquanto eu prezo o
uso da palavra com significação (textos em línguas reais) Murillo Jerez
emprega em Pequena impressão fonemas escolhidos pela sua relação tímbrica
com os instrumentos, configurando unidades sonoras e gestuais que sugerem
uma espécie de “língua inventada”, que funciona para dar direcionalidade
8
Esta dicotomia estética que proponho entre os dois trabalhos baseia-se nas classificações de
Simon Emmerson (1986), para quem há dois tipos extremos de construção musical: o discurso
aural e o discurso mimético. O primeiro tenderia a uma linguagem musical abstrata (baseada
em valores estritamente musicais) enquanto a segunda propuraria “representar” eventos do
mundo exterior. De qualquer maneira, é difícil encontrar exemplos musicais alineados
completamente a uma tendência. Na prática há uma combinação de ambos com tendências
pessoais mais miméticas ou mais abstratas.
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musical. Outro aspecto diverso é o uso de técnicas estendidas que, em vez de
papel protagonista, parecem cumprir funções colorísticas ou ornamentais.
Nas conversas informais que tive com Murillo Jerez comentamos essas
diferenças. Enquanto eu procuro talvez dotar as sonoridades contemporâneas
de uma nova significação, pela intenção explícita de vinculá-las a elementos do
cotidiano das pessoas, Murillo Jerez me confessou a preocupação por criar
uma poética híbrida entre a tonalidade e a atonalidade. O fundo do problema
que origina as pesquisas, porém, apresenta semelhanças: ambos procuramos
estratégias de aproximação com o ouvinte, restabelecermos pelo menos em
parte um código subjacente que em algum momento foi fraturado pela
diversidade de linguagens da música contemporânea. Talvez essa nossa
preocupação tenha a ver com o meio em que vivemos, alheio às vanguardas e
desinformado. Como estabelecer esse diálogo com um público que
desconhece a música do século XX? Para mim, a opção talvez seja procurar
na vida das pessoas, observar fenômenos sonoros presentes no cotidiano e
tentar recriá-los através da liberdade de expressão da música contemporânea;
para Murillo Jerez, talvez reproduzir com novos meios as tensões e distensões
dramáticas sistematizadas no período tonal.
A peça, segundo o autor, “surge da ideia de multipeças do Kurtag, a
ideia principal foi partir de uma impressão que tive já faz algum tempo”. 9 Seria,
segundo me referiu em conversa, o início de um ciclo de peças curtas. A
intenção, de qualquer maneira não foi “traduzir de maneira descritiva essa
impressão”: tudo forma “parte de uma interpretação” dessa impressão.
Esclarece que algumas ações instrumentais, que poderiam ser entendidas
como miméticas (o início da flauta imitando o ponteiro de um relógio, por
exemplo) “sugerem espaço e tempo [...] desde um ponto de vista
interpretativo.” Isto é, não pretende “representar” sonoramente um relógio de
parede, mas ativar, através desta associação mental, sensações no ouvinte
que remetam a sua “impressão” motivadora. A forma, segundo o autor, também
surgiu dessas memórias, que “levadas ao campo sonoro derivaram no discurso
9
Os textos entre aspas são trechos selecionados de um e-mail enviado para mim pelo autor.
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da peça”, o que significa que não foi derivada de modelo algum da tradição
nem de um planejamento compositivo. Este pensamento faz eco à pratica
conhecida como “through composed”10 no meio da música eletroacústica, em
que os autores partem do timbre, dos próprios materiais catalogados, para
construir a peça na própria sequência temporal em que será ouvida. 11
Montagem de Pequena impressão
A experiência de montagem de Pequena impressão foi uma
oportunidade
interessante
para
enfrentarmos
problemas
de
leitura
e
estudarmos soluções possíveis. Assim como em Fluxo intermitente, sentimos a
falta de uma regência que articulasse o conjunto, que oferecesse uma
referência visual, já que pelas características sonoras da peça, a pulsação não
fica em evidência. Para solucionar este problema no escasso tempo disponível
certamente contar com um regente teria sido a melhor solução. Na falta dessa
opção tivemos que estabelecer pontos de referência auditivos e adotar
algumas estratégias de estudo.
A presença de um regente, numa estreia, é também útil em aspectos
práticos básicos: a falta de um condutor que indique com precisão as entradas
torna necessário o uso da grade por todos os músicos. As viradas de páginas
contínuas atrapalham o fluir musical e a concentração do intérprete. Também é
importante, a meu ver, que o compositor ouça o resultado sonoro “de fora”, isto
é, tanto no caso de Fluxo intermitente quanto de Pequena impressão os
compositores, ao participarmos como intérpretes na montagem, tivemos um
10
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Composto “através”.
O processo descrito não é tão simples. Frequentemente, o compositor eletroacústico reserva
materiais em outro ambiente virtual (ou em outro lugar do próprio ambiente) que são
trabalhados em forma paralela à espera de um momento apropriado para serem inseridos. Isto,
de qualquer maneira, não modifica radicalmente o processo geral de voltar atrás e ouvir a peça
desde o início para tomar as decisões formais a partir de um feed-back direto com o som.
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ponto de vista “interno”, preocupado com problemas parciais, impedidos de ter
uma percepção global. Mas a realidade prática que enfrenta o compositor no
nosso meio requer o enfrentamento desse tipo de situações. A experiência de
aula, desta maneira, apontou problemas práticos típicos: falta de regência e
tempo insuficiente para a maturação da obra.
O problema central em Pequena impressão são as oscilações no
tempo. A peça apresenta frequentes mudanças de “sensação” de tempo que
dificultam a “internalização” do pulso por parte dos intérpretes. Observando a
partitura isso não fica evidente, já que não há mudança de metrônomo. Ao
iniciar a leitura, porém, essa sensação desaparece. No trecho inicial (c. 1 a 11)
a sensação de tempo não é estável, por causa de duas fermatas e pela
liberdade sugerida visualmente pela colocação de barras de compassos
atendendo a uma articulação gestual mais do que métrica. Do c. 12 ao c. 17, o
tempo geral é construído em cima de um ostinato rítmico, o que torna o tempo
mais estável, embora algumas intervenções atuem com temporalidade
diferente (violino e violoncelo do c. 13). Por outro lado, o final com cadências
desencontradas no tempo, esvazia a sensação de unidade gerada pelo
ostinato. Do c. 18 ao c. 24, o tempo apresenta novamente instabilidades, a
pulsação é retirada e a textura é composta por eventos pontuais entrelaçados:
os intérpretes enfrentam o desafio de manter a pulsação ao executar frases
curtas numa textura entrelaçada. A direcionalidade dos gestos entrelaçados,
por outro lado, em alguns casos é contraditória. A seção final (a partir do c. 25)
apresenta uma relação de figura-fundo gradualmente desconstruída. Inicia com
a fixação de um ostinato de piano (fundo) sobre o qual os instrumentos fazem
intervenções pontuais (sugerindo a ideia de “figuras em movimento”). Se por
um lado a figuração do piano não deixa em evidência a pulsação (o resultado
sonoro lembra o que em música eletroacústica chamaríamos de “massa
sonora”), as intervenções esporádicas dos outros instrumentos apresentam
outra temporalidade, uma temporalidade que, de qualquer maneira, não se fixa,
senão “transpassa” o espaço acústico, alterando continuamente nossa
sensação de tempo. No final da seção a relação figura-fundo é desconstruída:
o fundo do piano passa a primeiro plano (a “figura” se desintegra e o “fundo”
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invade o campo sonoro), posto que todos os instrumentos entram em acordo
com essa pulsação. Essa mudança, observada superficialmente, nos faria
supor que esse trecho é mais fácil de ser executado, porém, pelo fato de abrir
gradualmente o pedal de ressonância no piano (procurando evidentemente
uma sonoridade típica da música eletroacústica) a sensação de pulsação neste
instrumento desaparece completamente. A coordenação deste final se torna
extremamente complexa sem a ajuda de um regente.
Os problemas de interpretação derivaram principalmente desta
complexidade temporal, da dificuldade que a peça apresenta aos intérpretes na
fixação de uma pulsação. Outras questões técnicas (afinação dos cantores,
técnicas expandidas, passagens virtuosísticas) são resolvidas facilmente no
estudo individual. A dificuldade central da peça é a compreensão intuitiva (a
internalização) dessas problemáticas temporais pelos interpretes, de maneira
que o ensemble vivencie as flutuações como um corpo unitário.
Esses pontos de conflito interno da obra foram motivos constantes de
debates de estratégias interpretativas. O início encontrou dificuldades
principalmente nas entradas dos cantores devido à carga energética das frases
curtas de ritmo entrecortado e o problema de encontrar a nota sem ter um
instrumento dobrando a parte. Esse problema, de qualquer maneira, é fácil de
resolver com uma maior quantidade de ensaios individuais e coletivos. Outro
ponto crítico foi o compasso 18, por ser um ponto de elisão entre dois
comportamentos temporais diferentes. De novo penso que o necessário seja
ensaiar até “internalizar” essa mudança ao ponto de tornar a resposta corporal
mais intuitiva do que racional.
Mas o ponto crítico da interpretação foi o final. Por um lado o ritmo do
piano cria ansiedade nos instrumentistas que devem fazer as intervenções
esporádicas acima referidas, por outro a mistura sonora gerada pelo pedal de
ressonância do piano aberto até o fim desintegra a sensação de pulsação e
torna difícil coordenar a “cadência”. A ansiedade criada pelo ritmo gerou uma
aceleração do tempo (principalmente nos cantores). A questão da massa
sonora (e o pedal aberto) é de difícil solução e talvez só uma regência
17
conseguisse resolver. Uma estratégia aplicada foi tocar somente uma das
linhas do piano (o baixo) para ter uma sensação de pulsação mais definida.
Mas ao colocar de novo as duas mãos o problema persistia. Uma solução
sugerida foi tirar a ação de abrir o pedal do piano gradualmente ou retrasá-la.
Não concordo com essa proposta. A abertura gradual do pedal é o efeito
procurado pelo compositor. Como disse acima, procura-se uma sonoridade
típica da música eletroacústica com meios instrumentais: a geração de uma
massa sonora (ruidosa) que encubra o espectro sonoro total. Creio que nestes
casos devemos procurar soluções para reproduzir fielmente a ideia do
compositor e não optar por opções “salvadoras” que desfigurariam a intenção
original. Estabelecendo um paralelo, peças como “Lux Aeterna” de Ligeti, foram
derivadas de concepções sonoras eletroacústicas. Qualquer pessoa que tenha
enfrentado a responsabilidade de interpretar essa obra é consciente das
dificuldades que ela apresenta. Um texto apresenta desafios e a primeira
função do intérprete, a meu ver, é fazer o impossível por achar soluções de
acordo com o imaginado pelo compositor e não tentar alterar suas ideias por
causa de uma dificuldade. Particularmente, creio que a ideia de Murillo é
perfeitamente viável, só requer um trabalho cuidadoso. Afortunadamente, na
estreia da peça a ideia do compositor foi respeitada. Foi assumido o risco de
entrar em “terras” novas.
18
3. A espera silente – Marcelo Villena
A espera silente foi composta no segundo semestre de 2011,
fomentada pelos trabalhos de duas disciplinas: Seminário Avançado de
Composição II (ministrada pelo professor Daniel Quaranta) e Prática e Ensino
de Música Contemporânea (ministrada pela professora Zélia Chueke). A
primeira ofereceu discussões e leituras que contribuíram para o processo
criativo; a segunda, músicos disponíveis para experimentar a peça e a
possibilidade de montá-la e apresentá-la ao vivo. A peça foi estreada junto a
Pequena impressão no dia 29 de novembro de 2011 (DeArtes) em aula aberta
da disciplina.
A espera silente surgiu da procura de formas de tradução de uma
paisagem sonora para um conjunto instrumental, dentro de um contexto de
discussão de textos sobre tradução intersemiótica e tendências atuais de
criação artística. A peça desenvolve ideias diferentes sobre meu objeto de
pesquisa de mestrado, a composição de peças instrumentais motivadas no
estudo de paisagens sonoras: 1) a ideia de reproduzir por meios instrumentais
a experiência aural espacial da paisagem (estímulos sonoros vindo de todas as
direções) por meio da distribuição dos instrumentos em distintos pontos da sala
de concerto e 2) a ideia de reproduzir não os eventos pontuais observados no
áudio (como foi feito em Fluxo intermitente), mas o comportamento dos
agentes sonoros presentes na paisagem. Isto é, a concepção mimética da peça
pretende a reprodução da forma de agir dos agentes sonoros (animais, seres
humanos e fenômenos meteorológicos) no ambiente estudado.
Esta decisão foi tomada a partir da escuta dos áudios. A paisagem
motivadora fica localizada no alto do Morro da Lagoa (Florianópolis). É
composta pela sonoridade do entorno da última casa de uma rua íngreme, em
uma situação privilegiada de “posto avançado” da cidade sobre a mata, que a
rodeia por todos os lados. Nesta paisagem sonora, portanto, predominam os
sons naturais. Os sons de trânsito são abafados pela distância (a 500 mts. da
rodovia) e pelas próprias árvores. Os únicos sons humanos presentes no lugar
derivavam das ações e falas dos moradores. A intenção referida de reproduzir
19
a “forma de agir” dos agentes sonoros deriva da observação deste tipo de
entornos. As paisagens sonoras naturais apresentam características diferentes
às urbanas: a) elas são mais suaves, b) elas são mais estáticas e c) elas,
frequentemente, “pulsam”.
A primeira tarefa foi identificar os sons presentes e catalogá-los:
insetos (grilos e cigarras), pássaros de diversas espécies, vento, sapos, vozes
dos moradores da casa, sons decorrentes de atividades humanas (batidas de
panelas, batidas de portas, liquidificador), latidos e respirações de cachorros.
Esses sons foram distribuídos espacialmente em um desenho que reproduzia a
situação da paisagem e foram associados a instrumentos que poderiam
executar
uma
ação
sonora
similar.
Usei
todos
os instrumentos
(e
instrumentistas) disponíveis em classe: flauta transversal, piccolo, violino,
violoncelo, dois violões e dois cantores. Cada instrumento recebeu um raio de
ação de acordo com o seguinte plano:
Figura: Mapa da espacialidade de A espera silente.
Observação: V1 e V2 significam, respectivamente, Violão 1 e Violão 2
20
O ponto de partida da composição foi este mapa. Estabeleceram-se 6
“momentos” para a composição. Em cada um destes “momentos” os
instrumentistas têm instruções para executar as “ações” sonoras especificadas
em ordem aleatória. Isto é, cada “momento” tem seu repertório de “ações”, mas
a sequência em que são tocadas e as pausas que devem ser intercaladas
entre elas são decididas pelos intérpretes. Os músicos não devem procurar
coordenar as “ações”, mas devem procurar ouvir o que o colega faz, “dialogar”
com a sonoridade geral ou com alguma sonoridade específica. Se ouvirmos
com atenção uma paisagem natural perceberemos que é isso o que acontece:
um pássaro que emite um canto espera uma resposta. Os animais são mais
predispostos a ouvir do que o homem, já que da audição depende sua
subsistência. Esse tipo de atitude, a da espera silenciosa do animal, combinada
a reflexão sobre a situação de espera que eu vivenciava quando morei nesse
local derivaram no título da peça.
Estas características diferentes das paisagens sonoras naturais em
relação às naturais derivam, portanto, em leituras musicais diferentes.
Enquanto as paisagens urbanas conduzem minha escuta a um retrato
“anedótico”, relatando eventos pontuais acontecidos em um dia e uma hora
determinadas, as paisagens naturais o fazem em direção a ideia de
permanência, a uma concepção sonora “meditativa”. Por esse motivo, o
discurso da peça afasta-se da intenção dramática corrente na música de
concerto erudita, aproximando-se ao campo das instalações sonoras: pretendese, antes que nada, criar um ambiente de fruição dos sons, reproduzir a
sensação do corpo dentro da paisagem. De qualquer maneira, em A espera
silente, a sequência dos “momentos” (com suas indicações de dinâmica) revela
uma intenção narrativa.
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Montagem de A espera silente
Pelas características da peça a montagem não foi difícil. A
indeterminação interna dos momentos possibilita, em tese, que ela seja
executada sem muitos ensaios: não existe aqui o problema da coordenação de
partes. A problemática reside no desenvolvimento de um novo tipo de escuta
por parte do intérprete. O intérprete não deve se preocupar em executar suas
partes entrelaçadas temporalmente com o que os outros fazem, mas deve
prestar talvez maior atenção do que em uma peça tradicional. Deve cuidar de
não encobrir os sons dos outros, deve procurar dialogar com os outros sons e
deve ouvir como sua sonoridade se expande na sala. Uma ideia que expressei
para os intérpretes foi a de imaginar que eles eram os animais retratados:
pensar que eles cantam, talvez para demarcar seu território ou indicar para os
outros sua presença. Dessa maneira, assim como faz um pássaro depois de
cantar, esperar as respostas que o ambiente oferece, não se precipitar em
tocar, não ter medo do silêncio. Imaginar até, que o silêncio está contido dentro
dos sons. A dificuldade de interpretação está na atitude meditativa que os
músicos devem adquirir e no desenvolvimento de novas formas de percepção.
Esse tipo de atitude que o músico deve desenvolver transcende em
parte o requerido pelos hábitos de concerto. Isto me fez pensar que a
composição também é vinculada ao universo da performance art. Além de
música é uma “ação” em um espaço, uma “ação” na qual os intérpretes tem
que estar envolvidos com uma atitude corporal, um tipo de concentração e uma
forma de interação com o público. Caracterizar de “teatral”, a meu ver, seria
desmedido, porque não exige a composição de uma personagem, mas a
interiorização de uma “atitude” viva.
A montagem apresentou dificuldades na assimilação desse tipo de
comportamento diverso nos músicos. Nossa educação musical é focada na
interpretação de um repertório (geralmente tradicional) em seus aspectos
técnicos. O ensino de música carece geralmente de reflexões filosóficas sobre
o que está sendo feito e sobre o porquê. Uma das maiores dificuldades foi
22
conseguir fazer silêncio antes de começar. Eu teria gostado de começarmos
cada nova passada nos ensaios após um silêncio de um minuto. Foi impossível.
O silêncio que antecedia não durava mais de 10 segundos. Um tempo
insuficiente.
A estratégia de usar um gesto do violoncelo como marca de regência
dividindo os “momentos” foi eficiente. Após poucas passadas da peça todo
mundo entendia o sinal. Aspectos sonoros específicos da peça, que discordam
com o repertório convencional, demoraram a ser assimilados. Alguns
instrumentistas movimentam-se pela sala e o ensemble não está reunido num
espaço reduzido, mas espalhado por todos os cantos. Desta maneira, é
possível que em alguns momentos não consigamos ouvir o que outro colega
está fazendo (por exemplo, quando o cantor está virado de costas). Isso não
deve ser motivo de desespero. A experiência aural nas paisagens apresenta-se
exatamente assim: às vezes um som encobre o outro momentaneamente, mas
se permanecer por mais tempo o veremos ressurgir e perceberemos que em
todo momento o estávamos ouvindo. Esse tipo de reflexão sobre o som
ambiental é possível pelo tipo de construção proposta, combinando
determinação e indeterminação. De qualquer maneira, foi aconselhado aos
instrumentistas prestar atenção nos outros. Se o músico não está ouvindo o
outro por muito tempo significa que há um desequilíbrio sonoro.
Uma
constatação
interessante
foi
a
descoberta
da
função
amalgamadora dos harmônicos dos violões. Esses harmônicos representam o
canto “pulsante” dos grilos na paisagem modelo. O canto dos grilos naquela
paisagem é uma marca contínua, dia e noite. A ausência desses harmônicos
gerava uma sensação de vazio: solicitei que, enquanto um dos violonistas
estivesse fazendo outra “ação” o outro tocasse os harmônicos.
A questão das falas é um aspecto complexo para um músico. A voz
deve ser ouvida, requer impostação. Mas, no caso das falas do violoncelista,
devem ser enunciadas como uma atividade corriqueira. Talvez seja oportuno
convidar um diretor teatral para trabalhar essa questão.
23
Já o texto falado foi incorporado para preencher um vazio. Os primeiros
4 momentos são ricos em novidades sonoras. Os dois últimos, basicamente,
repetem ações anteriores. Faltava uma novidade e não era um tipo de material
similar. Surgiu a ideia do texto falado. Decidi incluir uma tradução
12
de um
pequeno trecho inicial da leitura performática Lecture of Nothing de John Cage,
13
por sua relação com a ideia da peça (o silêncio) e como forma de
homenagem ao autor, já que a ideia de imitar a “forma de operação” da
natureza provém de seus escritos e trabalhos.
Finalmente queria fazer uma reflexão e referir um aspecto inusitado da
interpretação. A reflexão se refere à maior desenvoltura percebida nos músicos
que tem experiência em música popular. Isso se deve talvez, a que eles têm
experiência no campo da improvisação. Desta maneira, eles se sentem mais à
vontade para tomar decisões por conta própria. Creio que na educação musical
que prepara um músico erudito isto deveria ser tomado em conta, já que no
repertório atual isso é um problema bastante comum. O aspecto inusitado foi
uma cena que surgiu entre os dois cantores proposta pelo barítono José Brasil.
Foi uma cena simples, sem relação aparente com a poética da peça, mas que
me agradou pela sua espontaneidade e por ter acrescentado um elemento de
interesse visual de força expressiva. Esse tipo de intérprete, que está livre a
experimentar e brincar com o texto é raro e extremamente útil.
12
13
A tradução foi feita em colaboração com Narjara Reis.
CAGE, John. Silence. Lectures and writings by John Cage. Wesleyan University Press. Hanover, 1973.
P.109.
24
Considerações finais
O presente texto foi um exercício de reflexão sobre uma atividade de
aula. Discutiram-se questões técnicas e estéticas relativas ao processo de
montagem de 3 peças de alunos do curso de mestrado. Através da discussão
vimos como essas peças ganharam vida, a partir de uma escritura no papel.
Esta oportunidade oferecida pela disciplina é um veículo inestimável para o
aluno de composição, que, ao colocar suas ideias em uma ação artística
concreta, pode não só conferir sua viabilidade e similitude com o som
imaginado, mas principalmente, ter a oportunidade única de ouvir as opiniões
dos instrumentistas em um ambiente aberto ao debate.
A disciplina Ensino e Prática de Música Contemporânea possibilitou
esse debate através de uma série de recursos pedagógicos, a meu ver,
eficientes: análise de partituras, audições, leituras de textos, montagem de
peças e este memorial da experiência de montagem. Creio que os alunos
envolvidos com a disciplina obtivemos um crescimento intelectual e artístico
que nos tornará mais aptos ao desenvolvimento de nossas atividades como
músicos e educadores. Porque, assim como aprendemos neste processo
ferramentas adequadas à resolução de problemas técnicos interpretativos,
penetramos também intimamente em problemáticas estéticas e cognitivas. A
compreensão destes problemas, as reflexões que surgiram no processo, nos
auxiliarão no futuro nas funções educativas. Lembrando que para os
interessados se trata de uma função cheia de obstáculos: transmitir a beleza e
a complexidade da música contemporânea.
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REFERÊNCIAS
CAGE, John. Silence: Lectures and writing of John Cage. Hanover:
Wesleylan University Press, 1973.
EMMERSON, Simon. The Language of Electroacustic Music. London: The
Macmillan Press Ltd, 1986.
SCHAEFFER, Pierre. Traité des objets musicaux. Paris: Editions du Seuil,
1966.
REZENDE, Marcos Caroli. Dezoito cantos náhuatl: textos bilíngües
comentados. Florianópolis: Editora da UFSC, 1995.
KAYPORA. O mundo das flautas e as flautas no mundo. Site disponível em :
<http://raiarkaypora.blogspot.com/p/quenas.html> Acesso: 23 de janeiro de
2012 às 20h e 15m.
MURILLO JEREZ, Sérgio Andrés. Texto enviado em e-mail sobre os
fundamentos estéticos da obra em 24 de janeiro de 2012.

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