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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço
JK ROWLING.
TRADUÇÃO: O PACTO
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
O Pacto gostaria de informar que essa tradução foi protegida por
uma Maldição das Bruxas Mancas da Calábria. Qualquer uso
indevido ou lucro auferido com a mesma não é de nossa
responsabilidade, o que acontecer com os insanos que a utilizarem
indevidamente, também não.
Todos os direitos reservados à autora.
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Para Mackenzie*,
minha linda filha,
eu dedico seu gêmeo de tinta e papel.
*Filha de J.K. Rowling. Também não sabemos de onde ela tirou esse nome... (N.T)
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
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Índice
PREFÁCIO – A TRADUÇÃO DO PACTO ............................................................................ 9
CAPÍTULO 1 – O OUTRO MINISTRO ............................................................................. 11
CAPÍTULO 2 – SPINNER’S END ...................................................................................... 20
CAPÍTULO 3 – ÚLTIMA VONTADE, CONTRA VONTADE .............................................. 29
CAPÍTULO 4 – HORACE SLUGHORN .............................................................................. 37
CAPÍTULO 5 – UM EXCESSO DE FLEUMA ..................................................................... 48
CAPÍTULO 6 – O DESVIO DE DRACO .......................................................................... 60
CAPÍTULO 7 – O CLUBE DO SLUG ................................................................................ 71
CAPÍTULO 8 – SNAPE VITORIOSO ................................................................................. 83
CAPÍTULO 9 – O PRÍNCIPE MESTIÇO ........................................................................... 91
CAPÍTULO 10 – A CASA DE GAUNT ........................................................................... 102
CAPÍTULO 11 – UMA MÃOZINHA DE HERMIONE ..................................................... 113
CAPÍTULO 12 – PRATA E OPALAS ............................................................................... 121
CAPÍTULO 13 – O RIDDLE SECRETO ......................................................................... 131
CAPÍTULO 14 – FELIX FELICIS .................................................................................... 141
CAPÍTULO 15 – O JURAMENTO INQUEBRÁVEL ........................................................... 153
CAPÍTULO 16 – UM NATAL MUITO FRIO .................................................................. 163
CAPÍTULO 17 – A LEMBRANÇA SLUGGIANA .............................................................. 173
CAPÍTULO 18 – SURPRESAS DE ANIVERSÁRIO ............................................................ 184
CAPÍTULO 19 – ELFOS NA COLA ................................................................................. 195
CAPÍTULO 20 – O PEDIDO DE LORD VOLDEMORT .................................................. 206
CAPÍTULO 21 – A SALA INATINGÍVEL ........................................................................ 217
CAPÍTULO 22 – DEPOIS DO ENTERRO ....................................................................... 226
CAPÍTULO 23 – HORCRUXES ........................................................................................ 237
CAPÍTULO 24 – SECTUMSEMPRA .................................................................................. 247
CAPÍTULO 25 – A VIDENTE ENTREOUVIDA .............................................................. 257
CAPÍTULO 26 – A CAVERNA ....................................................................................... 267
CAPÍTULO 27 – A TORRE ATINGIDA PELO RAIO ..................................................... 278
CAPÍTULO 28 – A FUGA DO PRÍNCIPE ....................................................................... 286
CAPÍTULO 29 – O LAMENTO DA FÊNIX .................................................................... 292
CAPÍTULO 30 – O TÚMULO BRANCO ......................................................................... 302
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
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PREFÁCIO
Harry Potter e o Príncipe Mestiço
A TRADUÇÃO
DO
PACTO
Há pouco mais de dois anos atrás, quando o livro Harry Potter and the Order of the Phoenix foi
lançado em inglês, muitos fãs brasileiros ficaram desesperados: a tradução de Harry Potter e o Cálice de
Fogo havia demorado um ano e meio para sair no Brasil, e todos que não liam em inglês temiam uma
espera angustiante de mais de um ano para ler o novo título de J.K. Rowling
Foi quando, no lançamento do livro no Rio de Janeiro, um grupo de fãs resolveu fazer uma tradução
alternativa e distribuir para amigos que não pudessem ler em inglês. A intenção não era atrapalhar a
comercialização do livro, mas dar uma oportunidade de levar a quem não lia em inglês uma tradução
com duas características essenciais: qualidade e respeito ao fã. Nascia assim, O pacto.
A tradução de Order of the Phoenix teve seus erros e tropeços, mas aprendemos muito com ela.
Quando foi ao ar, um pouco depois do que os integrantes realmente queriam, todos tinham um senso
de dever cumprido: nosso pacto havia pelo menos atingido os seus objetivos e seu trabalho foi
considerado, por muitas pessoas, a melhor tradução alternativa publicada na internet.
Em janeiro desse ano, com algumas ausências e muitas novas adesões, iniciamos o Segundo Pacto, com
um grupo de 32 pessoas dispostas a fazer um trabalho ainda melhor e mais rápido que o Pacto original.
Em 26 dias, tínhamos a nossa versão do livro, dessa vez com mais novidades e quatro revisões
antes da versão final.
Você encontrará notas explicativas em diversos capítulos para os termos cuja tradução nos deu
mais trabalho. Esperamos levar a todo fã de Harry Potter uma tradução fiel e bem cuidada, como só
um grupo de fãs seria capaz de elaborar.
Estamos torcendo para que você curta tanto nosso trabalho quanto curtimos fazê-lo, porque,
pode ter certeza: foi trabalhoso, mas foi muitíssimo divertido trazer o Pacto novamente à vida.
Tenha uma boa leitura e divirta-se!
Assinado: Todos os Tradutores do Pacto:
Cap 01 – Mc.Gonnagal – LEIAM AFTER THE END
Cap 02 – Starbuck – hum... isso tem alguma coisa a ver com P Sherman 42, Wallaby Way, Sidney,
certo?
Cap 03 – Hope Black – Nem todos me amam. As pessoas certas me odeiam.
Cap 04 – Narcissa Black Malfoy – Sangue de Black e sobrenome de Malfoy. O que esperar de
alguém assim? Não se deixe enganar pelo que já foi dito sobre ela, surpresas podem estar por vir.
Cap 05 – Veruka Salt – Eu quero um esquilo, eu quero, eu queeeeeeero!
Cap 06 – Queen Mab – A rainha das fadas, que considera a Titânia uma usurpadora
supervalorizada pelo Shakespeare, gosta de Harry Potter, mas prefere mesmo o Dumbledore
Cap 07 –Victor Krum – Mau-humorado? Imagina!
Cap 08 – Penelope Clearwater, gosta de traduzir e comer chocolate enquanto faz isso.
Cap 09 – Rapsberry – Doce e azedinha.
Cap 10 – Griselda, que muito já viveu e aprendeu sobre Harry Potter.
Cap 11 – Jane Scott – Doutora em Poções e HIPERPOP. Um pouco louca, um pouco sã, essa
garota gosta de chuva, de superanalisar e de rock!
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Cap 12 – Aluado – Com problemas sérios de memória, vive no mundo da Lua, é capaz até de
esquecer seu próprio nome! Mas, quando os amigos precisam, sempre está ali para ajudá-los.
Cap 13 – Miss. J. McLane – “A Chefa”. The chosen one who rules it all (A escolhida para mandar
nisso tudo). Criadora de um revolucionário estilo de democracia: todos votam, ela decide.
Cap 14 – Penélope Charmosa: traduzindo o capítulo numa corrida maluca.
Cap 15 – Miss J. McLane, fazendo hora extra e traduzindo mais um capítulo.
Cap 16 – O Rei Shura – C++/Java/C#, Software Livre, Cultura Livre, orgulho da Lufa-Lufa
e de ser Lufo!
Cap 17 – Nymphadora Tonks, uma auror a favor da distribuição da cultura
mágica para todos. E que acha ótimo ser metamorfomaga numa situação como essa!!
Cap 18 – Molly Weasley – Mãezona, ótima cozinheira e traduzindo quando nenhum dos filhos
está em perigo.
Cap 19 – Morena Marzanna – que sabe que sua perversidade agrada a muitos por saber usá-la
com arte.
Cap 20 – Aluada – a que observa muito mais do que fala, mas que está sempre por perto.
Cap 21 – K – sempre de vestes negras, de varinha em punho tentando convencer o mundo
inteiro que não existe magia, que tudo é obra da imaginação fértil de algumas pessoas. Ah, você tem
certeza que magia existe...peraí...Obliviate!!!
Cap 22 – Wind-Headed Alchemist – que tem vento entre os ouvidos, e vive com a cabeça nas
nuvens, mas anda flutuando apaixonado.
Cap 23 – Elodie Deveraux – uma bruxa esperando ser resgatada do convívio dos trouxas por
alguém em uma moto voadora. Algum meio-gigante aí se habilita???
Cap 24 – Vivi – Canceriana, emotiva, sentimental, chorona e romântica sim. Definitivamente,
este capítulo foi (per)feito pra mim!
Cap 25 – Mrs. Riddle. – Eu apóio Lord Voldemort. Algo contra?
Cap 26 – Victor Krum mais uma vez. Sim, esse cara deve gostar de traduzir!
Cap 27 – O Padawan – Monstrão de açúcar, sangue de barata, covarde confesso e louco furioso.
“Louco? Passou um por aqui agorinha... ouvi dizer que tão pagando R$ 2,00 por quilo lá em Sampa...”
Cap 28 – OX – Dumbledore’s man through and through. Pronto para qualquer missão no ar,
Na terra, selvagem cão de guerra.
Cap 29 – Menino mau que não entregou nem ninck nem mini bio!
Cap 30 – Dagluma – Fala inglês desde os seis anos e já morou em muitos países, portanto fala
também outras línguas. Ela também faz tradução ocasionalmente e você já pode ter lido algum de
seus trabalhos se é fã de Jornada nas Estrelas. Agora ela foi sugada para dentro do universo de Harry
Potter, onde encontrou muitos amigos tanto no mundo bruxo quanto no mundo trouxa e atualmente
esconde-se em várias passagens secretas do Castelo de Hogwarts.
Revisão: Griselda, Queem Mab, J. McLane.
Revisão final e leitura de teste: Hanna – Bruxa artística e professora de trouxas adolescentes.
Colaboradoras:
Hannah e Cau Tonks, que ficou dodói e não pôde ajudar mais na tradução, mas nos deu força
em tudo.
Agradecimentos: a todos os malucos que incentivaram e esperaram a tradução do pacto.
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– CAPÍTULO 1–
O Outro Ministro
Era quase meia-noite e o Primeiro Ministro encontrava-se sentado sozinho em seu escritório,
lendo um longo memorando o qual passava pelo seu cérebro sem deixar nem um pingo de informação.
Ele esperava uma ligação do presidente de um país distante, e entre estar imaginando quando o
infeliz ligaria, e estar tentando suprimir lembranças desagradáveis do que tinha sido uma semana
longa, cansativa e difícil, não havia muito espaço em sua cabeça para mais nada. Quanto mais ele
tentava prestar atenção no que estava escrito no memorando à sua frente, mais claramente o Primeiro
Ministro podia ver a cara de regozijo de um de seus oponentes políticos. Esse oponente em particular
havia aparecido nos noticiários naquele mesmo dia, não apenas para enumerar todas as coisas terríveis
que haviam acontecido na última semana (como se alguém precisasse ser lembrado), mas também
para explicar por que cada uma delas tinha acontecido por culpa do governo.
O pulso do Primeiro Ministro se acelerou apenas ao lembrar-se dessas acusações, já que elas
não eram justas ou verdadeiras. Como o seu governo poderia ter impedido que aquela ponte caísse?
Era revoltante que alguém sugerisse que eles não estavam gastando o suficiente em pontes. A ponte
em questão tinha menos de dez anos de construção, e os melhores peritos não sabiam explicar como
ela tinha se partido tão perfeitamente em duas partes, levando uma dúzia de carros para as profundezas
do rio abaixo. E como alguém se atrevia a sugerir que os dois horrendos assassinatos super divulgados
haviam acontecido devido à falta de policiamento? Ou que o governo devia ter previsto de alguma
forma o estranho furacão que acontecera em West Country e que havia causado tantos danos materiais
e tantos feridos? E por acaso era culpa dele que um de seus Ministros Juniores, Herbert Chorley,
tivesse escolhido justamente esta semana para agir de forma tão peculiar, que agora ele teria que
passar muito mais tempo com a sua família?
– A depressão acomete o país – seu oponente havia concluído, mal contendo o sorriso.
E infelizmente, era a pura verdade. O próprio Primeiro Ministro também sentia isso. As pessoas
realmente pareciam mais infelizes que o usual. Mesmo o tempo estava horrível, com toda essa neblina
fria no meio de julho...não era certo, não era normal...
Ele virou o memorando para sua segunda página, verificou o quão longo ele era, e desistiu de
lê-lo. Esticando os braços acima de sua cabeça ele olhou ao redor de seu escritório tristemente. Era
um lindo aposento, com uma boa lareira de mármore de frente para a longa janela de guilhotina, que
se encontrava fechada devido ao frio fora de época. Com um pequeno calafrio, o Primeiro Ministro se
levantou e dirigiu-se à janela, olhando para a fina neblina que se pressionava contra o vidro. Foi nesse
momento, quando estava de costas para o aposento, que ele escutou uma leve tossida atrás dele.
Ele ficou paralisado por um momento, de frente para seu assustado reflexo no vidro enegrecido
pela escuridão. Ele conhecia aquela tossida, pois já a havia escutado antes. Virando-se lentamente,
ele olhou para o escritório vazio.
– Olá? – Ele disse, tentando soar mais corajoso do que ele se sentia.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Por um breve momento permitiu-se ter a esperança absurda de que ninguém lhe responderia.
No entanto, a voz respondeu prontamente, de forma decisiva e seca, como se estivesse lendo uma
declaração preparada. A voz vinha, como o Primeiro Ministro sabia desde a primeira tossida, do
pequeno homem que lembrava um sapo e usava uma longa peruca prateada que estava representado
em um pequeno e sujo quadro a óleo no canto mais distante do escritório.
– Para o Primeiro Ministro dos Trouxas. Precisamos nos encontrar urgentemente. Por favor
responda o mais rápido possível. Sinceramente, Fudge.
O homem no quadro olhou de forma inquisitiva para o Primeiro Ministro.
– Bem – disse o Primeiro Ministro – escute... este não é um bom momento para mim...Estou
esperando uma ligação telefônica, entende?... Do President d...–
– Isso pode ser arranjado – disse o quadro prontamente. O Primeiro Ministro empalideceu. Ele
temera algo assim.
– Mas eu estava realmente querendo falar...
– Nós providenciaremos para que o Presidente se esqueça de ligar. Ele ligará amanhã à noite –
disse o homenzinho. – Favor responder imediatamente ao Sr. Fudge.
– Eu...bem...está certo – respondeu o Primeiro Ministro baixinho. – Sim, eu verei Fudge.
Ele apressadamente voltou à sua mesa, ajeitando a gravata. Mal havia se sentado e estampado
em seu rosto o que ele esperava que fosse uma expressão relaxada e despreocupada, quando chamas
verdes brilhantes ganharam vida em sua lareira de mármore. Ele observou, tentando não aparentar
surpresa ou alarme, um homem aparecer dentre as chamas, girando rápido como um pião. Segundos
depois, este homem havia saído da lareira e estava de pé em um finíssimo tapete antigo, limpando as
cinzas das mangas de seu casaco de risca de giz, um chapéu coco verde em sua mão.
– Ah...Primeiro Ministro – disse Cornélio Fudge, dando alguns passos à frente com a mão
estendida. – É bom vê-lo de novo.
O Primeiro Ministro não poderia retribuir o elogio sinceramente, então preferiu não dizer nada.
Ele não estava nem um pouco contente de ver Fudge, cujas aparições ocasionais, além de serem
alarmantes por si só, geralmente significavam que estava prestes a ouvir péssimas notícias. Além
disso, Fudge parecia claramente preocupado. Estava mais magro, mais careca, mais grisalho e seu
rosto tinha um jeito amarrotado. O Primeiro Ministro tinha visto essa aparência em políticos antes, e
nunca queria dizer boa coisa.
– Como posso ajudá-lo? – perguntou, apertando a mão de Fudge rapidamente e apontando
para a cadeira mais dura em frente a sua mesa.
– É difícil saber por onde começar – murmurou Fudge, puxando a cadeira, sentando-se e
colocando seu chapéu verde sobre os joelhos. – Que semana, que semana!
– Também teve uma semana ruim? – perguntou o Primeiro Ministro secamente, esperando
assim passar a Fudge a idéia de que ele sozinho já tinha problemas demais para se preocupar sem
nenhuma ajuda extra de Fudge.
– Sim, claro – disse Fudge, esfregando os olhos cansados e olhando mal-humorado para o
Primeiro Ministro. – Eu tive a mesma semana que o senhor, Primeiro Ministro. A Ponte Brockdale...
os assassinatos de Bones e Vance... sem mencionar a confusão em West Country ...
– Você... bem... o seu... quer dizer, alguns de seu pessoal estavam... estiveram envolvidos
nesses... nesses eventos?
Fudge olhou fixamente para o Primeiro Ministro de um jeito meio severo. – Claro que estiveram.
Com certeza você já se deu conta do que está acontecendo?
– Eu... – o Primeiro Ministro hesitou.
Era exatamente esse tipo de comportamento que o fazia desgostar tão profundamente das
visitas de Fudge. Afinal de contas, ele era o Primeiro Ministro e não apreciava quando faziam-no se
sentir um garoto ignorante. Mas é claro, tinha sido assim desde seu primeiro encontro com Fudge na
sua primeira noite como Primeiro Ministro. Ele se lembrava como se tivesse acontecido na véspera e
sabia que isso o assombraria até o dia de sua morte.
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Capítulo 1 – O outro Ministro
Estava de pé sozinho nesse mesmo escritório, saboreando o triunfo depois de tantos anos de
sonhos e planejamentos, quando ouvira uma tosse atrás de si, exatamente como nesta noite, e ao
virar-se se deparara com aquele pequeno e feioso quadro falando com ele, anunciando que o Ministro
da Magia estava prestes a chegar e se apresentar.
Naturalmente, ele pensara que a longa campanha e o estresse da eleição o tinham enlouquecido.
Ele ficou completamente aterrorizado ao ver um quadro falando com ele, mas isso não foi nada
comparado ao que sentira quando um homem que se dizia bruxo pulara de sua lareira e apertara sua
mão. Ele permanecera sem palavras durante a gentil explicação de Fudge de que ainda existiam
bruxos e bruxas vivendo em segredo por todo o mundo, e enquanto ele o assegurava de que não
devia se preocupar com eles, já que o Ministério da Magia se responsabilizava por toda a comunidade
bruxa e tomava as devidas precauções para que a população não-mágica nunca soubesse de sua
existência. Era um trabalho difícil que abrangia tudo, desde regras sobre a forma responsável de se
usar vassouras até como manter a população de dragões sob controle (o Primeiro Ministro lembravase de ter-se segurado em sua mesa buscando apoio para não cair nesse momento). Fudge então havia
dado um tapinha paternal nas costas do estarrecido Ministro.
– Não se preocupe – dissera. – O mais provável é que você nunca mais me veja. Eu só virei
importuná-lo se alguma coisa realmente séria estiver acontecendo do nosso lado, algo que for capaz
de afetar os trouxas, a população não-mágica, eu deveria dizer. Caso contrário é viva e deixe viver. E
devo dizer, você está reagindo muito melhor que seu antecessor. Ele tentou me atirar para fora da
janela, achando que eu era parte de um logro planejado pela oposição para o desacreditar.
Nesse momento, o Primeiro Ministro recuperou finalmente sua voz.
– Você...você não é parte de um logro, então?
Esta havia sido sua última e desesperada esperança.
– Não – dissera Fudge gentilmente. – Não, eu receio que não. Veja.
E ele transformara a xícara do Primeiro Ministro num pequenino esquilo da Mongólia.
– Mas – disse o Primeiro Ministro sem fôlego, assistindo sua xícara mastigando o canto de seu
próximo discurso. – Mas por que... por que ninguém me contou...?
– O Ministro da Magia apenas se revela para o Primeiro Ministro Trouxa da ocasião – respondeu
Fudge, guardando sua varinha dentro do paletó. – Nós achamos esta a melhor forma de manter tudo
em segredo.
– Mas então – balbuciou o Primeiro Ministro. – Por que nenhum dos Primeiros Ministros eleitos
até hoje me avisou...?
Fudge gargalhou neste momento.
– Meu caro Primeiro Ministro, você pensa em contar isso para alguém?
Ainda rindo, Fudge jogou algum pó na lareira, adentrou as chamas verdes, e desapareceu com
um chiado. O Primeiro Ministro ficou parado, de pé, e chegou à conclusão de que nunca, enquanto
vivesse, ele se atreveria a contar sobre este encontro a alguma alma viva, pois quem em todo o
mundo acreditaria nele?
O choque demorara a passar. Por um tempo, ele tentara convencer-se de que Fudge havia sido
uma alucinação causada pela falta de sono durante sua exaustiva campanha. Numa tentativa vã de se
livrar de toda e qualquer lembrança do desagradável encontro, ele havia dado o esquilo para sua
encantada sobrinha, e instruíra seu secretário particular a retirar o quadro do homenzinho feio que
havia anunciado a chegada de Fudge. Para sua decepção, no entanto, era impossível remover o quadro.
Depois que vários carpinteiros, um ou dois pedreiros, um historiador de arte e o Ministro da Fazenda
haviam tentado sem sucesso retirar o quadro da parede, o Primeiro Ministro abandonara essa idéia e
simplesmente passara a torcer para que a coisa permanecesse parada e em silêncio durante todo o
resto de seu mandato. Ocasionalmente ele podia jurar ter visto de rabo de olho o ocupante do quadro
bocejando, ou coçando o nariz, sendo que uma ou duas vezes ele parecia inclusive ter andado para
fora da moldura, não deixando nada atrás de si além do fundo de tela marrom. No entanto, ele havia
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
se condicionado a não olhar muito para o retrato, e sempre dizia firmemente a si mesmo que seus
olhos estavam lhe pregando peças quando algo assim acontecia.
E então, três anos antes, numa noite como esta, o Primeiro Ministro estava sozinho em seu
escritório quando o retrato mais uma vez anunciara a chegada iminente de Fudge, que pulara da
lareira com as roupas todas molhadas e num estado de considerável pânico. Antes que o Primeiro
Ministro pudesse perguntar por que Fudge estava molhando todo o carpete Axminster, Fudge começara
a reclamar de uma prisão da qual o Primeiro Ministro nunca ouvira falar, um homem chamado “Sérios”
Black, algo que soava parecido com “Hogwarts” e um garoto chamado Harry Potter, nenhum dos
quais fazendo o menor sentido para o Primeiro Ministro.
– ...acabo de chegar de Azkaban – Fudge dissera, sem fôlego, entornando a grande quantidade
de água acumulada na aba do chapéu coco em seu bolso. – Fica no meio do Mar do Norte, sabe, vôo
desagradável...os dementadores estão em polvorosa – estremeceu – pois nunca tinha havido uma
fuga até hoje! De qualquer forma, eu tinha que vir até o senhor, Primeiro Ministro. Black é um
conhecido assassino de trouxas, e pode estar planejando se juntar novamente a Você-Sabe-Quem...
Mas é claro, o senhor sequer sabe quem é Você-Sabe-Quem! – Ele olhara desesperançado para o
Primeiro Ministro por um momento, e então dissera: – Bem, sente-se, sente-se, é melhor eu lhe
explicar... beba um uísque...
O Primeiro Ministro se sentira um tanto incomodado por mandarem-no sentar em seu próprio
escritório, sem contar oferecerem-lhe de seu próprio uísque, mas mesmo assim sentou-se. Fudge
puxara sua varinha, conjurara do nada dois copos grandes cheios de líquido âmbar, entregara um ao
Primeiro Ministro, e puxara uma cadeira.
Fudge falara por mais de uma hora. Em um determinado momento, ele se recusara a falar um
certo nome em voz alta, e acabara escrevendo-o em um pedaço de papel, colocando na mão livre do
Primeiro Ministro. Quando finalmente Fudge se levantara para ir embora, o Primeiro Ministro também
se levantou.
– Então você acha que... – ele olhara para o nome em sua mão esquerda. – Lord Vol...
– Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado! – grunhiu Fudge.
– Desculpe...Você acha que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado ainda está vivo, então?
– Bom, Dumbledore diz que ele está – disse Fudge, enquanto abotoava sua capa de risca de giz
até o queixo. – Mas nós nunca o encontramos. Se você quer saber a minha opinião, ele só é perigoso
se tiver aliados, então é com Black que temos que nos preocupar. Você vai divulgar o aviso, então?
Excelente. Bom, eu espero que nós não precisemos ver um ao outro novamente, Primeiro Ministro!
Boa noite.
Mas eles haviam se encontrado novamente. Menos de um ano depois, um atormentado Fudge
reaparecera do nada no escritório para informar ao Primeiro Ministro que havia ocorrido um pequeno
problema na Copa Mundial de Quatribola (ou pelo menos era assim que soara) e que vários trouxas
estiveram “envolvidos”, mas que o Primeiro Ministro não precisava se preocupar, o fato de que a
marca de Você-Sabe-Quem havia sido vista novamente não significava nada; Fudge tinha certeza de
que era um incidente isolado, e a Seção de Interrelações com Trouxas estava fazendo todas as
modificações de memória necessárias naquele exato momento.
– Ah, e eu quase esqueci – Fudge acrescentara. – Nós estamos importando três dragões
estrangeiros e uma esfinge para o Torneio Tribruxo, coisa rotineira, mas o Departamento para a
Regulação e Controle das Criaturas Mágicas me informou que está no regulamento que devemos
notificá-lo quando trouxermos criaturas extremamente perigosas para o país.
– Eu...o quê...dragões? – engasgara o Primeiro Ministro.
– Sim, três – dissera Fudge. – E uma esfinge. Bom, tenha um bom dia.
O Primeiro Ministro torcera fervorosamente na esperança de que dragões e esfinges fossem o
pior que pudesse acontecer, mas não. Menos de dois anos mais tarde, Fudge havia surgido do fogo
novamente, dessa vez com notícias de que havia ocorrido uma fuga em massa de Azkaban.
– Uma fuga em massa? – repetira o Primeiro Ministro roucamente.
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Capítulo 1 – O outro Ministro
– Não precisa se preocupar, não precisa se preocupar! – gritara Fudge, já com um pé nas
chamas. – Nós iremos prendê-los rapidamente, apenas pensei que você deveria saber!
E antes que o Primeiro Ministro pudesse gritar “Espere um minuto!”, Fudge já havia
desaparecido em uma chuva de faíscas verdes.
Não importava o que a imprensa e a oposição dissessem, o Primeiro Ministro não era um
homem simplório. Ele não havia deixado de notar que, apesar das afirmações de Fudge em seu
primeiro encontro, eles agora estavam se vendo com freqüência e que Fudge a cada visita parecia
mais abatido. Embora ele pensasse muito pouco sobre o Ministro da Magia (ou, como ele sempre
pensava em Fudge, o Outro Ministro), o Primeiro Ministro não podia deixar de temer que a próxima
vez que Fudge aparecesse seria com notícias ainda piores. Assim sendo, ver Fudge mais uma vez
saindo de sua lareira, com aparência desarrumada e grave, além de surpreso pelo Primeiro Ministro
não suspeitar o motivo dele estar em seu escritório, era o pior que havia acontecido em toda a sua
semana extremamente deprimente.
– Como eu deveria saber o que esta acontecendo com a... bem... com a comunidade bruxa? –
explodiu o Primeiro Ministro – Eu tenho um país para governar e preocupações suficientes no momento
sem...
– Nós temos as mesmas preocupações – Fudge o interrompeu. – A ponte Brockdale não caiu
por desgaste. E aquilo não era um furacão de fato. Os assassinatos não foram um trabalho de Trouxas.
E a família de Herbert Chorley estaria mais segura sem ele. Estamos no momento fazendo preparativos
para transferi-lo para o Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Ele deve ir para lá
esta noite.
– Do que você está... me desculpe mas eu...o quê? – gaguejou o Primeiro Ministro.
Fudge tomou fôlego e disse: – Primeiro Ministro, sinto ter que informá-lo que ele voltou.
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado voltou.
– Voltou? Quando você diz voltou....significa que ele está...vivo?
O Primeiro Ministro procurou em sua memória por detalhes daquela horrível conversa de três
anos antes, quando Fudge lhe contara sobre o bruxo que era temido mais que todos os outros, o
bruxo que havia cometido milhares de crimes terríveis antes de seu misterioso desaparecimento
quinze anos antes.
– Sim, vivo – disse Fudge. – Quer dizer... eu não sei... um homem está realmente vivo se ele
não pode ser morto? Eu não entendo muito bem, e Dumbledore não quer explicar direito, mas, de
qualquer forma, ele certamente tem um corpo e está andando, falando e matando, então eu suponho
que no que se refere à nossa conversa, sim, ele está vivo.
O Primeiro Ministro não sabia como responder a esta afirmação, mas um hábito persistente de
parecer bem informado sobre qualquer assunto que surgisse o fez procurar lembrar-se de quaisquer
detalhes de suas conversas anteriores.
– Sério Black se juntou Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado?
– Black? Black? – disse Fudge distraidamente, girando o chapéu em seus dedos rapidamente. –
Sirius Black, você quer dizer? Pela barba de Merlin, não, Black está morto. Descobriu-se que nós,
bem, que nós estávamos errados sobre Black. Ele era inocente no final das contas. E ele não estava
aliado Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado afinal. Quer dizer – disse defensivamente, girando o
chapéu ainda mais rápido – todas as evidências apontavam... nós tínhamos mais de cinqüenta
testemunhas oculares, mas de qualquer forma, como eu ia dizendo, ele está morto. Assassinado, para
falar a verdade. Em um edifício do Ministério da Magia. Nós inclusive teremos um inquérito a bem
da verdade...
Para sua grande surpresa, o Primeiro Ministro sentiu uma pontada de pena por Fudge neste
momento. Esta foi, no entanto, imediatamente suplantada por um sentimento de satisfação por saber
que, embora ele fosse incapaz de se materializar das chamas de uma lareira, nunca havia ocorrido um
assassinato em qualquer departamento de seu governo... Não ainda, pelo menos...
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Enquanto o Primeiro Ministro discretamente tocava a madeira de sua mesa, Fudge continuou:
– Mas Black é caso encerrado agora. O que importa é que estamos em guerra, Primeiro Ministro, e
certos passos têm que ser dados.
– Em guerra? – repetiu o Primeiro Ministro, nervoso. – Tem certeza de que você não está
exagerando?
– Os seguidores de Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado que fugiram de Azkaban em janeiro
agora se juntaram a ele – disse Fudge, falando cada vez mais rapidamente e girando seu chapéu coco
tão rápido que este parecia um borrão verde. – Desde que se revelaram, eles vêem causando o caos.
A ponte Brockdale, ele foi o responsável, Primeiro Ministro, ele ameaçou assassinatos de Trouxas em
massa a não ser que eu permanecesse à distância e...
– Meu Deus, então foi sua culpa que todas aquelas pessoas morreram e sou eu quem tem que
ficar respondendo indagações sobre ferragens oxidadas, e juntas corroídas, e não sei mais o quê! –
disse o Primeiro Ministro furiosamente.
– Minha culpa! – disse Fudge, vermelho. – Você está dizendo que eu deveria ter cedido à
chantagem como essa?
– Talvez não – disse o Primeiro Ministro, se levantando e andando de um lado para o outro do
escritório – mas eu teria concentrado todos os meus esforços em pegar o chantagista antes que ele
cometesse tal atrocidade!
– Você realmente acha que eu não estava me esforçando ao máximo? – perguntou Fudge,
esquentado. – Todo Auror no Ministério estava, e está, tentando encontrá-lo e prender seus seguidores,
mas nós estamos falando de um dos mais poderosos bruxos de todos os tempos, um bruxo que tem
evitado ser capturado por quase três décadas!
– Então eu suponho que agora você vai me dizer que ele causou o furacão no West Country,
também? – disse o Primeiro Ministro, mais irritado a cada passo que ele dava. Era enfurecedor descobrir
a razão de todos aqueles terríveis desastres e não poder contar ao povo; era quase pior do que se
realmente tivesse sido culpa do governo.
– Aquilo não era um furacão – disse Fudge desolado.
– Desculpe-me – rosnou o Primeiro Ministro, agora pisando firme de um lado para o outro. –
Árvores desenraizadas, telhados arrancados, postes de luz amassados, terríveis ferimentos...
– Foram os Comensais da Morte – disse Fudge. – Os seguidores de Aquele-Que-Não-DeveSer-Nomeado. E... e suspeitamos do envolvimento de gigantes.
O Primeiro Ministro parou de andar como se tivesse atingido uma parede invisível.
– Que envolvimento?
Fudge fez uma careta. – Ele usou gigantes da última vez, quando ele quis uma grande comoção.
O Departamento de Desinformação está trabalhando vinte e quatro horas por dia, nós tivemos
grupos de Obliviadores tentando modificar as memórias do todos os Trouxas que viram o que realmente
aconteceu, nós temos a maior parte do Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas
Mágicas em toda Somerset, mas nós não conseguimos encontrar o gigante... foi um desastre.
– Não me diga! – disse o Primeiro Ministro furiosamente.
– Eu não nego que a moral anda bem baixa no Ministério, com tudo isso e ainda por cima com
a perda de Amélia Bones.
– Perda de quem?
– Amélia Bones. Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia. Nós achamos que
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado a matou pessoalmente, porque ela era uma bruxa talentosa
e... e todas as evidências são de que ela lutou bravamente.
Fudge pigarreou e, com grande esforço, aparentemente, parou de girar seu chapéu.
– Mas este assassinato estava nos jornais – disse o Primeiro Ministro, momentaneamente distraído
de sua raiva. – Nossos jornais. Amélia Bones...apenas dizia que ela era uma mulher de meia-idade
que morava sozinha. Foi... um assassinato terrível, não foi? Teve muita publicidade. A polícia não o
sabe explicar.
16
Capítulo 1 – O outro Ministro
Fudge suspirou. – Claro que não. Ela foi morta num aposento que estava trancado por dentro,
não foi? Nós, por outro lado, sabemos exatamente quem é o assassino, mas isso não nos coloca mais
próximos de sua captura. E depois tivemos o assassinato de Emelina Vance, talvez você não tenha
sabido sobre este...
– Sim, eu soube! – disse o Primeiro Ministro. – Aconteceu bem próximo daqui, na verdade. Os
jornais tiveram um dia cheio com este assassinato, “Uma transgressão da lei e da ordem no quintal do
Primeiro Ministro”...
– E como se tudo isso não bastasse – disse Fudge, mal escutando o Primeiro Ministro – nós
temos dementadores por todos os lados, atacando pessoas a torto e a direito ...
Em um tempo mais feliz essa frase teria sido ininteligível para o Primeiro Ministro, mas ele
sabia mais agora.
– Eu achava que os Dementadores guardavam os prisioneiros de Azkaban – ele comentou com
cautela.
– Eles guardavam – disse Fudge cansado. – Mas não mais. Eles abandonaram a prisão e se
juntaram Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Não vou fingir que não foi um grande golpe.
– Mas – disse o Primeiro Ministro, ficando horrorizado – você não me disse que essas são as
criaturas que sugam a esperança e a felicidade das pessoas?
– Isso mesmo. E eles estão se reproduzindo. É o que está causando toda essa névoa.
O Primeiro Ministro sentou-se, com os joelhos fracos, na cadeira mais próxima. A idéia de
criaturas invisíveis passeando pelas cidades e pelos campos, espalhando desespero e desesperança
em seus eleitores o fez sentir-se a ponto de desmaiar.
– Agora, me escute Fudge, você tem que fazer alguma coisa! É sua responsabilidade como
Ministro da Magia!
– Meu estimado Primeiro Ministro, você honestamente pode pensar que eu ainda seja Ministro
da Magia depois de tudo isso? Eu fui demitido três dias atrás! Toda a comunidade bruxa estava
clamando pela minha renúncia nos últimos quinze dias. Eu nunca os vi tão unidos em todo o meu
tempo como Ministro! – disse Fudge, com uma brava tentativa de um sorriso.
O Primeiro Ministro ficou momentaneamente sem palavras. Apesar de sua indignação quanto
à posição em que havia sido colocado, ele ainda sentiu pena pelo desgastado homem sentado a sua
frente.
– Sinto muito – disse afinal. – Há algo que eu possa fazer?
– É muito gentil de sua parte, Primeiro Ministro, mas não há nada. Fui mandado aqui hoje à
noite para atualizá-lo quanto aos últimos eventos e para apresentá-lo ao meu sucessor. Eu esperava
que ele já estivesse aqui, mas é claro, ele está muito ocupado no momento, com tanto acontecendo.
Fudge olhou para o retrato do homenzinho feio usando a longa e encaracolada peruca grisalha,
que estava cutucando sua orelha com a ponta de uma pena.
Sentindo o olhar de Fudge, o retrato disse: – Ele estará aqui em breve, está apenas terminando
uma carta para Dumbledore.
– Desejo-lhe sorte – disse Fudge, soando amargurado pela primeira vez. – Escrevi duas vezes
por dia para Dumbledore nestes últimos quinze dias, mas ele não quer ceder. Se ele estivesse disposto
a persuadir o garoto, talvez eu ainda fosse... Bom, talvez Scrimgeour tenha mais sucesso.
Fudge se recolheu a um silêncio de desgosto, quase imediatamente quebrado pelo retrato, que
de repente falava em sua voz ríspida e burocrática:
– Para o Primeiro Ministro dos Trouxas. Solicito uma audiência. Urgente. Por favor, responder
imediatamente. Rufus Scrimgeour, Ministro da Magia.
– Sim, sim, está bem – disse o Primeiro Ministro distraidamente, e ele quase não estremeceu
quando as chamas na lareira mais uma vez ficaram verde esmeralda, aumentaram, e revelaram um
segundo bruxo rodando em seu cerne, cuspindo-o momentos depois no tapete antigo. Fudge se levantou
e, após apenas um momento de hesitação, o Primeiro Ministro imitou-o, observando o recém-chegado
se aprumar, limpar as cinzas de sua longa veste preta, e olhar ao seu redor.
17
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
A primeira impressão do Primeiro Ministro, um tanto quanto simplória, foi de que Rufus
Scrimgeour parecia um leão velho. Havia fios de cabelo grisalho em sua juba de cabelos castanhoalaranjados e em suas sobrancelhas espessas; tinha penetrantes olhos castanho-amarelados por detrás
de óculos de armação de metal, e uma certa elegância em seus passos, mesmo mancando ligeiramente
ao andar. Ele passava uma impressão imediata de sagacidade e dureza; o Primeiro Ministro pareceu
entender o porquê da comunidade bruxa preferir Scrimgeour como líder ao invés de Fudge nesses
tempos perigosos.
– Como você está passando? – perguntou o Primeiro Ministro educadamente, estendendo a
mão.
Scrimgeour apertou-a brevemente, seus olhos observando todo o aposento, e então retirou
uma varinha de dentro de suas vestes.
– Fudge lhe contou tudo? – perguntou, andando até a porta e tocando o buraco da fechadura
com sua varinha. O Primeiro Ministro escutou a fechadura se trancar.
– Bem... sim – disse o Primeiro Ministro. – E se você não se importa, eu preferiria que esta
porta permanecesse destrancada.
– Eu prefiro não ser interrompido – disse Scrimgeour rapidamente – ou vigiado – acrescentou,
apontando sua varinha para as janelas e fazendo as cortinas se fecharam sobre elas. – Certo, bem, eu
sou um homem muito ocupado, então vamos falar de negócios. Primeiramente, precisamos conversar
sobre sua segurança.
O Primeiro Ministro empertigou-se e respondeu: – Estou muito satisfeito com a segurança que
eu já tenho, muito obrigado...
– Bom, nós não estamos – Scrimgeour o cortou. – Vai ser um tanto ruim para os Trouxas se o
Primeiro Ministro deles for colocado sob a maldição Imperius. O novo secretário de seu escritório...
– Eu não vou demitir Quim Shacklebolt, se é o que está sugerindo! – disse o Primeiro Ministro
acaloradamente. – Ele é muito eficiente, faz o dobro do trabalho que o resto da equipe...
– Porque ele é um bruxo – disse Scrimgeour, sem sequer um traço de um sorriso. – Um Auror
altamente treinado, que foi designado para sua proteção.
– Agora, espere um minuto! – declarou o Primeiro Ministro. – Você não pode simplesmente
colocar alguém da sua gente no meu escritório, eu decido quem trabalha para mim...
– Eu pensei que você estivesse feliz com Shacklebolt? – disse Scrimgeour friamente.
– Eu estou...quer dizer, eu estava...–
– Então não há problema algum, há? – perguntou Scrimgeour.
– Eu...bem, desde que o trabalho de Shackebolt continue sendo...er...excelente – disse o Primeiro
Ministro meio estupidamente, mas Scrimgeour pareceu não o ouvir.
– Bom, agora quanto a Herbert Chorley, seu Ministro Junior – continuou. – O que tem entretido
o povo passando-se por um pato.
– O que tem ele? – perguntou o Primeiro Ministro.
– Ele obviamente está assim devido a uma maldição Imperius mal-feita. Esta confundiu seu
cérebro, mas ele ainda pode ser perigoso.
– Mas ele está apenas grasnando! – disse o Primeiro Ministro com voz fraca. – Certamente um
pouco de descanso...talvez beber um pouco menos...
– Uma equipe de Curandeiros do Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos o
está examinando neste exato momento. Até agora ele tentou estrangular três deles – disse Scrimgeour.
Acho melhor removê-lo da sociedade Trouxa por um tempo.
– Eu...bem...ele vai ficar bem, não vai? – perguntou o Primeiro Ministro, ansioso. Scrimgeour
apenas deu de ombros, já andando em direção à lareira.
– Bom, isso é tudo o que eu tinha a dizer. Vou mantê-lo a par dos acontecimentos, Primeiro
Ministro, ou, já que eu provavelmente estarei muito ocupado para vir pessoalmente, mandarei Fudge.
Foi permitido que ele permanecesse no Ministério como conselheiro.
Fudge tentou sorrir, mas não obteve sucesso: ele parecia estar com dor de dente. Scrimgeour já
estava procurando em seu bolso pelo misterioso pó que fazia as chamas ficarem verdes. O Primeiro
18
Capítulo 1 – O outro Ministro
Ministro olhou para eles por um momento sem saber bem o que fazer, e então as palavras que ele
havia lutado para não pronunciar durante toda noite finalmente lhe escaparam.
– Mas pelo amor de Deus, vocês são bruxos! Vocês podem fazer mágica! Certamente vocês
podem resolver, bem, tudo!
Scrimgeour se virou lentamente e trocou um olhar incrédulo com Fudge, que dessa vez conseguiu
sorrir enquanto ele falava educadamente:
– O problema, Primeiro Ministro, é que o outro lado também pode fazer mágica...
E com essas palavras, os dois bruxos entraram um após o outro nas brilhantes chamas esverdeadas
e desapareceram.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 2 –
Spinner’s End*
A quilômetros de distância, a névoa gelada que se prensara contra a janela do Primeiro Ministro
pairava sobre um rio sujo, que serpenteava entre margens crescidas, cheias de entulhos. Uma imensa
chaminé, relíquia de uma fábrica abandonada, se erguia sombria e ameaçadora. Não havia som algum
além do sussurrar da água negra e nenhum sinal de vida além da raposa esquelética que se movia
furtivamente pela margem, farejando esperançosa algumas velhas embalagens de comida na grama
alta.
Mas então, com um fraco estampido, uma figura esguia encapuzada apareceu do nada na beira
do rio. A raposa congelou, fixando os olhos desconfiados neste estranho fenômeno novo. A figura
pareceu analisar sua localização por alguns momentos, e então começou a andar com passos leves e
rápidos, com a longa capa farfalhando sobre o gramado.
Num segundo estouro, mais alto, outra figura encapuzada se materializou.
– Espere!
O grito áspero assustou a raposa, agora encolhida quase achatada na vegetação rasteira. Ela
saltou do esconderijo e subiu a margem. Fez-se uma luz verde, um ganido, e a raposa caiu no chão,
morta.
A segunda figura virou o animal com os pés.
– Só uma raposa – disse a voz desinteressada de uma mulher debaixo da capa. – Pensei que
talvez fosse um Auror; Cissy, espere!
Mas sua presa, que tinha parado e olhado o flash de luz, já estava escalando a margem por onde
a raposa caíra.
– Cissy, Narcisa, me escute...
A segunda mulher pegou o braço da primeira e segurou-o, mas a outra puxou-o de volta com
força.
– Volte, Bella!
– Você precisa me ouvir!
– Eu já ouvi. Já decidi o que vou fazer. Me deixe em paz!
A mulher chamada Narcisa alcançou o topo da margem, onde uma linha de trilhos velhos
separava o rio de uma estreita rua pavimentada com pedras redondas. A outra mulher, Bella, seguiua imediatamente. Lado a lado, ficaram olhando além da estrada para as filas e filas de casas de tijolos
arruinadas, com as janelas opacas e cobertas na escuridão.
– Ele mora aqui? – perguntou Bella com uma voz de desdém. – Aqui? Nesse monte de estrume
trouxa? Devemos ser as primeiras da nossa estirpe a colocar os pés...
Mas Narcisa não estava ouvindo; tinha deslizado por uma brecha enferrujada dos trilhos e já se
apressava pela rua.
– Cissy, espere!
* Intraduzível por ser o nome de uma rua ou beco (NT).
20
Capítulo 2 – Spinner’s End
Bella seguiu-a, com a capa ondulando atrás, e viu Narcisa lançando-se por uma ruela entre as
casas para uma segunda rua, quase idêntica. Algumas das luzes dos postes estavam quebradas, as
duas mulheres corriam entre as manchas da luz e de profunda escuridão. A perseguidora alcançou sua
presa quando ela virava em outra esquina, desta vez tendo sucesso em segurar-lhe pelo braço e virála para que ficassem frente a frente.
– Cissy, você não deve fazer isso, não deve confiar nele...
– O Lord das Trevas confia, não é?
– O Lord das Trevas está... eu acredito... enganado – Bella ofegou e seus olhos brilharam
momentaneamente debaixo do capuz, enquanto olhava ao redor checando se de fato estavam sozinhas.
– Em todo caso, nos foi ordenado não falar sobre o plano para ninguém. Isso é uma traição ao Lord
das Trevas...
– Solte-me, Bella! – rosnou Narcisa, e puxou a varinha debaixo da capa, segurando-a
ameaçadoramente sobre o rosto da outra. Bella meramente riu.
– Cissy, sua própria irmã? Você não...
– Não há mais nada que eu não faria! – Narcisa exalou, uma nota de histeria em sua voz, e
enquanto abaixava a varinha como uma faca, outro flash de luz surgiu. Bella soltou o braço da irmã
como se tivesse sido queimada.
– Narcisa!
Mas Narcisa já tinha se apressado à frente. Esfregando a mão, sua perseguidora a seguiu
novamente, mantendo distância agora, enquanto se moviam mais para dentro no labirinto deserto
das casas de tijolo. Por fim, Narcisa acelerou até uma rua chamada Spinner´s End, sobre a qual a alta
chaminé da fábrica parecia pairar como um gigante dedo que lhes admoestava. Seus passos ecoavam
nas pedras enquanto passava por janelas e vidros quebrados, até que alcançou a última casa, onde
uma luz fraca brilhava por entre as cortinas do andar de baixo.
Ela bateu na porta antes que Bella, resmungando maldições, a tivesse alcançado. Ficaram
paradas esperando juntas, ofegando levemente, respirando o cheiro do rio sujo que lhe era trazido
pela brisa noturna. Depois de alguns segundos, ouviram movimentos atrás da porta e ela abriu apenas
uma fresta. Uma nesga de um homem podia ser vista olhando para elas, um homem com longo cabelo
negro partido em cortinas ao redor do rosto pálido e olhos escuros.
Narcisa jogou seu capuz para trás. Estava tão pálida que parecia brilhar na escuridão; o longo
cabelo loiro escorrendo-lhe pelas costas dava-lhe a aparência de uma pessoa afogada.
– Narcisa! – exclamou o homem, abrindo um pouco mais a porta, de forma que a luz caísse
sobre ela e sua irmã. – Que surpresa agradável!
– Severo, – sussurrou tensa. – Posso falar com você? É urgente.
– Mas é claro.
Ele recuou para permitir-lhe passar por ele e entrar na casa. Sua irmã ainda encapuzada a
seguiu sem convite.
– Snape – cumprimentou brevemente ao passar por ele.
– Bellatrix* – respondeu, com a boca se torcendo num sutil sorriso de deboche enquanto
fechava a porta bruscamente atrás deles.
Entraram diretamente numa sala pequena, que dava uma sensação de uma cela almofadada
escura. As paredes eram completamente cobertas por livros, em grande parte encadernados em velho
couro preto ou marrom; um sofá esfarrapado, uma poltrona antiga, e uma mesa bamba ficavam
agrupadas em uma poça de luz fraca projetada por um lustre cheio de velas pendurado no teto. Todo
o lugar tinha um ar de negligência, como se não fosse normalmente habitado.
Snape indicou o sofá para Narcisa. Ela tirou a capa, colocando-a de lado, e sentou-se, fitando
as mãos brancas e trêmulas entrelaçadas no colo. Bellatrix abaixou o capuz mais lentamente. Tão
*Talvez, mas muito talvez mesmo, você nunca tenha lido esse nome, e sim a sua horrível tradução, Belatriz. Quase todos os nomes já traduzidos
foram mantidos, esse foi exceção, só por que achamos a tradução muito feia. Desculpe o mau jeito se você prefere Belatriz... (NT)
21
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
morena quanto sua irmã era loira, com cílios espessos e mandíbula forte, não desviou o olhar de
Snape enquanto se movia para ficar de pé atrás de Narcisa.
– Então, o que posso fazer por vocês? – Snape perguntou, se acomodando na poltrona oposta
às duas irmãs.
– Estamos... estamos sozinhos, não é? – perguntou Narcisa baixo.
– Sim, é claro. Bem, o Rabicho está aqui, mas não contamos os vermes, contamos? – Ele
apontou a varinha para a parede de livros atrás dele e com um estouro, uma porta escondida saltou
aberta, revelando uma escada estreita sobre a qual um pequeno homem estava imóvel.
– Como você obviamente notou, Rabicho, temos visitas – disse Snape preguiçosamente.
O homem rastejou, corcunda, pelos últimos degraus e entrou no cômodo. Tinha olhos pequenos
e aguados, um nariz pontudo e um sorriso asqueroso no rosto. Sua mão esquerda acariciava a direita,
que parecia como se encapsulada numa luva prata resplandecente.
– Narcisa! – disse com uma voz estridente. – E Bellatrix! Que encantador...
– Rabicho vai pegar bebidas para todos nós, se quiserem – ofereceu Snape. – E então vai voltar
para seu quarto.
Rabicho recuou como se Snape tivesse atirado algo em sua direção.
– Não sou seu servo! – grunhiu, evitando o olhar de Snape.
– Mesmo? Tive a impressão de que o Lord das Trevas colocou-o aqui para me dar assistência.
– Assistência, sim... mas não preparar bebidas e... e limpar sua casa!
– Não sabia, Rabicho, que você ansiava por tarefas mais perigosas, – Snape disse suavemente.
– Isso pode ser arranjado: devo falar com o Lord das Trevas...
– Posso falar com ele pessoalmente se quiser!
– Claro que pode – Snape zombou. – Mas enquanto isso, traga-nos bebidas. Um pouco de
vinho feito por elfos será adequado.
Rabicho hesitou por um momento, como se fosse discutir, mas então virou e andou até uma
segunda porta escondida. Ouviram o bater e tinir dos copos. Dentro de alguns segundos estava de
volta, carregando três copos e uma garrafa empoeirada sobre uma bandeja. Deixou a mesma sobre a
mesa raquítica e fugiu da presença de todos, batendo a porta coberta de livros atrás de si.
Snape serviu três copos de vinho cor de sangue e estendeu dois para as irmãs. Narcisa murmurou
uma palavra de agradecimento, enquanto Bellatrix nada disse; mas continuou a olhar Snape com
raiva. Aquilo não pareceu desestabilizá-lo; ao contrário, ele mostrava-se um tanto divertido.
– Ao Lord das Trevas – disse erguendo o copo e bebendo.
As irmãs o copiaram. Snape encheu os copos novamente. Enquanto Narcisa pegava a segunda
bebida disse apressada:
– Severo, sinto muito por vir aqui assim, mas precisava te ver. Acho que você é o único que
pode me ajudar...
Snape estendeu a mão para pará-la, então apontou a varinha novamente na direção da porta
secreta que escondia a escadaria. Fez-se uma batida alta e um grunhir, seguindo pelo som de Rabicho
correndo para o topo das escadas.
– Minhas desculpas – disse Snape. – Ultimamente ele começou a ouvir atrás das portas, não sei
o que ele quer com isso... estava dizendo, Narcisa?
Ela respirou fundo tremendo e então recomeçou.
– Severo, sei que não devia estar aqui, tive ordens de não dizer nada a ninguém, mas...
– Então devia segurar sua língua! – rosnou Bellatrix. – Especialmente na presente companhia!
– “Presente companhia”? – Snape repetiu cinicamente. – E como devo interpretar isso, Bellatrix?
– Que eu não confio em você, Snape, como você bem sabe!
Narcisa soltou um ruído que poderia ter sido um soluço seco e cobriu o rosto com as mãos.
Snape colocou o copo sobre a mesa e sentou novamente, mãos sobre os braços da poltrona, sorrindo
para o rosto ameaçador de Bellatrix.
22
Capítulo 2 – Spinner’s End
– Narcisa, acho que devemos ouvir o que Bellatrix está quase explodindo para dizer; nos poupará
interrupções entediantes. Bem, continue, Bellatrix – disse Snape. – Por que você não confia em mim?
– Centenas de razões! – respondeu alto, saindo de trás do sofá para bater o copo na mesa. – Por
onde começar? Onde você estava quando o Lord das Trevas caiu? Por que nunca fez nenhuma
tentativa para encontrá-lo quando ele desapareceu? O que tem feito todos esses anos em que viveu
no bolso de Dumbledore? Por que impediu o Lord das Trevas de obter a pedra filosofal? Por que não
voltou de uma vez quando o Lord das Trevas renasceu? Onde estava, há algumas semanas atrás,
quando lutamos para resgatar a profecia para o Lord das Trevas? E por que, Snape, Harry Potter
ainda está vivo, quando o teve à sua mercê por cinco anos?
Ela parou, o peito se erguendo e descendo rapidamente, a cor forte nas bochechas. Atrás dela,
Narcisa continuou imóvel, o rosto ainda escondido nas mãos.
Snape sorriu.
– Antes de responder, oh, sim, Bellatrix, vou responder! Você pode levar minhas palavras de
volta para os outros que sussurram pelas minhas costas e contam as histórias falsas da minha traição
para o Lord das Trevas! Antes de te responder, deixe-me fazer uma pergunta de volta. Você realmente
acha que o Lord das Trevas não me fez cada uma dessas perguntas? E você realmente acha que, não
tivesse eu sido capaz de dar respostas satisfatórias, estaria aqui sentado falando com você?
Ela hesitou.
– Sei que ele acredita em você, mas...
– Você acha que ele está errado? Ou que eu de alguma forma o ludibriei? Enganei o Lord das
Trevas, o maior dos bruxos, o mais completo Legilimente que o mundo já viu?
Bellatrix não pronunciou nada, mas pareceu, pela primeira vez, um pouco confusa. Snape não
insistiu na questão. Pegou seu copo novamente, bebeu um gole e continuou:
– Você me perguntou onde estava quando o Lord das Trevas caiu. Estava onde ele me ordenara
ficar, na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, porque ele queria que eu espionasse Alvo
Dumbledore. Você sabe, eu presumo, que foi sob as ordens do Lord das Trevas que assumi o posto?
Ela acenou de forma quase imperceptível e então abriu a boca, mas Snape foi mais rápido.
– Você perguntou porque não tentei encontrá-lo quando desapareceu. Pelo mesmo motivo que
Avery, Yaxley, os Carrows, Greyback, Lúcio – inclinou a cabeça levemente para Narcisa – e muitos
outros não tentaram encontrá-lo. Acreditei que ele tinha acabado. Não tenho orgulho disso, estava
errado, mas aí está... se ele não tivesse perdoado aqueles que perderam a fé naquele momento, teria
muito poucos seguidores restando.
– Ele teria a mim! – Bellatrix exclamou com paixão – Eu, que passei muitos anos em Azkaban
por ele!
– Sim, de fato, muito admirável – respondeu Snape com uma voz de tédio. – Até onde sei, você
não teve muito uso para ele na prisão, mas o gesto foi indiscutivelmente belo...
– Gesto! – ela guinchou; em sua fúria, parecia ligeiramente louca. – Enquanto sofri com os
Dementadores, você permaneceu em Hogwarts, confortavelmente brincando de ser o bichinho de
estimação de Dumbledore!
– Não exatamente – Snape calmamente negou. – Ele não me deu o cargo de Defesa Contra as
Artes das Trevas, você sabe. Parecia pensar que tal coisa poderia, ahn, trazer uma recaída... tentarme a voltar aos meus velhos dias.
– Esse foi seu sacrifício ao Lord das Trevas, não ensinar sua matéria preferida? – ridicularizou.
– Por que ficou lá esse tempo todo, Snape? Ainda espiando Dumbledore para o Mestre que você deu
como morto?
– Claro que não – disse Snape, – apesar do Lord das Trevas estar satisfeito por nunca ter
desertado meu posto: tive dezesseis anos de informações sobre Dumbledore para oferecer quando
ele retornou, um presente de boas vindas muito mais útil que as reminiscências infinitas de como
Azkaban é desagradável...
– Mas você ficou...
23
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Sim, Bellatrix, eu fiquei – afirmou Snape, traindo uma ponta de impaciência pela primeira
vez. – Tinha um trabalho confortável que preferi a uma temporada em Azkaban. Eles prenderam
Comensais da Morte, você sabe. A proteção de Dumbledore me manteve fora da cadeia; era muito
conveniente e eu a usei. Repito: o Lord das Trevas não reclama por eu ter ficado, então não vejo
porque você o faz.
– Acho que a próxima coisa que quer saber – insistiu um pouco mais alto, já que Bellatrix
mostrava sinais de que iria interrompê-lo – é por que fiquei entre o Lord das Trevas e a pedra filosofal.
Essa é fácil de responder. Ele não sabia se podia ou não confiar em mim. Pensou, como você, que
tinha me transformado de um fiel Comensal da Morte em um bonequinho de Dumbledore. Estava
em uma condição lamentável, muito fraco, compartilhando o corpo com um bruxo medíocre. Não
ousou se revelar para um antigo aliado, que poderia entregá-lo para Dumbledore ou ao Ministério.
Lamento profundamente que ele não tenha confiado em mim. Teria retornado ao poder três anos
mais cedo. Como foi, vi apenas o ambicioso e insignificante Quirrell tentando roubar a pedra e,
admito, fiz tudo que pude para impedi-lo.
A boca de Bellatrix se torceu como se tivesse tomado uma dose de um remédio ruim.
– Mas você não retornou quando ele voltou, você não foi até ele uma vez que sentiu a Marca
Negra arder.
– Correto. Voltei duas horas depois. Retornei sob as ordens de Dumbledore.
– Sob as ordens de Dumble...? – ela começou em tons de horror.
– Pense! – disse Snape, novamente impaciente. – Pense! Por esperar duas horas, apenas duas
horas, me assegurei de que poderia continuar em Hogwarts como espião! Por permitir que Dumbledore
pensasse que só voltei para o lado do Lord das Trevas porque recebi ordens para fazer tal coisa, fui
capaz de passar informações sobre Dumbledore e a Ordem da Fênix desde então! Considere, Bellatrix:
a Marca Negra estava ficando mais forte há meses. Sabia que ele devia estar prestes a retornar, todos
os Comensais da Morte sabiam! Tive tempo bastante para pensar sobre o que queria fazer, para
planejar meu próximo movimento, para escapar como Karkaroff, não tive?
– A desaprovação inicial do Lord das Trevas por meu atraso desapareceu por inteiro, garanto a
você, quando expliquei que permaneci fiel, mesmo com Dumbledore acreditando que era um dos
seus. Sim, o Lord das Trevas pensou que o tinha deixado para sempre, mas estava errado.
– Mas qual utilidade você teve? – ridicularizou Bellatrix. – Que informação proveitosa tivemos
de você?
– Minhas informações têm sido conduzidas diretamente para o Lord das Trevas – respondeu
Snape. – Se ele decidiu não compartilhá-las com você ...
– Ele compartilha tudo comigo! – Bellatrix retrucou, se inflamando de uma vez. – Ele me
chama de sua mais leal, mais fiel...
– Chama? – questionou Snape usando uma suave entonação na voz com a sugestão de que
desacreditava em tal coisa. – Ele ainda a continua chamando, depois do fiasco no Ministério?
– Aquilo não foi minha culpa! – Bellatrix respondeu, ficando vermelha. – O Lord das Trevas,
no passado, confiou em mim sua mais preciosa... se Lúcio não tivesse...
– Não ouse... não ouse culpar meu marido! – disse Narcisa, numa voz baixa e fatal, olhando
para irmã.
– Não tem sentido atribuir a culpa – interrompeu Snape suavemente. – O que está feito, está
feito.
– Mas não por você! – Bellatrix vociferou furiosa. – Não, você mais uma vez se absteve enquanto
o resto de nós corríamos perigo, não é, Snape?
– Minhas ordens foram para ficar para trás – respondeu Snape. – Talvez você discorde do Lord
das Trevas, talvez ache que Dumbledore não teria notado se unisse forças com os Comensais para
combater a Ordem da Fênix? E, perdoe-me, você fala em perigo... você estava enfrentando seis
adolescentes, não foi?
24
Capítulo 2 – Spinner’s End
– Metade da Ordem, como você bem sabe, se uniu a eles em pouco tempo! – rosnou com raiva.
– E, já que estamos falando sobre a Ordem, você ainda alega que não pode revelar detalhes da
localização da sede deles, não é?
– Não sou o Fiel do Segredo; não posso contar o nome do lugar. Você entende como o feitiço
funciona, suponho? O Lord das Trevas está satisfeito com as informações que lhe passei sobre a
Ordem. Levaram, como talvez você possa ter adivinhado, à recente captura e assassinato de Emelina
Vance, e certamente contribuíram para desfazermo-nos de Sirius Black, apesar de lhe dar total crédito
por acabar com ele.
Ele inclinou a cabeça e brindou a ela. A expressão dela não se suavizou.
– Você está evitando minha última pergunta, Snape. Harry Potter. Poderia tê-lo matado em
qualquer momento dos últimos cinco anos. Não o fez. Por que?
– Já discutiu esse assunto com o Lord das Trevas? – perguntou Snape.
– Ele... ultimamente, nós... estou perguntando a você, Snape!
– Se tivesse assassinado Harry Potter, o Lord das Trevas não poderia ter utilizado seu sangue
para se regenerar, tornando-se invencível...
– Você reivindica ter previsto o uso do garoto! – zombou.
– Não reivindico; não tinha idéia de seus planos; já confessei que achei que o Lord das Trevas
estava morto. Meramente tentei explicar por que o Lord das Trevas não se arrepende por Potter ter
sobrevivido, pelo menos até um ano atrás...
– Por que o manteve vivo?
– Você não me entendeu? Apenas a proteção de Dumbledore me manteve fora de Azkaban!
Você discorda que matar seu aluno favorito poderia tê-lo virado contra mim? Mas isso envolve mais.
Devo lembrar-lhe que quando Potter chegou em Hogwarts, ainda havia muitas histórias circulando
sobre ele, rumores de que ele próprio era um grande bruxo das Trevas, que foi assim que sobreviveu
ao ataque do Lord das Trevas. De fato, muito dos antigos seguidores do Lord das Trevas acreditavam
que Potter poderia ser uma bandeira em torno da qual todos poderíamos nos reagrupar. Estava curioso,
admito, e nem um pouco inclinado a assassiná-lo no momento que pôs os pés no castelo.
– Claro, se tornou evidente para mim rapidamente que ele não tinha nenhum talento
extraordinário. Lutou para escapar de um certo número de dificuldades com uma mera combinação
de completa sorte e amigos mais talentosos. Ele é medíocre até o último grau, apesar de tão detestável
e convencido quanto seu pai fora antes dele. Fiz meu máximo para fazê-lo ser expulso de Hogwarts,
onde não acreditava ser o seu lugar, mas matá-lo, ou permitir que morresse na minha frente? Teria
sido um tolo em arriscar tal coisa, com Dumbledore tão perto.
– E com tudo isso, devemos acreditar que Dumbledore nunca suspeitou de você? – perguntou
Bellatrix. – Ele não tem idéia de sua real lealdade, e ainda confia em você incondicionalmente?
– Tenho feito bem meu papel,– disse Snape. – E você ignora a maior fraqueza de Dumbledore:
ele precisa acreditar no melhor das pessoas. Eu o enrolei com uma história de profundo remorso
quando entrei na sua equipe, recém saído dos meus dias de Comensal da Morte, e ele me recebeu de
braços abertos... no entanto, como disse, nunca me permitindo ficar perto das Artes das Trevas,
sempre que pôde evitar. Dumbledore foi um grande bruxo... oh, sim, ele foi, – pois Bellatrix fizera um
ruído de desaprovação -, o Lord das Trevas reconhece isso. Tenho prazer em dizer, no entanto, que
Dumbledore está ficando velho. O duelo com o Lord das Trevas mês passado o abalou. Desde então
tem carregado um ferimento grave porque suas reações estão mais lentas do que costumavam ser.
Mas durante todos estes anos, ele nunca deixou de confiar em Severo Snape, e nisto repousa meu
grande valor para o Lord das Trevas.
Bellatrix ainda aparentava infelicidade, embora parecesse insegura de como seria melhor atacar
Snape em seguida. Tomando vantagem do seu silêncio, Snape se virou para sua irmã.
– Agora ... você veio pedir minha ajuda, Narcisa?
Narcisa olhou para ele, seu rosto eloqüente com desespero.
25
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Sim, Severo. Eu ... eu acho que é o único que pode me ajudar, não tenho mais a quem
recorrer. Lúcio está na cadeia e...
Ela fechou os olhos e duas grandes lágrimas correram debaixo de suas pálpebras.
– O Lord das Trevas me proibiu de falar sobre o assunto – Narcisa continuou ainda com os
olhos fechados. – É desejo dele que ninguém mais sabia do plano. É... muito secreto. Mas...
– Se ele a proibiu, você não deve falar – disse Snape de uma vez. – A palavra do Lord das
Trevas é a lei.
Narcisa ofegou como se ele a tivesse submergido na água fria. Bellatrix pareceu satisfeita pela
primeira vez desde que entrara na casa.
– Viu! – disse triunfante para a irmã. – Até Snape o diz. Você ouviu que não deveria falar sobre
isso, então mantenha seu silêncio!
Mas Snape tinha ficado de pé e caminhado até a pequena janela, espiando a rua deserta por
entre as cortinas, e então as fechou novamente com um puxão. Ele se voltou para Narcisa, franzindo
a testa.
– Acontece que sei do plano, – disse em voz baixa. – Sou um dos poucos a quem o Lord das
Trevas contou. Não obstante, se não tivesse conhecimento do segredo, Narcisa, você seria culpada
de uma grande traição contra o Lord das Trevas.
– Achei que você devia saber sobre o plano! – exclamou Narcisa, respirando com mais facilidade.
– Ele confia tanto em você, Severo...
– Você sabe sobre o plano? – disse Bellatrix, sua passageira expressão de satisfação sendo
substituída por uma de ultraje. – Você sabe?
– Certamente, – respondeu Snape. – Mas que ajuda você requer, Narcisa? Se está imaginando
que posso persuadir o Lord das Trevas a mudar de idéia, temo que não há esperança alguma.
– Severo – ela sussurrou, lágrimas deslizando pelas faces pálidas. – Meu filho... meu único
filho...
– Draco deveria estar orgulhoso – alegou Bellatrix com indiferença. – O Lord das Trevas está
lhe concedendo uma grande honra. E devo admitir quanto ao Draco: ele não vai se encolher diante
de sua tarefa, parece feliz de ter uma chance de demonstrar sua capacidade, excitado com a
perspectiva...
Narcisa começou a chorar ardentemente, encarando Snape suplicante por todo o tempo.
– É porque tem dezesseis anos e não tem idéia do que está por de trás de tudo isso! Por que,
Severo? Por que meu filho? É muito perigoso! É uma vingança pelo erro de Lúcio, eu sei disso!
Snape não pronunciou uma palavra. Afastou os olhos da visão das lágrimas como se elas fossem
indecentes, mas não pôde fingir não ouvi-la.
– É por isso que escolheu Draco, não é? – persistiu. – Para punir Lúcio?
– Se Draco tiver sucesso – disse Snape, ainda afastando a visão dela – será o mais honrado
entre todos.
– Mas ele não vai ter sucesso! – chorou Narcisa. – Como pode, quando o Lord das Trevas
pessoalmente...?
Bellatrix arfou; Narcisa parecia ter perdido a coragem.
– Apenas quero dizer... que ninguém teve sucesso ainda... Severo... por favor... você é, sempre
foi, o professor preferido de Draco... é um amigo antigo de Lúcio... eu imploro... você é o favorito do
Lord das Trevas, seu mais confiável conselheiro... Você pode falar com ele, persuadi-lo...?
– O Lord das Trevas não será persuadido, e não sou estúpido o bastante para tentá-lo, – respondeu
Snape sem emoção. – Não posso fingir que o Lord das Trevas não está com raiva de Lúcio. Lúcio
deveria estar no controle. Foi capturado, junto com muitos outros, e falhou em obter a profecia na
barganha. Sim, o Lord das Trevas está com raiva, Narcisa, com muita raiva de fato.
– Então estou certa, ele escolheu Draco por vingança! – engasgou Narcisa. – Ele não quer que
ele tenha sucesso, quer que ele morra tentando!
26
Capítulo 2 – Spinner’s End
Quando Snape não disse nada, Narcisa pareceu perder o resto de autocontrole que ainda possuía.
Ficando de pé, ela se balançou até Snape e agarrou-lhe pela parte da frente de suas vestes. Seu rosto
estava próximo ao dele, as lágrimas caíam sobre seu peito, ela lutou para respirar. – Você pode fazer.
Você pode cumprir a missão no lugar de Draco, Severo. Você teria sucesso, é claro que teria, e seria
mais recompensado que qualquer um de nós...
Snape prendeu-a pelos pulsos e removeu as mãos agarradas. Olhando para o rosto dela banhado
por lágrimas, disse lentamente:
– Ele quer que eu faça no final, acredito. Mas está determinado a que Draco deva tentar
primeiro. Veja, caso o improvável aconteça e Draco tenha sucesso, devo permanecer em Hogwarts
um pouco mais, desempenhando meu papel de espião.
– Em outras palavras, não importa para ele se Draco for morto!
– O Lord das Trevas está com muita raiva – repetiu Snape baixo. – Ele não conseguiu ouvir a
profecia. Como você sabe tão bem quanto eu, Narcisa, ele não perdoa com facilidade.
Ela desfez-se, caindo aos seus pés, soluçando e gemendo no chão.
– Meu único filho... meu único filho...
– Você devia ter orgulho! – Bellatrix exclamou sem piedade. – Se tivesse filhos, ficaria mais
que feliz em entregá-los para servir o Lord das Trevas!
Narcisa deu um pequeno grito de desespero e agarrou o longo cabelo loiro. Snape inclinou-se,
pegou-a pelos braços, levantando-a, e levou-a de volta para o sofá. Então colocou mais vinho e
forçou o copo para sua mão.
– Narcisa, é o bastante. Beba isso. Escute-me.
Ela se acalmou um pouco; derramando o vinho em si mesma, tomou um gole trêmulo.
– Pode ser possível... que eu possa ajudar Draco.
Ela sentou-se, rosto branco como papel, olhos arregalados.
– Severo, oh, Severo – você pode ajudá-lo? Olharia por ele, cuidaria que ele não se machuque?
– Posso tentar.
Ela arremessou o copo longe; ele derrapou pela mesa enquanto ela deslizou pelo sofá, ajoelhandose aos pés de Snape, agarrando as mãos dele nas suas e pressionando-as contra os lábios.
– Se vai protegê-lo... Severo, você juraria? Faria o Juramento Inquebrável?
– O Juramento Inquebrável? – A expressão de Snape era vazia, indecifrável. Bellatrix, no entanto,
soltou uma gargalhada cacarejante de triunfo.
– Não está ouvindo, Narcisa? Oh, ele vai tentar, tenho certeza... as palavras vazias de sempre,
a usual escapada da ação... oh, sob as ordens do Lord das Trevas, é claro!
Snape não olhou para Bellatrix. Seus olhos negros estavam fixados nos azuis lacrimejantes de
Narcisa, enquanto ela continuava a agarrar-lhe a mão.
– Certamente, Narcisa, farei o Juramento Inquebrável – disse baixo. – Talvez sua irmã possa
consentir ser nosso Elo.
O queixo de Bellatrix caiu. Snape se abaixou de forma a ficar ajoelhado em frente a Narcisa.
Debaixo do olhar estupefato de Bellatrix, eles uniram as mãos.
– Vai precisar de sua varinha, Bellatrix, – Snape afirmou friamente.
Ela a puxou, ainda parecendo completamente surpresa.
– E vai precisar chegar um pouco mais perto.
Ela deu alguns passos para frente ficando sobre os dois, e colocou a ponta da varinha em cima
das mãos entrelaçadas.
Narcisa falou.
– Você, Severo, jura olhar pelo meu filho, Draco, enquanto ele tentar realizar os desejos do
Lord das Trevas?
– Eu juro.
27
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Uma fina língua brilhante de chama lançou-se da varinha e girou por suas mãos como um
arame fervente.
– E você jura, com o melhor de suas habilidades, protegê-lo do perigo?
– Eu juro.
Uma segunda língua foi atirada da varinha e se uniu com a primeira formando uma corrente
fina e brilhante.
– E, caso se prove necessário... se parecer que Draco irá falhar... – sussurrou Narcisa (a mão de
Snape contorceu-se contra a dela, mas ele não a afastou), – você jura levar à frente a tarefa que o
Lord das Trevas ordenou que Draco executasse?
Fez-se um momento de silêncio. Bellatrix assistiu, a varinha sobre as mãos entrelaçadas, olhos
arregalados.
– Eu juro – disse Snape.
O rosto chocado de Bellatrix brilhou vermelho com a chama de uma terceira e última labareda,
que foi atirada da varinha, se enrolando nas outras, e fundindo-se em uma mais grossa ao redor das
mãos, como uma corda, como uma cobra ardente.
28
– CAPÍTULO 3 –
Última Vontade, Contra Vontade
Harry Potter roncava alto. Tinha passado a maior parte das últimas quatro horas sentado em
uma cadeira ao lado da janela do seu quarto, olhando a rua que escurecia. Agora tinha finalmente
pego no sono com o rosto apoiado contra a esquadria fria, seus óculos estavam escorregando e sua
boca estava aberta. A mancha embaçada que sua respiração tinha feito no vidro cintilava à claridade
laranja do poste do lado de fora, e a luz artificial tirava toda a cor de seu rosto, fazendo-o parecer
fantasmagórico por baixo do contraste trazido pelo seu cabelo negro e despenteado.
O quarto estava cheio dos seus diversos objetos e mais uma boa quantidade de sujeira. Penas
de coruja, caroços de maçã, e embalagens de doces enchiam o chão, livros de feitiços estavam
empilhados de qualquer jeito em sua cama junto com as vestes emboladas, e uma mistura de jornais
estava sob um foco de luz em sua escrivaninha. A manchete de um deles dizia:
HARRY POTTER: O ESCOLHIDO?
Continuam a surgir rumores a respeito do misterioso distúrbio no Ministério da Magia, durante a qual
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado foi visto mais uma vez.
“– Não temos permissão para falar disso, não me pergunte nada -” falou um Obliviador agitado, que
recusou a dar seu nome quando saía do Ministério noite passada.
Apesar disso, fontes colocadas em altos cargos no Ministério confirmaram que o distúrbio estava concentrado
na fabulosa Sala da Profecia.
Apesar dos porta-vozes do Ministério até o presente momento terem se recusado até a confirmar a existência
de tal lugar, uma porcentagem crescente da comunidade bruxa acredita que os Comensais da Morte, que agora estão
cumprindo pena em Azkaban por invasão e tentativa de roubo, estavam tentando roubar uma profecia. A natureza
desta é desconhecida, apesar das especulações indicarem que ela diz respeito a Harry Potter, a única pessoa que já
sobreviveu a uma Maldição da Morte, e que se sabe que também estava no Ministério na noite em questão. Alguns
chegam a ponto de chamar Potter de “O Escolhido”, acreditando que a profecia o indica como a única pessoa que será
capaz de nos livrar d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado.
A localização atual da profecia, se esta existe, é desconhecida, porém... (continua na página 2, coluna 5)
Um segundo jornal estava ao lado do primeiro. Este trazia uma manchete bombástica:
SCRIMGEOUR SUBSTITUI FUDGE
A maior parte da primeira página estava tomada por uma grande foto em preto-e-branco de um homem com
cabelo parecendo uma juba de leão e um rosto com uma expressão bem feroz. A foto estava se movendo... o homem
estava acenando para o teto.
Rufus Scrimgeour, antigo Chefe da Seção de Aurores no Departamento de Execução das Leis da Magia,
sucedeu Cornélio Fudge como Ministro da Magia. A indicação foi recebida com entusiasmo pela comunidade bruxa,
apesar de haverem rumores a respeito de um rompimento entre o novo Ministro e Alvo Dumbledore, recentemente
renomeado Presidente da Suprema Corte dos Bruxos, apenas horas depois de Scrimgeour receber o cargo.
29
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Os representantes de Scrimgeour admitem que ele se encontrou com Dumbledore assim que tomou posse do
cargo, mas se recusaram a comentar os tópicos discutidos. Alvo Dumbledore é conhecido por... (continuação na
página 3, coluna 2)
À esquerda desse jornal havia um outro que fora dobrado de modo que o que estava visível era
uma história intitulada
MINISTÉRIO GARANTE A SEGURANÇA DE ESTUDANTES.
Recém nomeado Ministro da Magia, Rufus Scrimgeour fez um pronunciamento hoje sobre as novas medidas
tomadas pelo Ministério para garantir a segurança dos alunos que voltarão a Escola de Magia e Bruxaria de
Hogwarts neste outono.
– Por motivos óbvios, o Ministério não vai entrar em detalhes sobre seu novo e rigoroso plano de segurança,
– falou o Ministro, apesar de uma fonte do Ministério ter confirmado que as medidas incluem feitiços e encantamentos
defensivos, um arranjo complexo de contra-maldições, e uma pequena força-tarefa de Aurores totalmente dedicados
à proteção da Escola de Hogwarts.
A maior parte das pessoas parecem confortadas pelas rígidas posições do novo Ministro a respeito da segurança
dos estudantes. A Sra. Augusta Longbottom diz: – Meu neto Neville, por acaso um grande amigo de Harry Potter,
lutou com ele contra os Comensais da Morte em junho no Ministério...
Mas o resto da matéria estava ilegível devido à grande gaiola sobre ela. Dentro dela, havia uma
magnífica coruja cor de neve. Seus olhos cor de âmbar observavam o quarto de forma imperativa,
girando ocasionalmente sua cabeça para fitar seu dono roncando. Uma ou duas vezes ela estalou seu
bico impacientemente, mas Harry dormia um sono muito pesado para ouvi-la.
Bem no meio do quarto estava um malão. Sua tampa estava aberta, como se estivesse esperando
algo, apesar de estar quase vazio exceto por cuecas velhas, potes vazios de tinta, doces e penas
quebradas que cobriam o fundo No chão ali perto havia um panfleto roxo adornado com as palavras:
ADVERTÊNCIAS DO MINISTÉRIO DA MAGIA
COMO PROTEGER SUA FAMÍLIA E SUA CASA CONTRA AS ARTES DAS TREVAS
Atualmente a comunidade bruxa está sob ameaça de uma organização que se auto-intitula “Comensais da
Morte”. Essas simples orientações de segurança o ajudarão a proteger você, sua família e sua casa contra ataques.
1. Você é aconselhado a não sair de casa sozinho.
2. Precauções extras devem ser tomadas durante a noite. Sempre que possível, esteja em lugar seguro antes de
escurecer.
3. Reveja todas as providências de segurança em volta de sua casa, tendo certeza que todos os membros da
família conhecem as medidas de emergência, como os Feitiços Escudo e Desilusão, e em caso de haver menores de
idade na família, Aparatação-carona.
4. Combine com seus amigos íntimos e sua família perguntas-chave que possam desmascarar Comensais da
Morte disfarçados pelo uso da Poção Polissuco. (ver página 2).
5. Se você achar que um membro da família, colega, amigo ou vizinho está agindo de forma estranha, entre em
contato com o Esquadrão de Execução das Leis da Magia na mesma hora. Essa pessoa pode estar sob a influencia
da Maldição Imperius (ver página 4)
6. Se você vir a Marca Negra acima de uma residência ou qualquer outro prédio, NÃO ENTRE, mas
contate imediatamente a Seção de Aurores.
7. Alguns registros não confirmados sugerem que os Comensais da Morte agora estão usando Inferi (ver
página 10). Qualquer encontro com um Inferius, ou a visão de um destes deve ser IMEDIATAMENTE avisada
ao Ministério.
Harry grunhia durante o sono. Seu rosto tinha deslizado alguns centímetros pela janela, fazendo
seus óculos ficarem ainda mais tortos, mas ele não acordou. Um despertador que tinha sido consertado
30
Capítulo 3 – Última vontade, contra vontade
pelo garoto anos antes ticava alto no parapeito, marcando um minuto para as onze. Ao lado dele,
preso no lugar pela mão relaxada de Harry, havia um pedaço de pergaminho coberto por uma letra
fina e inclinada. Ele tinha lido tantas vezes a carta desde que ela tinha chegado, três dias antes, que
apesar dela ter sido entregue bem enrolada agora estava absolutamente reta.
Caro Harry,
Se for conveniente para você, eu irei até a Rua dos Alfeneiros, n° 4 na próxima sexta feira, às onze da noite
para o acompanhar até A Toca, onde você foi convidado a passar o resto de suas férias escolares.
Caso você esteja disposto, eu gostaria de obter sua ajuda em uma questão que espero resolver no caminho para
A Toca. Explicarei isso melhor quando nos encontrarmos.
Por favor, mande sua resposta na volta desta coruja. Esperando vê-lo novamente esta sexta,
Atenciosamente,
Alvo Dumbledore.
Apesar de já saber de cor o que estava escrito Harry continuava a lançar olhares para a mensagem
de poucos em poucos minutos desde as sete da noite, hora que ele tinha sentado ao lado da janela do
quarto, que tinha uma vista razoavelmente boa dos dois lados da Rua dos Alfeneiros. Ele sabia que
era inútil continuar a reler as palavras de Dumbledore, Harry tinha mandando o “sim” de volta com
a coruja, como ele havia pedido, e tudo que podia fazer agora era esperar: ou Dumbledore viria, ou
não viria.
Mas o rapaz não tinha arrumado as malas. Parecia bom demais para ser verdade o fato de ser
levado embora da casa dos Dursley apenas uma quinzena depois de chegar. Ele não conseguia evitar
o sentimento de que algo ia dar errado... sua resposta poderia ter sido extraviada, podiam impedir
Dumbledore de vir pegá-lo, ou a carta poderia não ser realmente de Dumbledore, mas uma pegadinha,
uma piada ou uma armadilha. Não tinha conseguido preparar a mala para depois se decepcionar e ter
que desarrumar tudo de novo. A única coisa que ele fizera a respeito da possibilidade de viajar fora
prender sua coruja branca, Edwiges, segura em sua gaiola.
O ponteiro dos minutos chegou ao doze, e nesse exato momento, as lâmpadas dos postes do
lado de fora se apagaram.
Harry acordou, como se a súbita escuridão fosse um alarme. Ajeitou rapidamente seus óculos
e afastando seu queixo do vidro comprimiu seu nariz contra a janela, e espremeu os olhos para ver
melhor o térreo. Um vulto alto com uma capa comprida enfunada estava andando pela entrada do
jardim.
Harry pulou como se tivesse recebido uma descarga elétrica, derrubou a cadeira, e começou a
pegar toda e qualquer coisa ao seu alcance e jogar dentro do malão. Ele tinha encestado um conjunto
de vestes, dois livros de feitiços, e um pacote de batatas fritas quando a campainha tocou. Lá embaixo,
na sala de estar, Tio Válter gritou:
– Quem diabos está aqui a essa hora da noite?
Harry congelou com um telescópio de latão numa mão e um par de tênis na outra. Ele tinha
esquecido completamente de avisar os Dursley da possível vinda de Dumbledore. Sentindo ao mesmo
tempo pânico e vontade de rir, ele arrastou o malão e abriu a porta do quarto a tempo de ouvir uma
voz grave dizer:
– Boa noite. Você deve ser o Sr. Dursley. Eu suponho que o Harry tenha lhe dito que eu vinha
buscá-lo?
Harry desceu as escadas correndo de dois em dois degraus, parando abruptamente alguns degraus
antes do final: uma vasta experiência tinha lhe ensinado a ficar fora do alcance do braço de seu tio
sempre que possível. No batente da porta estava parado um homem alto e magro, com cabelos e
barba prateados que iam até a cintura. Em seu nariz torto havia um óculos de meia-lua, ele usava
uma longa capa de viagem preta e um chapéu pontudo. Válter Dursley, cujo bigode era tão cheio
31
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
quanto o de Dumbledore, porém preto, e que estava usando um roupão vinho, olhava o visitante
como se ele não pudesse acreditar em seus próprios olhos.
– A julgar pelo seu olhar estarrecido de descrença, eu diria que Harry não o avisou que eu
estava vindo – Dumbledore falou educadamente. – De qualquer forma, vamos presumir que você
me convidou gentilmente a entrar. Não é prudente ficar muito tempo na porta nesses tempos
problemáticos.
Ele atravessou a soleira animado e fechou a porta da frente atrás de si.
– Passou muito tempo desde minha última visita – comentou Dumbledore, olhando para tio
Válter por trás de seu nariz torto. – Eu deveria dizer que seu agapanto está florescendo.
Valter Dursley não falou absolutamente nada. Harry não tinha dúvidas que a sua fala voltaria,
e logo, pois as veias pulsando em sua têmpora estavam chegando a um ponto perigoso, mas alguma
coisa em Dumbledore parecia tê-lo deixado temporariamente sem fôlego. Talvez tenha sido a sua
aparência tão evidentemente bruxa, mas talvez também fosse porque até tio Válter podia sentir que
aquele era um homem a quem seria muito difícil intimidar.
– Ah, boa noite Harry, – exclamou Dumbledore, olhando para ele através de seus óculos de
meia-lua com uma expressão satisfeita. – Excelente, excelente.
Essas palavras pareceram irritar o tio do menino. Estava muito claro que, até aonde ele sabia,
qualquer homem que pudesse olhar para Harry e dizer “excelente” era um homem com quem ele
jamais poderia estar cara a cara.
– Eu não queria ser grosso... – ele começou, em um tom que mostrava grosseria em cada silaba.
-... apesar disso, a grosseria acidental é alarmantemente freqüente – Dumbledore completou a
frase, sério. – Melhor não falar nada, meu caro. Ah, e essa deve ser Petúnia.
A porta da cozinha tinha se aberto, e lá estava a tia de Harry, usando luvas de borracha e um
roupão sobre seu pijama, claramente no meio do caminho para sua usual limpeza de todas as superfícies
da cozinha antes de ir dormir. Sua cara de cavalo não mostrava nada a não ser surpresa.
– Alvo Dumbledore, – disse, quando tio Válter não conseguiu fazer uma apresentação. – Nós
nos correspondemos, é claro – Harry achou essa uma forma estranha de lembrar a tia Petúnia que ele
já tinha mandado a ela uma carta que explodia, mas o termo não foi contestado. – E esse deve ser o
filho de vocês, Duda?
Duda tinha acabado de aparecer na porta da sala de estar. Sua grande cabeça loira saindo da
gola listrada de seu pijama parecia estranhamente desassociada do corpo, sua boca aberta pela surpresa
e o medo. Dumbledore esperou alguns momentos, aparentemente para ver se algum dos Dursley ia
dizer alguma coisa, mas como o silêncio se prolongou ele sorriu.
– Vamos presumir que você me convidou para a sua sala de estar?
Duda correu para fora do caminho enquanto Dumbledore passava por ele. Harry, ainda
segurando o telescópio e os tênis, pulou os últimos degraus e seguiu o bruxo que tinha se ajeitado na
poltrona mais próxima do fogo e estava olhando o ambiente com uma expressão de bondoso interesse.
Ele parecia extraordinariamente fora de lugar.
– Nós não... Nós não vamos embora, senhor? – Harry perguntou ansioso.
– Sim, realmente vamos, mas antes disso há algumas coisas que temos que discutir – falou
Dumbledore. – E eu preferia não fazê-lo ao ar livre. Nós vamos abusar só mais um pouco da
hospitalidade de sua tia e seu tio.
– Você vai, não vai?
Válter Dursley tinha entrado no cômodo, com Petúnia em seu ombro e Duda se esquivando
atrás dos dois.
– Sim – disse Dumbledore. – Eu vou.
Ele puxou sua varinha tão rápido que Harry mal a viu; com uma balançada casual o sofá
deslizou para frente e bateu nos joelhos dos três de forma que eles caíram sobre este. Outro balanço
da varinha, e o sofá deslizou novamente para sua posição original.
– Nós também podemos ficar confortáveis – Falou Dumbledore gentilmente.
32
Capítulo 3 – Última vontade, contra vontade
Conforme ele recolocou a varinha no bolso, Harry viu que sua mão estava enegrecida e
ressecada, parecia que a carne desta tinha sido queimada.
– Senhor... O que houve com sua...?
– Mais tarde, Harry – cortou Dumbledore. – Sente-se, por favor.
Harry sentou na poltrona restante, escolhendo não olhar para os Dursley que pareciam assustados
o suficiente para se calarem.
– Eu presumiria que vocês iriam me oferecer algo para beber – O bruxo disse para o tio Válter
-, mas as evidências até agora me dizem que isso seria otimista demais, a ponto de ser tolo.
Um terceiro movimento com a varinha e uma garrafa empoeirada e cinco copos apareceram no
meio do ar. A garrafa se abriu e serviu uma dose generosa de um líquido cor de mel dentro de cada um
dos copos, que então flutuaram para cada pessoa no cômodo.
– O melhor hidromel maturado em barril de carvalho da Madame Rosmerta – explicou
Dumbledore, erguendo o copo para Harry, que pegou o seu próprio copo e tomou um gole.
Ele nunca tinha provado nada parecido antes, mas gostou imensamente. Os Dursley, depois de
trocarem rápidos olhares assustados, tentaram ignorar totalmente seus copos, uma coisa complicada,
já que estes estavam cutucando-os gentilmente ao lado de suas cabeças. O rapaz não podia evitar a
impressão de que Dumbledore estava se divertindo.
– Bem, Harry – disse Dumbledore virando-se para ele -, surgiu uma dificuldade que eu espero
que você possa resolver para nós. Por nós estou me referindo à Ordem da Fênix. Mas antes de mais
nada devo lhe dizer que há uma semana atrás o testamento de Sirius foi descoberto e ele lhe deixou
tudo o que possuía.
No sofá, a cabeça de tio Válter se virou, mas Harry não o olhou nem conseguiu pensar em nada
para dizer além de:
– Ah. Certo.
– Isto significa, no principal, indo direto ao ponto – Dumbledore continuou. – que foi
imediatamente adicionada uma quantidade considerável de ouro à sua conta em Gringotes e você
herdou todas as posses pessoais de Sirius. A parte ligeiramente problemática desse legado...
– O padrinho dele está morto? – indagou tio Válter alto, do sofá. Dumbledore e Harry olharam
para ele. O copo de hidromel agora batia insistentemente no lado da cabeça de Tio Válter. Ele tentou
jogá-lo longe. – Ele está morto? O padrinho dele?
– Sim – respondeu Dumbledore. Ele não perguntou a Harry por que ele não tinha contado isso
aos Dursley. – Nosso problema, – ele continuou falando como se não tivesse sido interrompido – é
que Sirius também deixou para você o Largo Grimmauld, n° 12.
– Ele herdou uma casa? – perguntou tio Válter gananciosamente, espremendo seus pequenos
olhos, mas ninguém lhe respondeu.
– Vocês podem continuar usando a casa como sede. Eu não me importo. Vocês podem ficar
com ela, eu não quero. – Harry não queria nunca mais pisar no Largo Grimmauld, n° 12, se pudesse
evitar. Ele achava que seria eternamente perseguido pela lembrança de Sirius perambulando sozinho
por seus cômodos escuros e mofados, preso em um lugar do qual ele tinha desejado tão
desesperadamente sair.
– Isso é muito generoso – constatou Dumbledore. – Apesar disso, nós desocupamos a casa
temporariamente.
– Por que?
– Bem – começou Dumbledore, ignorando os resmungos de Tio Válter, que agora estava sendo
insistentemente golpeado por um copo de hidromel. – A tradição da família Black define que a casa
é passada para frente em uma linha de sucessão direta, para o próximo homem com o sobrenome
“Black”. Sirius era o último da linha já que seu irmão mais novo, Régulo, faleceu antes dele e ambos
não tinham filhos. Apesar de seu testamento deixar bem claro que ele quer que a casa fique para
você, é sempre possível que tenha sido posto algum feitiço ou encantamento no local para garantir
que ele não possa ser possuído por ninguém que não seja puro-sangue.
33
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Uma imagem vivida do quadro da mãe de Sirius gritando e xingando, pendurado no hall do
Largo Grimmauld, número doze, veio à mente de Harry. – Eu aposto que tem algum – ele disse.
– Provavelmente – concordou Dumbledore. – E se tal encantamento existir, então a posse de
casa provavelmente vai para o mais velho dos parentes vivos de Sirius, o que significaria sua prima,
Bellatrix Lestrange.
Sem perceber o que estava fazendo Harry ficou de pé, o telescópio e os tênis em seu colo
rolaram pelo chão. Bellatrix Lestrange, a assassina de Sirius, herdando sua casa?
– Não.
– Bem, obviamente nós também preferimos que ela não fique com a casa – continuou
Dumbledore calmamente. – A situação está cheia de complicações. Não sabemos se os encantamentos
que nós colocamos lá, por exemplo, tornando-a não localizável, vão se manter agora que o Sirius não
é mais o dono dela. Talvez Bellatrix bata na porta a qualquer momento. Naturalmente tivemos que
sair de lá até que tenhamos esclarecido a questão.
– Mas como vão descobrir se eu posso ficar com ela?
– Felizmente – respondeu Dumbledore. – Existe um teste simples.
Ele colocou o copo vazio na mesinha ao lado da cadeira, mas antes que ele pudesse fazer mais
qualquer coisa, Tio Válter gritou:
– Dá pra você tirar essas malditas coisas de cima da gente?
Harry olhou em volta: todos os três Dursley estavam cobrindo suas cabeças com seus braços
enquanto seus copos batiam em seus crânios, espalhando seu conteúdo por todos os lugares.
– Ah, eu sinto muito – disse Dumbledore educadamente, e levantou sua varinha mais uma vez.
Todos os copos desapareceram. – Mas teria sido boa educação tê-los bebido, vocês sabem.
Parecia que tio Válter tinha em mente uma porção de respostas desagradáveis, mas ele
meramente se encolheu em cima do estofado com tia Petúnia e Duda sem falar nada, mantendo seus
pequenos olhos de porco na varinha de Dumbledore.
– Você entende – disse Dumbledore, virando-se para Harry e novamente falando como se tio
Válter não tivesse emitido nenhum som -, se você realmente herdou a casa, você também herdou...
Ele sacudiu sua varinha pela quinta vez. Houve um estalo alto e um elfo-doméstico apareceu,
com um focinho como nariz, enormes orelhas de morcego, e imensos olhos injetados, rastejando no
tapete de pelo dos Dursley e coberto de trapos imundos. Tia Petúnia soltou um grito de arrepiar os
cabelos: pelo que ela lembrava, nada tão sujo tinha entrado em sua casa que pudesse se lembrar.
Duda puxou seus rosados pés descalços do chão e sentou com eles levantados quase acima de sua
cabeça, como se pensasse que a criatura poderia subir pelas calças de se pijama e tio Válter rugiu:
– Que diabos é isso?
– Monstro – completou Dumbledore.
– Monstro não vai, Monstro não vai, Monstro não vai – crocitou o elfo-doméstico, tão alto
quanto tio Válter, batendo seus pés compridos e puxando suas orelhas. – Monstro pertence à Srta.
Bellatrix, ah sim, Monstro pertence aos Black, Monstro quer sua nova dona, Monstro não vai ficar
com o fedelho Potter, Monstro não vai, não vai, não vai...
– Como você pode ver, Harry – disse Dumbledore alto, acima dos ruídos de Monstro ainda
dizendo “não vai, não vai, não vai” – Monstro está mostrando alguma relutância em passar a ser seu.
– Não me importo – repetiu o garoto, olhando com desgosto para o elfo que se contorcia e
batia o pé. – Eu não o quero.
– Não vai, não vai, não vai...
– Você prefere que ele passe a pertencer a Bellatrix Lestrange? Tendo em mente que ele morou
na sede da Ordem da Fênix pelo último ano inteiro?
– Não vai, não vai, não vai...
Harry encarou Dumbledore. Ele sabia que Monstro não poderia ir morar com Bellatrix Lestrange,
mas a idéia de tê-lo, de ter responsabilidade sobre a criatura que tinha traído Sirius era repugnante.
34
Capítulo 3 – Última vontade, contra vontade
– Dê uma ordem a ele – explicou Dumbledore. – Se ele agora é propriedade sua, ele vai ter que
obedecer. Se não, então teremos que pensar em outras formas de impedi-lo de ficar com sua dona por
direito.
– Não vai, não vai, NÃO VAI...
A voz de Monstro tinha aumentado até se tornar um grito. Harry não conseguiu pensar em
nada para dizer a não ser:
– Monstro, cale a boca!
Por um momento pareceu que Monstro iria ter um colapso. Ele segurou sua garganta, sua boca
ainda funcionando desesperadamente, seus olhos inchando. Depois de alguns segundos em que
engasgou freneticamente, ele se jogou de cara no tapete (tia Petúnia soluçou) e bateu no chão com
suas mãos e pés, dando a si mesmo uma repreensão violenta – porém inteiramente silenciosa.
– Bem, isso simplifica as coisas – disse Dumbledore animadamente. – Parece que Sirius sabia
o que estava fazendo. Você é por direito dono do Largo Grimmauld, número doze, e do Monstro.
– Eu... Eu tenho que mantê-lo comigo? – perguntou Harry horrorizado, enquanto Monstro se
debatia aos seus pés.
– Não, se você não quiser – respondeu Dumbledore. – Se você quer uma sugestão, pode mandálo para Hogwarts para trabalhar nas cozinhas de lá. Dessa forma os outros elfos podem ficar de olho
nele.
– É... – Harry falou aliviado. – É, eu vou fazer isso. Hum... Monstro... Eu quero que você vá
pra Hogwarts e trabalhe nas cozinhas com os outros elfos-domésticos.
Monstro, que agora estava deitado de costas, com os braços e pernas no ar deu um olhar de
profundo desprezo ao garoto, e com outro estalo alto e desapareceu.
– Bom – disse Dumbledore. – Também temos o problema do hipogrifo, Bicuço. Desde que
Sirius morreu, Hagrid vem tomando conta dele, mas agora Bicuço é seu, então se você preferir fazer
alguma outra coisa com ele...
– Não – ele disse imediatamente. – Ele pode ficar com Hagrid, acho que Bicuço iria preferir
isso.
– Hagrid vai ficar encantado – comentou Dumbledore sorrindo. – Ele ficou emocionado de ver
Bicuço novamente. Aliás, nós decidimos, para a maior segurança de Bicuço, batizá-lo novamente
como Witherwings* por enquanto, apesar de eu duvidar que o Ministério descobriria que ele é o hipogrifo
que um dia sentenciaram à morte. Seu malão está pronto?
– Erm...
– Ficou em dúvida se eu iria aparecer? – sugeriu Dumbledore perspicazmente.
– Eu vou lá e... bem... acabar de arrumar – falou Harry rapidamente, correndo para pegar o
telescópio e os tênis que tinham caído no chão.
Demorou pouco mais de dez minutos para que ele conseguisse pegar tudo que precisava. Por
último ele conseguiu resgatar sua Capa da Invisibilidade debaixo da cama, atarraxar a tampa de seu
pote de tinta cor-mutável, e forçar para fechar a mala com seu caldeirão dentro. Então, com o malão
numa mão e a gaiola de Edwiges na outra, ele voltou para o andar de baixo.
Ficou decepcionado ao descobrir que Dumbledore não estava o esperado no hall, o que o fez
ter que voltar para a sala de estar.
Ninguém falava nada. Dumbledore cantarolava baixinho, aparentemente bem à vontade, mas
o ambiente estava muito pesado . Harry não ousou olhar para os Dursley, quando avisou:
– Professor... Estou pronto.
– Ótimo – disse Dumbledore – Só uma última coisa, então. – Ele se virou para falar com os
Dursley mais uma vez.
– Como vocês sem dúvida sabem, Harry se torna maior de idade em um ano...
* O novo nome do Bicuço, Witherwings pode ser traduzido como asas murchas ou secas. Podemos interpreta-lo como um desincentivo a quem se
interessar em dar uma voltinha entre suas asas.
35
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Não – interrompeu Tia Petúnia, falando pela primeira vez desde que Dumbledore chegara.
– Como? – perguntou Dumbledore educadamente.
– Ele não vai ser maior. Ele é um mês mais novo que Duda, e Dudoca não vai completar
dezoito anos até o ano depois do próximo.
– Ah – o diretor disse gentilmente. – Mas no mundo bruxo, nós nos tornamos maiores aos
dezessete anos.
Tio Válter murmurou “absurdo”, mas Dumbledore o ignorou.
– Bem, como vocês já sabem, o bruxo chamado de Lord Voldemort voltou para este país. A
comunidade bruxa está em estado de guerra. Harry, a quem Lord Voldemort já tentou matar diversas
vezes, está correndo ainda mais risco do que quando eu o deixei aqui na sua porta, há quinze anos
atrás, com uma carta explicando sobre o assassinato dos seus pais e expressando minha esperança de
que vocês cuidassem dele como se fosse filho de vocês.
Dumbledore fez uma pausa e apesar de sua voz permanecesse leve e calma, e ele não estar
dando sinal evidente de raiva, Harry sentiu uma espécie de frio emanando do bruxo e notou que os
Dursley se aproximaram bastante uns dos outros.
– Vocês não fizeram o que eu pedi. Vocês jamais trataram Harry como um filho. Nas suas mãos
tudo que ele conheceu foi negligência e constantemente, crueldade. O melhor que pode se dizer a
respeito é que ele ao menos escapou do dano permanente que vocês infligiram a esse pobre garoto
sentado entre vocês.
Tia Petúnia e tio Válter instintivamente olharam em volta, como se esperassem ver alguém que
não fosse Duda espremido entre eles.
– Nós... Maltratamos o Dudoca? O que você... – começou tio Válter furioso, mas Dumbledore
levantou seu dedo pedindo silencio, e este veio como se ele tivesse feito tio Válter ficar mudo.
– A mágica que eu invoquei há quinze anos atrás significa que Harry tem uma proteção poderosa
enquanto ele puder chamar esta casa de lar. Não importa o quão infeliz ele tenha sido aqui, o quão
mal-vindo, o quão maltratado, vocês ao menos, relutantemente, permitiram que ele tivesse um lugar
para ficar. Essa mágica vai parar de funcionar no momento em que Harry tiver dezessete anos, em
outras palavras, no momento em que ele se tornar um homem. Eu só peço isso: que vocês deixem
Harry voltar, mais uma vez, para essa casa antes de seu aniversário de dezessete anos, o que vai
garantir que essa proteção vai continuar até aquele momento.
Nenhum dos Dursley disse nada. Duda estava franzindo a testa levemente, como se ele ainda
estivesse tentando descobrir quando era que tinha sido maltratado. Tio Válter parecia ter algo preso
em sua garganta. Tia Petúnia, por sua vez, estava estranhamente enrubescida.
– Bem Harry... É hora de nós irmos embora – finalmente falou Dumbledore, se levantando e
ajeitando sua longa capa preta. – Até tornarmos a nos encontrar – disse para os Dursley, que pareciam
pensar que esse momento poderia tardar eternamente no que dizia respeito a eles. Depois de colocar
seu chapéu, ele saiu do cômodo.
– Tchau – Harry falou rapidamente para os Dursley e seguiu Dumbledore que parou ao lado do
malão, sobre o qual estava a gaiola de Edwiges.
– Nós não queremos ter que nos preocupar com isso agora – ele falou, pegando novamente sua
varinha. – Eu vou mandar isso para A Toca para nos esperar lá. Contudo gostaria que você trouxesse
sua capa da invisibilidade... Só por precaução.
Harry tirou sua capa do malão com alguma dificuldade, tentando não mostrar a Dumbledore a
bagunça lá dentro. Quando ele tinha conseguido enfiá-la no bolso do seu casaco, o bruxo sacudiu a
varinha e o malão, a gaiola e Edwiges desapareceram. Dumbledore então sacudiu novamente sua
varinha e a porta da frente se abriu para a escuridão fria e brumosa.
– E agora, Harry, vamos entrar na noite e perseguir essa tentadora fugaz, a aventura.
36
– CAPÍTULO 4 –
Horace Slughorn
Apesar do fato de que ele havia passado cada momento em que esteve acordado nos últimos
dias esperando desesperadamente que Dumbledore viesse buscá-lo, Harry se sentia estranho enquanto
andavam pela Rua dos Alfeneiros juntos. Ele nunca havia tido uma conversa adequada com o diretor
fora de Hogwarts antes; normalmente sempre havia uma escrivaninha entre eles. A lembrança do
último encontro frente a frente deles teimava em ficar voltando também, aumentando o sentimento
de vergonha de Harry, ele havia gritado um bocado naquela ocasião, sem mencionar que havia se
dedicado a quebrar vários dos mais estimados pertences de Dumbledore.
Dumbledore, no entanto, parecia completamente relaxado.
– Mantenha sua varinha a postos, Harry – disse ele animado.
– Mas eu achei que não pudesse fazer mágica fora da escola, senhor?
– Se formos atacados – respondeu Dumbledore – dou permissão a você para usar qualquer
contra-feitiço ou maldição que lhe ocorra. Entretanto, não acho que você deva se preocupar em ser
atacado hoje.
– Por que não, senhor?
– Você está comigo – respondeu Dumbledore com simplicidade. – É o suficiente, Harry.
Ele parou abruptamente no final da Rua dos Alfeneiros.
– Você não passou, claro, no seu teste de Aparatação – disse ele.
– Não – retrucou Harry. – Não precisa ter dezessete anos?
– É verdade – disse Dumbledore. – Então você vai precisar segurar bem firme no meu braço.
Meu braço esquerdo, se você não se importa... como você notou, a mão que eu uso para segurar a
varinha está um pouco frágil no momento.
Harry segurou no braço estendido de Dumbledore.
– Muito bem – disse Dumbledore. – Bem, aqui vamos nós.
Harry sentiu o braço de Dumbledore se afastar dele e o segurou com força redobrada; a próxima
coisa que viu foi tudo ficar preto; ele estava sendo pressionado com força em todas as direções; não
conseguia respirar e sentia como se tiras de aço apertassem seu peito; seus olhos estavam sendo
forçados contra sua cabeça; seus tímpanos estavam sendo puxados profundamente contra seu crânio
e então...
Ele aspirou grande quantidade de ar frio da noite e abriu os olhos lacrimejando. Ele se sentiu
como se tivesse sido obrigado a passar por um tubo de borracha bem apertado. Isso poucos segundos
antes de perceber que a Rua dos Alfeneiros havia desaparecido. Ele e Dumbledore estavam agora de
pé no que parecia ser a praça de uma vila deserta, no centro da qual estava um velho memorial de
guerra e alguns bancos. Quando sua compreensão alcançou os sentidos, Harry percebeu que havia
aparatado pela primeira vez na vida.
– Você está bem? – perguntou Dumbledore, olhando para ele. – Leva um certo tempo para se
acostumar com a sensação.
37
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Estou bem – respondeu Harry, esfregando os ouvidos, que davam a sensação de ter deixado
a Rua dos Alfeneiros com relutância. – Mas eu acho que ainda prefiro vassouras...
Dumbledore sorriu, puxou seu casaco um pouco mais para perto do pescoço e disse – Por aqui.
Ele se moveu num passo rápido, passou por uma hospedaria vazia e algumas casas. De acordo
com um relógio numa igreja próxima, era quase meia– noite.
– Me diga então, Harry – disse Dumbledore. – Sua cicatriz.... tem doído?
Harry levantou a mão inconscientemente em direção à testa e esfregou sua marca em forma de
raio.
– Não – retrucou ele – e andei me perguntando sobre isso. Achei que estaria queimando o
tempo todo agora que Voldemort está se tornando tão poderoso novamente.
Ele olhou para Dumbledore e viu que ele tinha uma expressão satisfeita.
– Eu, por outro lado, achei o contrário – disse Dumbledore. – Lord Voldemort finalmente
entendeu o quanto foi perigoso você ter tido acesso a seus pensamentos e sentimentos. Parece que
agora ele está usando Oclumência contra você.
– Bem, eu não estou reclamando – respondeu Harry, que não sentia falta dos terríveis sonhos
nem das vezes em que havia penetrado na mente de Voldemort.
Eles viraram uma esquina, passaram por uma cabine telefônica e uma parada de ônibus. Harry
olhou novamente para Dumbledore.
– Professor?
– Harry?
– Hum ... onde exatamente nós estamos?
– Esta, Harry, é a charmosa vila de Budleigh Babberton.
– E o que estamos fazendo aqui?
– Ah, claro, eu não lhe contei – disse Dumbledore. – Bem, eu perdi a conta de quantas vezes
disse isso nos últimos anos, mas estamos, novamente, com um membro a menos no corpo docente.
Viemos persuadir um antigo colega meu a sair da aposentadoria e retornar a Hogwarts.
– Como posso ajudar nisso, senhor?
– Oh, eu acho que vamos encontrar uma maneira – respondeu Dumbledore vagamente. – Vire
à esquerda, Harry.
Eles seguiram por uma rua íngreme e estreita ladeada de casas. Todas as janelas estavam escuras.
O estranho frio que cobrira a Rua dos Alfeneiros por duas semanas persistia aqui também. Pensando
que poderiam ser dementadores, Harry olhou por sobre seu ombro e agarrou sua varinha no bolso
para se tranqüilizar.
– Professor, por que não aparatamos diretamente dentro na casa de seu colega?
– Porque isso seria tão rude quanto chutar a porta da frente – afirmou Dumbledore. – A
cortesia manda que ofereçamos a um colega bruxo a oportunidade de nos negar a entrada. Em todo
caso, a maioria das residências bruxas é protegida por magia contra Aparatadores indesejados. Como
em Hogwarts, por exemplo...
– .Você não pode aparatar em nenhum lugar dentro de Hogwarts ou na propriedade – disse
Harry rapidamente. – Hermione Granger me contou.
– E ela está certa. Temos que virar à esquerda novamente.
O relógio da igreja batia meia noite atrás deles. Harry se perguntou por que Dumbledore não
considerava rude visitar um amigo tão tarde, mas agora que a conversa havia começado, ele tinha
perguntas mais importantes a fazer.
– Senhor, eu li no Profeta Diário que Fudge foi demitido...
– Correto – disse Dumbledore, virando para uma íngreme rua lateral. – Ele foi substituído,
como você já deve ter visto, por Rufus Scrimgeour, que era Chefe da Seção de Aurores.
– Ele é... O senhor acha que ele é bom?
– Pergunta interessante – comentou Dumbledore. – Ele é capaz, certamente. Uma personalidade
mais decidida e forte do que Cornélio.
38
Capítulo 4 – Horace Slughorn
– Sim, mas eu quis dizer...
– Eu entendi o que você quis dizer. Rufus é um homem de ação e, tendo lutado contra bruxos
das trevas por quase toda sua vida de trabalho, não subestima Lord Voldemort.
Harry esperou, mas Dumbledore não disse nada sobre o desentendimento com Scrimgeour que
o Profeta Diário havia noticiado, e ele não tinha coragem para insistir, então mudou de assunto. – E...
senhor... eu li sobre a senhora Bones.
– Sim – lamentou Dumbledore em tom baixo. – Uma perda terrível. Ela era uma grande bruxa.
Acho que chegamos. Ai...
Ele tinha apontado com sua mão machucada.
– Professor, o que aconteceu com a sua...?
– Não tenho tempo para explicar agora – respondeu Dumbledore. – É uma história emocionante,
e quero fazer-lhe justiça.
Ele sorriu para Harry, que entendeu que não estava sendo repreendido, e que tinha permissão
para continuar fazendo perguntas.
– Senhor? Eu recebi um bilhete do Ministro da Magia por coruja, sobre medidas de segurança
que todos devíamos adotar contra os Comensais da Morte...
– Sim, eu também recebi – disse Dumbledore, ainda sorrindo. – Você achou útil?
– Na verdade, não.
– Eu imaginei que não. Você não me perguntou, por exemplo, qual meu sabor preferido de
geléia, para ter certeza se realmente sou o Professor Dumbledore e não um impostor.
– Não perguntei... – Harry disse, sem saber ao certo se estava sendo repreendido ou não.
– Para referência futura, Harry, é framboesa... embora claro, se eu fosse um Comensal da Morte,
eu teria procurado saber qual o meu sabor preferido de geléia antes de se passar por mim.
– É verdade. Bem, no bilhete eles mencionaram algo chamado Inferi. – Harry perguntou: – O
que exatamente eles são? O bilhete não deixou claro.
– São cadáveres – respondeu Dumbledore calmamente. – Corpos mortos que foram encantados
para cumprir as ordens de um bruxo das trevas. Inferi não têm sido vistos há muito tempo, pelo menos
não desde a última vez em que Voldemort tinha poderes... Ele matou gente o suficiente para criar um
exército deles, claro. Chegamos, Harry, é logo aqui...
Eles estavam em frente a uma pequena casa de pedra com jardim próprio. Harry estava muito
ocupado, digerindo a terrível idéia dos Inferi para prestar atenção a qualquer outra coisa, mas quando
chegaram ao portão da frente, Dumbledore parou e Harry tropeçou nele.
– Meu Deus. Meu Deus.
Harry seguiu o olhar de Dumbledore pelo caminho frontal esmeradamente cuidado até que seu
coração parou. A porta da frente estava pendurada pelas dobradiças.
Dumbledore olhou para os dois lados da rua. Parecia deserta.
– Varinha em punho e me siga, Harry – disse ele em tom baixo.
Ele abriu o portão e andou rápida e silenciosamente pelo caminho do jardim, Harry logo atrás,
e empurrou a porta da frente bem devagar, sua varinha levantada e preparada.
– Lumos.
A ponta da varinha de Dumbledore se acendeu, iluminando um vestíbulo estreito. À esquerda,
outra porta estava aberta. Segurando sua varinha iluminada à frente, Dumbledore entrou na sala de
estar com Harry bem atrás dele.
Uma cena de devastação total estava diante de seus olhos. Um relógio de pêndulo estilhaçado
estava jogado a seus pés, o mostrador rachado, seu pêndulo caído um pouco mais longe como uma
espada abandonada. Um piano estava de lado, suas teclas espalhadas pelo chão. Os restos de um
lustre que despencara um pouco à frente. Almofadas rasgadas, penas voando de dentro delas,
fragmentos de porcelana e vidro como poeira sobre tudo. Dumbledore levantou sua varinha ainda
mais alto, para que a luz chegasse até as paredes, onde algo escuro, vermelho e grudento estava
espalhado pelo papel de parede. A respiração apressada de Harry fez Dumbledore olhar em volta.
– Nada bonito, não é? – disse ele pesaroso. – É, algo horrível aconteceu aqui.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Dumbledore se moveu com cuidado até o meio da sala, examinando os destroços no caminho.
Harry o seguiu, olhando em volta, meio assustado com o que poderia ver por trás dos restos do piano
ou do sofá virado, mas não havia nenhum sinal de um corpo.
– Talvez tenha havido uma briga e... e eles o levaram embora, Professor? – Harry sugeriu,
tentando não imaginar o quão terrivelmente ferido um homem teria que estar para deixar aquelas
marcas espalhadas por metade da parede.
– Eu não acho – respondeu Dumbledore em tom baixo, espiando por trás de uma poltrona
super alcochoada que estava virada.
– Você quer dizer que ele...?
– Ainda está aqui em algum lugar? Sim.
E sem aviso, Dumbledore bateu com a ponta de sua varinha no assento da poltrona virada, que
gritou – Ai!
– Boa noite, Horace – saudou Dumbledore, se endireitando.
O queixo de Harry caiu. Onde um segundo atrás havia uma poltrona, agora encontrava-se
agachado um homem velho, careca e muito gordo massageando sua barriga e olhando de lado para
Dumbledore com olhos revoltados e cheios d’água.
– Não havia necessidade de bater a varinha com tanta força – interrompeu ele brusco, se
levantando. – Machucou.
O brilho da varinha iluminou sua careca reluzente, seus olhos proeminentes, seu enorme bigode
prateado parecido com o de uma morsa e os bem polidos botões de jaqueta de veludo marrom que
estava usando por cima de um pijama de seda lilás. O topo de sua cabeça quase não alcançava o
queixo de Dumbledore.
– O que me entregou? – resmungou ele enquanto levantava, ainda esfregando sua barriga. Ele
não parecia surpreendentemente não envergonhado para alguém acabara de ser descoberto se passando
por uma poltrona.
– Meu caro Horace – respondeu Dumbledore, parecendo se divertir – se realmente os Comensais
da Morte tivessem vindo, a Marca Negra teria sido colocada sobre a casa.
O bruxo bateu uma mão rechonchuda na sua larga testa.
– A Marca Negra – ele murmurou. – Sabia que faltava alguma coisa... Não teria tido tempo
mesmo assim, eu havia acabado de dar os toques finais no meu estofo quando vocês entraram na
sala.
Ele suspirou profundamente, o que fez as pontas do seu bigode tremularem.
– Você apreciaria minha ajuda na arrumação? – perguntou Dumbledore educadamente.
– Por favor – respondeu o outro.
Eles ficaram de costas um para o outro, o bruxo alto e magro e o baixo e gordo, e balançaram
suas varinhas em um mesmo e idêntico movimento de varredura.
A mobília voltou para seu lugar de origem; ornamentos se refizeram no ar, penas voaram para
dentro das almofadas, livros rasgados se consertaram e voltaram para suas prateleiras; lâmpadas a
óleo flutuaram para suas mesas e se acenderam; uma coleção enorme de porta retratos de prata
estilhaçados voaram brilhando pela sala pousando, intactos e sem manchas, sobre uma escrivaninha;
rasgos, rachaduras e buracos reparados por toda parte, e as paredes limparam-se a si mesmas.
– Aliás, que tipo de sangue era aquele? – perguntou Dumbledore mais alto que a badalada do
relógio de pêndulo recém consertado.
– Das paredes? Dragão – gritou o bruxo chamado Horace, enquanto o lustre se aparafusava de
volta ao teto tilintando e rangendo surdamente.
Ouviu-se uma última pancada vinda do piano, e silêncio.
– Sim, dragão – repetiu o bruxo em tom de conversa. – Minha última garrafa, e os preços estão
altíssimos hoje em dia. Mesmo assim, talvez eu possa reutilizá-lo.
Ele pegou uma pequena garrafa de cristal que estava em cima de um aparador e segurou-a
contra a luz, examinando o líquido grosso dentro dela.
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Capítulo 4 – Horace Slughorn
– Hummm, um pouco sujo.
Ele colocou a garrafa de volta no aparador e suspirou. Foi nessa hora que seu olhar caiu sobre
Harry.
– Oh-ho! – disse ele, seus grandes olhos fixos na testa de Harry e em sua cicatriz. – Oh-ho!
– Este – disse Dumbledore, se adiantando para fazer as apresentações – é Harry Potter. Harry,
esse é um velho amigo e colega meu, Horace Slughorn.
Slughorn se virou para Dumbledore com uma expressão sagaz.
– Então é assim que você achou que poderia me persuadir, não é? Bem, a resposta é não, Alvo.
Ele passou por Harry, seu rosto virado para o outro lado com o ar de um homem que está
tentando resistir a uma tentação.
– Acredito que podemos beber alguma coisa, pelo menos? – perguntou Dumbledore. – Pelos
velhos tempos?
Slughorn hesitou.
– Tudo bem então, mas somente um – disse ele desagradavelmente.
Dumbledore sorriu para Harry e o encaminhou para uma poltrona nada diferente daquela
recentemente imitada por Slughorn, a qual estava logo ao lado da lareira recém acessa e de uma
lâmpada a óleo que brilhava intensamente. Harry sentou-se com a distinta impressão que Dumbledore,
por alguma razão, queria que ele ficasse o mais visível possível. Certamente quando Slughorn, que se
encontrava ocupado com garrafas e copos, se virou de frente para a sala, seu olhar caiu imediatamente
sobre Harry.
– Hmpf – resmungou ele, desviando o olhar rapidamente como se tivesse medo de ferir seus
olhos. – Aqui... – dando um copo para Dumbledore, que se sentou sem convite, empurrou a bandeja
para Harry, afundando nas almofadas do sofá reparado e num silêncio desgostoso. Suas pernas eram
tão curtas que não tocavam o chão.
– Bem, como você tem se virado, Horace? – Dumbledore perguntou.
– Não muito bem – retrucou Slughorn de imediato. – Pulmão ruim. Respiração difícil.
Reumatismo também. Não me movimento como costumava. Bem, isso já era esperado. Idade avançada.
Fadiga.
– E ainda assim você deve ter se movido bem rápido para preparar tal recepção para nós em
tão pouco tempo – disse Dumbledore. – Você não pode ter tido um aviso de mais três minutos?
Slughorn responedu, meio irritado, meio orgulhoso:
– Dois. Não ouvi meu Alarme contra Invasão disparar, eu estava tomando banho. Mesmo
assim – acrescentou duramente, parecendo se recompor – o fato é que sou um homem velho, Alvo.
Um homem cansado que ganhou o direito a uma vida calma e a uns poucos confortos materiais.
Ele certamente os tinha conseguido, pensou Harry, olhando à sua volta. A casa era cheia de
coisas e bagunçada, mas ninguém podia dizer que não era confortável; tinha cadeiras macias e apoios
para os pés, bebidas e livros, caixas de chocolate e almofadas macias. Se Harry não soubesse quem
vivia ali, ele diria que era uma mulher idosa, rica e exagerada.
– Você ainda não está tão velho quanto eu, Horace – disse Dumbledore.
– Bem, talvez você também devesse pensar em se aposentar – retrucou Slughorn rudemente.
Seus olhos de um azul pálido haviam encontrado a mão ferida de Dumbledore. – Suas reações não
são mais as mesmas, posso ver.
– Você está certo – disse Dumbledore serenamente, puxando a ponta da manga revelando a
ponta de seus dedos queimados e escurecidos; ao vê-los, os cabelos da parte de trás do pescoço de
Harry se eriçaram desagradavelmente. – Eu estou sem dúvida mais lento do que era. Mas por outro
lado...
Ele encolheu os ombros e abriu as mãos, como se quisesse dizer que a idade tinha suas
compensações, e Harry notou um anel em sua mão sã que ele nunca tinha visto Dumbledore usar
antes: era grande, desajeitadamente feito do que parecia ser ouro, engastada com uma grande pedra
41
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
negra rachada no meio. Os olhos de Slughorn pararam por um instante no anel também, e Harry viu
que ele franzira levemente sua larga testa por um momento.
– Então, todas essas precauções contra invasores, Horace... são para protegê-lo de Comensais
da Morte ou de mim? – Perguntou Dumbledore.
– O que Comensais da Morte iam querer com um pobre e velho gordo como eu? – perguntou
Slughorn.
– Imagino que eles iriam querer que você utilizasse seus talentos consideráveis para coerção,
tortura e assassinato – respondeu Dumbledore. – Você está realmente tentando me dizer que eles
ainda não vieram te recrutar?
Slughorn olhou para Dumbledore sinistramente por um instante, e então murmurou – Eu não
dei a eles nenhuma chance. Eu tenho me mudado constantemente no último ano. Nunca fico no
mesmo lugar por mais de uma semana. Vou de casa trouxa para casa trouxa. Os donos desse lugar
estão de férias nas Ilhas Canárias. Tem sido ótimo, sentirei falta quando tiver que ir. É muito simples
quando você sabe como, um único feitiço congelante lançado nesses absurdos alarmes contra ladrão
que eles usam em vez de um bisbilhoscópio, e ter certeza de que os vizinhos não o flagrem trazendo
o piano.
– Engenhoso – elogiou Dumbledore. – Mas isso soa como uma existência muito cansativa para
um pobre e velho gordo à procura de uma vida tranqüila. Mas, se você retornasse para Hogwarts...
– Se você vai me dizer que minha vida será mais tranqüila naquela escola pestilenta, você pode
poupar seu fôlego, Alvo! Eu posso estar vivendo escondido, mas alguns rumores interessantes têm
chegado aos meus ouvidos desde que Dolores Umbridge foi embora! Se é daquele jeito que você
trata seus professores hoje em dia...
– A Professora Umbridge se meteu em confusão com a nossa manada de centauros – comentou
Dumbledore. – Acredito que você, Horace, faria melhor do que entrar correndo na floresta e chamar
uma horda de centauros zangados de ‘raça suja’.
– Ela fez isso? – duvidou Slughorn. – Mulher idiota. Nunca gostei dela.
Harry riu e Dumbledore e Slughorn olharam para ele.
– Desculpe – Harry disse rapidamente. – Eu apenas... eu também não gostava dela.
Dumbledore se levantou de repente.
– Você já está indo? – Perguntou Slughorn, parecendo esperançoso.
– Não, pensei se poderia usar seu banheiro – respondeu Dumbledore.
– Oh – disse Slughorn, claramente desapontado. – Segunda porta do corredor à esquerda.
Dumbledore saiu da sala. Assim que a porta se fechou, o silêncio se instalou. Pouco tempo
depois, Slughorn se levantou, mas parecia não saber o que fazer. Ele olhou furtivamente para Harry,
passou pela lareira e virou de costas para ela, aquecendo suas largas costas.
– Não pense que não sei porque ele trouxe você – disse ele abruptamente.
Harry somente olhou para Slughorn, cujos pálidos olhos deslizaram para a cicatriz dele, dessa
vez olhando também para o resto do seu rosto.
– Você se parece muito com seu pai.
– É, me disseram.
– Exceto seus olhos. Você tem...
– Os olhos da minha mãe, eu sei. – Harry já ouvira isso tantas vezes que achava um pouco
chato.
– Humpf. É, bem. Na verdade não se deve favorecer alunos, sendo professor, mas ela era uma
das minhas alunas favoritas. Sua mãe – Slughorn acrescentou, em resposta ao olhar de questionamento
de Harry. – Lilian Evans. Uma das alunas mais inteligentes pra quem já dei aula. Animada, sabe?
Garota encantadora. Eu costumava lhe dizer que ela devia estar na minha casa. Eu costumava receber
respostas bem insolentes também.
– Qual era sua casa?
42
Capítulo 4 – Horace Slughorn
– Eu era Diretor da Sonserina – disse Slughorn. – Bem, agora – continuou ele rapidamente
vendo a expressão de Harry e apontando um dedo gordinho para ele – não venha usar isso contra
mim! Você é da Grifinória como ela, creio eu? Sim, costuma acontecer em famílias. Mas nem sempre.
Já ouviu falar em Sirius Black? Você deve ter ouvido, esteve nos jornais nos últimos anos... morreu
algumas semanas atrás...
Foi como se uma mão invisível tivesse revirado os intestinos de Harry e os segurado com força.
– Enfim, ele foi um grande amigo do seu pai na escola. Toda a família Black pertenceu à minha
casa, mas Sirius acabou indo para a Grifinória! Uma pena, ele era um rapaz muito talentoso. Eu fiquei
com o irmão dele, Regulus, quando ele veio, mas adoraria ter os dois na Sonserina.
Ele parecia um colecionador entusiasmado que tivesse perdido um lance num leilão.
Aparentemente perdido em suas lembranças, ele olhou para a parede oposta, se virando
preguiçosamente no lugar para assegurar um calor uniforme em sua parte traseira.
– Sua mãe nasceu em uma família trouxa, claro. Não consegui acreditar quando descobri.
Achei que ela era puro-sangue, tão boa que era.
– Uma das minhas melhores amigas também é – disse Harry – e ela é a melhor aluna no nosso
ano.
– Engraçado como isso acontece às vezes, não é?
– Na verdade, não – respondeu Harry friamente.
Slughorn olhou para ele surpreso.
– Você não deve pensar que sou preconceituoso! – disse ele. – Não, não, não! Não acabei de
dizer que sua mãe era uma das minhas alunas favoritas em todos os tempos? E havia Dirk Cresswell,
um ano depois dela, agora Chefe da Seção de Relacionamento com os Duendes, é claro, outro
nascido trouxa e um aluno muito talentoso, me deu várias informações sobre o que acontecia no
Gringotes!
Ele se inclinou um pouco, sorrindo de um jeito meio satisfeito e apontou para os vários portaretratos brilhantes em cima da cômoda, e seus pequenos ocupantes que se moviam.
– Todos ex-alunos, todos autografados. Você poderá ver Barnabas Cuffe, editor do Profeta
Diário, sempre interessado em ouvir o que acho das notícias que saem. E Ambrosius Flume, da
Dedosdemel, me envia um grande cesto todo aniversário, e tudo porque o apresentei a Ciceron
Harkiss que lhe deu seu primeiro emprego! Mais ao fundo, você poderá vê-la se esticar o pescoço,
aquele é Gwenog Jones, capitã do Holyhead Harpies... As pessoas sempre ficam surpresas quando eu
digo que a conheço pessoalmente e consigo ingressos de graça sempre que quero!
A idéia parecia alegrá-lo bastante.
– E todas essas pessoas sabem onde encontrá-lo, para lhe enviar coisas? – perguntou Harry,
que não conseguia deixar de imaginar porque os Comensais da Morte não haviam ainda achado
Slughorn, se cestos de doces, ingressos para jogos de Quadribol e visitantes procurando por conselhos,
o conseguiam.
O sorriso sumiu do rosto de Slughorn tão rápido quanto o sangue das paredes.
– Claro que não – disse ele, olhando para Harry. – Eu não entro em contato com essas pessoas
há mais de um ano.
Harry teve a impressão que suas palavras haviam chocado o próprio Slughorn; pois ele parecia
irrequieto. Então ele encolheu os ombros.
– Ainda assim... o bruxo prudente mantém sua cabeça baixa em certos momentos. É fácil para
Dumbledore falar, mas aceitar um cargo em Hogwarts justamente agora seria o equivalente a declarar
minha aliança pública à Ordem da Fênix! E mesmo sabendo que eles são admiráveis, bravos e tudo
mais, eu pessoalmente não aprecio muito a taxa de mortalidade....
– Você não precisa entrar pra Ordem da Fênix para ensinar em Hogwarts – disse Harry, que
não conseguia esconder o tom de irritação em sua voz: era difícil simpatizar com a existência mimada
de Slughorn quando ele se lembrava de Sirius, escondido numa caverna e comendo ratos. – A maioria
43
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
dos professores não faz parte, e nenhum deles jamais foi morto, a menos que você conte o Quirrel, e
ele teve o que mereceu já que estava trabalhando para o Voldemort.
Harry tinha certeza que Slughorn era um daqueles bruxos que não tolerava ouvir o nome de
Voldemort sendo dito em voz alta, e não se desapontou: Slughorn deu um pulo e chiou em protesto,
mas Harry o ignorou.
– Eu acho que os professores estão mais seguros que a maioria das pessoas com Dumbledore
como Diretor; ele não é o único que de quem Voldemort sente medo? – Harry continuou.
Slughorn olhou para o nada por um momento: ele parecia estar pensando nas palavras de
Harry.
– Bem, sim, é verdade que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado nunca ganhou uma batalha
contra Dumbledore – sussurrou ele de má vontade. – E imagino que alguns podem dizer que como
eu não me tornei um Comensal da Morte, Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado dificilmente pode
me considerar como amigo... sendo assim, eu talvez esteja mais seguro um pouco mais perto de
Alvo... eu não posso fingir que a morte de Amelia Bones não me balançou... Se ela, com todos os
contatos e proteção do Ministério...
Dumbledore voltou à sala e Slughorn pulou como se tivesse esquecido que ele estava na casa.
– Oh, aí está você, Alvo – disse ele. – Você ficou lá um bom tempo. Estômago ruim?
– Não, eu estava apenas lendo as revistas trouxas – disse Dumbledore. – Eu adoro modelos de
tricô. Bem, Harry, já abusamos bastante da hospitalidade de Horace; acho que é hora de irmos.
Nem um pouco disposto a desobedecê-lo, Harry se levantou. Slughorn pareceu pego de surpresa.
– Vocês estão indo?
– Sim, estamos. Creio que reconheço uma causa perdida quando a vejo.
– Perdida...?
Slughorn parecia agitado. Ele girou seus polegares gordos enquanto olhava Dumbledore vestir
seu casaco de viagem e Harry fechar sua jaqueta.
– Bem, sinto muito que você não queira o posto, Horace – anuiu Dumbledore, levantando sua
mão boa e dando adeus. – Hogwarts adoraria ter você de volta. Apesar de nossa segurança
extremamente aumentada, você será sempre bem-vindo a nos visitar, caso o queira
– Sim... bem... muito prazer... como eu diria...
– Adeus, então.
– Tchau – disse Harry.
Eles estavam na porta da frente quando ouviram alguém chamar.
– Tudo bem, tudo bem, eu aceito!
Dumbledore se virou para ver Slughorn de pé e sem fôlego na porta da sala de estar.
– Você vai desistir da aposentadoria?
– Sim, sim – respondeu Slughorn impacientemente. – Eu devo estar louco, mas sim.
– Maravilhoso – Dumbledore disse, radiante. – Então, Horace, nós o veremos no dia primeiro
de setembro.
– Sim, creio que você verá – resmungou Slughorn.
Enquanto eles saíam pelo caminho do jardim, ouviram a voz de Slughorn:
– Eu quero um aumento de salário, Dumbledore!
Dumbledore riu. O portão do jardim se fechou por trás deles e voltaram colina abaixo pela
névoa escura e rodopiante.
– Bom trabalho, Harry – comentou Dumbledore.
– Eu não fiz nada – disse Harry surpreso.
– Ah sim, você fez. Você mostrou ao Horace o quanto ele ganhará retornando para Hogwarts.
Você gostou dele?
– Bem...
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Capítulo 4 – Horace Slughorn
Harry não estava certo se havia gostado dele ou não. Ele achou que Horace fora agradável à
sua própria maneira, mas também parecia vaidoso e, embora ele tivesse negado, surpreso demais com
o fato de que uma nascida trouxa fosse uma boa bruxa.
– Horace – começou Dumbledore, dispensando Harry da responsabilidade de dizer qualquer
uma dessas coisas – gosta de conforto. Ele também gosta da companhia de famosos, de bem-sucedidos
e poderosos. Ele gosta da sensação de que influencia essas pessoas. Ele mesmo nunca quis ocupar o
trono ele mesmo, prefere os bastidores, mais espaço para se espalhar, veja você. Ele costumava
escolher a dedo seus favoritos em Hogwarts, alguns por sua ambição ou inteligência, outros por seu
charme ou seu talento, e ele sempre teve um faro incomum para escolher aqueles que se destacariam
em diversas áreas. Horace formou uma espécie de clube com seus alunos favoritos onde ele era o
centro, apresentando pessoas, conseguindo contatos entre os membros, e sempre conseguindo algum
benefício em retorno, fosse uma caixa grátis do seu abacaxi cristalizado favorito ou a chance de
recomendar o próximo membro júnior para a Seção de Relacionamento com os Duendes .
Harry teve uma súbita e vívida imagem mental de uma enorme aranha inchada, tecendo uma
teia em volta deles, esticando uma linha aqui e ali para trazer suas grandes e saborosas moscas um
pouco mais perto.
– Eu estou dizendo isso tudo – Dumbledore continuou – não para colocar você contra Horace
ou, como você deve chamá-lo agora, Professor Slughorn, mas para manter você alerta. Sem dúvida
alguma ele vai tentar atraí-lo, Harry. Você seria a jóia da coleção dele, “o Menino Que Sobreviveu”
ou, como você é chamado agora, “O Escolhido”.
Ao ouvir isso, Harry sentiu um arrepio que nada tinha a ver com neblina em volta. Ele se
lembrou das palavras que ouvira algumas semanas antes, palavras que tinham um significado particular
e horrível para ele:
Nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver...
Dumbledore parou de andar, na altura da igreja por onde haviam passado mais cedo.
– Aqui já está bom, Harry. Segure meu braço.
Preparado dessa vez, Harry estava pronto para Aparatar, mas ainda achou desagradável. Quando
a pressão desapareceu e ele conseguiu respirar novamente, ela estava em uma alam’eda no campo ao
lado de Dumbledore e olhando em frente para a silhueta torta de seu segundo lugar favorito no
mundo: a Toca. Apesar do sentimento de terror que acabara de sentir, seu ânimo não deixava de
melhorar ao vê-la. Rony estava lá... e também a Sra. Weasley, que cozinhava melhor que qualquer
pessoa que ele conhecia...
– Se você não se importa, Harry – disse Dumbledore, enquanto entravam pelo portão do
jardim -, gostaria de ter uma pequena conversa com você antes de nos despedirmos. Em particular.
Aqui está bom?
Dumbledore apontou para uma casa de pedra desmantelada onde os Weasley guardavam suas
vassouras. Um pouco intrigado, Harry seguiu Dumbledore pela porta que rangia até um espaço menor
que o de um armário médio. Dumbledore iluminou a ponta de sua varinha, de modo que brilhava
como uma tocha, e sorriu para Harry.
– Espero que você me perdoe por mencionar isso, Harry, mas estou contente e um pouco
orgulhoso por como você está lidando com tudo depois do que aconteceu no Ministério. Permita-me
dizer que acredito que Sirius ficaria orgulhoso de você.
Harry engoliu em seco, sua voz parecia tê-lo abandonado. Ele achava que não conseguiria falar
sobre Sirius; já tinha sido doloroso o suficiente ouvir tio Valter dizer “O padrinho dele morreu?” e
ainda pior ouvir o nome de Sirius sendo dito tão casualmente por Slughorn.
– Foi cruel – acrescentou Dumbledore, suavemente – que você e Sirius tenham tido tão pouco
tempo juntos. Um final brutal para algo que deveria ter sido uma longa e feliz relação.
45
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Harry concordou com a cabeça, seus olhos resolutamente fixos na aranha que agora subia pelo
chapéu de Dumbledore. Ele sabia que Dumbledore entendia, que ele talvez até suspeitasse que até a
chegada de sua carta, Harry passara todo seu tempo na casa dos Dursley deitado em sua cama,
recusando-se a comer, olhando para a janela embaçada do quarto, sentindo um vazio gelado que ele
passara a associar aos dementadores.
– Só é muito difícil perceber – Harry disse finalmente em voz baixa – que ele não vai mais me
escrever.
Seus olhos de repente arderam e ele piscou. Ele se sentiu um idiota por admitir isso, mas o fato
de que ele conhecia alguém fora de Hogwarts que se preocupava com o que lhe acontecia, quase
como um pai, foi uma das melhores coisas desde que ele descobrira sobre seu padrinho... e agora o
correio coruja nunca lhe traria esse tipo de conforto novamente...
– Sirius representava tudo que você nunca tinha tido antes – disse Dumbledore gentilmente. –
Naturalmente, a perda é devastadora...
– Mas enquanto eu estava na casa dos Dursley... – interrompeu Harry, sua voz ficando mais
forte – eu entendi que não posso me fechar para tudo o que está acontecendo ou me deixar abalar.
Sirius não iria querer isso, certo? De qualquer modo, a vida é muito curta... Pense em Madame Bones
e em Emelina Vance... eu posso ser o próximo, não é? E se for – disse ele com firmeza, agora olhando
diretamente para os olhos azuis de Dumbledore que brilhavam à luz da varinha -, eu farei de tudo
para levar comigo o máximo possível de Comensais da Morte que eu possa e Voldemort também, se
eu puder dar um jeito.
– Falou como um filho de seu pai e sua mãe e como um verdadeiro afilhado do Sirius! – sorriu
Dumbledore, batendo de leve nas costas de Harry em aprovação. – Tiro meu chapéu para você, ou
tiraria, se não receasse jogar um monte de aranhas em cima de você.
– E agora, Harry, um outro assunto relacionado... concluo que você tenha lido o Profeta Diário
nas últimas duas semanas?
– Sim – disse Harry, e seu coração começou a bater mais rápido.
– Então você viu que têm corrido mais boatos do que verdades sobre sua aventura na Sala da
Profecia?
– Sim – disse Harry novamente. – Agora todos sabem que eu sou aquele...
– Não, eles não sabem – interrompeu Dumbledore. – Há somente duas pessoas no mundo que
sabem sobre a profecia completa feita sobre você e Lord Voldemort, e ambas estão bem aqui nesse
barraco de vassouras mal cheiroso e cheio de aranhas. É verdade, no entanto, que muitos devem ter
adivinhado, corretamente, que Voldemort mandou seus Comensais da Morte para roubar uma profecia,
e que ela é sobre você.
– Agora, creio estar certo em dizer que você não contou a ninguém sobre o que dizia a profecia?
– Não – respondeu Harry.
– Uma sábia decisão – disse Dumbledore. – Embora eu ache que você deva contar para seus
amigos,o Sr. Ronald Weasley e a Srta. Hermione Granger. Sim – continuou ele quando Harry pareceu
perplexo -, acho que eles precisam saber. Você lhes faz um desserviço ao não lhes confiar algo dessa
importância.
– Eu não queria...
– ...assustá-los ou preocupá-los? – perguntou Dumbledore, observando Harry por cima de seus
óculos em forma de meia lua. – Ou talvez confessar a si próprio que você está assustado e preocupado?
Você precisa dos seus amigos, Harry. Como você disse corretamente, Sirius não ia querer que você se
fechasse para o mundo.
Harry não disse nada, mas Dumbledore parecia não precisar de resposta. – Mudando de assunto,
embora ligado a esse, é meu desejo que você tenha aulas particulares comigo este ano.
– Particulares? Com você? – indagou Harry, arrancado do seu silêncio preocupado pela surpresa.
– Sim, acho que é hora de acompanhar sua educação mais de perto.
– O que o senhor vai me ensinar?
46
Capítulo 4 – Horace Slughorn
– Ah, um pouco disso, um pouco daquilo – comentou Dumbledore despreocupadamente.
Harry aguardou esperançoso, mas Dumbledore não entrou em detalhes, então ele resolveu
perguntar algo que o estava incomodando ligeiramente há algum tempo.
– Se eu tiver aulas com o senhor, eu não precisarei ter aulas de Oclumência com Snape, certo?
– Professor Snape, Harry, e não, você não precisará.
– Ótimo – respondeu Harry aliviado – porque elas foram um...
Ele parou, cuidadoso para não dizer o que ele realmente pensava.
– Eu acho que a palavra “fiasco” poderia ser usada aqui – concordou Dumbledore,.
Harry riu.
– Bem, isso quer dizer que não verei muito o Professor Snape a partir de agora – disse ele –
porque ele não vai me deixar continuar tendo aulas de Poções se eu não tirar “Ótimo” no meu
N.O.M., o que eu sei que não tirei.
– Não conte suas corujas antes delas chegarem – aconselhou Dumbledore. – O que, agora que
parei para pensar, deve acontecer hoje mais tarde. Mais duas coisas, Harry, antes que eu vá.
– Em primeiro lugar, gostaria que você mantivesse consigo sua Capa da Invisibilidade o tempo
todo de agora em diante. Mesmo dentro de Hogwarts. Só para o caso de você precisar, você me
entendeu?
Harry concordou.
– Por último, enquanto você permanecer aqui, a Toca está sob o melhor esquema de segurança
que o Ministério da Magia pode proporcionar. Tais medidas têm causado certa inconveniência para
Arthur e Molly. Toda sua correspondência, por exemplo, está sendo examinada pelo Ministério antes
de ser entregue. Eles não se incomodam nem um pouco porque a única preocupação deles é a sua
segurança. Por isso, seria um péssimo meio de recompensá-los arriscando seu pescoço enquanto
estiver aqui.
– Eu entendo – disse Harry rapidamente.
– Ótimo, então – terminou Dumbledore, abrindo a porta do pequeno armário e pisando no
quintal. – Vejo que a luz da cozinha está acessa. Não vamos privar Molly nem mais um segundo da
oportunidade de dizer o quanto você está magro.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 5 –
Um Excesso de Fleuma*
Harry e Dumbledore se aproximaram da porta dos fundos d’A Toca, ao redor da qual se
concentrava a familiar bagunça de botas de borracha e caldeirões enferrujados. Harry podia ouvir o
suave cacarejar das galinhas adormecidas, vindo de um ponto distante.
Dumbledore bateu à porta três vezes, e Harry percebeu um movimento repentino vindo de trás
da janela da cozinha.
– Quem é? – perguntou uma voz nervosa que ele reconheceu como a da Sra. Weasley. –
Identifique-se!
– Sou eu, Dumbledore, trazendo o Harry.
A porta se abriu imediatamente. Lá estava a Sra. Weasley, baixinha e rechonchuda, vestindo
um roupão verde e velho.
– Harry, querido! Meu Deus, Alvo, que susto você me deu! Você tinha me dito para esperá-los
só pela manhã!
– Nós tivemos sorte – disse Dumbledore, conduzindo Harry pela soleira. – Slughorn se provou
muito mais fácil de persuadir do que eu havia esperado. Mérito do Harry, é claro. Ah, olá, Ninfadora!
Harry olhou em volta e viu que a Sra. Weasley não estava sozinha, apesar do avançado da hora.
Uma bruxa jovem, de rosto pálido com formato de coração, e cabelo marrom-camundongo estava
sentada à mesa, segurando uma caneca grande entre suas mãos.
– Olá, Professor – ela os cumprimentou. – E aí, Harry? Beleza?
– Oi, Tonks.
Harry achou que ela parecia abatida, talvez até doente, e que havia algo de forçado no sorriso
dela. Definitivamente, a aparência dela, sem aquela costumeira cor rosa-chiclete no cabelo, estava
menos colorida que o comum.
– Acho que já está na minha hora – ela anunciou, de supetão, levantando-se e jogando sua capa
sobre os ombros. – Obrigada pelo chá e pela compreensão, Molly.
– Por obséquio, não vá embora por minha causa – disse Dumbledore, cortês. – Eu não posso
ficar, tenho assuntos urgentes para discutir com Rufus Scrimgeour.
– Imagina! Eu realmente preciso ir – retrucou Tonks, sem olhar nos olhos de Dumbledore. –
Boa noite...
– Minha querida, por que você não vem jantar conosco no fim-de-semana? Remo e OlhoTonto virão ...
– Não vai dar mesmo, Molly... obrigada mesmo assim... boa noite, todo mundo.
Tonks passou com pressa por Dumbledore e Harry em direção ao quintal. Pouco depois de
passar pela soleira da porta, ela virou-se no lugar e desapareceu no ar. Harry percebeu que a Sra.
Weasley parecia preocupada.
*No original, Phlegm, fluido, ranho de nariz, muco. Traduzimos para Fleuma, que também pode ser fluido, mas usa-se normalmente para designar
pessoas, digamos assim, formais.Melhor que chamar a coitada de Muco, não acham?(NT)
48
Capítulo 5 – Um excesso de Fleuma
– Muito bem. Nos veremos novamente em Hogwarts, Harry – disse Dumbledore. – Cuidemse. Molly, às suas ordens.
Ele fez uma pequena reverência à Sra. Weasley e seguiu Tonks, desaparecendo precisamente
no mesmo ponto que ela. A Sra. Weasley fechou a porta para o agora vazio quintal, e em seguida,
conduziu Harry pelos ombros em direção ao forte brilho da luminária que havia sobre a mesa, para
examinar sua aparência.
– Você é que nem o Rony – suspirou, examinando-o de cima a baixo. – Parece até que foram
atingidos por Feitiços Para Esticar. Eu juro que o Rony cresceu pelo menos dez centímetros desde a
última vez que eu comprei vestes escolares para ele. Você está com fome, Harry?
– Estou, sim – respondeu Harry, percebendo repentinamente o quão faminto estava.
– Sente-se, querido, que eu vou preparar alguma coisinha para você.
Ao que Harry se sentou, um gato laranja, peludo e de cara amassada pulou em seu colo e lá se
acomodou, ronronando.
– Então a Hermione também está aqui? – perguntou, feliz, enquanto acariciava Bichento atrás
da orelha.
– Está, sim. Ela chegou aqui anteontem – respondeu a Sra. Weasley, tocando rapidamente com
sua varinha uma panela grande de ferro, que quicou até o fogão com um tinido agudo, e, então,
começou imediatamente a borbulhar. – Todos já estão na cama, é claro. A gente achava que você só
chegaria daqui a várias horas. Aqui está...
Novamente, bateu de leve na panela, que subiu pelo ar e então voou até Harry e foi se inclinando.
Ela, então, empurrou uma tigela precisamente embaixo da panela, bem em tempo de receber a cascata
da grossa e cheirosa sopa de cebola.
– Quer pão, querido?
– Obrigado, Sra. Weasley.
Ela balançou sua varinha acima da linha de seu ombro e em seguida, um pão e uma faca
surgiram e desceram em um movimento gracioso até a mesa. Enquanto o pão se fatiava sozinho e a
panela de sopa voltava ao fogão, a Sra. Weasley se sentou em frente a Harry.
– Quer dizer então que você convenceu Horace Slughorn a aceitar o emprego?
Harry assentiu. Sua boca estava tão cheia da sopa quente que ele nem conseguia falar.
– Ele deu aula para o Arthur e para mim – ela contou. – Ele já estava em Hogwarts havia
séculos. Acho que começou lá pela mesma época que o Dumbledore. Você gostou dele?
Com a boca dessa vez cheia de pão, Harry deu de ombros e fez um movimento não
comprometedor com a cabeça.
– Sei o que você quer dizer – disse a Sra. Weasley, assentindo com sabedoria. – Claro que ele
pode ser encantador quando assim o quer, mas o Arthur nunca gostou muito dele. O Ministério está
entulhado com os antigos favoritos do Slughorn. Ele sempre foi bom em dar esses pistolões, mas
nunca teve muito tempo para o Arthur... nunca pareceu achar que ele voaria alto o suficiente. Enfim,
isso só mostra que até mesmo o Slughorn comete erros. Não sei se o Rony já te contou sobre isso por
carta... é que aconteceu faz muito pouco tempo: o Arthur foi promovido!
Não poderia estar mais evidente que a Sra. Weasley estivera louca para contar a notícia. Harry,
então, engoliu uma quantidade grande de sopa muito quente e, pensando até já poder sentir várias
bolhas surgindo em sua garganta, disse, com a voz ainda meio sufocada:
– Que ótimo!
– Você é um amor – disse a Sra. Weasley, radiante, e, possivelmente interpretando os olhos
cheios d’água de Harry como fruto da emoção pela notícia. – Sim, Rufus Scrimgeour criou várias
novas repartições, por causa da situação atual, e o Arthur está dirigindo a Seção para a Detecção e o
Confisco de Falsos Feitiços Defensivos e Objetos Protetores. É um cargo importante: agora ele tem
dez pessoas trabalhando sob suas ordens.
– O que exatamente... ?
49
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Veja só, com todo esse pânico por causa de Você-Sabe-Quem, começaram a aparecer coisas
estranhas para vender em tudo que é canto, coisas que supostamente servem para proteger contra
Você-Sabe-Quem e os Comensais da Morte. Você pode imaginar o tipo de coisa... as pretensas poções
protetoras que não passam de molho de carne com um pouco de pus de bubotúberas, ou então,
instruções de feitiços de defesa que na verdade fazem as suas orelhas caírem... bem, os perpetradores
são na maioria gente do tipo do Mundungo Fletcher, que nunca tiveram um dia de trabalho honesto
sequer na vida e que querem tirar vantagem do quão assustado todo mundo está, mas às vezes
alguma coisa bem grave aparece. Outro dia, o Arthur confiscou uma caixa de Bisbilhoscópios
amaldiçoados, que com certeza quase absoluta, foram plantados por um Comensal da Morte. Então,
você vê, é um trabalho muito importante, e eu digo sempre a ele que é besteira sentir saudades de
tomadas faiscantes e torradeiras e todo o resto daquelas quinquilharias dos trouxas. A Sra. Weasley
terminou seu discurso com um olhar severo, como se houvesse sido Harry quem sugerira ser natural
sentir saudades de tomadas faiscantes.
– O Sr. Weasley ainda está no trabalho? – Harry perguntou.
– Está, sim. Para dizer a verdade, está um pouquinho atrasado... ele disse que estaria de volta
cerca de meia-noite...
Ela virou-se para dar uma olhada no grande relógio que repousava estranhamente sobre uma
pilha de lençóis na cesta de roupas. Harry o reconheceu imediatamente: tinha nove ponteiros, cada
um com o nome de um membro da família e costumava ficar pendurado na sala de visitas dos Weasley,
embora a sua posição atual sugerisse que a Sra. Weasley havia adquirido o hábito de carregá-lo
consigo por todos os cantos da casa. Cada um dos nove ponteiros estava agora apontando para
“perigo mortal”.
– Está desse jeito já faz algum tempo – disse a Sra. Weasley, em um tom casual que não
convencia. – Desde que Você-Sabe-Quem voltou a público. Imagino que todo mundo esteja em
perigo mortal agora... não acho que seja só a nossa família... mas não conheço mais ninguém que
tenha um relógio como esse, então não posso conferir. Oh!
Com uma exclamação repentina, ela apontou para o visor do relógio. O ponteiro do Sr. Weasley
havia mudado para “viajando”.
– Ele está chegando!
E, de fato, logo em seguida bateram à porta dos fundos. A Sra. Weasley se levantou com um
pulo e correu até lá; com uma mão na maçaneta e com o rosto espremido contra a madeira, ela
perguntou em voz baixa:
– Arthur, é você?
– Sim – respondeu a voz exausta do Sr. Weasley. – Mas eu diria isso mesmo se fosse um
Comensal da Morte, querida. Faça a pergunta!
– Ah, francamente...
– Molly!
– Tudo bem, tudo bem... qual é a sua maior ambição?
– Descobrir como aviões conseguem se manter no ar.
A Sra. Weasley assentiu e virou a maçaneta, mas aparentemente, o Sr. Weasley estava fazendo
força contrária do outro lado, porque a porta permanecia firmemente fechada.
– Molly! Eu preciso fazer a sua pergunta primeiro!
– Arthur, francamente, isso é tão bobo...
– Do que você gosta que eu te chame quando nós dois estamos sozinhos?
Mesmo sob a fraca luz da luminária, Harry podia dizer com certeza que a Sra. Weasley havia
adquirido um tom forte de vermelho no rosto; ele mesmo se sentiu subitamente quente ao redor das
orelhas e pescoço, e engoliu a sopa com pressa, batendo sua colher contra a tigela com o máximo de
barulho que pôde.
– Molilucha – murmurou uma Sra. Weasley mortificada para a fissura no canto da porta.
– Certo – disse o Sr. Weasley. – Agora você pode me deixar entrar.
50
Capítulo 5 – Um excesso de Fleuma
A Sra. Weasley abriu a porta, através da qual surgiu seu marido, um bruxo magro, ruivo, cuja
calvície já avançava, usando óculos de aro de chifre e uma capa de viagem comprida e poeirenta.
– Eu ainda não consigo entender por que você tem que fazer isso toda vez que vem para casa
– declarou a Sra. Weasley, ainda com a face corada, enquanto ajudava seu marido a retirar sua capa.
– Digo, um Comensal da Morte poderia muito bem lhe arrancar a resposta antes de se fazer passar por
você.
– Eu sei, querida, mas é um procedimento do Ministério e eu tenho que dar o exemplo. Que
cheiro bom é esse? Sopa de cebola?
O Sr. Weasley virou-se, esperançoso, em direção à mesa.
– Harry! Nós não o esperávamos antes de amanhã cedo!
Eles apertaram as mãos e o Sr. Weasley se deixou cair na cadeira ao lado de Harry, enquanto a
Sra. Weasley colocava uma tigela de sopa na frente dele também.
– Obrigado, Molly. Essa noite foi difícil. Alguns idiotas começaram a vender MedalhasMetamorfas. “É só colocá-as no pescoço para poder mudar sua aparência como desejar. Cem mil
disfarces por apenas dez galeões!”.
– E o que realmente acontece quando se coloca uma dessas medalhas no pescoço?
– Geralmente você só fica de uma cor laranja um tanto quanto desagradável, mas algumas
pessoas ficaram com verrugas em forma de tentáculos pelo corpo todo. Como se o St. Mungo já não
tivesse trabalho o suficiente.
– Parece o tipo de coisa que o Fred e o Jorge achariam engraçado – disse a Sra. Weasley,
hesitante. – Você tem certeza de que... ?
– Claro que tenho! – retrucou o Sr. Weasley. – Os meninos não fariam esse tipo de coisa agora,
não quando as pessoas estão desesperadas por proteção!
– Então é por isso que você está atrasado, por causa dessas Medalhas-Metamorfas?
– Não, nós tivemos um problema com um Feitiço Bate-Volta lá em Elephant e Castle, mas,
felizmente, o Esquadrão para Execução das Leis da Magia já estava lá quando chegamos...
Harry escondeu um bocejo por trás de sua mão.
– Para a cama – disse a Sra. Weasley, sem cerimônia. – Eu já deixei o quarto do Fred e do Jorge
arrumado. Você vai ter o quarto todo só para você.
– Por quê? Onde eles estão?
– Ah, eles estão no Beco Diagonal, morando em um apartamento pequeno em cima da loja de
logros deles, já que andam tão ocupados – respondeu a Sra. Weasley. – Devo dizer que, de início, não
aprovei, mas eles realmente parecem ter um instinto para os negócios! Vamos, querido, seu malão já
está lá em cima.
– Boa noite, Sr. Weasley – disse Harry, empurrando sua cadeira para trás.
Bichento pulou de seu colo com leveza e saiu furtivamente do aposento.
– Boa noite, Harry – respondeu o Sr. Weasley.
Harry viu a Sra. Weasley dar uma olhada no relógio sobre a cesta de roupas quando eles deixaram
a cozinha. Todos os ponteiros estavam, novamente, em perigo mortal.
O quarto de Fred e Jorge era no segundo andar. A Sra. Weasley apontou sua varinha para o
abajur sobre a mesinha de cabeceira e ele se acendeu imediatamente, banhando o cômodo num
agradável brilho dourado. Apesar de um grande vaso de flores ter sido colocado sobre uma escrivaninha
em frente à janela pequena, o perfume delas ainda não era capaz de disfarçar o cheiro remanescente
daquilo que Harry supôs ser pólvora. Um espaço considerável do chão estava ocupado por um vasto
número de caixas de papelão seladas, sem marcas, entre as quais repousava o malão de Harry. O
quarto parecia estar sendo usado como um depósito temporário.
Do seu poleiro, no topo de um grande armário, Edwiges piou feliz para Harry e então partiu
para fora da janela: Harry sabia que ela estivera esperando para vê-lo antes de sair para caçar.
Em seguida, deu boa noite à Sra. Weasley, vestiu seu pijama e deitou-se em uma das camas.
Havia algo de duro na fronha. Apalpou seu interior e de lá, retirou um doce grudento, roxo com
51
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
laranja, que reconheceu como sendo uma Vomitilha. Sorrindo consigo mesmo, virou-se na cama e
adormeceu instantaneamente.
Alguns segundos depois, ou ao menos foi o que lhe pareceu, Harry foi acordado por algo que
soava como tiro de canhão, quando a porta abriu-se violentamente. Sentando-se ereto de imediato,
ele escutou o som áspero das cortinas sendo abertas: a ofuscante luz do sol parecia cutucá-lo com
força em ambos os olhos. Protegendo-os com uma das mãos, ele usou a outra para procurar,
desesperadamente, pelos seus óculos.
– Quetáacontecendo?
– A gente não sabia que você já tinha chegado! – disse uma voz alta e empolgada, ao que Harry
recebeu um cascudo bem no topo da cabeça.
– Rony, não bata nele! – exclamou uma voz de garota, em tom de reprovação.
A mão de Harry achou seus óculos e ele os empurrou para cima do nariz, embora a luz brilhasse
tanto que ele mal conseguisse enxergar nada, de qualquer maneira. Uma sombra comprida e indistinta
estremeceu em frente a ele por um segundo; ele piscou e Rony Weasley apareceu dentro de foco,
sorrindo para ele.
– Tudo bem?
– Melhor que nunca – respondeu Harry, massageando o topo da cabeça e aninhando-se
novamente em seus travesseiros. – E você?
– Nada mal – disse Rony, puxando uma caixa de papelão e sentando-se sobre ela. – Quando
você chegou? Minha mãe só contou para a gente agora!
– Tipo uma da manhã.
– Tudo certo com os trouxas? Eles te trataram bem?
– O mesmo de sempre – retrucou Harry, ao que Hermione se sentou na ponta de sua cama. –
Eles não falaram muito comigo, mas eu prefiro desse jeito. Como vai, Hermione?
– Ah, tudo bem – disse a garota, examinando Harry minuciosamente, como se ele estivesse
enjoado com alguma coisa.
Já imaginando o que estava por trás disso, e, não tendo vontade alguma de conversar sobre a
morte de Sirius ou sobre nenhum assunto desagradável no momento, ele disse:
– Que horas são? Eu perdi o café?
– Não se preocupe com isso, minha mãe está te trazendo uma bandeja. Ela acha que você
parece mal alimentado – respondeu Rony, revirando os olhos. – Então, o que você tem feito?
– Nada de mais, eu só estive lá trancado na casa dos meus tios, não?
– Deixa disso! – exclamou Rony. – Você saiu com o Dumbledore!
– Não foi nada de muito interessante. Ele só queria que eu o ajudasse a convencer um professor
antigo a sair da aposentadoria. O nome dele é Horace Slughorn.
– Ah – fez Rony, com um quê de desapontamento. – A gente tinha achado que...
Hermione lançou um olhar de advertência e ele mudou de tom em velocidade recorde.
– ...a gente tinha achado que era mesmo algo do tipo.
– Mesmo? – perguntou Harry, divertindo-se.
– Aham... bem, depois que a Umbridge foi embora, era óbvio que precisávamos de um novo
professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, não? Então, ahn... como ele é?
– Ele lembra um pouco uma morsa, e foi o diretor da Sonserina – respondeu Harry. – Algo de
errado, Hermione?
Ela o estava observando como se esperasse que sintomas estranhos se manifestassem a qualquer
momento. Então, reajustou os traços de seu rosto bruscamente sob o formato de um sorriso pouco
convincente.
– Não, não, de jeito nenhum! Então, ahn... o Slughorn parece ser um bom professor?
– Sei lá – retrucou Harry. – Pior que a Umbridge não pode ser, pode?
– Eu conheço alguém que é pior que a Umbridge – disse uma voz vinda da porta. A irmã caçula
de Rony entrou, relaxada, no quarto, parecendo irritada, e continuou:
52
Capítulo 5 – Um excesso de Fleuma
– Oi, Harry.
– O que aconteceu com você? – perguntou Rony.
– É ela – disse Gina, deixando-se cair sobre a cama de Harry. – Ela está me deixando maluca!
– O que ela fez dessa vez? – quis saber Hermione, com compaixão.
– É o jeito com que ela fala comigo... parece que eu tenho três anos de idade!
– Eu sei – concordou Hermione, baixando o tom de sua voz. – Ela é tão cheia de si!
Harry ficou espantado por ouvir Hermione falando da Sra. Weasley desse jeito, e não podia
culpar Rony por dizer zangado:
– Vocês não podem deixá-la em paz por cinco segundos?
– Ah, claro, defenda ela – respondeu Gina, áspera. – Nós todos sabemos que você nunca se
cansa dela.
Esse parecia um comentário estranho a ser feito sobre a mãe de Rony. Começando a achar que
não estava entendendo alguma coisa, Harry perguntou:
– De quem vocês estão... ?
Mas sua pergunta foi respondida antes que ele a pudesse concluir. A porta do quarto escancarouse novamente e Harry instintivamente puxou suas cobertas até o queixo, com tanta força que Hermione
e Gina escorregaram da cama diretamente para o chão.
Uma moça estava parada no vão da porta, uma mulher cuja beleza era tão de tirar o fôlego que,
repentinamente, pareceu não haver ar algum dentro daquele quarto. Ela era alta e esbelta, com cabelos
longos e loiros, e parecia emanar um brilho suave e prateado. Para completar essa visão de perfeição,
ela estava carregando uma bandeja de café da manhã pesada de tão cheia.
– Arry! – exclamou ela, numa voz gutural. – Há quanto tempo!
Ao que ela passou da porta em direção a ele, a Sra. Weasley apareceu no campo de visão, vindo
no seu rastro um tanto quanto mal-humorada.
– Não havia necessidade alguma de trazer a bandeja, eu mesma já ia fazer isso!
– Non foi sacrrifício algum – retrucou Fleur Delacour, repousando a bandeja sobre os joelhos
de Harry e inclinando-se rapidamente para beijá-lo em cada uma de suas bochechas. Ele sentiu os
pontos em que a boca dela havia tocado arderem. – Fazia muito tempo que eu querria vê-lo – continuou.
– Lembrra de minha irrmã, Gabrrielle? Ela non se cansa de falarr sobrre Arry Potter. Ela vai adorrarr
verr você novamente...
– Ah... ela também está aqui? – fez Harry.
– Non, non, bobim – disse Fleur, com uma risada que lembrava o tilintar de sinos. – Digo, no
prróximo verron, quando nós... mas você non sabe?
Seus grandes olhos azuis se arregalaram e ela lançou um olhar de reprovação à Sra. Weasley,
que se defendeu:
– Nós ainda não saímos contando para ele ...
Fleur voltou-se para Harry, fazendo com que suas madeixas prateadas balançassem, atingindo
o rosto da Sra. Weasley como um chicote.
– Gui e eu vamos nos casarr!
– Oh! – exclamou Harry, inexpressivo, sem deixar de notar como a Sra. Weasley, Hermione e
Gina, todas evitavam, com determinação, o olhar uma das outras. – Uau! Hã... parabéns!
Ela se abaixou até ele e o beijou novamente.
– O Gui está muito ocupado no momento, trrabalhando muito, e eu só trrabalho porr meioperríodo no Grringotes, porr causa do meu inglês, enton ele me trrouxe aqui parra passar alguns dias
e conhecerr melhorr a família dele. Eu fiquei tan contente de saberr que você estarria vindo... non há
muito o que se fazerr aqui, a menos que você goste de cozinharr e de galinhas! Bem, bon apetit, Arry!
Com essas palavras, ela virou-se graciosamente, e pareceu que flutuava para fora do quarto,
fechando a porta silenciosamente atrás de si.
A Sra. Weasley fez um barulho que soou como “tchah!”.
– Mamãe a odeia – murmurou Gina.
53
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Eu não a odeio coisa nenhuma! – retrucou a Sra. Weasley, num sussurro atravessado. – Eu só
acho que eles se precipitaram nesse noivado, só isso!
– Eles se conhecem há um ano – disse Rony, que parecia estranhamente grogue e estava com
o olhar parado em direção à porta.
– Bem, isso não é tanto tempo! Mas eu sei por que aconteceu, claro. É toda essa incerteza.
Com Você-Sabe-Quem de volta, as pessoas acham que podem estar mortas amanhã, então acabam
precipitando todos os tipos de decisões que normalmente considerariam com cuidado. Foi a mesma
coisa da última vez em que ele esteve poderoso, gente fugindo para casar em tudo quanto era canto...
– Incluindo você e o papai – comentou Gina, com perspicácia.
– É verdade, mas eu e seu pai fomos feitos um para o outro, então, por que esperar? – disse a
Sra. Weasley. – Já no caso do Gui com a Fleur... bem, o que eles realmente têm em comum? Ele é uma
pessoa esforçada, centrada, enquanto que ela é...
– Uma vaca – completou Gina, assentindo. – Mas o Gui não é tão centrado assim. Ele é um
desfazedor de feitiços, não é? Ele gosta de um pouco de aventura, de um pouco de glamour... eu
imagino que é por isso que ele escolheu a Fleuma.
– Pare de chamá-la assim, Gina – ralhou a Sra. Weasley, enquanto Harry e Hermione riam. –
Bem, é melhor eu continuar ... coma seus ovos enquanto eles ainda estão quentes, Harry.
Parecendo aflita, ela deixou o quarto. Rony ainda parecia um pouco aturdido: ele estava
sacudindo a cabeça experimentalmente, como um cachorro tentando tirar água do ouvido.
– Não dá para se acostumar com ela nem quando ela está ficando sob o mesmo teto? – quis
saber Harry.
– Bem, dá, sim – respondeu Rony. – Mas se ela pula em você, assim, do nada...
– É patético – disse Hermione, furiosa, indo para o mais longe de Rony que podia e virando-se
para encará-lo com os braços cruzados, assim que chegou à parede.
– Você não quer realmente que ela fique por aqui para sempre? – Gina perguntou a Rony,
incrédula.
Ao que ele simplesmente sacudiu os ombros, ela continuou:
– Bem, a mamãe vai dar um jeito de acabar com isso, se puder. Aposto o que quiser.
– E como ela vai fazer isso? – perguntou Harry.
– Ela está sempre tentando trazer a Tonks para cá, para o jantar. Eu acho que ela está com a
esperança que o Gui acabe trocando a Fleuma pela Tonks, e eu espero mesmo que ele troque, porque
realmente preferiria ter a Tonks na família.
– Ah, claro, ia funcionar mesmo – disse Rony, sarcasticamente. – Escuta, nenhum cara em seu
juízo perfeito ia desejar a Tonks, com a Fleur por perto. Digo, a Tonks é até bonitinha, quando não
está fazendo coisas idiotas com o cabelo e o nariz, mas ...
– Ela é muito mais legal que a Fleuma – protestou Gina.
– E mais inteligente, ela é uma Auror! – completou Hermione, de seu canto.
– A Fleur não é burra. Ela foi boa o suficiente para entrar para o Torneio Tribruxo – disse
Harry.
– Você também, não! – exclamou Hermione, em tom amargo.
– Você deve gostar da maneira com que a Fleuma diz “Arry”, não gosta? – perguntou Gina,
com desdém.
– Não – retrucou Harry, desejando não ter falado nada. – Eu só estava querendo dizer que a
Fleuma, digo, Fleur...
– Eu gostaria muito mais de ter Tonks na família – disse Gina. – Pelo menos ela é engraçada.
– Ela não tem sido tão engraçada assim ultimamente – comentou Rony. – A cada vez que eu a
vejo, mais ela se parece com a Murta-Que-Geme.
– Isso não é justo – reclamou Hermione. – Ela ainda não superou o que aconteceu... vocês
sabem... quer dizer, ele era primo dela!
54
Capítulo 5 – Um excesso de Fleuma
O ânimo de Harry despencou, eles haviam finalmente chegado em Sirius. Ele pegou um garfo
e começou a enfiar ovos mexidos em sua boca, desejando desviar-se de qualquer convite para participar
dessa parte da conversa.
– A Tonks e o Sirius mal se conheciam – disse Rony. – O Sirius esteve em Azkaban metade da
vida dela, e antes disso as famílias nunca se encontraram...
– Não é isso – interrompeu Hermione. – Ela acha que foi por culpa dela que ele morreu!
– De onde ela tirou isso? – perguntou Harry, a despeito de si próprio.
– Bem, ela estava lutando com a Bellatrix Lestrange, não estava? Eu acho que ela sente que
caso tivesse acabado com a Bellatrix, ela não teria matado o Sirius.
– Isso é uma bobagem – fez Rony.
– É culpa de sobrevivente – disse Hermione. – Eu sei que o Lupin tentou tirar isso da cabeça
dela, mas ela ainda está muito deprimida. Ela está até mesmo tendo problema com as Metamorfoses
dela.
– Com o quê dela?
– Ela não pode mais mudar sua aparência, como costumava fazer – explicou Hermione. – Eu
acho que os poderes dela devem ter sido afetados pelo choque, ou algo do tipo.
– Eu não sabia que isso podia acontecer – disse Harry.
– Nem eu – afirmou Hermione. – Mas acho que, se você estiver muito deprimido...
A porta abriu-se novamente e a Sra. Weasley enfiou sua cabeça para dentro do quarto.
– Gina – sussurrou – desça comigo para me ajudar com o almoço!
– Eu estou aqui conversando! – protestou a garota, revoltada.
– Agora! – exigiu a Sra. Weasley, e foi embora.
– Ela só me quer lá para não ter que ficar sozinha com a Fleuma! – exclamou Gina, atravessada.
Ela sacudiu seus longos cabelos ruivos em uma excelente imitação de Fleur e começou a
desfilar pelo quarto com as mãos para o ar, como uma bailarina.
– Vocês tratem de descer logo também – disse ela, enquanto saía.
Harry se aproveitou do silêncio temporário para comer mais de seu café-da-manhã. Hermione
estava xeretando as caixas de Fred e Jorge, embora de vez em quando desse uma olhada de soslaio
para o Harry. Rony, que ainda estava se servindo da torrada de Harry, ainda olhava sonhadoramente
para a porta.
– O que é isso? – quis saber Hermione, segurando algo que parecia com um pequeno telescópio.
– Sei lá, – respondeu Rony – mas se o Fred e o Jorge deixaram isso aqui, deve ser porque ainda
não está pronto para a loja de logros, então tome cuidado.
– A sua mãe disse que a loja está indo bem – disse Harry. – Ela disse que o Fred e o Jorge levam
jeito para os negócios.
– “Jeito para os negócios” é pouco – afirmou Rony. – Eles estão montados nos galeões! Eu mal
posso esperar para ver o lugar. A gente ainda não foi para o Beco Diagonal, porque a mamãe disse
que, como medida extra de segurança, o papai também precisa estar lá e ele tem estado muito ocupado
no trabalho, mas parece que a loja vai muito bem.
– E o Percy? – quis saber Harry; o terceiro filho dos Weasley havia rompido com o resto da
família. – Ele voltou a falar com os seus pais?
– Não – respondeu Rony.
– Mas ele sabe que o seu pai estava certo o tempo todo sobre o Voldemort ter voltado...
– Dumbledore diz que as pessoas acham muito mais fácil perdoar os outros por estarem errados
que por estarem certos – comentou Hermione. – Eu o escutei falando isso para a sua mãe, Rony.
– Parece mesmo o tipo de coisa doida que o Dumbledore diria – disse Rony.
– Ele vai me dar aulas particulares esse ano – disse Harry, em tom casual.
Rony engasgou com sua torrada, e Hermione ofegou.
– Você manteve isso em segredo! – exclamou Rony.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Eu só lembrei agora – retrucou Harry, com sinceridade. – Ele me comunicou ontem à noite,
no seu abrigo de vassouras.
– Puxa... aulas particulares com o Dumbledore! – Rony pareceu impressionado. – Eu me pergunto
por que ele... ?
A voz dele esmaeceu. Harry o viu trocar olhares com Hermione, e então, largou seus talheres,
com o coração batendo forte, levando-se em conta que tudo o que ele estava fazendo era estar
sentado na cama. Dumbledore lhe havia dito que fizesse isso... então por que não agora? Ele fixou
seu olhar no garfo, que estava refletindo a luz do sol em seu colo, e disse:
– Eu não sei exatamente por que ele vai me dar aulas, mas imagino que seja por causa da
profecia.
Nem Rony nem Hermione disseram nada. Harry teve a impressão de que os dois haviam
congelado, e continuou, ainda falando para seu garfo:
– Vocês sabem, aquela que estavam tentando roubar no Ministério.
– Mas ninguém sabe o que ela dizia – disse Hermione, rapidamente. – Ela foi estraçalhada.
– Se bem que o Profeta disse que... – começou Rony, ao que Hermione fez “Shh!”.
– O Profeta sacou bem – Harry levantou o olhar para eles, com grande esforço: Hermione
parecia assustada e Rony, pasmo. – Aquela bola de vidro que foi quebrada não era o único registro da
profecia. Eu escutei a versão completa no escritório do Dumbledore... foi para ele que a profecia foi
feita, então ele pôde me contar. Pelo que sei – respirou fundo, – parece que sou eu que tenho que
acabar com o Voldemort... pelo menos ela dizia que nenhum de nós pode viver enquanto o outro
sobreviver.
Os três se entreolharam em silêncio por um momento. Então se escutou uma grande pancada
e Hermione desapareceu atrás de uma lufada de fumaça preta.
– Hermione! – gritaram Harry e Rony, ao que a bandeja de café da manhã escorregou para o
chão, causando um estrondo.
Hermione reapareceu, tossindo, fora da fumaça, agarrando o telescópio e ostentando um olho
brilhantemente roxo.
– Eu apertei isso e ele... ele me deu um soco! – ela ofegou.
E, de fato, agora eles podiam ver um minúsculo punho projetando-se da ponta do telescópio.
– Não se preocupe – Rony estava claramente se segurando para não rir. – Mamãe vai dar um
jeito nisso, ela é boa em curar ferimentos leves...
– Ah, bem, deixe isso para lá agora – disse Hermione, impaciente. – Harry, ah, Harry...
Ela sentou-se na ponta da cama dele novamente, e continuou:
– A gente ficou se perguntando, depois que voltamos do Ministério... obviamente não quisemos
dizer nada para você, mas pelo que o Lúcio Malfoy disse da profecia, de ela ser sobre você e Voldemort,
bem, nós achamos que deveria ser algo do tipo... ah, Harry... – ela fixou o olhar nele, e então, sussurrou
– Você está assustado?
– Não tanto como eu estava – respondeu o garoto. – Quando eu a ouvi pela primeira vez,
fiquei... mas agora, parece que eu sempre soube que teria de encará-lo no final...
– Quando a gente ficou sabendo que o Dumbledore estava indo te buscar pessoalmente,
pensamos que ele deveria te contar alguma coisa, ou te mostrar alguma coisa, que tivesse a ver com
a profecia – contou Rony, ansioso. – E estávamos de certa maneira certos, não? Ele não estaria te
dando aulas se pensasse que você ia morrer de qualquer jeito, ele não ia perder o seu tempo... ele deve
achar que você tem chance!
– Isso é verdade – concordou Hermione. – O que será que ele vai ensinar para você, Harry?
Magia defensiva muito avançada, provavelmente... contra-maldições poderosas, anti-azarações...
Harry não estava realmente escutando. Um calor tomava conta dele e não tinha nada a ver com
a luz do sol, uma apertada obstrução em seu peito parecia estar se dissolvendo. Ele sabia que Rony
e Hermione estavam mais chocados do que deixavam transparecer, mas o simples fato de que eles
ainda estavam ali, um de cada lado, transmitindo-lhe palavras de conforto, e não se esquivando dele
56
Capítulo 5 – Um excesso de Fleuma
como se estivesse contaminado ou fosse perigoso, era muito mais valioso do que ele poderia lhes
dizer.
– ... e encantamentos evasivos, em geral – concluiu a garota. – Bem, pelo menos você tem
certeza de uma aula que vai ter esse ano, isso é mais do que eu e o Rony temos. Eu me pergunto
quando os resultados dos nossos N.O.M.s vão chegar...
– Não deve demorar muito, já faz um mês – palpitou Rony.
– Esperem – fez Harry, ao que outra parte da conversa da noite anterior voltou a ele. – Eu acho
que o Dumbledore comentou que os resultados dos nossos N.O.M.s chegariam hoje!
– Hoje? – guinchou Hermione. – Hoje?! Mas por que você não... ai, meu Deus... você devia ter
dito...
Deu um salto e ficou de pé
– Vou ver se chegou alguma coruja...
Entretanto, quando Harry desceu, dez minutos depois, já vestido e carregando sua bandeja de
café da manhã vazia, encontrou uma Hermione muito agitada sentada à mesa da cozinha, enquanto
a Sra. Weasley tentava diminuir sua semelhança com metade de um panda.
– Não sai de jeito nenhum – disse a Sra. Weasley, ansiosa, de pé em frente a Hermione segurando
sua varinha em uma mão e uma cópia do Guia do Curandeiro aberta em “Hematomas, Cortes e
Abrasões”. – Isto aqui costumava funcionar, eu não consigo entender o que está havendo.
– É bem a idéia do Fred e do Jorge de piada engraçada, garantir que não dá para sair – disse
Gina.
– Mas tem que sair! – Hermione chiou. – Eu não posso ficar desse jeito para sempre!
– Você não vai ficar assim para sempre, querida. A gente vai achar um antídoto, não se preocupe
– a Sra. Weasley tentou acalmá-la.
– Gui me contou como Frred e Jorrge son engrraçados! – comentou Fleur, sorrindo serenamente.
– É. Eu mal consigo tomar fôlego, de tanto que estou rindo – retrucou Hermione, áspera.
Então, ela se levantou, e começou a dar voltas pela cozinha, mexendo com os dedos.
– Sra. Weasley, você tem certeza absoluta de que nenhuma coruja chegou esta manhã?
– Tenho, sim, querida. Eu teria notado – respondeu a Sra. Weasley, com paciência. – Mas mal
passou das nove, ainda. Ainda há bastante tempo...
– Eu sei que me dei mal em Runas Antigas – murmurou Hermione exaltada. – Com certeza, eu
fiz pelo menos uma tradução errônea. E a parte prática de Defesa Contra as Artes das Trevas também
não foi nem um pouco bem. Na hora, eu até achei que me dei bem em Transfiguração, mas pensando
agora...
– Hermione, cala a boca! Você não é a única aqui que está nervosa! – reclamou Rony. – E
quando você tiver os seus onze N.O.M.s “Ótimos”...
– Não, não, não! – fez Hermione, balançando as mãos histericamente. – Eu sei que fui reprovada
em tudo!
– O que acontece se formos reprovados? – Harry perguntou a todos da cozinha, mas foi
novamente Hermione que respondeu.
– Nós discutimos nossas opções com o Chefe da Casa. Eu perguntei isso para a professora
McGonagall no final do ano letivo.
O estômago de Harry se contorceu e ele desejou ter comido menos no café da manhã.
– Em Beauxbatons, – disse Fleur, complacente – nós tínhamos um método diferrente de fazerr
as coisas. Eu considerro melhorr. Nós fazemos nossos exames após seis anos de estudo, e non cinco,
e enton...
As palavras de Fleur foram abafadas por um berro. Hermione estava apontando a janela da
cozinha. Três manchas pretas estavam claramente visíveis no céu, aumentando gradativamente.
– São corujas, com certeza – disse Rony, rouco, se levantando para juntar-se a Hermione na
janela.
– E são três – completou Harry, correndo para o outro lado da garota.
57
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Uma para cada um de nós – concluiu Hermione, num sussurro aterrorizado. – Oh, não... oh,
não... não...
Ela agarrou com força os cotovelos de Harry e de Rony.
As corujas estavam voando diretamente para A Toca, três belas corujas amarelo-acastanhadas,
cada uma delas – ficou claro à medida que voavam mais baixo pelo caminho em direção à casa –
carregando um envelope grande e quadrado.
– Oh, não! – fez Hermione.
A Sra. Weasley se enfiou no meio deles e abriu a janela da cozinha. Uma, duas, três, as corujas
voaram através dela e aterrissaram na mesa em uma linha precisa. Todas as três levantaram suas
patas direitas.
Harry deu um passo à frente. A carta endereçada e ele estava amarrada à perna da coruja do
meio. Ele a desamarrou, com dedos desajeitados. À sua esquerda, Rony estava tentando soltar seus
próprios resultados, e à sua direita, as mãos de Hermione estavam tremendo tanto que ela estava
fazendo sua coruja tremer também.
Ninguém na cozinha disse nada. Finalmente, Harry conseguiu soltar o envelope e o abriu
rapidamente, desdobrando o pedaço de pergaminho que havia dentro.
RESULTADOS DOS NÍVEIS ORDINÁRIOS DE MAGIA
Notas de Aprovação: Ótimo (O) Excede Expectativas (E) Aceitável (A)
Notas de Reprovação: Passável (P) Deplorável (D) Trasgo (T)
HARRY TIAGO POTTER OBTEVE:
Astronomia: A
Trato das Criaturas Mágicas: E
Feitiços: E
Defesa Contra as Artes das Trevas: O
Adivinhação: P
Herbologia: E
História da Magia: D
Poções: E
Transfiguração:
E
Harry leu e releu o pergaminho diversas vezes, acalmando sua respiração a cada releitura.
Estava tudo certo: ele sempre soube que seria reprovado em Adivinhação, e não tinha chance alguma
de passar em História da Magia, dado que ele havia desmaiado no meio da prova, mas ele havia
passado em todas as outras matérias! Passou os dedos pelas notas... ele havia passado bem em
Transfiguração e Herbologia, havia até Excedido Expectativas em Poções! E o melhor de tudo:
obteve “Ótimo” em Defesa Contra as Artes das Trevas!
Olhou em volta. Hermione estava de costas para ele e com a cabeça inclinada, mas Rony
parecia maravilhado.
– Só fui reprovado em Adivinhação e História da Magia, mas quem se importa com essas
matérias? – disse a Harry, feliz. – Olha o meu, vamos trocar...
Harry desceu o olhar para as notas de Rony: não havia nenhum “Ótimo” ali...
– Sabia que você teria nota máxima em Defesa Contra as Artes das Trevas – comentou Rony,
dando um soco de leve no ombro de Harry. – Nós fomos bem, não é?
– Muito bem! – exclamou a Sra. Weasley, orgulhosa, passando a mão pelos cabelos de Rony. –
Sete N.O.M.s, isso é mais do que o Fred e o Jorge conseguiram juntos!
58
Capítulo 5 – Um excesso de Fleuma
– Hermione? – Gina tentou chamá-la, porque Hermione ainda não havia se virado. – Como
você foi?
– Eu... nada mal – respondeu Hermione, em um sussurro.
– Ah, deixa disso – reclamou Rony, e foi a passos largos até ela, arrancando os resultados de
sua mão. – Exatamente... dez “Ótimos” e um “Excede Expectativas” em Defesa Contra as Artes das
Trevas – desceu o olhar para ela, meio divertido, meio exasperado. – Você está desapontada, não
está?
Ela balançou a cabeça, mas Harry deu uma risada.
– Bem, nós somos alunos de N.I.E.M.s agora! – Rony sorriu. – Mãe, tem mais salsicha?
Harry olhou de novo para os seus resultados. Eram exatamente aquilo que ele poderia ter
esperado, mas ele sentiu apenas uma pontada de desapontamento: era o final de sua ambição de se
tornar um Auror. Ele não havia obtido a nota de Poções necessária. Ele sempre soube que não
conseguiria, mas ainda assim, sentiu seu estômago esmorecer ao olhar novamente para aquele pequeno
e preto “E”.
Era estranho, realmente, pensar que havia sido um Comensal da Morte disfarçado que havia
lhe dito pela primeira vez que ele daria um bom Auror, mas, de algum modo, havia gostado da idéia,
e não conseguia pensar em mais nada que gostaria de fazer. Além disso, parecia o destino certo para
ele desde que ouvira a profecia, um mês antes... nenhum pode viver enquanto o outro sobreviver...
não estaria ele vivendo de acordo com a profecia e dando a si próprio a melhor chance de sobrevivência,
caso se juntasse àqueles bruxos altamente treinados, cujo trabalho era procurar e matar Voldemort?
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 6 –
O Desvio de Draco
Harry permaneceu dentro dos limites do jardim da Toca pelas semanas seguintes. Ele passou a
maior parte dos seus dias jogando Quadribol aos pares no pomar dos Weasleys (ele e Hermione
contra Rony e Gina, Hermione era péssima e Gina era boa, então eles faziam uma combinação
razoável) e suas noites comendo porções triplas de tudo o que a Sra. Weasley colocava na frente dele.
Teriam sido férias felizes e pacíficas se não fosse pela série de desaparecimentos, acidentes
estranhos, até mortes, que agora apareciam quase diariamente no Profeta. Algumas vezes, Gui e o Sr.
Weasley traziam notícias para casa antes mesmo que estas chegassem aos jornais. Para o desgosto da
Sra. Weasley, as celebrações do décimo sexto aniversário de Harry foram manchadas por novidades
horríveis trazidas para a festa por Remo Lupin, que estava com uma aparência desolada e soturna,
seu cabelo castanho amplamente irisado por fios grisalhos, suas roupas mais esfarrapadas e remendadas
do que nunca.
– Houve mais dois ataques de dementadores – ele anunciou, enquanto a Sra. Weasley lhe
passava uma grossa fatia de bolo de aniversário. – E o corpo de Igor Karkaroff foi encontrado em
uma cabana velha no norte. A Marca Negra foi deixada sobre ela – bem, francamente, estou surpreso
que ele tenha permanecido vivo por quase um ano após desertar dos Comensais da Morte; pelo que
me lembro, Régulo, o irmão de Sirius, só o conseguiu por poucos dias.
– Certo, bem, – falou a Sra. Weasley, fechando a cara – talvez pudéssemos falar sobre algo
difer...
– Você soube do Florean Fortescue, Remo? – perguntou Gui, que estava sendo servido de
vinho por Fleur. – O homem que trabalhava –
– ...na loja de sorvetes no Beco Diagonal? – Harry interrompeu, com uma sensação desagradável
de vazio no fundo do estômago. – Ele costumava me dar sorvete de graça. O que aconteceu com ele?
– Desaparecido, foi arrastado , pela aparência do lugar.
– Por quê? – Rony perguntou, enquanto a Sra. Weasley encarava Gui significativamente.
– Quem sabe? Ele deve tê-los aborrecido de alguma maneira. Era um bom homem, Florean.
– Falando do Beco Diagonal, – o Sr. Weasley disse, – parece que Olivaras também se foi.
– O fabricante de varinhas? – Gina perguntou, surpreendida.
– Esse mesmo. A loja está vazia. Sem sinais de luta. Ninguém sabe se ele foi embora
voluntariamente ou se foi raptado.
– Mas e as varinhas, como as pessoas vão fazer para conseguí-las?
– Elas vão ter que conseguir com outros fabricantes – Lupin disse. – Mas Olivaras era o
melhor, e se o outro lado o pegou, isso não é muito bom para nós.
No dia seguinte a esse chá de aniversário especialmente deprimente, suas cartas e listas de
livros chegaram de Hogwarts. A de Harry incluía uma surpresa: ele foi feito capitão do time de
Quadribol.
– Isso lhe dá o mesmo status que os Monitores! – Hermione gritou alegremente. – Agora você
pode usar nosso banheiro especial e tudo o mais!
60
Capítulo 6 – O desvio de Draco
– Uau, eu lembro de quando Carlinhos usou um desses – Rony falou, examinando o emblema
com alegria. – Harry, é tão legal que você seja meu capitão, se você me deixar voltar para o time,
espero, ha ha ha...
– Bem, eu creio que não podemos mais adiar uma viagem ao Beco Diagonal agora que vocês
receberam as cartas. – a Sra. Weasley suspirou, olhando a lista de livros de Rony. – Iremos no sábado,
desde que seu pai não tenha que ir trabalhar de novo. Eu não vou lá sem ele.
– Mãe, você acha honestamente que Você-Sabe-Quem vai estar escondido atrás de uma prateleira
na Floreios e Borrões? – Rony riu.
– Por acaso Fortescue e Olivaras saíram de férias? – a Sra. Weasley falou, se inflamando. – Se
você pensa que segurança é um assunto engraçado, pode ficar em casa e eu vou trazer tudo eu
mesma...
– Não, eu quero ir, eu quero ver a loja do Fred e do Jorge! – Rony se apressou em dizer.
– Então você guarde suas idéias, jovenzinho, antes que eu decida que você é imaturo demais
para vir conosco! – a Sra. Weasley falou zangada, agarrando seu relógio, todos os nove ponteiros
ainda apontando para “perigo mortal”, e o equilibrando no alto de uma pilha de toalhas recém lavadas.
– E isso também vale para o retorno a Hogwarts!
Rony se virou para encarar Harry incrédulo enquanto sua mãe levantava nos braços a cesta de
roupa suja com o relógio oscilando em cima, saindo abruptamente da sala.
– Por Deus... não se pode mais nem fazer uma piada por aqui...
Mas Rony tomou cuidado para não ser petulante a respeito de Voldemort pelos próximos dias.
Sábado amanheceu sem outras explosões da Sra. Weasley, apesar dela parecer muito tensa no café da
manhã. Gui, que ficaria em casa com Fleur (para a alegria de Hermione e de Gina), passou uma bolsa
cheia de dinheiro para Harry por cima da mesa.
– Onde está a minha? – Rony perguntou imediatamente, de olhos arregalados.
– Isso já é do Harry, seu idiota, – Gui falou. – Eu tirei do seu cofre pra você Harry, porque está
levando cerca de cinco horas para o público pegar seu ouro no momento, os duendes reforçaram
demais a segurança. Dois dias atrás Arkie Philpott teve uma Sonda de Probidade enfiada no seu...
Bem, confie em mim, deste jeito é mais fácil.
– Obrigado, Gui – Harry agradeceu, guardando seu ouro.
– Ele é semprrre ton atencioso, – Fleur ronronou com adoração, afagando o nariz de Gui. Gina
fingiu que estava vomitando no seu cereal por trás de Fleur. Harry se engasgou com seus flocos de
milho, e Rony lhe deu tapas nas costas.
Estava um dia escuro e nublado. Um dos carros especiais do Ministério da Magia, no qual
Harry já havia andado antes, os estava aguardando na frente quando eles saíram da casa, vestindo
suas capas.
– É bom que o Papai possa nos arranjar desses novamente, – Rony falou com apreciação, se
esticando deliciado enquanto o carro se afastava suavemente da Toca, Gui e Fleur acenavam da
janela da cozinha. Ele, Harry, Hermione e Gina estavam todos sentados no conforto espaçoso do
banco traseiro.
– Não se acostume com isso, é só por causa do Harry, – falou o Sr. Weasley sobre o ombro. Ele
e a Sra. Weasley estavam na frente com o motorista do Ministério; o assento do passageiro da frente
havia cortesmente se esticado para o que se assemelhava a um sofá de dois lugares. – Ele recebeu
status de segurança máxima. E nós estaremos contando com segurança adicional no Caldeirão Furado
também.
Harry não disse nada; não gostaria nada de fazer suas compras cercado por um batalhão de
Aurores. Ele guardou sua Capa de Invisibilidade na mochila e sentiu que, se isso era bom o bastante
para Dumbledore, devia ser bom o bastante para o Ministério, apesar de que agora que pensava nisso,
não tinha certeza de que o Ministério soubesse de sua capa.
61
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Aqui está – o motorista disse, após um espaço de tempo surpreendentemente curto, falando
pela primeira vez enquanto diminuía na Rua Charing Cross e parava na frente do Caldeirão Furado. –
Eu devo esperar por vocês, alguma idéia de quanto vocês vão demorar?
– Umas duas horas, eu espero, – o Sr. Weasley disse. – Ah, ótimo, aqui está ele!
Harry imitou o Sr. Weasley e espiou pela janela; seu coração pulou. Não havia nenhum Auror
esperando fora do bar, em vez disso, a forma gigantesca, de barba preta de Rúbeo Hagrid, o guardacaça de Hogwarts, vestindo um longo casaco de pele de castor, sorrindo ao ver o rosto de Harry e
inconsciente dos olhares espantados dos Trouxas que passavam.
– Harry! – ele gritou, envolvendo-o em um abraço esmagador de ossos no momento em que
Harry saiu do carro. – Bicuço, quer dizer, Witherwings, você devia ver ele, Harry, ele tá tão feliz de
estar novamente em espaço aberto...
– Legal que ele está feliz, – Harry disse, sorrindo forçado enquanto massageava as costelas. –
Não sabíamos que “segurança” significava você!
– Eu sei, como nos velhos tempos, né? Olha, o Ministério queria mandar um bando de Aurores,
mas Dumbledore disse que eu servia – Hagrid disse com orgulho, inchando o peito e enfiando os
polegares nos bolsos. – Vamos indo então – primeiro vocês, Molly, Arthur...
O Caldeirão Furado estava, pela primeira vez ao que Harry se lembrava, completamente vazio.
Somente Tom, o estalajadeiro, enrugado e sem dentes, sobrara da antiga multidão. Ele olhou
esperançosamente quando entraram, mas antes que pudesse falar, Hagrid falou cheio de si: – Só
passando hoje, Tom, você entende, né? Negócio de Hogwarts.
Tom concordou desanimado e voltou a esfregar copos; Harry, Hermione, Hagrid e os Weasleys
atravessaram o bar para o pequeno e gelado pátio nos fundos onde as latas de lixo ficavam. Hagrid
levantou seu guarda-chuva rosa e deu uma rápida pancada em um certo tijolo na parede, a qual se
abriu imediatamente formando um arco para uma rua ventosa pavimentada com pedras arredondadas.
Eles passaram pela entrada e pararam, olhando em volta.
O Beco Diagonal havia mudado. Os mostruários brilhantes e coloridos com livros de feitiços,
ingredientes de poções e caldeirões estavam fora de vista, escondidos atrás de grandes cartazes do
Ministério da Magia que foram colados por cima deles. A maior parte desses cartazes roxos apresentava
versões ampliadas dos conselhos de segurança dos panfletos que haviam sido entregues durante o
verão, mas outros tinham fotografias em preto e branco em que Comensais da Morte sabidamente
soltos se moviam.. Bellatrix Lestrange estava sorrindo com desprezo na frente do boticário mais
próximo. Umas poucas janelas estavam tampadas, incluindo as da Loja de Sorvetes de Florean
Fortescue. Contudo, várias barracas miseráveis haviam aparecido ao longo da rua. A mais próxima,
que havia sido construída do lado de fora da Floreios e Borrões, embaixo de um toldo listado manchado,
tinha um cartaz de papelão pregado na frente:
AMULETOS
Eficazes contra Lobisomens, Dementadores e Inferi
Um pequeno bruxo andrajoso estava sacudindo para os passantes punhados de símbolos de
prata em correntes.
– Um para sua menininha, madame? – ele ofereceu à Sra. Weasley enquanto passavam, olhando
malicioso para Gina. – Para proteger seu lindo pescocinho?
– Ah, se eu estivesse em serviço.... – o Sr. Weasley falou, olhando com raiva para o vendedor
de amuletos.
– Certo, mas não saia prendendo ninguém agora, querido, estamos com pressa, – a Sra. Weasley
disse, consultando nervosa uma lista. – Acho melhor irmos à Madame Malkin primeiro, Hermione
quer novas vestes e os tornozelos de Rony estão aparecendo demais com suas vestes escolares, e
você também deve estar precisando de novas, Harry, você cresceu tanto, vamos lá, pessoal.
62
Capítulo 6 – O desvio de Draco
– Molly, não faz o menor sentido todos nós irmos até a Madame Malkin – disse o Sr. Weasley.
– Por que os três não vão com Hagrid enquanto nós podemos ir à Floreios e Borrões comprar os
livros escolares de todo mundo?
– Não sei – a Sra. Weasley disse ansiosa, claramente dividida entre o desejo de acabar as
compras rapidamente e o desejo de que todos permanecessem juntos. – Hagrid, você acha que...?
– Não se preocupe, Molly, eles tão bem comigo – Hagrid respondeu acalmando-a, acenando
com uma mão do tamanho de uma tampa de lata de lixo. A Sra. Weasley não parecia inteiramente
convencida, mas permitiu a separação, disparando em seguida para dentro da Floreios e Borrões com
seu marido e Gina, enquanto Harry, Rony, Hermione e Hagrid partiam para a Madame Malkin.
Harry reparou que a maioria das pessoas que passavam por eles tinham a mesma aparência
ansiosa e atormentada que a Sra. Weasley, e que ninguém mais parava para conversar; os compradores
ficavam juntos em seus grupinhos fechados, andando interessados apenas em seus negócios. Ninguém
parecia estar fazendo compras sozinho.
– Vai ficar meio apertado lá com todo mundo – Hagrid falou, parando do lado de fora da loja e
se abaixando para espiar pela janela. “Vou ficar de guarda aqui fora, tá bom?
De modo que Harry, Rony e Hermione entraram na pequena loja juntos. Parecia, à primeira
vista, estar vazia, mas assim que a porta se fechou atrás deles eles ouviram uma voz familiar reclamando
por trás de uma estante com vestes de um azul e verde cintilantes.
– ...mais criança, no caso da senhora não ter notado, Mãe. Sou perfeitamente capaz de fazer
minhas compras sozinho.
Houve um som de cacarejo e uma voz que Harry reconheceu como a de Madame Malkin, a
proprietária, dizendo – Agora, querido, sua mãe está certa, nenhum de nós deve sair andando por aí
sozinho, não tem nada a ver com ser criança...
– Quer tomar cuidado com o lugar onde você está enfiando esse alfinete?!
Um adolescente com um rosto pálido e pontudo e cabelos loiro quase brancos apareceu por
trás da estante vestindo um belo conjunto de vestes verde-escuro que cintilavam com alfinetes em
volta da bainha e nas extremidades das mangas. Ele foi em direção ao espelho e se examinou. Isso
pouco antes de notar Harry, Rony e Hermione refletidos sobre seu ombro. Seus olhos de um cinza
claro se estreitaram.
– Se a senhora está imaginando que cheiro é esse, Mãe, uma sangue-ruim acabou de entrar –
Draco Malfoy disse.
– Não acho que haja necessidade para esse tipo de linguagem – Madame Malkin disse, se
apressando para sair de trás da estante de roupas segurando uma fita métrica e uma varinha. – E eu
também não quero varinhas erguidas na minha loja! – ela acrescentou às pressas, pois um olhar em
direção à porta lhe mostrou que Harry e Rony estavam de pé com suas varinhas levantadas e apontadas
para Malfoy. Hermione, que estava um pouco mais atrás deles, murmurou, – Não, nada disso,
sinceramente, não vale a pena.
– É, como se vocês ousassem fazer magia fora da escolha – Malfoy zombou – Quem acertou
seu olho, Granger? Eu queria mandar flores para a pessoa.
– Basta! – Madame Malkin falou, procurando por apoio por cima do seu ombro. – Madame, por
favor...
Narcisa Malfoy deslizou de trás do armário de roupas.
– Afastem as varinhas – ela falou friamente para Harry e Rony. – Se vocês atacarem meu filho
novamente, eu lhes asseguro que essa será a última coisa que vocês farão.
– Verdade? – Harry perguntou, dando um passo a frente, encarando o rosto calmo e arrogante
que, apesar de toda a sua palidez, ainda lembrava o da irmã. Ele estava tão alto quanto ela agora. –
Vai chamar alguns Comensais da Morte para acabar com a gente, é?
Madame Malkin guinchou e colocou a mão no peito.
– Realmente, vocês não deveriam acusar.... que coisa perigosa para dizer... abaixem as varinhas
por favor!
63
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Mas Harry não abaixou sua varinha. Narcisa Malfoy sorriu de forma desagradável.
– Vejo que ser o favorito de Dumbledore lhe deu uma falsa sensação de segurança, Harry
Potter. Mas nem sempre Dumbledore vai estar lá pra te proteger.
Harry olhou em volta com ar de troça. – Uau... olha só... ele não está aqui agora! Então por que
você não tenta? Talvez seja possível encontrar uma cela dupla em Azkaban para você e o perdedor
do seu marido!
Malfoy fez um movimento zangado em direção a Harry, mas tropeçou em sua veste muito
comprida. Rony riu alto.
– Não ouse falar com a minha mãe dessa maneira, Potter! – Malfoy rosnou.
– Está tudo bem, Draco, – Narcisa disse, segurando-o com seus magros dedos brancos em seu
ombro. – Espero que Potter venha a se reunir com o querido Sirius antes que eu me reúna com Lucio.
Harry ergueu sua varinha mais alto.
– Harry, não! – Hermione gemeu, agarrando seu braço e tentando puxá-lo para baixo. – Pense...
Você não deve... vai se meter numa tremenda encrenca...
Madame Malkin tremeu por um momento no lugar, então pareceu se decidir a agir como se
nada estivesse acontecendo na esperança de que nada acontecesse. Ela se inclinou para Malfoy, que
ainda estava encarando Harry.
– Creio que a manga esquerda poderia ficar um pouco mais curta, queridinho, apenas me deixe...
– Ai! – Malfoy berrou, afastando a mão dela com força. – Cuidado onde você está colocando
seus alfinetes, mulher! Mãe, acho que eu não quero mais essa veste...
– Ele tirou as vestes pela cabeça e as jogou no chão aos pés de Madame Malkin.
– Você está certo, Draco, – Narcisa falou, com um olhar desdenhoso para Hermione, – agora
eu sei o tipo de escória que compra aqui... Melhor irmos para Twilfitt e Tatting’s.
E com isso, os dois saíram da loja, Malfoy se certificando de bater a porta em Rony o mais forte
que podia em sua passagem para fora.
– Bem, realmente! – Madame Malkin falou, pegando as vestes caídas e movendo a ponta da
sua varinha por cima delas como um aspirador de pó, de modo a remover toda a poeira.
Ela se distraiu durante um bom tempo ajustando as novas vestes de Rony e Harry, tentou
vender a Hermione vestes de bruxo em vez de vestes de bruxa, e quando ela finalmente colocou-os
para fora da loja foi com um ar de satisfação em vê-los pelas costas.
– Conseguiram tudo? – Hagrid perguntou animado quando eles reapareceram ao seu lado.
– Agora mesmo, – Harry disse. – Você viu os Malfoys?
– Vi – Hagrid respondeu despreocupado. – Mas eles não se metem a criar problema no meio do
Beco Diagonal, Harry, não se preocupe com eles.
– Harry, Rony e Hermione trocaram olhares, mas antes que eles pudessem desiludir Hagrid
desta impressão confortável, o Sr., a Sra. Weasley e Gina apareceram, todos carregando pesados
pacotes de livros.
– Todo mundo bem? – a Sra. Weasley perguntou. – Conseguiram suas vestes? Certo, então,
podemos dar um pulo no boticário e no Empório no caminho para a loja do Fred e do Jorge, agora,
fiquem juntos....
Nem Harry nem Rony compraram ingredientes no boticário, uma vez que eles não iam mais
estudar Poções, mas os dois compraram grandes caixas de nozes de corujas para Edwiges e Pichitinho
no Empório das Corujas. Então, com a Sra. Weasley verificando seu relógio a cada minuto, eles se
encaminharam pela rua em busca de Gemialidades Weasley, a loja de logros, cujos donos eram Fred
e Jorge.
– Nós realmente não temos muito tempo, – a Sra. Weasley disse. – Nós vamos apenas dar uma
olhada e então voltamos para o carro. Devemos estar perto, esse é o número noventa e dois...noventa
e quatro...
– Ôpa!!! – Rony avisou, parando na hora.
64
Capítulo 6 – O desvio de Draco
Comparada com as frentes de loja feias e cheias de cartazes a volta deles, as vitrines da loja de
Fred e Jorge atingiam os olhos como fogos de artifício. Passantes casuais estavam olhando por cima
dos ombros para as vitrines, e algumas pessoas com olhares surpreendidos haviam realmente parado,
atônitas. A vitrine da esquerda estava extraordinariamente cheia de uma grande variedade de
mercadorias que giravam, pulavam, piscavam, balançavam e rangiam; os olhos de Harry começaram
a lacrimejar só de olhar. A vitrine da direita estava coberta com um cartaz gigantesco, roxo como os
do Ministério, mas enfeitado com brilhantes letras amarelas:
POR QUE VOCÊ ESTÁ PREOCUPADO
COM AQUELE-QUE-NÃO-DEVE-SER-NOMEADO?
VOCÊ DEVIA ESTAR PREOCUPADO
COM AQUILO-QUE-DEVE-SER-EVACUADO.
A PRISÃO DE VENTRE É A SENSAÇÃO
QUE ESTÁ ENLOUQUECENDO A NAÇÃO!
Harry começou a rir. Ele ouviu um gemido fraco a seu lado e viu a Sra. Weasley olhando,
estarrecida, para o cartaz. Seus lábios se moveram silenciosamente, como se falasse “Aquilo-quedeve-ser-evacuado”.
– Eles vão ser assassinados em suas camas! – Ela sussurrou.
– Não, eles não vão! – Rony falou, que, como Harry, estava rindo. – É brilhante!
Ele e Harry lideraram o grupo para dentro da loja. Ela estava cheia de fregueses; Harry não
conseguia chegar perto das prateleiras. Ele olhou em volta, observando as caixas empilhadas até o
teto: Aqui estavam os Kits Mata-Aula que os gêmeos haviam aperfeiçoado durante seu último e
incompleto ano em Hogwarts; Harry reparou que os Nugá Sangra-Nariz eram muitíssimo populares,
com apenas uma caixa danificada deixada na prateleira. Haviam latas cheias de varinhas falsas, as
mais baratas apenas virando galinhas de borracha ou pares de calças quando usadas, as mais caras se
enrolando em volta da cabeça e do pescoço do dono incauto, e caixas de penas, que vinham nas
variedades de Auto-Tinta, Corrige-Ortografia e Resposta-Abusada. Um espaço se abriu na multidão, e
Harry encontrou um caminho até o balcão, onde um bando de deliciadas crianças de dez anos estava
assistindo um homenzinho de madeira vagarosamente subir os degraus de uma forca verdadeira,
ambos colocados em cima de uma caixa que dizia: enforcados reutilizáveis – soletre ou ele vai balançar!
“Feitiços de Fantasia Patenteados”
Hermione dera um jeito de se espremer até um grande mostruário próximo ao balcão e estava
lendo a informação na parte de trás de uma caixa que trazia uma imagem super colorida de um belo
jovem e uma garota desmaiada que estavam no convés de uma navio pirata.
– Um simples encantamento e você vai entrar em uma fantasia de trinta minutos, de alta qualidade, super
realista, fácil de encaixar em uma aula escolar padrão e virtualmente indetectável (efeitos colaterais incluem expressão
vazia e um pouco de baba). Proibida a venda a menores de dezesseis anos. Sabe – Hermione disse, olhando
para Harry – isso é magia realmente extraordinária!
– Por essa, Hermione – disse um voz por trás deles -, você pode ter um de graça.
Um Fred exultante estava atrás deles, vestindo um conjunto de vestes magenta que combinavam
magnificamente com seu cabelo flamejante.
– Como está, Harry? – eles apertaram as mãos. – E o que aconteceu com o seu olho, Hermione?
– O seu telescópio socador, – ela respondeu triste.
– Nossa, eu esqueci deles, – Fred falou. – Aqui...
– Ele puxou um vidro do seu bolso e o entregou a ela; ela o desarrolhou cautelosamente para
descobrir uma grossa pasta amarela.
– Simplesmente aplique no olho, esse machucado vai sumir em uma hora, – Fred acrescentou.
– Nós temos que encontrar um removedor de machucados decente. Estamos testando a maioria dos
nossos produtos em nós mesmos.
65
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Hermione parecia nervosa. – Isso é seguro, não é? – Ela perguntou.
– Claro que é, – Fred afirmou. – Venha Harry, vou te mostrar o lugar.
Harry deixou Hermione aplicando a pasta em seu olho escuro e seguiu Fred em direção ao
fundo da loja, onde ele viu uma banca de cartas e truques com cordas.
– Truques mágicos de trouxas! – Fred disse alegremente, apontando para eles. – Para malucos
como o Papai, você sabe, que adoram as coisas dos Trouxas. Não é tão lucrativo, mas nós temos um
negócio estável, eles são grandes novidades... Ah, aqui está o Jorge...
O gêmeo de Fred apertou as mãos de Harry energicamente.
– Mostrando o lugar a ele? Venha para a traseira, Harry, é onde estamos fazendo dinheiro de
verdade.... você, embolse qualquer coisa, e vai pagar mais do que em Galeões! – Ele avisou um
menininho que rapidamente afastou a mão de um barril rotulado:
MARCAS NEGRAS COMESTÍVEIS – ELAS VÃO DEIXAR QUALQUER UM
DOENTE!
Jorge puxou uma cortina ao lado dos truques trouxas e Harry viu um cômodo mais escuro e
menos lotado. A embalagem dos produtos alinhados nas prateleiras era bem mais discreta.
– Nós acabamos de desenvolver essa linha mais séria – Fred disse. – Engraçado como
aconteceu...
– Você não imaginaria quanta gente, até pessoas que trabalham no Ministério, são incapazes de
fazer um Feitiço Escudo decente – George disse. – Claro, eles não tiveram você como professor,
Harry.
– Isso mesmo... Bem, pensamos que Chapéus Escudo eram uma boa piada, você sabe, desafie
seu colega a te azarar enquanto você está vestindo um e veja a cara dele quando a azaração
simplemente quicar. Mas o Ministério comprou quinhentos pra todo o seu pessoal de apoio! E nós
ainda estamos recebendo pedidos enormes!
– Então nós nos expandimos para toda uma série de Capas Escudo, Luvas Escudo...
– ... quero dizer, elas não ajudariam muito contra as Maldições Imperdoáveis, mas servem para
maldições e azarações fracas ou médias...
– E então pensamos que era uma boa entrar no ramo de Defesa Contra as Artes das Trevas,
porque é uma máquina de fazer dinheiro – Jorge continuou cheio de entusiasmo. – Isso é legal. Veja,
Pó de Escuridão Instantânea, nós estamos importando do Peru. Vem a calhar quando você quer fugir
rápido.
– E os nossos Detonadores Chamarizes estão sumindo das prateleiras, veja, – Fred apontou
para uma quantidade de objetos pretos e esquisitos com forma de nariz que estavam realmente
tentando sair de vista. – Você simplesmente deixa cair um subrepticiamente e ele vai correr e fazer
um barulhão longe da vista, dando a você algo para distrair a atenção se você precisar.
– Prático, – Harry afirmou impressionado.
– Aqui – Jorge falou, pegando dois e jogando-os para Harry.
Uma jovem bruxa com cabelo loiro curto enfiou sua cabeça pela cortina; Harry viu que ela
também vestia as vestes magenta da equipe.
– Há um cliente aqui procurando por um caldeirão de brincadeira, Sr. Weasley e Sr. Weasley, –
ela falou.
Harry achou muito estranho ouvir Fred e Jorge serem chamados de “Sr. Weasley”, mas eles
agiram normalmente.
– Claro, Verity, já estou indo – Jorge respondeu prontamente. – Harry, você pode pegar o que
quiser, certo? Por conta da casa.
– Eu não posso fazer isso! – Harry falou, que já havia pego sua bolsa de dinheiro para pagar
pelos Detonadores Chamarizes.
– Você não paga aqui – Fred falou firmemente, afastando o ouro de Harry.
– Mas...
66
Capítulo 6 – O desvio de Draco
– Você nos deu o empréstimo para o início do negócio, nós não esquecemos, – Jorge disse
inflexivelmente. – Pegue o que quiser e apenas se lembre de contar às pessoas onde você o conseguiu,
se elas perguntarem.
Jorge escorregou pelas cortinas para ajudar com os clientes, e Fred levou Harry de volta para a
parte principal da loja para encontrar Hermione e Gina ainda olhando para os Feitiços de Fantasia
Patenteados.
– As meninas ainda não encontaram nossos produtos especiais BruxaMaravilha? – Fred perguntou.
– Sigam-me, senhoras...
Próximo à vitrine havia uma série de produtos violentamente rosa em volta dos quais um
bando de garotas animadas estava rindo, cheio de entusiasmo. Hermione e Gina recuaram, desconfiadas.
– Aí vocês têm – Fred falou cheio de orgunho. – A melhor linha de poções do amor que você
vai achar em qualquer lugar.
Gina levantou uma sobrancelha ceticamente. – Elas funcionam? – perguntou.
– Claro que funcionam, por até vinte e quatro horas dependendo do peso do garoto em questão...
– ... e do quanto a garota é atraente, – Jorge disse, reaparecendo subitamente ao lado deles. –
Mas nós não vamos vendê-las para a nossa irmã, – acrescentou, tornando-se severo de repente, – não
quando ela já tem cerca de cinco garotos interessados, pelo que nós ou....
– O que quer que vocês tenham ouvido do Rony é uma tremenda mentira, – Gina falou
calmamente, inclinando-se para a frente para pegar um pequeno pote rosa da prateleira. – O que é
isso?
– Exterminador garantido de espinhas em dez segundos – Fred respondeu. – Excelente pata
tudo, desde furúnculos a cravos, mas não mude de assunto. Você está ou não saindo atualmente com
um garoto chamado Dino Thomas?
– Sim, estou, – ela respondeu. – E na última vez que eu olhei, ele definitivamente era um
garoto, não cinco. O que são aqueles?
– Ela estava apontando para várias bolas peludas em tons de rosa e roxo, todas rolando em
volta do fundo de uma gaiola e emitindo guinchos agudos.
– Mini Pufosos – Jorge respondeu. – Pufosos miniaturas, nós não conseguimos criá-los rápido
o suficiente. E o tal do Michael Corner?
– Eu dei o fora nele, ele era um mau perdedor – Gina disse, colocando um dedo através das
grades da gaiola e vendo os Mini Pufosos o rodearem. – Eles são uma gracinha!
– Eles são realmente fofos, sim... – Fred concordou. – Mas você está mudando de namorados
um pouco rápido, não está?
Gina se virou para olhá-lo, as mãos nos quadris. O olhar dela apresentou uma semelhança tão
grande com a Sra. Weasley que Harry se surpreendeu que Fred não tenha recuado.
– Não é da sua conta. E eu vou te agradecer – ela acrescentou zangada para Rony, que havia
acabado de aparecer ao lado de Jorge, carregado de mercadorias – se você não contar histórias sobre
mim para esses dois!
– São três galeões, nove sicles e um nuque – Fred disse, examinando as várias caixas nos braços
do Rony. – Passe a grana pra cá.
– Eu sou seu irmão!
– E é nossa a mercadoria que você está segurando. Três galeões e nove sicles. Eu desconto o
nuque.
– Mas eu não tenho três galeões e nove sicles!
– Então é melhor você devolver as coisas e tome cuidado para colocar nas prateleiras certas.
Rony deixou cair diversas caixas, praguejou, e fez um gesto de mão rude para Fred que
infelizmente foi visto pela Sra. Weasley, que havia escolhido aquele momento para aparecer.
– Se eu vir você fazer isso novamente, eu vou azarar os seus dedos e deixá-los colados, – ela
falou bruscamente.
– Mãe, eu posso ter um Mini Pufoso? – Gina pediu imediatamente.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Um o quê? – a Sra. Weasley perguntou desconfiada.
– Veja, eles são tão lindos...
A Sra. Weasley se afastou para olhar os Mini Pufosos, e Harry, Rony e Hermione tiveram por
um momento uma visão desimpedida da vitrine. Draco Malfoy estava subindo apressado e sozinho
pela rua. Quando ele passou pelas Gemialidades Weasley, ele olhou por cima do ombro. Segundos
depois, ele se moveu para longe do alcance da vitrine e eles o perderam de vista.
– Onde será que a mamãezinha dele está? – Harry falou, franzindo o cenho.
– Fugiu dela, pelo jeito, – Rony respondeu.
– Mas por que? – Hermione perguntou.
Harry não disse nada; ele estava pensando furiosamente. Narcisa Malfoy não deixaria seu
precioso filho longe de suas vistas de bom grado, Malfoy deve ter feito um grande esforço para se
livrar das garras dela. Harry, conhecendo e detestando Malfoy, tinha certeza de que a razão não podia
ser inocente.
Ele olhou em volta. A Sra. Weasley e Gina estavam inclinadas sobre os Mini Pufosos. O Sr.
Weasley estava examinando deleitado um pacote de cartas marcadas de baralho Trouxa. Fred e Jorge
estavam ajudando clientes. Pelo outro lado do vidro, Hagrid estava de pé com suas costas para eles,
olhando para cima e para baixo a rua.
– Entrem aqui em baixo, rápido. – Harry disse, puxando sua Capa de Invisibilidade da mochila.
– Ah, Harry, eu não sei não, Hermione falou, olhando incerta na direção da Sra. Weasley.
– Vamos lá! – Rony chamou.
Ela hesitou por mais um segundo, e então mergulhou debaixo da capa com Harry e Rony.
Ninguém reparou que eles desapareceram; estavam todos muito interessados nos produtos de Fred e
Jorge. Harry, Rony e Hermione se espremeram pela porta o mais rápido que puderam, mas no momento
em que chegaram à rua, Malfoy havia desaparecido com tanto sucesso quanto eles.
– Ele estava indo naquela direção – Harry murmurou o mais baixo possível, de modo que o
cantarolante Hagrid não os ouvisse. – Vamos.
Eles se apressaram, espiando para a esquerda e para a direita, pelas vitrines e portas das lojas,
até que Hermione apontou à frente.
– É ele, não é? – ela sussurrou. – Virando à esquerda?
– Grande surpresa, – Rony sussurrou.
Malfoy deu uma olhada em volta, então deslizou para a Travessa do Tranco e para fora de
vista.
– Rápido ou vamos perdê-lo – Harry disse, se apressando.
– Nossos pés vão ser vistos! – Hermione disse ansiosa, já que a capa se agitava um pouco em
volta das canelas deles; era muito mais difícil esconder os três embaixo da capa agora.
– Isso não importa, – Harry estava impaciente – Só se apresse!
Mas a Travessa do Tranco, a rua lateral dedicada às Artes das Trevas, parecia completamente
deserta. Eles espiaram pelas vitrines enquanto passavam, mas nenhuma das lojas parecia ter cliente
algum. Harry achou que era muito suspeito nesses tempos perigosos comprar objetos das Trevas, ou,
no mínimo, ser visto os comprando.
Hermione deu um forte beliscão no seu braço.
– Ai!
– Shh! Olhe! Ele está lá dentro – ela murmurou no ouvido de Harry.
Eles pararam na frente da única loja na Travessa do Tranco que Harry já havia visitado, Borgin
& Burkes, a qual vendia uma grande variedade de objetos sinistros. Lá, bem no meio de caixas cheias
de crânios e antigas garrafas, estava Draco Malfoy com suas costas para eles, apenas visível atrás do
grande armário negro no qual Harry havia se escondido uma vez para evitar Malfoy e seu pai. Julgando
pelo movimento das mãos de Malfoy, ele estava falando animadamente. O proprietário da loja, Sr.
Borgin, um homem encurvado com cabelo oleoso, estava de frente para Malfoy. Ele tinha uma curiosa
expressão que misturava ressentimento e medo.
68
Capítulo 6 – O desvio de Draco
– Se nós pudéssemos ouvir o que eles estão dizendo! – Hermione falou.
– Mas nós podemos! – Rony falou animado. – Só um momento, droga...
Ele deixou cair duas caixas que ainda estava segurando enquanto remexia na maior.
– Orelhas Extensíveis, vejam!
– Fantástico! – Hermione disse, enquanto Rony desenrolava os longos fios cor de pele e
começava a passá-los por baixo da porta. – Espero que a porta não seja Impertubável....
– Não! – Rony falou satisfeito. – Ouçam!
Eles juntaram suas cabeças e ouviram intensamente nas extremidades dos fios, através dos
quais a voz de Malfoy podia ser ouvida alto e claro, como se um rádio tivesse sido ligado.
– ... você sabe como consertar?
– Talvez – Borgin respondeu, em um tom que sugeria que ele não queria se comprometer. –
Vou precisar ver, no entanto. Por que você não traz para a loja?
– Não posso, – Malfoy falou. – Tem que ficar no lugar. Eu só preciso que você me diga como
consertar.
Harry viu Borgin umedecendo os lábios nervosamente.
– Bem, sem ver, eu devo dizer que será um trabalho muito difícil, talvez impossível. Não posso
garantir nada.
– Não? – Malfoy disse, e Harry sabia, apenas pelo seu tom de voz, que Malfoy estava sorrindo
com desprezo. – Talvez isso o torne mais confiante.
Ele se aproximou de Borgin e foi escondido pelo armário. Harry, Rony e Hermione mudaram
de posição mais para o lado tentando mantê-lo à vista, mas tudo que puderam ver foi Borgin, parecendo
muito assustado.
– Se você contar a alguém – disse Malfoy -, será castigado. Você conhece Fenrir Greyback? Ele
é um amigo da família. Ele virá aqui de tempos em tempos para ter certeza de que você estará dando
ao problema toda a sua atenção.
– Não há necessidade de...
– Eu decido isso, – Malfoy falou. – Bem, é melhor eu ir. E não esqueça de manter esse em
segurança, vou precisar dele.
– Talvez você queira levá-lo agora?
– Não, é claro que não quero, seu homenzinho estúpido, como eu pareceria carregando isso
pela rua? Apenas não o venda.
– É claro que não... senhor.
Borgin fez uma mesura tão baixa quanto a que Harry o tinha visto fazer para Lúcio Malfoy.
– Nem uma palavra para ninguém, Borgin, e isso inclui a minha mãe, compreende?
– Naturalmente, naturalmente...– Borgin murmurou, se curvando novamente.
No instante seguinte, o sino sobre a porta tocou alto quando Malfoy saiu da loja parecendo
bastante satisfeito consigo mesmo. Ele passou tão perto de Harry, Rony e Hermione que eles sentiram
a capa flutuar em volta de seus joelhos novamente. Dentro da loja, Borgin permanecia estático, seu
sorriso hipócrita havia sumido, ele parecia preocupado.
– Sobre o que eles estavam falando? – Rony sussurrou, enrolando as Orelhas Extensíveis.
– Não sei – Harry falou, pensativo. – Ele quer alguma coisa consertada... e ele quer reservar
alguma coisa lá dentro... Vocês conseguiram ver o que ele apontou quando ele falou “esse”?
– Não, ele estava atrás do armário...
– Vocês dois ficam aqui – Hermione murmurou.
– O que você vai...?
Mas Hermione já havia saído de debaixo da capa. Ela verificou seu cabelo no reflexo do vidro
e entrou na loja, fazendo o sino soar novamente. Rony rapidamente desenrolou as Orelhas Extensíveis
de volta por baixo da porta e passou um dos fios para Harry.
69
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Olá, manhã horrível, não é? – Hermione falou alegremente para Borgin, que não respondeu,
mas lhe lançou um olhar de suspeita. Cantarolando satisfeita, Hermione passou pela confusão de
objetos à mostra.
– Este colar está à venda? – ela perguntou, parando ao lado de um mostruário com a frente de
vidro.
– Se você tiver mil e quinhentos galeões, – o Sr. Borgin respondeu friamente.
– Ah... er... não, eu não tenho tanto, – Hermione falou, continuando. – E... que tal esse lindo...
hum... crânio?
– Sessenta galeões.
– Então está à venda? Não está.... reservado para ninguém?
O Sr. Borgin olhou de soslaio para ela. Harry tinha a sensação desagradável de que sabia
exatamente o que Hermione estava tramando. Aparentemente ela sentiu que havia estragado tudo e
subitamente jogou todo o cuidado para o alto.
– O que acontece é que, bem... , o garoto que estava aqui agora mesmo, Draco Malfoy, bem,
ele é um amigo meu e eu queria lhe dar um presente de aniversário, mas se ele já reservou alguma
coisa, obviamente eu não queria lhe dar a mesma coisa, então... er...
Era uma história nada convincente na opinião de Harry e, aparentemente, Borgin pensou da
mesma maneira.
– Fora, – ele disse rudemente. – Fora daqui!
Hermione não esperou que ele mandasse duas vezes , mas se apressou a sair com Borgin logo
atrás. Assim que o sino tocou novamente, Borgin bateu a porta por trás dela e colocou o aviso de
“Fechado”.
– Bem – Rony disse, jogando a capa de volta por cima de Hermione. – Valeu a tentativa, mas
você foi um pouco óbvia...
– Bem, na próxima vez você pode me mostrar como fazer, Mestre do Mistério! – ela retrucou.
Rony e Hermione discutiram todo o caminho de volta até a Gemialidades Weasley, onde eles
foram forçados a parar de modo que pudessem se esquivar escondidos de uma Sra. Weasley
aparentemente muito ansiosa e de Hagrid, que claramente reparou na ausência deles. Uma vez dentro
da loja, Harry arrancou a Capa da Invisibilidade, escondeu-a na mochila, e se juntou aos outros dois
quando eles insistiram, em resposta às acusações da Sra. Weasley, que eles tinham estado o tempo
todo na sala dos fundos, e que ela não devia ter olhado direito.
70
– CAPÍTULO 7 –
O Clube do Slug*
Harry passou a maior parte dos últimos dias das férias ponderando o comportamento de Malfoy
na Travessa do Tranco. O que o perturbava mais era o olhar satisfeito no rosto do garoto ao sair da
loja. Nada que deixasse Malfoy tão feliz poderia ser boa coisa. Contudo, para seu ligeiro aborrecimento,
nem Rony nem Hermione estavam tão curiosos pelas atividades de Malfoy quanto o próprio Harry;
ou pelo menos, ambos pareceram se cansar de debater o assunto depois de alguns dias.
– É, eu já concordei que foi estranho, Harry – disse Hermione, ligeiramente impaciente. Ela
estava sentada no parapeito da janela do quarto de Fred e Jorge, com os pés sobre uma das caixas de
papelão, e acabara de levantar com má vontade os olhos de sua nova cópia de Tradução de Runas –
Nível Avançado. – Mas a gente já não concordou que poderia haver muitas explicações?
– Talvez ele tenha quebrado sua Mão da Glória – acrescentou Rony vagamente, enquanto
tentava consertar as cerdas curvadas de sua vassoura. – Lembram daquela mão murcha que Malfoy
tinha?
– Mas e quando ele disse: “Não se esqueça de manter esse aqui em segurança?” – perguntou
Harry pela enésima vez. – Isso soou para mim como se Borgin tivesse um dos objetos quebrados, e
Malfoy quisesse ambos.
– Você acha? – indagou Rony, agora tentando remover uma sujeirinha do cabo.
– Acho. – disse Harry. Quando nem Rony nem Hermione responderam, ele continuou: – O pai
de Malfoy está em Azkaban. Vocês não acham que ele quereria vingança?
Rony ergueu os olhos, piscando.
– Malfoy? Vingança? O que ele pode fazer?
– Esse é o problema: não sei! – disse Harry, frustrado. – Mas ele está planejando alguma coisa
e eu acho que a gente deveria levar isso a sério. O pai dele é um Comensal da Morte e...
Harry se calou, seus olhos fixos na janela atrás de Hermione, sua boca aberta. Um pensamento
alarmante havia acabado de lhe ocorrer.
– Harry? – chamou Hermione, ansiosa. – Qual é o problema?
– Sua cicatriz não está doendo de novo, está? – Perguntou Rony nervosamente.
– Ele é um Comensal da Morte – Harry falou devagar. – Ele substituiu o pai como Comensal da
Morte!
Fez-se silêncio, então Rony começou a gargalhar. – Malfoy? Ele tem dezesseis anos, Harry!
Você acha que Você-Sabe-Quem deixaria Malfoy se tornar um Comensal?
– Parece ser muito improvável, Harry. – disse Hermione numa voz repressora. – O que faz
você achar...?
– Na Madame Malkin’s. Ela não o tocou, mas ele gritou e tirou o braço do alcance dela quando
ela ia enrolar sua manga. Era o braço esquerdo dele. Ele foi tatuado com a Marca Negra.
*Corruptela do sobrenome do professor (Slughorn), a palavra Slug, que em inglês quer dizer “lesma”. (N.T.)
71
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Rony e Hermione se entreolharam.
– Bem... – disse Rony, parecendo completamente descrente.
– Eu acho que ele só queria sair de lá, Harry – disse Hermione.
– Ele mostrou a Borgin algo que não podíamos ver – insistiu Harry teimosamente. – Alguma
coisa que o amedrontou de verdade. Foi a marca, eu sei... Ele estava mostrando a Borgin com quem
estava lidando, vocês viram quão a sério ele levou Malfoy.
Rony e Hermione entreolharam-se novamente.
– Não sei não, Harry...
– É, continuo achando que Você-Sabe-Quem não aceitaria Malfoy...
Aborrecido, mas absolutamente convencido de que estava certo, Harry apanhou uma pilha de
vestes de quadribol imundas e saiu do quarto. A Sra. Weasley havia implorado há dias para que não
deixassem a lavagem de roupas e a arrumação das malas para a última hora. No térreo, ele esbarrou
em Gina, que estava retornando para seu quarto carregando uma pilha de roupas recém passadas.
– Eu não iria à cozinha agora – ela o avisou. – Tem muita Fleuma por lá.
– Tomarei o cuidado para não ser notado – Harry sorriu.
De fato, quando entrou na cozinha, foi para ver Fleur sentada à mesa discorrendo sobre os
planos para sua festa de casamento com Gui, enquanto a Sra. Weasley prestava atenção em uma
pilha de raízes auto-descascantes, parecendo mal-humorada.
-... Gui e eu quase decidimos em só terrmos duas damas de honrra, Gina e Gabrielle von ficarr
muito fofas juntas. Estou pensando em vestí-las de um dourrado suave... rosa, é clarro, ficarria horrível
com os cabelos de Gina...
– Ah, Harry! – Disse a Sra. Weasley alto, interrompendo o monólogo de Fleur. – Ótimo, eu
queria explicar as medidas de segurança para a ida para Hogwarts amanhã. Conseguimos carros do
ministério novamente, e haverá aurores esperando na estação...
– Tonks vai estar lá? – perguntou Harry, entregando suas vestes de quadribol.
– Acho que não, ela foi colocada em outro lugar, pelo que Arthur falou.
– Ela está bem parra baixo, essa Tonks – refletiu Fleur, examinando o próprio reflexo formidável
nas costas de uma colher de chá. – Um grrande erro, se querrem...
– Sim, obrigada – mais uma vez interrompeu a Sra. Weasley abruptamente. – É melhor você
continuar a arrumação, Harry, eu quero os malões prontos esta noite, se possível, assim não acontece
aquela confusão costumeira de última hora.
E, de fato, a saída na manhã seguinte foi mais calma que o usual. Os carros do Ministério
deslizaram até a frente da Toca para encontrar todos esperando, os malões prontos; o gato de Hermione,
Bichento, seguro em sua cesta de viagem; Edwiges; a coruja de Rony, Pichitinho; e o novo mini
pufoso roxo de Gina, Arnold, engaiolados.
– Au revoir, ‘Arry – disse Fleur, com sua pronúncia gutural, dando-lhe um beijo de despedida.
Rony adiantou-se correndo, parecendo esperançoso, mas Gina esticou o pé no caminho e ele caiu
esparramado no chão empoeirado aos pés de Fleur. Furioso, com o rosto corado e sujo, ele correu
para dentro do carro sem dizer tchau.
Não havia nenhum Hagrid animado os esperando na estação de King’s Cross. Em seu lugar,
dois aurores barbudos de cara severa, vestidos em escuros ternos trouxas, adiantaram-se no momento
em que os carros pararam e, ladeando o grupo, guiaram-no até a estação sem falar.
– Rápido, rápido, pela barreira – disse a Sra. Weasley, que parecia um pouco aturdida por essa
eficiência austera. – É melhor Harry ir primeiro, com...
Ela olhou inquisitorialmente para um dos aurores, que assentiu rapidamente, pegou Harry pelo
braço e tentou tangê-lo em direção à barreira entre as plataformas nove e dez.
– Eu consigo andar, obrigado – disse Harry irritado, arrancando seu braço do aperto do auror.
Ele empurrou seu carrinho diretamente para a sólida barreira, ignorando sua companhia silenciosa, e
um segundo depois se descobriu de pé na plataforma nove e meia, onde o escarlate Expresso de
Hogwarts cuspia fumaça sobre a aglomeração.
72
Capítulo 7 – O Clube do Slug
Hermione e os Weasleys se juntaram a ele em segundos. Sem consultar seu auror de cara
severa, Harry gesticulou para Rony e Hermione o seguirem pela plataforma, procurando um
compartimento vazio.
– Não podemos, Harry – falou Hermione, em tom de desculpas. – Rony e eu precisamos ir ao
vagão dos monitores antes e depois patrulhar os corredores um pouco.
– Ah, é, me esqueci – respondeu Harry.
– É melhor que vocês entrem direto no trem, todos vocês, faltam poucos minutos – disse a Sra.
Weasley, checando seu relógio. – Bem, Rony, tenha um bom semestre...
– Sr. Weasley, posso dar uma palavrinha com o senhor? – perguntou Harry, decidindo-se no
impulso do momento.
– Claro – respondeu o Sr. Weasley, que parecia surpreso, mas ainda assim seguiu Harry para
longe do alcance dos ouvidos dos outros.
Harry havia pensado na situação cuidadosamente e concluiu que, se fosse contar a alguém, o
Sr. Weasley seria a pessoa certa; primeiramente porque ele trabalhava no Ministério e, por isso, estaria
na melhor posição para fazer maiores investigações e, em segundo lugar, porque Harry achou que
não haveria tanto risco do Sr. Weasley explodir de fúria.
Ele podia ver a Sra. Weasley e o auror de cara amarrada lançarem olhares suspeitos em direção
aos dois, enquanto eles se afastavam.
– Quando estávamos no Beco Diagonal – Harry começou, mas o Sr. Weasley antecipou-se a ele
com uma careta.
– Será que vou descobrir para onde você, Rony e Hermione foram quando estavam
supostamente nos fundos da loja de Fred e Jorge?
– Como o senhor...?
– Harry, por favor. Você está falando com o homem que criou Fred e Jorge.
– Hum... Tá, tudo bem, nós não estávamos no cômodo dos fundos.
– Muito bem, então, vamos ouvir o pior.
– Bem, seguimos Draco Malfoy. Usamos minha Capa da Invisibilidade.
– Vocês tinham alguma razão em particular para fazer isso, ou foi um mero impulso?
– Porque eu achei que Malfoy estava planejando alguma coisa – disse Harry, ignorando o olhar
do Sr. Weasley de exasperação e divertimento misturados. – Ele conseguiu dar uma escapada da mãe
e eu queria saber o porquê.
– Claro que você queria – disse o Sr. Weasley, parecendo resignado. – e aí? Descobriu por quê?
– Ele foi à Borgin & Burkes – respondeu Harry. – E começou a ameaçar o sujeito que estava lá,
Borgin, para ajudá-lo a consertar alguma coisa. E disse que queria que Borgin guardasse outra coisa
para ele. Parecia que era a mesma coisa que queria consertar. Como se fossem um par. E...
Harry respirou fundo.
– Tem mais uma coisa. Nós vimos Malfoy pular para longe quando madame Malkin tentou
tocar o seu braço esquerdo. Eu acho que ele foi tatuado com a Marca Negra. Acho que ele substituiu
seu pai como Comensal da Morte.
O Sr. Weasley pareceu surpreso. Depois de um momento, disse: – Harry, eu duvido que VocêSabe-Quem fosse permitir que alguém de dezesseis anos...
– Alguém realmente sabe o que Você-Sabe-Quem faria ou não? – Harry perguntou com raiva.
– Sr. Weasley, desculpa, mas isso não vale a pena ser investigado? Se Malfoy quer alguma coisa
consertada, e ele precisa ameaçar Borgin para isso, provavelmente é algo perigoso ou das trevas, não
é?
– Para ser honesto, Harry, eu duvido – disse o Sr. Weasley devagar. – Sabe, quando Lúcio
Malfoy foi preso, nós revistamos sua casa. Levamos qualquer coisa que pudesse ser perigosa.
– Eu acho que vocês deixaram alguma coisa passar – disse Harry, teimosamente.
– Bem, talvez – disse o Sr. Weasley, mas Harry podia notar que ele apenas não queria contrariálo.
73
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Um apito soou por trás deles; quase todos já tinham subido a bordo do trem e as portas estavam
se fechando.
– É melhor você correr – disse o Sr. Weasley, enquanto a Sra. Weasley gritava:
– Harry, rápido!
Ele correu para o trem e o Sr. e a Sra. Weasley ajudaram-no a colocar seu malão na locomotiva.
– Agora, querido, você vai passar o natal conosco. Já está tudo combinado com Dumbledore,
então a gente se verá logo – disse a Sra. Weasley, através da janela, enquanto Harry fechava a porta
atrás de si e o trem começava a se locomover. – Se cuida e...
O trem estava adquirindo velocidade.
-... Seja bom e... – agora ela estava correndo para se manter junto ao trem.
-... fique em segurança!
Harry acenou até que o trem fez uma curva e o Sr. e a Sra. Weasley perderam-se de vista, então
se virou para olhar para onde os outros tinham ido. Ele supôs que Rony e Hermione estivessem
reclusos no vagão dos monitores, mas Gina estava ligeiramente à frente no corredor, conversando
com alguns amigos. Harry foi em sua direção, arrastando seu malão.
As pessoas o encaravam indiscretamente à medida que ele se aproximava. Chegavam mesmo a
pressionar seus rostos contra as janelas de seus compartimentos, para conseguir vê-lo. Ele esperara
um aumento na quantidade de olhares arregalados e estúpidos que teria de aturar este ano letivo,
depois de todos os boatos a respeito de “O Escolhido” nO Profeta Diário, mas a sensação de estar
sob um holofote não o agradou. Harry deu um tapinha no ombro de Gina.
– A fim de procurar um compartimento?
– Não posso, Harry, combinei que ia encontrar Dino – disse Gina animadamente. – Vejo você
mais tarde.
– Certo – Harry respondeu. Ele sentiu uma estranha pontada de irritação, enquanto ela se
afastava, seus longos cabelos vermelhos dançando as suas costas. Acostumara-se de tal maneira à
presença de Gina durante o verão, que quase se esquecera que ela não andava com ele, Rony e
Hermione na escola. Então piscou e olhou ao redor: estava rodeado de garotas parecendo fascinadas.
– Oi, Harry – chamou uma voz familiar às suas costas.
– Neville! – Harry exclamou, aliviado, virando-se para olhar um garoto de rosto redondo lutando
para chegar até ele.
– Olá, Harry – disse uma garota de cabelos longos e olhos grandes e misteriosos, logo atrás de
Neville.
– Luna, oi, como você está?
– Ótima, obrigada – respondeu Luna. Ela segurava uma revista contra o peito; grandes letras
na capa anunciavam que gratuitamente estava incluso um par de Espectróculos.
– O Pasquim ainda está firme e forte, então? – Indagou Harry, que sentia um certo carinho pela
revista, tendo lhe concedido uma entrevista exclusiva no ano anterior.
– Ah, sim, está vendendo bem – disse Luna, feliz.
– Vamos achar um lugar para sentar – Harry falou, e os três saíram pelo trem através da horda
de estudantes que os encarava silenciosamente. Por fim eles acharam um compartimento vazio e
Harry entrou correndo, satisfeito.
– Até para nós eles estão olhando? – disse Neville, indicando a si próprio e a Luna. – Porque
nós estamos juntos com você!
– Eles estão olhando porque vocês também foram ao ministério – explicou Harry, enquanto
levantava seu malão até o bagageiro. – A nossa aventurazinha lá foi estampada nO Profeta Diário,
vocês devem ter visto.
– É, eu pensei que vovó fosse ficar brava com toda a publicidade – disse Neville -, mas ela
ficou realmente satisfeita, diz que estou começando a ficar à altura do meu pai, finalmente. Ela me
comprou uma varinha nova, olha!
Ele puxou o objeto para mostrar a Harry.
74
Capítulo 7 – O Clube do Slug
– Cerejeira e pelo de unicórnio – disse orgulhoso. – Achamos que foi uma das últimas varinhas
Olivaras vendidas; ele sumiu no dia seguinte... volta aqui, Trevo!
E Neville mergulhou sob o acento para recapturar seu sapo, que fazia mais uma de suas
freqüentes tentativas para conseguir sua liberdade.
– Vamos continuar com os encontros da A.D. esse ano, Harry? – Perguntou Luna, que estava
retirando um par de óculos psicodélicos do meio d’O Pasquim.
– Não precisa, agora que a gente se livrou da Umbridge, né? – Perguntou Harry, se sentando.
Neville bateu com a cabeça contra a cadeira, enquanto emergia de sob ela. Ele parecia muito
desapontado.
– Eu gostava da A.D.! Aprendi muito com você!
– Eu também me divertia nos encontros – Luna falou serenamente. – Era como se eu tivesse
amigos.
Essa era uma das coisas desconfortáveis que Luna sempre dizia e que faziam Harry sentir uma
confusa mistura de pena e constrangimento. Contudo, antes que pudesse responder, houve um tumulto
do lado de fora da cabine na qual estavam: um grupo de garotas do quarto ano estavam sussurrando
e dando risinhos do outro lado da porta de vidro.
– Você chama ele!
– Não, você!
– Eu vou lá!
E uma delas, uma garota de ar audacioso, grandes olhos escuros, queixo proeminente e longos
cabelos negros forçou seu caminho pela porta.
– Olá, Harry, eu sou Romilda, Romilda Vane – ela falou alto e confiante. – Por que você não se
junta a nós no nosso compartimento? Você não precisa sentar aqui com eles – ela acrescentou em um
sussurro teatral, indicando o traseiro de Neville, que aparecia por debaixo do acento enquanto o
menino tateava ao redor procurando por Trevo, e Luna, que agora colocara seus espectróculos gratuitos,
que faziam com que ela parecesse uma coruja demente e multicolorida.
– Eles são meus amigos – Harry respondeu friamente.
– Ah – disse a garota, parecendo muito espantada. – Ah. Tudo bem. E ela se retirou, fechando
a porta atrás de si.
– As pessoas esperam que você tenha amigos mais legais que a gente – disse Luna, mais uma
vez mostrando sua habilidade para dizer verdades embaraçosas.
– Vocês são legais – retrucou Harry brevemente. – Nenhuma delas estava no Ministério. Elas
não lutaram comigo.
– Isso é muito bacana de se dizer – sorriu Luna. E ela ajeitou os espectróculos no nariz e
sentou-se confortavelmente para ler O Pasquim.
– Mas a gente não o encarou – disse Neville, emergindo de sob o acento, com penugem e
poeira no cabelo e um Trevo de ar resignado na mão. – Você, sim. Precisa ouvir vovó falando de
você. “Aquele Harry Potter tem mais determinação que todo o Ministério da Magia junto!” Ela daria
qualquer coisa para ter você como neto...
Harry riu constrangido e mudou o assunto para o resultado dos N.O.Ms assim que pôde.
Enquanto Neville recitava suas notas e se perguntava em voz alta se permitiriam que fizesse parte de
uma turma de transfiguração de N.I.E.M, apenas com um “aceitável”, Harry o olhava sem realmente
escutar.
A infância de Neville havia sido tão assombrada por Voldemort quanto a sua, mas o menino
não fazia idéia do quão próximo estivera de ter o destino de Harry. A profecia poderia ter se referido
a qualquer um dos dois, e ainda assim, por suas próprias razões inescrutáveis, Voldemort decidira
acreditar que Harry era aquele a quem ela se referia.
Se Voldemort tivesse escolhido Neville, seria ele quem estaria agora sentado à frente de Harry,
portando a cicatriz em forma de raio e o peso da profecia... Ou não seria? A mãe de Neville teria
morrido para salvá-lo, como Lilian morreu por Harry? Certamente que sim... Mas e se ela fosse
75
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
incapaz de se colocar entre seu filho e Voldemort? Não haveria nenhum Escolhido, afinal? Um assento
vazio onde Neville agora se sentava e um Harry sem cicatriz, que teria recebido um beijo de adeus de
sua própria mãe, não da de Rony?
– Tudo bem, Harry? Você parece estranho – indagou Neville.
Harry começou:
– Desculpa... Eu...
– Um wrackspurt te pegou? – Perguntou Luna gentilmente, fitando Harry através de seus enormes
óculos coloridos.
– Eu... O que?
– Um Wrackspurt... Eles são invisíveis. Entram na sua cabeça através das suas orelhas e fazem
seu cérebro ficar confuso – disse ela. – Achei que senti um voando por aqui.
Ela agitou as mãos no ar, como se afastando grandes mariposas invisíveis. Os olhos de Harry
encontraram os de Neville e apressadamente começaram a falar sobre quadribol.
O clima além das janelas do trem estava tão irregular quanto havia sido durante todo o verão;
atravessavam extensões da névoa fria, então saíam para áreas claras com débeis raios de sol. Foi em
um desses períodos claros, quando o sol podia ser visto quase diretamente sobre eles, que Rony e
Hermione finalmente entraram no compartimento.
– Tomara que o carrinho do almoço chegue logo, eu estou morrendo de fome – disse Rony,
desejoso, jogando-se no lugar ao lado de Harry e massageando a barriga. – Oi, Neville. Oi, Luna.
Adivinha? – acrescentou, virando-se para Harry. – Malfoy não está cumprindo suas obrigações de
monitor. Está só sentado no seu compartimento com os outros sonserinos, nós o vimos quando
passamos por lá.
Harry endireitou-se na sua cadeira, interessado. Não fazia o tipo de Malfoy perder a chance de
mostrar o seu poder como monitor, do qual havia abusado, feliz, durante todo o ano anterior.
– O que ele fez quando viu vocês?
– O de costume – Rony falou indiferentemente, fazendo um gesto rude com a mão. – Mas não
faz o tipo dele, né? Bem, isso faz – ele repetiu o gesto -, mas porque ele não está lá abusando dos
calouros?
– Sei lá – Harry respondeu, mas sua cabeça estava a mil. Não parecia que Malfoy tinha coisas
mais importantes em mente que abusar de estudantes mais novos?
– Talvez ele tenha preferido a Brigada Inquisitorial – disse Hermione. – Talvez ser monitor
tenha se tornado um pouco modesto demais, depois disso.
– Não acho – disse Harry. – Acho que...
Mas antes que pudesse expor sua teoria, a porta do compartimento abriu-se novamente e uma
menina do terceiro ano entrou ofegante.
– Tenho que entregar isso para Neville Longbottom e Harry P-Potter – ela hesitou, seus olhos
encontraram os de Harry e ela corou. Estava segurando dois rolos de pergaminho enrolados com uma
fita violeta.
Perplexos, Harry e Neville apanharam o pergaminho endereçado a cada um e a garota saiu
tropeçando para fora do compartimento.
– O que é? – Rony perguntou, enquanto Harry desenrolava o seu.
– Um convite – Harry respondeu.
Harry,
Ficaria encantado se você pudesse me fazer companhia para o almoço no compartimento C.
Atenciosamente,
Prof. H.E.F. Slughorn.”
76
Capítulo 7 – O Clube do Slug
– Quem é o Professor Slughorn? – perguntou Neville, olhando perplexo para o seu próprio
convite.
– Professor novo – disse Harry. Bem, suponho que temos que ir, não?
– Mas para que ele me chamou? – Perguntou Neville, nervoso, como se temesse uma detenção.
– Não faço idéia – respondeu Harry, o que não era inteiramente verdade, apesar de ainda não
ter nenhuma prova de que seu pressentimento estivesse correto. – Escuta – acrescentou, subitamente
tomado por uma idéia -, vamos com a Capa da Invisibilidade, assim no caminho talvez a gente
consiga dar uma boa olhada no que Malfoy está fazendo.
Essa idéia, contudo, não deu em nada. O corredor, lotado de estudantes esperando o carrinho
do almoço, estava impossível de percorrer vestindo a capa. Harry a devolveu à mochila com pesar,
pensando que teria sido agradável vesti-la apenas para evitar todos os olhares, que pareciam ter
aumentado de intensidade desde que ele atravessou o trem da última vez. Volta e meia, estudantes
abandonavam ruidosamente seus compartimentos para conseguir uma vista melhor dele. A exceção
foi Cho Chang, que escondeu-se dentro de sua cabine ao ver Harry se aproximar. Quando ele passou
por sua janela, Harry a viu determinadamente absorvida em uma conversa com sua amiga Marieta,
que usava uma pesada camada de maquiagem que não ocultava completamente a estranha formação
de pústulas ainda marcadas em seu rosto. Sorrindo ligeiramente, Harry seguiu em frente.
Quando eles chegaram ao compartimento C, perceberam imediatamente que não eram os únicos
convidados de Slughorn, embora julgando pelo entusiasmo das boas vindas do professor, Harry era o
mais calorosamente aguardado.
– Harry, meu garoto! – exclamou Slughorn, colocando-se de pé de um salto ao vê-lo, de modo
que sua enorme barriga coberta de veludo pareceu preencher o espaço restante na cabine. Sua careca
reluzente e o grande bigode grisalho cintilavam à luz do sol com a mesma intensidade que os botões
dourados do seu colete. – Bom vê-lo, bom vê-lo! E você deve ser o Sr. Longbottom?
Neville assentiu, parecendo amedrontado. A um gesto de Slughorn, eles se sentaram, um oposto
ao outro, nos dois únicos assentos vazios, que eram mais próximos à porta. Harry olhou ao redor
para os outros convidados. Ele reconheceu um sonserino da sua série, um garoto negro e alto, de
rosto comprido e olhos oblíquos; havia também dois estudantes do sétimo ano que ele não conhecia
e, escondida no canto atrás de Slughorn e parecendo não estar completamente certa sobre como
tinha ido parar ali, Gina.
– Vocês conhecem todo mundo? – Slughorn perguntou a Harry e Neville. – Blás Zabini é do
mesmo ano de vocês, é claro...
Zabini não os cumprimentou ou deu qualquer sinal de reconhecimento, nem o fizeram Harry
ou Neville; estudantes da Grifinória e Sonserina se odiavam por princípio.
– Esse é Cormac McLaggen, talvez vocês já tenham se cruzado...? Não?
McLaggen, um jovem grande de cabelos fibrosos, estendeu uma mão e Harry e Neville assentiram
em sua direção.
– ... E esse é Marcus Belby, não sei se...?
Belby, que era magro e tinha um ar nervoso, deu um sorriso forçado.
– ... E essa jovem encantadora me diz que já conhece vocês! – Slughorn finalizou.
Gina fez uma careta por trás de Slughorn.
– Bem, é um grande prazer – disse Slughorn acolhedoramente. – Uma chance de conhecê-los
um pouco melhor. Aqui, apanhem um guardanapo. Eu trouxe meu próprio almoço; o carrinho, se
bem me lembro, exagera nas varinhas de alcaçuz, e o sistema digestivo de um pobre velho não
agüenta mais esse tipo de coisa... faisão, Belby?
Belby adiantou-se e aceitou o que parecia uma metade fria de faisão.
– Eu estava dizendo ao jovem Marcus aqui que tive o prazer de ensinar seu tio Damocles –
Slughorn explicou a Harry e Neville, agora passando ao redor uma cesta de pãezinhos. – Excelente
bruxo, excelente, e sua ordem de Merlim muito merecida. Você vê muito o seu tio, Marcus?
77
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Infelizmente, Belby estava com a boca cheia de faisão; e em sua pressa para responder Slughorn,
engoliu rápido demais, ficou roxo e começou a sufocar.
– Anapneo – disse Slughorn calmamente, apontando sua varinha para Belby, cujos canais de
respiração pareceram se desentupir imediatamente.
– Não... não muito, não senhor – respondeu Belby, seus olhos lacrimejando.
– Bem, é claro, ouso dizer que ele é muito ocupado – disse Slughorn, olhando para Belby
inquisitorialmente. – Duvido que ele tenha inventado a poção Mata-Cão sem trabalhar
consideravelmente!
– Suponho que sim... – Disse Belby, que parecia temeroso de pegar outro pedaço de faisão
antes de estar certo que Slughorn havia concluído com ele. – Meu pai e ele não se dão muito bem,
sabe, então realmente não sei muito...
Sua voz sumiu quando Slughorn lhe dirigiu um sorriso frio e virou-se para McLaggen.
– Agora, você, Cormac – disse Slughorn -, incidentalmente sei que você vê muito o seu tio
Tiberius, porque ele tem uma linda foto dos dois caçando rabicurtos em Norfolk, penso eu?
– Ah, é, foi divertido, muito divertido – respondeu McLaggen. – Fomos com Bertie Higgs e
Rufus Scrimgeour, antes de ele se tornar ministro, obviamente...
– Ah, você também conhece Bertie e Rufus? – Slughorn sorriu, agora oferecendo a todos uma
pequena bandeja com tortas; de algum modo, Belby foi esquecido. – Agora me diga...
Foi como Harry havia suspeitado. Todos ali pareciam ter sido convidados porque tinham contato
com alguém conhecido ou influente – todos, exceto Gina. Zabini, que foi interrogado depois de
McLaggen, tinha uma mãe que era uma bruxa famosa por sua beleza (pelo que Harry entendeu, ela se
casou sete vezes, cada um dos seus maridos morrendo misteriosamente e deixando-lhe uma grande
quantidade de dinheiro). Depois foi a vez de Neville. Foram dez minutos muito desconfortáveis, pois
seus pais, aurores renomados, haviam sido torturados até a loucura por Belatrix Lestrange e um
pequeno grupo de Comensais da Morte. Ao final da entrevista de Neville, Harry teve a impressão
que Slughorn estava esperando para fazer qualquer julgamento sobre o menino, ainda para ver se ele
teria algum dos talentos de seus pais.
– E agora – disse Slughorn, remexendo-se pesadamente em seu acento, com um ar de um
mestre de cerimônias prestes a apresentar sua grande atração. – Harry Potter! Por onde começar?
Sinto que mal tocamos a superfície quando nos encontramos no verão! – Ele contemplou Harry por
um momento, como se o garoto fosse um pedaço de faisão particularmente grande e suculento, então
disse: – “O Escolhido”, é como o chamam agora!
Harry não disse nada. Belby, McLaggen e Zabini estavam todos o encarando.
– É claro – continuou Slughorn, observando Harry atentamente -, há rumores há anos... Eu me
lembro quando... bem... depois daquela noite terrível... Lilian... Tiago... e você sobreviveu... dizia-se
que você deveria ter poderes além do normal...
Zabini deu uma pequena tossida que claramente deveria demonstrar seu ceticismo irônico.
Uma voz por trás de Slughorn subitamente disse com raiva:
– É, Zabini, porque você é muito talentoso... para atrapalhar...
– Minha nossa! – Slughorn riu gostosamente, procurando ao redor por Gina, que estava
encarando Zabini pelo lado da enorme barriga do professor. – Você deve ter cuidado, Blás! Quando
passava por seu vagão, vi essa moça lançar uma maravilhosa Azaração para Rebater Bicho-papão!
Eu não a aborreceria!
Zabini meramente olhou com desdém.
– De todo o modo – Slughorn continuou. – Esses boatos durante o verão... É claro, você não
sabe no que acreditar, o Profeta é conhecido por publicar informações inexatas, cometer erros... mas
parece haver poucas dúvidas, considerando o número de testemunhas, que aconteceu uma grande
confusão no ministério e que você estava lá, no meio disso tudo!
Harry, que não conseguia ver um modo de sair dessa sem mentir deslavadamente, assentiu mas
ainda não falou nada. Slughorn sorriu para ele.
78
Capítulo 7 – O Clube do Slug
– Tão modesto, tão modesto, não é de se estranhar que Dumbledore goste tanto... então, você
estava mesmo lá? Mas o resto da história... tão sensacionalista, é claro, você não sabe no que acreditar...
essa fabulosa profecia, por exemplo...
– A gente nunca ouviu a profecia – disse Neville, ficando rosa gerânio ao dizer isso.
– É verdade – Gina completou de supetão. – Neville e eu estávamos lá também, e toda essa
bobagem de “O Escolhido” é só o Profeta inventando coisas, como sempre.
– Vocês estavam lá também, é? – disse Slughorn, muito interessado, olhando de Gina para
Neville, mas ambos ficaram calados diante de seu sorriso encorajador. – É... Bem... É verdade que o
Profeta freqüentemente exagera, é claro... – Ele continuou, soando ligeiramente desapontado. – Me
lembro da minha querida Gwenog me contando (Gwenog Jones, quero dizer, é claro, capitã do
Holyhead Harpies)...
Ele discursou em um fôlego só sobre uma reminiscência sinuosa, mas Harry tinha a distinta
impressão de que Slughorn ainda não havia concluído com ele, e que fora convencido por Gina e
Neville.
A tarde passou com mais histórias sobre bruxos famosos a quem Slughorn ensinara, todos os
quais ficaram encantados de se juntar ao que ele chamava de “Clube do Slug”, em Hogwarts. Harry
mal podia esperar para deixar o lugar, mas não conseguia ver como fazê-lo de uma maneira educada.
Finalmente, o trem saiu de outra extensão de névoa para o vermelho pôr do sol, e Slughorn olhou ao
redor, piscando ao crepúsculo.
– Minha nossa, já está ficando escuro! Não notei que eles acenderam as lâmpadas! É melhor
vocês irem e colocarem suas vestes, todos vocês. McLaggen,apareça e pegue emprestado aquele
livro sobre rabicurtos. Harry, Blás... a qualquer hora que estiverem passando. O mesmo para você,
senhorita – ele piscou para Gina.
“Vão indo, vão indo!”
Quando passou por Harry no corredor escuro, Zabini lançou-lhe um olhar de repulsa que Harry
retribuiu com interesse. Ele, Gina e Neville seguiram Zabini pelo trem.
– Estou feliz que isso tenha acabado – Neville murmurou. – Cara estranho, não é?
– É, um pouco – respondeu Harry, seus olhos em Zabini. – Como você foi parar lá, Gina?
– Ele me viu azarando Zacarias Smith – Gina falou. – Se lembra daquele idiota da Lufa-Lufa
que era da A.D.? Ele ficava me perguntando o que aconteceu no Ministério e no fim ele me irritou
tanto que eu o azarei... quando Slughorn apareceu eu pensei que fosse levar detenção, mas ele achou
que foi uma azaração realmente boa e me convidou para o almoço! Maluco, né?
– Melhor que convidar alguém porque sua mãe é famosa – disse Harry, franzindo a testa para a
parte de trás da cabeça de Zabini -, ou por causa do seu tio...
Mas ele parou. Acabara de lhe ocorrer uma idéia, irresponsável, mas potencialmente
maravilhosa... Em um minuto, Zabini retornaria ao compartimento de sonserinos do sexto ano e
Malfoy estaria sentado lá, acreditando não ser escutado por mais ninguém exceto outros sonserinos...se
Harry conseguisse só entrar, sem ser notado, atrás dele, o que ele não poderia ver ou escutar? Verdade,
faltava pouco tempo de viagem, a estação de Hogsmeade deveria estar a menos de meia hora de
distância, julgando pelos cenários inóspitos que passavam pela janela, mas mais ninguém parecia
disposto a levar suas suspeitas a sério, então cabia a ele prová-las.
– Vejo vocês dois mais tarde – disse Harry em um sussurro, tirando a capa da invisibilidade da
mochila e se cobrindo com ela.
– Mas o que você...? – perguntou Neville.
– Depois – Harry sussurrou, correndo atrás de Zabini tão silenciosamente quanto possível,
embora o barulho do trem tornasse essa medida de precaução quase desnecessária.
Os corredores estavam quase completamente vazios agora. A maior parte das pessoas retornara
para seus vagões para colocar suas vestes e guardar suas coisas. Embora estivesse tão próximo de
Zabini quanto era possível sem tocá-lo, Harry não foi rápido o suficiente para entrar na cabine no
79
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
momento em que Zabini abriu a porta. O sonserino já a fechava quando Harry colocou apressadamente
o pé no caminho para impedi-lo.
– Qual é o problema? – Zabini disse com raiva, batendo a porta repetidamente no pé de Harry.
Este segurou a porta e a abriu com força; Zabini, ainda segurando o puxador, caiu de lado no
colo de Gregório Goyle e, na confusão subseqüente, Harry correu para dentro do compartimento,
subiu no acento temporariamente vazio de Zabini e içou-se para o bagageiro. Foi sorte que Goyle e
Zabini estavam reclamando um do outro, atraindo todos os olhares, pois Harry estava certo de que
seus pés e calcanhares haviam aparecido quando a capa flutuou ao redor deles; de fato, por um
horrível momento, ele acreditou ter visto os olhos de Malfoy seguirem seus tênis enquanto voltavam
a desaparecer. Mas então Goyle fechou a porta e empurrou Zabini para longe de si; Zabini caiu em
seu próprio acento parecendo irritado, Vicente Crabbe voltou para sua revistinha e Malfoy, rindo,
deitou-se por cima de dois lugares com sua cabeça no colo de Pansy Parkinson. Harry encolheu-se
desconfortavelmente sob a capa para assegurar-se de que cada centímetro de seu corpo permanecesse
oculto por ela, e assistiu Pansy acariciar os cabelos louros e sedosos na testa de Malfoy, sorrindo
enquanto o fazia, como se qualquer garota fosse amar estar em seu lugar. As luzes penduradas no teto
do vagão lançavam uma claridade intensa sobre a cena; Harry conseguia ler cada palavra na revistinha
de Crabbe diretamente abaixo de si.
– E aí, Zabini – disse Malfoy -, o que Slughorn queria?
– Só tentando se aproximar de pessoas com bons contatos – disse Zabini, ainda olhando para
Goyle com raiva. – Não que ele tenha conseguido encontrar muitas.
Essa informação não agradou Malfoy.
– Quem mais ele convidou? – perguntou.
– McLaggen da Grifinória – Zabini respondeu.
– Ah, é, o tio dele é importante no ministério – disse Malfoy.
– ... Um outro chamado Belby, da Corvinal...
– Não, ele é um imbecil! – disse Pansy.
– ... E Longbottom, Potter e aquela garota Weasley – Zabini concluiu.
Malfoy sentou-se de repente, jogando a mão de Pansy para o lado.
– Ele convidou Longbottom?
– Bem, suponho que sim, considerando que Longbottom estava lá – respondeu Zabini,
indiferente.
– O que Longbottom tem que interessaria a Slughorn?
Zabini deu de ombros.
– Potter, o precioso Potter, obviamente ele queria dar uma olhada no “Escolhido” – caçoou
Malfoy -, mas essa garota Weasley! O que tem de tão especial nela?
– Muitos garotos gostam dela – disse Pansy, observando a reação de Malfoy pelo canto do
olho. – Até você acha ela bonita, não é, Blás, e nós sabemos quão exigente você é!
– Eu não tocaria em uma traidora do sangue imunda, não interessa quão bonita ela é – Zabini
falou com frieza e Pansy pareceu satisfeita. Malfoy voltou a deitar-se no colo da garota e permitiu
que ela continuasse a acariciar seu cabelo.
– Bem, tenho pena do gosto de Slughorn. Vai ver ele está ficando meio senil. Pena, meu pai
sempre disse que ele era um bom bruxo em seu tempo. Meu pai costumava ser um de seus favoritos.
Slughorn provavelmente não sabe que eu estou no trem, ou...
– Eu não esperaria por um convite – Zabini falou. – Ele me perguntou sobre o pai de Nott
quando cheguei. Aparentemente eles eram velhos amigos, mas quando soube que ele foi pego no
Ministério, Slughorn não ficou feliz, e Nott não recebeu um convite, recebeu? Não acho que ele
esteja interessado em Comensais da Morte.
Malfoy pareceu ficar com raiva, mas forçou uma risada sem graça.
80
Capítulo 7 – O Clube do Slug
– Bem, quem se importa com o que ele está interessado? Quem é ele, afinal? Só um professor
estúpido. – Malfoy bocejou ostensivamente. – Quero dizer, talvez eu nem volte para Hogwarts ano
que vem, o que me importa se um velho gordo gosta de mim ou não?
– O que você quer dizer com talvez você não volte para Hogwarts no ano que vem? – Pansy
exclamou, indignada, parando de acariciar Malfoy imediatamente.
– Bem, nunca se sabe – respondeu Malfoy, com a sombra de um sorriso. – Talvez eu tenha...
hum... começado novas coisas maiores e melhores.
Encolhido no bagageiro sob a capa, o coração de Harry disparou. O que Rony e Hermione
diriam sobre isso? Crabbe e Goyle olhavam Malfoy estupidamente; aparentemente eles não tinham
nenhum plano de começar novas coisas maiores e melhores. Mesmo Zabini permitiu que um olhar de
curiosidade tomasse sua expressão orgulhosa. Pansy retomou as lentas carícias no cabelo de Malfoy,
parecendo surpresa.
– Você quer dizer...Ele?
Malfoy deu de ombros.
– Minha mãe quer que eu complete meus estudos, mas pessoalmente, não vejo isso como algo
tão importante atualmente. Quero dizer, pensem bem... Quando o Lord das Trevas conseguir o poder,
ele vai se preocupar com quantos N.O.M.s ou N.I.E.M.s a pessoa conseguiu? Claro que não... O que
interessa é a qualidade do serviço que ele recebeu, o nível de devoção.
– E você acha que vai conseguir fazer alguma coisa por ele? – Zabini perguntou acidamente. –
Dezesseis anos e ainda sem ter se formado?
– Eu acabei de dizer, não disse? Talvez ele não se importe que eu não seja formado. Talvez o
trabalho que ele quer que eu faça não precise de um bruxo formado – Malfoy falou calmamente.
Crabbe e Goyle ficaram parados boquiabertos, como gárgulas. Pansy estava olhando para Malfoy
como se nunca tivesse visto nada tão maravilhoso.
– Posso ver Hogwarts – disse Malfoy, apontando para fora da janela escura, claramente
apreciando o efeito que havia criado. – É melhor colocarmos nossas vestes.
Harry estava tão ocupado olhando para Malfoy que não percebeu que Goyle estava pegando
seu malão; enquanto o puxava, o objeto bateu com força no lado da cabeça de Harry. Ele deixou
escapar um gemido involuntário de dor, fazendo Malfoy olhar para o bagageiro com as sobrancelhas
erguidas.
Harry não tinha medo de Malfoy, mas ainda assim não gostava muito da idéia de ser descoberto
por um grupo de sonserinos inamistosos, escondendo-se sob sua Capa da Invisibilidade. Com os
olhos ainda lacrimejando e a cabeça ainda pulsando, ele puxou sua varinha, com cuidado para não
retirar a capa de sobre si, e esperou, prendendo a respiração. Para seu alívio, Malfoy pareceu decidir
que imaginara o barulho; colocou suas vestes como os outros, fechou seu malão e, no que o trem
desacelerava para uma parada abrupta, vestiu uma nova capa de viagem ao redor do pescoço.
Harry podia ver os corredores se enchendo novamente e esperou que Hermione e Rony
apanhassem suas coisas por ele; estava preso onde estava até que a cabine se esvaziasse por completo.
Finalmente, com um último solavanco, o trem parou inteiramente. Goyle escancarou a porta e forçou
sua saída, empurrando com violência um grupo de alunos do segundo ano para o lado; Crabbe e
Zabini o seguiram.
– Você vai na frente – Malfoy disse a Pansy, que estava com a mão estendida, como se esperasse
que ele fosse segurá-la. – Eu só preciso checar uma coisa.
Pansy saiu. Agora Harry e Malfoy estavam sozinhos na cabine. As pessoas passavam por eles,
para desembarcar na plataforma escura. Malfoy andou até a porta do compartimento e fechou as
cortinas, de modo que quem passasse pelo corredor não o visse. Então inclinou-se sobre seu malão e
o abriu mais uma vez.
Harry espiou pela beirada do bagageiro, seu coração palpitando um pouco mais rápido. O que
Malfoy quisera esconder de Pansy? Harry estaria próximo de ver o tal misterioso objeto quebrado que
era tão importante ser consertado?
81
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Petrificus Totalus!
Sem aviso, Malfoy apontara sua varinha para Harry, que foi paralisado imediatamente. Como
se em câmera lenta, ele despencou do bagageiro e caiu aos pés de Malfoy, com uma pancada agonizante
de sacudir o chão, a capa da invisibilidade amassada sob ele, seu corpo inteiro revelado, suas pernas
ainda encolhidas absurdamente na posição de cócoras. Não podia mexer um músculo sequer; tudo o
que podia fazer era olhar para Malfoy, que sorriu abertamente.
– Achava que sim – disse, jubiloso. – Ouvi o malão de Goyle bater em você. E pensei ter visto
alguma coisa branca no ar depois que Zabini voltou. Seus olhos fitaram o tênis de Harry por um
momento. – Foi você bloqueando a porta quando Zabini entrou, suponho?
Ele considerou Harry por um momento.
– Você não escutou nada que me importe, Potter. Mas já que você está aqui...
E ele chutou com força o rosto de Harry. O garoto sentiu seu nariz quebrar; sangue voou ao
redor.
– Isso foi pelo meu pai. Agora, vamos ver...
Malfoy puxou a capa de sob o corpo imobilizado de Harry e a jogou por cima dele.
– Acho que não vão te achar antes do trem estar de volta a Londres – disse calmamente. – Te
vejo por aí, Potter... Ou não.
E tomando cuidado para pisar nos dedos de Harry, Malfoy deixou a cabine.
82
– CAPÍTULO 8 –
Snape Vitorioso
Harry não conseguia mover um músculo. Ele permaneceu debaixo da Capa de Invisibilidade
sentindo o sangue do seu nariz escorrer sobre sua face, quente e molhado, ouvindo as vozes e os
passos no corredor. Seu pensamento imediato era que alguém com certeza verificaria os
compartimentos antes que o trem partisse novamente. Mas logo veio a conclusão desanimadora que
mesmo que se alguém olhasse o compartimento, ele não seria nem visto ou ouvido. Sua melhor
esperança era que alguém mais entrasse e pisasse nele.
Harry jamais odiara Malfoy tanto quanto agora enquanto estava caído lá, como uma tartaruga
absurda virada para cima, sangue pingando asquerosamente dentro de sua boca aberta. Em que
situação idiota ele havia se metido... E agora os últimos sons de passos estavam desaparecendo;
todos estavam caminhando pela plataforma escura no lado de fora. Podia ouvir os malões sendo
arrastados e o barulho alto de conversas.
Rony e Hermione pensariam que ele tinha saído do trem sem eles. Quando chegassem a Hogwarts
e sentassem em seus lugares no Salão Principal, olhassem para cima e para baixo algumas vezes pela
mesa da Grifinória, e finalmente percebessem que não estava lá, ele, sem dúvidas, estaria na metade
do caminho de volta à Londres.
Tentou fazer algum som, mesmo um gemido, mas era impossível. Então se lembrou que alguns
bruxos, como Dumbledore, conseguiam executar feitiços sem falar, assim tentou trazer sua varinha,
que havia caído de sua mão, falando as palavras “Accio Varinha!” várias e várias vezes em sua mente,
mas nada aconteceu.
Achou que estava ouvindo o farfalhar das árvores que rodeavam o lago, e o distante som de
uma coruja, mas nenhum traço de uma busca sendo feita ou mesmo (desprezou a si mesmo por
desejar um pouco isso) vozes em pânico perguntando onde Harry Potter teria ido. Um sentimento de
desespero se espalhou por ele conforme imaginava o comboio de carruagens puxadas por testrálios
seguindo para a escola e as abafadas risadas saindo de qualquer que fosse a carruagem em que Malfoy
estava indo, onde ele estaria contando seu ataque contra Harry aos colegas da Sonserina.
O trem se moveu, fazendo com que Harry rolasse para o lado. Agora estava encarando o lado
empoeirado debaixo dos bancos ao invés do teto. O chão começou a vibrar conforme a locomotiva
ganhava vida. O Expresso estava indo embora e ninguém sabia que ele ainda estava nele...
Então sentiu sua Capa de Invisibilidade ser retirada e uma voz acima dizer:
– Opa, Harry. Beleza, hein?
Houve um flash de luz vermelha e o corpo de Harry descongelou; foi capaz de se sentar em
uma posição mais digna, limpando o sangue rapidamente do seu rosto machucado com as costas da
mão, e levantou a cabeça para ver Tonks, que estava segurando a Capa de Invisibilidade que tinha
acabado de retirar.
– É melhor nós sairmos daqui, depressa – ela disse, enquanto as janelas do trem escureciam
com vapor e eles começavam a sair da estação – Venha, vamos pular.
83
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Harry seguiu apressado atrás dela pelo corredor. Tonks abriu a porta do trem e pulou na
plataforma, que parecia estar deslizando abaixo deles conforme o trem aumentava a velocidade.
Harry a seguiu, perdendo um pouco o equilíbrio na aterrissagem, então se endireitou a tempo de ver
a locomotiva a vapor vermelha brilhante pegar velocidade, fazer a curva e desaparecer de vista.
O ar gelado da noite estava acalmando seu nariz pulsante. Tonks o olhava: sentiu raiva e
vergonha por ter sido achado em posição tão ridícula. Silenciosamente ela lhe devolveu a Capa de
Invisibilidade.
– Quem fez isso?
– Draco Malfoy – Harry disse amargamente – Obrigado por... Bem...
– Sem problemas – disse Tonks, sem sorrir. Pelo que Harry podia ver na escuridão, ela ainda
estava com o cabelo cor-de-rato e com a aparência infeliz tal qual quando ele a encontrara n’A Toca.
– Eu posso arrumar seu nariz se você ficar parado.
Harry não gostou muito da idéia; tinha intenção de visitar Madame Pomfrey, a enfermeira, em
quem possuía um pouco mais de confiança quando se tratava de Feitiços de Cura, mas parecia rude
dizer isso, então ficou parado e fechou seus olhos.
– Episkey – disse Tonks.
O nariz de Harry ficou muito quente, e então muito frio. Ergueu uma mão e o sentiu com
cuidado. Parecia ter sido reparado.
– Muito obrigado!
– É melhor você colocar essa capa de volta, e então podemos ir para a escola – disse Tonks,
ainda sem sorrir.
Enquanto Harry colocou a capa por cima de si, ela balançou a varinha; uma enorme criatura de
quatro pernas saiu dela e correu para dentro da escuridão.
– Aquilo foi um Patrono? – perguntou Harry, que havia visto Dumbledore mandar mensagens
daquela forma antes.
– Sim, eu estou mandando um recado para o castelo avisando que eu o peguei ou eles vão se
preocupar. Vamos, melhor não perder tempo.
Eles seguiram através da alameda que dava na escola.
– Como você me encontrou?
– Eu percebi que você não tinha saído do trem e sabia que tinha essa capa. Pensei que você
estava se escondendo por alguma razão. Quando vi que as cortinas estavam fechadas naquele
compartimento resolvi verificar.
– Mas o que você está fazendo aqui? – Harry perguntou.
– Fui designada para Hogsmeade agora, para dar proteção extra para a escola – disse Tonks.
– Só você está aqui ou...
– Não, Proudfoot, Savage e Dawlish estão aqui também.
– Dawlish, aquele Auror que Dumbledore atacou ano passado?
– Isso mesmo.
Eles andaram com dificuldade pela alameda escura e deserta, seguindo a trilha recente das
carruagens. Harry olhou Tonks de lado debaixo de sua capa. Ano passado ela havia sido curiosa (ao
ponto de ser um pouco irritante algumas vezes), ria com facilidade, fazia piadas. Agora parecia mais
velha e muito mais séria e decidida. Tudo isso seria efeito do que acontecera no Ministério? Ele
pensou embaraçado que Hermione provavelmente teria sugerido que dissesse alguma coisa para
consolá-la sobre Sirius, que não havia sido sua culpa, mas ele não conseguia. Estava longe de culpála pela morte de Sirius; não era mais culpa dela do que de qualquer outra pessoa (e muito menos que
dele), mas preferiria não falar sobre Sirius se pudesse evitar. E então eles caminharam através do frio
da noite em silêncio, a longa capa de Tonks sussurrando ao chão atrás deles.
Sempre tendo ido para lá de carruagem, Harry nunca antes percebera o quanto Hogwarts era
longe da Estação de Hogsmeade. Com grande alívio ele finalmente viu os pilares altos dos dois lados
dos portões, cada um encimado por um javali alado. Ele estava com frio, com fome e muito ansioso
84
Capítulo 8 – Snape vitorioso
em deixar essa nova e deprimida Tonks para trás. Mas quando estendeu a mão para abrir os portões,
os encontrou fechados com cadeados.
– Alorromora! – disse confiante, apontando sua varinha para o cadeado, mas nada aconteceu.
– Isso não vai funcionar nesses – disse Tonks. – O próprio Dumbledore os enfeitiçou.
Harry olhou a sua volta.
– Eu posso escalar a parede – sugeriu.
– Não, você não pode – disse Tonks direta. – Há Azarações anti-invasores em todas elas. A
segurança foi aumentada cem vezes este verão.
– Bem, então – disse Harry, começando a ficar irritado com a falta de ajuda dela. – Suponho
que vou ter que dormir aqui fora e esperar até de manhã.
– Alguém está vindo te buscar – disse Tonks. – Olhe.
Uma lanterna estava surgindo vinda do distante castelo. Harry estava tão contente em vê-la
que até poderia agüentar os comentários asmáticos de Filch por seu atraso e os discursos sobre como
sua pontualidade iria melhorar com a aplicação de anjinhos* em seus dedos. Foi apenas quando a luz
brilhante amarela estava a três metros deles, e ele havia retirado sua Capa de Invisibilidade para ver
melhor, que reconheceu, com incrível desgosto, o nariz de gancho arrogante e o longo e gorduroso
cabelo de Severo Snape.
– Ora, ora, ora – zombou Snape, retirando sua varinha e batendo de leve no cadeado uma vez,
fazendo com que as correntes contorcessem para trás e os portões se abrissem – Gentil da sua parte
aparecer, Potter, apesar de que você evidentemente decidiu que vestir o uniforme da escola seria
ruim para sua aparência.
– Eu não pude me trocar, não tinha minha... – Harry começou, mas Snape o interrompeu
bruscamente.
– Não há necessidade de esperar, Ninfadora, Potter está bem...ah... a salvo em minhas mãos.
– Eu enviei a mensagem para o Hagrid – disse Tonks, franzindo a testa.
– Hagrid estava atrasado para a festa de início do ano, como Potter aqui, então eu a recebi. E,
por acaso, – disse Snape, recuando para deixar que Harry passasse por ele – Eu estava interessado em
ver seu novo Patrono...
Ele fechou os portões na cara de Tonks com um som estridente e bateu nas correntes com sua
varinha mais uma vez, as fazendo deslizar, tinindo, de volta ao seu lugar.
– ... mas acho que você estava melhor com o antigo – disse Snape, a malícia clara em sua voz.
– O novo parece fraco.
Enquanto Snape balançava a lanterna, Harry viu rapidamente, um olhar de choque e ira no
rosto de Tonks. Logo ela estava coberta pela escuridão novamente.
– Boa noite – Harry lhe exclamou por cima de seu ombro, ao começar a se dirigir à escola com
Snape – Obrigado por... Tudo.
– Até mais, Harry.
Snape não falou nada por um minuto ou dois. Harry sentia-se como se seu corpo estivesse
gerando ondas de ódio tão poderosas que parecia incrível que Snape não as pudesse sentir o queimando.
Ele detestara Snape desde seu primeiro encontro, mas Snape havia perdido para sempre e sem volta
a possibilidade de conseguir o perdão de Harry por sua atitude com Sirius. Independente do que
Dumbledore havia dito, Harry tinha tido tempo para pensar sobre o assunto durante o verão e havia
concluído que seus comentários maliciosos para Sirius sobre se esconder em segurança enquanto o
resto da Ordem da Fênix estava combatendo Voldemort provavelmente haviam sido um fator poderoso
para levar Sirius a correr para o Ministério na noite que morrera. Harry se agarrou àquela noção
porque lhe permitia culpar Snape, o que lhe dava muita satisfação, e também porque sabia que se
alguém não estava triste pela morte de Sirius, era o homem que estava agora caminhando ao seu lado
na escuridão.
* Não, não, esses anjinhos não tem nada de barrocos, pode acreditar: segundo a definição do Aurélio, são “anéis de ferro com que se prendiam e
apertavam os dedos de criminosos”. Um instrumento de tortura. (N.T.)
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Cinqüenta pontos menos para a Grifinória pelo atraso, acredito – disse Snape. – E, vejamos,
menos vinte por seus trajes trouxas. Sabe, eu não acredito que nenhuma Casa jamais começou com
pontuação negativa tão cedo. E o pudim ainda nem foi servido. Deve ser um novo recorde, Potter.
A fúria e o ódio que estavam borbulhando dentro de Harry pareciam inflamar em chamas, mas
ele preferiria continuar imobilizado todo o caminho de volta para Londres do que contar a Snape
porque estava atrasado.
– Suponho que você queria fazer uma entrada especial, não é mesmo? – Snape continuou. –
Sem carro voador disponível, decidiu que aparecer no Salão Principal no meio do banquete criaria
um efeito dramático.
Ainda assim Harry continuou sem falar nada, apesar de achar que seu peito iria explodir. Sabia
que Snape havia ido buscá-lo por isso, pelos poucos minutos quando poderia irritar e atormentar
Harry sem mais ninguém ouvindo.
Eles chegaram aos degraus do castelo finalmente e quando as grandes portas de carvalho da
frente se abriram para o vasto saguão de entrada cheio de bandeiras, uma explosão de conversas e
risadas e de barulho de pratos e copos os receberam através das portas abertas do Salão Principal.
Harry se perguntou se poderia colocar de volta rapidamente sua Capa de Invisibilidade, assim
conseguindo chegar ao seu lugar na longa mesa da Grifinória (que inconvenientemente era a mais
distante do saguão de entrada) sem ser visto. Mas como se ele lesse a mente de Harry, Snape disse:
– Nada de capa. Você pode entrar de maneira que todos o vejam, o que era o que você queria,
tenho certeza.
Harry virou imediatamente e marchou direto através das portas abertas, qualquer coisa para
ficar longe de Snape. O Salão Principal com suas quatro mesas longas das Casas e a mesa dos professores
colocada na extremidade da sala, estava decorados com as velas flutuantes de sempre que faziam
com que os pratos abaixo reluzissem e brilhassem. Mas era apenas um borrão de luz pálida para
Harry, que andou tão rápido que estava já na mesa da Lufa-lufa quando pessoas começaram realmente
a fitá-lo, e quando já estavam de pé para melhor vê-lo, ele havia encontrado Rony e Hermione,
corrido entre os bancos em direção a eles e forçou sua entrada entre os dois.
– Onde você... Caramba, o que aconteceu com sua cara? – disse Rony, arregalando os olhos e
o encarando assim como todos por perto.
– Por quê? O que há de errado com ela? – disse Harry, pegando uma colher e olhando sua
reflexão distorcida.
– Você está coberto de sangue! – disse Hermione. – Venha cá.
Ela levantou sua varinha, disse “Tergeo!” e desapareceu com o sangue seco.
– Obrigado – disse Harry, sentindo sua face agora limpa. – Como meu nariz está?
– Normal – disse Hermione preocupada. – Por que não deveria estar? Harry, o que aconteceu?
Ficamos preocupados!
– Eu conto depois – disse Harry rapidamente.
Ele estava bem ciente que Gina, Neville, Dino e Simas estavam ouvindo; até Nick QuaseSem-Cabeça, o fantasma da Grifinória, havia flutuado até o banco para escutar.
– Mas... – disse Hermione
– Agora não, Hermione – disse Harry, enfático.
Tinha esperanças que todos concluíssem que ele estivera envolvido em algo heróico, de
preferência envolvendo alguns Comensais e um dementador. Claro, Malfoy espalharia a história para
todos que conseguisse, mas sempre havia a chance de que não chegasse a muitos ouvidos na Grifinória.
Passou por Rony para pegar duas coxas de frango e um pouco de batatas, mas antes que pudesse
pegá-las, elas desapareceram, dando lugar aos pudins.
– Você perdeu a Seleção – disse Hermione, enquanto Rony cortava um grande bolo de chocolate.
– O chapéu disse algo interessante? – perguntou Harry, pegando um pedaço de torta de caramelo.
– O mesmo do ano passado, na verdade... Aconselhando todos a se unirem contra o inimigo
em comum, sabe.
86
Capítulo 8 – Snape vitorioso
– Dumbledore mencionou Voldemort?
– Ainda não, mas ele sempre deixa seu discurso mais importante para depois do banquete, não
é mesmo? Não vai demorar agora.
– Snape disse que Hagrid estava atrasado para o banquete.
– Você viu o Snape? Quando? – disse Rony entre mordidas frenéticas de bolo.
– Encontrei com ele – disse Harry evasivo.
– Hagrid estava só alguns minutos atrasado – disse Hermione. – Olha, ele está acenado para
você, Harry.
Harry olhou na direção da mesa dos professores e sorriu para Hagrid, que realmente estava
acenado para ele. Hagrid nunca conseguira se comportar com a dignidade da Professora McGonagall,
diretora da Grifinória, cujo topo da cabeça chegava a alguma altura entre o cotovelo de Hagrid e seu
ombro já que estavam sentados lado a lado, e que estava desaprovando com seu olhar o cumprimento
entusiástico do colega. Harry ficou surpreso em ver a professora de Adivinhação, Professora Trelawney,
sentada do outro lado de Hagrid; ela raramente saía de seu quarto na torre, e ele nunca a havia visto
no banquete de início de ano antes. Ela estava estranha como sempre, reluzindo com seus colares e
xales, seus olhos aumentados para um tamanho enorme pelos seus óculos. Sempre tendo a considerado
uma fraude, Harry ficou surpreso ao descobrir no fim do ano anterior que havia sido ela quem tinha
feito a predição que levou Lord Voldemort a matar os pais de Harry e o atacar. O conhecimento o fez
menos ansioso ainda por estar na companhia dela, mas felizmente este ano ele estaria largando
Adivinhação. Os olhos luminosos como faróis rodaram em sua direção; ele olhou para a direção da
mesa da Sonserina depressa. Draco Malfoy estava imitando o barulho de um nariz quebrando o que
causou risadas e aplausos. Harry abaixou o olhar para sua torta de caramelo, suas entranhas queimando
novamente. O que ele daria para lutar com Malfoy frente a frente...
– Então, o que o professor Slughorn queria? – Hermione perguntou.
– Queria saber o que realmente aconteceu no Ministério – disse Harry.
– Ele e todo mundo aqui – fungou Hermione. – As pessoas estavam nos interrogando sobre
isso no trem, não é mesmo, Rony?
– É – disse Rony. – Todos querendo saber se você era mesmo “O Escolhido”.
– Mesmo entre os fantasmas há muitas conversas sobre esse assunto – interrompeu Nick QuaseSem-Cabeça, inclinando sua cabeça quase solta na direção de Harry fazendo com que balançasse
perigosamente em seu colarinho. – Eu sou considerado um tipo de autoridade em assuntos Potter; é
plenamente conhecido que somos amigos. Porém, garanti à comunidade fantasma que eu não o
perturbarei para conseguir informações. “Harry Potter sabe que pode confiar em mim com completa
confiança” eu disse a eles. “Eu preferiria morrer a quebrar sua confiança”.
– O que não quer dizer nada, afinal, você já está morto – Rony observou.
– Mais uma vez, você mostrou o nível de delicadeza de um machado com lâmina cega – disse
Nick Quase-Sem-Cabeça em um tom ofendido, e então ele flutuou para cima e deslizou para o lado
mais distante da mesa da Grifinória no mesmo momento em que Dumbledore se levantou na mesa
dos professores. As conversas e risadas que ecoavam pelo salão morreram quase instantaneamente.
– As melhores das noites a vocês! – ele disse, sorrindo largamente, seus braços abertos como se
ele pretendesse abraçar o salão inteiro.
– O que aconteceu com a mão dele? – perguntou Hermione preocupada.
Ela não foi a única que percebeu. A mão direita de Dumbledore estava tão escura e de aparência
morta como na noite em que ele fora buscar Harry nos Dursleys. Murmúrios se espalharam pelo
salão, e Dumbledore, interpretando-os corretamente, apenas sorriu e jogou sua manga roxa e dourada
por cima do ferimento.
– Nada para se preocupar – ele disse levemente. – Agora... Para os nossos novos estudantes:
bem-vindos, para nossos antigos: bem-vindos de volta! Outro ano cheio de educação mágica os
espera...
87
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– A mão dele estava assim quando eu o vi durante o verão – Harry sussurrou para Hermione.
– Eu pensei que ele já a teria curado... Ou Madame Pomfrey.
– Parece que está morta – disse Hermione, com uma expressão nauseada. – Mas há alguns
ferimentos que não podemos curar... Maldições antigas e há venenos sem antídotos...
– ...E o Sr.Filch, nosso zelador, pediu-me para que avisasse que quaisquer itens de logro
comprados na loja Gemialidades Weasley estão banidos.
– Aqueles interessados em jogar nos times de Quadribol de suas Casas devem dar seus nomes
para os diretores de suas casas, como sempre. Estamos também procurando por novos comentaristas
de Quadribol, que deverão fazer o mesmo.
– Estamos muito felizes em dar boas vindas a um membro novo de nosso corpo docente este
ano, Professor Slughorn... – Slughorn se levantou, sua cabeça careca brilhando à luz de velas, sua
grande barriga fazendo sombra na mesa. – ... É um velho colega meu que aceitou voltar ao seu antigo
cargo de mestre de poções.
– Poções?
– Poções?
A palavra ecoou por todo Salão, pessoas se perguntando se haviam ouvido direito.
– Poções? – disseram Rony e Hermione juntos, virando para encarar Harry. – Mas você disse...
– Professor Snape, enquanto isso – disse Dumbledore, levantando sua voz para que fosse
escutado acima de todos os murmúrios. – ...Lecionará como professor de Defesa Contra as Artes das
Trevas.
– Não! – disse Harry, tão alto que muitas cabeças se viraram em sua direção. Ele não se importou;
estava olhando para a mesa dos professores, irado. Como Snape conseguiu o posto de professor de
Defesa Contra as Artes das Trevas depois de todo aquele tempo? Não era conhecimento geral por
anos que Dumbledore não confiava nele para o posto?
– Mas Harry, você disse que Slughorn ia ensinar Defesa Contra as Artes das Trevas! – disse
Hermione.
– Achei que ele ia! – disse Harry, quebrando a cabeça para lembrar quando Dumbledore tinha
lhe dito isso, mas agora que ele pensava no assunto, não conseguia lembrar Dumbledore dizendo o
que Slughorn iria ensinar.
Snape, que estava sentado à direita de Dumbledore, não se levantou quando seu nome foi
mencionado; apenas ergueu uma mão em reconhecimento aos aplausos vindos da mesa da Sonserina,
no entanto Harry tinha certeza que podia ver um olhar de triunfo no rosto que detestava tanto.
– Bem, tem uma coisa boa em tudo isso – disse brutalmente. – Snape terá partido no final
desse ano.
– O que você quer dizer? – perguntou Rony.
– O emprego está amaldiçoado. Ninguém dura mais que um ano... Quirrel até morreu...
Pessoalmente estou cruzando os dedos para uma outra morte...
– Harry! – disse Hermione, chocada, cheia de repreensão.
– Ele pode só voltar a ensinar Poções no final do ano – ponderou Rony. – Esse tal de Slughorn
pode não querer ficar muito tempo. Moody não quis.
Dumbledore limpou a garganta. Harry, Rony e Hermione não eram os únicos que estavam
falando; o Salão inteiro explodiu com zumbidos de conversa com a notícia de que Snape finalmente
tinha realizado seu desejo. Parecendo ignorante da natureza surpreendente da notícia que acabara de
transmitir, Dumbledore não disse mais nada sobre o corpo docente, mas esperou alguns segundos
para garantir que o silêncio fosse absoluto antes de continuar.
– Agora, como todos nesse Salão sabem, Lord Voldemort e seus seguidores estão mais uma vez
à solta e ganhando força.
O silêncio pareceu se tornar mais tenso e estressante enquanto Dumbledore falava. Harry
olhou para Malfoy. Ele não estava olhando para Dumbledore, mas flutuando seu garfo com sua
varinha, como se achasse as palavras do diretor desmerecedoras de sua atenção.
88
Capítulo 8 – Snape vitorioso
– Não posso enfatizar mais o quão perigosa a situação atual é e o cuidado que cada um de nós
em Hogwarts deve tomar para termos certeza que continuemos a salvo. As fortificações mágicas do
castelo foram reforçadas durante o verão, nós estamos protegidos por novos e mais poderosos modos,
mas devemos ainda ter extrema cautela contra falta de cuidado da parte de qualquer estudante ou
membro do corpo docente. Eu peço a vocês, portanto, que sigam quaisquer restrições de segurança
que seus professores possam lhes impor, não importando o quanto elas pareçam incômodas, em
particular a regra de que ninguém deva estar fora de suas casas tarde da noite. Eu imploro a vocês
que caso notem qualquer coisa estranha ou suspeita dentro ou fora do castelo, informem qualquer
professor imediatamente. Confio que vocês se comportarão, sempre, com a máxima atenção no que
diz respeito a suas próprias seguranças e dos outros.
Os olhos azuis de Dumbledore correram pelos estudantes antes que ele sorrisse mais uma vez.
– Mas agora, suas camas os esperam, tão quentes e confortáveis como vocês possam desejar, e
sei que a sua prioridade maior é estarem descansados para suas aulas amanhã. Então vamos dizer boa
noite. Pip pip!
Com os rangidos de sempre, os bancos recuaram e centenas de estudantes começaram a sair do
Salão Principal em direção a seus dormitórios. Harry, que não tinha nenhuma pressa em ir embora
com a multidão, nem se aproximar de Malfoy o bastante para que contasse sua história da quebra do
nariz, ficou para trás, fingindo amarrar o cadarço de seu tênis, deixando a maioria dos alunos da
Grifinória passar a sua frente. Hermione correu para cumprir suas obrigações de monitora e encaminhar
os alunos do primeiro ano, mas Rony permaneceu com Harry.
– O que realmente aconteceu com seu nariz? – ele perguntou, assim que estavam bem atrás da
multidão saindo do Salão, e fora do alcance dos ouvidos de todos.
Harry contou. Rony não riu, o que foi uma prova da força da amizade dos dois.
– Eu vi Malfoy imitando alguma coisa que tinha a ver com um nariz – disse, sério.
– É, bem, deixa isso para lá – disse Harry amargamente. – Deixa eu contar o que ele estava
dizendo antes de descobrir que eu estava lá...
Harry esperava que Rony ficasse chocado com Malfoy se gabando. No entanto, com o que
Harry considerou pura teimosia, Rony não ficou impressionado.
– Ah vai, Harry, ele só estava se mostrando para a Parkinson. Que tipo de missão Você-SabeQuem poderia ter dado para ele?
– Como você sabe se Voldemort não precisa de alguém dentro de Hogwarts? Não seria a
primeira vez...
– Preferia que você parasse de dizer esse nome, Harry – disse uma voz de censura atrás deles.
Harry olhou por cima de seu ombro e viu Hagrid balançando sua cabeça.
– Dumbledore chama ele assim – Harry disse, teimoso.
– É, mas ele é o Dumbledore, né? – disse Hagrid misteriosamente. – Por que você se atrasou,
Harry? Fiquei preocupado.
– Tive um problema no trem – disse Harry. – Por que você se atrasou?
– ‘Tava com Grope – disse Hagrid, feliz. – Perdi a noção do tempo. Ele tem agora uma nova
casa nas montanhas, Dumbledore arranjou uma caverna bem grande. Está muito mais feliz do que
estava na floresta. A gente ‘tava tendo uma boa conversa.
– Verdade? – disse Harry, tomando cuidado para não olhar para Rony.
A última vez que encontrou com o meio-irmão de Hagrid, um gigante cruel com talento para
arrancar árvores com as raízes, seu vocabulário consistia em cinco palavras, duas das quais ele era
incapaz de pronunciar corretamente.
– É sim, ele ‘tá melhorando muito – disse Hagrid com orgulho. – Você vai ficar impressionado.
Estou pensando em treinar ele para ser meu assistente.
Rony deixou escapar uma risada alta, mas conseguiu disfarçar como um espirro violento. Estavam
parados agora ao lado da porta da frente.
– Bem, eu vejo vocês amanhã, primeira aula logo depois do almoço. Venham cedo para dar um
olá para Bicu... Quer dizer, Witherwings.
89
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Erguendo o braço em uma despedida animada, ele saiu pelas portas para dentro da escuridão.
Harry e Rony se entreolharam. Harry podia ver que Rony estava com a mesma sensação ruim que ele.
– Você não vai fazer Trato de Criaturas Mágicas, vai?
Rony balançou a cabeça negativamente.
– E você também não?
Harry fez o mesmo.
– E Hermione – disse Rony. – Ela não vai, vai?
Harry balançou a cabeça mais uma vez. O que exatamente Hagrid diria quando percebesse que
seus três alunos favoritos tinham desistido de sua matéria, ele não queria imaginar.
90
– CAPÍTULO 9 –
O Príncipe Mestiço
Harry e Rony se encontraram com Hermione no Salão Comunal antes do café da manhã no dia
seguinte. Com esperanças de obter algum apoio à sua teoria, Harry não perdeu tempo para contar a
Hermione tudo o que ele ouvira Malfoy dizer no Expresso de Hogwarts.
– Mas é claro que ele estava só querendo se mostrar para a Parkinson, não? – perguntou Rony
rapidamente, antes que Hermione pudesse dizer qualquer coisa.
– Bom – ela disse sem muita convicção – eu não sei... É bem a cara do Malfoy ficar dando uma
de importante. Mas essa seria uma mentira muito grande para se espalhar...
– Exatamente – disse Harry, mas ele não podia continuar o assunto, uma vez que muitas
pessoas estavam tentando ouvir sua conversa, sem mencionar as que o olhavam fixamente e
cochichavam por trás de suas mãos.
– É feio apontar para os outros – Rony ralhou com um primeiranista particularmente minúsculo
enquanto eles se juntavam à fila que se formava para sair pelo buraco do retrato. O garoto, que
estivera sussurrando por trás de sua mão algo a respeito de Harry para seu amigo, imediatamente se
ruborizou e tropeçou ao sair do buraco, alarmado. Rony deu uma risadinha
– Eu adoro estar no sexto ano. E nós vamos ter bastante tempo livre este ano. Períodos inteiros
em que podemos simplesmente sentar e relaxar.
– Nós vamos precisar deste tempo para estudar, Rony! – disse Hermione ao caminharem em
direção ao corredor.
– É, mas não hoje – disse Rony – Acho que hoje vai ser uma moleza.
– Parado! – disse Hermione, estendendo o braço e fazendo parar um quartanista que tentava
passar por ela com um disco verde-limão seguro firmemente nas mãos. – Frisbees dentados estão
banidos, passe para cá – ela falou com firmeza. O menino, fazendo uma careta, entregou o Frisbee
rosnante, passou por baixo do braço dela e foi embora junto com seus amigos. Rony esperou que ele
sumisse, e então puxou o Frisbee das mãos de Hermione.
– Ótimo. Eu sempre quis um desses.
A objeção de Hermione foi abafada por uma risada alta; Lilá Brown aparentemente tinha
achado o comentário de Rony muito divertido. Ela continuou a rir ao passar por eles, olhando para
Rony por cima de seu ombro. Rony parecia bastante satisfeito consigo mesmo.
O teto do Salão Principal estava num azul sereno, cortado por finas e delicadas nuvens,
exatamente como os quadrados de céu visíveis através das vidraças das altas janelas. Enquanto eles
se empanturravam com mingau, ovos e bacon, Harry e Rony contaram a Hermione sobre a conversa
embaraçosa com Hagrid na noite anterior.
– Mas ele não pode realmente achar que nós continuaríamos Trato de Criaturas Mágicas! – ela
disse, parecendo angustiada – quer dizer, quando foi que algum de nós demonstrou... assim... algum
entusiasmo?
– É assim, então, né? – disse Rony, engolindo um ovo frito inteiro – Nós éramos quem mais se
esforçava nas aulas porque gostamos do Hagrid. Mas ele acha que a gente gostava daquela matéria
boba. Vocês acham que alguém vai seguir para o N.I.E.M.?
91
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Nem Harry nem Hermione responderam; não havia necessidade. Eles sabiam perfeitamente
bem que ninguém da sua turma iria querer continuar Trato de Criaturas Mágicas. Eles evitaram o
olhar de Hagrid e acenaram de volta sem muito entusiasmo quando ele deixou a mesa dos professores
dez minutos depois.
Depois de terem comido, eles permaneceram em seus lugares, esperando que a Professora
McGonagall descesse da mesa dos professores. A distribuição dos horários das aulas foi mais
complicada do que o normal este ano, pois a Professora McGonagall primeiro precisava confirmar
que todos haviam obtido as pontuações necessárias nos N.O.M.s para prosseguirem com seus N.I.E.M.s
escolhidos.
Hermione foi imediatamente autorizada a continuar com Feitiços, Defesa Contra as Artes das
Trevas, Transfiguração. Herbologia, Aritmancia, Runas Antigas, e Poções, e correu para uma primeira
aula, de Runas Antigas sem mais delongas. O caso de Neville demorou um pouco mais para ser
resolvido; sua cara redonda se mostrava ansiosa enquanto a Professora McGonagall olhava seu pedido
de matrícula e consultava seus resultados dos N.O.M.s.
– Sem problemas com Herbologia – ela disse – A Professora Sprout ficará encantada ao revêlo com um N.O.M. “Ótimo”. E você está qualificado para Defesa Contra as Artes das Trevas com
“Excede Expectativas”. Mas o problema é Transfiguração. Desculpe-me, Longbottom, mas um
“Aceitável” realmente não é bom o bastante para você prosseguir para o nível N.I.E.M. Não sinto
que você será capaz de se adaptar às exigências do curso.
Neville baixou a cabeça. Através de seus óculos quadrados, a Professora McGonagall o
observou.
– Por que é que você quer continuar com Transfiguração, afinal? Você nunca me pareceu gostar
particularmente da matéria.
Neville, parecendo muito infeliz, murmurou algo como “minha avó quer”.
– Hum – bufou a Professora McGonagall – Sua avó já deveria ter aprendido a se orgulhar do
neto que tem, e não daquele que ela acha que deveria ter. Particularmente depois do que aconteceu
no Ministério.
Neville ficou cor-de-rosa e começou a piscar confusamente. A Professora McGonagall nunca o
havia elogiado antes.
– Desculpe-me, Longbottom, mas eu não posso aceitá-lo na minha turma de N.I.E.M. Mas eu
vejo que você obteve um “Excede Expectativas” em Feitiços. Por que não tentar um N.I.E.M. em
Feitiços?
– Minha avó acha que Feitiços é para bobos – resmungou Neville.
– Estude Feitiços – disse a Professora McGonagall – e eu escreverei para Augusta para lembrarlhe que não é só porque ela não passou em Feitiços quando prestou o N.O.M., que a matéria é
necessariamente inútil.
Sorrindo levemente em resposta à expressão de deliciosa incredulidade no rosto de Neville, a
Professora McGonagall deu uma pancadinha com a ponta de sua varinha em um horário vazio e o
entregou, agora preenchido com os detalhes de suas novas aulas, a Neville.
A Professora McGonagall se virou então para Parvati Patil, cuja primeira pergunta foi se Firenze,
o belo centauro, ainda estava lecionando Adivinhação.
– Ele e a Professora Trelawney estão dividindo as turmas entre eles este ano – disse a Professora
McGonagall com um leve toque de desaprovação em sua voz; era notório o fato de que ela desprezava
Adivinhação – A Professora Trelawney ficará com o sexto ano.
Parvati se dirigiu à aula de Adivinhação cinco minutos depois, ligeiramente desapontada.
– Então, Potter, Potter... – disse a Professora McGonagall, consultando suas notas enquanto se
virava para Harry – Feitiços, Defesa Contra as Artes das Trevas, Herbologia, Transfiguração... tudo
certo. Devo dizer que fiquei muito satisfeita com sua nota em Transfiguração, Potter, muito satisfeita.
Agora, por que você não fez uma requisição para continuar com Poções? Eu pensei que você
ambicionasse se tornar um Auror?
92
Capítulo 9 – O Príncipe Mestiço
– Sim, mas a senhora me disse que eu precisava de um “Ótimo” no meu N.O.M., Professora.
– E você realmente precisava enquanto o Professor Snape lecionasse esta matéria. O Professor
Slughorn, entretanto, contenta-se perfeitamente com um “Excede Expectativas” no N.O.M. para
aceitar alunos em sua classe de N.I.E.M. Você deseja continuar com Poções?
– Sim – disse Harry – Mas não comprei os livros, nem os ingredientes, nem nada...
– Tenho certeza de que o Professor Slughorn poderá lhe emprestar o necessário – disse a
Professora McGonagall – Muito bem, Potter, aqui está o seu horário. Ah, aliás, vinte aspirantes já se
inscreveram para o time de quadribol da Grifinória. Passarei a lista a você mais tarde para que possa
agendar os treinos quando quiser.
Alguns minutos depois, Rony foi liberado para assistir às mesmas aulas que Harry, e os dois
deixaram a mesa juntos.
– Olhe – disse Rony, regozijando, ao olhar para seu quadro de horários – temos um período
livre agora... E um período livre depois do intervalo... e depois do almoço... maravilha.
Eles voltaram ao Salão Comunal, que estava vazio a não ser por meia-dúzia de alunos do
sétimo ano, incluindo Katie Bell, o único membro restante do time original de quadribol da Grifinória
do qual Harry fizera parte em seu primeiro ano.
– Eu achava mesmo que você ganharia isso, parabéns – ela disse, chamando Harry, apontando
para o distintivo de capitão em seu peito – Me avise quando você for fazer os testes para os jogadores.
– Deixe de ser boba – disse Harry – você não precisa de teste. Eu a vi jogar por cinco anos...
– Você não deve começar assim – ela replicou, avisando-o – Você pode saber de alguém muito
melhor do que eu por aí. Bons times já foram arruinados porque os capitães só jogaram com os
antigos, ou então colocaram os seus amigos para jogar...
Rony pareceu um pouco incomodado e começou a brincar com o Frisbee Dentado que Hermione
havia confiscado do aluno do quarto ano. Ele zuniu pelo Salão Comunal, rosnando e tentando morder
a tapeçaria. Os olhos amarelos de Bichento o seguiram, e o gato se eriçou quando ele chegou perto
demais.
Uma hora depois eles deixaram com relutância o ensolarado Salão Comunal e seguiram para a
sala de aula de Defesa Contra as Artes das Trevas quatro andares abaixo. Hermione já estava na fila
do lado de fora, cheia de livros nos braços e com a cara amarrada.
– Temos tanta lição de casa de Runas, – disse ansiosa quando Harry e Rony se juntaram a ela
– Uma redação de 40 centímetros, duas traduções, e tenho que ler tudo isso até quarta!
– Que droga – bocejou Rony.
– Vocês não perdem por esperar, – ela disse, ressentida – Aposto que o Snape vai dar um
montão.
A porta da sala abriu enquanto ela falava, e Snape, com sua cara de sempre, amarelada e
emoldurada por duas cortinas de cabelo negro gorduroso, pisou no corredor. A fila se calou
imediatamente.
– Para dentro – ele disse.
Harry olhou à sua volta enquanto eles entravam. Snape já havia imposto sua própria
personalidade à sala. Ela estava mais sombria do que o normal, pois cortinas haviam sido colocadas
nas janelas, e a iluminação era de velas. Novos quadros adornavam as paredes, muitos dos quais
retratando pessoas que pareciam estar sofrendo, ostentando ferimentos terríveis ou partes contorcidas
do corpo. Ninguém falou nada enquanto se dirigiam para seus lugares, olhando para as figuras sombrias
e repulsivas.
– Eu não pedi que pegassem seus livros – disse Snape, fechando a porta e indo para trás de sua
mesa para falar com a turma de frente; Hermione rapidamente largou sua cópia de Confrontando o
Impossível de Encarar de volta dentro de sua bolsa, que colocou sob sua cadeira. – Eu desejo falar
com vocês e quero sua mais profunda atenção.
Seus olhos negros passearam pelos rostos atentos dos alunos, demorando um pouco mais no de
Harry do que em qualquer outro.
93
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Vocês tiveram cinco professores desta matéria até o momento, creio eu.
Você crê... como se você não tivesse visto cada um deles ir e vir, com esperanças de que você
fosse o próximo, pensou Harry, mordaz.
– Naturalmente, esses professores todos tiveram seus próprios métodos e prioridades. Com
toda esta confusão, surpreendeu-me o fato de tantos de vocês conseguirem obter um N.O.M. nesta
matéria. Ficarei ainda mais surpreso se vocês todos conseguirem acompanhar o trabalho do N.I.E.M.,
que será muito mais avançado.
Snape se dirigiu ao canto da sala, falando agora em um tom de voz mais baixo. Os alunos
esticaram os pescoços para conseguirem vê-lo.
– As Artes das Trevas – continuou Snape – são muitas, variadas, em constante mutação, e
eternas. Combatê-las é como combater um monstro de muitas cabeças, o qual, cada vez que um
pescoço é atingido, faz brotar uma cabeça nova ainda mais feroz e inteligente do que antes. Você está
lutando contra aquilo que é incerto, mutante, indestrutível.
Harry olhou para Snape fixamente. Certamente uma coisa era respeitar as Artes das Trevas
como um inimigo perigoso, e outra era falar a seu respeito como Snape estava fazendo, demonstrando
carinho em sua voz?
– Suas defesas – disse Snape, um pouco mais alto – devem, portanto, ser tão flexíveis e inventivas
quanto as artes que vocês pretendem desfazer. Estas figuras – ele apontou para algumas ao caminhar
– são uma representação acurada do que acontece com aqueles que sofrem, por exemplo, a Maldição
Cruciatus – ele acenou para uma bruxa que estava claramente tremendo em agonia – que são beijados
por um dementador – um bruxo encolhido e de olhos inexpressivos, jogado contra uma parede – ou
provocam a agressão de um Inferi us – uma massa de sangue no chão.
– Então algum Inferi us já foi visto? – perguntou Parvati Patil numa voz aguda – Está confirmado
que ele os está usando?
– O Lord das Trevas usou Inferi no passado, – disse Snape – o que significa que vocês podem
supor que ele pode usá-los novamente. Agora...
Ele se dirigiu para o outro lado da sala em direção à sua mesa, e, novamente, os alunos o viram
passar com suas vestes negras enfunando atrás dele.
– ...Vocês, creio, são completamente inexperientes no uso de feitiços não-verbais. Qual é a
vantagem de se utilizar um feitiço não-verbal?
A mão de Hermione disparou para cima. Snape passou os olhos por todos os outros alunos,
sem pressa, para certificar-se que ele não tinha nenhuma outra opção antes de dizer secamente:
– Muito bem, Srta. Granger?
– O seu adversário não tem nenhum aviso de que tipo de magia você está prestes a executar –
disse Hermione, – o que lhe dá uma fração de segundo de vantagem.
– Uma resposta praticamente copiada palavra por palavra de O Livro Padrão de Feitiços (6a
série) – disse Snape, com repúdio (no outro lado da sala, Malfoy riu com escárnio) – mas correta no
essencial. Sim, aqueles que progridem no uso de magia sem gritar encantamentos ganham um elemento
de surpresa ao conjurar seus feitiços. Nem todos os bruxos podem fazer isso, obviamente; é uma
questão de concentração e poder da mente de que alguns – ele levou os olhos maldosamente a Harry
mais uma vez – carecem.
Harry sabia que Snape estava pensando nas suas lições desastrosas de Oclumência do ano
anterior. Ele se recusou a baixar os olhos, e olhou com raiva para Snape até que ele olhasse para outra
direção.
– Vocês agora vão se dividir – Snape continuou – em pares. Um de vocês tentará azarar o outro
sem falar. O outro tentará repelir a azaração também em silêncio. Comecem.
Apesar de Snape não saber, Harry havia ensinado pelo menos à metade da classe (todos aqueles
que foram membros da AD) como fazer um Feitiço Escudo no ano anterior. Porém, nenhum deles
tinha jamais feito o feitiço sem falar. Seguiu-se então uma quantidade razoável de trapaças; muitos
estavam apenas murmurando o encantamento em vez de dizê-lo em voz alta. Como sempre, com dez
94
Capítulo 9 – O Príncipe Mestiço
minutos de prática Hermione conseguiu repelir a Azaração das Pernas Bambas sussurrada de Neville
sem soltar nenhuma palavra, um feito que com certeza teria ganhado vinte pontos para a Grifinória
de qualquer professor justo, Harry pensou amargamente, mas que Snape ignorou. Ele circulou por
entre eles enquanto praticavam, tendo a mesma aparência de sempre de um morcego que crescera
demais, demorando-se para assistir Harry e Rony se esforçando na tarefa.
Rony, que deveria estar azarando Harry, estava com o rosto roxo, lábios comprimidos com
força tentando se resguardar da tentação de murmurar o encantamento. Harry estava com a varinha
erguida, ansioso para repelir uma azaração que parecia que não seria lançada nunca.
– Patético, Weasley – disse Snape, depois de um tempo. – Aqui, deixe-me mostrar-lhe...
Ele virou sua varinha para Harry tão rápido que Harry reagiu instintivamente; esquecendo-se
completamente dos feitiços não-verbais, ele berrou:
– Protego!
Seu Feitiço Escudo foi tão forte que fez Snape perder o equilíbrio e bater em uma carteira. A
turma toda olhara a sua volta e agora observava Snape se endireitar, franzindo a testa.
– Você se lembra que eu disse que nós praticaríamos feitiços não-verbais, Potter?
– Sim, – disse Harry duramente,
– Sim, senhor.
– Não precisa me chamar de senhor, Professor – as palavras pareciam ter escapado dele antes
que ele soubesse o que estava dizendo. Muitas pessoas engasgaram, incluindo Hermione. Atrás de
Snape, porém, Rony, Dino e Simas sorriam deliciados.
– Detenção sábado à noite na minha sala – disse Snape – Eu não aceito atrevimento da parte
de ninguém, Potter... Nem mesmo do “Escolhido”.
– Essa foi brilhante, Harry! – disse Rony, rindo, pouco depois, quando eles já estavam a salvo
no caminho para o intervalo.
– Você realmente não deveria ter dito isso – disse Hermione, franzindo as sobrancelhas para
Rony. – Por que você fez isso?
– Ele tentou me azarar, caso você não tenha notado! – respondeu Harry enfurecido, – Eu já
agüentei o suficiente durante aquelas aulas de Oclumência! Por que ele não usa uma outra cobaia só
para variar? E qual é a do Dumbledore, deixando o Snape dar aula de Defesa? Vocês ouviram como
ele falava das Artes das Trevas? Ele as adora! Toda aquela coisa de incerto, indestrutível...
– Bom, – disse Hermione – Eu achei que ele falou de um jeito parecido com o seu.
– Comigo?
– É, quando você estava contando para a gente como é estar cara a cara com Voldemort. Você
disse que não era simplesmente decorar um monte de feitiços, você disse que era só você, com a cara
e a coragem, quer dizer, não era isso que o Snape estava dizendo? Que o que realmente conta é ter
coragem e pensar rápido?
Harry estava tão desarmado por ela ter achado que suas palavras eram tão dignas de serem
decoradas quanto as do Livro Padrão de Feitiços que ele nem contra-argumentou.
– Harry! Ei, Harry!
Harry olhou em volta; Jack Sloper, um dos batedores do time de quadribol da Grifinória do ano
anterior, corria em sua direção com um rolo de pergaminho nas mãos.
– Para você – resfolegou Sloper – Escuta, eu ouvi falar que você é o novo capitão. Quando vão
ser os testes para o time?
– Eu ainda não sei – disse Harry pensando consigo mesmo que Sloper precisaria de muita sorte
para voltar ao time. – Eu te aviso.
– Ah, legal. Eu achava que seria neste fim-de-semana...
Mas Harry não estava escutando; ele tinha acabado de reconhecer a letra delicada e inclinada
no pergaminho. Abandonando Sloper no meio de sua frase, ele sumiu de lá com Rony e Hermione,
desenrolando o pergaminho ao caminhar.
95
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Caro Harry,
Eu gostaria de dar início às nossas aulas particulares neste sábado. Por favor venha à minha
sala às 20:00. Espero que esteja aproveitando seu primeiro dia de volta à escola.
Atenciosamente,
Alvo Dumbledore.
P.S. Eu gosto de Picolés Ácidos.
– Ele gosta de Picolés Ácidos? – disse Rony, que havia lido a mensagem por sobre o ombro de
Harry e estava perplexo.
– É a senha para passar pela gárgula fora da sala – disse Harry em voz baixa. – Rá, o Snape não
vai gostar... Não vou poder cumprir a detenção dele!
Ele, Rony e Hermione passaram o resto do intervalo especulando sobre o que Dumbledore iria
ensinar a Harry. Rony achava que provavelmente seriam azarações e pragas espetaculares do tipo
que os Comensais da Morte não conheceriam. Hermione disse que tais coisas eram ilegais, e achava
muito mais provável que Dumbledore quisesse ensinar a Harry magia defensiva avançada. Depois do
intervalo, ela foi para sua aula de Aritmancia enquanto Harry e Rony retornaram ao Salão Comunal
onde começaram a fazer a lição de casa de Snape com má vontade. A tarefa acabou se mostrando tão
complexa que eles ainda não tinham terminado quando Hermione se juntou a eles para seu período
livre depois do almoço (apesar de ela ter conseguido acelerar o processo consideravelmente). Eles
tinham acabado de terminar quando a campainha soou para a aula dupla de Poções à tarde, e eles
seguiram pelo caminho familiar em direção à sala de aula nas masmorras que, por tanto tempo, havia
pertencido a Snape.
Quando eles chegaram ao corredor, viram que só uma dúzia de pessoas estava avançando para
o nível N.I.E.M. Crabbe e Goyle evidentemente não tinham conseguido obter a nota mínima necessária
no N.O.M., mas quatro alunos da Sonserina haviam sido aprovados, inclusive Malfoy. Quatro alunos
da Corvinal estavam lá, e um da Lufa-Lufa, Ernesto Macmillan, de quem Harry gostava, apesar do
comportamento um pouco pedante.
– Harry – Ernesto falou portentosamente, estendendo a mão quando Harry se aproximou -,
não consegui falar com você em Defesa Contra as Artes das Trevas hoje de manhã. Achei que foi
uma boa aula, mas Feitiços Escudo não são nenhuma novidade para nós, antigos companheiros da
AD... E você, Rony, tudo certo? Hermione?
Antes que eles pudessem dizer algo mais do que “bem”, a porta da masmorra se abriu e a
barriga de Slughorn precedeu o dono pela porta. No que eles enchiam a sala, o seu grande bigode de
morsa curvou-se acima de seu sorriso, e ele cumprimentou Harry e Zabini com particular entusiasmo.
A masmorra já estava, incomumente, cheia de vapores e cheiros estranhos. Harry, Rony e
Hermione farejaram, cheios de interesse, ao passarem por caldeirões grandes e borbulhantes. Os
quatro da Sonserina ficaram juntos em uma mesa, assim como os quatro da Corvinal. Isso fez com
que Harry, Rony e Hermione dividissem uma mesa com Ernesto. Eles escolheram uma perto de um
caldeirão dourado que estava emitindo um dos aromas mais sedutores que Harry sentira em sua vida:
de alguma maneira, lembrava-lhe simultaneamente torta de caramelo, o cheiro amadeirado do cabo
de uma vassoura, e algo floral que ele pensava ter cheirado na Toca. Ele percebeu que estava respirando
lenta e profundamente, e que a fumaça da poção parecia estar preenchendo-o como uma bebida. Um
grande contentamento tomou conta dele; ele sorriu para Rony, que sorriu de volta preguiçosamente.
– Bem, bem, bem – disse Slughorn, cuja enorme silhueta trepidava no meio dos vários vapores
de luz trêmula. – balanças para fora, todos, kits de poções e não se esqueçam de suas cópias de
Preparo de Poções – Nível Avançado...
96
Capítulo 9 – O Príncipe Mestiço
– Senhor? – disse Harry, erguendo sua mão.
– Harry, meu garoto?
– Eu não tenho livro, ou balança ou qualquer outra coisa, nem o Rony. A gente não sabia que
poderia cursar o N.I.E.M., porque...
– Ah, sim, a Professora McGonagall mencionou... Não se preocupe, meu garoto, não se preocupe
de jeito nenhum. Vocês podem usar os ingredientes guardados no armário por hoje, e tenho certeza
de que podemos emprestar-lhes uma balança, e temos um pequeno estoque de livros antigos aqui
que vão servir até que vocês escrevam para a Floreios e Borrões...
Slughorn caminhou para um armário de canto e, depois de um pequeno saque, emergiu com
cópias muito velhas de Preparo de Poções – Nível Avançado, de Libatius Borage, que deu a Harry e Rony
junto com dois conjuntos de balanças desbotados.
– Bem – disse Slughorn, retornando à frente da sala e inflando o seu peito já tão protuberante
que os botões de seu colete ameaçavam rebentar – preparei algumas poções para vocês darem uma
olhada, apenas por interesse, sabem. Este é o tipo de coisa que vocês devem estar aptos a prepararem
depois de completarem seus N.I.E.M.s. Vocês já devem ter ouvido falar delas, se é que ainda não
prepararam. Alguém pode me dizer o que é esta daqui?
Ele indicou o caldeirão próximo à mesa da Sonserina. Harry ergueu-se levemente de seu lugar
e viu o que parecia ser simplesmente água fervendo.
A mão acostumada de Hermione levantou antes de qualquer outra, Slughorn apontou para ela.
– É Veritaserum, uma poção incolor e inodora que força quem bebe a falar a verdade – disse
Hermione.
– Muito bem, muito bem! – disse Slughorn contente – Agora – ele continuou, apontando para
o caldeirão próximo à mesa da Corvinal – este aqui é bastante conhecido... Tem aparecido em vários
panfletos do Ministério ultimamente... quem pode?
A mão de Hermione foi a mais rápida novamente.
– É a Poção Polissuco, senhor – ela disse.
Harry também reconhecera a substância parecida com lama, borbulhando lentamente no segundo
caldeirão, mas não ficou ressentido por Hermione levar o crédito por responder à pergunta; afinal, ela
é que havia tido êxito ao prepará-la, quando estavam no segundo ano.
– Excelente, excelente! Agora, esta daqui... sim, querida? – disse Slughorn, parecendo
ligeiramente divertido ao ver a mão de Hermione socar o ar mais uma vez.
– É Amortentia!
– E é isso mesmo. Parece até tolice perguntar – disse Slughorn, que parecia bastante
impressionado – mas eu suponho que você saiba o que ela faz?
– É a poção de amor mais potente do mundo! – disse Hermione.
– Você está certa! Reconheceu-a, suponho, pelo característico brilho madrepérola?
– E o vapor subindo em espirais típicos – disse Hermione entusiasmada – e ela deve ter um
aroma diferente para cada um de nós de acordo com aquilo que nos atrai, e eu posso sentir o cheiro
de grama recém-aparada e pergaminho novo e...
Mas ela ficou ligeiramente vermelha e não terminou a frase.
– Posso perguntar o seu nome, querida? – disse Slughorn, ignorando completamente o
acanhamento de Hermione.
– Hermione Granger, senhor.
– Granger? Granger? Você poderia ser da família de Hector Dagworth-Granger, que fundou a
Mais Extraordinária Sociedade de Preparadores de Poções?
– Não. Acho que não, senhor. Eu sou nascida trouxa.
Harry viu Malfoy se inclinar para Nott e cochichar algo; ambos deram uma risadinha, mas
Slughorn não se abateu; ao contrário, ele sorriu e olhou de Hermione para Harry, que estava ao seu
lado.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Ah! “Uma das minhas melhores amigas é nascida trouxa e ela é a melhor do nosso ano!”.
Suponho que esta seja a amiga de quem você me falou, não, Harry?
– Sim, senhor – disse Harry.
– Sim, sim, vinte pontos muito merecidos para a Grifinória, Srta. Granger – disse Slughorn
alegremente.
Malfoy fez uma cara parecida com a que tinha feito quando Hermione havia lhe dado um soco
no rosto. Hermione se virou para Harry com uma expressão radiante e sussurrou,
– Você realmente lhe disse que eu sou a melhor do nosso ano? Ah, Harry!
– Ué, e o que tem de novo nisso? – sussurrou Rony, que parecia incomodado por algum motivo
– Você é a melhor do ano. Eu teria dito a ele se ele tivesse me perguntado!
Hermione sorriu, mas fez um gesto de “shhh” para que pudessem ouvir o que Slughorn estava
dizendo. Rony pareceu um pouco aborrecido.
– Amortentia, claro, não cria amor de verdade. É impossível fabricar ou imitar amor. Não, ela
simplesmente criará uma paixão poderosa ou obsessão. É provavelmente a poção mais perigosa e
poderosa nesta sala, ah sim. – ele disse, balançando a cabeça gravemente para Malfoy e Nott, os
quais estavam ambos sorrindo com um sarcasmo cético. – Quando vocês já tiverem vivido tanto
quanto eu, não subestimarão o poder do amor obsessivo...
– E agora – disse Slughorn – é hora de começarmos a trabalhar.
– Professor, o senhor não disse o que tem neste daqui – comentou Ernesto MacMillan, apontando
para o pequeno caldeirão preto na mesa de Slughorn. A poção dentro dele se revirava alegremente;
era da cor de ouro derretido, e grandes gotas pulavam como peixes dourados até a superfície, mas
nenhuma partícula havia sido derramada.
– Ahá... – disse Slughorn novamente. Harry tinha certeza de que ele não havia esquecido a
poção, mas havia esperado até lhe perguntarem para causar um efeito dramático. – Sim. Aquela.
Bom, aquela lá, senhoras e senhores, é uma poçãozinha bastante curiosa chamada Felix Felicis . Eu
suponho – ele se virou, sorrindo, para Hermione, que havia ofegado audivelmente – que você saiba
o efeito de Felix Felicis , Srta. Granger.
– É sorte líquida – disse Hermione animada – Ela traz sorte!
A classe inteira pareceu sentar-se de maneira mais ereta. Agora, tudo o que Harry podia ver de
Malfoy era a parte de trás de sua cabeça loira, porque finalmente ele estava dando a Slughorn sua
atenção total e irrestrita.
– Perfeitamente, leve mais dez pontos para a Grifinória. Sim, Felix Felicis é uma poçãozinha
muito singular – disse Slughorn – Desesperadamente traiçoeira de se fazer e desastrosa, se errada.
Porém, se preparada da maneira correta, como esta foi, você verá que seus esforços tendem a ser um
sucesso... Pelo menos até que os efeitos cessem.
– Por que as pessoas não a tomam o tempo todo, senhor? – disse Terêncio Boot ansiosamente.
– Porque, se tomada em excesso, causa leviandade, negligência e uma perigosa auto-confiança
excessiva – disse Slughorn – É algo bom demais, entende... Altamente tóxica em grandes quantidades.
Mas se tomada frugalmente, e apenas esporadicamente...
– O senhor já a tomou, professor? – perguntou Miguel Corner com grande interesse.
– Duas vezes em minha vida – disse Slughorn. – Uma, quando eu tinha vinte e quatro anos, e
outra, quando tinha cinqüenta e sete. Duas colheres de sopa junto com o café da manhã. Dois dias
perfeitos.
Seus olhos se tornaram distantes, como se estivesse sonhando acordado. Se ele estava
simplesmente fingindo ou não, para Harry o efeito foi bom.
– E isso – disse Slughorn aparentemente voltando à Terra – é o que oferecerei como prêmio
nesta aula.
Houve um silêncio tal que cada borbulhar ou ruído das poções ao redor parecia dez vezes
maior.
98
Capítulo 9 – O Príncipe Mestiço
– Uma pequena garrafa de Felix Felicis – disse Slughorn, sacando uma minúscula garrafinha
com uma rolha de dentro de seu bolso e mostrando a todos – suficiente para boa sorte durante doze
horas. Do amanhecer ao entardecer, você terá sorte em tudo que tentar. Agora, devo avisá-los que
Felix Felicis é uma substância proibida em competições organizadas... eventos esportivos, por exemplo,
exames ou eleições. O vencedor, portanto, deve usá-la apenas em um dia comum... e ver como o dia
comum se transforma em extraordinário!
– Então – disse Slughorn, subitamente energético – como vocês ganharão este prêmio fabuloso?
Bem, abrindo exemplares de Preparo de Poções – Nível Avançado na página dez. Nós temos pouco mais
de uma hora de aula, o que deve ser suficiente para uma primeira tentativa decente da Poção do
Morto-Vivo. Eu sei que é mais complexa do que qualquer coisa que vocês já tentaram fazer até hoje,
e eu não espero uma poção perfeita de ninguém. Quem se sair melhor, entretanto, ganhará nosso
pequeno Felix aqui. Podem começar!
Ouviu-se um leve ruído dos caldeirões sendo colocados à frente dos alunos e alguns barulhos
metálicos altos no que eles começaram a colocar os pesos nas balanças, mas ninguém falou. A
concentração dentro da sala era quase tangível. Harry viu Malfoy folheando febrilmente seu exemplar
de Preparo de Poções – Nível Avançado. Não poderia ser mais óbvio que Malfoy realmente queria aquele
dia de sorte. Harry se inclinou sobre o velho livro que Slughorn lhe emprestara.
Para seu desgosto, ele viu que o dono anterior havia rabiscado por todas as páginas, de modo
que as margens estavam tão pretas quanto as partes impressas. Inclinando-se mais para decifrar os
ingredientes (até aqui, o dono anterior tinha feito anotações e riscado coisas), Harry correu para o
armário de ingredientes para pegar o que precisava. No que ele voltou para seu caldeirão, ele viu
Malfoy cortando raízes de valeriana o mais rápido possível.
Todos ficavam olhando em volta para ver o que o resto da turma estava fazendo; essa era tanto
a vantagem quanto a desvantagem de Poções: era difícil manter seu trabalho privado. Dentro de dez
minutos, o lugar todo estava tomado por um vapor azulado. Hermione, obviamente, parecia ser
quem mais havia progredido. Sua poção já parecia o “líquido suave cor de groselha-preta” mencionado
como o estágio intermediário ideal.
Depois de terminar de picar suas raízes, Harry se curvou em direção ao seu livro novamente.
Era realmente irritante ter que decifrar as instruções sob todos aqueles rabiscos estúpidos do dono
anterior, que, por algum motivo implicara com a ordem de cortar a vagem de sopophorus e escrevera
uma instrução alternativa:
Esmagar com o lado chato de uma adaga de prata solta mais sumo do que cortar.
– Senhor, acho que conheceu meu avô, Abraxas Malfoy?
Harry olhou para cima; Slughorn estava justamente passando pela mesa da Sonserina.
– Sim – disse Slughorn, sem olhar para Malfoy – Lamentei quando soube de sua morte, apesar
de não ser de todo inesperada. Varíola dragonina na sua idade...
E foi embora. Harry curvou-se sobre seu caldeirão, sorrindo maliciosamente. Ele tinha certeza
que Malfoy desejava ser tratado como ele ou Zabini; talvez até tivesse esperanças de receber um
tratamento especial do tipo que ele tinha se acostumado a esperar de Snape. Parecia que Malfoy teria
que contar apenas com o próprio talento para ganhar a garrafa de Felix Felicis.
A vagem sopophorus estava se mostrando muito difícil de cortar. Harry se voltou para Hermione.
– Posso pegar a sua faca de prata emprestada?
Ela fez que sim com a cabeça sem paciência, sem tirar os olhos de sua poção, que ainda estava
roxo-escuro, apesar de o livro dizer que já deveria estar ficando um tom claro de lilás.
Harry esmagou a vagem com o lato chato da faca. Para seu assombro, ela imediatamente liberou
tanto sumo que ele ficou boquiaberto por aquela vagem tão pequena ter contido tudo aquilo.
Ele colocou todo o conteúdo no caldeirão com pressa e viu, para sua surpresa, que a poção
imediatamente ficou no tom exato de lilás descrito pelo livro.
Sua irritação com o dono anterior desapareceu na hora, e Harry agora lia a próxima linha de
instruções. De acordo com o livro, ele deveria mexer em sentido anti-horário até que a poção ficasse
99
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
tão transparente quanto água. De acordo com a nota adicional do dono anterior, entretanto, ele
deveria adicionar uma mexida no sentido horário depois de sete no sentido anti-horário. Será que o
dono anterior estaria certo duas vezes?
Harry mexeu em sentido anti-horário, prendeu a respiração, e mexeu em sentido horário. O
efeito foi imediato. A poção ficou rosa pálido.
– Como você está fazendo isso? – perguntou Hermione, cujo rosto estava vermelho e cujo
cabelo estava ficando cada vez mais emaranhado pela fumaça de seu caldeirão; sua poção ainda
estava decididamente roxa.
– Adicione uma mexida em sentido horário...
– Não, não. O livro disse anti-horário – ela retrucou rispidamente.
Harry deu de ombros e continuou o que estava fazendo. Sete anti-horários, um horário, pausa...
sete anti-horários, um horário...
Do outro lado da mesa, Rony não parava de xingar; sua poção parecia alcaçuz líquido. Harry
deu uma olhada em volta. De acordo com o que conseguia ver, nenhuma outra poção estava tão
pálida quanto a sua. Ele se encheu de orgulho, algo que nunca tinha acontecido naquela masmorra
antes.
– E o tempo... acabou! – chamou Slughorn. – Parem de mexer, por favor!
Slughorn se moveu lentamente por entre as mesas, observando o conteúdo dos caldeirões. Ele
não fez nenhum comentário, mas ocasionalmente mexia ou cheirava as poções. Até que chegou à
mesa onde estavam sentados Harry, Rony, Hermione e Ernesto. Ele sorriu pesaroso para a substância
parecida com piche dentro do caldeirão de Rony. Ele passou pela mistura azul-marinho de Ernesto.
Balançou a cabeça em aprovação à poção de Hermione. E quando viu a de Harry, seu rosto se
encheu de uma alegria incrédula.
– O vencedor, sem dúvida! – Ele exclamou pela masmorra – Excelente, excelente, Harry! Meu
Deus, você claramente herdou o talento de sua mãe. A Lilian realmente tinha uma mão maravilhosa
para poções! Aqui está, então, para você: uma garrafa de Felix Felicis , como prometido, e faça bom
uso!
Harry deslizou a pequenina garrafa de líquido dourado para seu bolso interno, sentindo uma
estranha combinação de deleite pelas caras furiosas dos membros da Sonserina e culpa pela expressão
desapontada de Hermione. Rony estava simplesmente estupefato.
– Como você fez aquilo? – ele sussurrou para Harry no que eles estavam saindo da masmorra.
– Tive sorte, acho. – disse Harry, pois Malfoy estava por perto.
Quando já estavam seguramente abrigados na mesa da Grifinória para o jantar, entretanto, ele
se sentiu suficientemente a salvo para contar. A cara de Hermione ficava mais dura a cada palavra
que ele pronunciava.
– Pelo jeito você acha que eu trapaceei – ele finalizou, importunado pela expressão dela.
– Bom, não foi exatamente o seu trabalho, foi? – ela disse secamente.
– Ele só seguiu instruções diferentes de nós – disse Rony. – Poderia ter sido uma catástrofe,
não? Mas ele assumiu um risco e se deu bem – e soltou um suspiro – Bem que o Slughorn poderia ter
me dado esse livro, mas não, eu fico com aquele onde ninguém escreveu. E vomitado, pela aparência
da página cinqüenta e dois, mas...
– Espere aí – disse uma voz perto do ouvido esquerdo de Harry, e ele sentiu uma leve lufada
daquele aroma floral que inalara na masmorra de Slughorn. Olhou ao seu redor e viu que Gina havia
se juntado a eles – É isso mesmo que eu ouvi? Você está cumprindo ordens que alguém escreveu
num livro, Harry?
Ela parecia alarmada e brava. Harry percebeu logo de cara o que ela estava pensando.
– Não é nada – ele disse, reconfortando-a, e baixando a voz – Não é como, você sabe, o diário
do Riddle. É só um livro didático antigo onde alguém rabiscou umas coisas.
– Mas você está fazendo o que ele diz?
100
Capítulo 9 – O Príncipe Mestiço
– Eu só experimentei algumas das dicas escritas nas margens. Na boa, Gina, não tem nada de
estranho...
– A Gina tem razão – disse Hermione se empertigando – Nós deveríamos checar se não tem
nada de esquisito nele. Quer dizer, com todas essas instruções estranhas, quem é que sabe?
– Ei! – disse Harry indignado, no que ela puxou seu exemplar de Preparo de Poções – Nível
Avançado da mala dele e levantou a varinha.
– Specialis Revelio! – ela disse dando uma pancadinha seca na capa do livro.
Nada aconteceu. O livro simplesmente ficou lá, com sua aparência velha, suja e usada.
– Terminou? – disse Harry irritado – Ou você quer esperar para ver se ele dá um salto mortal
para trás?
– Parece estar tudo bem – disse Hermione, mantendo um olhar de suspeição sobre o livro. –
Quer dizer, parece realmente ser apenas... um livro didático.
– Ótimo. Então quero ele de volta – disse Harry, apanhando-o da mesa, mas ele escorregou e
caiu aberto no chão.
Ninguém mais estava prestando atenção. Harry se curvou para recuperar seu livro, e no que fez
isso, viu algo rabiscado na base da contracapa na mesma letra pequena e ilegível das instruções que
lhe tinham garantido a garrafa de Felix Felicis , agora muito bem-escondida dentro de um par de
meias no seu malão no dormitório.
Este livro é propriedade do Príncipe Mestiço.
101
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 10 –
A casa de Gaunt
Pelo resto da semana os trabalhos de Poções de Harry continuaram a seguir as instruções do
Príncipe Mestiço sempre que elas diferiam das de Libatius Borage, o que resultou que, na altura de
sua quarta aula, Slughorn estava louvando a capacidade de Harry, dizendo que ele raramente tinha
dado aulas a alguém tão talentoso. Nem Rony nem Hermione ficaram muito felizes com isso. Embora
Harry tenha oferecido compartilhar seu livro com ambos, Rony teve mais dificuldade de decifrar a
caligrafia do que Harry e não podia ficar pedindo a Harry para ler em voz alta para não parecer
suspeito. Hermione, enquanto isso, resolutamente trabalhava com o que chamava de instruções
“oficiais”, mas ficava cada vez mais mal– humorada à medida que elas produziam resultados piores
do que as do Príncipe.
Harry se perguntava vagamente quem teria sido o Príncipe Mestiço. Embora a quantidade de
dever de casa que eles tinham para fazer impedisse que ele lesse toda a sua cópia de Preparo de Poções
– Nível Avançado, ele tinha dado uma olhada nela o suficiente para ver que quase não havia páginas
nas quais o Príncipe não tivesse feito notas adicionais, nem todas relacionadas ao preparo de poções.
Aqui e ali havia indicações do que pareciam ser feitiços que o Príncipe tinha inventado ele mesmo.
– Ou ela mesma – disse Hermione irritada, ouvindo por acaso quando Harry mostrava alguns
deles a Rony no Salão Comunal na noite de sábado. – Podia ser uma garota. Acho que a caligrafia
parece mais a de uma garota do que de um rapaz.
– O Príncipe Mestiço, é assim que se chamava – Harry disse. – Quantas garotas foram Príncipes?
Hermione pareceu ficar sem resposta. Ela apenas fechou a cara e puxou sua redação sobre Os
Príncípios da Rematerialização para longe de Rony, que tentava lê-la de cabeça para baixo.
Harry olhou seu relógio e colocou apressadamente a velha cópia de Preparo de Poções – Nível
Avançado de volta na sua mochila.
– São cinco para as oito, é melhor eu ir ou me atraso para encontrar o Dumbledore.
– Aaah! Exclamou Hermione, imediatamente levantando os olhos. – Boa sorte! Vamos te
esperar acordados, queremos ouvir o que ele vai te ensinar!
– Espero que vá tudo bem, – disse Rony, e os dois observaram Harry sair pelo buraco do
retrato.
Harry seguiu pelos corredores desertos, embora tenha precisado ir depressa para trás de uma
estátua quando a Professora Trelawney apareceu num canto, resmungando para si mesma, enquanto
embaralhava um maço de cartas de baralho que pareciam sujas, lendo-as ao caminhar.
– Dois de espadas: conflito – murmurou ao passar pelo local em que Harry estava agachado,
escondido. – Sete de espadas: um mau presságio. Dez de espadas: violência. Valete de espadas: um
jovem moreno, possivelmente com problemas, que não gosta da consulente...
Ela parou bem do outro lado da estátua de Harry.
– Bem, isso não pode estar certo – disse, chateada, e Harry a ouviu embaralhar vigorosamente,
voltando a andar, sem deixar para trás nada além de um leve cheiro de xerez culinário. Harry esperou
102
Capítulo 10 – A Casa de Gaunt
até que tivesse razoável certeza de que ela tinha ido embora e correu de novo até chegar ao ponto no
corredor do sétimo andar em que uma única gárgula se postava junto à parede.
– Picolés ácidos – disse Harry, e a gárgula saltou para o lado; a parede atrás dela se abriu e uma
escada de pedra em espiral apareceu, na qual Harry subiu e foi levado para cima em círculos suaves
até a porta com a aldrava de bronze que dava para a sala de Dumbledore.
Harry bateu.
– Entre – disse a voz de Dumbledore.
– Boa noite, senhor – disse Harry, entrando na sala do diretor.
– Ah, boa noite, Harry. Sente-se, – disse Dumbledore, sorrindo. – Espero que você tenha tido
uma boa primeira semana de volta à escola?
– Tive, obrigado senhor – disse Harry.
– Deve ter andado ocupado, já com uma detenção em sua folha! – Hum – começou Harry sem
jeito, mas Dumbledore não parecia muito zangado.
– Combinei com o Prof. Snape que você vai cumprir sua detenção no próximo sábado.
– Certo – disse Harry que tinha questões mais prementes na cabeça do que a detenção com
Snape e então olhou em volta subrepticiamente, procurando algum indício do que Dumbledore estava
planejando fazer com ele essa noite. A sala circular tinha o mesmo aspecto de sempre, os delicados
instrumentos de prata sobre as mesas de perna fina emitiam baforadas de fumaça e zumbiam, retratos
de diretores e diretoras anteriores cochilavam em suas molduras e a magnífica fênix de Dumbledore,
Fawkes, estava em seu poleiro atrás da porta, observando Harry com vivo interesse. Não parecia que
Dumbledore tinha aberto um espaço para a prática de duelo.
– Então, Harry – disse Dumbledore, numa voz prática. – Você deve ter se perguntando, tenho
certeza, o que planejei para você durante essas.... aulas, na falta de uma palavra melhor?
– Sim, senhor.
– Bem, decidi que chegou o momento, agora que você sabe o que levou Lord Voldemort a
tentar matá -lo quinze anos atrás, de você obter certas informações. – Houve uma pausa.
– O senhor disse no fim do último semestre, que ia me contar tudo – disse Harry. Era difícil
afastar um leve tom acusatório de sua voz. – Professor – acrescentou.
– E assim fiz – disse Dumbledore placidamente. – Eu lhe contei tudo que sei. A partir deste
ponto, estaremos abandonando a fundação sólida dos fatos e caminhando juntos pelos pântanos
turvos da memória até as matas das conjecturas mais desvairadas. Daqui por diante, Harry, posso
estar tão lamentavelmente errado quanto Humphrey Belcher, que acreditou que já havia chegado o
momento para um caldeirão de queijo.
– Mas o senhor acha que está certo? – Harry perguntou.
– Naturalmente que acho, mas como já provei a você, cometo erros como qualquer pessoa. Na
verdade, sendo – perdoe-me – mais sagaz do que a maioria das pessoas, meus enganos tendem a ser
correspondentemente maiores.
– Senhor, disse Harry tentativamente – o que vai me contar tem alguma coisa a ver com a
profecia? Vai me ajudar a... sobreviver?
– Tem muito a ver com a profecia – disse Dumbledore, de modo tão casual quanto se Harry lhe
tivesse perguntado sobre o tempo dos próximos dias – e certamente espero que o ajude a sobreviver.
Dumbedore ficou de pé e rodeou a escrivaninha, passando por Harry, que se virou ansiosamente
em sua cadeira para observar Dumbledore se curvando sobre a estante ao lado da porta. Quando
Dumbledore se aprumou, segurava uma bacia familiar, de pedra rasa, com marcas estranhas na borda.
Colocou a Penseira sobre a escrivaninha, diante de Harry.
– Você parece preocupado.
Harry de fato tinha estado olhando a Penseira com uma certa apreensão. Suas experiências
anteriores com o estranho artefato que armazenava e revelava pensamentos e lembranças, embora
altamente instrutivas, também tinham sido desconfortáveis. Da última vez em que tinha perturbado
seu conteúdo, tinha visto muito mais do que desejaria. Mas Dumbledore estava sorrindo.
103
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Desta vez, você vai entrar na Penseira comigo... e, o que é ainda menos usual, com permissão.
– Aonde vamos, senhor?
– Numa viagem pelas sendas da memória de Bob Ogden, – disse Dumbledore, tirando de seu
bolso uma garrafa de cristal contendo uma substância branco-prateada que girava.
– Quem foi Bob Ogden?
– Ele trabalhava no Departamento de Execução das Leis da Magia – disse Dumbledore. –
Morreu há algum tempo, mas não antes que eu seguisse a sua pista e o persuadisse a confiar a mim
estas recordações. Vamos acompanhá-lo numa visita que fez no cumprimento de suas obrigações. Se
você puder ficar de pé, Harry...
Mas Dumbledore estava tendo dificuldade para tirar a tampa da garrafa de cristal. Sua mão
machucada parecia retesada e dolorida.
– Posso, senhor?
– Não precisa, Harry.
Dumbledore apontou sua varinha para a garrafa e a rolha pulou fora.
– Senhor, como machucou sua mão? – Harry perguntou de novo, olhando os dedos enegrecidos
com um misto de repulsa e pena.
– Agora não é o momento para essa história, Harry. Ainda não. Temos um encontro marcado
com Bob Ogden.
Dumbledore emborcou o conteúdo prateado da garrafa dentro da Penseira, onde ele girou e
reluziu, nem líquido, nem gasoso. – Primeiro você, – disse Dumbledore, fazendo um gesto na direção
da bacia. Harry se inclinou para a frente, respirou fundo e mergulhou seu rosto na substância prateada.
Sentiu que seus pés deixavam o chão da sala, ele estava caindo, caindo por um redemoinho negro e
então, subitamente, estava piscando numa ofuscante luz natural. Antes que seus olhos se ajustassem,
Dumbledore aterrissou ao seu lado.
Eles estavam numa estrada no campo ladeada por sebes emaranhadas, sob um céu de verão
tão brilhante e azul quanto miosótis. Uns três metros à frente deles estava um homem baixo
rechonchudo, com óculos incrivelmente grossos, que faziam seus olhos parecerem com os de uma
toupeira. Ele estava lendo uma placa de madeira, que estava pregada no meio de amoreiras silvestres
no lado esquerdo da estrada. Harry sabia que esse devia ser Ogden; ele era a única pessoa à vista e
usava também o estranho conjunto de roupas tão comumente escolhido por bruxos inexperientes
tentando se passar por trouxas: neste caso uma sobrecasaca e polainas sobre um traje de banho
listrado, de uma peça. Antes que Harry tivesse tempo para fazer mais do que registrar sua aparência
bizarra, todavia, Ogden tinha começado bruscamente a descer a estrada.
Dumbledore e Harry seguiram. Quando passaram pela placa, Harry olhou para as suas duas
setas. Uma apontava de volta para o lado de onde vinham e dizia: Great Hangleton, 5 milhas. A seta
apontando para Ogden dizia Little Hangleton, 1 milha.
Andaram um pouco sem ver nada além de sebes, o amplo céu azul acima e o vulto farfalhante
de sobrecasaca que se movia à frente. Então a estrada se curvou para a esquerda e desceu, inclinandose íngreme por uma encosta, de modo que subitamente avistaram todo um vale que se estendia
diante deles. Harry podia ver um povoado, indubitavelmente Little Hangleton, aninhada entre duas
colinas íngremes, a igreja e o cemitério claramente visíveis. Do outro lado do vale, situada na encosta
em frente, havia uma bela mansão cercada por uma ampla extensão de gramado verde aveludado.
Ogden tinha iniciado um trote relutante devido à descida íngreme. Dumbledore ampliou suas
passadas e Harry correu para acompanhá-lo. Pensava que Little Hangleton devia ser seu destino final
e se perguntava, como tinha feito na noite em que encontraram Slughorn, por que tinham que partir
de um ponto tão distante para chegar lá. Contudo, ele logo descobriu que estava enganado ao pensar
que iam para o povoado. A estrada se curvava à direita e quando viraram a curva, viram a beira da
sobrecasaca de Ogden desaparecer por um buraco na sebe.
Dumbledore e Harry o seguiram por uma trilha suja e estreita margeada por sebes mais altas e
mais selvagens do que as que tinham ficado para trás. O caminho era recurvado, pedregoso e
104
Capítulo 10 – A Casa de Gaunt
esburacado, se inclinando para baixo como o anterior e parecia se dirigir a um grupo de árvores
escuras um pouco abaixo deles. Realmente, a trilha logo deu no arvoredo e Dumbledore e Harry
estacaram atrás de Ogden, que tinha parado e puxado sua varinha.
A despeito do céu sem nuvens, as velhas árvores à frente projetavam sombras profundas, frias
e escuras e passaram-se alguns segundos até que os olhos de Harry discernissem a construção meio
escondida no emaranhado de troncos. Parecia-lhe um local muito estranho de se escolher para uma
casa, ou então uma decisão singular a de deixar as árvores crescerem perto, bloqueando toda a luz e
a vista do vale abaixo. Perguntou-se se era habitada; suas paredes eram cheias de musgo e tantas
telhas tinham caído que os caibros eram visíveis em alguns pontos. Urtigas cresciam por toda a sua
volta e suas pontas alcançavam as janelas, que eram pequenas e muito sujas. Todavia, assim que
concluiu que não havia possibilidade de alguém viver ali, uma das janelas foi aberta com um estrondo,
e um fio de vapor ou fumaça saiu por ela, como se alguém estivesse cozinhando.
Ogden avançou silenciosamente e, pareceu a Harry, com muita cautela. Quando as sombras
escuras das árvores o cobriram, ele parou de novo, olhando para a porta da frente, na qual alguém
tinha pregado uma cobra morta.
Então ouviu-se um farfalhar e um estalo e um homem esfarrapado caiu de pé da árvore mais
próxima, bem diante de Ogden, que pulou para trás tão rápido, que pisou na cauda da sobrecasaca e
tropeçou.
– Você não é bem-vindo.
O homem diante dele tinha cabelo grosso, tão sujo que podia ter qualquer cor. Faltavam muitos
de seus dentes. Seus olhos eram pequenos e escuros e olhavam em direções diferentes. Poderia ter
tido uma aparência cômica, mas não tinha. O efeito era amedrontador e Harry não podia culpar
Ogden por dar muitos passos para trás antes de falar.
– Hum... bom dia. Sou do Ministério da Magia.
– Você não é bem– vindo.
– Hum... desculpe... Não estou te entendendo, – disse Ogden nervoso.
Harry achou que Ogden estava sendo extremamente estúpido, o estranho estava sendo muito
claro na opinião de Harry, ainda mais que brandia a varinha numa mão e uma faca pequena e meio
suja de sangue na outra.
– Você o entende, Harry, estou certo? – Dumbledore perguntou baixo.
– Sim, é claro – disse Harry,ligeiramente perplexo. – Por que o Ogden não pode...?
Mas quando seus olhos pousaram de novo sobre a cobra morta na porta, ele entendeu
subitamente.
– Ele está falando língua de cobra?
– Muito bem – disse Dumbledore, assentindo e sorrindo.
O homem esfarrapado agora avançava para Ogden, faca numa mão, varinha na outra.
– Olha aqui...– Ogden começou, mas era tarde demais. Houve um estampido e Ogden estava
no chão, segurando o nariz, enquanto uma asquerosa gosma amarelada esguichava por entre seus
dedos.
– Morfin! – uma voz chamou.
Um homem de idade tinha saído correndo da casa, batendo a porta atrás de si, de forma que a
cobra balançou pateticamente. Este homem era mais baixo do que o primeiro e singularmente
proporcionado; seus ombros eram muito largos e seus braços compridos demais, o que, junto com
seus olhos castanhos brilhantes, o cabelo curto e ralo e o rosto enrugado, davam-lhe a aparência de
um imponente macaco idoso. Ele parou do lado do homem com a faca, que agora gargalhava ao ver
Ogden no chão.
– Ministério, é? – disse o homem mais velho, olhando para Ogden. – Correto! – disse Ogden
com raiva, tocando o rosto. – E o senhor, imagino, é o Sr. Gaunt?
– Certo – disse Gaunt. – Te acertou na cara, ele?
– Acertou – respondeu Ogden asperamente.
105
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Devia ter alertado sobre a sua presença, não? – perguntou Gaunt agressivamente. – Isto é
propriedade privada. Não pode simplesmente entrar aqui e esperar que meu filho não se defenda.
– Defender-se contra o quê, homem? – disse Ogden, levantando-se de novo.
– Gente intrometida. Intrusos. Trouxas e escória. – Ogden apontou sua varinha para o próprio
nariz, que agora soltava grande quantidade do que parecia ser um pus amarelo e o fluxo cessou de
imediato. O Sr. Gaunt falou pelo canto da boca com Morfin. – Entre na casa. Sem discutir.
Desta vez, preparado para isso, Harry reconheceu a língua de cobra. Mesmo podendo entender
o que era dito, distinguia os ruídos esquisitos de silvos que era tudo o que Ogden podia ouvir. Morfin
parecia estar a ponto de discordar, mas quando seu pai lançou-lhe um olhar ameaçador, mudou de
idéia, e moveu-se pesadamente em direção da casa com um gingado estranho e batendo a porta atrás
de si, fez a cobra balançar tristemente de novo.
– Foi o seu filho que eu vim ver, Sr. Gaunt, – disse Ogden ao limpar o resto de pus da frente de
seu casaco. – Ele era o Morfin, não?
– Era o Morfin, – disse o velho indiferente. – Você é puro-sangue? – perguntou, subitamente
agressivo.
– Isso não vem ao caso – disse Ogden friamente e Harry sentiu aumentar seu respeito por
Ogden. Aparentemente Gaunt pensou de modo diferente.
Ele olhou de lado para o rosto de Ogden e resmungou no que claramente era para ser um tom
ofensivo: – Agora que penso nisso, vi narizes como o seu no povoado.
– Não duvido, se seu filho foi deixado solto entre eles, – disse Ogden. – Talvez possamos
continuar esta discussão lá dentro?
– Dentro?
– Sim, Sr. Gaunt. Já lhe disse. Estou aqui por causa do Morfin. Mandamos uma coruja...
– Não preciso de corujas – disse Gaunt. – Não abro cartas.
Então não pode se queixar de não receber aviso dos visitantes – retrucou Ogden acidamente.
– Estou aqui a propósito de uma séria infração à lei bruxa, que ocorreu aqui esta madrugada...
– Certo, certo, certo! – gritou o Sr, Gaunt. – Entre na maldita casa então, e vai adiantar muito!
A casa parecia ter três cômodos minúsculos. Duas portas saíam da sala principal, que servia de
cozinha e sala de estar ao mesmo tempo. Morfin estava sentado numa poltrona imunda ao lado do
fogo enfumaçado, revirando uma víbora viva entre seus dedos grossos e cantarolando suavemente
para ela em língua de cobra.
Siss, siss, minha cobrinha,
No chão a deslizar
Seja boa para o Morfin
Ou na porta ele vai te pregar.
Houve um ruído de raspar no canto junto à janela e Harry deu-se conta de que havia mais
alguém na sala, uma moça, cujo vestido cinza esfarrapado era exatamente da mesma cor da parede de
pedra suja atrás dela. Estava de pé ao lado de uma panela fumegante sobre um fogão preto sujo e
mexia na prateleira de panelas e frigideiras miseráveis acima dele. Seu cabelo era escorrido e opaco,
o rosto comum, pálido, meio abrutalhado. Os olhos dela, como os do irmão, olhavam cada um para
um lado. Ela parecia um pouco mais limpa do que os dois homens, mas Harry achou que nunca tinha
visto uma pessoa que parecesse tão derrotada.
– Minha filha, Mérope – disse Gaunt, ressentido, quando Ogden olhou inquisitivo na direção
dela.
– Bom dia – disse Ogden.
Ela não respondeu, mas com uma olhada amedrontada para o pai virou-se de costas para a sala
e continuou a mexer nas panelas na prateleira atrás dela.
– Bem, Sr. Gaunt – disse Ogden, – para ir direto ao ponto, temos motivos para crer que seu
filho, Morfin, usou magia diante de um trouxa na noite passada.
Houve um barulho metálico ensurdecedor. Mérope tinha derrubado uma das panelas.
106
Capítulo 10 – A Casa de Gaunt
– Pegue-a! – Gaunt berrou para ela. – É isso, limpe o chão como uma trouxa nojenta, para que
serve a sua varinha, seu monte de bosta imprestável?
– Sr. Gaunt, por favor! – disse Ogden numa voz chocada, enquanto Mérope, que já tinha pego
a panela, enrubesceu, ficando manchada de escarlate, largou a panela de novo, tirou com mão vacilante
a varinha do bolso, apontou para a panela e resmungou um feitiço rápido, inaudível, que fez a panela
disparar pelo chão se afastando dela, bater na parede em frente e se partir em duas.
Morfin soltou uma gargalhada doida. Gaunt gritou – Conserte-a sua estúpida inútil, conserte-a!
Mérope cambaleou do outro lado da sala, mas antes que ela tivesse tempo de puxar a varinha,
Ogden tinha levantado a dele e disse firme: – Reparo. – A panela se autoconsertou imediatamente.
Por um momento, pareceu que Gaunt ia gritar para Ogden, mas aparentemente mudou de
idéia. Ao invés disso, zombou da filha: – Que sorte o simpático homem do Ministério estar aqui, não?
Talvez ele a tire das minhas mãos, talvez ele não se incomode com Abortos sujos...
Sem olhar para ninguém ou agradecer a Ogden, Mérope pegou a panela e a colocou de volta,
com as mãos tremendo, na prateleira. Então ficou bem quieta, de costas para a parede entre a janela
imunda e o fogão, como se não desejasse nada além do que afundar na pedra e desaparecer.
– Sr. Gaunt – Ogden começou de novo – como eu dizia: a razão da minha visita...
– Eu o ouvi da primeira vez!– retorquiu Gaunt. – E daí? Morfin fez o que lhe deu na telha com
um trouxa... o que tem isso?
– Morfin desrespeitou a lei bruxa – disse Ogden severamente.
– Morfin desrespeitou a lei bruxa. – Gaunt imitou a voz de Ogden, mas com um jeito pomposo
e cantado. Morfin gargalhou de novo. – Ele deu uma lição num trouxa sujo, isso agora é ilegal?
– Sim, – disse Ogden. – Receio que seja.
Tirou do bolso interno um pequeno rolo de pergaminho e desenrolou-o.
– O que é isso, então, a sentença? – disse Gaunt, com a voz se elevando irada.
– É uma convocação do Ministério para uma audiência...
– Convocação! Convocação? Quem você acha que é para convocar meu filho a ir aonde quer
que seja?
– Sou o Chefe do Esquadrão para Execução das Leis da Magia – disse Ogden.
– E você acha que somos ralé, não? – urrou Gaunt, agora avançando em Ogden, com um dedo
sujo e de unha amarela apontando para o seu peito. – Ralé que vem correndo quando o Ministério
chama? Você sabe com quem está falando, seu sanguinho-ruim nojento?
– Tinha a impressão de que estava falando com o Sr. Gaunt – disse Ogden, parecendo
desconfiado, mas mantendo-se firme.
– Exatamente! – rugiu Gaunt. Por um momento, Harry pensou que Gaunt estava fazendo um
gesto obsceno com a mão, mas então se deu conta de que ele estava mostrando a Ogden o feio anel
de pedra preta que usava no seu dedo médio, brandindo-o diante dos olhos de Ogden. – Vê isto? Vê
isto? Sabe o que é isto? Sabe de onde vem? Está há séculos em nossa família, é o tanto de tempo em
que existimos, e o tempo todo puro-sangue! Sabe quanto me ofereceram por isto, com a cota de
armas de Peverell grAvadana pedra?
– De fato não tenho idéia, – disse Ogden, piscando quando o anel passou a menos de uma
polegada de seu nariz – e realmente isso não vem ao caso, Sr. Gaunt. O seu filho cometeu...
Com um uivo de fúria, Gaunt correu na direção da filha. Por uma fração de segundo, Harry
pensou que ele ia estrangula-la quando sua mão voou até a garganta dela; no momento seguinte, ele
a arrastava para Ogden por uma corrente de ouro que estava em seu pescoço.
– Vê isto? – berrou a Ogden, sacudindo um pesado medalhão de ouro, enquanto Mérope silvava
e arfava tentando respirar.
– Vejo, vejo! – disse Ogden rapidamente.
– Do Slytherin! – gritou Gaunt. – Do Salazar Slytherin! Somos seus últimos descendentes, o
que você diz disso, hein?
107
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Sr. Gaunt, a sua filha! – disse Ogden alarmado, mas Gaunt já tinha soltado Mérope. Ela
correu para longe dele de volta ao seu canto, massageando o pescoço e buscando ar.
– É isso! – disse Gaunt triunfante, como se tivesse acabado de provar um ponto complicado,
acima de qualquer contestação. Não saia por aí falando conosco como se fôssemos a sujeira do seu
sapato! Gerações de puros-sangues, todos bruxos. Mais do que você pode alegar, não tenho dúvida!
E cuspiu no chão aos pés de Ogden. Morfin gargalhou de novo. Mérope, encolhida do lado da
janela, com a cabeça inclinada e o rosto escondido pelo cabelo escorrido, não disse nada.
– Sr. Gaunt – disse Ogden obstinadamente -, receio que nenhum dos seus ancestrais nem dos
meus tenham nada a ver com a questão em pauta. Estou aqui por causa de Morfin, Morfin e o trouxa
a quem ele se dirigiu ontem, tarde da noite. Temos a informação -... ele olhou para o seu rolo de
pergaminho... – de que Morfin fez uma azaração ou maldição no dito trouxa, fazendo com que nele
estourassem pústulas altamente dolorosas.
Morfin deu uma risadinha.
– Fique quieto, garoto – rosnou Gaunt em língua de cobra e Morfin calou– se de novo.
– E daí se ele fez isso? – Gaunt disse a Ogden, desafiador. – Espero que você tenha limpado a
cara asquerosa do trouxa para ele e a sua memória também...
– Essa não é a questão aqui, não é, Sr. Gaunt? – disse Ogden. – Foi um ataque sem motivo a
um trouxa indefe...
– Ah! Eu achei que você era um amante de trouxas no momento em que o vi – zombou Gaunt
e cuspiu no chão de novo.
– Esta discussão não vai nos levar a parte alguma – disse Ogden firmemente. – Agora está
claro pela atitude de seu filho que ele não tem remorso por seus atos. – Deu uma olhada no seu
pergaminho de novo. – Morfin comparecerá a uma audiência em 14 de setembro para responder pelas
acusações de usar magia na frente de um trouxa e de causar dano e aborrecimento ao mesmo trou...
Ogden se interrompeu. Os sons ritmados de cascos de cavalos e vozes altas, que riam, entravam
pela janela aberta. Aparentemente a estrada sinuosa para o povoado passava muito próxima ao arvoredo
em que ficava a casa. Gaunt congelou, escutando, com os olhos arregalados. Morfin sibilou e virou
seu rosto na direção dos sons, com uma expressão ávida. Mérope levantou a cabeça. Seu rosto, Harry
viu , estava completamente branco.
– Meu Deus, que visão horrorosa! – ressoou do lado de fora a voz de uma moça, tão claramente
audível pela janela aberta como se ela estivesse dentro da sala, ao lado deles. – Seu pai não podia
acabar com aquela cabana e limpar a área, Tom?
– Não é nossa – disse a voz de um jovem. – Tudo o que está do outro lado do vale nos
pertence, mas aquela cabana é de um velho vagabundo, chamado Gaunt, e seus filhos. O filho é bem
doido, você devia ouvir algumas das histórias que contam no povoado...
A moça riu. Os barulhos ritmados de cascos estavam cada vez mais altos, Morfin esboçou um
movimento para sair da poltrona.
– Fique sentado no seu lugar – disse seu pai ameaçador, em língua de cobra.
– Tom – disse a voz da moça de novo, agora tão perto, que eles claramente estavam do lado da
casa. – Posso estar errada, mas alguém pregou uma cobra naquela porta?
– Deus do céu, você tem razão! – disse a voz do homem. – Isso é coisa do filho. Eu lhe contei
que ele não bate bem. Não olhe para ela, Cecilia querida.
Os barulhos ritmados de cascos agora se tornavam mais fracos de novo.
– Querida – sussurrou Morfin em língua de cobra, olhando para a irmã. – ele a chamou de
querida. Quer dizer que não quer você de qualquer jeito.
Mérope estava tão branca que Harry estava certo de que ela ia desmaiar.
– O que foi isso? – disse Gaunt cortante, também em língua de cobra, correndo os olhos do
filho para a filha. – O que você disse, Morfin?
108
Capítulo 10 – A Casa de Gaunt
– Ela gosta de olhar para aquele trouxa – disse Morfin, com uma expressão perversa no rosto,
enquanto olhava para a irmã, que agora parecia aterrorizada. – Sempre no jardim quando ele passa,
espiando– o através da sebe, não é? E na noite passada...
Mérope sacudiu a cabeça sem jeito, com ar suplicante, mas Morfin prosseguiu, sem piedade: –
Pendurada na janela esperando ele ir para casa, não é?
– Pendurada na janela para olhar um trouxa? – Gaunt perguntou baixinho.
Os três Gaunts pareciam ter esquecido Ogden, que parecia tanto aturdido, quanto irritado com
esse novo surto de silvos e sons ásperos incompreensíveis.
– É verdade? – disse Gaunt numa voz letal, avançando um ou dois passos na direção da garota
aterrorizada. – Minha filha, descendente puro-sangue de Salazar Slytherin, sonhando com um trouxa
nojento, de veias imundas?
Mérope negou freneticamente com a cabeça, se encolhendo contra a parede, aparentemente
incapaz de falar.
– Mas eu peguei ele, Pai! – gargalhou Morfin. – Eu o peguei quando ele passou e ele não ficou
tão belo com pústulas por todo o lado, não é, Mérope?
– Sua Abortinha asquerosa, sua traidorazinha do sangue nojenta! – rugiu Gaunt, perdendo o
controle e suas mãos se fecharam em torno da garganta da filha.
Tanto Harry como Ogden gritaram – Não! – ao mesmo tempo. Ogden levantou sua varinha e
berrou – Relaxo!
Gaunt foi atirado para trás, para longe da filha, passou por cima de uma cadeira e caiu de
costas. Com um rugido de fúria, Morfin pulou da sua cadeira e precipitou-se sobre Ogden, brandindo
sua faca ensangüentada e soltando maldições indiscriminadamente com a varinha.
Ogden correu desabalado. Dumbledore indicou que eles deviam seguir e Harry obedeceu, os
gritos de Mérope ecoando em seus ouvidos.
Ogden se atirou pela trilha acima e irrompeu na estrada principal, com os braços acima da
cabeça, onde colidiu com o cavalo castanho reluzente, montado por um jovem de cabelos negros,
muito bonito. Tanto ele, como a bela moça ao seu lado, num cavalo cinzento, caíram na gargalhada
ao ver Ogden, que pulou, desviando-se do flanco do cavalo, e disparou de novo, sua sobrecasaca
voando, coberto de pó da cabeça aos pés, correndo atabalhoadamente estrada acima.
– Acho que isso basta, Harry – disse Dumbledore. Pegou Harry pelo cotovelo e puxou. No
momento seguinte estavam ambos pairando sem peso através da escuridão, até que aterrissaram
diretamente sobre seus pés, de volta à sala de Dumbledore, agora na semi-escuridão.
– O que aconteceu com a garota da cabana? – disse Harry de imediato, enquanto Dumbledore
acendia mais luzes com uma pancadinha da varinha. – Mérope, ou sei lá que nome tinha?
– Ah! Ela sobreviveu – disse Dumbledore, se sentando atrás da escrivaninha e indicando a
Harry que ele também devia se sentar. – Ogden aparatou de volta no Ministério e voltou com reforços
em quinze minutos. Morfin e seu pai tentaram lutar, mas ambos foram sobrepujados, tirados da
cabana e posteriormente declarados culpados pela Suprema Corte dos Bruxos. Morfin, que já tinha
uma ficha com ataques a trouxas, foi sentenciado a três anos em Azkaban. Servolo, que tinha
machucado vários funcionários do Ministério além de Ogden, ganhou seis meses.
– Servolo? – Harry repetiu pensativo.
– Correto – disse Dumbledore, com um sorriso de aprovação. – Fico feliz em ver que você está
acompanhando.
– Aquele velho era...?
– O avô de Voldemort, sim – disse Dumbledore. – Servolo, seu filho, Morfin, e sua filha,
Mérope, foram os últimos Gaunt, uma família bruxa muito antiga, conhecida por uma veia de
instabilidade e violência que floresceu por gerações, devido ao seu hábito de casar com os próprios
primos. Falta de senso, acoplada a um enorme apreço pelo esplendor significaram que o ouro da
família foi esbanjado várias gerações antes do nascimento de Servolo. Ele, como você viu, foi deixado
à míngua e na miséria, com uma índole muito maldosa, uma fantástica quantidade de arrogância e
109
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
orgulho, e um par de relíquias familiares às quais dava tanto valor quanto ao filho e mais do que à
filha.
– Então Mérope é... – disse Harry, se inclinando para a frente em sua cadeira e encarando
Dumbledore, – então Mérope era... Senhor, isso significa que ela era... a mãe de Voldemort?
– Significa – disse Dumbledore. – E acontece que também tivemos um vislumbre do pai de
Voldemort. Eu imagino que tenha notado?
– O trouxa que Morfin atacou? O homem no cavalo?
– Muito bom, mesmo – disse Dumbledore, sorrindo radiante. – Sim, aquele era Tom Riddle
pai, o belo trouxa que costumava passar cavalgando pela cabana de Gaunt e por quem Mérope Gaunt
nutria uma paixão secreta, ardente.
– E eles terminaram por se casar? – Harry disse sem acreditar, incapaz de imaginar duas pessoas
menos prováveis de se apaixonar.
– Acho que você está se esquecendo – disse Dumbledore – que Mérope era uma bruxa. Não
creio que os poderes mágicos dela tenham aparecido inteiramente quando ela era aterrorizada pelo
seu pai. Uma vez que Servolo e Morfin estavam seguros em Azkaban, uma vez que ela ficou sozinha
e livre pela primeira vez em sua vida, então, tenho certeza, ela foi capaz de liberar inteiramente suas
capacidades e planejar como escapar da vida desesperada que tinha levado por dezoito anos.
– Você não pode pensar em nenhuma medida que Mérope possa ter tomado para fazer Tom
Riddle esquecer sua companheira trouxa e se apaixonar por ela?
– A Maldição Imperius? – Harry sugeriu. – Ou uma poção de amor?
– Muito bom. Pessoalmente, estou inclinado a pensar que ela usou uma poção de amor. Estou
certo de que pareceria a ela mais romântico e não creio que fosse muito difícil, num dia quente,
quando Riddle estivesse cavalgando só, persuadi-lo a tomar um pouco de água. De qualquer maneira,
poucos meses depois da cena que acabamos de testemunhar, o povoado de Little Hangleton desfrutou
de um tremendo escândalo. Você pode imaginar a fofoca causada pela fuga do filho do grande
proprietário com a filha do vagabundo, Mérope.
– Mas o choque das pessoas do povoado não foi nada diante do de Servolo. Ele voltou de
Azkaban, esperando encontrar sua filha obedientemente aguardando seu retorno com uma refeição
quente sobre a mesa. Ao invés disso, encontrou uma polegada de poeira e um recado de despedida
explicando o que ela tinha feito.
– De tudo o que pude descobrir, ele daí por diante nunca mais mencionou o nome ou a existência
dela. O choque de sua deserção pode ter contribuído para a morte prematura dele, ou talvez ele
simplesmente nunca tenha aprendido a se alimentar sozinho. Azkaban tinha enfraquecido muito
Servolo, e ele não viveu para ver Morfin voltar à cabana.
– E Mérope? Ela... ela morreu, não? Voldemort não foi criado num orfanato?
– Foi, de fato – disse Dumbledore. – Aqui temos que fazer conjecturas num certo grau, embora
eu não ache que seja difícil deduzir o que aconteceu. Veja, poucos meses depois de se fugir para
casar, Tom Riddle reapareceu na mansão em Little Hangleton sem a sua esposa. Correu o boato pela
vizinhança de que ele estava falando em ter sido “ludibriado” e “enganado”. O que ele quis dizer,
tenho certeza, é que ele estava sob um encantamento que agora tinha sido eliminado, embora eu
deva dizer que ele não ousou usar estas palavras exatas por medo de pensarem que estava louco.
Quando ouviram o que ele dizia, no entanto, os habitantes do povoado acharam que a Mérope tinha
mentido para Tom Riddle, fingindo que ia ter um filho dele e que ele tinha se casado com ela por essa
razão.
– Mas ela teve um filho dele.
– Mas não antes de um ano depois de terem se casado. Tom Riddle a deixou quando ela ainda
estava grávida.
– O que deu errado? – perguntou Harry. – Por que a poção de amor parou de funcionar?
– De novo conjecturas, – disse Dumbledore – mas creio que Mérope, que estava profundamente
apaixonada por seu marido, não pôde suportar continuar a escravizá– lo por meios mágicos. Acho
110
Capítulo 10 – A Casa de Gaunt
que ela fez a escolha de parar de lhe dar a poção. Talvez, embevecida como estava, tenha se convencido
de que àquela altura ele tivesse se apaixonado por ela. Talvez ela pensasse que ele ficaria pelo bebê.
Se foi assim, ela estava errada em ambas as questões. Ele a deixou, nunca mais a viu de novo e nunca
se deu ao trabalho de descobrir o que aconteceu ao seu filho.
O céu do lado de fora estava negro como piche e as lâmpadas da sala de Dumbledore pareciam
brilhar mais intensamente do que antes.
– Acho que chega por esta noite, Harry – disse Dumbledore depois de um instante.
– Sim, senhor – disse Harry.
Ele ficou de pé, mas não saiu.
– Senhor... é importante saber tudo isso sobre o passado de Voldemort?
– Muito importante, creio. – disse Dumbledore.
– E isso... tem alguma coisa a ver com a profecia?
– Tem tudo a ver com a profecia.
– Certo – disse Harry, meio confuso, mas ao mesmo tempo com a confiança renovada.
Ele se virou para ir e então outra questão lhe ocorreu,e virou– se de novo. – Senhor, posso
contar ao Rony e a Hermione tudo o que me contou?
Dumbledore refletiu por um momento e então disse. – Pode, acho que o Sr. Weasley e a Srta.
Granger já provaram que são dignos de confiança. Mas Harry, vou lhe solicitar que lhes peça para não
repetir nada disso para mais ninguém. Não seria uma boa idéia que se espalhasse por aí o quanto eu
sei, ou suspeito, dos segredos de Lord Voldemort.
– Não, senhor, Vou assegurar que sejam só Rony e Hermione. Boa noite.
Virou-se para sair de novo e estava quase na porta quando o viu. Em cima de uma das mesinhas
de perna fina que abrigavam tantos instrumentos de aparência frágil, havia um feio anel de ouro, com
uma grande pedra negra, trincada.
– Senhor – disse Harry, olhando para o anel. – Aquele anel...
– Sim? – disse Dumbledore.
– O senhor o estava usando quando visitamos o Professor Slughorn, aquela noite.
– Estava – Dumbledore concordou.
– Mas não é... senhor, não é o anel que Servolo Gaunt mostrou a Ogden?
Dumbledore inclinou sua cabeça. – O próprio.
– Mas como assim...? Ele sempre foi do senhor?
– Não, eu o obtive muito recentemente – disse Dumbledore. – Alguns dias antes de ter ido
busca-lo na casa de seus tios, na verdade.
– Isso teria sido então na época em que machucou sua mão, senhor?
– Por volta dessa época, sim, Harry.
Harry hesitou. Dumbledore sorria.
– Senhor, como exatamente...?
– Muito tarde, Harry! Você ouvirá a história uma outra vez. Boa noite.
– Boa noite, senhor
111
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 11 –
Uma mãozinha de Hermione
Como Hermione havia previsto, os tempos livres dos alunos do sexto ano não eram os momentos
de delicioso descanso que Rony tinha antecipado, mas sim momentos nos quais tentavam acompanhar
a grande quantidade de dever de casa que estavam recebendo. Eles não estavam apenas estudando
como se tivessem provas todos os dias, mas as próprias aulas tinham se tornado exaustivas como
nunca. Harry mal entendia metade do que a professora McGonagall dizia a eles ultimamente, e até
Hermione tinha precisado pedir a ela que repetisse instruções uma ou duas vezes. Inacreditavelmente,
e para o crescente ressentimento de Hermione, Poções havia se tornado a melhor matéria de Harry,
graças ao Príncipe Mestiço.
Magia não-verbal agora era esperada não só em Defesa Contra Arte das Trevas, mas também
em Feitiços e Transfiguração. Harry freqüentemente examinava seus colegas de turma no salão comunal
ou nos horários das refeições com os rostos roxos e tensos como se eles tivessem sofrido uma overdose
de Aquilo-Que-Deve-Ser-Evacuado; mas sabia que eles na verdade estavam se esforçando para fazer
os feitiços sem precisar falar encantamentos em voz alta. Era um alívio sair para as estufas. Eles
estavam lidando com plantas mais perigosas do que nunca em Herbologia, mas pelo menos ainda
podiam xingar alto se uma das plantas com tentáculos venenosos os agarrasse inesperadamente por
trás.
Um resultado da enorme carga de trabalho e das suas horas frenéticas de prática de feitiços
não-verbais era que Harry, Rony e Hermione não tinham, até agora, encontrado tempo para visitar
Hagrid. Ele tinha parado de vir fazer suas refeições na mesa dos professores, um mau sinal, e nas
poucas ocasiões em que eles haviam passado por Hagrid nos corredores ou pela propriedade, ele
misteriosamente não tinha percebido suas presenças nem ouvido seus cumprimentos.
– Nós temos que ir e explicar – comentou Hermione, olhando para a enorme cadeira vazia de
Hagrid na mesa dos professores, no sábado seguinte, durante o café da manhã.
– Mas a gente tem teste pro time de Quadribol esta manhã! – retrucou Rony. – E a gente
deveria estar praticando aquele feitiço do Aguamenti para o Flitwick! De qualquer forma, explicar o
quê? Como é que a gente vai dizer pro Hagrid que a gente odiava a matéria idiota dele?
– Nós não odiávamos – disse Hermione.
– Fale por si mesma, eu ainda não esqueci os explosivins – replicou Rony ameaçadoramente. –
E ainda digo mais, a gente escapou por pouco. Você não o ouviu falando e falando sobre o irmão
retardado dele. A gente estaria ensinando o Grope como dar laço no cadarço se a gente tivesse
ficado.
– Eu odeio não falar com o Hagrid – disse Hermione, parecendo chateada.
– Descemos lá depois do Quadribol – Harry assegurou-lhe. Ele também sentia falta de Hagrid,
mesmo que, como Rony, pensasse que estavam melhor sem Grope em suas vidas. – Mas o teste pode
levar a manhã toda, com o número de pessoas que se inscreveram -, disse Harry, que estava um
112
Capítulo 11 – Uma Mãozinha de Hermione
pouco nervoso em ter que confrontar seu primeiro obstáculo como capitão. – Eu não sei por que o
time está tão popular de repente.
– Ah, vai, Harry – disse Hermione, subitamente impaciente. – Não é o Quadribol que virou
mais popular, é você! Você nunca esteve tão interessante e, francamente, você nunca esteve tão
atraente.
Rony se engasgou com um grande pedaço de peixe. Hermione deu a ele um olhar de desdém
antes de se virar novamente para Harry.
– Agora todos sabem que você sempre esteve falando a verdade, não sabem? Todo o mundo
bruxo teve que admitir que você estava certo sobre a volta de Voldemort e que você realmente lutou
contra ele duas vezes nos dois últimos anos e escapou em ambas. Estão todos o chamando de “O
Escolhido”; bem, vamos lá, você não consegue ver por que as pessoas estão fascinadas por você?
Harry estava achando o Salão Principal muito quente de repente, mesmo que o céu continuasse
parecendo frio e chuvoso.
– E você teve que passar por toda aquela perseguição por parte do Ministério quando eles
tentavam fazer você parecer como instável e mentiroso. Ainda dá pra ver as marcas onde aquela
mulher má fez você escrever com o seu próprio sangue, mas você manteve sua história mesmo
assim...
– Ainda dá pra ver onde aqueles cérebros me agarraram no Ministério, olha – disse Rony,
levantando a manga da camisa.
– E também não atrapalha o fato de que você cresceu quase trinta centímetros durante o verão
– Hermione terminou, ignorando Rony.
– Eu sou alto – disse Rony de modo irrelevante.
As corujas do correio chegaram descendo pelas janelas respingadas de chuva, espirrando gotinhas
d’água em cima de todos. A maior parte das pessoas estava recebendo mais correspondência do que
o normal. Pais ansiosos estavam ávidos para ouvir de seus filhos e, em retorno, os reassegurar de que
tudo estava bem em casa. Harry não tinha recebido nenhuma carta desde o começo do período
letivo. O seu único correspondente regular agora estava morto e apesar de ter tido uma esperança de
que Lupin pudesse escrever ocasionalmente, ele tinha, até agora, se decepcionado. Ele ficou muito
surpreso, portanto, ao ver a coruja branca Edwiges circulando entre todas as corujas pardas e cinzas.
Ela pousou em frente a ele carregando um pacote grande e quadrado. Um momento depois, um
pacote idêntico pousou em frente de Rony, esmagando em baixo dele uma coruja minúscula e exausta,
Píchi.
– Há! – exclamou Harry, desembrulhando o pacote para revelar uma cópia nova do Preparo de
Poções – Nível Avançado, direto da Floreios e Borrões.
– Ah, que bom – disse Hermione, satisfeita. – Agora você pode devolver aquela cópia rabiscada.
– Você está louca? – perguntou Harry. – Eu vou ficar com ela! Olha, eu já pensei sobre isso...
Ele tirou a cópia velha do Preparo de Poções – Nível Avançado da mochila e bateu na capa com a
sua varinha, murmurando, – Diffindo! – A capa do livro se soltou. Ele fez a mesma coisa com o livro
novo em folha (Hermione pareceu escandalizada). Ele então trocou as capas, tocou com a varinha
em cada uma delas e disse – Reparo!
Ali estava a cópia do Príncipe, mascarada como um livro novo, e a cópia nova da Floreios e
Borrões, parecendo exatamente como um de segunda-mão.
– Eu vou devolver a Slughorn o livro novo. Ele não pode reclamar, custou nove Galeões.
Hermione apertou os lábios, parecendo furiosa e desaprovadora, mas foi distraída por uma
terceira coruja pousando em frente a ela e trazendo a cópia do dia do Profeta Diário. Ela a abriu
apressadamente e passou os olhos na primeira página.
– Alguém que a gente conhece morreu? – perguntou Rony em uma voz determinadamente
casual; ele fazia sempre a mesma pergunta todas as vezes que Hermione abria o jornal.
– Não, mas têm acontecido mais ataques de Dementadores – explicou Hermione – e uma
prisão.
113
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Excelente, quem? – disse Harry, pensando em Belatrix Lestrange.
– Stanislau Shunpike – respondeu Hermione.
– Quê? – perguntou Harry, assustado.
– “Stanislau Shunpike, condutor do popular transporte bruxo Nôitibus, foi preso por suspeita
de agir como Comensal da Morte. O Sr Shunpike, 21 anos, foi levado em custódia, tarde na noite de
ontem, após uma incursão na sua casa em Clapham...”
– Lalau Shunpike, um Comensal da Morte? – disse Harry, lembrando do jovem de pele marcada
por espinhas que havia conhecido três anos antes. – Sem chance!
– Ele pode ter sido colocado sob a Maldição Imperius – comentou Rony logicamente – Nunca
se sabe.
– Não parece ter sido isso – começou Hermione, que ainda estava lendo. – Aqui diz que ele foi
preso depois de o terem ouvido falar sobre planos secretos de Comensais da Morte em um bar. – Ela
olhou pra cima com uma expressão preocupada. – Se ele estivesse sob a Maldição Imperius, ele
dificilmente iria sair por aí, fofocando sobre os planos deles, iria?
– Soa como se ele quisesse mostrar que sabia mais do que realmente sabia – disse Rony. – Não
foi ele que disse que iria se tornar Ministro da Magia enquanto tentava jogar uma cantada em cima de
umas Veelas?
– É, foi ele – respondeu Harry. – Eu não sei o que eles estão querendo, levando o Lalau a sério.
– Eles provavelmente querem mostrar que estão fazendo alguma coisa – concluiu Hermione,
franzindo a testa. – As pessoas estão aterrorizadas. Vocês sabiam que os pais das gêmeas Patil querem
que elas voltem para casa? E Heloísa Midgeon já saiu da escola. O pai dela veio buscá-la ontem à
noite.
– O que? – indagou Rony, arregalando os olhos para Hermione. – Mas Hogwarts é mais segura
do que as casas delas, tem que ser! Nós temos Aurores, e todos aqueles feitiços de proteção, e nós
temos Dumbledore!
– Acho que não o temos o tempo todo – colocou Hermione com a voz baixa, olhando para a
mesa dos professores por cima do Profeta. – Vocês não repararam? A cadeira dele tem estado tão
vazia quanto a do Hagrid essa semana.
Harry e Rony olharam para a Mesa Principal. A cadeira do diretor realmente estava vazia.
Agora que Harry pensava sobre isso, ele não tinha visto Dumbledore desde a aula particular deles
uma semana antes.
– Acho que ele deixou a escola para fazer alguma coisa com a Ordem – sussurrou Hermione –
Quero dizer... está tudo parecendo bem sério, não está?
Harry e Rony não responderam, mas Harry sabia que eles estavam todos pensando a mesma
coisa. Tinha acontecido um incidente terrível no dia anterior, quando Ana Abbott tinha sido tirada
da aula de Herbologia para ser avisada de que sua mãe havia sido encontrada morta. Eles não tinham
visto Ana desde então.
Quando eles deixaram a mesa da Grifinória cinco minutos depois, para se dirigir ao campo de
Quadribol, eles passaram por Lilá Brown e Parvati Patil. Lembrando do que Hermione havia dito a
respeito dos pais das gêmeas Patil quererem que elas deixassem Hogwarts, Harry não se surpreendeu
ao ver que as duas melhores amigas estavam cochichando juntas, parecendo aflitas. O que o
surpreendeu foi que quando Rony se aproximou, Parvati de repente cutucou Lilá, que olhou em volta
e deu um grande sorriso para Rony. Rony piscou pra ela e então devolveu um sorriso incerto. O andar
dele instantaneamente se tornou exibido. Harry resistiu à tentação de rir, lembrando que Rony tinha
se refreado da mesma coisa depois que Malfoy quebrou o seu nariz. Hermione, no entanto, pareceu
fria e distante durante todo o caminho, debaixo da garoa fresca e nebulosa, até o estádio, e partiu para
achar um lugar nas arquibancadas sem desejar boa sorte a Rony.
Como Harry havia previsto, os testes levaram a maior parte da manhã. Parecia que metade da
Grifinória tinha comparecido: dos calouros, que nervosamente seguravam uma variedade de terríveis
vassouras velhas da escola, aos alunos do sétimo ano que, mais altos, se elevavam acima do grupo
114
Capítulo 11 – Uma Mãozinha de Hermione
parecendo intimidadores. Dentre os últimos, Harry viu um garoto grande, de cabelos fibrosos, que
reconheceu imediatamente do Expresso de Hogwarts.
– Nos conhecemos no trem, no compartimento do velho Sluggy – ele disse confiante, saindo
da multidão para apertar a mão de Harry. – Cormac McLaggen, goleiro.
– Você não tentou o time ano passado, tentou? – perguntou Harry, notando a largura de
McLaggen e pensando que ele provavelmente iria bloquear todos os três aros sem sequer se mexer.
– Eu estava na ala hospitalar quando os testes aconteceram – respondeu McLaggen, com um
tom meio orgulhoso. – Comi meio quilo de ovos de Fadas Mordentes por causa de uma aposta.
– Certo – disse Harry. – Bem... se você esperar por ali...
Ele apontou para o canto do campo, perto de onde Hermione estava sentada. Harry teve a
impressão de que viu um certo aborrecimento no rosto de McLaggen e pensou que McLaggen podia
estar esperando um tratamento preferencial por serem dois favoritos do “velho Sluggy”.
Harry decidiu começar com um teste básico, pedindo a todos os candidatos a entrar no time
que se dividissem em grupos de dez e voassem uma vez em volta do campo. Esta foi uma boa
decisão. O primeiro grupo de dez era composto por alunos do primeiro ano, e não poderia ficar mais
claro que eles dificilmente tinham voado antes. Apenas um menino conseguiu se manter no ar por
mais de alguns segundos, e ele ficou tão surpreso que rapidamente bateu em um dos aros.
O segundo grupo compreendia dez das garotas mais bobas que Harry já havia visto, que
simplesmente caíram em risadinhas e tentaram se segurar umas nas outras quando ele soprou o apito.
Romilda Vane estava entre elas. Quando ele lhes disse para deixarem o campo, elas o fizeram bem
alegremente e foram se sentar nas arquibancadas para importunar todos os outros.
O terceiro grupo sofreu um engavetamento na metade da volta pelo campo. A maior parte do
quarto grupo tinha vindo sem vassouras. O quinto grupo era de alunos da Lufa-lufa.
– Se tem mais alguém aqui que não é da Grifinória – rugiu Harry, que estava começando a ficar
extremamente irritado -, vá embora já, por favor!
Houve uma pausa, e então alguns pequenos corvinais saíram correndo do campo, às gargalhadas.
Depois de duas horas, muitas reclamações e algumas explosões de raiva (uma delas envolvendo
uma colisão de uma Comet 260, e vários dentes quebrados), Harry tinha encontrado três artilheiras:
Katie Bell, que voltou para o time depois de um teste excelente, uma nova achado chamado Demelza
Robins, que era particularmente boa em se esquivar de balaços, e Gina Weasley que tinha voado
mais do que os seus competidores, além de ter marcado dezessete gols. Apesar de estar satisfeito com
as suas escolhas, Harry também tinha gritado até ficar rouco com os muitos que reclamavam, e agora
estava lutando uma batalha parecida com os batedores rejeitados.
– Esta é a minha decisão final e se vocês não saírem do caminho para os goleiros, eu vou jogar
uma azaração em vocês – ele falou elevando a voz.
Nenhum dos batedores escolhidos tinha o velho brilhantismo de Fred e Jorge, mas Harry ainda
estava razoavelmente satisfeito com eles: Jimmy Peakes, um aluno do terceiro ano, baixo, mas de
tórax largo, que tinha conseguido fazer um calombo do tamanho de um ovo na parte de trás da
cabeça de Harry com um balaço rebatido com ferocidade, e Ritchie Coote, que parecia franzino, mas
mirava bem. Todos eles se juntaram a Katie, Demelza e Gina nas arquibancadas para assistir a
seleção do último membro do time.
Harry tinha propositalmente deixado o teste de goleiro para o fim, torcendo por um estádio
mais vazio e menos pressão em cima de todos envolvidos. Infelizmente, contudo, todos os candidatos
rejeitados e mais um número de pessoas que havia descido para assistir depois de um longo café da
manhã tinham se juntado à multidão, que agora era maior do que nunca. Enquanto cada goleiro
voava para os aros, a platéia rugia e zombava em intensidades iguais. Harry olhou para Rony, que
sempre tivera um problema com os nervos. Ele tinha esperado que a vitória do último jogo do ano
passado tivesse curado isto, mas aparentemente não; Rony apresentava um delicado tom esverdeado.
Nenhum dos cinco primeiros candidatos defendeu mais do que dois gols cada. Para grande
desapontamento de Harry, Cormac McLaggen defendeu quadro dos cinco pênaltis cobrados contra
115
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
ele. No último deles, contudo, ele foi em direção completamente oposta a que devia ir. A multidão
riu e vaiou, e McLaggen retornou ao chão rangendo os dentes.
Rony parecia pronto para desmaiar enquanto montava sua Cleansweep 11.
– Boa sorte! – gritou uma voz das arquibancadas. Harry olhou em volta, esperando ver Hermione,
mas tinha sido Lilá Brown. Ele bem que gostaria de esconder seu rosto em suas mãos, como ela fez
momentos depois, mas pensou que, como capitão, ele deveria mostrar mais bravura, então se virou
para assistir Rony fazer seu teste.
No entanto, Harry não precisava ter se preocupado. Rony defendeu um, dois, três, quatro,
cinco pênaltis seguidos. Contente, e resistindo com dificuldade à vontade de se juntar à multidão em
sua comemoração, Harry se voltou para McLaggen para informá-lo que, infelizmente, Rony tinha
conquistado a vaga, apenas para ver o rosto vermelho de McLaggen a centímetros do seu. Harry deu
um passo para trás rapidamente.
– A irmã dele não se empenhou de verdade – acusou McLaggen ameaçadoramente. Havia uma
veia pulsando em sua testa como uma que Harry já tinha visto muitas vezes no Tio Válter. – Ela lhe
deu uma defesa fácil.
– Besteira – disse Harry friamente. – Aquela foi a que ele quase perdeu.
McLaggen deu um passo a mais se aproximando de Harry, que desta vez não recuou.
– Me dá outra chance.
– Não – respondeu Harry. – Você teve a sua chance. Você defendeu quatro. Rony defendeu
cinco. Rony é o goleiro, ele conquistou a posição justa e claramente. Saia do meu caminho.
Ele pensou por um momento que McLaggen pudesse lhe dar um soco, mas ele se contentou
com uma careta feia, e foi embora rosnando o que soava como ameaças para o vento.
Harry se virou para encontrar o seu novo time sorrindo para ele.
– Parabéns – ele falou com a voz rouca. – Vocês voaram muito bem.
– Você foi ótimo, Rony!
Desta vez era realmente Hermione correndo em direção a eles das arquibancadas. Harry viu
Lilá saindo do campo, de braço dado com Parvati, com uma expressão bastante irritada no rosto.
Rony parecia extremamente satisfeito consigo mesmo e até mais alto do que o normal enquanto
sorria para o time e para Hermione.
Depois de determinar o horário do primeiro treino do time na próxima quinta-feira, Harry,
Rony e Hermione se despediram do resto do time e se dirigiram para a casa de Hagrid. Um sol fraco
agora tentava aparecer entre as nuvens e tinha finalmente parado de chuviscar. Harry sentia muita
fome, e estava torcendo para que tivesse alguma coisa para comer na cabana de Hagrid.
– Eu pensei que não ia conseguir defender aquele quarto pênalti – Rony estava falando
alegremente. – Disparo enganoso da Demelza, vocês viram? Tinha um efeito...
– Vi, vi, você foi maravilhoso – disse Hermione, parecendo contente.
– Eu fui melhor do que aquele McLaggen, pelo menos – continuou Rony em uma voz altamente
satisfeita. – Vocês o viram se movimentando pesadamente para o lado errado no quinto dele? Parecia
até que ele estava sob o efeito do Feitiço Confundus...
Para surpresa de Harry, Hermione se tornou um tom de rosa bem forte. Rony não percebeu
nada; ele estava tão ocupado descrevendo cada uma das suas defesas com detalhes carinhosos.
O grande Hipogrifo cinza, Bicuço, estava amarrado em frente à casa de Hagrid. Ele clicou o
seu bico afiado como navalha com a aproximação deles e virou sua enorme cabeça em sua direção.
– Ai, céus! – exclamou Hermione nervosa. – Ele ainda é um pouco assustador, não?
– Sai dessa, você até já montou nele, não foi? – perguntou Rony.
Harry deu um passo à frente e se inclinou fazendo uma reverência para o Hipogrifo sem quebrar
contato visual nem piscar. Depois de alguns segundos, Bicuço se inclinou em uma reverência também.
– Como é que você está? – Harry perguntou para ele em uma voz baixinha, se aproximando
para acariciar a cabeça cheia de penas. – Tem saudades dele? Mas você está bem aqui com Hagrid,
não está?
116
Capítulo 11 – Uma Mãozinha de Hermione
– Ei! – exclamou uma voz alta.
Hagrid vinha caminhando pelo canto da sua cabana usando um grande avental florido e
carregando um saco de batatas. Seu enorme cão de caçar javalis, Canino, deu um latido seco e veio
saltitando à frente.
– Sai de perto dele! Ele vai tirar seus dedos fora, ah... são vocês!
Canino estava pulando em cima de Hermione e Rony, tentando lamber suas orelhas. Hagrid
parou e olhou para todos eles por uma fração de segundo, depois virou e caminhou para a cabana,
fechando a porta atrás de si.
– Ai, céus! – disse Hermione, parecendo aflita.
– Não se preocupe – assegurou Harry carrancudo. Ele andou até a porta e bateu com força.
– Hagrid! Abre aqui, queremos falar com você!
Não vinha som algum do lado de dentro.
– Se você não abrir essa porta, nós vamos explodi-la! – berrou Harry, tirando sua varinha.
– Harry! – disse Hermione, soando chocada. – Você não pode estar...
– Posso sim! – retrucou Harry. – Sai de perto...
Mas antes que ele pudesse fazer qualquer outra coisa, a porta se escancarou novamente, como
Harry sabia que iria acontecer, e ali estava Hagrid, olhando com raiva para eles e parecendo, apesar
do avental estampado por flores, verdadeiramente alarmante.
– Eu sou um professor! – rugiu para Harry. – Um professor, Potter! Como se atreve a ameaçar
pôr a minha porta abaixo!
– Desculpe, senhor – disse Harry, enfatizando a última palavra enquanto guardava a varinha
dentro de suas vestes.
Hagrid parecia atônito.
– Desde quando você me chama de “senhor”?
– Desde quando você me chama de “Potter”?
– Ah, muito esperto – rosnou Hagrid. – Muito engraçado. Tá aí você sendo mais inteligente
que eu, não é? Muito bem, entrem então, seus pequenos ingratos...
Resmungando ameaçadoramente, ele se afastou e os deixou passar. Hermione entrou apressada
depois de Harry, parecendo particularmente assustada.
– Então? – indagou Hagrid irritado, enquanto Harry, Rony e Hermione se sentavam em volta
da sua enorme mesa de madeira. Canino deitou sua cabeça imediatamente em cima do joelho de
Harry, babando toda a sua veste. – O que é isso? Tão com pena de mim? Acham que eu tô me
sentindo sozinho ou coisa assim?
– Não – respondeu Harry imediatamente. – Queríamos ver você.
– Sentimos a sua falta! – completou Hermione tremendo.
– Sentiram minha falta, foi? – bufou Hagrid. – É. Certo...
Ele andava pela cabana, preparando chá em sua enorme chaleira de cobre, resmungando o
tempo todo. Finalmente ele jogou na mesa, em frente a eles, três canecas do tamanho de baldes com
seu chá cor de mogno marrom e um prato dos seus bolinhos duros. Harry estava com fome suficiente
para a culinária de Hagrid e pegou um imediatamente.
– Hagrid – começou Hermione timidamente, quando ele se juntou aos alunos na mesa e começou
a descascar batatas com uma brutalidade que sugeria que cada bulbo lhe tinha feito uma grande
ofensa pessoal -, nós realmente queríamos continuar com Trato das Criaturas Mágicas, você sabe.
Hagrid deu mais uma grande bufada. Harry pensou que alguns perdigotos tinham pousado nas
batatas, e ficou interiormente agradecido de que não iam ficar para o jantar.
– Nós queríamos! – repetiu Hermione. – Mas nenhum de nós conseguiu encaixar a matéria em
nossos horários.
– É. Certo. – ele bufou novamente.
Um som engraçado de sucção fez com que todos olhassem em volta: Hermione soltou um
pequeno guincho e Rony pulou da sua cadeira e correu em volta da mesa para se distanciar do grande
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
barril encostado no canto e que só agora havia sido notado. Ele estava cheio do que pareciam larvas
de uns trinta centímetros, finas, brancas, se retorcendo.
– O que são, Hagrid? – perguntou Harry, tentando soar interessado e não enojado, mas colocando
seu bolinho na mesa mesmo assim.
– Apenas larvas gigantes – respondeu Hagrid.
– E elas viram... – Rony começou, parecendo apreensivo.
– Elas não vão virar nada – disse Hagrid. – Eu as consegui para alimentar Aragogue.
E sem aviso, ele caiu no choro.
– Hagrid! – gritou Hermione levantando, correndo em volta da mesa pelo lado mais longo para
evitar passar pelo barril de larvas, e colocando um braço em volta do ombro trêmulo do meio gigante.
– O que foi?
– É que... ele ... – Hagrid engoliu em seco, seus olhos de besouros negros jorrando lágrimas
enquanto ele secava o rosto com seu avental. – É... Aragogue... eu acho que ele tá morrendo... ficou
doente durante o verão e não tá melhorando... eu não sei o que vou fazer se ele ... se ele ... a gente tá
junto há tanto tempo...
Hermione dava tapinhas no ombro de Hagrid, parecendo perdida sem ter o que dizer. Harry
sabia como ela estava se sentindo. Ele sabia que Hagrid já havia presenteado um dragão bebê cruel
com um ursinho de pelúcia, já o tinha visto falar docemente com escorpiões possuidores de ventosas
e ferrões, tentar persuadir seu meio-irmão, um gigante rude, a agir civilizadamente, mas este era
talvez o mais incompreensível de todos os seus casos de zelo por monstros: a aranha gigante e
falante, Aragogue, que residia no coração da Floresta Proibida e da qual ele e Rony tinham escapado
por pouco quatro anos antes.
– Tem ... tem alguma coisa que nós possamos fazer? – Hermione perguntou, ignorando o
balançar de cabeça e as caretas frenéticas de Rony.
– Acho que não, Hermione – respondeu Hagrid com a voz engasgada, tentando parar o fluxo
de suas lágrimas. – Olha, o resto da tribo ... a família de Aragogue ... eles tão ficando meio estranhos
agora que ele tá doente ... um pouco inquietos ...
– É, acho que vimos um pouco desse lado deles – murmurou Rony em uma voz baixinha.
– ...não acho que seria seguro para outra pessoa, que não eu, se aproximar da colônia no
momento – Hagrid concluiu, assoando o nariz com força em seu avental e olhando para eles. – Mas
obrigado por oferecer, Hermione ... significa muito pra mim.
Depois de a atmosfera ter ficado consideravelmente mais leve, e por mais que nem Harry nem
Rony tivessem mostrado uma inclinação para ir alimentar com larvas uma gigantesca aranha assassina,
Hagrid pareceu assumir que eles gostariam de fazê-lo e voltou a agir mais como ele mesmo.
– Ah, eu sempre soube que vocês teriam dificuldade para me encaixar nos horários de vocês –
disse rouco, servindo mais chá em suas canecas. – Mesmo que vocês solicitassem Vira-Tempos...
– Não poderíamos fazer isso – explicou Hermione. – Nós quebramos todo o estoque de ViraTempos do Ministério quando estivemos lá no verão. Saiu no Profeta Diário.
– Ah, bom, então... – disse Hagrid. – Não tinha como vocês fazerem ... me desculpem eu tenho
estado, vocês sabem, eu tenho estado preocupado com Aragogue ... e eu pensei que se a professora
Grubbly-Plank estivesse ensinando vocês...
E nisto, todos os três declararam categoricamente e falsamente que a professora GrubblyPlank, que havia substituído Hagrid algumas vezes, era péssima professora. Como resultado disso,
quando Hagrid se despediu deles ao anoitecer, ele parecia bem mais contente.
– Estou morrendo de fome – comentou Harry, uma vez que a porta havia se fechado atrás
deles e eles se apressavam pela propriedade escura e deserta. Ele havia abandonado o bolinho depois
de ter ouvido um som ameaçador de estalo vir de um de seus dentes de trás. – E ainda tenho aquela
detenção com Snape hoje à noite, não tenho muito tempo para jantar.
Ao entrarem no castelo, eles localizaram Cormac McLaggen entrando no Salão Principal. Ele
precisou de duas tentativas para passar pela porta, pois ricocheteou no batente na primeira tentativa.
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Capítulo 11 – Uma Mãozinha de Hermione
Rony meramente gargalhou da desgraça do outro e seguiu para o Salão Principal depois dele, mas
Harry segurou o braço de Hermione e segurou-a atrás.
– O que? – perguntou Hermione na defensiva.
– Se você me perguntar – disse Harry baixinho -, parece mesmo que McLaggen estava
Confundido. E ele estava em pé bem em frente de onde você estava sentada.
Hermione corou.
– Ai, está bom então, eu fiz o feitiço – ela sussurrou. – Mas você devia ter escutado o jeito
como ele estava falando do Rony e da Gina! De qualquer forma, ele tem um temperamento péssimo,
você viu como ele reagiu quando não conseguiu a vaga. Você realmente não gostaria de ter alguém
assim no time.
– Não – concordou Harry. – Não mesmo, acho que é verdade. Mas aquilo não foi desonesto,
Hermione? Quero dizer, você é uma monitora, não é?
– Ah, cala a boca – ela disse, enquanto ele ria afetadamente.
– O que é que vocês estão fazendo? – perguntou Rony, reaparecendo na porta do Salão Principal,
com uma expressão de suspeita.
– Nada – responderam Harry e Hermione juntos, e eles se apressaram depois de Rony. O
aroma do rosbife fez com que o estômago de Harry doesse de fome, mas eles mal tinham dado três
passos em direção à mesa da Grifinória quando o professor Slughorn apareceu na frente deles
bloqueando o caminho.
– Harry, Harry, justamente quem eu queria encontrar! – ele rugiu alegremente, virando as
pontas do seu bigode de morsa e inflando sua enorme barriga. – Estava torcendo para encontrar você
antes do jantar! O que você diz de um jantar nos meus aposentos ao invés de aqui? Estamos tendo
uma pequena festa, apenas algumas estrelas em ascensão. O McLaggen está vindo, o Zabini também,
a encantadora Melinda Bobbin, não sei se você conhece. A família dela é dona de uma grande cadeia
de boticas, e é claro, espero que a Senhorita Granger me dê o prazer de sua presença também.
Slughorn fez uma pequena reverência para Hermione enquanto terminava de falar. Era como
se Rony não estivesse presente; Slughorn sequer olhou para ele.
– Não posso ir, professor – disse Harry imediatamente. – Eu tenho que cumprir detenção com
o professor Snape.
– Oh, céus! – exclamou Slughorn, sua expressão murchando comicamente. – Céus, céus, eu
estava contando com você, Harry! Bem, agora eu terei que ter uma palavrinha com Severo para
explicar a situação. Tenho certeza de que vou conseguir persuadi-lo de adiar a sua detenção. Sim,
vejo vocês dois mais tarde!
Ele se apressou para fora do Saguão de Entrada.
– Ele não tem chance de persuadir o Snape – comentou Harry, no instante em que Slughorn já
não podia ouvi-lo. – Esta detenção já foi adiada uma vez, Snape fez isso por Dumbledore, mas não
vai fazê-lo para mais ninguém.
– Ah, eu queria que você pudesse ir, não quero ir sozinha! – disse Hermione ansiosamente.
Harry sabia que ela estava pensando em McLaggen.
– Duvido que você fique sozinha, Gina provavelmente será convidada – Rony respondeu
rispidamente, como quem não estava aceitando bem o fato de ter sido ignorado por Slughorn.
Depois do jantar, eles voltaram para a Torre da Grifinória. O salão comunal estava bastante
amontoado, já que a maioria das pessoas já tinham terminado o jantar, mas os três conseguiram achar
uma mesa livre e se sentaram. Rony que estava de mau humor, desde o encontro com Slughorn,
cruzou os braços e franziu a testa para o teto. Hermione pegou uma cópia do Profeta da Noite, que
alguém havia abandonado em uma cadeira.
– Algo de novo? – perguntou Harry.
– Na verdade não ... – Hermione tinha aberto o jornal e estava lendo as páginas de dentro por
alto. – Ah, olha, seu pai está aqui, Rony, ele está bem! – ela acrescentou rapidamente, porque Rony
havia olhado em volta alarmado. – Só diz aqui que ele fez uma visita à casa dos Malfoy. “Esta
119
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
segunda investigação na residência do Comensal da Morte aparentemente não rendeu nenhum
resultado. Arthur Weasley da Seção para a Detecção e o Confisco de Falsos Feitiços Defensivos e
Objetos Protetores disse que a sua equipe estava seguindo uma denuncia confidencial”.
– É, minha! – explicou Harry. – Eu disse a ele na Estação de King’s Cross sobre Malfoy e
aquilo que ele queria fazer com que Borgin consertasse! Bem, se não está na casa deles, ele deve ter
trazido o que quer que seja para Hogwarts com ele.
– Mas como ele pode ter feito isso, Harry? – indagou Hermione, baixando o jornal como uma
cara surpresa. – Todos nós passamos por uma revista quando chegamos, não passamos?
– Vocês passaram? – perguntou Harry, surpreso. – Eu não!
– Ah, não, claro que você não passou pela revista, eu esqueci que você chegou atrasado... bem,
Filch passou um Sensor de Segredos quando chegamos no Saguão de Entrada. Qualquer objeto das
trevas seria encontrado. Fiquei sabendo que Crabble teve uma cabeça jívara confiscada. Então Malfoy
não pode ter trazido nada perigoso!
Momentaneamente aturdido, Harry observou Gina Weasley brincando com Arnold, o mini
pufoso, por uns instantes antes de ver uma saída para sua objeção.
– Alguém mandou para ele por coruja, então – ele disse. – A mãe dele ou outra pessoa.
– Todas as corujas estão sendo checadas também – afirmou Hermione. – Filch nos disse
enquanto nos vistoriava com aqueles Sensores de Segredos em todos os lugares que podia alcançar.
Realmente sem respostas desta vez, Harry não achou mais nada para dizer. Parecia que não
havia nenhum jeito de Malfoy ter trazido um objeto perigoso ou das trevas para a escola. Ele olhou
com esperança para Rony, que estava sentando com os braços cruzados, olhando para Lilá Brown.
– Você pode pensar em alguma maneira com a qual Malfoy...
– Ah, Harry, desiste – cortou Rony.
– Olha, não é minha culpa que o Slughorn convidou a Hermione e eu para sua festa estúpida,
nenhum de nós quer ir, você sabe! – fulminou Harry, se esquentando.
– Bem, como não sou convidado para nenhuma festa – disse Rony, se levantando -, acho que
vou dormir.
Rony caminhou pesadamente em direção ao dormitório dos meninos, deixando Harry e Hermione
olhando para ele.
– Harry? – chamou a nova artilheira, Demelza Robins, aparecendo de repente no seu ombro. –
Tenho uma mensagem para você.
– É do professor Slughorn? – perguntou Harry, sentando esticado esperançosamente.
– Não... do professor Snape, – respondeu Demelza. Harry ficou desapontado. – Ele disse que
você deve ir à sua sala às oito e meia, hoje à noite, para a sua detenção... er ... não importa quantos
convites para festas você tenha recebido. E ele queria que você soubesse que você estará separando
vermes podres de vermes bons, para usar em Poções, e ... e ele disse que você não precisa trazer
luvas de proteção.
– Certo – disse Harry com raiva. – Muito obrigado, Demelza.
120
– CAPÍTULO 12 –
Prata e Opalas
Onde estava Dumbledore, e o que ele estava fazendo? Harry viu o diretor apenas duas vezes
durante as semanas seguintes. Ele raramente aparecia às refeições, e Harry estava certo que Hermione
tinha razão ao achar que ele estava deixando o colégio por mais de um dia a cada vez. Teria Dumbledore
esquecido as aulas que deveria estar dando ao Harry? Dumbledore disse que as lições estavam
conduzindo a algo relacionado à profecia; Harry sentira-se apoiado, confortado, e agora ele se sentia
levemente abandonado.
Na metade de Outubro, veio o primeiro passeio do ano letivo a Hogsmeade. Harry se perguntara
se essas viagens ainda seriam permitidas, dado às medidas de segurança cada vez mais severas em
torno da escola, mas ficou satisfeito em saber que elas continuariam; era sempre bom sair da propriedade
do castelo por algumas horas.
Harry acordou cedo na manhã do passeio, que se mostrava chuvosa, e passou o tempo até o
café da manhã lendo sua cópia do Preparo de Poções – Nível Avançado. Ele geralmente não ficava
deitado lendo seus livros escolares; esse tipo de comportamento, como Rony com razão disse, era
vergonhoso para qualquer um exceto Hermione, que simplesmente era esquisita assim mesmo. Harry
sentiu, porém, que a cópia do Preparo de Poções – Nível Avançado do Príncipe Mestiço dificilmente
poderia ser qualificada como um livro escolar. Quanto mais Harry vasculhava o livro, mais percebia
o quanto estava ali, não apenas as dicas úteis e atalhos para as poções que estavam lhe dando uma
reputação brilhante junto a Slughorn, mas também imaginativos pequenos feitiços e azarações
rabiscados nas margens, os quais, Harry tinha certeza, a julgar pelos riscos e revisões, que o Príncipe
havia ele mesmo inventado.
Harry já havia tentado alguns dos feitiços inventados pelo próprio Príncipe. Havia uma azaração
que fazia com que as unhas do pé crescessem assustadoramente rápido (ele tentou isso com Crabbe
no corredor, com resultados bastante divertidos); um que colava a língua no céu da boca (o qual ele
usou duas vezes, para aplauso geral, em um desprevenido Argo Filch); e, talvez o mais útil de todos,
Muffliato, um feitiço que enchia os ouvidos de qualquer um próximo com um zumbido não identificável,
de modo que conversas longas podiam ser mantidas na sala de aula sem serem ouvidas. A única
pessoa que não achou esses encantos divertidos foi Hermione, que mantinha uma expressão rígida
de desaprovação o tempo todo e se recusava a falar qualquer coisa caso Harry houvesse usado o
feitiço Muffliato em alguém nas vizinhanças.
Sentado na cama, Harry girou o livro de lado para examinar mais de perto as instruções rabiscadas
de um feitiço que pareceu causar ao Príncipe um pouco de problema. Havia muitos riscos e alterações,
mas finalmente, esmagado em um canto da página, o rabisco:
Levicorpus (n-vbl)
Enquanto o vento e a chuva com neve golpeavam com crueldade as janelas, e Neville roncava
alto, Harry fixou-se nas letras entre parênteses. N-vbl... aquilo deveria significar “não-verbal”. Harry
duvidou que fosse capaz de lançar esse feitiço em particular; ainda estava tendo dificuldade em
121
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
feitiços não-verbais, algo que Snape apressara-se em comentar em todas as aulas de D.C.A.T. Por
outro lado, o Príncipe tinha se mostrado até então um professor muito mais efetivo que Snape.
Apontando sua varinha para nada em particular, ele deu uma leve sacudida para cima e disse
Levicorpus! dentro de sua mente.
– Aaaaaaaargh!
Houve um flash de luz e o quarto encheu-se de vozes: todos acordaram com o grito que Rony
havia soltado. Harry soltou o Preparo de Poções – Nível Avançado em pânico; Rony estava pendurado de
cabeça para baixo no meio do ar como se um gancho invisível o tivesse içado pelo tornozelo.
– Desculpa! – gritou Harry, enquanto Dino e Simas rolavam de rir e Neville levantava-se do
chão, pois tinha caído da cama – Espere, eu vou deixar você descer...
Ele procurou pelo livro de poções e o folheou em pânico, tentando achar a página; finalmente
a localizou e decifrou a palavra espremida abaixo do feitiço: rezando para que aquilo fosse o
contrafeitiço, Harry pensou Liberacorpus! com toda a sua força.
Houve um outro flash de luz, e Rony caiu com tudo em seu colchão.
– Desculpa – repetiu Harry fracamente, enquanto Dino e Simas continuavam a rolar de rir.
– Amanhã – disse Rony com uma voz abafada – eu acho melhor que você prepare o despertador.
Quando acabaram de se vestir, enchendo-se com vários suéteres tricotados à mão pela Sra.
Weasley e carregando capas, cachecóis e luvas, o choque de Rony havia diminuído e ele concluiu que
o feitiço novo de Harry era muito divertido; tão divertido, na verdade, que ele foi logo entretendo
Hermione com a história quando eles sentaram-se para o café da manhã.
– ...e houve um outro flash de luz e eu caí na cama novamente! – Rony sorriu, servindo-se de
salsichas.
Hermione não deu um sorriso durante a anedota, e depois virou-se com uma expressão de pura
desaprovação para Harry.
– Esse feitiço era, por um acaso, um outro daqueles do seu livro de poções? – perguntou.
Harry olhou-a com a testa franzida.
– Sempre tirando as piores conclusões, não é?
– Era?
– Bem... sim, era, mas e daí?
– Então você apenas decidiu tentar um encantamento desconhecido e escrito à mão e ver o
que acontecia?
– Que diferença faz se era escrito à mão? – disse Harry, preferindo não responder o resto da
pergunta.
– Porque provavelmente não é aprovada pelo Ministério da Magia – disse Hermione – e também
– acrescentou, enquanto Harry e Rony reviravam o olhos – porque estou começando a achar que a
índole desse Príncipe era um pouco esquiva.
Harry e Rony a calaram imediatamente com um berro.
– Foi uma piada! – disse Rony, virando uma garrafa de ketchup sobre suas salsichas – Apenas
uma piada, Hermione, só isso!
– Pendurar pessoas de cabeça para baixo pelo tornozelo? – disse Hermione – Quem dedica seu
tempo e energia a fazer feitiços como esses?
– Fred e George – disse Rony, dando de ombros – é o tipo de coisa deles. E, er...
– Meu pai – disse Harry. Ele havia acabado de lembrar.
– O quê? – disseram Rony e Hermione juntos.
– Meu pai usou esse feitiço – disse Harry – Eu... Lupin me contou.
Esta última parte não era verdade; Harry havia visto seu pai usar esse feitiço em Snape, mas
nunca havia contado a Rony e Hermione sobre essa sua excursão em particular à Penseira. Agora,
porém, uma possibilidade maravilhosa ocorreu a ele. Poderia o Príncipe Mestiço ser...
122
Capítulo 12 – Prata e Opalas
– Talvez seu pai o tenha realmente usado, Harry – disse Hermione – mas ele não foi o único.
Nós já vimos um grande número de pessoas o usando, caso vocês tenham esquecido. Pendurando
pessoas no ar. Fazendo-as flutuar, dormindo, indefesas.
Harry a encarou. Com um sentimento de desânimo, ele também lembrou do comportamento
dos Comensais da Morte na Copa do Mundo de Quadribol. Rony veio em sua ajuda:
– Aquilo foi diferente – disse com firmeza – eles estavam maltratando. Harry e seu pai estavam
apenas se divertindo. Você não gosta do Príncipe, Hermione – ele acrescentou, apontando-a
severamente com uma salsicha – porque ele é melhor que você em Poções...
– Não tem nada a ver com isso! – disse Hermione, suas faces avermelhando-se. – Eu só acho
muita irresponsabilidade começar a lançar feitiços quando você sequer sabe para que servem, e pare
de falar sobre “o Príncipe” como se fosse seu título, aposto que é apenas um estúpido apelido, e não
me parece que ele fosse uma boa pessoa!
– Não sei de onde você tirou isso – disse Harry esquentado. – Caso ele tivesse sido um Comensal
da Morte em desenvolvimento, ele não estaria se gabando de ser “mestiço”, estaria?
Enquanto dizia isso, Harry lembrou-se que seu pai era sangue-puro, mas tirou esse pensamento
de sua cabeça, ele se preocuparia com isso depois...
– Os Comensais da Morte não podem ser todos sangue-puros. Não restaram bruxos sanguepuros suficientes – disse Hermione com teimosia. – Eu acho que a maioria deles são mestiços que
fingem ser puros. São apenas os nascidos trouxas que eles odeiam, eles ficariam muito felizes em
deixar você e o Rony se juntarem a eles.
– Não há como eles me deixarem ser um Comensal da Morte! – disse Rony indignado, enquanto
um pedaço de salsicha voava do garfo que ele estava agora brandindo contra Hermione e acertou
Ernesto Macmillan na cabeça – Toda a minha família é de traidores do sangue! Isto é tão ruim quanto
nascidos trouxas para os Comensais da Morte!
– E eles adorariam contar comigo – disse Harry sarcasticamente. – Nós seríamos grandes
amigos se eles não continuassem tentando me matar.
Isso fez Rony rir; até Hermione deu um sorriso relutante, e a distração chegou sob a forma de
Gina.
– Ei, Harry, eu tenho que te dar isto.
Era um rolo de pergaminho no qual o nome de Harry estava escrito com uma letra fina e
inclinada.
– Obrigado, Gina... é a próxima aula do Dumbledore! – Harry disse a Rony e Hermione, abrindo
o pergaminho e rapidamente lendo seu conteúdo. – Segunda à noite! – ele se sentiu de repente leve e
alegre – Quer juntar-se a nós em Hogsmeade, Gina? – perguntou.
– Eu estou indo com o Dino, talvez os encontre por lá – ela respondeu, acenando para eles
enquanto saía.
Filch estava em pé ao lado das portas de carvalho da frente como sempre, checando os nomes
das pessoas que tinham permissão para ir a Hogsmeade. O processo demorou ainda mais que o
normal, já que Filch estava checando três vezes todo mundo com seu Sensor de Segredos.
– Por que importa se estamos contrabandeando coisas das Trevas para FORA? – perguntou
Rony, olhando o Sensor de Segredos com apreensão – Com certeza você não deveria estar checando
o que trouxermos para DENTRO?
Seu atrevimento lhe rendeu alguns golpes extras com o Sensor, e ele ainda estava se encolhendo
quando eles saíram ao vento gelado e a neve com chuva.
A caminhada para Hogsmeade não foi prazerosa. Harry enrolou seu cachecol em torno da
parte debaixo de seu rosto; a parte exposta logo ficou irritada e dormente. A estrada para o vilarejo
estava repleta de estudantes curvados contra o vento severo. Mais de uma vez Harry imaginou se
eles não teriam tido momentos melhores no salão comunal quentinho, e quando eles finalmente
chegaram a Hogsmeade e viram que a Zonko’s – Logros e Brincadeiras havia sido coberta de tábuas,
Harry tomou isso como uma confirmação de que aquele passeio não estava destinado a ser divertido.
123
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Rony apontou, com uma mão enluvada, em direção à Dedosdemel, que estava misericordiosamente
aberta, e Harry e Hermione cambalearam atrás dele em direção à loja lotada.
– Graças a Deus – disse Rony tremendo enquanto eram envolvidos pelo ar quente e cheirando
a caramelo. – Vamos ficar aqui a tarde toda.
– Harry, meu garoto! – disse uma voz rouca atrás deles.
– Ah, não – resmungou Harry. Os três viraram-se para ver o Professor Slughorn, que estava
vestindo um enorme chapéu peludo e um sobretudo com um colarinho de pele que combinava,
segurando um grande saco de abacaxi cristalizado, e ocupando pelo menos um quarto da loja.
– Harry, já são três os meus jantares que você perdeu agora! – disse Slughorn, batendo alegremente
no seu peito – Não vai adiantar, meu garoto, eu estou determinado a tê-lo! A Srta. Granger os adora,
não é?
– Sim – disse Hermione desamparadamente – elas são muito...
– Então por que você não vem junto, Harry? – reclamou Slughorn.
– Bem, eu tenho tido treinos de Quadribol, professor – disse Harry, que realmente esteve
marcando treinos toda vez que Slughorn lhe mandava um pequeno convite violeta adornado com
uma fita. Esta estratégia tinha o propósito de não deixar o Rony de lado, e geralmente eles se divertiam
com a Gina, imaginando Hermione calada com McLaggen e Zabini.
– Bem, eu certamente espero que você ganhe sua primeira partida após todo esse trabalho
duro! – disse Slughorn – Mas um pouco de recreação nunca machuca ninguém. Agora, que tal segunda
à noite, seguramente você não pode querer treinar com esse tempo...
– Eu não posso, professor, eu tenho... er... um encontro marcado com o Professor Dumbledore
nessa noite.
– Sem sorte de novo! – gritou Slughorn dramaticamente – Ah, bem... você não pode fugir de
mim para sempre, Harry!
E com um aceno majestoso, ele saiu com dificuldade da loja, mal notando Rony, como se ele
fosse uma mostra de Torrões de Barata.
– Eu não acredito que você escapou de mais um – disse Hermione, balançando sua cabeça. –
Eles não são tão ruins, sabe... eles são até bem divertidos às vezes... – mas depois ela notou a
expressão de Rony. – Oh, olhe, eles têm Penas de Açúcar de luxo, essas durariam horas!
Feliz por Hermione ter mudado de assunto, Harry mostrou muito mais interesse nas novas
Penas de Açúcar Extra Grandes do que normalmente teria, mas Rony ainda parecia mal-humorado e
simplesmente deu de ombros quando Hermione lhe perguntou aonde ele gostaria de ir.
– Vamos ao Três Vassouras – disse Harry. – Vai estar quente.
Eles colocaram os cachecóis novamente ao redor de seus rostos e saíram da loja de doces. O
vento severo parecia faca em seus rostos depois do açucarado calor da Dedosdemel. A rua não
estava muito cheia; ninguém parava para conversar, apenas corriam em direção aos seus destinos. As
exceções eram dois homens um pouco adiante deles, parados bem em frente ao Três Vassouras. Um
era muito alto e magro; apertando os olhos através dos seus óculos molhados pela chuva, Harry
reconheceu o barman que trabalhava no outro pub de Hogsmeade, o Cabeça de Javali. Conforme
Harry, Rony e Hermione chegavam mais perto, o barman apertou mais a sua capa ao redor do pescoço
e foi embora, deixando o homem mais baixo remexendo algo em seus braços. Eles estavam a poucos
passos dele quando Harry percebeu quem era o homem.
– Mudungo!
O homem atarracado e de pernas arqueadas, com um cabelo ruivo longo e desgrenhado pulou
e deixou cair uma valise velha, que abriu, deixando cair o que parecia todo o conteúdo de uma vitrine
de loja de sucatas.
– Oh, ‘lá, ‘arry – disse Mundungo Fletcher numa tentativa não convincente de aparentar
naturalidade. – Bem, não me deixe prender vocês.
E começou a escarafunchar rapidamente no chão para recuperar o conteúdo de sua valise com
todo o jeito de um homem ansioso para ir embora.
124
Capítulo 12 – Prata e Opalas
– Você esta vendendo essas coisas? – perguntou Harry, vendo Mundungo pegar do chão uma
variedade de objetos que pareciam sujos.
– Ah, bem, tenho que sobreviver – disse Mundungo. – Me dê isso!
Rony inclinou-se e pegou algo de prata.
– Espera aí – disse Rony devagar. – Isso parece familiar...
– Obrigado! – disse Mundungo, arrancando o cálice da mão de Rony e enfiando-o de volta na
mala. – Bem, vejo vocês em... AI!
Harry prendeu Mundungo contra a parede do pub pela garganta. Segurando-o firmemente com
uma mão, ele puxou a varinha.
– Harry! – gritou Hermione.
– Você roubou aquilo da casa do Sirius – disse Harry, que estava quase nariz com nariz com
Mundungo e estava inspirando um cheiro desagradável de tabaco e álcool. – Aquilo tem o brasão da
família Black.
– Eu... não... o quê...? – balbuciou Mundungo, que estava aos poucos ficando roxo.
– O que você fez, foi lá na noite em que ele morreu e esvaziou o lugar? – rosnou Harry.
– Eu... não...
– Dê-me isso!
– Harry, você não pode! – berrou Hermione, enquanto Mundungo tornava-se azul.
Houve um bang, e Harry sentiu sua mão voar do pescoço de Mundungo. Ofegante e
resmungando, Mundungo pegou sua valise caída, e – CRACK – ele desaparatou.
Harry xingou o mais alto que pôde, girando no local para ver aonde Mundungo havia ido.
– VOLTE AQUI, SEU LADRÃO...!
– Não adianta, Harry.– Tonks tinha aparecido do nada, seu cabelo de rato molhado com neve.
– Mundungo deve estar em Londres agora. Não há sentido em gritar.
– Ele roubou as coisas de Sirius! Roubou-as!
– Sim, mas mesmo assim – disse Tonks, que parecia perfeitamente tranqüila com essa informação
– vocês devem sair do frio.
Ela os observou entrar pela porta do Três Vassouras. Assim que entrou, Harry explodiu. – Ele
estava roubando as coisas do Sirius!
– Eu sei, Harry, mas por favor não grite, as pessoas estão olhando – sussurrou Hermione. – Vá
e sente-se, eu pegarei uma bebida para você.
Harry ainda estava espumando quando Hermione voltou à mesa deles alguns minutos depois
segurando três garrafas de cerveja amanteigada.
– A Ordem não pode controlar Mundungo? – Harry reclamou com os outros dois em um
sussurro furioso – Eles não podem ao menos fazê-lo parar de roubar tudo que não está preso na casa
quando ele está na sede?
– Shh! – disse Hermione desesperadamente, olhando em volta para ter certeza que ninguém
estava ouvindo; havia alguns bruxos sentados próximos que estavam encarando Harry muito
interessados, e Zabini estava apoiado contra um pilar não muito distante. – Harry, eu estaria chateada
também, eu sei que são suas coisas que ele está roubando...
Harry sentiu-se nauseado com sua cerveja amanteigada; ele momentaneamente esquecera que
era o dono do Largo Grimmauld, número doze.
– Sim, são minhas coisas! – disse – não é de se estranhar que ele não estivesse satisfeito em me
ver! Eu vou dizer a Dumbledore o que está acontecendo, ele é o único que assusta Mundungo.
– Boa idéia – sussurrou Hermione, claramente agradecida por Harry estar se acalmando. –
Rony, o que você está olhando?
– Nada – disse Rony, rapidamente olhando para longe do bar, mas Harry sabia que ele estava
tentando obter a atenção da atraente dona do bar, Madame Rosmerta, por quem ele há tempos tinha
um queda.
– Espero que “nada” esteja lá atrás pegando mais uísques de fogo – disse Hermione ferina.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Rony ignorou essa zombaria bebericando sua bebida no que evidentemente considerava um
silêncio digno. Harry estava pensando em Sirius e em como odiava aqueles cálices de prata de qualquer
forma. Hermione tamborilava os dedos na mesa, seus olhos alternando entre Rony e o bar.
Quando Harry esvaziou as últimas gotas de sua garrafa, ela disse: – Devemos então dar por
encerrado o dia e voltarmos pra escola?
Os outros dois concordaram com a cabeça; não tinha sido um passeio agradável e o tempo
estava ficando pior quanto mais eles permaneciam lá. Mais uma vez fecharam suas capas ao redor de
si bem apertadas, ajeitaram seus cachecóis, vestiram suas luvas e então seguiram Katie Bell e uma
amiga para fora do pub na Rua Principal. Os pensamentos de Harry vagaram até Gina enquanto eles
andavam com dificuldade pela estrada para Hogwarts pela neve derretida e depois congelada. Eles
não tinham se encontrado com ela, certamente, pensou Harry, porque ela e Dino estavam fechados e
aconchegados na Casa de Chá da Madame Puddifoot, aquele lugar de casais felizes. De cara feia, ele
abaixou a cabeça contra a chuva congelada e continuou a andar.
Passou-se um pouco tempo até Harry perceber que as vozes de Katie Bell e sua amiga, que
eram trazidas para trás com o vento, haviam se tornado mais agudas e altas. Harry deu uma olhada
em suas figuras indistintas. As duas garotas estavam discutindo sobre algo que Katie tinha em suas
mãos.
– Você não tem nada a ver com isso, Leanne! – Harry ouviu Katie dizer.
Eles dobraram uma esquina da estrada, a neve caindo mais grossa e rápida, embaçando os
óculos de Harry. Assim que ele levantou sua mão enluvada para limpá-los, Leanne conseguiu agarrar
o pacote que Katie estava segurando; Katie puxou novamente de volta com força e o pacote caiu no
chão.
De repente, Katie pairou no ar, não como Rony havia feito, suspendido comicamente pelo
tornozelo, mas graciosamente, seus braços estendidos, como se ela estivesse prestes a voar. Porém,
havia algo errado, algo assustador... seus cabelos agitavam-se rapidamente com o vento forte, mas
seus olhos estavam fechados e seu rosto estava bastante sem expressão. Harry, Rony, Hermione e
Leanne pararam todos em seus caminhos, observando.
Então, dois metros acima do chão, Katie soltou um grito terrível. Seus olhos abriram-se, mas o
que quer que ela podia ver, ou que estava sentindo, claramente lhe causava uma aflição terrível. Ela
gritava e gritava; Leanne começou a gritar também e agarrou os tornozelos de Katie, tentando puxála vigorosamente de volta ao chão. Harry, Rony e Hermione correram pra ajudar, mas quando eles
agarraram as pernas de Katie, ela caiu em cima deles; Harry e Rony conseguiram apanhá-la, mas ela
contorcia-se tanto que eles mal conseguiam segurá-la. Ao invés disso, eles a abaixaram até o chão,
onde ela se debateu e gritou, aparentemente incapaz de reconhecer qualquer um deles.
Harry olhou em volta; a paisagem parecia deserta.
– Fiquem aqui! – gritou aos outros acima do vento que assoviava. – Vou buscar ajuda!
Ele disparou na direção da escola; nunca havia visto alguém se comportar como Katie acabara
de fazer e não podia pensar no que poderia ter causado isso; virou correndo na curva da estrada e
colidiu com algo que parecia ser um imenso urso de pé sobre as patas traseiras.
– Hagrid! – exclamou ofegante, desembaraçando-se da moita em que caíra.
– Harry! – disse Hagrid, que tinha flocos de neve presos em suas sobrancelhas e barba e estava
usando seu grande e grosso casaco de pele de castor. – Acabei de visitar Grope, ele tá ficando tão
bem que você nem poderia...
– Hagrid, alguém foi machucado lá atrás, ou amaldiçoado, ou algo...
– Quê? – disse Hagrid, inclinando-se para ouvir o que Harry estava dizendo acima do vento
furioso.
– Alguém foi amaldiçoado! – berrou Harry.
– Amaldiçoado? Quem foi amaldiçoado? Não foi Rony? Hermione?
– Não, não foram eles, foi Katie Bell. Por aqui.
126
Capítulo 12 – Prata e Opalas
Juntos, correram de volta pela estrada. Não demorou muito para que eles achassem o pequeno
grupo ao redor de Katie, que ainda se debatia e gritava no chão; Rony, Hermione e Leanne estavam
todos tentando acalmá-la.
– Para trás! – gritou Hagrid. – Deixe eu ver ela!
– Alguma coisa aconteceu a ela! – choramingou Leanne. – Não sei o quê...
Hagrid olhou para Katie por um segundo, depois sem dizer uma palavra, inclinou-se, agarroua em seus braços e correu em direção ao castelo com ela. Em segundos, os gritos agudos de Katie
morreram ao longe e o único som era o uivo do vento.
Hermione correu até a amiga lamentosa de Katie e colocou um braço ao redor dela.
– É Leanne, não é isso?
A garota concordou com a cabeça.
– Aquilo aconteceu do nada, ou...?
– Foi quando aquele pacote arrebentou – choramingou Leanne, apontando para o agora
encharcado pacote de papel marrom no chão, que havia aberto, revelando um brilho esverdeado.
Rony inclinou-se, suas mãos estendidas, mas Harry alcançou seu braço e o puxou de volta.
– Não toque nisso!
Ele se ajoelhou. Um colar de opalas ornamentado era visível, saindo do papel.
– Eu já vi isso antes – disse Harry, olhando para a coisa. – Estava na vitrine da Borgin &
Burkes anos atrás. A etiqueta dizia que era amaldiçoado. Katie deve tê-lo tocado – Ele olhou para
Leanne, que estava começando a sacudir-se incontrolavelmente. – Como Katie conseguiu isso?
– Bem, era por isso que estávamos discutindo. Ela voltou do banheiro do Três Vassouras
segurando-o, disse que era uma surpresa para alguém de Hogwarts e ela tinha que entregá-lo. Ela
parecia meio estranha quando disse isso... ah, não, ah não, aposto que ela estava sob a Imperius e eu
nem percebi!
Leanne tremeu com um choro renovado. Hermione bateu em seu ombro gentilmente.
– Ela não disse quem deu lhe isso, Leanne?
– Não... ela não me contou... e eu disse que ela estava sendo burra e para não levar aquilo para
a escola, mas ela não queria ouvir e... e depois eu tentei pegar dela... e... e...Leanne soltou um grito de
desespero.
– É melhor a gente ir para a escola – disse Hermione, seu braço ainda ao redor de Leanne. –
Nós poderemos descobrir como ela está. Vamos...
Harry hesitou por um momento, depois puxou seu cachecol ao redor do pescoço e, ignorando
o suspiro de Rony, cuidadosamente cobriu o colar dentro do cachecol e o pegou.
– Vamos precisar mostrar isso à Madame Pomfrey – disse.
Enquanto eles seguiam Hermione e Leanne pela estrada, Harry estava pensando rapidamente.
Eles haviam acabado de entrar na escola quando ele falou, incapaz de segurar seus pensamentos
consigo por mais tempo.
– Malfoy sabe desse colar. Estava num estojo na Borgin & Burkes quatro anos atrás, eu o vi
dando uma boa olhada nele enquanto estava me escondendo dele e de seu pai. Isso é o que ele
comprou naquele dia quando nós o seguimos! Ele se lembrou dele e voltou lá para comprá-lo.
– Eu... não sei, Harry – disse Rony hesitante. – Muitas pessoas vão à Borgin & Burkes... e
aquela garota não disse que Katie pegou-o no banheiro feminino?
– Ela disse que Katie voltou do banheiro com ele, não necessariamente o pegou dentro do
próprio banheiro...
– McGonagall! – disse Rony advertindo.
Harry olhou para cima. Era certo que a Profa. McGonagall estava apressando-se pelos degraus
de pedra através da nevasca para encontrá-los.
– Hagrid disse que vocês quatro viram o que aconteceu com Katie Bell – subam para a minha
sala imediatamente, por favor! O que está segurando, Potter?
– É a coisa que ela tocou – disse Harry.
127
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Deus meu! – disse a Profa. McGonagall, parecendo alarmada enquanto pegava o colar do
Harry. – Não, não, Filch, eles estão comigo! – ela acrescentou rapidamente, quando Filch veio ávido
se arrastando através do saguão de entrada, segurando seu Sensor de Segredos no alto. – Leve este
colar para o professor Snape imediatamente, mas certifique-se de não tocá-lo, mantenha-o embrulhado
no cachecol!
Harry e os outros seguiram a Professora McGonagall escada acima até a sua sala. As vidraças
cobertas por gelo sacudiam-se em suas esquadrias e a sala estava fria apesar do fogo que crepitava na
lareira. A Profa. McGonagall fechou a porta e deu a volta à sua mesa para encarar Harry, Rony,
Hermione e a ainda chorosa Leanne.
– Bem – disse secamente – o que aconteceu?
Hesitante, e com muitas pausas enquanto tentava controlar seu choro, Leanne contou à Profa.
McGonagall como Katie havia ido ao banheiro do Três Vassouras e voltara trazendo um pacote não
identificado, como Katie parecera um pouco estranha e como elas discutiram sobre a imprudência de
concordar entregar objetos desconhecidos, a discussão culminando na briga sobre o pacote, que se
rasgou. Nesse ponto, Leanne estava tão emocionada que não houve como arrancar nenhuma outra
palavra dela.
– Tudo bem – disse a Profa. McGonagall, sem ser rude. – Suba para a ala hospitalar, por favor,
Leanne, e peça a Madame Promfey algo para choque.
Quando ela saiu da sala, a Professora McGonagall virou-se para Harry, Rony e Hermione.
– O que aconteceu quando Katie tocou o colar?
– Ela ergueu-se no ar – disse Harry, antes que Rony ou Hermione pudessem falar – e depois
começou a gritar e caiu. Professora, eu posso ver o Prof. Dumbledore, por favor?
– O diretor está ausente até segunda, Potter – disse a Professora McGonagall, parecendo
surpresa.
– Ausente? – Harry repetiu irado.
– Sim, Potter, ausente! – disse a Professora McGonagall amargamente. – Mas qualquer coisa
que você possa dizer sobre esse negócio horrível pode ser dito a mim, estou certa!
Por uma fração de segundo, Harry hesitou. A Professora McGonagall não atraía confidências;
Dumbledore, apesar de mais intimidador em muitos aspectos, parecia menos inclinado a desdenhar
uma teoria, por mais louca que fosse. Essa era uma questão de vida ou morte, porém, e não momento
para se preocupar se ririam dele.
– Acho que Draco Malfoy deu à Katie o colar, professora.
De um lado dele, Rony franziu o nariz com embaraço aparente; do outro, Hermione moveu
seus pés como se fizesse questão de manter um pouco de distância entre ela mesma e Harry.
– Essa é uma acusação muito séria, Potter – disse a Profa. McGonagall, após uma pausa de
choque – você tem alguma prova?
– Não – disse Harry – mas... – e ele contou-lhe sobre quando seguiu Malfoy à Borgin & Burkes
e a conversa que ouviu entre Draco e o Sr. Borgin.
Quando acabou de falar, a Professora McGonagall parecia um pouco confusa.
– Malfoy levou algo à Borgin & Burkes para consertar?
– Não, professora, ele apenas queria que Borgin lhe contasse como consertar algo, ele não tinha
a coisa consigo. Mas esse não é o ponto, o ponto é que ele comprou algo na mesma ocasião, e eu acho
que foi aquele colar...
– Você viu Malfoy sair da loja com um pacote similar?
– Não, professora, ele disse a Borgin para mantê-lo na loja para ele...
– Mas Harry – Hermione interrompeu – Borgin perguntou-lhe se ele queria levar o colar consigo,
e Malfoy disse que não...
– Porque ele não queria tocá-lo, obviamente! – disse Harry com raiva.
– O que ele de fato disse foi: “como eu pareceria carregando isso pela rua?” – disse Hermione.
– Bem, ele pareceria meio idiota carregando um colar – interveio Rony.
128
Capítulo 12 – Prata e Opalas
– Oh, Rony – disse Hermione desesperada – ele estaria todo enrolado, então Draco não teria
que tocá-lo, e muito fácil de se esconder embaixo de uma capa, então ninguém o veria! Acho que o
que quer que ele tenha reservado na Borgin & Burkes era barulhento ou volumoso, algo que sabia
que chamaria muita atenção para si se ele carregasse pela rua e de qualquer modo – ela continuou
alto, antes que Harry pudesse interromper – eu perguntei ao Borgin sobre o colar, não se lembra?
Quando entrei para tentar descobrir o que Malfoy lhe havia pedido para guardar, eu o vi lá. E Borgin
só me disse o preço, não disse que estava vendido ou algo parecido...
– Bem, você foi muito óbvia, ele percebeu o que você queria em mais ou menos cinco segundos,
é claro que não iria lhe contar. Enfim, Malfoy pôde ter ido buscâ-lo desde...
– Já chega! – disse a Profa. McGonagall, quando Hermione abriu a boca para responder,
parecendo furiosa. – Potter, eu agradeço que você tenha me contado isso, mas nós não podemos
apontar o dedo e culpar o Sr. Malfoy somente porque ele visitou a loja de onde provavelmente esse
colar foi comprado. O mesmo é verdade para provavelmente centenas de pessoas...
– ...foi isso o que eu disse... – murmurou Rony.
– e de qualquer modo, colocamos severas medidas de segurança aqui este ano. Não creio que
esse colar pudesse ter entrado nesta escola sem o nosso conhecimento...
– Mas...
– ...e o mais importante – disse a Professora McGonagall com um terrível ar de ponto final – o
Sr. Malfoy não estava em Hogsmeade hoje.
Harry ficou boquiaberto, murchando.
– Como sabe, professora?
– Porque ele estava em detenção comigo. Ele não conseguiu terminar seu dever de casa de
Transfiguração duas vezes seguidas. Assim, agradeço por contar-me as suas suspeitas, Potter – ela
disse enquanto marchava por entre eles – mas agora preciso ir à Ala Hospitalar para ver como está
Katie Bell. Bom dia para todos vocês.
Ela manteve a porta de sua sala aberta. Eles não tinham escolha a não ser sair em fila sem dizer
mais nenhuma palavra.
Harry estava com raiva porque os outros dois tinham se unido à McGonagall; contudo, sentiuse compelido a se juntar a eles quando começaram a discutir o que havia acontecido.
– Então para quem vocês acham que Katie deveria entregar o colar? – perguntou Rony enquanto
eles subiam as escadas para o salão comunal.
– Só Deus sabe – disse Hermione. – Mas para quem quer fosse, safou-se por pouco. Ninguém
poderia ter aberto aquele pacote sem tocar no colar.
– Poderia ter sido para muitas pessoas – disse Harry. – Dumbledore, os Comensais da Morte
adorariam eliminá-lo, ele deve ser um de seus alvos principais. Ou Slughorn, Dumbledore acredita
que Voldemort realmente o queria e ele não deve estar satisfeito por ele estar com Dumbledore.
Ou...
– Ou você – disse Hermione, parecendo aflita.
– Não poderia ser – disse Harry – ou Katie teria simplesmente se virado na estrada e me
entregado, não? Eu estava atrás dela todo o caminho desde o Três Vassouras. Teria feito muito mais
sentido entregar o pacote fora de Hogwarts, com Filch revistando todo mundo que entra e sai. Eu me
pergunto, porque Malfoy lhe disse para o levar para dentro do castelo?
– Harry, Malfoy não estava em Hogsmeade! – disse Hermione, agora batendo os pés no chão
com frustração.
– Ele deve ter usado um cúmplice, então – disse Harry. – Crabbe ou Goyle... ou, parando para
pensar, outro Comensal da Morte, ele deve ter muitos outros parceiros melhores que Crabbe e Goyle
agora que se uniu a...
Rony e Hermione trocaram olhares que claramente diziam que não havia sentido em discutir
com ele.
– Dilligrout – disse Hermione firmemente quando chegaram à Mulher Gorda.
129
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
O retrato abriu-se para admiti-los no salão comunal. Estava bastante cheio e cheirava a roupa
úmida; muitas pessoas pareciam ter voltado de Hogsmeade mais cedo devido ao mau tempo. Não
havia murmúrios sobre medo ou especulação contudo. Claramente, a notícia do ocorrido com Katie
ainda não havia se espalhado.
– Não foi um ataque muito bem feito, na verdade, se pararmos para pensar – disse Rony,
despreocupadamente retirando um aluno do primeiro ano de uma das boas poltronas perto do fogo
para que ele pudesse se sentar. A maldição não conseguiu sequer entrar no castelo. Não foi o que se
poderia chamar de sem furos.
– Você está certo – disse Hermione, cutucando Rony para fora da cadeira com seu pé e
oferecendo-a de volta para o aluno do primeiro ano. – Não foi muito bem planejado mesmo.
– Mas desde quando Malfoy tem sido um dos maiores pensadores do mundo? – perguntou
Harry.
Nem Rony nem Hermione responderam.
130
– CAPÍTULO 13 –
O Riddle secreto
Katie foi transferida para o Hospital St. Mungos para Doenças e Acidentes Mágicos no dia
seguinte, quando a notícia de que ela havia sido amaldiçoada já se espalhara por toda a escola, ainda
que os detalhes fossem relatados de forma confusa e aparentemente apenas Harry, Rony, Hermione
e Leanne soubessem que Katie não era o alvo desejado.
– Ah, sim, Malfoy sabe, é claro – disse Harry para Rony e Hermione que continuavam com a
sua nova política de se fazerem de surdos cada vez que Harry mencionava sua teoria “Malfoy-é-umComensal-da-Morte”.
Harry se perguntava se Dumbledore retornaria de onde tivesse ido a tempo da sua aula da noite
de segunda-feira, mas, não tendo recebido nenhum aviso de adiamento, às oito horas postou-se à
frente do gabinete de Dumbledore, bateu e foi convidado a entrar. Lá estava Dumbledore, sentado
e parecendo anormalmente cansado. Sua mão parecia tão enegrecida e queimada quanto antes, mas
ele sorriu quando convidou Harry a sentar-se. A penseira estava pousada sobre a mesa novamente,
projetando espectros de luz prateada sobre o teto.
– Você esteve ocupado enquanto estive fora – disse Dumbledore – Soube que testemunhou o
acidente com Katie.
– Sim, senhor. Como ela está?
– Ainda mal, ainda que tenha tido alguma sorte. Aparentemente, ela tocou o colar com o
menor pedaço de pele possível: havia um pequeno furo em sua luva. Se tivesse posto o colar, até
mesmo se o tivesse tocado sem luvas, ela teria morrido, talvez instantaneamente. Por sorte o Professor
Snape pôde evitar que a maldição se espalhasse rapidamente.
– Por que ele? – perguntou Harry rapidamente – Por que não Madame Pomfrey?
– Impertinente – disse uma voz suave de um dos retratos na parede, o de Fineus Nigellus
Black, o tetra-tetra-avô de Sirius, que ergueu a cabeça saindo de um sono aparente – eu jamais
permiti que um estudante questionasse a maneira que Hogwarts operava em meu tempo.
– Sim, obrigado, Fineus – interrompeu Dumbledore – o Professor Snape sabe bem mais sobre
Artes das Trevas que Madame Pomfrey, Harry. De qualquer maneira, o pessoal do St. Mungos me
tem enviado relatórios de hora em hora, eu acredito que Katie estará plenamente recuperada em
breve.
– Onde o senhor esteve esse fim de semana? – Harry perguntou, achando que talvez estivesse
querendo saber demais, sentimento aparentemente compartilhado por Fineus Nigguellus, que sibilou
suavemente.
– Prefiro não falar sobre isso agora – disse Dumbledore – mas eu explicarei a você futuramente.
– Sério? – disse Harry, espantado.
131
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Sim, espero. – disse Dumbledore retirando um frasco de memórias prateadas de dentro das
vestes e desarrolhando-o com um toque de sua varinha.
– Senhor – Harry disse – eu encontrei Mundungo em Hogsmeade.
– Ah, sim, eu já sei que Mundungo andou desrespeitando um pouco sua herança com sua mão
leve, – disse Dumbledore, franzindo o cenho – ele tem ficado quieto desde que você o flagrou
próximo ao Três Vassouras, eu creio que ele está apavorado com a idéia de me encarar. Contudo,
fique certo que ele não vai mais sair por aí negociando nenhum dos objetos que pertenceram a Sirius.
– Aquele velho mestiço sarnento andou roubando relíquias da família Black? – disse Fineus
Nigellus incisivo, desaparecendo em seguida da sua moldura, sem dúvida para visitar seu retrato no
nº 12 do Largo Grimmauld.
– Professor – disse Harry, depois de uma pausa – A professora McGonnagall contou ao senhor
o que eu disse a ela depois do ataque a Katie? Sobre Draco Malfoy?
– Sim, ela me falou sobre suas suspeitas. – disse Dumbledore
– E o senhor?
– Eu certamente tomarei as medidas apropriadas para investigar qualquer um que possa ter
alguma culpa no acidente com Katie. – disse Dumbledore – Mas o que me interessa agora, Harry, é a
nossa aula.
Harry sentiu-se um pouco ressentido com aquilo: se as aulas eram assim tão importantes, por
que então houvera um espaço de tempo tão grande entre a primeira e a segunda? Contudo, ele não
disse mais nada sobre Draco Malfoy, observando Dumbledore despejar as memórias na penseira e
logo em seguida agitar levemente a bacia de pedra uma vez mais entre as suas longas mãos.
– Você lembra, tenho certeza, que paramos a história da origem de Lord Voldemort no ponto
em que o belo trouxa, Tom Riddle, abandonou sua esposa bruxa, Mérope, e retornou à casa de sua
família em Little Hangleton. Mérope foi abandonada em Londres, grávida do bebê que um dia seria
Lord Voldemort.
– Como sabe que ela estava em Londres, senhor?
– Por causa da evidência dada por Caractacus Burke – disse Dumbledore – que, por estranha
coincidência, ajudou a fundar a mesma loja de onde veio o colar sobre o qual falávamos antes.
Ele revolveu o conteúdo da penseira como Harry o vira fazer antes, como um garimpeiro
procurando por ouro. Sobre a massa rodopiante prateada surgiu a imagem de um velho pequeno,
ondulando suavemente, prateado como um fantasma, apenas mais sólido, cujo cabelo cobria
completamente os olhos.
– Sim, nós o adquirimos em curiosas circunstâncias. Ele nos foi trazido por uma jovem bruxa
logo antes do Natal, ah, há muito tempo atrás. Ela disse que precisava demais do dinheiro, o que,
aliás, era bem óbvio. Coberta de trapos, horrenda... nos últimos meses da gravidez, veja bem. Ela
disse que o camafeu pertencera a Slytherin. Bem, nós ouvimos esse tipo de história o tempo todo,
“Oh, isso pertenceu a Merlin, certamente, seu bule favorito!”, mas quando eu o olhei melhor, ele
tinha a marca legítima, e alguns feitiços simples foram suficientes para constatar sua autenticidade.
Claro, isso o tornava quase inestimável. Ela sequer fazia idéia do quanto era valioso e ficou bem feliz
em receber dez galeões por ele. A melhor barganha que já fizemos.
Dumbledore deu uma sacudida mais vigorosa na penseira e Caractacus Burke dissolveu-se na
massa ondulante de lembranças de onde tinha vindo.
– Ele só deu a ela dez Galeões? – disse Harry, indignado.
– Caractacus Burke não era famoso por sua generosidade – disse Dumbledore – então, sabemos
que quase no fim da gravidez, Mérope estava sozinha em Londres, precisando desesperadamente de
ouro, desespero suficiente para vender a única coisa de valor que tinha, o precioso camafeu que
Servolo herdara de sua família.
– Mas ela podia fazer mágica – disse Harry impacientemente – ela podia conseguir comida e
tudo mais através de magia, não podia?
132
Capítulo 13 – O Riddle Secreto
– Ah, – disse Dumbledore – provavelmente podia, mas acredito que, estou supondo, novamente,
mas creio que estou certo, que quando o marido a abandonou, Mérope parou de usar magia. Acho
que ela não queria mais ser bruxa. Claro, há também a possibilidade de seu amor não correspondido
e o subseqüente desespero terem feito com que ela perdesse seus poderes; isso pode acontecer. De
qualquer modo, como você vai poder ver, Mérope recusou-se a levantar sua varinha mesmo para
salvar a própria vida.
– Ela sequer quis viver por seu filho?
Dumbledore ergueu a sobrancelha:
– Será que você está sentindo pena de Lord Voldemort?
– Não. – disse Harry rapidamente – mas ela teve uma escolha, não? Ao contrário de minha
mãe...
– Sua mãe teve uma escolha, também – disse Dumbledore, gentilmente. – Sim, Mérope Riddle
escolheu a morte a despeito de seu filho necessitar dela, mas não a julgue tão severamente, Harry.
Ela estava enfraquecida por um longo período de sofrimentos e não tinha a coragem de sua mãe.
Agora, se você se levantar...
– Aonde vamos? – Harry perguntou, enquanto Dumbledore se juntava a ele em frente à mesa.
– Desta vez – disse Dumbledore – entraremos em uma lembrança minha. Eu acho que vai
achá-la bem rica em detalhes e satisfatoriamente acurada. Pode ir na frente, Harry...
Harry inclinou-se sobre a penseira, seu rosto atravessou a superfície fresca da lembrança e
então ele caiu através da escuridão, novamente... Segundos depois, seus pés tocaram o chão e ele
abriu os olhos, descobrindo que ele e Dumbledore estavam numa rua movimentada e antiga de
Londres.
– Lá estou eu – disse Dumbledore, animado, apontando adiante uma figura alta atravessando a
rua diante de uma carroça de leiteiro.
Este Dumbledore mais jovem tinha os cabelos e a barba longos num tom acaju. Seguindo-o
pela rua, viram-no subir a calçada atraindo muitos olhares curiosos para a veste pomposa de veludo
cor-de-ameixa que ele usava.
– Belo traje, senhor, – Harry comentou sem pensar, ao que Dumbledore simplesmente riu,
enquanto seguiam a uma curta distância sua versão mais jovem, até passarem por uma série de
portões de ferro num pátio austero, que dava para uma soturna construção cercada por grades altas
de ferro. Ele subiu alguns degraus até a porta da frente e bateu uma vez. Após um tempo, a porta foi
aberta por uma menina retraída que usava um avental.
– Boa tarde. Tenho uma reunião marcada com uma Sra. Cole, que, acredito, deve ser a diretora
daqui, certo?
– Oh – disse a menina, parecendo atônita diante da aparência excêntrica de Dumbledore –
ahn... só um mo... SRA. COLE – ela gritou sobre o ombro.
Harry ouviu uma voz distante gritando algo em resposta. A garota virou-se para Dumbledore:
– Pode entrar, ela está vindo.
Dumbledore seguiu por um salão de piso ladrilhado em branco e preto; o lugar tinha uma
aparência gasta, mas impecavelmente limpa. Harry e o Dumbledore mais velho o seguiram. Antes
mesmo que a porta da frente se fechasse atrás deles, uma mulher magra de aparência atormentada
veio rapidamente ao seu encontro. Ela tinha um rosto astuto, que parecia mais ansioso que rude, e
vinha falando sobre o ombro com outra ajudante de avental enquanto andava até Dumbledore.
– ... e leve o iodo lá em cima para Martha, Billy Stubs andou cutucando suas feridas e Eric
Whalley sujou os lençóis, está coberto por catapora – disse para ninguém em particular, até que seus
olhos encontraram Dumbledore e ela parou subitamente, atônita, como se houvesse acabado de dar
de cara com uma girafa.
– Boa tarde – disse Dumbledore, estendendo-lhe a mão.
A Sra. Cole apenas abriu a boca.
133
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Meu nome é Alvo Dumbledore. Mandei uma carta à senhora solicitando um encontro e a
senhora muito gentilmente convidou-me a vir aqui hoje.
A Sra. Cole piscou. Decidindo, aparentemente, que Dumbledore não era uma alucinação, ela
disse, debilmente:
– Ah, sim... bem, então... melhor o senhor entrar na minha sala. Sim.
Ela o conduziu a uma saleta que parecia uma mistura de sala de estar e escritório. Parecia tão
gasto quanto o saguão, e a mobília era velha e desigual. Ela convidou Dumbledore a sentar-se numa
cadeira frouxa e sentou-se atrás de uma mesa limpa, encarando-o nervosa.
– Estou aqui, conforme expliquei em minha carta, para conversar sobre Tom Riddle e sobre
preparativos para o seu futuro – disse Dumbledore.
– O senhor é um parente? – perguntou a Sra. Cole.
– Não. Sou um professor, – disse Dumbledore – vim aqui para oferecer a Tom uma vaga em
minha escola.
– Que escola?
– Chama-se Hogwarts – disse Dumbledore.
– E como se interessaram por Tom?
– Acreditamos que ele tem qualidades que nos interessam.
– O senhor diz que ele conseguiu uma bolsa de estudos? Como pode ter conseguido? Ele
jamais se candidatou a nenhuma.
– Bem, ele está inscrito em nossa escola desde o nascimento.
– Quem o matriculou? Seus pais?
Não havia dúvida de que a Sra. Cole era uma mulher inconvenientemente esperta. Aparentemente
Dumbledore também havia percebido isso, porque Harry o viu tirar a varinha do bolso de sua veste
de veludo e ao mesmo tempo pegar um papel perfeitamente em branco de sobre a mesa da Sra. Cole.
– Aqui – ele disse, acenando com a varinha enquanto passava a ela o pedaço de papel – creio
que isso irá esclarecer as coisas.
Os olhos da Sra. Cole saíram de foco e retornaram ao normal assim que ela observou atentamente
o papel em branco por um instante.
– Parece tudo perfeitamente em ordem – disse ela placidamente, devolvendo-lhe o papel.
Então seus olhos pousaram sobre uma garrafa de gim e dois copos pousados diante dela, o que
certamente não estava ali segundos antes.
– Er... posso oferecer-lhe uma dose de gim? – ela disse, num tom mais polido.
– Muito obrigado – disse Dumbledore alegremente.
Ficou logo bem claro que a Sra. Cole não era uma novata bebendo gim. Servindo os dois copos
com doses generosas, ela bebeu a sua com um único gole. Estalando os lábios, satisfeita, ela sorriu
pela primeira vez para Dumbledore e ele não hesitou em usar isso como vantagem.
– Eu estava pensando se a senhora não poderia me contar um pouco da história de Tom
Riddle. Creio que ele nasceu aqui, no orfanato?
– Exato – disse a Sra. Cole, servindo-se com mais uma dose de gim – lembro claramente,
porque foi logo que vim trabalhar aqui. Foi numa véspera de Ano Novo amarga e fria, nevava, o
senhor pode imaginar. Noite horrível. E a moça, não muito mais velha que eu era na época, apareceu
cambaleando na escada da frente. Bem, não era a primeira. Nós a recebemos, e ela teve o bebê uma
hora depois. E na hora seguinte, estava morta.
A Sra. Cole sacudiu a cabeça impressionada e tomou mais um gole generoso de gim.
– Ela disse algo antes de morrer? – Perguntou Dumbledore – alguma coisa sobre a criança ou
o pai, de alguma forma?
– Agora me lembro: ela disse, sim. – disse a Sra. Cole, que parecia mais satisfeita agora, com o
gim na mão e uma platéia ávida por sua história.
– Lembro que ela disse a mim: “espero que ele pareça com seu papai”, e, não vou mentir, ela
estava certa em esperar por isso, por que ela não era nada bonita. Então, ela me pediu que o chamasse
134
Capítulo 13 – O Riddle Secreto
de Tom, como seu pai, Servolo, como o pai dela. É, acho que é um nome engraçado, não? Nós
ficamos imaginando se ela não teria vindo de um circo. Ela disse também que o sobrenome dele seria
Riddle. E morreu logo depois, sem dizer mais nada.
– Bem, nós o nomeamos conforme ela disse, parecia importante para a pobre moça, mas nenhum
Tom ou Servolo ou Riddle de espécie alguma jamais apareceu para procurá-lo, ou parente algum,
então, ele ficou no orfanato e está aqui até hoje.
A Sra. Cole, quase que distraidamente, serviu-se de mais uma dose de gim. Duas manchas
rosadas agora apareciam em suas bochechas. Então ela disse:
– É um garoto estranho.
– Sim – disse Dumbledore – eu imaginei que ele fosse.
– Foi um bebê esquisito, também. Raramente ele chorava, sabe? E quando cresceu um pouco
mais ele se tornou... muito estranho.
– Estranho como? – perguntou Dumbledore gentilmente.
– Bem, ele...
Mas a Sra. Cole calou-se, e não havia sombra de dúvida no olhar inquisidor com que encarou
Dumbledore por sobre seu copo de gim.
– Ele conseguiu definitivamente uma vaga em seu colégio, certo?
– Definitivamente. – respondeu Dumbledore.
– Nada do que eu diga poderá mudar isso?
– Nada – disse Dumbledore.
– Você vai levá-lo embora, de qualquer modo?
– De qualquer modo. – repetiu Dumbledore, sério.
Ela o olhou de esguelha, como se estivesse em dúvida se confiava ou não nele. Aparentemente,
ela decidiu que sim, pois respondeu subitamente:
– Ele assusta as outras crianças.
– A senhora quer dizer que ele é um valentão? – perguntou Dumbledore.
– Acho que ele parece ser... – disse a Sra. Cole franzindo o cenho – mas é bem difícil flagrá-lo
nessa posição. Houve incidentes... coisas graves.
Dumbledore não a pressionou, embora Harry tivesse certeza que ele estava interessado. Ela
tomou mais um gole de gim e suas bochechas ficaram ainda mais rosadas.
– O coelho de Billy Stubb... bem, Tom disse que não teve nada a ver com isso e não sei como
ele poderia ter feito, mas... o coelho não poderia ter se enforcado sozinho no telhado.
– Também creio que não – disse Dumbledore calmamente.
– Mas eu estaria louca se dissesse que sei como ele fez isso. Tudo que sei é que ele e Billy
tinham discutido no dia anterior. E aí... – a Sra. Cole tomou mais um gole, deixando escorrer um
pouco pelo queixo dessa vez – no passeio de verão... nós costumamos levá-los, sabe, uma vez por
ano, para o campo ou para a praia. Bem, Amy Benson e Dennis Bishop nunca foram os mesmos
depois disso e tudo que sabemos por eles é que entraram numa caverna com o Tom Riddle. Ele jurou
que estavam apenas explorando o lugar, mas alguma coisa aconteceu lá, tenho certeza. E, bem,
houve mais uma série de coisas, coisas estranhas...
Ela encarou Dumbledore novamente, e embora suas bochechas estivessem enrubecidas, seu
olhar era firme.
– Não acho que muita gente vá se importar em vê-lo pelas costas.
– A senhora entende, tenho certeza, que não podemos ficar com ele permanentemente – disse
Dumbledore – ele deverá voltar, até a conclusão, todo ano no verão.
– Ah, bem, isso é melhor que levar na cara com um atiçador enferrujado... – disse a Sra. Cole
com soluço débil. Ela ficou de pé e Harry ficou impressionada em como ela estava bem, apesar dos
dois terços de garrafa de gim que havia entornado. – Creio que o senhor gostaria de vê-lo, não?
– Muito – disse Dumbledore, erguendo-se também.
135
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Ela o levou do escritório até as escadas, passando instruções e repreendendo ajudantes e crianças
pelo caminho. Os órfãos, Harry podia ver, usavam todos o mesmo tipo de túnica cinzenta. Pareciam
todos razoavelmente bem cuidados, mas não havia forma de negar que era um lugar sinistro para se
crescer.
– Aqui estamos – Disse a Sra. Cole, conforme acabaram de subir o segundo lance de escadas e
pararam diante da primeira porta num longo corredor. Ela bateu duas vezes e entrou.
– Tom? Você tem uma visita. Esse é o senhor Dumberton, digo, Dunderbore. Ele veio para
dizer-lhe... bem, diga a ele o senhor, é melhor.
Harry e os dois Dumbledores entraram no quarto e a Sra. Cole bateu a porta atrás deles. Era um
quarto pequeno e simples, sem nada além de um velho guarda-roupa e uma cama de ferro. Um
menino estava sentado sobre os cobertores cinzentos com as pernas esticadas e segurando um livro.
Não havia nenhum traço facial dos Gaunt em Tom Riddle. Mérope fora atendida em seu último
desejo: ele era uma miniatura de seu belo pai, alto para onze anos, cabelos escuros, pálido. Seus olhos
se estreitaram ligeiramente ao reparar na aparência excêntrica de Dumbledore. Houve um momento
de silêncio.
– Como está, Tom? – disse Dumbledore, adiantando-se e estendendo a mão.
O menino hesitou, então estendeu a sua mão para o cumprimento. Dumbledore puxou a cadeira
pesada de madeira ao lado da cama de Riddle, de forma que agora pareciam um paciente e um
visitante em um hospital.
– Eu sou o Professor Dumbledore.
– Professor? – repetiu Riddle, parecendo cauteloso. – Seria “doutor”? O que você veio fazer
aqui? Ela te disse que desse uma olhada em mim?
Ele apontou a porta por onde a Sra. Cole acabara de sair.
– Não, não. – disse Dumbledore sorrindo.
– Não acredito em você – disse Riddle. – Ela quer que me vigie, certo? Diga a verdade!
Falou as últimas palavras com uma força que era quase chocante. Foi uma ordem, e parecia
que ele havia feito isso milhares de vezes antes. Seus olhos arregalaram-se e ele encarava Dumbledore,
que nada fez a não ser continuar sorrindo agradavelmente. Depois de alguns segundos, Riddle desviou
o olhar, embora parecesse, do mesmo modo, cauteloso.
– Quem é você?
– Já disse. Meu nome é Professor Dumbledore e eu trabalho em uma escola chamada Hogwarts.
Eu vim oferecer a você uma vaga em minha escola. Sua nova escola, se você quiser vir.
A reação de Riddle foi surpreendente. Ele pulou da cama e deu as costas a Dumbledore,
parecendo furioso.
– Você não vai me tapear! O hospício, é pára lá que você vai me levar, não é? “Professor”, pois
sim! Bem, não quero ir, certo? Aquela gata velha que deveria ir para o hospício. Eu nunca fiz nada
com a pequena Amy Benson e nem com Dennis Bishop, pode perguntar aos dois!
– Não sou do hospício – disse Dumbledore pacientemente – eu sou um professor e se você
recuperar a calma e sentar-se, falarei sobre Hogwarts. Claro que se você preferir não ir para a escola,
ninguém irá forçá-lo.
– Quero ver alguém tentar isso!
– Hogwarts – começou Dumbledore, como se não houvesse escutado as últimas palavras
proferidas pelo outro – é uma escola para pessoas com habilidades especiais...
– Eu não sou louco!
– Eu sei que você não é louco. Hogwarts não é uma escola para malucos. É uma escola de
magia.
Houve um silêncio. Riddle parou, sua expressão era neutra, mas os olhos percorriam Dumbledore
de cima a baixo como se procurasse algum indício de que ele mentia.
– Magia? – repetiu num sussurro.
– Exato – respondeu Dumbledore..
136
Capítulo 13 – O Riddle Secreto
– O que eu posso fazer... é magia?
– O que é que você pode fazer?
– Todo tipo de coisa. – sussurrou Riddle. Um acesso de excitação subia pelo seu pescoço,
percorria sua face encovada, ele parecia febril – eu posso fazer coisas se mexerem sem tocá-las. Posso
obrigar animais a fazer o que eu quero, sem treiná-los. Eu posso fazer coisas ruins acontecerem com
quem eu não gosto. Posso machucá-los, se quiser.
Suas pernas estavam bambas. Ele cambaleou para trás e sentou-se na cama novamente, olhando
espantando para as mãos, sua cabeça curvada como se estivesse orando.
– Sabia que eu era diferente. – ele sussurrou para os próprios dedos trêmulos. – Sabia que eu
era especial, sempre soube que havia alguma coisa.
– Bem, você está totalmente certo – disse Dumbledore, que não estava mais sorrindo, mas
observando Riddle atentamente. – Você é um bruxo.
Riddle ergueu a cabeça. Seu rosto estava transfigurado. Havia uma alegria selvagem nele, que,
por alguma razão, não lhe dava uma aparência melhor, ao contrário, dava a ele contornos de alguma
forma mais rudes, uma expressão quase bestial.
– Você também é bruxo?
– Sim, sou.
– Prove. – disse Riddle, no mesmo tom autoritário que havia usado quando dissera “diga a
verdade”.
Dumbledore ergueu as sobrancelhas.
– Posso crer que você está aceitando a vaga que ofereci a você em Hogwarts, então?
– Claro que aceito.
– Então, dirija-se a mim como “professor” ou “senhor”.
A expressão de Riddle endureceu um instante antes dele responder, num tom polido e
irreconhecível:
– Sinto muito, senhor. Digo, por favor, professor, o senhor poderia me mostrar...?
Harry estava certo que Dumbledore iria recusar, dizer a Riddle que ele teria bastante tempo
para demonstrações práticas em Hogwarts, que eles estavam numa construção cheia de trouxas e
que deviam ter cautela. Para sua grande surpresa, contudo, Dumbledore pegou a varinha de dentro
das vestes, apontou para o guarda-roupa surrado no canto e deu uma batida descuidada com ela.
O guarda-roupa rompeu em chamas.
Riddle levantou-se de um salto, Harry não podia culpá-lo por seu grito assustado e raivoso:
tudo que possuía deveria estar ali. Mas antes que Riddle se virasse para Dumbledore, as chamas
desapareceram, deixando o guarda roupa intacto.
Riddle olhou atônito do guarda-roupa para Dumbledore com uma expressão gananciosa. Ele
apontou a varinha:
– Onde eu posso conseguir uma dessas?
– Tudo a seu tempo – respondeu Dumbledore – creio que há alguma coisa querendo sair do seu
guarda-roupa.
E, de fato, um débil ruído podia ser ouvido de dentro. Pela primeira vez, Riddle parecia assustado.
– Abra a porta – disse Dumbledore.
Riddle hesitou, então cruzou o aposento e abriu a porta do guarda roupa. Na prateleira mais
alta, sobre uma pilha de roupas surradas, uma pequena caixa de papelão sacudia-se e chacoalhava
como se um bando de ratos assustados estivesse preso nela.
– Pegue-a – disse Dumbledore.
Riddle pegou a caixa trepidante. Ele parecia amedrontado.
– Existe alguma coisa nessa caixa que não seja sua? – perguntou Dumbledore.
Riddle deu um olhar longo, claro e calculado em direção a Dumbledore.
– Sim, creio que sim, senhor. – ele respondeu finalmente, num tom inexpressivo.
– Abra – disse Dumbledore.
137
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Riddle tirou a tampa e despejou o conteúdo dela na cama sem olhá-lo. Harry, que esperava algo
muito mais excitante, viu um sortimento de objetos pequenos comuns: um ioiô, um dedal de prata,
uma gaita fosca, entre outros, que uma vez fora da caixa, pararam de chocalhar e permaneceram
inanimados sobre os cobertores finos.
– Você vai devolver esses objetos aos donos e pedir desculpas. – disse Dumbledore calmamente,
guardando a varinha no seu casaco. – Eu saberei se isso foi feito. E fique avisado: roubo não é
tolerado em Hogwarts.
Riddle nem de longe parecia envergonhado, continuava olhando friamente, avaliando
Dumbledore. Finalmente, disse numa voz sem emoção:
– Sim, senhor.
– Em Hogwarts – começou Dumbledore – não ensinamos apenas a fazer magia, mas a controlála. Você, inadvertidamente, tenho certeza, tem usado seus poderes de forma que não é ensinada nem
tolerada na escola. Você não é o primeiro e nem será o último a usar magia de forma descontrolada.
Mas você deve saber que Hogwarts pode expulsar estudantes e o Ministério da Magia, sim, há um
Ministério, pune os transgressores de forma ainda mais severa. Todo novo bruxo deve aceitar que,
uma vez em nosso mundo, é preciso viver conforme nossas regras.
– Sim, senhor – disse Riddle novamente.
Era impossível adivinhar o que ele estava pensando: sua face permanecia inexpressiva conforme
ele depositava o pequeno sortimento de objetos roubados de volta na caixa. Quando acabou, ele
voltou-se para Dumbledore e disse, cruamente:
– Não tenho dinheiro nenhum.
– Isso é facilmente remediável – disse Dumbledore, pegando uma bolsinha de couro com
dinheiro de dentro do bolso – Hogwarts mantém um fundo para estudantes que precisam de ajuda
para comprar livros e vestes. Você terá de comprar seus livros de feitiços e tudo mais de segunda
mão, mas...
– Onde compro livros de feitiços? – interrompeu Riddle, que havia pego a pesada bolsa sem
agradecer a Dumbledore e agora examinava um grande galeão de ouro.
– Beco Diagonal – disse Dumbledore – eu tenho sua lista de livros e materiais comigo. Posso
ajudá-lo a encontrar tudo que precisa...
– Você vai comigo? – perguntou Riddle erguendo os olhos.
– Claro, se você...
– Não preciso de você – disse Riddle – estou acostumado a fazer minhas coisas sozinho, ando
sozinho em Londres o tempo todo. Como se chega nesse Beco Diagonal... senhor? – ele perguntou,
encarando Dumbledore.
Harry achou que Dumbledore fosse insistir em acompanhar Riddle, mas mais uma vez
surpreendeu-se. Dumbledore entregou a Riddle um envelope com sua lista de material e depois de
explicar a Riddle exatamente como chegar ao Caldeirão Furado a partir do orfanato disse:
– Você será capaz de enxergá-lo, apesar dos trouxas ao seu redor, pessoas não-mágicas, não
conseguirem. Pergunte por Tom, o atendente do bar. Fácil de lembrar, já que ele tem o mesmo nome
que você.
Riddle encolheu-se irritado, como se tivesse de espantar uma mosca asquerosa.
– Você não gosta do nome Tom?
– Existem muitos Toms – resmungou Riddle. Então, como se não pudesse esquecer o assunto,
como se ardesse de despeito, ele perguntou:
– Meu pai era um bruxo? Ele chamava-se Tom Riddle, me disseram.
– Infelizmente não sei – disse Dumbledore numa voz gentil.
– Minha mãe não devia ser bruxa, se fosse não haveria morrido. – disse Riddle mais para si
mesmo que para Dumbledore – Ele que devia ser. Então... depois de comprar meu material, quando
irei para Hogwarts?
138
Capítulo 13 – O Riddle Secreto
– Todos os detalhes estão no outro pergaminho em seu envelope – disse Dumbledore – você
irá partir da estação King’s Cross no dia primeiro de setembro, há uma passagem nele também.
Riddle concordou com a cabeça. Dumbledore ergueu-se e apertou sua mão novamente.
Aproveitando isso, Riddle disse:
– Posso falar com cobras. Descobri isso quando estive no campo. Elas me acham, sussurram
comigo. Isso é normal num bruxo?
Harry poderia jurar que ele havia guardado a menção a esse estranho poder até aquele momento,
determinado a impressionar.
– É incomum – disse Dumbledore, depois de um momento de hesitação – mas não inédito.
Seu tom era casual, mas seus olhos moveram-se pelo rosto do garoto com curiosidade. Eles
ficaram um instante, o homem e o menino, encarando-se mutuamente. Então o aperto de mão se
desfez e Dumbledore saiu pela porta.
– Adeus, Tom. Verei você em Hogwarts.
– Creio que é tudo – disse o velho Dumbledore ao lado de Harry e, segundos depois, eles
estavam flutuando no escuro mais uma vez, antes de aterrissar no escritório na época atual.
– Sente-se – disse Dumbledore, aterrissando ao lado de Harry.
Harry obedeceu, com a mente ainda cheia de tudo que acabara de ver.
– Ele acreditou bem mais rápido que eu – disse Harry – digo, quando você lhe contou que era
um bruxo – disse Harry. – Eu não acreditei em Hagrid imediatamente, quando ele me contou.
– Sim, Riddle estava perfeitamente pronto para acreditar, nas suas palavras, que era “especial”.
– disse Dumbledore.
– Você sabia, então? – perguntou Harry.
– Se eu sabia que ele se tornaria o mais perigoso bruxo das Trevas de todos os tempos? – disse
Dumbledore – Não. Não fazia idéia que ele cresceria e seria o que foi. Contudo, certamente fiquei
intrigado com ele. Voltei a Howarts determinado a ficar de olho nele, percebendo que até então ele
fora solitário e sem amigos, o que, já naquela época, achei que devia fazer tanto pelo bem dos outros
quando pelo dele.
– Seus poderes, como você percebeu, eram já surpreendentemente bem desenvolvidos para
um bruxo tão jovem e, mais interessante e assustador: ele já havia descoberto que possuía algum
controle sobre esses poderes e começou a usá-los conscientemente. E, como você viu, não em
experiências casuais comuns aos jovens bruxos: ele já usava mágica contra outras pessoas, para
assustar, punir, controlar. As histórias sobre o coelho estrangulado e as crianças que ele atraiu para
uma caverna e assustou eram extremamente sugestivas. “eu posso machucá-los se quiser...”.
– E ele era ofidiglota. – interpôs Harry.
– De fato, uma habilidade rara, e, supostamente, associada às artes das trevas, ainda que,
sabemos, existam ofidiglotas entre os bons e os grandes também. Na verdade, seu dom de falar com
serpentes não me alertou tanto quanto seu óbvio instinto para a crueldade, o sigilo e a dominação.
– O tempo passou rápido – disse Dumbledore, mostrando o céu escuro pela janela – mas, antes
de nos separarmos, gostaria de atrair sua atenção para alguns aspectos da cena que presenciamos,
pois eles terão grande importância nos assuntos que discutiremos em reuniões futuras.
– Primeiro: espero que tenha notado a reação de Riddle quando mencionei alguém que tinha o
mesmo nome que ele, “Tom”.
Harry assentiu.
– Nesse ponto ele mostrou desprezo por qualquer coisa que o tornasse igual aos outros, qualquer
coisa que o tornasse comum. Mesmo na época, ele queria ser diferente, ímpar, notório. Ele se livrou
do seu nome, como você sabe, alguns anos depois dessa conversa e criou a máscara de “Lord
Voldemort” atrás da qual se esconde há tanto tempo.
– Creio também que você percebeu que Tom Riddle era também auto-suficiente, reservado, e,
aparentemente, sem amigos. Ele não queria ajuda nem companhia na sua ida ao Beco Diagonal,
preferia agir sozinho. O Voldemort adulto é igual. Você irá ouvir muitos de seus Comensais da Morte
139
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
alegando que são de sua confiança, que apenas eles são íntimos dele, que são os únicos a o entenderem.
Eles estão iludidos. Lord Voldemort nunca teve um amigo e nem, acredito, jamais os quis ter.
– E, finalmente, espero que você não esteja sonolento e preste atenção, Harry: o jovem Tom
Riddle gostava de colecionar troféus. Você viu a caixa cheia de coisinhas roubadas que ele escondia
no quarto. Elas haviam sido tiradas de vítimas do seu comportamento tirânico, suvenires, se prefere,
resultantes de toques de mágica especialmente desagradáveis. Tenha em mente essa tendência a um
comportamento gatuno, por que isso vai ser especialmente importante adiante.
– E agora é realmente hora de dormir.
Harry ficou de pé e enquanto ele atravessava a sala, seus olhos caíram sobre a mesinha onde o
anel de Servolo Gaunt havia estado na última aula, mas o anel não estava mais lá.
– Sim, Harry? – perguntou Dumbledore, uma vez que Harry havia parado.
– O anel se foi – disse Harry, olhando em volta – mas acho que você deve ter guardado a gaita
ou coisa parecida.
Dumbledore sorriu para Harry, olhando por sobre os seus óculos de meia-lua.
– Muito astuto, Harry. Mas a gaita era apenas uma gaita.
E com essa enigmática observação acenou para Harry, que entendeu que estava sendo
dispensado.
140
– CAPÍTULO 14 –
Felix Felicis
Herbologia era a primeira aula de Harry na manhã seguinte. Ele não conseguiu contar a Rony
e Hermione sobre a aula com Dumbledore durante o café da manhã, com medo de que alguém o
ouvisse, mas enquanto eles caminhavam através das hortas a caminho da estufa, ele pôs os amigos
em dia. O terrível vento do fim de semana havia finalmente ido embora; a estranha névoa havia
retornado, e eles levaram mais tempo do que o normal para encontrar a estufa certa.
– Uau, que idéia assustadora, Você-Sabe-Quem garoto – disse Rony em voz baixa, enquanto
eles se acomodavam em seus lugares em volta do toco retorcido de Snargaluff, que era o projeto
daquele trimestre, e colocavam as luvas protetoras. – Mas eu ainda não entendo porque Dumbledore
está te mostrando tudo isso. Quero dizer, é até interessante e tudo mais, mas qual é o motivo?
– Não sei – disse Harry, fazendo um escudo protetor com goma – Mas ele disse que tudo era
importante e ia me ajudar a sobreviver.
– Eu acho fascinante – disse Hermione seriamente – Faz todo sentido do mundo saber tudo o
que for possível sobre Voldemort. De que outra maneira você descobriria as fraquezas dele?
– E como foi a última festa de Slughorn? – perguntou Harry através do escudo de goma.
– Oh, na verdade foi bem divertida – disse Hermione, agora colocando os óculos de proteção
– Quero dizer, ele exagera um pouco nas histórias de ex-alunos famosos, e definitivamente ele bajula
McLaggen porque ele é tão bem relacionado, mas ele nos ofereceu boa comida e nos apresentou
Gwenog Jones.
– Gwenog Jones? – disse Rony arregalando os olhos por trás dos óculos de proteção – A
Gwenog Jones? Capitã dos Holyhead Harpies?
– Essa mesmo – disse Hermione – Particularmente eu a achei muito cheia de si mesma, mas...
– Chega de conversa por aqui – interrompeu energicamente a Professora Sprout, parecendo
nervosa enquanto andava de um lado para o outro. – Vocês estão ficando para trás, todo mundo já
começou e Neville já consegiu a primeira vagem!
Eles olharam em volta, certamente Neville estava sentado com o lábio ensangüentado e vários
arranhões pelo rosto, mas segurando um desagradável objeto verde pulsante, do tamanho de um
grapefruit.
– Tudo bem, Professora, nós vamos começar agora – disse Rony, sussurrando quando ela se
afastou novamente – Deveria ter usado Muffliato, Harry.
– Não, nós não deveríamos – disse Hermione na mesma hora, mostrando-se como sempre
totalmente contrária a qualquer pensamento e feitiço que tivesse ligação com o Príncipe Mestiço.
– Bem, vamos lá... é melhor começarmos...
Ela olhou apreensiva para os dois; os três respiraram fundo e então enfiaram a mão no toco
retorcido que estava entre eles.
Ele ganhou vida de imediato; ramos longos e espinhosos, parecidos com os da amora-preta,
saíram do topo e chicotearam o ar. Um deles se emaranhou no cabelo de Hermione, e Rony o cortou
141
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
usando uma tesoura de jardinagem; Harry conseguiu amarrar alguns ramos dando nós neles mesmos,
e um buraco se abriu no meio dos galhos parecidos com tentáculos; Hermione enfiou corajosamente
o braço dentro do buraco, que fechou como um alçapão em volta de seu ombro; Harry e Rony
torceram e forçaram os galhos e ramos, forçando o buraco a se abrir novamente, e Hermione estendeu
seu braço livremente, segurando entre os dedos uma vagem igual a de Neville. De repente os ramos
espinhosos se recolheram, e o toco retorcido ficou parecendo um inocente pedaço de madeira morta.
– Eu não acho que vá querer nenhum desses em meu jardim quando eu tiver minha própria
casa – disse Rony, puxando os óculos de proteção para a testa e limpando o suor do rosto.
– Preciso de uma tigela – disse Hermione, segurando a vagem pulsante com toda a força; Harry
entregou uma para ela, que colocou a vagem dentro, com uma expressão de nojo no rosto.
– Não sejam melindrosos, espremam isso de uma vez, são melhores quando estão frescos! –
gritou a Professora Sprout.
– De qualquer maneira – continuou Hermione, como se a conversa não houvesse sido
interrompida por um ataque de um pedaço de madeira – Slughorn irá dar uma festa de natal, Harry, e
dessa vez não tem como você se esquivar, porque ele já me pediu para checar suas noites livres, para
que ele tenha certeza de que irá marcar uma data em que você possa ir.
Harry gemeu. Enquanto isso Rony, que estava de pé tentando estourar a vagem na tigela com
as duas mãos, fazendo toda a força que podia, perguntou irritado:
– E essa é outra festa apenas para os favoritos de Slughorn, não é?
– Sim , é só para o Clube do Slug – disse Hermione
A vagem voou dos dedos de Rony e atingiu o vidro da estufa, rebatendo na parte de trás da
cabeça da Professora Sprout e derrubando o chapéu velho e remendado dela. Harry foi recuperar a
vagem; quando voltou Hermione estava dizendo:
– Olha, eu não inventei o nome Clube do Slug!
– Clube do Slug – repetiu Rony com uma voz esnobe digna de Draco – É patético. Bem, espero
que você aproveite a sua festa. Por que não tenta ajeitar as coisas com McLaggen, assim Slughorn
pode transformar vocês em Rei e Rainha Slug?
– Nós podemos levar convidados – disse Hermione, que por algum motivo ficou muito vermelha
– e eu ia te convidar para vir comigo, mas se você acha tudo isso estúpido então eu não vou nem me
incomodar!
Harry desejou de repente que a vagem tivesse caído um pouco mais distante, para que ele não
precisasse sentar no meio deles. Ignorado pelos dois, ele pegou a tigela com a vagem e tentou abri-la,
da forma mais barulhenta e vigorosa que ele podia imaginar; infelizmente, ele ainda podia ouvir cada
palavra da conversa deles.
– Você ia me convidar? – perguntou Rony, com um tom de voz completamente diferente.
– Sim – respondeu Hermione ainda nervosa – Mas obviamente, você prefere que eu ajeite tudo
com McLaggen....
Houve uma pausa enquanto Harry continuava a forçar com uma pá a resistente vagem.
– Não, eu não prefiro – disse Rony, numa voz baixa.
Harry errou a vagem, acertou a tigela e a despedaçou totalmente.
– Reparo – disse ele apressadamente, apontando para os pedaços com a varinha enquanto
esses se juntavam e a tigela ficava perfeita novamente. O barulho, entretanto, pareceu avisar Rony e
Hermione da presença de Harry. Hermione pareceu atrapalhada e imediatamente começou a folhear
sua cópia de Plantas Carnívoras do Mundo para encontrar a maneira correta de extrair suco das
vagens de Snargaluff; Rony, por outro lado, pareceu sem graça, mas também muito satisfeito consigo
mesmo.
– Entregue essa para mim, Harry – disse rapidamente Hermione – Aqui diz que nós devemos
furá-la com alguma coisa pontuda...
Harry entregou a tigela com a vagem para ela. Ele e Rony colocaram novamente os óculos de
proteção e mergulharam os braços, mais uma vez, no toco. Na verdade ele não estava realmente
142
Capítulo 14 – Felix Felicis
surpreso, pensou Harry, enquanto lutava com um ramo espinhoso que tentava estrangulá-lo; ele
tinha uma vaga idéia de que isso aconteceria cedo ou tarde. Mas não tinha certeza de como se sentia
quando pensava nesse assunto... Ele e Cho estavam agora muito constrangidos para olharem um para
o outro, que dirá para conversarem; e se Rony e Hermione começassem a sair juntos e se separassem?
A amizade deles poderia sobreviver? Harry se lembrou das poucas semanas quando eles não falaram
um com o outro no terceiro ano; ele não gostou nadinha de tentar diminuir a distância entre os dois.
E se eles não se separassem? E se eles ficassem como Gui e Fleur, e fosse excruciantemente embaraçoso
estar na presença deles, de forma que ele tivesse que se manter distante?
– Consegui! – gritou Rony, puxando uma segunda vagem do toco assim que Hermione conseguiu
abrir a primeira, deixando a tigela cheia de tubérculos se contorcendo, como minhocas verdes e
pálidas.
O resto da aula transcorreu sem nenhuma menção à festa de Slughorn. Apesar de Harry ter
observado mais de perto seus dois amigos nos dias seguintes, Rony e Hermione não pareciam diferentes,
exceto pelo fato de estarem mais educados que o normal um com o outro . Harry achou que teria
apenas que esperar para ver o que aconteceria sob a influência de Cerveja Amanteigada, na penumbra
da sala de Slughorn, na noite da festa. Entretanto, apesar disso tudo, ele tinha outras preocupações.
Katie Bell ainda estava no hospital St. Mungo, sem previsão de saída, o que significava que o
promissor time grifinório que Harry vinha treinando com tanto cuidado desde setembro, estava com
um artilheiro a menos. Ele adiou ao máximo substituir Katie com a esperança de que ela voltasse,
mas o jogo de estréia contra a Sonserina estava se aproximando, e finalmente ele foi obrigado a
aceitar que ela não estaria de volta a tempo.
Harry não conseguiria suportar um novo teste com todos os integrantes da casa. Sentindo uma
depressão que pouco tinha a ver com Quadribol, ele cercou Dino Thomas depois da aula de
Transfiguração um dia. A maioria da classe já havia saído, apesar de alguns passarinhos amarelos
continuarem a cantar voando pela sala, todos criações de Hermione; ninguém mais conseguiu nem
uma pena.
– Você continua interessado em jogar como artilheiro?
– O quê? É claro que sim! -exclamou Dino excitado. Por cima do ombro de Dino Harry viu
Simas Finnegan enfiando o livro na mochila, parecendo mal-humorado. Uma das razões pelas quais
Harry havia preferido não chamar Dino para jogar é porque ele sabia que Simas não iria gostar. Por
outro lado, ele precisava fazer o que fosse melhor para o time e Dino havia sido melhor do que Simas
nos testes.
– Bem, então você está dentro – disse Harry – Hoje às 7 da noite teremos um treino.
– Certo – disse Dino – Puxa Harry! Nossa, mal posso esperar para contar para a Gina!
Ele saiu da sala, deixando Harry e Simas sozinhos, um momento constrangedor que não ficou
mais fácil quando um excremento de passarinho caiu na cabeça de Simas, quando um dos canários de
Hermione sobrevoou a toda velocidade sobre eles.
Simas não era a única pessoa contrariada pela escolha do substituto de Katie. Havia muitos
murmúrios no salão comunal sobre o fato de Harry ter escolhido dois de seus colegas de classe para
o time. Como Harry já tinha agüentado murmúrios e fofocas muito piores desde o começo de sua
vida escolar, ele não se incomodou muito, mas ao mesmo tempo, a pressão estava aumentando para
que eles conseguissem uma vitória no próximo jogo contra a Sonserina. Se a Grifinória vencesse,
Harry sabia que toda a Casa esqueceria as críticas e juraria de pé junto que eles sempre acreditaram
que tinham um grande time. Se eles perdessem.... bem, Harry pensou satisfeito que já tinha agüentado
momentos bem piores.
Após ver Dino voando naquela noite, Harry não teve motivos para se arrepender de sua escolha;
ele funcionou muito bem com Gina e Demelza. Os batedores Peakes e Coote estavam melhorando
cada vez mais. O único problema era Rony.
Harry sempre soube que Rony era um jogador inconsistente, que ficava nervoso e sofria com a
falta de confiança, e infelizmente, a perspectiva de abrirem a temporada pareceu trazer de volta sua
143
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
antiga insegurança. Após deixar que marcassem meia dúzia de gols, a maioria deles feitos por Gina,
a técnica dele foi ficando cada vez mais agressiva, até que finalmente ele acertou um soco na boca de
Demelza Robins quando ela se aproximou.
– Foi um acidente! Por favor me desculpe, Demelza! – gritou Rony atrás dela enquando ela
ziguezagueva até o chão, respingando sangue por todos os lugares – Eu apenas....
– Entrou em pânico? – gritou Gina nervosa, pousando ao lado de Demelza e examinando o seu
lábio inchado. – Rony seu imbecil, olhe só o estado dela!
– Eu posso arrumar isso – disse Harry, pousando ao lado das duas garotas e apontando a
varinha para a boca de Demelza dizendo “Episkey”. – E Gina, não chame Rony de imbecil, você não
é a capitã desse time.
– Bem, você parecia muito ocupado para chamá-lo de imbecil então eu achei que alguém
devia...
Harry se controlou para não rir.
– Para o ar todo mundo! Vamos lá!
No geral, aquele foi um dos piores treinos que já haviam tido naquele ano, apesar de Harry
achar que honestidade definitivamente não era a melhor política quando eles estavam tão próximos
da partida.
– Estão todos de parabéns! Eu acho que vamos arrasar com a Sonserina – disse ele animadamente,
fazendo com que os artilheiros e batedores deixassem o vestiário muito satisfeitos com o próprio
desempenho.
– Eu joguei como um saco de bosta de dragão – disse Rony numa voz oca quando a porta foi
fechada por Gina.
– Não, você não jogou – disse Harry firmemente – Você é o melhor goleiro que eu testei, Rony!
O seu único problema é o nervosismo!
Ele continuou com o discurso de encorajamento por todo o caminho de volta para o castelo, e
no momento em que atingiram o segundo andar, Rony parecia ligeiramente mais animado. Entretanto,
quando Harry empurrou para abrir a tapeçaria que levava ao atalho costumeiro para a Torre da
Grifinória, eles se encontraram olhando para Gina e Dino, que pareciam colados um no outro, num
beijo impetuoso que confundia os dois.
Foi como se alguma coisa grande e escamosa ganhasse vida dentro do estômago de Harry,
arranhando ele por dentro: seu cérebro foi encharcado por sangue quente, apagando todo e qualquer
pensamento e colocando uma única vontade no lugar, a necessidade de transformar Dino em geléia.
Lutando com sua súbita loucura, ele ouviu a voz de Rony como se viesse de um lugar muito distante.
– Ei!
Dino e Gina se separaram e olharam em volta.
– O que foi? – respondeu Gina.
– Eu não quero encontrar minha própria irmã num amasso com alguém em público!
– Esse corredor estava deserto até vocês dois chegarem! – disse Gina.
Dino pareceu envergonhado. Ele sorriu levemente para Harry, que não retribuiu, enquanto o
novo monstro dentro de Harry exigia que Dino fosse tirado do time no ato.
– Er.... Gina, vamos... – disse Dino – vamos voltar para o salão comunal...
– Vá você! – disse Gina – Eu quero dar uma palavrinha com o meu querido irmão!
Dino saiu, parecendo nem um pouco chateado por não ter que presenciar a cena.
– Certo – continuou Gina enquanto tirava os longos cabelos ruivos do rosto e encarava Rony
– vamos acertar isso de uma vez por todas. Não é da sua conta com que eu saio ou o que faço com
eles, Rony,...
– É sim! – disse Rony ainda irritado – Você acha que eu quero ouvir as pessoas chamarem
minha irmã de...
– Chamar de que, Rony? – gritou Gina, sacando a varinha – Exatamente do que?
144
Capítulo 14 – Felix Felicis
– Ele não tinha a intenção de dizer nada, Gina – disse Harry automaticamente, apesar do
monstro estar aprovando cada palavra de Rony.
– Ah, ele quis sim! – disse Gina ainda mais irritada – Só porque ele nunca ficou com ninguém
na vida dele, só porque o melhor beijo que ele já teve foi da tia Muriel?
– Cale a boca! – gritou Rony, passando da fisionomia vermelha para a púrpura.
– Não eu não calo! – gritou Gina ainda mais – Eu vi como você é com a Fleuma, esperando que
ela te beije na bochecha cada vez que você a vê, é patético! Se namorasse e conseguisse uns amssos
por mérito próprio, não se importaria tanto ao ver os outros fazendo o mesmo.
Rony também empunhou a varinha; Harry se colocou de pronto entre os dois.
– Você não sabe sobre o que está falando! – rugiu Rony, tentando ter uma visão clara de Gina
atrás de Harry, que estava na frente dela com os braços abertos. – Só porque eu não faço isso em
público?
Gina riu desdenhosamente, tentando tirar Harry de seu caminho.
– Andou beijando Pichitinho? Ou você tem uma foto da tia Muriel guardada embaixo do
travesseiro?
– Sua...
Uma luz alaranjada passou por baixo do braço esquerdo de Harry, errando Gina por milímetros;
Harry empurrou Rony contra a parede.
– Não seja idiota!
– Harry ficou com a Cho Chang – gritou Gina, que parecia estar à beira das lágrimas agora – e
Hermione ficou com o Victor Krum, você é o único que age como se isso fosse algo nojento, Rony,
e isso só acontece porque você tem tanta experiência quanto um menino de doze anos!
E depois disso ela foi embora. Harry rapidamente soltou Rony, que estava com uma fisionomia
assassina. Os dois ficaram um tempo por ali, respirando de forma pesada até que Madame Nor-r-ra,
a gata de Filch, apareceu, quebrando toda a tensão.
– Vamos lá – disse Harry, ao ouvir os passos de Filch se aproximarem deles.
Eles correram escada acima e por todo o corredor do sétimo andar.
– Ei, saia do caminho! – grunhiu Rony para uma pequena menina que pulou assustada e derrubou
uma garrafa de ovas de sapo.
Harry mal ouviu o barulho de vidro quebrado; ele se sentiu desorientado e tonto; como se
tivesse sido atingido por um raio. “É só porque ela é irmã do Rony” disse ele para si mesmo “Você
apenas não gostou de vê-la beijando Dino porque ela é irmã do Rony”.
Mas das profundezas de sua mente se intrometeu uma imagem do mesmo corredor deserto,
com ele beijando Gina...o monstro dentro de seu peito ronronou de satisfação, mas aí ele viu Rony
rasgando as cortinas da tapeçaria e apontando a varinha para Harry, gritando coisas como “traiu
minha confiança” e “achava que você era meu amigo”...
– Você acha mesmo que a Hermione ficou com o Krum? – perguntou Rony de repente, enquanto
eles se aproximavam do retrato da Mulher Gorda. Harry se sobressaltou culpado e afastou seu
pensamento de um corredor que não tinha sido invadido por Rony, onde ele e Gina estavam sozinhos.
– O que? – perguntou confuso – Ah... er....er....
A resposta sincera seria sim, mas ele não queria dizê-la. No entanto, Rony pareceu ter entendido
o pior, só de olhar para o rosto de Harry.
– Dilligrout* – disse Rony sombrio para a Mulher Gorda, e eles entraram pelo retrato direto
para o salão comunal.
Nenhum dos dois mencionou Gina ou Hermione novamente, na verdade eles mal falaram um
com o outro naquela noite, e foram deitar em silêncio, cada um absorvido com os próprios pensamentos.
Harry permaneceu acordado por um longo período, olhando para o dossel da sua cama e tentando
se convencer de que o que sentia por Gina era na verdade coisa de irmão mais velho. Eles conviveram
como irmãos durante todo o verão, jogando Quadribol, atormentando Rony, e rindo de Gui e Fleuma.
* Dilligrout – farinha de endro
145
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Ele conhecia Gina há anos.... é natural que se sentisse no dever de protegê-la... natural que ele se
preocupasse com ela.... que quisesse arrancar cada costela do Dino por beijá-la... Não... ele precisava
controlar este particular sentimento fraterno....
Rony roncou alto.
Ela é a irmã do Rony, disse Harry para si mesmo, firmemente. Irmã do Rony. Está fora de
cogitação. Ele não arriscaria a própria amizade com Rony por nada desse mundo. Ele ajeitou o
travesseiro de uma maneira mais confortável e esperou o sono chegar, tentando manter todos seus
pensamentos bem afastados de Gina.
Harry acordou na manhã seguinte sentindo-se ligeiramente aturdido e confuso com a série de
sonhos nos quais Rony o perseguia com um bastão de batedor, mas no meio do dia ele trocaria
facilmente o Rony do sonho pelo real, que não só estava sendo desagradável com Gina e Dino, como
também tratava com gelada indiferença uma Hermione confusa e magoada. Na verdade, Rony parecia
ter se transformado da noite para o dia em algo tão inflamável e prestes a atacar quanto um explosivim.
Harry passou o dia inteiro tentando manter a paz entre Rony e Hermione sem sucesso; finalmente
Hermione foi dormir furiosa enquanto Rony caminhava para o dormitório masculino ameaçando
vários calouros assustados, só por olharem para ele.
Para o desespero de Harry, a nova fase agressiva de Rony não se dissipou nos dias seguintes.
Pior, coincidiu com uma piora ainda maior de sua atuação como goleiro, tornando-o ainda mais
agressivo, de modo que no último treino de Quadribol antes do jogo de sábado, ele não conseguiu
defender nem um único arremesso que os artilheiros lançaram contra ele, mas ofendeu tanto a cada
um, que Demelza Robins terminou o treino em prantos.
– Você cale a sua boca e deixe ela em paz – gritou Peakes, que tinha cerca de dois terços da
altura de Rony, embora fosse verdade que carregasse um pesado bastão de Quadribol.
– CHEGA! – gritou Harry, que percebeu que Gina estava olhando ameaçadora para Rony e
resolveu intervir, ao lembrar da sua reputação de lançadora de Azaração de Rebater Bicho-Papão e
antes que as coisas saíssem de controle – Peakes, vá guardar os balaços. Demelza, se recomponha,
você realmente jogou bem hoje, Rony... – ele esperou o resto do time ficar fora de alcance – Você é
o meu melhor amigo, mas se você continuar a tratar os outros como fez hoje, eu serei obrigado a te
tirar do time!
Harry realmente acreditou por um momento que Rony iria acertá-lo, mas de repente, algo
muito pior aconteceu: Rony pareceu afundar na vassoura, toda a agressividade pareceu abandoná-lo
naquele momento e ele disse:
– Eu estou fora. Sou patético....
– Você não é patético e você não vai sair do time! – disse Harry firmemente, segurando Rony
pela frente das vestes – Você consegue defender qualquer coisa quando está em forma, o que você
tem é um problema mental!
– Você está me chamando de doido?
– Sim, talvez eu esteja!
Eles se olharam por um momento, até que Rony balançou a cabeça cansado.
– Eu sei que você não tem tempo de encontrar outro goleiro, portanto vou jogar amanhã....
mas se nós perdermos, e nós iremos perder, eu sairei do time!
Nada do que Harry dissesse faria diferença naquele momento. Ele tentou aumentar a confiança
de Rony durante todo o jantar, mas Rony estava ocupado demais em ser rabugento e mal educado
com Hermione, para notar. Naquela noite Harry ainda insistiu no salão comunal, mas o seu argumento
principal, de que o time ficaria devastado se ele os abandonasse, foi por água abaixo com o resto do
time reunido em um canto afastado deles, claramente conversando sobre Rony e lançando na direção
dele olhares de reprovação. Finalmente Harry tentou ficar zangado, com a esperança de que se Rony
fosse desafiado, quem sabe ele conseguiria ter uma atitude mais confiante na hora do jogo, mas a
estratégia pareceu não ser melhor do que a do encorajamento, porque Rony foi se deitar mais cabisbaixo
e deprimido do que nunca!
146
Capítulo 14 – Felix Felicis
Harry permaneceu por um longo tempo acordado no escuro. Ele não queria perder o próximo
jogo; não só porque esse era o primeiro jogo dele como capitão, mas porque ele estava determinado
a vencer Draco Malfoy no Quadribol, mesmo que ainda não conseguisse comprovar suas suspeitas
sobre ele. Mas se Rony continuasse a jogar como nos últimos treinos a chance deles seria mínima....
Se pelo menos houvesse alguma coisa que ele pudesse fazer para deixar Rony mais confiante...
fazê-lo jogar com toda a sua capacidade... algo que desse certeza a Rony de que ele iria realmente
bem naquele dia....
E a resposta chegou de repente, num momento súbito de gloriosa inspiração.
Na manhã seguinte o café da manhã transcorreu com a excitação normal, os sonserinos vaiaram
e provocaram o time grifinório assim que ele entrou no Salão Principal. Harry olhou para o teto e viu
um céu azul, claro e límpido: um bom presságio.
A mesa da Grifinória era uma massa só de vermelho e dourado, que cumprimentou animada a
chegada de Harry e Rony. Harry sorriu e acenou; Rony sorriu sem graça e balançou a cabeça.
– Anime-se, Rony! – gritou Lilá – Eu sei que você irá arrasar!
Rony a ignorou.
– Chá? – perguntou Harry – Café? Suco de abóbora?
– Qualquer coisa – grunhiu Rony mordiscando uma torrada.
Alguns minutos depois Hermione, que havia ficado tão cansada do comportamento insuportável
de Rony que não desceu com eles para o café, parou ao lado deles.
– Como vocês dois estão se sentindo? – perguntou com hesitação, com os olhos na parte de
trás da cabeça de Rony.
– Bem! – disse Harry, que estava concentrado em entregar o copo de suco de abóbora para
Rony – Aqui está Rony. Agora beba!
Foi só Rony encostar os lábios no copo que Hermione ordenou:
– Não beba isso, Rony!
Tanto Harry como Rony olharam para ela.
– Por que não? – perguntou Rony
Hermione olhou para Harry com cara de quem não estava acreditando no que estava vendo.
– Você acabou de colocar algo na bebida dele!
– Como? – perguntou Harry
– Você me ouviu, eu vi o que você fez. Você simplesmente acabou de colocar algo na bebida
do Rony. A garrafa está na sua mão agora mesmo.
– Não sei do que você está falando – disse Harry, guardando rapidamente a pequena garrafa no
bolso.
– Rony, eu estou te avisando, não beba isto! – disse Hermione novamente, alarmada quando
Rony pegou o copo, bebeu-o de uma vez e disse:
– Pare de mandar em mim, Hermione.
Ela pareceu escandalizada. Abaixando-se de uma forma que só Harry conseguisse ouvi-la,
sussurrou:
– Você deveria ser expulso por isso. Eu nunca esperei isso de você, Harry.
– Olha só quem está falando – sussurrou Harry de volta – Tem confundido alguém ultimamente?
Ela saiu batendo o pé para longe deles. Harry observou-a se afastar sem culpa. Na verdade
Hermione nunca tinha entendido o quanto Quadribol era um assunto sério. Então Harry olhou para
Rony, que estava estalando os lábios.
– Está quase na hora – disse Harry tranqüilamente.
A grama congelada estalava enquanto eles caminhavam para o estádio.
– Que sorte que o tempo está tão bom hoje, não é mesmo? – Harry perguntou a Rony.
– É.... – respondeu Rony, parecendo pálido e adoentado.
Gina e Demelza já estavam usando o uniforme de Quadribol e esperando por eles no vestiário.
147
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Condições de jogo ideais! – disse Gina, ignorando Rony – E adivinhem só? Aquele artilheiro
da Sonserina, o Vaisey, levou um balaço na cabeça ontem, durante o treino, e está muito machucado
para jogar! E melhor ainda, Malfoy também ficou doente!
– O quê? – perguntou Harry, virando-se para olhar diretamente para ela – Ele está doente? O
que ele tem?
– Não faço idéia, mas é ótimo para nós – disse Gina alegremente – Quem vai jogar no lugar é
o Harper, ele está no mesmo ano que eu e é um idiota.
Harry sorriu levemente, mas enquanto vestia seu uniforme escarlate, sua mente estava longe
do Quadribol. Malfoy já havia reclamado uma vez que não poderia jogar porque estava machucado,
mas naquela ocasião ele fez de tudo para que o jogo fosse remarcado para um momento mais propício
para a Sonserina. Por que dessa vez ele estaria feliz por ser substituído? Ele realmente estaria doente
ou estaria fingindo?
– Estranho, você não acha? – Harry perguntou em voz baixa para Rony – Malfoy não jogar?
– Eu chamaria de sorte! – disse Rony, parecendo muito mais animado – E Vaisey também está
fora, ele é o melhor marcador do time, eu não achei ruim.... Ei! – disse Rony de repente, parando
enquanto vestia as luvas de goleiro e olhando para Harry.
– Que foi?
– Eu... você... – Rony abaixou a voz, parecendo amedrontado e excitado ao mesmo tempo –
Minha bebida, meu suco de abóbora... você não....
Harry levantou as sobrancelhas, mas apenas respondeu:
– Nós vamos entrar em campo em 5 minutos, é melhor você calçar as suas botas.
Eles entraram no campo sob aplausos e vaias. Um lado do campo era claramente vermelho e
dourado, o outro, um mar de verde e prata. Muitos lufa-lufas e corvinais também tinham escolhido o
lado que iriam apoiar: Debaixo de toda a gritaria e palmas Harry conseguia ouvir claramente o rugido
do famoso chapéu de leão de Luna.
Harry se aproximou de Madame Hooch, a juíza, que estava pronta para soltar as bolas da caixa.
– Capitães, cumprimentem-se – disse ela, e Harry teve sua mão quase esmagada pelo novo
capitão da Sonserina, Urquhart – Montem em suas vassouras. Ao sinal do meu apito.... 3...2...1...
O apito soou e Harry e os outros jogadores deram o impulso inicial para voarem.
Harry deu uma volta pelos perímetros do gramado, procurando pelo Pomo de Ouro e mantendo
os olhos em Harper, que estava ziquezagueando bem abaixo dele.
Então uma voz desafinada, diferente do locutor habitual das partidas, começou a narração do
jogo.
– Bem, e lá vão eles, e acho que todos estamos surpresos por ver o time que Potter formou
neste ano. Muitos acham que o histórico como goleiro de Ronald Weasley no ano passado, fosse
suficiente para que ele estivesse fora do time neste ano, mas é claro que uma amizade próxima com
o capitão do time ajuda bastante.....
Essas palavras foram recebidas com aplausos e zombaria pela arquibancada Sonserina. Harry
se arrumou na vassoura para olhar melhor para o locutor da partida. Um garoto louro e alto, com um
nariz meio torto, estava segurando o megafone enfeitiçado que havia pertencido a Lino Jordan, Harry
reconheceu Zacarias Smith, um jogador da Lufa-Lufa por quem ele não nutria a menor simpatia.
– Ah, e lá vem o primeiro arremesso da sonserina, é Urquhat quem se aproxima e...
O estômago de Harry se revirou.
– Weasley defende, bem, eu acho que até ele pode ter sorte alguma vez na vida...
– Exatamente, Smith ele pode – murmurou Harry, rindo consigo mesmo, enquanto mergulhava
entre os artilheiros com os olhos buscando por algum sinal do Pomo fugido.
Com meia hora de jogo, a Grifinória liderava por sessenta a zero, tendo Rony feito algumas
defesas espetaculares, algumas com as pontas das luvas, e Gina marcando quatro dos seis gols para a
Grifinória. Isso definitivamente parou as considerações de Zacharias sobre os dois Weasleys estarem
no time só porque Harry gostava deles, fazendo com que ele mudasse o assunto para Peakes e Coote.
148
Capítulo 14 – Felix Felicis
– É claro que Coote não tem exatamente o corpo de um batedor – disse Zacharias com ar de
zombaria – eles costumam ter um pouco mais de músculos...
– Jogue um balaço nele! – gritou Harry para Coote enquanto voava na frente dele, mas ao invés
disso Coote escolheu dirigir o próximo balaço para Harper, que estava passando na direção contrária
de Harry. Harry ficou satisfeito ao ouvir o barulho surdo que indicava que o balaço havia atingido o
alvo.
Parecia que a Grifinória não podia fazer nada errado. Eles continuavam a marcar gols, enquanto
do outro lado do campo Rony continuou a defender com facilidade todos os arremessos. Na verdade
ele já estava até sorrindo, e quando após uma boa defesa a torcida começou o antigo coral de “Weasley
é nosso Rei”, ele fingiu reger o coro do alto do campo.
– Ele está se achando muito especial hoje, não é mesmo? – disse uma vozinha irritante e Harry
quase caiu da vassoura quando Harper deliberadamente trombou com ele.
– Seu traidor do próprio sangue....
Madame Hooch estava virada para o outro lado, e apesar dos Grifinórios gritarem com indignação,
quando ela finalmente olhou, Harper já estava bem longe dele. Com o ombro doendo Harry o perseguiu,
com vontade de dar o troco...
– E eu tenho a impressão de que Harper, da Sonserina, avistou o Pomo de Ouro – disse
Zacharias Smith através do megafone – Sim, ele definitivamente está enxergando algo que Harry
ainda não viu...
Zacharias era definitivamente um idiota, pensou Harry, será que ele não percebeu que ele
havia acertado Harry? Mas no momento seguinte, Harry sentiu seu estômago gelar, Zacharias estava
certo e Harry errado: Harper não havia disparado porque estava fugindo dele, ele havia visto algo que
Harry não viu: o Pomo de Ouro estava voando em disparada bem acima deles, brilhando no céu azul.
Harry acelerou, o vento assobiava tanto em seus ouvidos que ele deixou de ouvir todos os
comentários de Smith e a torcida, mas Harper continuava na sua frente, e Grifinória liderava o jogo
por apenas cem pontos... se Harper conseguisse pegar o Pomo de Ouro a Grifinória iria perder... e
agora Harper estava esticando o braço....
– Ei Harper! – gritou Harry, em desespero – Quanto Malfoy te pagou para você vir no lugar
dele?
Ele não soube dizer de onde tirou essa frase, mas Harper hesitou por um minuto e ao manusear
o Pomo de Ouro, deixou que ele escorregasse através dos dedos. Harry deu um impulso e conseguiu
capturar a pequena bola flutuante.
– CONSEGUI! – gritou Harry. Virando a vassoura, e voltando para o campo, exibindo o Pomo
de Ouro. Quando a torcida percebeu o que havia acontecido um grande grito quase encobriu o som
do apito que anunciou o fim da partida.
– Onde você vai, Gina? – gritou Harry percebendo que estava envolvido num bloco de abraços
no meio do ar, com o resto do time, mas Gina acelerou em direção às arquibancadas, e com um
barulho estrondoso ela trombou com a cabine do locutor. Enquanto toda a arquibancada gargalhava
e o time da Grifinória aterrisava ao lado dos destroços sob os quais Zacharias se movia com dificuldade;
Harry ouviu Gina dizer calmamente para uma Professora MacGonnagal irada:
– Esqueci de frear, Professora... me desculpe....
Rindo, Harry se libertou do resto do time e abraçou Gina, mas a soltou rapidamente. Evitando
o olhar dela, ele bateu nas costas de um Rony animado, enquanto o time da Grifinória, todas as
inimizades esquecidas, deixava o campo de braços dados, socando o ar e acenando para a torcida.
O clima no vestiário era de alegria.
– Simas disse que vai haver uma grande festa no Salão Comunal! – gritou Dino exultante –
Vamos lá Gina, Demelza....
Rony e Harry foram os últimos a deixar o vestiário. Quando estavam prontos para saírem,
Hermione entrou. Ela estava segurando o cachecol da Grifinória, e parecia aborrecida, mas
determinada.
149
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Eu quero dar uma palavrinha com você, Harry – Ela respirou fundo – Você não deveria ter
feito isso. Você ouviu o que Slughorn disse, é ilegal!
– E o que você vai fazer? Nos entregar? – perguntou Rony.
– Do que vocês dois estão falando? – perguntou Harry, enquanto se afastava vestindo as vestes,
para que nenhum dos dois conseguisse ver ele sorrindo.
– Você sabe perfeitamente do que estamos falando – disse Hermione irritada – Você colocou
a poção da sorte no suco do Rony! Felix Felicis!
– Não, eu não coloquei – disse Harry, virando-se para encará-los.
– Sim, você colocou, Harry. E foi por isso que tudo deu tão certo, faltaram jogadores da Sonserina
e Rony conseguiu salvar todos os arremessos.
– Eu não coloquei poção nenhuma – disse Harry, agora com um sorriso largo. Ele colocou a
mão dentro do bolso da capa e tirou uma pequena garrafa, que Hermione havia visto na sua mão de
manhã. Estava cheia de um líquido dourado e a tampa continuava lacrada com cera. – Eu queria que
Rony pensasse que eu havia colocado, então eu fingi que estava colocando quando percebi que você
estava olhando. – ele olhou para Rony – você fez todas as defesas porque sentiu que estava com
sorte. Mas você fez tudo por mérito próprio.
Ele guardou novamente a poção no bolso.
– Não havia nada no meu suco de abóbora? – perguntou Rony, assombrado. – Mas o tempo
estava bom... e Vaisey não pôde jogar.... É sério que não tomei poção da sorte?
Harry balançou a cabeça. Rony o encarou por um momento, e então se voltou para Hermione,
imitando a voz dela:
– Você colocou Felix Felicis no suco de abóbora do Rony esta manhã, foi por isso que ele
conseguiu defender todos os arremessos! Viu só? Eu consigo defender gols sem precisar de ajuda,
Hermione!
– Eu nunca disse que você não conseguia! Rony, você também achou que o Harry havia te
dado a poção!
Mas Rony já havia passado por ela com a vassoura no ombro.
– Bem... – disse Harry tentando quebrar o silêncio, ele não esperava que as coisas seguissem
esse rumo – vamos.... vamos para a festa então?
– Vá você! – disse Hermione, segurando as lágrimas – Eu estou cheia do Rony no momento, eu
não sei o que foi que eu fiz....
E ela também precipitou-se para fora do vestiário.
Harry caminhou lentamente de volta para o castelo, passando pela torcida, muitos deles gritando
congratulações, mas sentiu uma grande sensação de fracasso. Ele tinha certeza de que se Rony vencesse
o jogo, ele e Hermione seriam amigos de novo imediatamente. Ele não conseguia encontrar uma
forma de explicar a Hermione que ela havia ofendido Rony ao beijar Victor Krum, não quando a
ofensa tinha ocorrido há tanto tempo atrás.
Harry não viu Hermione na festa da Grifinória, que estava no seu auge quando ele chegou.
Novas palmas e gritos de comemoração saudaram seu aparecimento, e rapidamente ele foi envolvido
por um grupo de pessoas que queria cumprimentá-lo. Tentando se livrar dos irmãos Creevey, que
queriam uma análise sobre cada lance do jogo, e de um grupo de garotas que o cercou, rindo de seus
comentários mais sem graça, enquanto batiam as pestanas, levou um bom tempo até ele conseguir
encontrar Rony. Finalmente, ele se libertou de Romilda Vane, que estava dizendo com todas as letras
o quanto ela gostaria de ser convidada por ele para ir a Festa de Natal de Slughorn.
Enquanto ele se dirigia para a mesa de bebidas, ele encontrou Gina, com Arnold, o mini pufoso,
equilibrando-se em seu ombro, e Bichento miando cheio de esperança em seus calcanhares.
– Procurando Rony? – perguntou ela – Ele está logo ali, aquele hipócrita nojento.
Harry olhou para o local onde ela estava indicando. Lá, bem à vista de todo o salão comunal,
estava Rony tão agarrado com Lilá Brown, que era difícil dizer de quem era qual mão.
150
Capítulo 14 – Felix Felicis
– Parece que ele está comendo a cara dela, não parece? – disse Gina friamente. – Mas eu
acredito que ele precisa aprimorar a própria técnica de alguma maneira. Grande jogo, Harry.
Ela deu um tapinha no braço dele, Harry sentiu como uma arremetida no estômago, mas então
ela foi buscar mais cerveja amanteigada, com Bichento trotando logo atrás dela, com seus olhos
amarelos fixos em Arnold.
Harry virou de costas para Rony, que não parecia que iria sair dali tão cedo, bem a tempo de ver
que o buraco do retrato estava se fechando. Com tristeza ele achou que viu uma juba de cabelos
castanhos se afastarem.
Ele voou naquela direção, desvencilhando-se de Romilda Vane novamente e abriu o retrato da
mulher gorda. O corredor parecia deserto.
– Hermione?
Ele a encontrou na primeira sala de aula destrancada. Ela estava sentada na mesa do professor,
sozinha, com exceção do círculo de pequenos pássaros amarelos que cantavam e sobrevoavam sua
cabeça, que ela claramente havia conjurado do nada. Harry não pôde deixar de admirar o feitiço que
ela havia acabado de fazer numa hora dessas.
– Ah, olá Harry. – disse ela com a voz embargada – Eu estava apenas treinando.
– Sim... eles são... er... realmente muito bons... – disse Harry.
Ele não sabia o que dizer a ela. Ele estava imaginando se haveria alguma possibilidade dela
não ter visto Rony, de ter apenas deixado o salão comunal porque a festa estava muito cheia...
quando ela disse com a voz estranhamente alterada:
– Rony pareceu estar aproveitando as comemorações.
– É mesmo? – disse Harry
– Não finja que não o viu – disse Hermione – Ele não estava exatamente se escondendo,
estava?
A porta abriu de repente. Para o horror de Harry, Rony entrou, rindo e puxando Lilá pelo mão.
– Opa.... – disse ele se soltando dela ao avistar Harry e Hermione
– Ops... – disse Lilá, e ela saiu da sala de aula rindo. A porta se fechou por trás dela.
Houve um momento de terrível e constrangedor silêncio. Hermione estava encarando Rony,
que se recusava a olhar para ela, mas que disse num estranho misto de embaraço e bravata:
– Oi, Harry, eu estava pensando onde você poderia ter ido....
Hermione desceu da mesa. O pequeno grupo de pássaros ainda voava em círculos em volta da
cabeça dela, fazendo com que de uma forma estranha, ela parecesse o sistema solar.
– Você não devia deixar a Lilá esperando do lado de fora – ela disse calmamente – ela vai ficar
se perguntando, onde você terá ido...
Ela caminhou lentamente para a porta, com a cabeça erguida. Harry olhou de relance para
Rony, que pareceu aliviado por nada pior ter acontecido.
– Oppugno! – veio um grito da porta.
Harry olhou a tempo de ver Hermione apontando a varinha para Rony, com uma expressão
selvagem no rosto: o pequeno grupo de pássaros voou rapidamente em direção a Rony, como se
fossem balas de uma metralhadora. Ele cobriu o rosto com as mãos, mas os pássaros atacaram,
bicando em cada parte de carne que eles conseguiram alcançar.
– TIRISSODAQUI!!!!!– gritou Rony, mas com um último olhar de fúria vingativa, Hermione
abriu a porta e desapareceu por ela. Harry achou que ouviu um soluço antes da porta se fechar.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 15 –
O Juramento Inquebrável
A neve rodopiava novamente contra as vidraças geladas, o Natal se aproximava rapidamente.
Hagrid já trouxera sozinho as doze usuais árvores de Natal para o Grande Salão, guirlandas cintilantes
e de azevinho tinham sido torcidas à volta das balaustradas das escadas, velas permanentes brilhavam
dentro dos elmos das armaduras e grandes ramos de visco* tinham sido espalhados em intervalos ao
longo dos corredores. Grupos grandes de garotas tendiam a se agrupar em torno do visco cada vez
que Harry passava, o que causava bloqueios nos corredores. Por sorte, contudo, Harry, andando
constantemente pelo castelo à noite, adquirira um conhecimento incomum sobre suas passagens
secretas, então conseguia, sem muita dificuldade, circular, entre uma aula e outra, por caminhos
livres dos ramos.
Rony, que poderia antes ter considerado a necessidade desses desvios um motivo para inveja,
mais que para achar graça, simplesmente gargalhava disso tudo agora. Embora Harry preferisse esse
novo Rony, risonho e piadista, ao mal-humorado e agressivo modelo que ele aturara nas semanas
anteriores, o novo e melhorado Rony tinha um preço alto. Primeiramente, Harry havia sido obrigado
a suportar a presença constante de Lilá Brown, que parecia considerar qualquer momento em que
não estivesse beijando Rony como tempo perdido. Em segundo lugar, Harry tinha novamente como
melhores amigos duas pessoas que pareciam que jamais se falariam outra vez.
Rony, cujas mãos e antebraços tinham ainda as marcas das picadas do bando de passarinhos
conjurados por Hermione para atacá-lo, adquirira um tom ressentido e defensivo.
– Ela não tem do que se queixar – ele explicou a Harry – ela deu uns amassos no Krum, então,
descobriu que alguém também queria me agarrar. Bem, estamos em um país livre. Não fiz nada
demais.
Harry não respondeu, mas fingiu estar muito absorto no livro que eles deveriam supostamente
ler antes da aula de Feitiços da manhã seguinte (Quintessência: uma Busca). Determinado a manter
a amizade tanto de Rony quanto de Hermione, ele vinha passando bastante tempo com a boca bem
fechada.
– Nunca prometi nada a Hermione – resmungou Rony – digo, tá certo, eu ia com ela à festa do
Slughorn, mas ela não disse... só como amigos, sou uma pessoa livre...
Harry virou a página do Quintessência, ciente que Rony o observava. A voz de Rony foi
tornando-se uma série de murmúrios, quase inaudíveis sob o estalar alto da lareira, a ponto de Harry
só conseguir perceber as palavras “Krum” e “não pode se queixar”, novamente.
Hermione tinha o horário tão tomado, que Harry só podia falar com ela apropriadamente à
noite, quando geralmente Rony estava tão agarrado com Lilá que nem notava o que Harry estava
fazendo. Hermione se recusava a sentar no salão comunal quando Rony estava por perto, então,
*Se você nunca viu nenhum filme sobre Natal americano ou inglês, não deve estar familiarizado com a tradição de se beijar a pessoa quando ela
passa embaixo do galho de visco, que é uma planta muito comum na decoração de Natal desses países.
152
Capítulo 15 – O Juramento Inquebrável
geralmente, Harry a encontrava na biblioteca, o que significava que suas conversas eram por meio de
sussurros.
– Ele é perfeitamente livre para beijar quem quiser – disse Hermione enquanto a bibliotecária,
Madame Pince, circulava pelas estantes atrás deles – eu realmente não poderia ligar menos.
Ela ergueu a pena e colocou um pingo num “i” com tanta força que fez um buraco no pergaminho.
Harry não disse nada. Pensou que talvez sua voz logo desapareceria por falta de uso. Curvou-se mais
sobre Preparo de Poções – Nível Avançado e continuou a fazer anotações acerca dos Elixires Perpétuos,
parando ocasionalmente para decifrar os acréscimos úteis ao texto de Borage feitos pelo Príncipe.
– A propósito – comentou Hermione, após alguns segundos – você precisa tomar cuidado.
– Pela última vez – respondeu Harry com a voz meio rouca depois de três quatros de hora em
silêncio – não vou devolver esse livro. Aprendi mais com o Príncipe do que Snape ou Slughorn me
ensinaram em...
– Não estou falando sobre o seu idiota auto-denominado Príncipe – disse Hermione, olhando
aborrecida para o livro como se ele a houvesse ofendido. – Estava falando do assunto anterior. Entrei
no banheiro feminino logo antes de vir para cá e havia uma dúzia de garotas lá, incluindo aquela
Romilda Vane, elas tentavam decidir qual a melhor forma de te fazer tomar uma poção de amor.
Todas tinham a esperança de conseguir ir com você à festa do Slughorn e todas haviam comprado as
poções de amor de Fred e Jorge, que temo dizer que provavelmente funcionam.
– Por que você não as confiscou, então? – perguntou Harry. Parecia extraordinário que a mania
de Hermione de seguir as regras pudesse tê-la abandonado nesta situação crucial.
– Elas não estavam com as poções no banheiro – replicou Hermione desdenhosamente. – só
estavam discutindo tática. Como duvido que mesmo o Príncipe Mestiço – e lançou ao livro outro
olhar maldoso – pudesse conceber um antídoto que servisse para uma dúzia de poções de amor ao
mesmo tempo, eu simplesmente convidaria alguém para ir se eu fosse você. Isso faria todas as outras
pararem de pensar que ainda têm uma chance. É amanhã à noite e elas estão ficando desesperadas.
– Não há ninguém que eu queira convidar – resmungou Harry, que continuava tentando não
pensar em Gina mais do que pudesse evitar, embora ela continuasse aparecendo com freqüência em
seus sonhos de formas que o faziam agradecer por Rony não saber nada de Legilimência.
– Bem, apenas cuidado com o que beber por que Romilda Vane parecia estar levando isso a
sério – disse Hermione severamente.
Ela puxou o longo rolo de pergaminho onde escrevia sua redação de Aritmancia e continuou a
arranhá-lo com a pena. Harry a observava com a mente abstraída.
– Espere um instante – ele disse lentamente – Filch não tinha dito que banira qualquer artigo
das Gemialidades Weasley que encontrasse?
– E desde quando alguém liga para o que Filch baniu? – perguntou Hermione, ainda concentrada
na redação.
– Mas eu achei que as corujas estavam sendo revistadas. Como essas garotas conseguiram
trazer poções de amor para dentro da escola?
– Fred e Jorge mandam tudo disfarçado como perfumes ou poções para tosse. – respondeu
Hermione. – Faz parte do seu serviço de entrega por corujas.
– Você sabe um bocado sobre isso.
Hermione deu a ele o mesmo olhar feio que acabara de lançar para o seu livro de poções.
– Estava tudo no verso dos frascos que eles mostraram para mim e para Gina nas férias – ela
disse friamente. – Eu não saio por aí colocando poções na bebida dos outros... ou fingindo que
coloquei, o que é tão ruim quanto.
– É, bem, esquece isso – respondeu Harry rapidamente. – A questão é: Filch está sendo enganado,
não? Essas garotas estão trazendo essas coisas para a escola disfarçadas sob outra forma! Então por
que Malfoy não poderia ter trazido o colar para a escola...?
– Ah Harry, de novo não...
– Ah, fala aí, por que não? – questionou Harry.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Olha – disse Hermione – Sensores secretos detectam azarações, maldições e feitiços ocultos,
não? Eles são usados para encontrar magia negra e objetos das trevas. Eles teriam encontrado uma
maldição poderosa, como aquela do colar, em poucos segundos. Mas algo colocado numa garrafa
diferente não seria registrado. De todo modo, poções de amor não são perigosas nem ligadas à magia
negra...
– Pra você é fácil falar isso – murmurou Harry, pensando em Romilda Vane.
– ...então, ficaria a cargo de Filch perceber que não era uma poção para tosse, e ele nem é um
bruxo muito bom, duvido que distinga uma poção de...
Hermione parou repentinamente. Harry ouvira também. Alguém movera-se atrás deles entre
as prateleiras sombrias. Eles esperaram e um momento e depois o rosto semelhante a um urubu de
Madame Pince apareceu no canto, suas faces encovadas, a pele como pergaminho e seu nariz comprido
em forma de gancho, iluminados de modo a torná-la mais feia pela lamparina que carregava.
– A biblioteca está fechada agora – ela disse – devolvam o que quer que tenham pego para as
estantes certas... o que estava fazendo com o livro, garoto depravado?
– Não é da biblioteca! É meu! – disse Harry apressadamente, sacando da mesa sua cópia de
Preparo de Poções – Nível Avançado, conforme ela estendia uma mão em garra para o livro.
– Degenerado! – ela sibilou – profanador, excomungado!
– É só um livro com anotações – disse Harry, saindo do alcance dela.
Ela parecia à beira de um ataque apoplético. Hermione, que rapidamente guardara seus pertences,
puxou Harry pelo braço e o arrastou para longe.
– Ela vai te banir da biblioteca se você não tomar cuidado. Por que levou esse livro idiota?
– Não tenho culpa se a mulher ficou doida, Hermione. Será que ela te ouviu falando mal do
Filch? Sempre achei que os dois tinham alguma coisa.
– Ah, haha!
Aproveitando o fato de poderem falar normalmente de novo, eles foram pelos corredores
desertos e mal iluminados até a sala comunal conjeturando se Filch e Madame Pince tinham ou não
um romance secreto.
– Bugigangas! – disse Harry à mulher gorda essa nova e festiva senha.
– O mesmo para você – respondeu a mulher gorda com um sorriso velhaco, e virou o retrato
para que passassem.
– Oi Harry! – saudou Romilda Vane, assim que ele passou pelo buraco do retrato – Aceita uma
água-de-gilly?
Hermione deu a ele um olhar de “que-foi-que-eu-te-disse?” sobre o ombro.
– Não, obrigado – ele respondeu rápido – Não gosto muito.
– Tudo bem, fique com esses, de qualquer forma – disse Romilda enfiando-lhe nas mãos uma
caixa. – Caldeirões de chocolate recheados com uísque de fogo. Meu avô me mandou, mas eu não
gosto.
– Ah, tá... muito obrigado – respondeu Harry, que não encontrava mais nada para dizer – Er...
eu estou indo com... – Ele correu atrás de Hermione, sua voz diminuindo debilmente.
– Eu disse – comentou Hermione sucintamente – quanto mais cedo você chamar alguém, mais
cedo elas te deixam em paz e...
Mas seu rosto subitamente tornou-se inexpressivo, ela acabara de enxergar Rony e Lilá, que
estavam sentados entrelaçados na mesma poltrona.
– Bem... boa noite, Harry. – disse Hermione e, ainda que fossem apenas sete da noite, subiu
para o dormitório das garotas sem mais nenhuma palavra.
Harry foi para a cama confortado pela idéia de que havia apenas mais um dia de aula adiante,
então, a festa de Slughorn e depois disso ele e Rony iriam juntos para A Toca. Agora parecia impossível
que Rony e Hermione fizessem as pazes antes do início das férias, mas talvez, pelo menos, a folga
poderia dar aos dois algum tempo para acalmar-se e pensar melhor no seu comportamento...
154
Capítulo 15 – O Juramento Inquebrável
Mas essas esperanças não eram muito consistentes, e naufragaram depois de uma aula de
Transfiguração com ambos no dia seguinte. Eles haviam acabado de entrar no tópico extremamente
difícil da transfiguração humana, trabalhando em frente a espelhos, deviam supostamente mudar a
cor de suas sobrancelhas. Hermione riu rudemente diante da desastrosa primeira tentativa de Rony,
em que, de alguma forma, ele conseguira dar a si mesmo um espetacular bigode de pontas viradas.
Rony revidou fazendo uma cruel, porém acurada, imitação de Hermione quicando para cima e para
baixo na cadeira cada vez que a Professora Mac Gonnagall fazia uma pergunta, que Lilá e Parvati
acharam profundamente divertida e que levou Hermione à beira das lágrimas novamente. Assim que
o sinal tocou, ela saiu da sala de aula deixando metade das suas coisas para trás. Harry, decidindo que
ela precisava mais dele do que Rony agora, recolheu o que ela deixara e a seguiu.
Ele finalmente a descobriu quando ela saía do banheiro feminino do andar abaixo. Luna
Lovegood a acompanhava, dando-lhe nas costas tapinhas vagos.
– Oh, olá, Harry... – disse Luna – Você sabia que uma das suas sobrancelhas está amareloclara?
– Oi Luna. Hermione, você deixou suas coisas...
Ele entregou-lhe seus livros.
– Ah, tá... – disse Hermione numa voz engasgada, pegando suas coisas e virando-se rapidamente
para esconder o fato de que estava enxugando os olhos com seu estojo. – Obrigada, Harry. Bem, é
melhor eu ir...
E ela se foi, sem dar chance a Harry de dizer qualquer palavra de consolo, ainda que ele não
houvesse pensado em nenhuma.
– Ela está meio chateada – disse Luna – Primeiro eu achei que fosse a Murta-que-Geme lá, mas
era a Hermione. Ela disse alguma coisa sobre Rony Weasley.
– Eles se desentenderam – disse Harry.
– Ele fala coisas engraçadas às vezes, né? – disse Luna conforme iam seguindo juntos pelo
corredor – Mas ele pode ser meio rude. Notei isso no último ano.
– Eu imagino – disse Harry. Luna demonstrava novamente sua habilidade típica de falar verdades
desconfortáveis, ele nunca conhecera ninguém assim. – Então, está tendo um bom ano?
– Ah, bem, tudo bem. Um pouco solitário sem as aulas da AD. Gina tem sido legal, no entanto.
Ela calou dois garotos que estavam me chamando de Di-Lua na aula de Transfiguração outro dia.
– O que você acha de ir comigo na festa do Slughorn hoje à noite?
As palavras saíram da boca de Harry antes que pudesse evitá-las. Ele se ouviu dizendo-as
como se fosse um estranho que houvesse falado.
Luna virou os olhos protuberantes na sua direção, surpresa.
– A festa do Slughorn? Com você?
– É – disse Harry. – Nós devemos levar convidados, então achei que você gostaria... digo... –
ele procurou um meio de deixar bem claras suas intenções – apenas como amigos, digo. Mas se você
não quiser...
Ele estava quase esperando que ela dissesse que não queria.
– Ah, não, adoraria ir como sua amiga! – disse ela, radiante como ele jamais a vira antes –
ninguém nunca me convidou para nenhuma festa antes, como amiga! Foi por isso que você tingiu a
sobrancelha? Para a festa? Eu tenho que tingir a minha também?
– Não – disse Harry firmemente – Isso foi um erro. Vou procurar Hermione para consertar para
mim. Então, te encontro no saguão de entrada às oito.
– AHÁ! – berrou uma voz vindo de cima e ambos pularam. Sem que nenhum dos dois percebesse,
eles haviam passado bem debaixo de Pirraça, que estava pendurado de cabeça para baixo de um
candelabro, rindo maliciosamente deles.
– Pottinho chamou a DiLua pra festa! O Pottinho ama a Di-Lua! O Pottinho aaaaaaaaaaaama
a Di-Lua! – E ele disparou cacarejando e berrando: – O Pottinho ama a DiLua!
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Legal manter segredo sobre essas coisas – disse Harry. E, realmente, logo a escola inteira
parecia saber que Harry iria levar Luna Lovegood à festa de Slughorn.
– Você podia levar qualquer uma – Rony demonstrou sua desaprovação após o jantar – qualquer
uma! E você chama a Di-Lua Lovegood?
– Não a chame desse jeito, Rony! – disparou Gina, parada atrás de Harry no caminho para
encontrar os seus próprios amigos – Fiquei realmente feliz por que você a convidou, Harry, ela está
tão animada!
E ela foi para seu lugar à mesa, ao lado de Dino. Harry tentou sentir-se satisfeito por que Gina
estava contente por ele levar Luna à festa, mas não conseguiu. Bem longe, Hermione estava sentada
sozinha brincando com a comida. Harry percebeu que Rony a olhava furtivamente.
– Você podia pedir desculpas a ela. – sugeriu Harry bruscamente.
– Pra que? Para ser atacado de novo por uma revoada de canários? – resmungou Rony.
– Por que você tinha de imitá-la?
– Ela riu do meu bigode!
– Eu também ri, foi a coisa mais idiota que eu já vi.
Mas Rony não pareceu ter ouvido, Lilá acabara de chegar acompanhada de Parvati. Enfiandose entre ele e Rony, Lilá pendurou-se no pescoço de Rony.
– Oi Harry! – disse Parvati, como ele, parecendo sem graça e chateada com o comportamento
do casal de amigos.
– Oi – respondeu Harry – como você está? Então você ficou em Hogwarts? Ouvi que seus pais
queriam levá-la embora.
– Eu consegui convencê-los a me deixar mais um tempo. – comentou Parvati – Aquela história
com Katie realmente os assustou, mas como não aconteceu mais nada parecido depois... oi, Hermione!
Parvati sorriu positivamente. Harry poderia jurar que ela estava se sentindo culpada por ter
rido de Hermione na aula de Transfiguração. Ele olhou ao redor e viu Hermione rindo de volta ainda
mais animada, se isso era possível. Garotas eram muito estranhas, às vezes.
– Oi Parvati!– disse Hermione, ignorando completamente Rony e Lilá – você vai à festa do
Slughorn hoje?
– Não fui convidada – respondeu Parvati deprimida – adoraria ir, parece que vai ser realmente
divertida. Você vai, né?
– Vou. Eu marquei com o Cormac às oito e...
Houve um barulho como o de um mergulho interrompido e Rony virou-se. Hermione agiu
como se não tivesse percebido nada.
– ... nós vamos juntos à festa.
– Cormac? – perguntou Parvati – Você quer dizer Cormac McLaggen?
– Exato – disse Hermione docemente – aquele que quase – ela pôs uma grande ênfase na
palavra – foi escolhido goleiro da Grifinória.
– Você vai com ele? – perguntou Parvati com os olhos arregalados.
– Vou, você não sabia? – disse Hermione com uma risadinha nada “Hermiônica”.
– Não! – respondeu Parvati, parecendo absolutamente atônita com essa fofoquinha – Puxa,
você gosta de jogadores de Quadribol, hein? Primeiro Krum, agora MacLaggen.
– Eu gosto de jogadores realmente bons de Quadribol – corrigiu Hermione, ainda sorrindo. –
Bom, vejo vocês depois... preciso me arrumar para a festa.
Ela saiu. Logo Parvati e Lilá estavam distraídas comentando essa novidade, com tudo que já
haviam ouvido sobre McLaggen e tudo que já haviam suposto sobre Hermione. Rony parecia
estranhamente inexpressivo e ficou quieto, Harry foi deixando pensando em silêncio no quão longe
uma garota pode chegar querendo vingança.
Quando chegou no saguão de entrada, às oito, ele viu um número incomumente grande de
garotas espreitando por ali, todas parecendo muito ressentidas quando ele se aproximou de Luna. Ela
usava uma veste prateada com lantejoulas que atraía alguns risinhos debochados das curiosas, mas
156
Capítulo 15 – O Juramento Inquebrável
ainda assim parecia bonitinha. Harry ficou satisfeito, de todo modo, ao ver que ela abandonara seus
brincos de rabanetes, seu colar de rolhas de cerveja amanteigada e seu espectróculos.
– Oi – ele disse – podemos ir, então?
– Ah, sim – ela respondeu alegremente – onde é a festa?
– Na sala do Slughorn – disse Harry, conduzindo-a pela escadaria de mármore para longe do
burburinho. – você soube que ele parece ter convidado um vampiro?
– Rufus Scrimegeour? – perguntou Luna.
– Eu... o quê? – disse Harry desconcertado. – você diz o Ministro da Magia?
– Sim, ele é um vampiro – disse Luna, de modo prático – Meu pai escreveu um longo artigo
sobre isso assim que Scrimgeour tomou o poder de Cornélio Fudge, mas foi forçado a não publicá-lo
por alguém do Ministério. Obviamente não queriam que a verdade aparecesse.
Harry, que achava altamente improvável que Scrimgeour fosse um vampiro, mas estava
habituado a ver Luna repetindo as bizarrices de seu pai como sendo verdades, não respondeu. Eles já
estavam bem perto do escritório de Slughorn e os sons de risadas, música e conversa altos vinham
crescendo a cada passo que davam.
Seja porque construído daquela maneira, ou por ter sido aumentado por truques de magia, a
sala de Slughorn parecia muito maior que a de qualquer outro professor. O teto e as paredes haviam
sido forrados de tecido verde, vinho e dourado, daí pareciam estar dentro de uma imensa tenda. A
sala estava cheia e abafada, banhada por uma luz avermelhada que se irradiava de uma lâmpada
dourada toda pomposa pendurada no centro do teto, em torno da qual fadas de verdade flutuavam,
cada uma parecendo uma pequena mancha de luz. Uma cantoria alta acompanhada de um som que
parecia ser de bandolins vinha do lado mais afastado da sala, uma névoa de fumaça era alimentada
pelos cachimbos de um grupo de velhos magos imersos numa conversa e um bando de elfos domésticos
tentava passar guinchando aqui e ali por entre a floresta dos joelhos, escondidos embaixo das pesadas
salvas de prata com comida que carregavam, de forma que pareciam mesas ambulantes.
– Harry, meu garoto! – ribombou Slughorn, assim que Harry e Luna espremeram-se através da
entrada. – Entre, entre, tanta gente que eu gostaria que você conhecesse!
Slughorn usava um chapéu de veludo enfeitado que combinava com seu paletó. Apertando
tanto o braço de Harry que parecia querer desaparatar junto com ele, Slughorn o carregou decididamente
para dentro da festa. Harry segurou a mão de Luna e a carregou consigo.
– Harry, gostaria que conhecesse Eldred Worple, um antigo aluno meu, autor de Irmãos de
Sangue: Minha vida entre os Vampiros e, claro, seu amigo, Sanguini.
Worple, um homem baixo, corpulento e de óculos, apertou a mão de Harry e sacudiu-a
entusiasticamente; o vampiro Sanguini, que era alto e macilento com olheiras escuras sombreandolhe os olhos, apenas acenou com a cabeça. Ele parecia um tanto entediado. Um grupinho de meninas
estava parado próximo a ele, todas parecendo curiosas e excitadas.
– Harry Potter, estou simplesmente extasiado! – disse Worple, esquadrinhando o rosto de Harry
com um olhar míope. – Eu estava dizendo ao professor Slughorn outro dia: “Onde está a biografia de
Harry Potter que todos temos esperado?”
– Er.. – disse Harry – todos?
– Tão modesto quanto Horace o descreveu! – exclamou Worple. – Mas, sério, – suas maneiras
mudaram, subitamente, para um ar bem mais comercial – Eu amaria escrevê-la! As pessoas clamam
saber mais sobre você, querido! Clamam! Se estiver preparado para me garantir algumas poucas
entrevistas, digo umas quatro ou cinco horas de sessões, poderíamos ter o livro pronto em alguns
meses. E com muito pouco esforço de sua parte, posso garantir! Pergunte a Sanguini se não é verdade...
Sanguini! Fique aqui! – acrescentou Worple, subitamente áspero para o vampiro que cercava o grupinho
de garotas próximo com um olhar faminto. – Aqui, coma um aperitivo! – disse Worple, pegando algo
de uma bandeja carregada por um elfo e empurrando nas mãos de Sanguini antes de voltar sua
atenção para Harry novamente.
– Meu querido garoto, o ouro que você pode ganhar, você não tem idéia ...
157
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Definitivamente, não estou interessado – disse Harry firmemente – e acabo de ver uma
amiga, desculpe – saiu puxando Luna atrás de si para o meio da multidão. Ele realmente vira uma
longa cabeleira castanha desaparecendo entre o que ele reconheceu como dois membros do conjunto
As Esquisitonas.
– Hermione, Hermione!
– Harry! Aí está você, graças a Deus! Oi, Luna!
– O que aconteceu contigo? – perguntou Harry, já que Hermione encontrava-se desgrenhada,
como se tivesse lutado com uma moita de visgo-do-diabo.
– Ah, eu acabei de escapar, digo, de deixar Cormac. – disse – Debaixo do visco – completou
explicando, já que Harry continuava olhando-a com um ar questionador.
– Bem feito por tê-lo convidado – ele ralhou severamente.
– Achei que ele aborreceria Rony mais – disse Hermione desapaixonadamente – Eu cogitei vir
com Zacarias Smith, mas achei que no conjunto...
– Você considerou vir com Smith? – retrucou Harry, pasmo.
– Sim, e estou começando a achar que deveria ter vindo com ele, McLaggen faz Grope parecer
um cavalheiro. Vamos por aqui, poderemos vê-lo chegar, ele é tão alto. – Os três seguiram para o
outro lado da sala, catando cálices de hidromel no caminho, percebendo tarde demais que a Professora
Trelawney estava sozinha ali.
– Olá! – disse Luna polidamente para a professora.
– Boa noite, minha querida – a Professora Trelawney focalizou Luna com dificuldade. – Harry
podia sentir o odor de vinho vagabundo novamente. – Não a vi nas minhas aulas ultimamente.
– Não. Eu estou na turma de Firenze esse ano. – disse Luna.
– Oh, claro – respondeu a professora com uma risadinha bêbada cheia de raiva – ou Dobbin,
como prefiro chamá-lo. Vocês não calculavam que agora que estou de volta à escola o Professor
Dumbledore se livraria do cavalo? Mas não... nós dois “dividimos as turmas”... é um insulto,
francamente, um insulto!
A Professora Trelawney parecia embriagada demais para reconhecer Harry. Disfarçado pela
furiosa desaprovação a Firenze pela professora, Harry chegou mais perto de Hermione e disse: –
Vamos falar sério. Você planeja contar a Rony que interferiu no seu teste para goleiro?
Hermione ergueu as sobrancelhas:
– Você realmente acha que eu me rebaixaria assim?
Harry a mirou astutamente:
– Hermione, se você pôde convidar McLaggen...
– Existe uma diferença – disse Hermione com dignidade. – Não tenho planos de contar para
Rony nada do que pode ou não ter acontecido nos testes para goleiro.
– Bom – respondeu Harry fervoroso – por que ele simplesmente desmoronaria de novo e
perderíamos o próximo jogo.
– Quadribol! – disse Hermione raivosa – É tudo no que os garotos pensam? Cormac não
perguntou uma única coisa sobre mim, não, fui brindada apenas com “Uma Centena de Defesas
Brilhantes de Cormac McLaggen” ininterruptamente. Ai, não, lá vem ele.
Ela se retirou tão rápido que parecia ter desaparatado, num instante ela estava lá e no momento
seguinte, ela havia se espremido entre duas bruxas gargalhando e desaparecera.
– Viu Hermione? – perguntou McLaggen, forçando a passagem entre a aglomeração um minuto
depois.
– Não, sinto muito. – disse Harry virando-se rapidamente para aderir à conversa que Luna
estava tendo, esquecendo por um segundo quem era a interlocutora.
– Harry Potter! – disse a Professora Trelawney no seu tom profundo e vibrante, notando-o pela
primeira vez.
– Ah, olá. – disse Harry sem entusiasmo.
158
Capítulo 15 – O Juramento Inquebrável
– Meu garoto querido! – ela disse num sussurro muito cuidadoso – Os rumores! As histórias! O
Escolhido! É claro que eu já sabia há muito tempo...os presságios nunca foram bons, Harry...Mas por
que você desistiu de Adivinhação? Para você, entre todos, a matéria seria a mais importante!
– Ah, Sibila, todos nós achamos que a nossa matéria é sempre a mais importante – disse uma
voz alta e Slughorn apareceu do outro lado da Professora Trelawney, seu rosto vermelho e seu chapéu
de veludo desalinhado, um copo de hidromel numa das mãos e um enorme pedaço de torta na outra.
– Mas creio que nunca vi ninguém com tanto talento natural para Poções – disse Slughorn, mirando
Harry fixamente com os olhos afetuosos, ainda que injetados. – Instintivo, entende? Como sua mãe!
Só poucas vezes encontrei esse tipo de habilidade, posso lhe garantir, Sibila. Bem, até Severo ...
E, para horror de Harry, Slughorn esticou um braço e pareceu puxar Snape, aparentemente do
nada, na direção deles.
– Pare de se esconder e junte-se a nós, Severo! – soluçou Slughorn alegremente – estava agora
mesmo falando como Harry é um excepcional preparador de poções! Algum crédito é devido a você,
claro, por ter lhe ensinado durante cinco anos!
Preso pelos ombros no abraço de Slugorn, Snape baixou para Harry o seu nariz de gancho e
seus olhos pretos se estreitaram.
– Engraçado. Nunca achei que tivesse conseguido ensinar coisa nenhuma a Potter.
– Bem, então é uma habilidade natural! – exclamou Slughorn – Você deveria ter visto o que ele
fez na minha primeira aula, Poção do Morto-Vivo. Nunca tive um aluno que a produzisse tão bem na
primeira tentativa, creio que nem mesmo você, Severo.
– É verdade? – disse Snape calmamente, ainda cravando seus olhos em Harry, que sentia um
certo desconforto. A última coisa que queria era que Snape começasse a investigar a razão do seu
recente brilhantismo em poções.
– Relembre-me Harry, que outras matérias está cursando? – perguntou Slughorn.
– Defesa contra as Artes das Trevas, Feitiços, Transfiguração, Herbologia...
– Tudo o que é preciso, em suma, para tornar-se um Auror. – comentou Snape com um leve
deboche.
– Sim, bem, é o que eu pretendo ser – disse Harry desafiador.
– E um dos bons é o que você será! – disparou Slughorn.
– Não acho que você deva ser um Auror, Harry – disse Luna inesperadamente. Todos olharam
para ela.
– Os Aurores fazem parte da Conspiração Presapodre, achava que todos sabiam disso. Eles
planejam depor o Ministro da Magia com uma combinação de Magia Negra e gengivite.
Harry inalou metade do seu hidromel pelo nariz quando começou a rir. Realmente, havia valido
a pena trazer Luna só por essa. Ao emergir de seu cálice, tossindo e encharcado, mas ainda assim
rindo, viu mais uma coisa calculada para elevar seu humor ainda mais: Draco Malfoy sendo trazido
pela orelha por Argo Filch.
– Professor Slughorn, – chiou Filch, com o queixo tremendo e o brilho maníaco da detecção de
travessura nos olhos protuberantes, – descobri esse moleque espreitando no corredor do andar de
cima. Ele alega que foi convidado para sua festa e havia se atrasado ao se arrumar. O senhor mandou
um convite para ele?
Malfoy livrou-se das garras de Filch parecendo furioso.
– Está certo! Eu não fui convidado, estava tentando entrar de penetra! Satisfeito?
– Não. Não estou! – respondeu Filch, as palavras não combinando em nada com a sua aparência
feliz. – Você está encrencado, está sim! O diretor não disse que ninguém podia andar por aí à noite
sem permissão? Hein?
– Tudo bem, Argo, tudo bem – disse Slughorn acenando – É Natal, e não é crime querer ir a
uma festa. Só desta vez, esqueça qualquer castigo. Pode ficar, Draco.
159
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
A expressão de desapontamento ultrajado de Filch era perfeitamente previsível, mas por que,
Harry ponderou, Malfoy parecia igualmente infeliz? E por que Snape estava olhando Malfoy num
misto de raiva e... seria possível, um pouco de apreensão?
Mas assim que Harry registrou essa impressão, Filch virou-se e sumiu na multidão, resmungando
entredentes, Malfoy endireitou-se com um sorriso e agradeceu a Slughorn pela generosidade e o rosto
de Snape tornou-se perfeitamente inescrutável novamente.
– Não é nada, não é nada – respondeu Slughorn com um gesto vago para Malfoy. – Eu conheci
seu avô, afinal...
– Ele sempre falou muito bem do senhor! – disse Malfoy rapidamente. – Dizia que o senhor foi
o melhor preparador de poções que ele conheceu.
Harry olhou para Malfoy. Não era a bajulação o que o intrigava. Ela já vira Malfoy agindo da
mesma forma com Snape por muito tempo. Era o fato de Malfoy parecer, afinal, um pouco adoentado.
Era a primeira vez que o olhava de perto em muito tempo, ele agora via que Malfoy tinha manchas
escuras sob os olhos e um tom peculiar de cinza tingia-lhe a pele.
– Gostaria de dar uma palavrinha com você, Draco. – disse Snape subitamente.
– Agora, Severo – soluçou Slughorn novamente – É Natal, não seja tão duro...
– Sou o Chefe da Casa dele e posso decidir o quão duro ou não serei. – disse Snape secamente
– siga-me, Draco.
Eles saíram, Snape na frente e Draco parecendo ressentido. Harry esperou um instante, irresoluto
e então disse: – Volto num instante, Luna? er...? Banheiro.
– Tudo bem – ela respondeu simpaticamente e ele achou tê-la ouvido, enquanto ele se livrava
da multidão, retomar o assunto da Conspiração Presapodre com a Professora Trelawney, que parecia
sinceramente interessada.
Foi fácil, ao sair da festa, puxar do bolso a capa de invisibilidade e jogá-la sobre si, já que o
corredor estava deserto. O mais difícil foi encontrar Snape e Malfoy. Harry correu pelo corredor, o
barulho dos seus pés mascarado pela música alta e o burburinho de vozes vindo da sala de Slughorn
atrás dele. Talvez Snape houvesse levado Malfoy para sua sala nas masmorras... ou, talvez, o estivesse
escoltando de volta ao Salão Comunal da Sonserina... Harry pressionou seu ouvido contra cada porta
pela qual passou até que, com um solavanco de excitação, ele se abaixou contra o buraco da fechadura
da última sala do corredor e ouviu vozes.
– ... não pode se permitir enganos, Draco, porque se você for expulso...
– Eu não tive nada a ver com isso, certo?
– Espero que esteja contando a verdade, porque isso foi ao mesmo tempo desajeitado e estúpido.
Você já é suspeito de ter uma mão nisso.
– Quem suspeita de mim? – respondeu Malfoy irritado – Pela última vez, não fiz isso, certo?
Aquela garota, Bell, deve ter inimigos que ninguém conhece. Não me olhe desse jeito, sei o que está
fazendo! Não sou estúpido, mas não vai dar certo. Eu posso parar você!
Houve uma pausa em que Snape disse calmamente:
– Ah, tia Bellatrix andou ensinando Oclumência, vejo. Que pensamentos você quer esconder
do seu mestre, Draco?
– Não estou tentando esconder nada dele, só não quero você xeretando... – Harry pressionou a
orelha mais fortemente contra o buraco da fechadura; o que acontecera para Malfoy falar com Snape
dessa maneira? Snape, aquele por quem ele sempre mostrara respeito, até mesmo predileção?
– Então, é por isso que você anda me evitando este ano? Teme minha interferência? Você
percebe que se qualquer outra pessoa deixa de vir à minha sala quando digo repetidamente para estar
lá, Draco...
– Então me dê uma detenção! Denuncie-me a Dumbledore! – zombou Malfoy.
Houve outra pausa. Então Snape disse: – Você sabe perfeitamente bem que eu não quero fazer
nada disso.
– Seria melhor parar de ficar me convocando para ir à sua sala, então!
160
Capítulo 15 – O Juramento Inquebrável
– Ouça-me – disse Snape com a voz tão baixa que Harry teve de pressionar sua orelha com
muita força contra o buraco da fechadura – estou tentando ajudá-lo. Eu jurei à sua mãe que o protegeria.
Eu fiz o Juramento Inquebrável, Draco...
– Então, parece que vai ter que quebrá-lo, porque eu não preciso da sua proteção! É minha
tarefa, ele a confiou a mim e eu vou cumpri-la. Tenho um plano que irá funcionar, só está demorando
mais do que eu achei que demoraria.
– Qual o seu plano?
– Não é da sua conta!
– Se você me disser o que está tentando fazer, posso ajudá-lo.
– Tenho toda a ajuda que preciso, obrigado. Não estou sozinho!
– Você certamente estava sozinho hoje, o que foi extremamente tolo, andar por aí pelos
corredores sem vigias ou apoio. São erros elementares.
– Teria Crabbe e Goyle comigo se você não tivesse posto os dois em detenção.
– Abaixe a sua voz! – disparou Snape para Malfoy, cujo tom se elevara nervosamente. – Se seus
amigos Crabbe e Goyle quiserem passar desta vez nos seus NOMS de Defesa Contra as Artes das
Trevas terão de se esforçar mais do que fazem no mo...
– Qual a importância disso? – disse Malfoy – Defesa Contra as Artes das Trevas! É uma piada,
não é, uma farsa? Como se algum de nós precisasse se defender contra as Artes das Trevas...
– É uma farsa essencial para o sucesso, Draco, – disse Snape. – Onde acha que eu teria estado
todos esses anos se eu não soubesse representar? Agora me escute! Você tem sido incauto, andando
por aí à noite, se deixando apanhar e se você deposita a sua confiança em assistentes como Crabbe e
Goyle ...
– Não são eles os únicos! Tenho mais gente me ajudando, gente muito melhor!
– Então, por que não confia em mim, e eu posso ...
– Eu sei o que você está tramando! Quer roubar a minha glória!
Houve outra pausa, então Snape disse, friamente:
– Você fala como uma criança. Eu entendo perfeitamente que a captura e prisão do seu pai te
transtornaram, mas...
Harry mal teve um segundo de alerta; ouviu os passos de Malfoy do outro lado da porta e
jogou-se para fora do caminho exatamente antes dela abrir-se de sopetão. Malfoy saiu com passadas
largas pelo corredor, passou em frente à porta da sala de Slughorn do outro lado do corredor e então,
sumiu de vista. Mal ousando respirar, Harry permaneceu agachado enquanto Snape emergia lentamente
de dentro da sala. Com uma expressão imperscrutável, ele retornou à festa. Harry permaneceu no
chão, escondido sob a capa, a mente acelerada.
161
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 16 –
Um Natal Muito Frio
– Então Snape estava lhe oferecendo ajuda? Então Snape estava realmente oferecendo ajuda a
Draco?
– Se você me perguntar isso novamente – disse Harry – ,vou acabar enfiando essa couve-deBruxelas...
– Estou apenas conferindo! – disse Rony. Eles estavam sozinhos na pia da cozinha da Toca,
descascando uma montanha de couves-de-Bruxelas para a Sra. Weasley. A neve estava turbilhonando
além na janela diante deles.
– Sim, Snape estava se oferecendo para ajudá-lo! – disse Harry. – Ele disse que prometeu à mãe
de Malfoy que iria protegê-lo, que ele havia feito uma Jura Inquebrável ou coisa assim...
– Um Juramento Inquebrável? -, disse Rony, chocado. – Não, ele não faria isso... Você tem
certeza?
– Sim, tenho certeza – disse Harry. – Por que? O que isso significa?
– Bem, você não pode quebrar um Juramento Inquebrável...
– Por incrível que pareça, já havia chegado a essa conclusão sozinho. O que acontece se você
o quebrar, então?
– Você morre – disse Rony simplesmente. – Fred e Jorge tentaram me induzir a fazer um
quando eu tinha por volta de cinco anos. Eu quase o fiz, eu estava segurando as mãos de Fred e tudo
o mais quando papai nos encontrou. Ele ficou uma fera! – disse Rony, com um brilho de lembrança
nos olhos. – Foi a única vez em que vi o papai ficar tão bravo quanto a mamãe. Fred acha que sua
nádega esquerda nunca mais foi a mesma depois disso.
– Bem, deixando de lado a nádega esquerda de Fred...
– Como é que é? – disse a voz de Fred quando os gêmeos entraram na cozinha.
– Ei, Jorge, olhe isso. Eles estão usando facas e tudo o mais, Deus os abençõe.
– Em dois meses e pouco farei dezessete anos – disse Rony rabugento – e então poderei fazer
isso usando magia!
– Mas até lá – disse Jorge, sentando-se na mesa da cozinha e colocando a perna sobre ela – nós
podemos observar você demonstrar o uso correto de uma... iih! -, completou Jorge, rindo.
– Por sua causa eu me cortei! – disse Rony bravo, chupando o corte no dedo. – Espere até eu
completar dezessete anos...
– Eu tenho certeza que você irá impressionar todos nós com seus até agora desconhecidos
talentos mágicos, – caçoou Fred.
– E falando de talentos desconhecidos até agora, Ronald – disse Jorge, – é verdade o que
ouvimos de Gina sobre você e uma jovem chamada... se não estou enganado... Lilá Brown?
Rony ficou um pouco vermelho, mas não aparentava estar bravo quando voltou às couves.
– Cuide da sua vida.
162
Capítulo 16 – Um Natal muito frio
– Que resposta fina! – disse Fred. – Não sei como você pôde pensar nela. Não, o que queríamos
saber era... Como isso aconteceu?
– O que você quer dizer com isso?
– Ela sofreu um acidente ou algo assim?
– O que?
– Bem, como ela agüentou tanto dano no cérebro? Cuidado, agora!
A Sra. Weasley entrou na cozinha bem a tempo de ver Rony arremessar a faca que ele usava
para descascar as couves-de-Bruxelas contra Fred, que a transformou em um avião de papel com um
gesto de sua varinha.
– Rony! – disse ela, furiosa. – Nunca mais quero ver você arremessando facas novamente!
– Não vou... – disse Rony. – ...deixar você me ver. -, ele acrescentou para si mesmo, voltando
para a pilha de couves.
– Fred, Jorge, me desculpem, queridos, mas Remo está chegando hoje à noite, portanto Gui irá
dividir o quarto com vocês dois.
– Sem problema, – disse Jorge.
– Assim, como Carlinhos não virá, ficamos apenas com Harry e o Rony no sótão, e se Fleur
dividir o quarto com Gina ...
– Que Natal ótimo para Gina... – murmurou Fred, irônico.
– ...todos ficarão bem acomodados. Bem, de qualquer modo, todos terão uma cama, – disse a
Sra. Weasley, levemente chateada.
– Então Percy com certeza não vai mostrar sua cara feia? – perguntou Fred.
A Sra. Weasley virou-se e respondeu, antes de sair.
– Não, ele está ocupado, imagino, no Ministério.
– Ou ele é o maior imbecil do mundo -, disse Fred, quando a Sra. Weasley deixou a cozinha. –
Um dos dois. Bem, então vamos indo, Jorge.
– O que vocês dois estão aprontando? – perguntou Rony. – Vocês não poderiam nos ajudar
com essas couves? Vocês poderiam usar as varinhas e então ficaríamos liberados também!
– Não, não acho que possamos fazer isso, – disse Fred, sério. – É uma atividade muito importante
para a formação da personalidade, aprender a descascar couves-de-Bruxelas sem magia, isso faz
você ver o quanto isso é difícil para os trouxas e abortos...–
– ... e se você quer que as pessoas ajudem você, Rony – acrescentou Jorge, arremessando para
ele o avião de papel – eu lhe aconselharia a não atirar facas contra elas. Só uma dica. Estamos indo
para a vila. Tem uma garota muito bonita trabalhando na papelaria que acha meus truques com
cartas algo maravilhoso..., quase como mágica de verdade...
– Idiotas – disse Rony irritado, vendo Fred e Jorge saindo pelo quintal cheio de neve. – Lhes
tomaria apenas dez segundos e então poderíamos sair também.
– Não posso, – disse Harry. – Prometi a Dumbledore que não sairia por aí enquanto estivesse
aqui.
– Ah, claro – disse Rony. Ele descascou mais algumas couves-de-Bruxelas e disse: – Você vai
contar para Dumbledore o que ouviu Snape e Malfoy dizendo um pro outro?
– Vou – disse Harry. – Vou contar isso para todos que puderem fazer algo para acabar com
isso, e Dumbledore é o primeiro da lista. Acho que vou tentar conversar novamente com seu pai,
também.
– É uma pena que você não tenha ouvido o que Malfoy realmente está planejando.
– Eu não ia conseguir, ia? Essa era a questão, ele estava se recusando a contar para o Snape.
Fez-se silêncio por alguns instantes, então Rony disse:
– Claro, você sabe o que eles vão falar? Papai e Dumbledore e todos os outros? Vão dizer que
Snape não está de fato tentando ajudar o Malfoy coisa nenhuma, e sim descobrir o que ele está
tramando.
163
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Eles não o ouviram – disse Harry terminantemente. – Ninguém é um ator tão bom assim,
nem mesmo Snape.
– Certo... Eu apenas estava dizendo ... – disse Rony.
Harry virou-se para ele, franzindo a testa. – Você acredita que eu estou certo, não?
– Acredito! – disse Rony depressa. – Eu realmente acredito! Mas todos eles estão convencidos
que o Snape está trabalhando para a Ordem, não?
Harry não disse nada. Já havia lhe passado pela cabeça que essa poderia ser a objeção mais
provável à sua nova evidência. Ele já podia até imaginar Hermione dizendo: “– Harry, é óbvio que
ele apenas está fingindo oferecer ajuda para poder fazer Malfoy contar o que ele está aprontando...”
Isso, porém, era apenas pura imaginação, pois ele não havia tido nenhuma chance de contar a
Hermione o que tinha ouvido. Ela havia desaparecido da festa de Slughorn antes dele voltar para ela,
ou ao menos foi o que lhe disse um McLaggen enfurecido, e ela já tinha ido dormir quando ele voltou
ao Salão Comunal. Como ele e Rony iam partir para a Toca bem cedo na manhã do dia seguinte, ele
mal teve tempo de desejar-lhe um Feliz Natal e contar-lhe que tinha algumas coisas importantes para
lhe dizer quando voltassem do feriado. Ele não estava totalmente certo de que ela o ouvira, porém.
Rony e Lilá estavam se despedindo de modo inteiramente não-verbal, bem atrás dele naquele momento.
De qualquer modo, mesmo Hermione não podia negar um fato: Malfoy realmente estava
planejando algo, e Snape sabia disso. Portanto Harry sentia-se completamente justificado em dizer –
Eu te disse – o que ele já tinha feito várias vezes com Rony.
Harry não teve oportunidade de falar com o Sr. Weasley, que estava trabalhando até tarde no
Ministério, até a véspera do Natal. Os Weasley e seus convidados estavam sentados na sala de estar,
que Gina tinha decorado tão abundantemente, que eles pareciam estar sentados em uma explosão de
guirlandas de papel. Fred, Jorge, Harry e Rony eram os únicos que sabiam que o anjo no topo da
árvore era na verdade um gnomo do jardim que havia mordido Fred no tornozelo, quando ele fora
colher cenouras para o jantar de Natal. Estuporado, pintado de dourado, vestido com uma miniatura
de saiote de bailarina e com asinhas coladas às suas costas, ele olhava zangado para todos, o anjo
mais feio que Harry já tinha visto, com a cabeça careca parecida com uma batata e pés meio peludos.
Todos pareciam estar ouvindo um espetáculo natalino da cantora favorita da Sra. Weasley,
Celestina Warbeck, cujos trinados vinham pelo grande rádio de madeira sem fio. Fleur, que parecia
achar Celestina muito chata, estava falando tão alto num canto, que uma Sra. Weasley muito carrancuda
ficava mexendo constantemente no volume do rádio com a varinha, de forma que o som de Celestina
ficava cada vez mais alto. Ao som de uma música peculiar de jazz chamada “A Cauldron Full of Hot,
Strong Love”(Um caldeirão Cheio de Amor Forte e Ardente), Fred e Jorge começaram a jogar Snap
Explosivo com Gina. Rony continuava a olhar de esguelha para Gui e Fleur, como se esperasse
conseguir umas dicas. Nesse meio tempo, Remo Lupin, que estava mais magro e mais mal vestido do
que nunca, estava sentado do lado do fogo, com o olhar perdido nele, como se não pudesse ouvir a
voz da cantora.
Oh, come and stir my cauldron,
(Oh, venha e mexa o meu caldeirão)
And if you do it right,
(E se você fizer isso certo)
I’ll boil you up some hot strong love
(Eu vou preparar-lhe um amor forte e ardente)
To keep you warm tonight.
(Para mantê-lo quente esta noite)
– Nós dançamos ao som dessa música quando tínhamos dezoito anos! – disse a Sra. Weasley,
limpando as lágrimas com o seu tricô. – Você lembra, Arthur?
164
Capítulo 16 – Um Natal muito frio
– Ahnn?– disse o Sr. Weasley, cuja cabeça estava voltada para a tangerina que ele estava
descascando. – Oh, sim... Música maravilhosa...
Com um esforço, ele se aprumou um pouco mais e olhou para Harry, que estava sentado ao seu
lado.
– Desculpe,– disse ele, virando sua cabeça para o rádio quando Celestina começou o refrão. –
Deve acabar logo.
– Sem problema,– disse Harry, rindo. – Muito serviço no Ministério?
– Muito...– disse o Sr. Weasley. – Eu não ligaria se estivéssemos conseguindo alguma coisa,
mas das três prisões que fizemos nos últimos meses, duvido que uma sequer seja de um Comensal da
Morte de verdade... apenas não repita isso, Harry.– acrescentou rapidamente, parecendo muito
desperto de repente.
– Eles não estão mantendo o Lalau Shunpike preso ainda, não é? – perguntou Harry.
– Temo que sim, – disse o Sr. Weasley. – Eu sei que Dumbledore tentou apelar diretamente a
Scrimgeour sobre o Lalau... Quero dizer, qualquer um que realmente o tenha interrogado concorda
que ele é tão Comensal da Morte quanto esta tangerina... mas o alto escalão quer fazer parecer que
está fazendo algum progresso, e “três prisões” parece melhor que “três prisões e solturas completamente
equivocadas...” mas novamente, tudo isso é sigilo absoluto...
– Eu não vou dizer nada,– respondeu Harry. Ele hesitou um pouco, pensando qual a melhor
forma de entrar no que queria dizer. Conforme organizava seus pensamentos, Celestina Warbeck
começou uma balada chamada “You Charmed the Heart Right Out of Me.” (Você enfeitiçou o meu
coração e o tirou de mim.)
– Sr. Weasley, o senhor lembra do que eu lhe disse na plataforma 9 e 1/2 quando fomos para a
escola?
– Eu verifiquei, Harry,– disse o Sr. Weasley de pronto. – Eu fui e chequei a casa dos Malfoy.
Não havia nada, quebrado ou inteiro, que não devesse estar lá.
– Sei, entendo. Eu vi no Profeta que o senhor olhou... Mas isso é realmente diferente... Bem,
algo mais...
E ele contou ao Sr. Weasley tudo o que ele tinha ouvido Malfoy e Snape conversando. Conforme
Harry falava, ele viu a cabeça de Lupin voltar-se um pouco para ele, prestando atenção em cada
palavra. Quando terminou, houve um silêncio rompido apenas pela melodia de Celestina.
Oh, my poor heart, where has it gone? It’s left me for a spell...
(Oh, meu pobre coração, onde você está? Me abandonou por um feitiço...)
– Já lhe passou pela cabeça, Harry – disse o Sr. Weasley, – que Snape esteja simplesmente
fingindo...
– Fingindo oferecer ajuda, de forma que ele pudesse descobrir o que Malfoy está aprontando?
– disse Harry rapidamente. – Sim, eu já pensei que o senhor diria isso. Mas como podemos saber?
– Não é nosso tarefa saber,– disse Lupin inesperadamente. Ele virou-se de costas para o fogo
e olhou Harry através do Sr. Weasley. – Esse é um problema de Dumbledore. Dumbledore confia em
Severo, e isso deveria bastar para todos nós.
– Mas... – disse Harry, – vamos só supor... só supor... que Dumbledore esteja errado sobre
Snape...
– As pessoas já disseram isso muitas vezes. Isso nos leva à questão de se podemos ou não
confiar no julgamento de Dumbledore. Eu confio. Portanto, confio em Severo.
– Mas Dumbledore pode cometer erros – argumentou Harry. – Ele mesmo disse isso. E você
...
Ele olhou Lupin diretamente nos olhos
– ... você sinceramente gosta de Snape?
– Não gosto nem deixo de gostar de Severo – disse Lupin. – Não Harry, estou falado a verdade
– disse ele, quando Harry fez uma expressão cética. – Nunca vamos ser amigos do peito, talvez.
Depois de tudo o que aconteceu envolvendo Tiago, Sirius e Severo, há rancor demais guardado. Mas
165
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
não, eu não me esqueço que durante o ano em que ensinei em Hogwarts, Severo preparou a poção
Mata-Cão para mim todos os meses, e a fez perfeitamente, e graças a isso não tive que sofrer como
sempre sofro durante as luas cheias.
– Mas ele “acidentalmente” deixou escapar que você era um lobisomem, e você teve que ir
embora!– disse Harry, bravo.
Lupin deu de ombros.
– Esse segredo vazaria de qualquer jeito. Nós dois sabemos que ele queria o meu cargo, mas ele
poderia me fazer muito mais mal adulterando a poção. Ele me manteve saudável e sou grato a ele por
isso.
– Talvez ele não ousasse adulterar a poção, com Dumbledore a observá-lo! – disse Harry.
– Você está determinado a odiá-lo, Harry, – disse Lupin com um leve sorriso. – E eu entendo.
Sendo Tiago seu pai e Sirius seu padrinho, você herdou um preconceito antigo. Diga a Dumbledore
tudo o que você disse para Arthur e para mim, mas não espere que ele compartilhe sua visão do
assunto. Não espere sequer que ele fique surpreso pelo que você lhe disser. Pode ser que as ordens de
Dumbledore sejam que Severo faça perguntas a Draco.
... and now you’ve torn it quite apart
(... e agora que tudo acabou)
I’ll thank you to give back my heart!
(eu lhe agradeço por ter devolvido meu coração)
Celestina acabou sua música com uma nota muito longa e aguda e aplausos altos foram
transmitidos pelos rádios, aos quais a Sra.Weasley se uniu entusiasticamente.
– Já acabô? – disse Fleur, alto. – Grraças a Dês, que horrrrível.
– Então, que tal uma saideira? – disse o Sr. Weasley alto, ficando de pé. – Quem quer gemada
com vinho?
– O que você tem feito ultimamente? – Harry perguntou a Lupin, quando o Sr. Weasley correu
para trazer a gemada e todos relaxaram e começaram a conversar.
– Ah, estava escondido – disse Lupin. – Quase literalmente. Foi por isso que não pude lhe
escrever, Harry. Mandar cartas para você poderia me denunciar.
– O que você quer dizer?
– Estive vivendo entre os meus companheiros, meus iguais, – disse Lupin. – Lobisomens –
acrescentou, vendo que Harry não entendera. – Quase todos eles estão do lado de Voldemort.
Dumbledore queria um espião entre eles e eu estava... preparado.
Ele soava um pouco amargo, e talvez tenha percebido isso, pois deu um sorriso mais cálido ao
prosseguir: – Não estou reclamando; é um trabalho importante e quem o pode fazer melhor do que
eu? Porém foi difícil ganhar a confiança deles. Eu carrego todos os sinais de que tentei viver entre os
bruxos, você sabe, enquanto eles simplesmente viraram as costas para a sociedade e vivem às margens
dela, roubando, e às vezes matando, para comer.
– Por que eles foram se aliar ao Voldemort?
– Eles imaginam que, ao seu lado, eles terão uma vida melhor, – disse Lupin. – E é difícil
argumentar quando Greyback está por aí...
– Quem é Greyback?
– Você nunca ouviu falar nele? – As mãos de Lupin fecharam-se nervosamente no seu colo. –
Fenrir Greyback é, talvez, o lobisomem vivo mais brutal. Ele assumiu como missão de vida morder
e contaminar o máximo de pessoas que puder; ele deseja criar lobisomens o suficiente para vencer os
bruxos. Voldemort prometeu-lhe presas em troca de seus serviços. Greyback especializou-se em
contaminar crianças... Morda-os quando jovens, ele diz, e os crie longe de seus pais, odiando os
bruxos normais. Voldemort ameaçou soltá-lo sobre os filhos e filhas das pessoas; uma ameaça que
costuma produzir bons resultados.
Lupin fez uma pausa e então disse, – Foi Greyback que me mordeu.
166
Capítulo 16 – Um Natal muito frio
– O que? – disse Harry, pasmado. – Quando... Quando você era criança, você quer dizer?
– Sim. Meu pai o tinha ofendido. Por muito tempo eu não soube a identidade do lobisomem
que tinha me atacado. Até cheguei a sentir pena dele, pensando que ele não tinha controle, sabendo
àquela altura como alguém se sentia ao se transformar. Mas Greyback não é assim. Na lua cheia, ele
se posiciona próximo às suas vítimas, garantindo que ele esteja próximo o suficiente para atacar. Ele
planeja tudo. E este é o sujeito que Voldemort está usando para capitanear os lobisomens. Não posso
fingir que meu tipo particular de argumentos racionais está tomando a dianteira contra a insistência
de Greyback de que nós lobisomens merecemos sangue, de que devemos nos vingar nas pessoas
normais.
– Mas você é normal! – disse Harry exaltado. – Você tem apenas um... um problema...
Lupin caiu na gargalhada. – Algumas vezes você me lembra demais o Tiago. Ele chamava isso
de meu “probleminha peludo” quando estávamos com outras pessoas. Muitas pessoas imaginavam
que eu era dono de um coelho mal-comportado.
Ele aceitou um copo de gemada do Sr. Weasley com um “obrigado”, parecendo um pouco mais
alegre. Harry, entrementes, sentiu uma urgência de agitação: esta última menção a seu pai lembroulhe que ele tinha algo a perguntar para Lupin.
– Você conheceu alguém que se chamava o “Príncipe Mestiço”?
– O “o quê” Mestiço?
– Príncipe. – disse Harry, procurando atentamente por sinais de reconhecimento.
– Não há príncipes entre os bruxos. – disse Lupin, agora sorrindo. – É um titulo que você está
pensando em adotar? Pensei que você iria achar que ser o “Escolhido” era suficiente.
– Isso não tem nada a ver comigo! -, disse Harry indignado. – O Príncipe Mestiço é alguém que
já estudou em Hogwarts. Eu encontrei seu livro antigo de Poções. Ele anotou feitiços em todo o
livro, feitiços que ele inventou. Um deles foi Levicorpus...
– Ah, esse feitiço foi muito usado durante o meu tempo em Hogwarts, – disse Lupin,
relembrando. – Houve meses no meu quinto ano em que você não podia se mover sem ser erguido ao
ar pelos tornozelos.
– Meu pai usou esse feitiço. – disse Hary. – Eu vi na Penseira, ele o usou no Snape.
Ele tentou parecer casual, como se fosse apenas um comentário à toa, sem importância, mas
ele não estava seguro de ter conseguido o seu objetivo; o sorriso de Lupin parecia de quem tinha
entendido um pouco além da conta.
– Sim, – ele disse, – mas ele não foi o único. Como eu disse, esse feitiço era muito popular...
Você sabe como esses feitiço vêm e vão...
– Mas parece como se ele tivesse sido inventado quando vocês estiveram na escola. – Harry
persistiu.
– Não necessariamente – disse Lupin. – Azarações entram e saem de moda como tudo o mais.
Ele olhou para o rosto de Harry e então disse baixinho, – Tiago era sangue-puro, Harry, e eu
juro para você que ele nunca pediu que o chamássemos de ‘Príncipe’.
Abandonando qualquer fingimento, Harry disse, – E não poderia ter sido Sirius? Ou você?
– Definitivamente não.
– Oh. – Harry olhou para o fogo. – Eu apenas pensei... bem, ele me ajudou bastante nas aulas
de Poções, o tal Príncipe.
– Você tem idéia de quão velho esse livro é, Harry?
– Não sei. Nunca verifiquei.
– Bem, talvez isso possa lhe dar alguma pista de quando o Príncipe esteve em Hogwarts. –
disse Lupin.
Pouco depois disso, Fleur decidiu imitar Celestina cantando “A Cauldron Full of Hot, Strong
Love,” o que foi a deixa para todos irem para a cama assim que notaram a expressão da Sra. Weasley.
Harry e Rony subiram até o quarto de Rony, no sótão, onde uma cama de armar tinha sido colocada
para Harry.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Rony adormeceu praticamente de imediato, mas Harry mexeu em seu malão e puxou sua cópia
de Preparo de Poções – Nível Avançado antes de ir para a cama. Então ele o folheou, procurando algo,
até que finalmente encontrou, na capa do livro, a data em que ele foi publicado. Ele tinha quase
cinqüenta anos. Nem seu pai, nem seus amigos, poderiam ter ido para Hogwarts há cinqüenta anos.
Sentindo-se desapontado, Harry guardou o livro de volta no malão, desligou a lâmpada, e virou-se,
pensando nos lobisomens e em Snape, Lalau Shunpike e no Príncipe Mestiço, e finalmente dormindo
um sono inquieto cheio de sombras assustadoras e do choro de crianças mordidas...
– Ela deve estar brincando...
Harry acordou com um sobressalto encontrando uma pilha de presentes aos pés da cama. Ele
colocou seus óculos e olhou ao redor; a pequena janela estava quase completamente escurecida pela
neve e, diante dela, Rony estava sentado de comprido na cama e examinava o que parecia ser uma
grossa corrente de ouro.
– o que é isso? – disse Harry.
– É da Lilá. – disse Rony, parecendo revoltado. – Ela não pode achar sinceramente que vou
usar isso...
Harry olhou mais de perto e deu uma gargalhada. Balançando na corrente estavam as letras
douradas das palavras: “Meu amor”.
– Legal. – ele disse. – Tem classe. Você definitivamente deveria usá-la diante de Fred e Jorge.
– Se você contar para eles sobre isso, – disse Rony, escondendo a corrente debaixo do seu
travesseiro, – eu... eu... eu vou...
– Gaguejar? – disse Harry, rindo. – Anda, você acha que eu faria isso?
– Como ela pode achar que eu ia querer algo assim? – Rony perguntava-se, parecendo chocado.
– Bem, tente lembrar. – disse Harry. – Você chegou a mencionar que você gostaria de sair em
público com as palavras “Meu amor” no seu pescoço?
– Bem... nós não nos falamos muito na verdade. – disse Rony. – Basicamente é apenas...
– Amassos. – disse Harry.
– Bem, é. – disse Rony. Ele hesitou por um momento, então disse: – É sério que a Hermione
está saindo com McLaggen?
– Não sei. – disse Harry. – Eles estavam na festa do Slughorn juntos, mas eu não acho que
tenha dado certo.
Rony parecia um pouco mais feliz enquanto ele procurava mais fundo na sua pilha.
Os presentes de Harry incluíam um suéter com um grande desenho de um Pomo de Ouro na
frente, tricotado à mão pela Sra. Weasley, uma grande caixa de produtos das Gemialidades Weasley
dos gêmeos, e um pacote um pouco úmido e levemente embolorado que veio endereçado “Ao Mestre,
do Monstro.”
Harry olhou para o pacote. – Você acha que é seguro eu abrir? – ele perguntou.
– Não pode ser nada perigoso, todo o nosso correio ainda é revistado pelo Ministério. – respondeu
Rony, que apesar disso olhava para o pacote com ar de suspeita.
– Eu não pensei em dar nada ao Monstro. As pessoas normalmente dão presentes de Natal
para seus elfos domésticos? – perguntou Harry, segurando com cuidado o pacote.
– Hermione daria. – disse Rony. – Mas vamos ver o que é isso antes que você se comece a se
sentir culpado.
Um momento depois, Harry deu um grito e pulou fora de sua cama de armar; o pacote continha
uma grande quantidade de larvas de insetos.
– Legal. – disse Rony, rolando de rir. – Bem pensado.
– Eu prefiro isso àquela corrente. – disse Harry, o que fez Rony ficar sério de imediato.
Todos estavam vestindo novos suéteres quando se sentaram para o almoço de Natal, todos
exceto Fleur (com quem, parecia, a Sra. Weasley não queria desperdiçar uma) e a própria Sra. Weasley,
que agora estava usando um chapéu de bruxo azul meia-noite novinho em folha que parecia brilhar
com o que pareciam pequenos diamantes em forma de estrela, e um colar de ouro estupendo.
– Fred e Jorge me deram! Eles não são lindos?
168
Capítulo 16 – Um Natal muito frio
– Bem, nós a estamos realmente admirando cada vez mais, mamãe, agora que temos que lavar
nossas próprias meias. – disse George, fazendo um gesto descontraído. – Nabos, Remo?
– Harry, tem uma larva no seu cabelo. – disse Gina rindo, inclinando-se por cima da mesa para
retirá-lo; Harry sentiu um arrepio subir pelo seu pescoço que não tinha nada a ver com a larva.
– Que horreur! -, disse Fleur, com uma cara afetada de nojo.
– É mesmo. – disse Rony – Molho, Fleur?
Na avidez de ajudá-la, ele fez a molheira voar; Gui fez um gesto com a varinha e o molho parou
no ar e voltou para a molheira docilmente.
– Você é tan desastrrado quanto aquela tall de Tonks! – disse Fleur para Rony, após terminar
de beijar Gui em gratidão. – Ela semprre esbarra em tudo...
– Eu convidei a querida Tonks para vir hoje. – disse a Sra.Weasley, colocando a travessa de
cenouras na mesa com um pouco mais de força do que o necessário e olhando para Fleur. – Mas ela
não pôde vir. Você tem falado com ela ultimamente, Remo?
– Não, eu não estou mantendo muito contato com os outros. – disse Lupin – Mas Tonks tem
sua própria família para visitar, não?
– Hmmm. – disse a Sra. Weasley. – Pode ser. Mas ela me deu a impressão de que planejava
passar o Natal sozinha, na verdade.
Ela deu um olhar aborrecido para Lupin, como se ela achasse que era culpa dele que Fleur ia
ser sua nora, e não Tonks. Mas Harry, observando o jeito como Fleur dava peru, do seu próprio
garfo, a Gui, pensou que a Sra. Weasley estava lutando uma guerra há muito perdida. Lembrou-se,
todavia de uma pergunta que ele queria fazer sobre Tonks, e quem melhor para a responder que
Lupin, que sabia tudo sobre Patronos?
– O Patrono de Tonks mudou de forma. – ele disse. – Ao menos foi o que Snape disse. Eu não
sabia que isso podia acontecer. Como é que um Patrono pode mudar de forma?
Lupin levou um tempo mastigando um pedaço de peru e engoliu-o antes de responder lentamente
– Algumas vezes... um grande choque emocional... um revés sentimental...
– Ele parecia grande, e tinha quatro pernas. disse Harry, quando lhe ocorreu um pensamento
súbito e ele baixou a voz. – Ei... Não poderia ser...?
– Arthur! disse a Sra. Weasley de repente. Ela ergueu-se da cadeira, as mãos no peito e ela
voltou-se para a janela da cozinha. – Arthur... É o Percy! – O quê? O Sr. Weasley olhou ao redor. Todos olharam rapidamente para a janela; Gina levantou-se para
ter uma visão melhor. Realmente era Percy Weasley, atravessando o quintal nevado, seus óculos de
aro de tartaruga brilhando ao sol. Porém ele não estava sozinho.
– Arthur, ele está... ele está com o Ministro! E realmente, o homem que Harry vira no Profeta Diário estava seguindo logo atrás de Percy,
mancando levemente, sua juba de cabelos prateados e sua capa preta cheia de neve. Antes que eles
pudessem dizer qualquer coisa, antes que o Sr. e a Sra. Weasley pudessem fazer qualquer coisa além
de trocarem olhares espantados, a porta da cozinha se abriu e Percy entrou.
Houve um silêncio doloroso durante um instante. Então Percy disse meio formal, – Feliz
Natal, Mamãe. – Oh, Percy! – disse a Sra. Weasley, e jogou-se em seus braços.
Rufus Scrimgeour parou à porta, apoiado em sua bengala e sorrindo enquanto observava aquela
cena comovente.
– Você me perdoem a intromissão, – ele disse, quando a Sra. Weasley voltou-se para ele, radiante
e com lágrimas nos olhos. – Percy e eu estávamos na região... trabalhando, sabem... e ele não pôde
resistir à idéia de vir e ver todos vocês.
Mas Percy não dava sinais de querer desejar Feliz Natal para o resto da família. Ele permaneceu
em pé, empertigado e levemente embaraçado, e olhava por cima dos demais. O Sr. Weasley, Fred e
Jorge estavam todos o observando, impassíveis.
169
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Por favor, entre e sente-se, Ministro! – disse agitada a Sra. Weasley, ajeitando seu chapéu. –
Quer um pouco de pedu ou purim ... quero dizer... – Não, não, minha cara Molly – disse Srimgeour. Harry supôs que ele tinha perguntado o nome
deles para Percy antes de entrar na casa. – Eu não quero me intrometer, eu não estaria aqui de jeito
nenhum se Percy não quisesse tanto vê-los ...
– Oh, Perce! – disse a Sra. Weasley lacrimosa, se aproximando para beijá-lo.
– ... que pensamos em dar apenas uma passada por uns cinco minutos, de modo que eu vou dar
uma caminhada pelo quintal enquanto vocês ficam um pouco com Percy. Não, não, eu asseguro que
eu não quero me meter! Bem, se algum de vocês quiser me mostrar seu belo jardim... Ah, acho que o
jovem ali terminou seu almoço, por que ele não vem passear comigo?
A atmosfera na mesa mudou perceptivelmente. Todos olharam de Scrimgeour para Harry.
Ninguém se convenceu com o fingimento de Scrimgeour em não saber o nome de Harry, nem achou
natural que ele devesse ser o escolhido para acompanhar o Ministro pelo jardim, sendo que Gina,
Fleur e Jorge também tinham os pratos limpos.
– ‘Tá, tudo bem – disse Harry no meio do silêncio.
Ele não se deixara enganar: não interessava tudo o que Scrimgeour falou sobre apenas estar
passando na área e que Percy queria visitar sua família, a verdadeira razão para Scrimgeour ter vindo
era essa, falar a sós com Harry.
– Está tudo bem – disse ele baixinho, quando passou por Lupin, que estava levantando-se de
sua cadeira. – Tudo bem. – disse ele quando o Sr. Weasley abriu a boca para falar.
– Maravilhoso! – disse Scrimgeour, deixando Harry passar pela porta à frente dele. – Vamos
apenas dar uma volta ao redor do jardim e depois Percy e eu precisaremos ir embora. Continuem a
festa!
Harry cruzou o quintal na direção dos jardins nevados e não aparados dos Weasley, com
Scrimgeour mancando levemente ao seu lado. Ele havia sido, Harry sabia disso, o Chefe dos Aurores;
parecia forte e com cicatrizes de batalha, o que o fazia muito diferente do corpulento Fudge com seu
chapéu-coco.
– Lindo. – disse Scrimgeour, parando na cerca da grade e olhando para a grama nevada e para
as plantas indistinguíveis. – Lindo.
Harry não disse nada. Ele podia sentir Scrimgeour o observando.
– Eu queria conhecê-lo há muito tempo. – disse Scrimgeour, após alguns momentos. – Você
sabia disso?
– Não – respondeu Harry com sinceridade.
– Ah, sim, há muito tempo. Mas Dumbledore sempre foi muito protetor com relação a você –
disse Scrimgeour. – Naturalmente, claro, naturalmente, após tudo por que você passou... Ainda mais
o que aconteceu no Ministério...
Ele esperou que Harry dissesse algo, mas Harry não disse nada, então ele continuou. – Eu
estive esperando por uma chance de falar com você desde que consegui o cargo, mas Dumbledore...
compreensivelmente, é claro... evitou.
Novamente, Harry não disse nada, esperando.
– Os rumores que começaram a surgir! – disse Scrimgeour. – Bem, é claro, nós sabemos o
quanto as histórias são distorcidas... todos esses boatos sobre uma profecia e você ser o “Escolhido”...
Eles estavam chegando ao assunto agora, pensou Harry, a razão pela qual Scrimgeour estava
ali.
– Eu acredito que Dumbledore tenha discutido esses assuntos com você?
Harry pensou se era uma boa idéia mentir ou não. Ele olhou para as pegadas de gnomos nos
canteiros de flores e o terreno esburacado, que marcava o local onde Fred pegara o gnomo que agora
estava vestindo um saiote de bailarina no topo da árvore de Natal. Finalmente, ele decidiu contar a
verdade... ou ao menos uma parte dela.
– Claro, conversamos sobre isso.
170
Capítulo 16 – Um Natal muito frio
– Você, você... – disse Scrimgeour. Harry notou, pelo canto dos olhos que Scrimgeour olhou de
esguelha para ele, então fingiu estar muito interessado no gnomo que acabara de sair da terra debaixo
de um rododendro congelado. – E o que Dumbledore lhe contou, Harry?
– Desculpe, mas isso é assunto particular – disse Harry.
Ele manteve a voz mais amigável que pode, e o tom de voz de Scrimgeour, também era
descontraído e amigável quando disse, – Ah, claro, se é questão de confidências, eu não ia querer que
você revelasse ... não, não ... e de todo modo, faz alguma diferença se você é o “Escolhido” ou não?
Harry teve que digerir essa por alguns segundos antes de responder.
– Realmente não entendi o que o senhor quer dizer, Ministro.
– Bem, é claro que para você isso faz muita diferença. – disse Scrimgeour com uma risada. –
Mas para a comunidade bruxa em geral... é tudo apenas uma questão de percepção, não? É no que as
pessoas acreditam que é importante.
Harry não disse nada. Ele achou que estava vendo, mais ou menos, o rumo que a conversa
estava tomando, mas ele não ia ajudar Scrimgeour a chegar lá. O gnomo debaixo do rododendro
agora procurava por minhocas nas suas raízes e Harry mantinha seus olhos fixos nele.
– As pessoas acreditam que você seja o “Escolhido”, você sabe – disse Scrimgeour. – Elas
pensam que você é algum tipo de herói... o que realmente você é, Harry, escolhido ou não! Quantas
vezes você se encontrou cara-a-cara com Ele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado até agora? Bem, de
qualquer modo -prosseguiu, sem esperar resposta – a questão é que você é um símbolo de esperança
para muitos, Harry. A idéia de que exista alguém que seja capaz, alguém que até mesmo esteja
destinado a destruir Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado... Bem, naturalmente, ela dá um estímulo
às pessoas. E eu não posso deixar de sentir que, uma vez que você tenha compreendido isso, você
possa refletir que é, bem, quase um dever seu permanecer apoiando o Ministério, e dar a todos nós a
força para lutarmos.
O gnomo tinha acabado de conseguir uma minhoca. Ele agora a estava puxando bem forte,
tentando tirá-la do chão congelado. Harry ficou calado tanto tempo que Scrimgeour disse, olhando
de Harry para o gnomo. – Criaturinhas engraçadas, não acha? Mas o que me diz Harry?
– Eu não entendi exatamente aonde o senhor quer chegar. – disse Harry lentamente. –
“Permanecer apoiando o Ministério...” O que o senhor quer dizer com isso?
– Bem, na verdade nada de muito complicado, lhe asseguro. – disse Scrimgeour. – Se você
fosse visto chegando e saindo de tempos em tempos no Ministério, por exemplo, isso daria a impressão
certa. E claro, enquanto você ficasse lá, você teria muitas oportunidades para conversar com Gawain
Robards, meu sucessor como Chefe dos Aurores. Dolores Umbridge me contou que você nutre uma
ambição de tornar-se um Auror. Bem, isso poderia ser arranjado bem facilmente, sabe...
Harry sentiu um calor de raiva no fundo do seu estômago: então Dolores Umbridge continuava
trabalhando no Ministério?
– Então basicamente, – ele disse, chegando à conclusão de que era preciso clarear as coisas, –
o senhor gostaria de passar a impressão de que eu estou trabalhando para o Ministério...
– Isso daria a todos um estímulo para pensar que você está mais envolvido, Harry, – disse
Scrimgeour, parecendo aliviado que Harry tivesse entendido tudo tão rápido. – o “Escolhido”, você
sabe... É tudo uma questão de dar às pessoas esperança, a sensação de que coisas excitantes estão
acontecendo...
– Mas se eu começar a ficar indo e voltando do Ministério, – disse Harry, lutando para manter
a voz em um tom amigável, – não irá parecer que eu aprovo a política do Ministério?
– Bem, – disse Scrimgeour, franzindo a testa levemente, – bem, é claro. Isso é em parte a razão
por que gostaríamos...
– Não, eu acho que isso não vai dar – disse Harry suave. – Sabe, eu não gosto de algumas das
coisas que o Ministério está fazendo. Por exemplo, trancafiando Lalau Shunpike.
Scrimgeour não falou por um instante, mas sua expressão se endureceu instantaneamente.
171
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Eu não devia esperar que você compreendesse – disse ele e não foi tão bem sucedido em
manter a ira longe de sua voz como Harry havia sido. – Estes são tempos perigosos, e algumas
medidas precisam ser tomadas. Você tem dezesseis anos...
– Dumbledore tem muito mais de dezesseis anos e também acha que Lalau não deveria estar
em Azkaban – disse Harry – O senhor está transformando Lalau em bode expiatório, assim como o
senhor quer me tornar seu mascote.
Eles se olharam firmemente, por muito tempo. Finalmente Scrimgeour disse, sem o menor
traço de cordialidade, – Entendo. Você prefere... como o seu ídolo Dumbledore... desassociar-se do
Ministério...
– Eu apenas não quero ser usado. – disse Harry.
– Algumas pessoas poderiam dizer que você tem o dever de ser usado pelo Ministério!
– É, e outras poderiam dizer-lhe que o seu dever é checar se as pessoas realmente são Comensais
da Morte antes de mandá-las para a prisão. – disse Harry, sua raiva aumentando. – O senhor está
fazendo igual ao Bartô Crouch. Vocês nunca conseguem entender, não é? Não interessa se temos o
Fudge liderando, e dando a impressão que tudo está bem enquanto pessoas são mortas debaixo do
seu nariz, ou se é o senhor liderando, trancafiando inocentes na cadeia e tentando fingir que o
“Escolhido” está trabalhando para o senhor!
– Então você não é o “Escolhido”? – disse Scrimgeour.
– Eu pensei ter ouvido o senhor dizer que isso não fazia diferença. – disse Harry, com uma
risada fria – Pelo menos não para o senhor.
– Eu não deveria ter lhe dito isso. – disse Scrimgeour rapidamente – Faltou-me tato...
– Não, o senhor foi sincero – disse Harry. – Uma das poucas coisas sinceras que o senhor me
disse. O senhor não está nem aí se vou viver ou morrer, mas se preocupa que eu consiga ajudar-lhe a
convencer a todos que o senhor está ganhando a guerra contra Voldemort. Eu não me esqueci,
Ministro...
Ele ergueu seu punho direito. Nele, brilhando branca nas costas da mão gelada, estavam as
cicatrizes que Dolores Umbrigde o forçara cravar em sua própria carne: “Eu não devo dizer mentiras.”
– Eu não me lembro de ter visto o senhor sair em minha defesa quando eu estava tentando
falar para todos que Voldemort estava de volta. O Ministério não estava tão ansioso por ser meu
amigo no ano passado.
Eles permaneceram em um silêncio tão gelado quanto o chão sob seus pés. O gnomo finalmente
tinha conseguido arrancar a sua minhoca e agora a estava chupando feliz, atrás dos ramos mais
baixos do arbusto de rododendro.
– O que o Dumbledore anda fazendo? – disse Scrimgeour bruscamente. – Aonde ele vai quando
ele se ausenta de Hogwarts?
– Não tenho idéia. – disse Harry.
– E você não iria me contar se soubesse, – disse Scrimgeour, – iria?
– Não, não iria. – disse Harry.
– Bem, então, acho que vamos ter que ver se conseguimos encontrá-lo de outra maneira.
– O senhor pode tentar. – disse Harry indiferente. – Mas o senhor parece mais esperto que
Fudge, por isso achava que o senhor tivesse aprendido com os erros dele. Ele tentou interferir em
Hogwarts e o senhor deve ter reparado que ele não é mais o Ministro, enquanto Dumbledore ainda é
o diretor de Hogwarts. Eu deixaria Dumbledore em paz, se fosse o senhor.
Houve uma longa pausa.
– Bem, está claro para mim que ele fez um ótimo trabalho com você – disse Scrimgeour, seus
olhos frios e duros por trás dos óculos de metal. – Um partidário de Dumbledore até o fim, não é
Potter?
– Sim, eu sou. – disse Harry. – É bom saber que deixamos isso claro.
E dando as costas para o Ministro da Magia, ele voltou para a casa dos Weasley.
172
– CAPÍTULO 17–
A Lembrança Sluguiana*
No fim da tarde, alguns dias depois do Ano Novo, Harry, Rony e Gina formaram uma fila perto
do fogo da cozinha para regressarem a Hogwarts. O Ministério tinha arranjado esta conexão pela rede
de pó de Flu exclusivamente para o retorno rápido e seguro dos alunos à escola. Só a sra. Weasley
estava presente para dar adeus, pois o Sr. Weasley, Fred, Jorge, Gui, e Fleur estavam todos em seus
trabalhos. A Sra. Weasley derretia-se em lágrimas no momento da partida. Na verdade, qualquer
coisinha a fazia cair no choro ultimamente; chorava de tempos em tempos desde a repentina chegada
de Percy em casa no dia de Natal, com seus óculos manchados de nabos amassados (pelo que Fred,
George e Gina reclamavam os créditos).
– Não chore, mamãe – disse Gina, dando tapinhas nas costas enquanto a Sra. Weasley soluçava
em seu ombro. – Está tudo bem...
– É, não se preocupe com a gente – disse Rony, deixando sua mãe cravar um beijo bem molhado
em sua face – nem com o Percy. Ele é um idiota, não é realmente uma perda, não é?!
A sra. Weasley soluçou mais forte do que nunca, enquanto abraçava Harry.
– Prometa-me que você vai se cuidar... se manter longe de problemas...
– Eu sempre o faço, sra. Weasley – disse Harry. – Eu curto uma vida quieta, a senhora me
conhece.
Ela deu um sorriso pálido e um passo para trás.
– Comportem-se bem, então, todos vocês...
Harry entrou no fogo esverdeado e gritou: – Hogwarts! – Ele deu uma última e ligeira olhada
na cozinha dos Weasley e na face chorosa da Sra. Weasley antes das chamas o tragarem; girando
muito rápido, ele viu imagens borradas de aposentos de outros bruxos, que sumiam antes que pudesse
olhar melhor; então foi diminuindo a velocidade, finalmente parando na lareira da sala da Profa.
McGonagall. Ela mal olhou de relance por cima do seu trabalho enquanto ele pulava a grade.
– Boa-noite, Potter. Tente não deixar muitas cinzas no tapete.
– Não deixarei, professora.
Harry endireitou seus óculos e alisou os cabelos enquanto o Rony aparecia girando. Quando
Gina chegou, todos os três saíram da sala de McGonagall e foram rumo à torre da Grifinória. Harry
olhou pelas janelas do corredor enquanto passavam; o sol já se escondida por trás dos campos cobertos
de neve mais profunda que a que se espraiava no jardim da Toca. Ao longe, pôde ver Hagrid
alimentando o Bicuço na frente de sua cabana.
* No original, “Sluggish memory”. É uma palavra inventada, trocadilho com o nome do professor Slughorn e a palavra Slug (lesma), mais uma
vez. Como se a lembrança do professor fosse algo desagradável, nojento e embaraçoso, como uma lesma.
173
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Bugigangas! – disse Rony confiante, quando chegaram à Mulher Gorda, que parecia mais
pálida que o usual e estremecendo com sua voz alta.
– Não – disse ela.
– Como assim, não?
– Há uma nova senha – ela respondeu. – E, por favor, não grite.
– Mas nós estávamos fora, como nós iríamos saber que...
– Harry! Gina!
Hermione vinha correndo na direção deles, com o rosto vermelho e vestindo capa, chapéu e
luvas.
– Eu cheguei há algumas horas atrás, estava visitando Hagrid e Bicu... quer dizer, Witherwings
– disse ela, sem fôlego. – Tiveram um bom Natal?
– Sim – disse Rony de imediato – grandes acontecimentos, Rufus Scrim...
– Tenho uma coisa para você, Harry – disse Hermione, sem olhar para Rony nem dando algum
sinal de que tivesse ouvido o que ele disse. – Oh, esperem ...a senha. Abstinência.
– Exato – disse a Mulher Gorda numa voz fraca, e inclinando-se para revelar o buraco do
quadro.
– O que houve com ela? – perguntou Harry.
– Excesso de animação do Natal, aparentemente – disse Hermione, enquanto os conduzia ao
salão comunal. – Ela e sua amiga Violeta beberam todo o vinho que existia naquele quadro dos
monges bêbados do corredor de Feitiços. Em todo caso...
Ela remexeu em sua bolsa por um momento e puxou um rolo de pergaminho com a letra de
Dumbledore.
– Ótimo – disse Harry, desenrolando-o logo para descobrir que sua próxima lição com
Dumbledore estava marcada para a noite seguinte. – Eu tenho um monte de coisas para contar para
ele – e para você. Vamos sentar...
Mas neste momento ouviu-se alguém guinchar alto – Bom-Bom! – e Lilá Brown veio correndo
do nada e jogou-se nos braços do Rony. Vários espectadores riram; Hermione deu uma gargalhada
estridente e disse – Tem uma mesa aqui... Vamos. Gina?
– Não, obrigada, eu disse que iria me encontrar com o Dino – disse Gina, embora Harry não
pudesse deixar de notar que ela não parecia muito entusiasmada. Deixando Rony e Lilá travando
uma espécie de luta em pé, Harry levou Hermione para a mesa que estava sobrando.
– Então, como foi o seu Natal?
– Ah, bom – ela deu de ombros. – Nada especial. Como estava na casa do Bom-Bom?
– Te conto num minuto – disse Harry. – Olha, Hermione, você não poderia...
– Não, não posso – disse. – Por isso, nem peça.
– Pensei que talvez, pelo Natal...
– Foi a Mulher Gorda que bebeu um barril de vinho de 500 anos, Harry, não eu. Então, qual é
esta notícia importante que você quer me contar?
Ela parecia muito ameaçadora para discutir naquele momento, então Harry largou o assunto
sobre Rony de lado e contou tudo o que ele tinha ouvido da conversa entre Malfoy e Snape.
Quando ele terminou, Hermione ficou pensativa por um momento e então disse:
– Você não acha que...
– ... ele estava fingindo oferecer ajuda para enganar Malfoy e descobrir o que ele estava
planejando?
– Bem, sim – Hermione disse.
– O pai do Rony e Lupin acham isso – Harry disse rancoroso. – Mas isto definitivamente prova
que Malfoy está aprontando algo, você não pode negar isso.
– Não, não posso – respondeu ela devagar.
– E ele está a mando de Voldemort, como eu tinha dito!
– Hum .. . Algum deles mencionou o nome de Voldemort?
174
Capítulo 17 – A Lembrança Sluggiana
Harry franziu a testa, tentando lembrar.
– Não tenho certeza... Snape definitivamente disse ‘seu mestre’, e quem mais poderia ser?
– Não sei – disse Hermione, mordendo os lábios. – O pai dele, talvez?
Ela olhava fixo através do salão, aparentemente perdida em seus pensamentos, nem mesmo
notando Lilá fazendo cócegas em Rony. – Como está Lupin?
– Não muito bem – disse Harry, e contou-lhe tudo sobre a missão de Lupin infiltrado entre os
lobisomens e as dificuldades que estava encarando. – Você já ouviu falar em Fenrir Greyback?
– Sim, já ouvi! – respondeu surpresa. – E você também, Harry!
– Quando, em História da Magia? Você está cansada de saber que eu nunca presto atenção...
– Não, não, História da Magia não! Malfoy intimidou Borgin com ele! – disse Hermione. Lá na
Travessa do Tranco, não se lembra? Ele disse a Borgin que Greyback era um velho amigo da família
e que ele estaria de olho nos progressos de Borgin!
Harry arregalou os olhos, pasmo. – Eu esqueci! Mas isto prova que Malfoy é um Comensal da
Morte, pois de que outra forma ele estaria em contato com Greyback e dizendo o que ele deve fazer?
– É muito suspeito – murmurou Hermione. – A não ser que...
– Ah, qual é? – disse Harry exasperado – você não vai conseguir contornar esse fato!
– Bem... existe a possibilidade de ser apenas um mero blefe.
– Você é inacreditável – disse Harry, sacudindo a cabeça.
– Veremos quem está certo... Você vai engolir suas palavras, Hermione, assim como o Ministério.
Ah sim, eu tive uma discussão com Rufus Scrimgeour também...
E o resto da noite passou amigavelmente com ambos insultando o Ministro da Magia. Hermione,
assim como Rony, pensou que, depois de tudo o que o Ministério tinha feito Harry passar no ano
anterior, eles tinham muita cara-de-pau de pedir sua ajuda agora.
O novo semestre começou na manhã seguinte com uma agradável surpresa para os alunos do
sexto ano: um grande cartaz tinha sido afixado no quadro de avisos durante a noite.
AULAS DE APARATAÇÃO
Se você tem dezessete anos, ou fará dezessete até 31 de agosto próximo, você está apto para
um curso de doze semanas de Aulas de Aparatação com um instrutor de Aparatação do Ministério da
Magia.
Por favor, assine abaixo se você quiser participar.
Custo: 12 galeões.
Harry e Rony juntaram-se à multidão que estava se formando em torno do aviso e revezandose para escreverem seus nomes. Rony estava acabando de pegar sua pena para assinar depois de
Hermione quando Lilá veio por trás, deslizou as mãos sobre seus olhos e perguntou – Adivinha quem
é, Bom-Bom? – Harry virou-se para ver Hermione saindo irritada; foi atrás dela, sem vontade de ficar
para trás com Rony e Lilá, mas para sua surpresa, Rony alcançou-os logo depois de passarem pelo
buraco do quadro, com suas orelhas vermelhas e uma expressão descontente. Sem uma palavra,
Hermione se apressou para caminhar com Neville.
– Então, Aparatação – disse Rony, deixando perfeitamente claro que ele não queria que Harry
mencionasse o que tinha acontecido. – Deve ser moleza, né?
– Não sei – disse Harry. – Talvez seja melhor quando você faz por si mesmo. Eu não gostei
muito quando Dumbledore me levou para um passeio.
– Eu esqueci que você já tinha feito... É melhor eu passar no meu primeiro exame – disse Rony,
parecendo ansioso. – Fred e George conseguiram.
– Mas Carlinhos repetiu, não foi?
– Sim, mas Carlinhos é maior que eu – Rony manteve seus braços longe do corpo como se fosse
um gorila – Por isso Fred e George não zoaram a respeito... pelo menos não na frente dele...
175
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Quando poderemos fazer o exame?
– Assim que tivermos dezessete. Será já em março para mim!
– Sim, mas você não estaria apto para aparatar aqui, não no castelo...
– Não é essa a questão, todos saberiam que eu poderia aparatar se eu quisesse.
Rony não era o único que estava animado com a perspectiva da Aparatação. Por todo aquele
dia houve muita conversa sobre as futuras aulas, uma grande parte delas era sobre estar apto a
desaparecer e aparecer em outro lugar que quisesse.
– Como será legal quando nós já pudermos... – Simas estalou seus dedos indicando
desaparecimento. – Meu primo Fergus faz isto só para me aborrecer, esperem até eu poder revidar...
Ele não terá mais nenhum momento de paz...
Perdido na visão da alegre perspectiva, ele brandiu sua varinha um pouco entusiasticamente
demais e, ao invés de produzir uma fonte de água pura que era o assunto da aula de Feitiços do dia,
fez surgir um forte jato que ricocheteou no teto e golpeou o Professor Flitwick direto no rosto.
– Harry já aparatou – Rony contou ao ligeiramente descomposto Simas, depois do Professor
Flitwick ter se secado com um movimento de sua varinha e feito Simas escrever: – Sou um bruxo,
não um macaco sacudindo um galho.– Dum... er... alguém o levou. Aparatação-Carona, sabe.
– Uau! – sussurrou Simas, e ele, Dino e Neville uniram mais suas cabeças para ouvir qual era a
sensação de aparatar. Pelo resto do dia, Harry foi cercado com pedidos de outros alunos do sexto ano
para descrever a sensação da Aparatação. Todos pareciam mais para impressionados do que
desagradados, quando contou quão desconfortável era, e ainda estava respondendo questões
detalhadamente faltando dez minutos para as oito da noite, quando foi forçado a mentir e dizer que
precisava devolver um livro à biblioteca, para escapar em tempo para sua aula com Dumbledore.
As lâmpadas da sala de Dumbledore estavam acesas, os retratos dos antigos diretores estavam
roncando calmamente em seus quadros e a Penseira estava preparada em cima da mesa mais uma
vez. As mãos de Dumbledore repousavam em cada lado do objeto, a direita parecendo tão enegrecida
e queimada como sempre. Não parecia ter melhorado nada e Harry pensou, talvez pela centésima
vez, o que poderia causado um ferimento como aquele, mas não perguntou; Dumbledore tinha dito
que ele saberia em algum momento e havia, em todo caso, outro assunto que ele desejava discutir.
Mas antes que Harry pudesse dizer algo sobre Snape e Malfoy, Dumbledore falou.
– Ouvi dizer que você se encontrou com o Ministro da Magia no Natal?
– Sim – disse Harry. – Ele não está muito contente comigo.
– Não – suspirou Dumbledore. – Ele não está muito contente comigo também. Devemos
tentar não ceder às nossas angústias Harry, mas combatê-las.
Harry sorriu.
– Ele queria que eu dissesse à comunidade dos Bruxos que o Ministério está fazendo um
trabalho maravilhoso.
Dumbledore deu um sorriso.
– Era a idéia de Fudge originalmente, sabe. Durante seus últimos dias no escritório, quando
estava tentando desesperadamente manter seu posto, ele procurou ter um encontro com você,
esperando que lhe desse seu apoio...
– Depois de tudo que Fudge fez no último ano? – disse Harry furioso. – Depois de Umbridge?
– Eu disse a Cornélio que não havia chance disso acontecer, mas a idéia não morreu quando
ele deixou o cargo. Algumas horas depois da indicação de Scrimgeour nos encontramos e ele pediu
que eu arranjasse um encontro com você...
– Então foi por isso que vocês discutiram! – disse num ímpeto Harry. – Estava no Profeta
Diário.
– O Profeta é obrigado a noticiar a verdade eventualmente – disse Dumbledore – mas só se for
por acidente. Sim, foi por isso que nós discutimos. Bem parece que Rufus encontrou uma maneira de
encurralar você no final das contas.
– Ele me acusou de ser um “partidário de Dumbledore até o fim”.
176
Capítulo 17 – A Lembrança Sluggiana
– Que grosseria da parte dele.
– Eu disse-lhe que era.
Dumbledore abriu sua boca para falar e então a fechou novamente. Atrás de Harry, Fawkes, a
fênix soltou uma profunda e agradável nota musical. Para intenso embaraço de Harry, ele percebeu
que os brilhantes olhos azuis de Dumbledore estavam marejados e Harry fixou o olhar rapidamente
em seus próprios joelhos. Quando Dumbledore falou, contudo, sua voz estava firme.
– Estou muito emocionado, Harry.
– Scrimgeour queria saber onde o senhor vai quando não está em Hogwarts – disse Harry,
ainda olhando fixamente seus joelhos.
– Sim, ele está muito curioso a respeito disso – disse Dumbledore, agora soando alegre, e Harry
pensou que era seguro levantar a cabeça novamente. – Ele até mesmo tentou mandar me seguir.
Engraçado, mesmo! Pôs Dawlish no meu encalço. Não foi agradável. Já fui forçado a enfeitiçar
Dawlish uma vez, e fiz isso de novo com grande pesar.
– Então eles ainda não sabem onde o senhor vai? – perguntou Harry, esperando mais informações
sobre este intrigante assunto, mas Dumbledore apenas sorriu por cima de seus óculos de meia lua.
– Não, eles não sabem, e ainda não é o momento para você saber também. Agora eu sugiro que
prossigamos, a não ser que haja mais alguma coisa?
– Na verdade, há sim, senhor – disse Harry. – É sobre Malfoy e Snape.
– Professor Snape, Harry.
– Sim, senhor. Eu os ouvi durante a festa do professor Slughorn... bem, eu os segui, na verdade...
Dumbledore escutou a história de Harry com um rosto impassível. Quando Harry terminou,
ele ficou alguns minutos em silêncio, e então, disse: – Obrigado por me contar, Harry, mas sugiro que
você tire isso da cabeça. Acredito que não seja muito importante.
– Não é muito importante? – repetiu Harry incrédulo. – Professor, o senhor entendeu...?
– Sim, Harry, abençoado como eu sou com uma inteligência extraordinária, entendi tudo o que
você me contou – disse Dumbledore um pouco ríspido. – Acho que você deveria considerar a
possibilidade de eu ter entendido mais que você mesmo. Novamente, fico feliz por ter confiado em
mim, mas deixe-me assegurar-lhe que você não me contou nada que me deixasse inquieto.
Harry manteve seu olhar em Dumbledore, silencioso. O que estava acontecendo? Isto significava
que Dumbledore realmente mandou Snape descobrir o que Malfoy está tramando, e neste caso já
teria ouvido do Snape o que Harry acabara de contar? Ou será que ele realmente estava preocupado
com o que tinha acabado de ouvir, mas estava fingindo que não?
– Então, senhor – disse Harry, no que ele esperava ser uma voz educada e calma – definitivamente
o senhor ainda confia em...
– Tenho sido tolerante o suficiente para responder a essa pergunta outras vezes – respondeu
Dumbledore, apesar de não parecer mais tão tolerante. – Minha resposta não mudou.
– Eu deveria saber que não – disse uma voz acusadora; Fineus Nigellus estava claramente
fingindo estar dormindo. Dumbledore o ignorou.
– E agora, Harry, eu insisto que devemos seguir adiante. Tenho coisas mais importantes para
debater com você esta noite.
Harry ficou sentado lá sentindo-se rebelde. Como seria se ele se recusasse a mudar de assunto,
se ele insistisse em continuar as acusações contra Malfoy? Como se tivesse lido a mente de Harry,
Dumbledore sacudiu a cabeça.
– Ah, Harry. Como isso acontece com freqüência, até mesmo, entre melhores amigos! Cada um
de nós acredita que o que tem a dizer é muito mais importante do que qualquer coisa que o outro tem
a contribuir.
– Não acho que o que o senhor tem a dizer é sem importância, professor – disse Harry rígido.
– Bem, você está certo, porque é importante – disse Dumbledore vivamente. – Tenho mais
duas memórias para lhe mostrar nesta noite, ambas obtidas com enorme dificuldade, e a segunda
delas é, acredito eu, a mais importante que coletei.
177
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Harry não disse nada a isso, ainda se sentia com raiva pela forma como suas confidências
foram recebidas, mas não podia ver o que iria ganhar se continuasse discutindo.
– Então – disse Dumbledore – nos encontramos esta noite para continuar a história de Tom
Riddle, a quem deixamos na última aula pronto para iniciar seus anos em Hogwarts. Você se lembra
o quanto ele ficou animado ao descobrir que era bruxo, e que recusou minha companhia na ida para
o Beco Diagonal, ao mesmo tempo em que eu o proibi de continuar roubando quando chegasse à
escola.
– Bem, o início ano letivo chegou e junto com ele veio Tom Riddle, um menino quieto em suas
roupas de segunda mão, que entrou na fila dos alunos do primeiro ano para ser sorteado. Ele foi posto
na Sonserina quase no momento em que o Chapéu Seletor tocou sua cabeça – continuou Dumbledore,
sacudindo sua mão negra em direção à prateleira onde estava o Chapéu Seletor, muito antigo e
imóvel. – Quando Riddle descobriu que o famoso criador de sua casa podia falar com cobras, eu não
sei – talvez naquela mesma noite. Esse conhecimento só pode tê-lo excitado e aumentou seu senso
de auto-importância.
– No entanto, se ele estava assustando ou impressionando seus colegas sonserinos com sua
habilidade de ofidioglota no salão comunal, não o fazia perto dos professores. Ele não mostrou
nenhum sinal de arrogância ou de agressividade. Como era um órfão talentoso como poucos, e muito
bonito, ele chamou a atenção e a simpatia dos professores quase que no mesmo momento em que
chegou à escola. Parecia educado, quieto e sedento de conhecimento. Quase todos tiveram uma boa
impressão dele.
– O senhor não contou como ele era quando o encontrou no orfanato? – perguntou Harry.
– Não, não contei. Embora ele não mostrasse nenhuma ponta de remorso, era possível que se
sentisse arrependido pela forma como tinha se comportado antes e resolvido a ter um novo começo.
Eu escolhi lhe dar esta chance.
Dumbledore fez uma pausa e olhou curiosamente Harry, que tinha aberto sua boca para falar.
Aqui, de novo, estava a tendência de Dumbledore de confiar nas pessoas a despeito das evidências
mais avassaladoras de que elas não mereciam! Mas, então, Harry lembrou-se de uma coisa...
– Mas o senhor não confiou nele realmente, não é? Ele me contou... o Riddle que saiu do diário
disse: “Dumbledore nunca pareceu gostar de mim como os demais professores.”.
– Vamos dizer que eu realmente não pressupus que ele fosse de todo confiável – disse
Dumbledore. Eu tinha decidido, como já indiquei, que ficaria de olhos bem atentos sobre ele, e assim
o fiz. Não posso fingir que obtive muitas informações sobre ele no início. Ele era muito reservado
comigo; ele sentia, tenho certeza, que na emoção de ter descoberto sua verdadeira identidade tinha
me contado demais. Ele teve cuidado de nunca mais revelar tanto novamente, mas não poderia
tomar de volta o que já tinha deixado aparecer em sua excitação, nem o que Sra. Cole tinha me
confidenciado. No entanto, ele teve o bom senso de não tentar me seduzir assim como ele seduziu
tantos de meus colegas.
– À medida que ele seguia em frente na escola, formou à sua volta um grupo de amigos dedicados;
chamo-os assim, por falta de uma palavra melhor, pois como já indiquei, Riddle sem dúvida não
sentia nenhuma afeição por nenhum deles. Este grupo tinha uma espécie de encanto sombrio dentro
do castelo. Eles eram um grupo bem heterogêneo; uma mistura de fracos procurando proteção, de
ambiciosos procurando uma fração de glória compartilhada e os violentos gravitando em torno de
um líder que lhes podia mostrar as mais refinadas formas de crueldade. Em outras palavras, eram os
antecessores dos Comensais de Morte, e, de fato, alguns deles se tornaram os primeiros Comensais
depois que saíram da escola.
– Rigidamente controlados por Riddle, eles nunca foram pegos abertamente fazendo alguma
coisa errada, apesar de seus sete anos de Hogwarts terem sido marcados por incidentes suspeitos aos
quais eles nunca estavam satisfatoriamente ligados; o mais grave de todos foi, é claro, a abertura da
Câmara Secreta, que resultou na morte de uma garota. Como você sabe, Hagrid foi injustamente
acusado deste crime.
178
Capítulo 17 – A Lembrança Sluggiana
– Não fui capaz de encontrar muitas memórias de Riddle em Hogwarts – disse Dumbledore,
pousando sua mão ferida sobre a Penseira. – Poucos que o conheceram então estão preparados para
falar sobre ele; estão muito aterrorizados. O que eu sei, descobri depois que ele saiu de Hogwarts,
depois de muito esforço, depois de procurar alguns que poderiam ser, com um logro, induzidos a
conversar, depois de procurar por velhos registros e de questionar testemunhas tanto trouxas quanto
bruxas.
– Aqueles que eu persuadi a falar me contaram que Riddle tinha obsessão por sua linhagem.
Isso era compreensível, é claro; ele cresceu em um orfanato e naturalmente desejava saber como
tinha parado lá. Parece que procurou inutilmente algum traço de Tom Riddle pai nos escudos da Sala
dos Troféus, nas listas de monitores antigos da escola, e até mesmo nos livros de história do mundo
dos bruxos. Finalmente foi forçado a aceitar que seu pai nunca tinha posto os pés em Hogwarts.
Acredito que foi neste momento que ele deixou de usar o nome de seu pai para sempre, assumiu a
identidade de Lord Voldemort e começou a investigação da anteriormente desprezada família de sua
mãe – a mulher que, você se lembra, ele achou que não poderia ser bruxa já que tinha sucumbido à
vergonhosa fraqueza humana da morte.
– Tudo o que ele tinha para procurar era somente o nome Servolo, que sabia nos tempos de
orfanato, ter sido do pai de sua mãe. Finalmente, depois de esforçada pesquisa em velhos livros de
famílias de Bruxos, descobriu a existência da linhagem sobrevivente de Slytherin. No verão de seu
décimo sexto aniversário, ele saiu do orfanato para onde voltava todo ano e foi à procura de seus
parentes Gaunt. E agora, Harry, se você se levantar...
Dumbledore se levantou e Harry pôde ver que ele novamente segurava uma pequena garrafa
de cristal cheia com uma espiral prateada de lembrança.
– Tive muita sorte para coletar esta aqui – ele disse, colocando a matéria brilhante na Penseira.
– Como você vai entender quando mergulharmos nela. Vamos?
Harry deu um passo em direção a base de pedra e curvou-se obediente até seu rosto afundar na
lembrança. Ele sentiu a familiar sensação de cair no nada e aterrissou em um chão sujo quase na
escuridão total.
Demorou alguns segundos para reconhecer o local, tempo em que Dumbledore pousou atrás
dele. A casa dos Gaunt estava agora mais indescritivelmente suja do qualquer lugar onde Harry já
houvesse estado. O teto estava repleto de teias de aranha e o chão coberto de sujeira; comida mofada
e apodrecida estava em cima da mesa junto a um amontoado de panelas com crostas de sujeira. A
única luz vinha de uma vela de luz fraca que estava aos pés de um homem com cabelos e barba tão
grandes que Harry não conseguia ver seus olhos ou boca. O homem estava jogado em uma poltrona
perto do fogo e Harry se perguntou, por um momento, se ele estava morto. Porém, alguém bateu na
porta e o homem moveu-se, erguendo uma varinha na mão direita e uma faca pequena na esquerda.
A porta se abriu rangendo. Ali, no limiar da porta, segurando uma velha lamparina a óleo,
encontrava-se um garoto que Harry reconheceu no ato: alto, pálido, cabelos escuros, e muito bonito
– Voldemort adolescente.
Os olhos de Voldemort moveram-se lentamente ao redor da cabana até que encontrou o homem
na poltrona. Por alguns segundos, ambos se olharam, então o homem se levantou cambaleante e as
garrafas vazias que se encontravam a seus pés fizeram barulho pelo chão.
– VOCÊ! – gritou. – VOCÊ!
E correu em direção a Riddle, varinha e faca erguidas.
– Pare.
Riddle falou em língua de cobra. O homem escorregou e bateu na mesa, derrubando as panelas
sujas no chão. Encarou Riddle. Houve um longo silêncio enquanto se olhavam. Até que o homem o
quebrou:
– Você também fala?
– Sim, eu falo – disse Riddle. Ele andou para frente, deixando que a porta batesse atrás de si.
Harry não pode deixar de sentir uma admiração ressentida pela completa falta de medo de Voldemort.
Seu rosto meramente mostrava nojo ou, até mesmo, decepção.
179
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Onde está Servolo? – perguntou.
– Morto – disse o outro. – Morreu há alguns anos atrás.
Riddle franziu a testa.
– Quem é você, então?
– Sou Morfin, não sou?
– Filho de Servolo?
– Claro que sou, então...
Morfin tirou o cabelo de seu rosto imundo para poder ver Riddle melhor e Harry viu que ele
usava em sua mão direita o anel contendo a pedra negra que pertencera a Servolo.
– Pensei que você fosse aquele trouxa – sussurrou Morfin. – Você se parece muito com ele.
– Que trouxa? – perguntou Riddle asperamente.
– O trouxa que minha irmã gostava, o trouxa que mora na mansão do outro lado – disse
Morfin, e cuspiu inesperadamente no chão. – Você se parece muito com ele. Mas ele está mais velho
agora, não? Ele é mais velho que você, agora que penso nisso...
Morfin parecia meio confuso e chegou para o lado um pouco, ainda se apoiando na quina da
mesa.
– Ele voltou, sabe – acrescentou.
Voldemort olhava para Morfin, pensando em suas possibilidades. Então, moveu-se um pouco
mais perto de Morfin e disse: – Riddle voltou?
– Er, ele a largou, e que isso sirva de lição a ela, casar com escória – disse Morfin, mais uma vez
cuspindo no chão. – Nos roubou, antes de fugir. Onde está o medalhão, o medalhão de Slytherin?
Voldemort não respondeu. Morfin estava ficando irado novamente, sacudiu a faca e gritou: –
Ela nos desonrou, sim, ela nos desonrou, aquela vadia imunda! E quem é você, vindo aqui e
perguntando coisas a respeito disso tudo? Acabou..., não?... acabou...
Ele desviou o olhar e cambaleou um pouco, e Voldemort andou em sua direção. E quando fez
isso uma estranha escuridão surgiu, apagando a lamparina de Voldemort e a vela de Morfin, apagando
tudo...
Os dedos de Dumbledore seguraram firmemente o braço de Harry e eles voltaram ao presente.
A suave luz dourada da sala de Dumbledore ofuscou os olhos de Harry depois da impenetrável
escuridão.
– Isso é tudo? – disse Harry de uma vez. – Por que tudo ficou tão escuro, o que aconteceu?
– Porque Morfin não conseguia lembrar de mais nada deste ponto em diante – disse Dumbledore,
apontando para que Harry se sentasse novamente em sua cadeira. – Quando ele acordou na manhã
seguinte, estava deitado no chão, sozinho. O anel de Servolo havia desaparecido.
– Enquanto isso, no povoado de Little Hangleton, uma empregada corria pela rua principal,
gritando que havia três corpos estendidos na sala de jantar da mansão; Tom Riddle Senior, sua mãe e
seu pai.
As autoridades trouxas ficaram perplexas. Até onde eu sei, eles não sabem até hoje como os
Riddles morreram, já que a maldição AvadaKedavra não deixa nenhum sinal de dano... A exceção
está em minha frente – Dumbledore acrescentou olhando para a cicatriz de Harry. – O Ministério,
por outro lado, sabia que isto tinha sido um assassinato cometido por um bruxo. Eles também sabiam
que um bruxo sentenciado que odiava trouxas morava depois do vale perto da mansão dos Riddle,
alguém que odiava trouxas e que já havia sido preso por atacar uma das pessoas assassinadas.
– Assim, o Ministério convocou Morfin. Eles não precisaram interrogá-lo, usando Veritaserum
ou Legilimência. Ele admitiu o assassinato na hora, dizendo detalhes que só o assassino poderia
saber. Estava orgulhoso, disse, por ter matado os trouxas, esteve esperando a chance todos esses
anos. Ele entregou sua varinha, e ficou imediatamente provado que ela fora utilizada no assassinato
dos Riddles. E ele se deixou levar direto para Azkaban sem luta. Só o que o perturbava era o fato de
que o anel de seu pai havia desaparecido. – Ele vai me matar por tê-lo perdido – disse várias vezes às
pessoas que o prenderam. – Ele vai me matar por ter perdido seu anel – E isso, aparentemente, foi
180
Capítulo 17 – A Lembrança Sluggiana
tudo o que ele disse novamente. Durante o período em que ficou em Azkaban, ele reviveu esta
lembrança, lamentando a perda da última herança de família de Servolo, e está enterrado ao lado da
prisão, junto a muitas outras pobres almas que faleceram lá dentro.
– Então, Voldemort roubou a varinha de Morfin e a usou? – disse Harry, sentando direito.
– Isso mesmo – disse Dumbledore. – Não temos nenhuma lembrança que possa nos mostrar
isso, mas acho que podemos ter razoável certeza que foi isso o que aconteceu. Voldemort estuporou
seu tio, pegou sua varinha e foi em direção à mansão do outro lado do vale. Lá, ele matou o trouxa
que havia abandonado sua mãe, e, também, seus avós trouxas, exterminando a linhagem indigna dos
Riddle e vingando-se do pai que nunca o desejou. Então, retornou à cabana dos Gaunt, fez a magia
complexa que implantaria uma falsa lembrança na mente de seu tio, deixou a varinha de Morfin ao
lado de seu dono inconsciente, pegou o velho anel que ele usava e foi embora.
– E Morfin nunca percebeu que ele não fez nada daquilo?
– Nunca – disse Dumbledore. – ele fez uma confissão orgulhosa e plena.
– Mas ele tinha essa lembrança verdadeira o tempo todo!
– Sim, mas foi preciso um grande esforço de poderosa Legilimência para obter isso dele – disse
Dumbledore – e por que alguém investigaria a fundo a mente de Morfin quando ele já havia confessado
o crime? No entanto, eu consegui fazer uma visita a Morfin nas suas últimas semanas de vida, pois
naquele momento eu estava tentando descobrir o máximo possível sobre o passado de Voldemort.
Obtive essa lembrança com muita dificuldade. Quando vi o que continha, tentei utilizá-la para retirar
Morfin de Azkaban. Mas antes do Ministério chegar a uma decisão, ele já havia morrido.
– Mas como o Ministério não havia percebido que Voldemort tinha feito isso tudo com Morfin?
– Harry perguntou com raiva. – Ele era menor de idade naquela época, não era? Achei que era
possível detectar magia feita por menores de idade!
– Você tem razão – eles podem detectar magia, mas não quem a fez. Você se lembra de que foi
acusado de usar um Feitiço de Levitação, quando na verdade quem o fez foi ...
– Dobby – resmungou Harry; essa injustiça ainda o amargurava. – Então, se você é menor de
idade e faz magia dentro da casa de uma bruxa ou bruxo adulto, o Ministério não vai saber?
– O Ministério certamente não saberá dizer quem praticou a magia – disse Dumbledore, sorrindo
ligeiramente enquanto olhava a grande indignação de Harry. – Eles dependem dos pais bruxos para
que imponham a seus filhos a obediência enquanto estão dentro da casa.
– Isso é tudo bobagem – esbravejou Harry. – Veja o que aconteceu aqui, veja o que aconteceu
com Morfin!
– Eu concordo – disse Dumbledore. – Fosse Morfin o que fosse, ele não merecia morrer da
forma que morreu, acusado de assassinatos que não cometeu. Mas está ficando tarde, e ainda quero
que você olhe esta outra lembrança antes de nos separarmos...
Dumbledore tirou de um bolso interno outra garrafinha de cristal e Harry ficou quieto
imediatamente, lembrando que Dumbledore havia dito que esta era a mais importante que ele
conseguira coletar. Harry percebeu que o conteúdo foi difícil de ser despejado na Penseira, como se
ela tivesse se solidificado ligeiramente, será que as lembranças se estragavam?
– Isto não vai demorar – disse Dumbledore, quando finalmente esvaziou o vidrinho. – Devemos
estar de volta antes de você notar. Bem, vamos entrar mais uma vez na Penseira...
Harry caiu mais uma vez dentro do liquido prateado e aterrissou, desta vez, em frente a um
homem que ele logo reconheceu.
Era um Horace Slughorn bem mais jovem. Harry estava tão acostumado com ele careca, que
vê-lo com cabelo grosso, brilhante e cor de palha era um pouco desconcertante, parecia que ele tinha
feito uma cobertura de sapê, apesar de já haver uma careca do tamanho de um galeão no topo de sua
cabeça. Seu bigode, mais fino do que o atual era de um louro avermelhado. Ele não era tão rotundo
quanto o Slughorn que Harry conhecia, ainda que os botões dourados de seu colete ricamente bordado
estivessem sendo puxados ao máximo. Seus pequenos pés repousavam em cima de um pufe de veludo
181
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
e ele estava bem sentado numa poltrona confortável, uma das mãos segurando uma pequena taça de
vinho e a outra vasculhando uma caixa de abacaxi cristalizado.
Harry olhou em volta enquanto Dumbledore aparecia ao seu lado, e percebeu que estavam na
sala de Slughorn. Uma meia dúzia de garotos estava sentada ao redor de Slughorn, todos em cadeiras
mais duras ou menores que a dele e todos em torno do meio da adolescência. Harry reconheceu
Riddle logo de cara. Ele era o mais bonito entre todos e o que parecia mais relaxado. Sua mão direita
repousava relaxada sobre o braço de sua poltrona; com um susto, Harry percebeu que ele usava o
anel dourado e preto de Servolo, ele já havia matado seu pai.
– Senhor, é verdade que a Professora Merrythought está se aposentando? – Riddle perguntou.
– Tom, Tom, mesmo se eu soubesse, não poderia lhe contar – disse Slughorn, apontando para
Riddle um dedo açucarado de desaprovação, mas arruinando um pouco o efeito ao piscar. – Devo
dizer que gostaria de saber qual é sua fonte de informação, menino, você é mais bem informado que
metade do corpo docente.
Riddle sorriu e os demais garotos deram risada e olharam-no com admiração.
– Com sua fantástica habilidade de descobrir coisas que você não deveria saber e sua cuidadosa
habilidade de lisonjear pessoas importantes...a propósito, obrigado pelos abacaxis, você está
absolutamente certo, são meus favoritos...
Depois que alguns garotos riram nervosos, uma coisa muito estranha aconteceu. Toda a sala
encheu-se com uma grossa névoa branca, e Harry não podia ver nada além do rosto de Dumbledore,
que estava ao seu lado. Então a voz de Slughorn ressoou por entre a névoa, estranhamente alta –
Você vai pelo caminho errado, garoto, lembre-se de minhas palavras!
A névoa sumiu tão subitamente quanto surgiu, e ninguém pareceu reparar nisso nem ninguém
parecia como se algo diferente tivesse acontecido. Alarmado, Harry olhou à volta e viu um grande
relógio dourado acima da cabeça de Slughorn marcando onze horas da noite.
– Nossa, já é tão tarde assim? Melhor vocês irem, meninos, ou todos estaremos encrencados.
Lestrange, quero seu trabalho amanhã pela manhã ou lhe darei detenção. O mesmo vale para você,
Avery.
Slughorn levantou-se da cadeira e levou seu copo vazio até a mesa, enquanto os meninos
saíam da sala. Riddle, no entanto, ficou para trás. Harry sabia que ele se atrasou de propósito para
poder ficar a sós com Slughorn.
– Fique atento, Tom, você não iria querer ser pego andando por aí fora do horário, você é
monitor...
– Senhor, eu queria lhe perguntar uma coisa.
– Pergunte então, meu garoto, pergunte...
– Senhor, estava imaginando o que sabe sobre... sobre Horcruxes?
E, então, aconteceu tudo de novo: a densa névoa encheu a sala de forma que Harry não conseguia
ver nem Slughorn nem Riddle; somente Dumbledore, que sorria serenamente ao seu lado. Então, a
voz de Slughorn ressoou novamente, assim como antes.
– Eu não sei nada sobre Horcruxes e, mesmo se soubesse, não diria! Agora saia daqui de uma
vez e não permita que eu ouça você mencionando isso de novo!
– Bem, é isso – disse Dumbledore calmamente ao lado de Harry. – É hora de irmos.
Os pés de Harry saíram do chão para cair, segundos mais tarde, no tapete em frente à
escrivaninha de Dumbledore.
– Isso é tudo? – perguntou Harry confuso.
Dumbledore havia dito que esta era a lembrança mais importante de todas, mas ele não conseguia
ver o que tinha de tão significante a respeito. Com certeza a névoa e o fato de ninguém tê-la percebido
foram estranhos, mas, além disso, nada pareceu ter acontecido, a não ser o fato de Riddle ter feito
uma pergunta e não ter obtido resposta.
– Como você deve ter percebido – disse Dumbledore, sentando atrás da escrivaninha -, esta
lembrança foi adulterada.
182
Capítulo 17 – A Lembrança Sluggiana
– Adulterada? – repetiu Harry, sentando-se também.
– Certamente – disse Dumbledore. – O Professor Slughorn interferiu em suas próprias
lembranças.
– Mas por que ele faria isso?
– Porque, eu acredito, ele está envergonhado do que se lembra – disse Dumbledore. – Ele
tentou refazer a lembrança para mostrar-se a si mesmo sob uma perspectiva melhor, escondendo as
partes que ele não desejava que eu visse. Foi, como você pode perceber, mal feito e isso foi uma coisa
boa, pois mostra que a verdadeira memória ainda está lá por baixo das alterações.
– E então, pela primeira vez, eu estou lhe dando um dever de casa, Harry. Será seu trabalho
persuadir o Professor Slughorn a divulgar a lembrança verdadeira, que será, sem dúvida, a peça mais
crucial de informação dentre todas.
Harry olhou fixamente.
– Mas, com certeza, senhor – disse ele, mantendo sua voz tão respeitável quanto possível –
você não precisa de mim – você pode usar Legilimência... ou Veritaserum...
– O Professor Slughorn é um bruxo extremamente capaz, que estará na expectativa de que
ambos sejam tentados – disse Dumbledore. – Ele é muito mais preparado em Oclumência do que o
pobre Morfin Gaunt, e eu me surpreenderia se ele não carregasse consigo um antídoto para Veritaserum
desde quando eu tentei fazer com que ele me desse esta versão travestida de suas memória.
– Não, eu acho que seria tolice tentar obter a verdade do professor Slughorn utilizando a força
e seria muito mais prejudicial do que benéfico; eu não quero que ele saia de Hogwarts. No entanto,
ele tem fraquezas como todos nós e eu tenho certeza de que você é uma pessoa que seria capaz de
penetrar em suas defesas. É muito importante que obtenhamos a verdadeira lembrança, Harry... o
quão importante só saberemos quando a tivermos em mãos. Então, boa sorte... e boa-noite.
Um pouco surpreso pela dispensa súbita, Harry levantou-se rapidamente.
– Boa-noite, senhor.
Enquanto fechava a porta da sala atrás de si, pôde ouvir Fineus dizer:
– Não consigo ver como o garoto se sairia melhor que você, Dumbledore.
– Eu não esperaria que você visse, Fineus – respondeu Dumbledore e Fawkes soltou mais uma
suave nota musical.
183
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 18 –
Surpresas de Aniversário
No dia seguinte Harry confiou a Rony e Hermione a tarefa que Dumbledore tinha dado a ele,
ainda que separadamente, pois Hermione ainda se recusava a tolerar a presença de Rony por mais
tempo do que o necessário para lhe dar um olhar de desprezo.
Rony pensou que era improvável que Harry tivesse qualquer problema com Slughorn.
– Ele ama você! – Ele disse no café da manhã, balançando no ar um garfo cheio de ovos fritos.
– Não recusará nada a você, não é mesmo? Não ao seu pequeno Príncipe de Poções. Só precisa se
demorar um pouco mais após a aula da tarde e perguntar a ele.
Hermione, entretanto, tinha uma opinião pessimista.
– Ele deve estar determinado a esconder o que realmente aconteceu, se Dumbledore não foi
capaz de retirar a informação dele. – ela disse em voz baixa, enquanto estavam no pátio deserto e
cheio de neve durante o intervalo. – Horcruxes... Horcruxes... Eu nunca ouvi nada sobre eles..
– Nunca ouviu? – Harry estava desapontado, ele havia esperado que Hermione pudesse lhe dar
uma dica do que eram Horcruxes.
– Devem ser Artes das Trevas realmente avançadas, senão por que Voldemort iria querer saber
sobre eles? Eu acho que será difícil conseguir a informação, Harry, você terá que agir com muita
cautela ao se aproximar de Slughorn, pensar em uma estratégia...
– Rony acha que eu deveria simplesmente me demorar mais na saída da aula de Poções esta
tarde...
– Ah, claro, se “Bom-Bom” pensa assim, é melhor fazê-lo! – ela disse, explodindo imediatamente
– Além do mais, quando foi que a opinião de “Bom-Bom” esteve errada?
– Hermione, você não poderia...
– Não! – Ela disse com raiva, e se afastou violentamente, deixando Harry sozinho com neve
até as canelas.
As aulas de Poções eram bastante incômodas ultimamente, visto que Harry, Rony e Hermione
tinham que compartilhar uma mesa. Hoje, Hermione havia movido seu caldeirão pela mesa de modo
que ficasse perto de Ernesto, e ignorou tanto Harry quanto Rony.
– O que você fez? – Rony murmurou para Harry, olhando o perfil insolente de Hermione. Mas
antes que Harry pudesse responder, Slughorn estava pedindo silêncio em frente à classe.
– Se acomodem, se acomodem, por favor! Rápido, agora, temos muito trabalho pela frente esta
tarde! A terceira lei de Golpalott, alguém pode me dizer qual é? A senhorita Granger pode, com
certeza!
Hermione recitou em alta velocidade: – A-terceira-Lei-de-Golpalott-diz-que-o-antídoto-paraum-veneno-será-igual-à-soma-dos-antídotos-para-cada-um-dos-componentes-que-o-compõe.
– Precisamente! – disse Slughorn radiante – Dez pontos para Grifinória! Agora, se nós aceitarmos
que a terceira Lei de Golpalott é verdade...
Harry estava aceitando que a palavra de Slughorn sobre essa terceira Lei de Golpalott era
verdadeira, porque ele não havia entendido nada dela. Ninguém além de Hermione pareceu entender
o que Slughorn disse depois, também.
184
Capítulo 18 – Surpresas de Aniversário
– ...o que significa, claro, que assumindo que nós venhamos a conseguir a identificação correta
dos ingredientes pelo feitiço de revelação de Scarpin, nosso primeiro alvo não é aquele relativamente
simples de selecionar antídotos para os ingredientes da mesma, mas encontrar o componente
adicionado que, por um processo quase alquímico, transforme esses diversos elementos...
Rony estava sentado ao lado de Harry com a boca meio-aberta, olhando fixamente seu novo
livro de Poções – Nível Avançado. Rony continuava sem lembrar de que não poderia confiar em
Hermione para socorrê-lo quando não entendesse o que estava acontecendo.
– E então – finalizou Slughorn – eu quero que cada um de vocês venha aqui e pegue um desses
frascos na minha mesa. Vocês devem criar um antídoto para o veneno dentro dele antes do fim da
aula. Boa sorte, e não se esqueçam de suas luvas protetoras.
Hermione deixou seu assento e já havia atravessado a metade do caminho em direção à mesa
de Slughorn antes que o resto da turma compreendesse que era hora de se mexer, e quando Harry,
Rony e Ernesto retornaram à mesa, ela já havia virado o conteúdo de seu frasco no caldeirão, e estava
acendendo o fogo embaixo dele.
– É uma pena que o Príncipe não poderá ajudá-lo muito nisto, Harry. – Ela disse de maneira
vivaz enquanto se endireitava. – Você tem que entender os princípios envolvidos desta vez. Nada de
atalhos ou trapaças!
Irritado, Harry abriu o veneno que tinha pegado na mesa de Slughorn, que era de um rosa
extravagante, o despejou em seu caldeirão e acendeu o fogo embaixo dele. Ele não fazia a mínima
idéia do que deveria fazer a seguir. Olhou de relance para Rony, que o observava com um olhar
idiota, copiando tudo o que Harry fazia. – Tem certeza de que o Príncipe não deixou nenhuma dica?
– Rony resmungou para Harry. Harry pegou sua confiável cópia de Poções – Nível Avançado e abriu
no capítulo sobre Antídotos. Lá estava a terceira Lei de Golpalott, palavra por palavra, como Hermione
havia recitado, mas nenhuma simples dica esclarecedora pela mão de Príncipe explicando o que
significava. Aparentemente o Príncipe, como Hermione, não tinha dificuldades em entender aquilo.
– Nada. – Harry respondeu desapontado.
Hermione estava agora agitando sua varinha entusiasticamente sobre o seu caldeirão.
Infelizmente, eles não poderiam copiar o feitiço que esta estava fazendo porque ela agora dominava
tão bem os feitiços não verbais que ela não precisou mencionar as palavras em voz alta. Ernesto
Macmillan, entretanto, murmurava “Specialis Revelio!” sobre seu caldeirão, soando imponente, então
Harry e Rony rapidamente o imitaram. Levou somente cinco minutos para que Harry compreendesse
que sua reputação como o melhor aluno de poções da classe estava desmoronando ao seu redor.
Slughorn tinha espiado o seu caldeirão esperançosamente em sua primeira inspeção pela masmorra,
preparado para exclamar deliciado como sempre, e havia retirado sua cabeça rapidamente, tossindo,
ao sentir o cheiro de ovos podres sobre si. A expressão de Hermione não poderia estar mais satisfeita;
ela havia odiado ser deixada para trás em cada aula de Poções. Ela estava agora decantando os
misteriosos ingredientes separados de seu veneno em dez frascos de cristal diferentes. Mais para
evitar essa visão irritante do que por qualquer outra coisa, Harry inclinou-se sobre o livro de Príncipe,
virando algumas páginas com força desnecessária.
E lá estava, rabiscado através de uma longa linha de antídotos.
Apenas empurre um bezoar pelas suas gargantas. Harry fitou as palavras longamente. Ele não
havia ouvido, há muito tempo, sobre os bezoars? Snape não havia mencionado eles na primeira aula
de Poções? “Uma pedra tirada do estômago de uma cabra, que o livrará da maioria dos venenos”.
Não era uma resposta para o problema de Golpalott, e se Snape ainda fosse o seu professor, Harry
não ousaria fazê-lo, mas este era um momento para medidas desesperadas. Ele foi em direção ao
armário de estoques e, empurrando para o lado os chifres de unicórnio e um emaranhado de ervas
ressecadas, encontrou, bem no fundo, uma pequena caixa onde se lia a palavra “Bezoars”. Ele abriu
a caixa exatamente quando Slughorn avisou: – Mais dois minutos, pessoal! – Dentro dela havia uma
dúzia de objetos marrons enrugados, parecendo mais rins secos do que pedras. Harry apanhou um,
devolveu a caixa para o armário e voltou apressado ao seu caldeirão.
185
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– O tempo.... acabou! – Disse Slughorn animadamente. – Bem, vamos ver como vocês se
saíram! Blaise... O que você tem para mim?
Lentamente, Slughorn se moveu pela sala, examinando os vários antídotos. Ninguém havia
conseguido terminar a tarefa, embora Hermione estivesse tentando colocar à força alguns poucos
ingredientes em sua garrafa antes de Slughorn a alcançar. Rony havia desistido completamente, e
estava tentando meramente parar de respirar os aromas pútridos que saíam de seu caldeirão. Harry
permaneceu esperando, o bezoar seguro em uma mão ligeiramente suada.
Slughorn chegou à mesa deles por último. Cheirou a poção de Ernesto e passou sobre Rony
com uma careta. Ele não se demorou no caldeirão de Rony, mas se afastou rapidamente, ligeiramente
nauseado.
– E você, Harry. – ele disse – O que você tem para me mostrar? – Harry mostrou sua mão, o
bezoar repousando em sua palma. Slughorn olhou para baixo por dez longos segundos. Harry imaginou,
por um momento, se ele iria gritar com ele. Então ele jogou sua cabeça para trás e rugiu em gargalhadas.
– Você é ousado, garoto! – explodiu ele, pegando o bezoar e mantendo-o no alto para que toda
a classe pudesse ver. – Oh, você é como sua mãe... Bem, eu não posso criticá-lo... Um bezoar certamente
agiria como antídoto para todas estas poções!
Hermione, com a face suada e fuligem em seu nariz, ficou lívida. Seu antídoto não terminado,
compreendendo cinqüenta e dois ingredientes, incluindo um chumaço do seu próprio cabelo, borbulhou
lentamente atrás de Slughorn, que só tinha olhos para Harry.
– E você pensou no bezoar sozinho, não pensou, Harry? – Ela perguntou por entre os dentes.
– Este é o espírito próprio que um verdadeiro fazedor de poções precisa! – Disse Slughorn
alegremente, antes que Harry pudesse responder. – Exatamente como sua mãe, ela tinha a mesma
compreensão intuitiva fazendo poções, definitivamente você herdou isso de Lílian... Sim, Harry, sim,
se você tiver um bezoar à mão, é claro que você fará o truque... apesar de que como eles não funcionem
em todos os casos, e sejam muito raros, ainda vale a pena saber como preparar antídotos. A única
pessoa na sala com um olhar mais bravo do que Hermione era Malfoy, que, Harry ficou encantado
em ver, havia derramado algo que parecia como vômito de gato sobre si mesmo. Antes que qualquer
um deles pudesse expressar sua fúria por Harry ficar em primeiro lugar na classe sem fazer nada, o
sino bateu.
– Guardem o material! – Disse Slughorn. – E dez pontos extras para Grifinória pelo simples
descaramento!
Ainda rindo, ele voltou gingando para sua mesa à frente da masmorra.
Harry ficou para trás, gastando uma grande quantidade de tempo para fechar sua mochila.
Nem Rony e nem Hermione lhe desejaram boa sorte quando saíram; ambos pareciam aborrecidos.
Finalmente Harry e Slughorn eram os únicos na sala.
– Vamos Harry, você se atrasará para a próxima aula! – Disse Slughorn amavelmente, estalando
os ganchos dourados de sua pasta de couro de dragão.
– Senhor, – disse Harry, lembrando-se inevitavelmente de Voldemort – eu queria lhe perguntar
algo.
– Pergunte o que quiser, então, meu querido, pergunte o que quiser...
– Professor, eu queria saber o que o senhor sabe sobre... sobre Horcruxes? Slughorn congelou.
Sua face redonda pareceu afundar dentro de si. Ele umedeceu os lábios e disse asperamente: – O que
você disse?
– Eu perguntei se o senhor sabe alguma coisa sobre os Horcruxes... Veja...
– Dumbledore lhe pediu isso! – sussurrou Slughorn.
Sua voz havia mudado completamente. Não era mais jovial, e sim chocado, estarrecido. Ele
levou a mão ao bolso da camisa e retirou um lenço, e esfregou sua testa suada.
– Dumbledore lhe mostrou aquela... aquela memória! – Disse Slughorn. – Então? Ele não
mostrou?
– Sim – Disse Harry, decidindo na hora que era melhor não mentir.
186
Capítulo 18 – Surpresas de Aniversário
– Sim, é claro. – Slughorn falou em voz baixa, ainda esfregando sua face pálida. – É claro...
bem, se você viu aquela memória Harry, você sabe que eu não sei nada – NADA – ele repetiu a
palavra com ênfase – sobre Horcruxes.
Ele agarrou sua pasta de couro de dragão, enfiou o lenço no bolso e avançou para a porta da
masmorra.
– Senhor, – disse Harry desesperadamente. – Eu só pensei que poderia haver um pouco mais
daquela memória...
– Pensou? – Slughorn perguntou. – Então pensou errado, está ouvindo? ERRADO!
Ele berrou a última palavra e, antes que Harry pudesse dizer qualquer coisa, bateu a porta da
masmorra atrás dele. Nem Rony nem Hermione se mostraram solidários quando Harry lhes contou a
entrevista desastrosa. Hermione ainda estava chateada por Harry ter triunfado sem fazer o trabalho
corretamente. Rony estava ressentido que Harry não lhe tivesse passado um bezoar também.
– Teria parecido estúpido se nós dois tivéssemos feito isto! – disse Harry irritado. – Olha, eu
tinha que tentar amolecê-lo para poder lhe perguntar sobre Voldemort, não tinha? Ah, veja se se
controla! – ele acrescentou exasperado, quando Rony estremeceu ao som do nome.
Enfurecido pelo fracasso dele e pelas atitudes de Rony e Hermione, Harry remoeu pelos dias
seguintes o que fazer a seguir sobre Slughorn. Por enquanto, ele decidiu que ele deixaria Slughorn
pensar que ele tinha esquecido totalmente sobre os Horcruxes; era certamente melhor para o acalmar,
causando uma falsa sensação de segurança antes de voltar ao ataque.
Quando Harry não questionou Slughorn novamente, o mestre de Poções voltou a tratá-lo da
forma afetuosa habitual, e parecia ter tirado o assunto da mente. Harry esperou um convite a uma
das pequenas festas de inicio de noite de Slughorn, determinado a aceitá-lo desta vez, mesmo se
tivesse que remarcar seus treinos de Quadribol. Porém, infelizmente, nenhum convite chegou. Harry
conferiu com Hermione e Gina: nenhuma delas tinha recebido convite algum e nem, até onde elas
soubessem, ninguém recebeu. Harry não podia evitar de pensar se isso significava que Slughorn não
era tão esquecido quanto aparentava, ele simplesmente estava determinado a não dar a Harry nenhuma
outra oportunidade para questioná-lo.
Enquanto isso, pela primeira vez na vida, a biblioteca de Hogwarts havia desapontado Hermione.
Ela estava tão chocada, que até esqueceu que estava aborrecida com Harry pelo truque com o
bezoar. – Eu não achei uma única explicação sobre o que Horcruxes fazem! – ela lhe contou. – Nem
uma! Eu estive olhando na seção restrita e até mesmo nos livros mais horríveis onde eles lhe contam
como fabricar as poções mais horripilantes, nada! Tudo que eu pude achar foi isto, no Introdução
para Magia Mais Diabólica, escute, “do Horcrux, a mais maligna das invenções mágicas, nós não
falaremos nem daremos instruções”... Por que mencionar isto, então? – ela questionou
impacientemente, fechando o velho livro com força, ele soltou uma lamúria fantasmagórica. – Oh,
cala a boca! – ela resmungou, enquanto o colocava de volta na bolsa.
A neve derretia ao redor da escola quando fevereiro chegou, sendo substituída por uma fria
umidade melancólica. Nuvens roxa acinzentadas pairavam baixas sobre o castelo e uma constante
chuva fria caindo tornavam os gramados escorregadios e enlameados. O ponto alto disso foi que a
primeira aula de Aparatação para os sextanistas, que foi agendada para uma manhã de sábado, de
forma que nenhuma das matérias normais fosse prejudicada, aconteceu no Salão Principal, em vez
de nos jardins.
Quando o Harry e Hermione chegaram ao Salão (Rony tinha descido com Lilá), eles perceberam
que as mesas haviam desaparecido. A chuva chicoteava contra as janelas altas e o teto encantado se
erguia escuro sobre eles, enquanto se juntavam em frente aos Professores McGonagall, Snape, Flitwick
e Sprout – os Chefes das Casas – e a um bruxo pequeno, que Harry acreditou ser o Instrutor de
Aparatação do Ministério. Ele era estranhamente pálido, com cílios transparentes, cabelo ralo e um
jeito tênue, como se uma única rajada de vento pudesse levá-lo embora. Harry imaginou se
desaparecimentos, e reaparições constantes tinham diminuído a solidez dele de alguma maneira, ou
se sua constituição frágil era a ideal para qualquer um que desejasse desaparecer.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Bom dia, – disse o bruxo de Ministério, quando todos os alunos tinham chegado e os Chefes
das Casas pediram silêncio. – Meu nome é Wilkie Twycross e eu serei seu Instrutor de Aparatação do
Ministério durante as próximas doze semanas. Eu espero poder prepará-los para seu teste de
Aparatação neste período...
– Malfoy, fique quieto e preste atenção! – rosnou a Professora McGonagall.
Todo mundo olhou em volta. Malfoy tinha corado; ele pareceu tão furioso quando se afastou
de Crabbe, com quem estava tendo uma discussão aos sussurros. Harry olhou depressa para Snape,
que também parecia aborrecido, o que Harry suspeitou ser menos pela falta de Malfoy do que pelo
fato de McGonagall ter repreendido um aluno da casa dele.
– ... após o qual, muitos de vocês estarão prontos a prestar seu exame – , Twycross continuou,
como se não tivesse havido nenhuma interrupção.
– Como vocês devem sabem, normalmente é impossível Aparatar ou Desaparatar dentro de
Hogwarts. O Diretor desfez este encanto, somente dentro do Salão Principal, durante uma hora, para
possibilitar nossa prática. Eu devo avisar que vocês não serão capazes de Aparatar fora das paredes
deste Salão, e que seria uma imprudência tentar.
– Eu gostaria que cada um de vocês se posicionasse agora de tal forma que tenha uns cinco
passos de espaço livre em frente.
Houve um grande tumulto com pessoas se acotovelando enquanto tentavam se afastar, colidindo
umas com as outras, deixando outras sem espaço. Os Chefes das Casas moveram-se entre os estudantes,
colocando-os em posição e interrompendo discussões.
– Harry aonde você vai? – Hermione perguntou.
Mas Harry não respondeu; ele estava se movendo depressa pela multidão, além do lugar onde
o professor Flitwick estava tentando posicionar alguns Corvinais, todos querendo ficar na frente,
passando pela professora Sprout, que alinhava os Lufa-Lufas, até que, se esquivando em torno de
Ernesto Macmillan, ele conseguiu se posicionar na parte de trás da multidão, exatamente atrás de
Malfoy que estava tirando proveito da confusão generalizada para continuar a discussão com Crabbe,
de pé a cinco passos de distância parecendo revoltado.
– Eu não sei quanto mais, certo? – Malfoy disse a ele, sem perceber que Harry estava logo
atrás. – Está demorando mais do que eu pensei que levaria.
Crabbe abriu a boca, mas Malfoy pareceu adivinhar o que ele ia dizer.
– Olha, não é da sua conta o que estou fazendo, Crabbe, você e Goyle só devem fazer o que foi
mandado e ficar de vigia!
– Eu digo a meus amigos o que eu faço, se quero que eles fiquem de vigia para mim, – disse
Harry , alto o suficiente para Malfoy ouví-lo.
Malfoy girou no lugar, a mão dele agarrando a varinha, mas nesse preciso momento os quatro
Chefes das Casas gritaram, – Quietos! – , e fez-se silêncio novamente. Malfoy virou-se para frente
lentamente.
– Obrigado disse Twycross. – Agora então...
Ele balançou sua varinha. Aros antiquados de madeira apareceram imediatamente no chão em
frente a cada estudante.
– As coisas importantes a se lembrar quando Aparatar são os três Dês! – disse Twycross. –
Destino, Determinação, Deliberação!
– Passo um: focalize sua mente firmemente no destino desejado, – ordenou Twycross. – Neste
caso, o interior de seu aro. Por favor concentrem-se agora neste destino.
Todo mundo olhava furtivamente em volta, para conferir se os outros estavam fitando seu aro,
então apressadamente fizeram como lhes foi falado. Harry contemplou o trecho de chão empoeirado
dentro de seu aro e tentou não pensar em nada mais. Isto se mostrou impossível, uma vez que ele não
podia deixar de pensar no que Malfoy estava fazendo que precisasse de vigias.
– Passo dois, – disse Twycross, – focalize sua determinação em ocupar o espaço visualizado!
Deixe este seu desejo em entrar no aro partir de sua mente e inundar cada partícula de seu corpo!.
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Capítulo 18 – Surpresas de Aniversário
Harry olhou sorrateiramente ao redor. Um pouco a sua esquerda, Ernesto Macmillan estava
encarando o aro dele tão firme que seu rosto tinha ficado rosa; olhava como se estivesse tentando
botar um ovo do tamanho de uma Goles. Harry engoliu o riso e apressadamente voltou o olhar para
seu próprio aro.
– Passo três, – gritou Twycross, – e somente quando eu der o comando... tenham em vista o
lugar, sentindo seu caminho em direção ao vazio, movendo-se com deliberação. Em meu comando,
agora... um
– Harry olhou ao redor novamente; muitas pessoas pareciam positivamente alarmadas, com o
pedido para aparatar tão depressa. Harry tentou fixar os pensamentos dele novamente no aro; ele já
tinha esquecido o que três Dês representavam.
– TRÊS!
Harry girou naquele mesmo lugar, perdeu o equilíbrio e quase caiu. Ele não foi o único. O
Salão inteiro estava, de repente, cheio de pessoas
cambaleantes; Neville estava caído de costas, Ernesto Macmillan, por outro lado, tinha feito
um tipo de pirueta saltando dentro do seu aro e pareceu momentaneamente emocionado, até que viu
Dino Thomas arfando de tanto rir dele.
– Não se preocupem, não se preocupem, – Twycross declarou secamente, que não parecia
estar esperando qualquer coisa melhor.
– Ajustem seus aros, por favor, e voltem para suas posições originais...
A segunda tentativa não foi melhor que a primeira. A terceira foi tão ruim quanto. Até a quarta
nada de excitante aconteceu. Houve um guincho horrível de dor e todo mundo olhou em volta,
apavorado, para ver Susana Bones da Lufa-Lufa que cambaleava no aro dela com a perna esquerda
ainda a cinco pés de distância do lugar de onde ela tinha começado. Os Chefes das Casas foram até
a ela; houve um grande estrondo e uma nuvem de fumaça roxa apareceu, se dissipando em seguida
para revelar Susan soluçando, com a perna no lugar, mas, horrorizada.
– A Fraturação ou separação aleatória de partes do corpo, – esclareceu Twycross
desapaixonadamente, – acontece quando a mente está insuficientemente determinada. Você tem
que se concentrar continuamente em seu destino, e se mover, sem pressa, mas com deliberação...
assim.
Twycross pisou adiante, graciosamente girando no mesmo lugar com os braços estendidos e
desapareceu em um redemoinho de roupas,reaparecendo na parte de trás do Salão. – Lembrem-se
dos três Dês, – ele disse, – e tentem novamente... um, dois, três...
Mas uma hora depois, a Fraturação de Susan ainda era coisa mais interessante que tinha
acontecido. Twycross não parecia desencorajado. Fechando sua capa no pescoço, ele somente disse,
-Até sábado que vem, e não esqueçam: Destinação. Determinação. Deliberação.
Com isso, ele balançou a varinha, sumindo com os aros e saiu do Salão acompanhado pela
Professora McGonagall. As conversas começaram na hora enquanto as pessoas se dirigiam para o
Saguão de Entrada.
– Como você se saiu? – perguntou Rony se apressando na direção de Harry. – Eu acho que
senti algo da última vez que tentei, um tipo de formigamento em meus pés.
– Suponho que seus sapatos sejam muito pequenos, “Bom-Bom”, – disse uma voz atrás deles,
e Hermione os olhou, enquanto sorria maliciosamente.
– Eu não senti nada, – disse Harry, ignorando a interrupção. – Mas não me importo com isso
agora...
– O que você quer dizer, que não se importa... Você não quer aprender a
Aparatar? – perguntou Rony incrédulo.
– Eu não estou preocupado, realmente. Eu prefiro voar, – disse Harry, enquanto olhava por
cima do ombro para ver onde Malfoy estava, e acelerou quando eles entraram no Saguão de Entrada.
– Olhe, se apresse, vamos, há algo que eu quero fazer....
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Perplexo, Rony seguiu Harry para a torre da Grifinória correndo. Eles foram temporariamente
detidos por Pirraça, que tinha emperrado uma porta no quarto andar fechando-a e se recusando a
deixar qualquer um passar até que ateassem fogo às próprias calças, mas Harry e Rony simplesmente
voltaram e foram por um dos atalhos já conhecidos. Dentro de cinco minutos, eles estavam entrando
pelo buraco do retrato.
– Você vai me contar o que nós estamos fazendo, então? – Perguntou Rony, arquejando
ligeiramente.
– Lá em cima, – Harry respondeu, cruzando a sala comunal e entrando pela porta para a
escadaria dos meninos.
O dormitório deles estava, como Harry esperava, vazio. Ele abriu sua mala e começou a procurar
algo, enquanto Rony assistia impacientemente.
– Harry...
– Malfoy está usando Crabbe e Goyle como vigias. Ele estava discutindo agora mesmo com
Crabbe. Quero saber... aha!
Ele tinha achado, um quadrado dobrado de pergaminho aparentemente em branco que ele
abriu e bateu com a varinha.
– Juro solenemente não fazer nada de bom... ou Malfoy também não fará,
Imediatamente, o Mapa do Maroto apareceu na superfície do pergaminho. Era um mapa
detalhado de todo os andares do castelo e, movendo-se nele, minúsculos, pontos pretos com nomes
que representavam cada dos ocupantes do castelo.
– Me ajude a achar Malfoy, – Harry pediu com pressa. Ele pôs o mapa na cama dele, e ele e
Rony se apoiaram nela, procurando.
-Ali! – disse Rony, depois de um minuto. – Ele está na sala comunal da Sonserina, olhe... com
Parkinson, Zabini, Crabbe e Goyle...
Harry olhou para o mapa, desapontado, mas se recobrou quase que imediatamente.
– Bem, vou manter o olho nele de agora em diante nele, – disse firmemente. – E no momento
que eu o vir espreitando em algum lugar com Crabbe e Goyle vigiando do lado de fora, será com a
Capa da Invisibilidade que vou descobrir o que ele...
Ele se interrompeu quando Neville entrou no dormitório, trazendo com ele um cheiro forte de
material chamuscado, e começou a procurar em sua mala um novo par de calças.
Apesar da determinação de capturar Malfoy, Harry não teve sorte pelas duas semanas seguintes.
Embora ele consultasse o mapa tão freqüentemente quanto podia, às vezes fazendo visitas
desnecessárias ao banheiro entre as aulas para olhar, ele não viu Malfoy em algum lugar suspeito
nenhuma vez. Realmente ele flagrou Crabbe e Goyle andando pelo castelo sozinhos com mais
freqüência do que o habitual, às vezes permanecendo parados em corredores desertos, mas nessas
horas, Malfoy não apenas não estava em nenhuma parte perto deles, mas também impossível de ser
localizado no mapa. Isto era muito misterioso. Harry pensou na possibilidade de Malfoy estar realmente
deixando os terreno da escola, mas não pôde ver como ele poderia estar fazendo isto, devido ao alto
nível de segurança que funcionava agora dentro do castelo. Ele poderia somente supor que estivesse
perdendo Malfoy entre as centenas de minúsculos pontos pretos no mapa. No que diz respeito a
Malfoy, Crabbe e Goyle, eles pareciam estar tomando caminhos diferentes, quando normalmente
eram inseparáveis, estas coisas aconteciam quando as pessoas ficavam mais velhas; Rony e Hermione,
Harry refletiu tristemente, eram prova viva disso.
Fevereiro se tornou março sem mudanças no tempo, a não ser que ficou ventoso, além de
úmido. Para indignação geral, um cartaz apareceu em todos os quadros de aviso das salas comunais,
anunciando que a próxima viagem a Hogsmeade tinha sido cancelada. Rony estava furioso.
– Era no meu aniversário! – ele disse, – eu estava esperando ansiosamente por isso!
– Não é uma surpresa grande, né? – disse Harry. – Não depois do que aconteceu a Katie.
Ela ainda não tinha voltado do St. Mungus. E ainda mais, tinham sido notificados mais
desaparecimentos no Profeta Diário, incluindo vários parentes de estudantes de Hogwarts.
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Capítulo 18 – Surpresas de Aniversário
– Mas agora tudo o que tenho são essas lições de Aparatação estúpidas! – disse Rony emburrado.
– Grande festa de aniversário... .
Três lições depois, Aparatação estava se mostrando tão difícil quanto sempre, apesar de que
mais algumas pessoas tivessem conseguido se Fraturar. A frustração era grande e haviam piadas
sobre Wilkie Twycross e o três Dês que tinham inspirado vários apelidos para ele, os mais educados
deles eram Desodorante Vencido e Desmiolado.
– Feliz aniversário Rony, – disse Harry, quando eles foram acordados no dia primeiro de março
por Simas e Dino saindo ruidosamente para o café da manhã. – Tenho um presente. – Ele jogou um
pacote na cama de Rony onde se juntou a uma pequena pilha deles que deviam, Harry imaginou, ter
sido entregues à noite por elfos domésticos.
– Oba... – Rony disse sonolento, e enquanto arrancava o papel, Harry saiu da cama, abriu a
própria mala e começou a procurar o Mapa do Maroto que ele escondia depois de cada olhada. Ele
tirou metade das coisas da mala antes de encontrá-lo escondido debaixo de suas meias enroladas nas
quais ele ainda estava mantendo a garrafa de sua poção de sorte, Felix Felicis.
– Certo, – ele murmurou, levando o mapa de volta para a cama com ele, batendo e murmurando,
– Eu juro solenemente não fazer nada de bom, – de modo que Neville, que estava passando próximo
a cama dele na hora, não ouvisse.
– Legal, Harry! – Disse Rony entusiasmado, agitando o par novo de luvas de goleiro de quadribol
que Harry tinha lhe dado.
– Sem problemas, – disse Harry distraidamente, enquanto ele procurava o dormitório da
Sonserina para localizar Malfoy. – Ei... eu não acho que ele esteja na cama dele...
Rony não respondeu, ele estava muito ocupado desembrulhando presentes e soltava uma
exclamação de prazer de vez em quando.
– Sério, este é um bom ano! – Ele anunciou, mostrando um relógio de ouro pesado com símbolos
estranhos na borda e estrelas minúsculas se movendo em vez de ponteiros. – Veja o que mamãe e
papai me deram! Uau, quero chegar à maioridade ano que vem também...
– Legal.. – Harry resmungou, dando uma olhada no relógio antes de verificar mais de perto o
mapa. Onde Malfoy estava? Ele não parecia estar à mesa da Sonserina no Salão Principal, tomando
o café da manhã... ele não estava em nenhuma parte perto de Snape que estava sentando na sala
dele... ele não estava em quaisquer dos banheiros ou na ala hospitalar...
– Quer um? – Rony perguntou com voz abafada, oferecendo uma caixa de Caldeirões de
Chocolate.
– Não obrigado, – Harry respondeu, levantando os olhos. – Malfoy sumiu novamente!
– Não pode ser, – disse Rony, enfiando um segundo Caldeirão na boca, deslizando para fora da
cama para se vestir. – Vamos lá. Se você não se apressar terá de aparatar de estômago vazio... Poderia
tornar isto mais fácil, eu suponho...
Rony olhou pensativamente a caixa de Caldeirões de chocolate, então encolheu os ombros e se
serviu de um terceiro.
Harry bateu no mapa com a varinha, murmurando, – Mal-feito feito, – apesar de não ter
conseguido fazer, e foi se vestir pensando. Devia haver uma explicação para os desaparecimentos
periódicos de Malfoy, mas ele não podia simplesmente pensar no que poderia ser. O melhor modo de
descobrir seria o seguindo, mas mesmo com a Capa da Invisibilidade esta não era uma idéia prática;
ele tinha as aulas, treino de quadribol, deveres e Aparatação; ele não podia seguir Malfoy pela escola
toda sem que sua ausência fosse notada.
– Pronto? – ele perguntou para Rony.
Ele estava a meio caminho da porta do dormitório quando ele percebeu que Rony não tinha se
movido, mas estava apoiado em um dos pilares da cama, fitando o lado de fora da janela molhada de
chuva com um estranho olhar desfocado no rosto.
– Rony? O café da manhã.
– Eu estou sem fome.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Harry olhou para ele.
– Eu achei que você tinha acabado de dizer...?
– Bem, tudo certo. Eu vou descer com você, – Rony suspirou, – mas eu não quero comer.
Harry o examinou cheio de suspeitas.
– Você acabou de comer metade de uma caixa de Caldeirões de Chocolate, não foi?
– Não é isso, – Rony suspirou novamente. – Você... você não ia entender.
– Como quiser. – Harry falou, ainda que confuso enquanto se virava para abrir a porta.
– Harry! – disse Rony de repente.
– O que?
– Harry, eu não posso suportar!
– Você não pode suportar o que? – Harry perguntou, agora começando, definitivamente, a se
sentir alarmado. Rony estava bastante pálido e parecia doente.
– Eu não posso deixar de pensar nela! – disse Rony roucamente.
O queixo de Harry caiu. Ele não tinha esperado isto e não tinha certeza se queria ouvir isto.
Eles podiam ser amigos, mas se Rony começasse chamar Lilá de “Balinha”, ele sairia correndo escada
abaixo.
– Por que isso impede você de tomar café da manhã? – Harry perguntou tentando injetar uma
nota de bom senso na conversa.
– Eu não acho que ela saiba que eu existo, – disse Ron com um gesto desesperado. – Ela
definitivamente sabe que você existe, – disse Harry, confuso. – Ela tem ficado com você, não tem?
Rony piscou.
– Sobre quem você está falando?
– Sobre quem você está falando?, Harry perguntou, com uma sensação crescente de que toda
a razão tinha escapado da conversa.
– Romilda Vane, – Rony respondeu suavemente e seu rosto inteiro pareceu se iluminar quando
ele disse isto, como se atingido por um raio da mais pura luz solar. Eles se encararam durante quase
um minuto inteiro, antes que Harry dissesse,
– Isto é uma piada, certo? Você está brincando.
– Eu acho... Harry, eu acho que eu a amo, – disse Rony numa voz estrangulada.
– OK, disse Harry e caminhou até Rony para dar uma olhada nos olhos vidrados e no rosto
pálido, – OK... diga isso novamente olhando para mim.
– Eu a amo, – repetiu Rony sem fôlego. – Você já viu o cabelo dela, todo negro, brilhante e
sedoso... E os olhos dela? Os olhos escuros e grandes dela? E o...
– Isto é realmente engraçado e tudo mais, – disse Harry impacientemente, – mas a piada acabou,
certo? Chega.
Ele virou para sair e tinha dado dois passos para a porta quando um soco o acertou na orelha
direita. Cambaleando, ele olhou em volta. O punho de Rony preparado, o rosto contorcido de raiva;
ele estava a ponto de golpear novamente.
Harry reagiu instintivamente, a varinha estava fora do bolso e o encantamento saiu sem um
pensamento consciente: – Levicorpus!
Rony gritou quando seu calcanhar foi puxado para cima mais uma vez; ele oscilou indefeso de
cabeça para baixo, as vestes penduradas.
– O que foi isso? – Harry berrou.
– Você a insultou, Harry! Você disse que era uma piada! – gritou Rony que estava ficando com
o rosto púrpura lentamente à medida que o sangue descia para a cabeça dele.
– Isso é loucura! – disse Harry. – O que deu...?
E então ele viu a caixa aberta na cama de Rony e a verdade o atingiu com a força de um trasgo
em fuga.
– Onde você conseguiu esses caldeirões de chocolate?
192
Capítulo 18 – Surpresas de Aniversário
– Eles foram um presente de aniversário! – gritou Rony, revirando lentamente no ar enquanto
lutava para se libertar. – Eu lhe ofereci um, não foi?
– Você só os apanhou do chão, não é?
– Eles tinham caído da minha cama, certo? Me solta!
– Eles não caíram da sua cama, seu idiota, você não entende? Eles eram meus, eu os atirei para
fora do meu malão quando eu estava procurando o mapa. Eles são os caldeirões de chocolate que
Romilda me deu antes do Natal e eles estão cheios de poção do amor!
Mas somente uma palavra disto parecia ter sido registrada por Rony.
– Romilda? – ele repetiu. – Você disse Romilda? Harry, você a conhece? Você pode me
apresentar?
Harry encarou o Rony pendurado, cujo rosto agora parecia tremendamente esperançoso e lutou
contra uma forte vontade de rir. Uma parte dele, a parte da orelha direita que ainda pulsava, tinha um
forte desejo de soltar Rony e assisti-lo desvairado até os efeitos da poção passar... mas por outro lado,
eles eram amigos, Rony não tinha sido ele mesmo quando o atacou e Harry pensou que ele mereceria
outro soco se ele permitisse que Rony declarasse amor eterno para Romilda Vane.
– Sim, eu o apresentarei, – disse Harry, pensando rapidamente. – Eu vou te soltar agora, OK?
Ele deixou Rony se chocar contra o chão (a orelha dele ainda doía um bocado), mas Rony
simplesmente saltou novamente de pé e sorriu.
– Ela estará no escritório de Slughorn, – Harry disse confiante, indo na direção da porta.
– Por que ela estará lá? – perguntou Rony ansiosamente, se apressando em alcançá-lo.
– Oh, ela tem lições extras de Poções com ele, – disse Harry inventando rapidamente.
– Talvez eu possa perguntar se eu posso tê-las com ela? – disse Rony avidamente.
– Grande idéia, – disse Harry. Lilá estava esperando ao lado do buraco do retrato, uma
complicação que Harry não tinha previsto.
– Você está atrasado, Bom-Bom! – ela fez beicinho. – Eu tenho um presente pra você..
– Deixe-me sozinho, – Rony interrompeu impaciente, – Harry vai me apresentar à Romilda
Vane.
E sem outra palavra para ela, empurrou o quadro e se foram. Harry tentou fazer uma cara de
desculpas para Lilá, mas simplesmente fez uma cara que pode ter parecido divertida, porque ela
olhava mais ofendida que nunca quando a Mulher Gorda se fechou atrás deles.
Harry estava levemente preocupado pois Slughorn poderia estar tomando café da manhã, mas
ele atendeu a porta de escritório dele à primeira batida, usando um traje aveludado verde e gorro de
dormir combinando, com os olhos embaçados.
– Harry, – ele murmurou. – É muito cedo para uma visita... Eu geralmente durmo até tarde no
sábado...
– Professor, eu realmente sinto muito em lhe perturbar, – disse Harry tão baixo quanto possível,
enquanto Rony estava nas pontas dos pés, tentando ver atrás de Slughorn, dentro do quarto dele, –
mas meu amigo Rony bebeu uma poção de amor por engano. O senhor não poderia lhe fazer um
antídoto? Eu o levaria à Madame Pomfrey, mas nós não podemos ter nada das Gemialidade Weasley,
o senhor entende... perguntas embaraçosas...
– Eu achava que você poderia ter preparado um antídoto, Harry, um preparador de poções
especialista como você? – Slughorn perguntou.
– Er..., – disse Harry, um pouco distraído pelo fato de que Rony estava lhe dando cotoveladas
nas costelas agora em uma tentativa para forçar a entrada dele no quarto, – bem, eu nunca preparei
um antídoto para uma poção de amor, senhor, e até que eu acerte, Rony certamente poderia ter feito
algo sério...
Felizmente, Rony escolheu este momento para gemer, – Eu não posso vê-la. Harry – ele a está
escondendo?
– Esta poção estava no prazo de validade? – Perguntou Slughorn, agora olhando Rony com
interesse profissional. – Elas podem ficar mais fortes, você sabe, quanto mais tempo ficarem guardadas.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Isso explicaria um bocado, – disse Harry, lutando ferozmente com Rony agora para impedir
que ele passasse por cima de Slughorn. – É o aniversário dele, Professor, – ele acrescentou implorando.
– Oh, certo, entre, então, entre..., disse Slughorn cedendo. – Eu tenho o necessário aqui em
minha bolsa, não é um antídoto difícil...
Rony correu pela porta adentro da sala super aquecida e abarrotada de Slughorn, tropeçou
numa banqueta, recuperou o equilíbrio se agarrando ao pescoço de Harry e murmurou, – Ela não viu
isso, né?
– Ela não está aqui ainda!, – disse Harry, assistindo Slughorn abrir o kit de poção dele e ir
adicionando algumas pitadas disto e daquilo numa pequena garrafa de cristal.
– Isso é bom, – disse Rony ardorosamente. – Como eu estou?
– Muito bonito, – disse Slughorn suavemente e deu para Rony um copo de líquido transparente.
– Agora beba, é um tônico para os nervos, manterá você calmo quando ela chegar, você sabe...
– Fantástico, – disse Rony ansioso e ele bebeu o antídoto ruidosamente.
Harry e Slughorn o observaram. Por um momento, Rony sorriu para eles. Então, muito
lentamente, o sorriso dele despencou e desapareceu, para ser substituído por uma expressão de horror
extremo.
– Voltou ao normal, então? – Harry perguntou sorrindo. Slughorn riu. – Muito obrigado Professor.
– Não tem de quê, garoto, não tem de quê, – disse Slughorn, quando Rony desmoronou em
uma poltrona perto com o olhar devastado.
– Um estimulante, é disso que ele precisa! – Slughorn continuou, agora atarefado se apressando
na direção de uma mesa carregada com bebidas. – Eu tenho cerveja amanteigada, tenho vinho, tenho
uma última garrafa de hidromel de carvalho envelhecido... hmm... pretendia dar isso a Dumbledore
no Natal... ah bem... – ele encolheu os ombros ... – Ele não pode sentir falta do que nunca teve! Por
que nós não abrimos isto agora e celebramos o aniversário do Sr. Weasley? Nada como um bom licor
para esquecer as agonias das decepções de amor...
Ele riu novamente e Harry se uniu a ele. Este era o primeiro momento que ele estava praticamente
só com Slughorn desde a desastrosa primeira tentativa de extrair a verdadeira lembrança dele. Talvez,
se ele pudesse manter Slughorn de bom humor... Talvez se eles consumissem bastante do hidromel
de carvalho envelhecido...
– Aqui está, então, – disse Slughorn e deu a Harry e Rony um copo de hidromel para cada,
antes de erguer o próprio. – Bem, um feliz aniversário, Ralph..
– Rony... – sussurrou Harry.
Mas Rony que não aparecia estar escutando ao brinde já tinha jogado o hidromel na boca e o
engolido. Houve um segundo, dificilmente mais que uma batida do coração no qual Harry soube que
havia algo terrivelmente errado e Slughorn não, pelo que parecia
– ... e que você possa ter muitos outros...–
– Rony! – Rony tinha derrubado o copo dele, meio que levantado da poltrona e então se
encolhido, suas extremidades se sacudindo incontrolavelmente. Uma espuma estava pingando da sua
boca e os olhos estavam se arregalando.
– Professor! – Harry berrou. – Faça algo!
Mas Slughorn parecia paralisado pelo choque. Rony se contraiu e sufocou: a pele dele estava
ficando azul.
– O que... mas – gaguejou Slughorn.
Harry pulou sobre uma mesa baixa e correu para o kit de poção aberto de Slughorn, tirando
jarros e bolsas, enquanto o som terrível da respiração gargarejante de Rony enchia o quarto. Então
ele achou – a pedra enrugada parecida com um rim que Slughorn tinha pegado dele na aula de
Poções. Ele se arremessou para o lado de Rony, escancarou a mandíbula dele e empurrou o bezoar
para dentro de sua boca. Rony estremeceu fortemente, respirou com um estertor e o corpo dele ficou
flácido e imóvel.
194
– CAPÍTULO 19 –
Elfos na cola
– Então, no final das contas, não foi um dos melhores aniversários do Rony? – disse Fred.
Era noite, a ala hospitalar estava quieta, as janelas com as cortinas fechadas, as lâmpadas
acesas. A cama de Rony era a única ocupada. Harry, Hermione e Gina estavam sentados em torno
dele; eles passaram todo o dia esperando do lado de fora das portas duplas, tentando olhar para
dentro sempre que alguém entrava ou saía. Madame Pomfrey os deixou entrar apenas às oito. Fred e
Jorge chegaram após dez minutos.
– Não foi bem assim que imaginamos entregar o seu presente – disse Jorge soturnamente,
colocando um grande pacote de presente no criado-mudo de Rony e sentando ao lado de Gina.
– É, quando vimos a cena, ele estava consciente – disse Fred.
– Nós estávamos lá em Hogsmeade, esperando para surpreendê-lo... – disse Jorge.
– Vocês estavam em Hogsmeade? – perguntou Gina, olhando para cima.
– Estávamos pensando em comprar a Zonko’s – disse Fred melancolicamente. – Uma filial em
Hogsmeade, mas de muito nos adianta se vocês forem proibidos de sair nos fins de semana para
comprar nossas coi.... Mas isso não importa agora.
Ele puxou uma cadeira ao lado de Harry e olhou para o rosto pálido de Rony.
– Como isto aconteceu exatamente, Harry?
Harry recontou a história que parecia que ele já havia narrado cem vezes, para Dumbledore,
para McGonagall, para Madame Pomfrey, para Hermione e para Gina.
– ...e então eu enfiei o bezoar na garganta dele e a sua respiração melhorou um pouco, Slughorn
correu para pedir ajuda, McGonagall e Madame Pomfrey surgiram e eles trouxeram Rony aqui para
cima. Eles acham que ele vai ficar bem. Madame Pomfrey diz que ele vai ter que ficar aqui uma
semana, mais ou menos ... para continuar tomando a essência de arruda...
– Caramba, que sorte que você pensou no bezoar – disse Jorge em voz baixa.
– Sorte que tinha um na sala – disse Harry, que continuava gelando só de pensar o que poderia
ter acontecido caso ele não conseguisse botar as mãos na pequena pedra.
Hermione deu um suspiro quase inaudível. Ela passou o dia excepcionalmente quieta. Pálida,
perseguiu Harry para fora da ala hospitalar e exigiu saber o que tinha acontecido, ela quase não
tomou parte na discussão obsessiva de Harry e Gina sobre como Rony tinha sido envenenado, mas
simplesmente ficou parada ao lado deles, de mandíbulas cerradas e olhar assustado, até o momento
em que eles foram autorizados a vê-lo.
– Mamãe e papai estão sabendo? – perguntou Fred para Gina. – Eles já o viram, chegaram uma
hora atrás – eles estão na sala de Dumbledore agora, mas eles voltam logo...
Houve uma pausa enquanto todos observavam Rony resmungar um pouco em seu sono.
– Então o veneno estava na bebida? – disse Fred baixo.
195
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Sim – disse Harry prontamente; ele não podia pensar em nada mais e estava satisfeito pela
oportunidade de começar a discutir isso de novo. – Slughorn encheu ...
– Ele seria capaz de colocar alguma coisa no copo de Rony sem você ver?
– Provavelmente – disse Harry, – Mas por que Slughorn iria querer envenenar Rony?
– Não faço idéia – disse Fred, com olhar carrancudo. – Você não acha que ele poderia ter
trocado os copos por engano? Imaginando envenenar você?
– Por que Slughorn iria querer envenenar Harry? – perguntou Gina. – Não faço idéia – disse
Fred, – mas deve haver muita gente que gostaria de envenenar Harry, não deve? O Escolhido e tal?
– Então você acha que Slughorn é um Comensal da Morte? – disse Gina.
– Qualquer coisa é possível – disse Fred ameaçador. Ele podia estar sob a Maldição Imperius –
disse Jorge.
– Ou ele poderia ser inocente – disse Gina. – O veneno possivelmente estava na garrafa, que
nesse caso provavelmente era para o próprio Slughorn.
– Quem iria querer matar Slughorn?
– Dumbledore crê que Voldemort queria Slughorn do seu lado – disse Harry – Slughorn estava
escondido há um ano antes de vir a Hogwarts. E... – Ele lembrou da memória que Dumbledore não
conseguiu extrair de Slughorn. – E talvez Voldemort o queira fora do caminho, talvez acredite que
ele possa ser valioso para Dumbledore.
Mas você disse que Slughorn tinha planejado dar a garrafa para Dumbledore de Natal – Gina
lembrou – Então o envenenador poderia facilmente estar atrás de Dumbledore.
– Então o envenenador não conhecia bem Slughorn – disse Hermione, falando pela primeira
vez em horas e soando como se estivesse gripada. – Qualquer um que conheça Slughorn saberia que
havia uma boa chance dele ficar com algo tão delicioso para si próprio.
– Er-mi-ne – resmungou Rony inesperadamente entre eles.
Todos caíram em silêncio, prestando atenção nele ansiosamente, mas depois de resmungar
incompreensivelmente por um momento, ele meramente começou a roncar.
As portas do dormitório se abriram de repente, fazendo todos pularem: Hagrid vinha marchando
na direção deles, seu cabelo salpicado de chuva, seu casaco de pele de urso sacudindo atrás dele, um
arco em sua mão, deixando um rastro de pegadas enlameadas do tamanho de golfinhos por todo o
piso.
– Tive na floresta todo o dia – ele ofegou – Aragogue tá pior, eu tive lendo pra ele, num tinha
vindo jantar até agora, aí a Professora Sprout me falou do Rony! Como ele tá?
– Não está mal – disse Harry. – Dizem que vai ficar bem.
– No máximo seis visitantes de cada vez! – disse madame Pomfrey, saindo correndo de sua
sala.
– Mas estamos em seis com o Hagrid – Jorge ressaltou.
– Ah...certo...– disse madame Pomfrey, que parecia estar contando Hagrid como várias pessoas
devido ao seu tamanho imenso. Para disfarçar sua confusão, ela correu para limpar as pegadas de
lama com sua varinha.
– Num acredito nisso – disse Hagrid num tom de voz rouco, sacudindo sua cabeça grande e
desgrenhada enquanto olhava para Rony – Realmente num acredito... olha pra ele, deitado lá... quem
ia querer machucar ele, hein?
– É justamente o que estávamos discutindo – disse Harry – Não sabemos.
– Alguém podia estar com inveja do time de Quadribol da Grifinória, num podia? – disse
Hagrid ansioso – Primeiro Katie, agora Rony...
– Eu não consigo imaginar ninguém tentando exterminar um time de Quadribol, – disse Jorge.
– Wood teria feito isso com a Sonserina, caso ele pudesse se safar – disse Fred com justiça.
– Bom, eu não acho que é Quadribol, mas eu acho que existe uma conexão entre os ataques –
disse Hermione em voz baixa.
– Como você concluiu isso? – perguntou Fred
196
Capítulo 19 – Elfos na cola
– Bom, pra começar, os dois deveriam ter sido ataques fatais e não foram, ainda que por pura
sorte. Por outro lado, nem o veneno nem o colar parecem ter chegado até a pessoa a quem deveriam
matar. É claro – acrescentou considerando – o que faz essa pessoa ainda mais perigosa, num certo
sentido, porque não parece se importar com quantas pessoas terá que liquidar até que atinja sua
vítima.
Antes que qualquer um pudesse responder a esse nefasto pronunciamento, as portas do dormitório
se abriram novamente e o Sr. e a Sra. Weasley correram pela ala. Eles não fizeram nada mais que
assegurar-se que Rony se recuperaria completamente na sua última visita; agora a Sra. Weasley agarrou
Harry e abraçou-o com muita força. – Dumbledore nos contou que você o salvou com o bezoar – ela
gemeu – Oh, Harry, o que podemos dizer? Você salvou a Gina...você salvou o Arthur... agora você
salvou o Rony.
– Não seja... Eu não... – murmurou Harry sem jeito.
– Metade de nossa família parece dever suas vidas a você, se parar para pensar – o Sr. Weasley
disse numa voz abafada. – Bom, tudo que eu posso dizer é que foi um lance de sorte para os Weasleys
quando o Rony decidiu sentar na sua cabine no Expresso de Hogwarts, Harry.
Harry não conseguia pensar em nenhuma resposta para isso e ficou quase feliz quando Madame
Pomfrey relembrou que deveria haver no máximo seis pessoas em torno da cama de Rony; ele e
Hermione levantaram de imediato para sair e Hagrid decidiu ir com eles, deixando Rony com sua
família.
– Isto é terrível – rosnou Hagrid em sua barba, enquanto of três caminhavam pelo corredor em
direção à escadaria de mármore. – Toda essa nova segurança, e os garotos ainda estão sendo feridos...
Dumbledore está terrivelmente preocupado... Ele num diz muito, mas eu posso dizer garantir...
– Ele não tem nenhuma idéia, Hagrid? – perguntou Hermione desesperadamente.
– Eu creio que ele tem centenas de idéias, um cérebro como o dele – disse Hagrid. – Mas ele
num sabe quem mandou o colar ou pôs o veneno naquele vinho, ou ele já tava preso, num tava? O
que me preocupa – disse Hagrid, abaixando seu tom de voz e olhando sobre seus ombros (Harry,
como medida de segurança, procurou no teto por Pirraça) – é por quanto tempo Hogwarts vai ficar
aberta se os garotos estão sendo atacados. Câmara Secreta, tudo de novo, num é? Vai ter pânico, mais
pais tirando seus filhos da escola, e depois aquela coisa, você sabe, o Conselho Diretor...
Hagrid parou de falar quando o fantasma de uma mulher de cabelos longos deslizou serenamente,
depois recomeçou em um suspiro rouco.-...o Conselho Diretor com certeza vai falar em fechar a
escola por segurança.
– Com certeza que não? – disse Hermione, olhando preocupada.
– ‘cê tem que ver do ponto de vista deles – disse Hagrid gravemente – Quer dizer, sempre teve
um pouco de risco mandar um garoto pra Hogwarts, né? ‘Cê espera acidentes, com centenas de
bruxos menores de idade trancados juntos, mas tentativas de assassinato, isto é diferente. Inda mais
agora que Dumbledore tá bravo com o Sn...
Hagrid parou no meio do caminho, uma expressão de culpa familiar na parte visível do seu
rosto, acima da densa barba negra.
– O quê? – disse prontamente Harry – Dumbledore está bravo com o Snape?
– Eu nunca disse isso – disse Hagrid, apesar de que seu olhar de pânico não poderia entregá-lo
mais. – Como tá tarde, é quase meia-noite, eu preciso...
– Hagrid, por que Dumbledore está bravo com o Snape? – perguntou Harry num tom de voz
alto.
– Shhh! – disse Hagrid, parecendo nervoso e bravo. – Num grite coisas desse tipo, Harry, ‘cê
quer que eu perca o emprego? Esquece, acho que ninguém dá a mínima, em especial agora que vocês
desistiram de Trato das Criaturas Ma...
– Não tente me fazer sentir culpado, isto não vai funcionar! – disse Harry firmemente. – O que
Snape fez?
197
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Num sei Harry, eu nem devia ter ouvido nada! Eu, bom, eu tava saindo da floresta outra
noite e ouvi sem querer eles falando, quer dizer discutindo. Num queria atrair a atenção pra mim,
então eu meio que me escondi e tentei num ouvir, mas ,bom, era uma discussão calorosa e foi difícil
me isolar.
– E? – Harry o apressou, enquanto Hagrid arrastava os pés inquieto.
– Bom, eu apenas ouvi Snape falando pro Dumbledore que ele achava demais que era garantido
e talvez ele, Snape, não queria fazer isso mais...
– Fazer o quê?
– Eu não sei, Harry, parecia que o Snape estava se sentindo um pouco sobrecarregado, só isso,
de qualquer maneira, Dumbledore falou para ele se apressar em fazer tudo que tinha combinado.
Muito firme com ele. E ele disse alguma coisa sobre Snape fazer investigações na sua Casa, na
Sonserina. Bom, num tem nada de estranho nisso! – Hagrid acrescentou prontamente, enquanto
Harry e Hermione trocaram olhares interessados. – Todos os Chefes das Casas foram solicitados
para pesquisar em suas casas sobre a história do colar.
– É, mas o Dumbledore não está tendo discussões com o restante deles, está? – disse Harry.
– Olha – Hagrid, embaraçado, torceu o arco em suas mãos; houve um som alto de estilhaços e
ele se quebrou em dois. – Eu sei como você é com o Snape, Harry, e eu não quero que vejam nisso
mais do que realmente existe.
– Cuidado! – disse Hermione bruscamente.
Eles viraram para trás bem na hora em que a sombra de Argus Filch apareceu na parede atrás
deles, antes que o próprio homem virasse no canto da parede, curvado, seu queixo tremendo.
– Aha! – ele gemeu – Fora da cama tão tarde, isto significa detenção!
– Não, não significa, Filch, – disse Hagrid em bate-pronto. – Eles tão comigo, não tão?
– E que diferença isso faz? – perguntou Filch com ar arrogante.
– Eu sou um professor, num sou, seu Aborto xereta! – disse Hagrid, explodindo de uma vez.
Houve um barulho nojento e sibilante enquanto Filch inchava com fúria; Madame Nor-r-ra
tinha chegado, despercebida, e estava se retorcendo sinuosamente em torno dos tornozelos magros
de Filch.
– Vão indo, – disse Hagrid do canto de sua boca.
A Harry, não precisava falar duas vezes; ele e Hermione se apressaram; as vozes altas de
Hagrid e Filch ecoavam atrás deles enquanto corriam. Eles passaram por Pirraça perto de virar para
a torre da Grifinória, mas ele estava disparando feliz na direção da gritaria, gargalhando e declamando:
Quando há briga e problema no ar,
Chame o Pirraça, ele o fará dobrar!
A mulher gorda estava cochilando e não ficou nada feliz de ser despertada, mas se balançou
para frente de má vontade para permiti-los subir ao Salão Comunal, afortunadamente tranqüilo e
vazio. Não parecia que as pessoas já soubessem sobre Rony; Harry estava muito aliviado: ele já tinha
sido bastante interrogado todo o dia. Hermione deu boa noite a ele e subiu para o dormitório feminino.
Harry, no entanto, ficou para trás, sentando-se perto da lareira e olhando as brasas se apagando.
Então, Dumbledore tinha discutido com Snape. A despeito de tudo que havia dito a Harry, a
despeito de sua insistência em que confiava em Snape completamente, ele simplesmente perdeu a
paciência com ele... Ele não achava que Snape havia tentado investigar os Sonserinos o bastante ...
ou, talvez, investigar um único Sonserino: Malfoy?
Seria porque Dumbledore não queria que Harry fizesse nenhuma besteira, então tomou o assunto
em suas mãos e fingiu que não acreditou nas suspeitas de Harry? Parecia verossímil. Talvez pudesse
ser até que Dumbledore não quisesse que nada tirasse a atenção de Harry de suas lições, ou da tarefa
de procurar aquela lembrança de Slughorn. Talvez Dumbledore não achasse correto confiar suas
suspeitas sobre docentes para garotos de 16 anos.
198
Capítulo 19 – Elfos na cola
– Aí está você, Potter!
Harry pulou de pé, chocado, com a varinha em mãos, a postos. Ele estava plenamente convencido
de que o salão comunal estava vazio; não estava preparado para a figura gigantesca que se levantou
de repente de uma cadeira distante. Um olhar mais próximo revelou a ele que se tratava de Cormac
McLaggen.
– Eu estava esperando você voltar – disse McLaggen, ignorando a varinha de Harry em posição
de ataque. – Devo ter caído no sono. Olha, eu os vi levando o Weasley para a ala hospitalar hoje
cedo. Não parece que ele vai estar bem para a partida da próxima semana.
Demorou alguns momentos até que Harry percebesse do que McLaggen estava falando.
– Ah... certo... Quadribol, – disse ele, guardando sua varinha no cinto do jeans e passando a
mão pelo cabelo. – É...é possível que ele não participe.
– Bom, então, eu serei o goleiro, não serei? – McLaggen disse.
– Sim – disse Harry – É, acredito que sim...
Ele não conseguia pensar em um argumento contra isso; afinal, McLaggen tinha certamente
sido o segundo melhor durante a seleção.
– Excelente – disse McLaggen com uma voz satisfeita. – Então, quando é o treino?
– O quê? Ah... Tem um amanhã à noite.
– Ótimo. Escuta, Potter, devíamos ter uma conversa antes. Eu tive algumas idéias para a
estratégia que você talvez ache úteis.
– Certo. – Disse Harry desanimado. – Bom, eu vou ouvi-las amanhã, então. Eu estou muito
cansado agora... até...
A notícia que Rony tinha sido envenenado se espalhou rapidamente no outro dia, mas não
causou a sensação gerada pelo ataque a Katie. As pessoas pareciam pensar que podia ter sido um
acidente, dado que ele estava na sala do professor de poções na hora, e como recebeu o antídoto
imediatamente, nenhum estrago real havia acontecido. Na realidade, os Grifinórios estavam geralmente
muito mais interessados na partida seguinte de Quadribol com a Lufa-Lufa, já que muitos deles
queriam ver Zacharias Smith, que era artilheiro no time da Lufa-lufa, punido sonoramente por seus
comentários durante o jogo de abertura contra a Sonserina.
Harry, de qualquer forma, nunca esteve menos interessado em Quadribol; ele estava ficando
rapidamente obcecado por Draco Malfoy. Continuava olhando o Mapa do Maroto sempre que tinha
uma oportunidade, algumas vezes fazia desvios para ir a qualquer lugar onde Malfoy estava, mas
ainda não o havia detectado fazendo qualquer coisa fora do comum. E ainda havia aqueles momentos
inexplicáveis quando Malfoy simplesmente sumia do mapa...
Mas Harry não tinha muito tempo para considerar o problema, com os treinos de Quadribol, o
dever de casa e o fato que agora ele estava sendo seguido a todos os lugares que fosse por Cormac
McLaggen e Lilá Brown.
Ele não conseguia decidir qual dos dois era mais irritante. McLaggen continuava com o seu
constante fluxo de dicas de que seria um goleiro titular melhor que Rony, e agora que Harry o estava
vendo jogar regularmente ele certamente se aproximaria de sua forma de pensar; ele também era
ávido por criticar os outros jogadores e fornecer a Harry esquemas detalhados de treino, de forma
que Harry foi forçado mais de uma vez a relembrá-lo de quem era o capitão.
Enquanto isso, Lilá continuava tentando acercar-se de Harry para discutir sobre Rony, o que
Harry achava quase tão desgastante quanto as palestras de Quadribol de McLaggen. No princípio,
Lilá tinha ficado muito irritada porque ninguém pensou em contar a ela que Rony estava na ala
hospitalar: – Quer dizer, eu sou sua namorada! – mas infelizmente agora tinha decidido perdoar
Harry por este lapso de memória e estava ávida para ter várias conversas profundas com ele sobre os
sentimentos de Rony, uma experiência extremamente desconfortável da qual Harry gostaria de se
abster.
199
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Olha, por que você não fala com Rony sobre tudo isso? – Harry perguntou, depois de um
longo interrogatório de Lilá a respeito de tudo, desde o que Rony havia dito extamente sobre suas
novas vestes até o que Harry achava que Rony pensava sobre o relacionamento com Lilá ser “sério”.
– Bom, eu falaria, mas ele está sempre dormindo quando eu vou vê-lo – disse Lilá, preocupada.
– Ah, é? – perguntou Harry, surpreso, pois tinha encontrado Rony perfeitamente alerta em
todas as vezes que esteve na ala hospitalar, ambos altamente interessados nas notícias a respeito da
discussão entre Dumbledore e Snape e afiados em falar mal de McLaggen tanto quanto possível.
– Hermione Granger ainda o está visitando? – Lilá questionou de repente.
– É, acho que sim. Bom, eles são amigos, não são? – disse Harry, constrangido.
– Amigos, não me faça rir – disse Lilá com ar de desdém. – Ela não falou mais com ele por
semanas depois que ele começou a sair comigo! Mas eu suponho que ela queira compensar agora que
ele está todo interessante...
– Você chamaria ser envenenado de estar interessante? – perguntou Harry. – De qualquer
maneira, sinto muito, tenho que ir, aí vem McLaggen para uma conversa sobre Quadribol – disse
Harry apressadamente, e ele deslizou de lado através de uma porta que fingia ser uma parede sólida
e correu para o atalho que o levaria para a aula de Poções onde, afortunadamente, nem Lilá nem
McLaggen poderiam segui-lo.
Na manhã da partida de Quadribol contra a Lufa-Lufa, Harry passou na ala hospitalar antes de
se dirigir para o jogo. Rony estava muito agitado; Madame Pomfrey não o deixaria descer para assistir
ao jogo, sentindo que isto o excitaria além da conta.
– Então, como está o preparo físico de McLaggen? – ele perguntou a Harry nervosamente,
aparentemente esquecendo que já havia feito a mesma pergunta duas vezes.
– Já falei para você – disse Harry pacientemente – ele poderia ser um jogador de nível mundial
e eu não iria mantê-lo. Ele fica tentando dizer para todo mundo o que fazer, ele acha que pode jogar
em qualquer posição melhor do que o resto de nós. Eu mal posso esperar para me livrar dele. E
falando de se livrar das pessoas – Harry acrescentou, ficando de pé e pegando sua Firebolt – você vai
parar de fingir que está dormindo quando Lilá vier aqui ver você? Ela está me deixando louco também.
– Oh – disse Rony, parecendo embaraçado. – É, está certo.
– Se você não quiser mais ficar com ela, apenas diga a ela – disse Harry.
– É... bem... não é tão fácil assim, não é? – disse Rony. Ele fez uma pausa.– Hermione vem me
visitar antes da partida? – acrescentou casualmente.
– Não, ela já foi para o campo com a Gina.
– Ah – disse Rony, parecendo meio melancólico – Certo. Bem, boa sorte. Espero que você bata
no McLag ... quer dizer no Smith.
– Vou tentar – disse Harry, empunhando sua vassoura – Vejo você após o jogo.
Ele correu para baixo pelos corredores desertos; a escola inteira estava lá fora, alguns já sentados
no estádio e outros se dirigindo a ele. Ele olhava para fora pelas janelas pelas quais passava, tentando
avaliar quanto vento estariam enfrentando, quando um ruído a sua frente o fez olhar adiante e viu
Malfoy andando em sua direção, acompanhado por duas garotas, ambas parecendo mal-humoradas e
ressentidas.
Malfoy parou de repente ao ver Harry, então deu uma risada curta, sem graça e continuou
andando.
– Onde você está indo? – inquiriu Harry.
– É, eu realmente vou contar para você, porque é da sua conta, Potter – zombou Malfoy. – É
melhor você correr, eles devem estar esperando pelo “Capitão Escolhido”, “o Garoto Que Marcou”,
qualquer coisa de que eles o chamem estes dias.
Uma das garotas deu uma risadinha inesperada. Harry olhou para ela. Ela corou. Malfoy empurrou
Harry para passar e ela e sua amiga o seguiram a passos rápidos, virando a esquina e sumindo de
vista.
200
Capítulo 19 – Elfos na cola
Harry ficou plantado no lugar e observou-os desaparecer. Isto era enfurecedor; ele já estava em
cima da hora para chegar à partida e agora havia Malfoy, saindo furtivamente enquanto o resto da
escola estava ausente: a melhor oportunidade que Harry teria de descobrir o que Malfoy estava
aprontando. Os segundos passaram silenciosos, e Harry se lembrou de onde estava, congelado,
contemplando o lugar onde Malfoy havia desaparecido...
– Onde você esteve? – perguntou Gina, enquanto Harry corria para o vestiário. O time todo já
estava trocado e pronto; Coote e Peakes, os batedores, estavam batendo seus bastões nervosamente
contra suas pernas.
– Encontrei Malfoy – Harry disse a ela baixinho, enquanto enfiava suas vestes escarlate pela
cabeça.
– Então, eu queria saber o que ele estaria fazendo lá em cima no castelo com um par de amigas
enquanto todo mundo está aqui em baixo.
– E isso importa agora?
– Bem, não é provável que eu descubra, é? – disse Harry, apoderando-se de sua Firebolt e
ajeitando os óculos – Vamos lá então!
E sem mais uma palavra, marchou em direção ao campo para enfrentar aplausos e vaias.
Havia um pouco de vento; a nebulosidade variava; em alguns momentos havia clarões
deslumbrantes de luz do sol.
– Condições traiçoeiras! McLaggen disse energicamente para o time – Coote, Peakes, vocês
vão ter que voar para fora do sol, assim eles não vêem vocês vindo.
– Eu sou o capitão, McLaggen, cala a boca, não é para você dar instruções – disse Harry bravo
– Apenas tome conta dos aros!
Uma vez que McLaggen tinha ido embora, Harry se voltou para Coote e Peakes.
– Assegurem-se de voarem fora do sol – disse a eles relutantemente.
Ele apertou as mãos do capitão da Lufa-Lufa, e então, no apito de Madame Hooch, tomou
impulso e voou pelo ar, mais alto do que o restante do time, investigando o campo em busca do
Pomo. Se ele pudesse agarrá-lo logo e bem, poderia haver alguma chance de voltar ao castelo, pegar
o Mapa do Maroto e descobrir o que Malfoy estava fazendo...
– E aí está Smith da Lufa-lufa com a Goles – disse uma voz sonhadora, ecoando pelos campos.
– Ele fez narrou o jogo da última vez, é claro, e Gina Weasley voou em sua direção, eu acho que
provavelmente de propósito, é o que parecia. Smith estava sendo muito rude a respeito da Grifinória.
Eu espero que ele se arrependa, agora que está jogando com eles, ah, veja, ele perdeu a goles, Gina a
tomou dele, eu gosto dela, ela é muito legal...
Harry olhou para o palanque dos comentaristas. Ninguém em sã consciência deixaria Luna
Lovegood narrar uma partida. Mas mesmo da altura onde estava, não havia como errar com aquele
cabelo longo, louro-sujo, ou o colar de tampinhas de cerveja amanteigada... Ao lado de Luna, a
Professora McGonnagall estava parecendo ligeiramente constrangida, como se ela estivesse realmente
reavaliando esta designação.
– ...Mas agora o grande jogador da Lufa-lufa tomou a Goles dela, eu não lembro seu nome, é
alguma coisa parecida com Bibble, não, Buggins.
– É Cadwallader! – disse a professora McGonnagall alto ao lado de Luna. A multidão riu.
Harry olhava ao redor em busca do Pomo; não havia nem sinal dele. Momentos depois, Cadwallader
marcou. McLaggen gritava censuras para Gina por ter perdido a posse da Goles, o que resultou que
ele não percebeu quando a grande bola vermelha passou voando ao lado de sua orelha direita.
– McLaggen, preste atenção no que você tem obrigação de fazer e deixe os outros em paz –
berrou Harry, girando para encarar seu goleiro.
– Você não está dando um grande exemplo! – McLaggen gritou em resposta, vermelho e furioso.
– E Harry Potter agora está tendo uma discussão com seu goleiro – disse Luna serenamente,
enquanto Lufa-Lufas e Sonserinos abaixo na platéia comemoravam e gracejavam. – Não acho que
isto vá ajudá-lo a encontrar o pomo, mas talvez seja um artifício esperto.
201
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Xingando enfurecidamente, Harry girou e saiu em busca do Pomo de novo, examinando o céu
em busca de algum sinal da pequena bola dourada e alada.
Gina e Demelza marcaram um gol cada, dando aos torcedores do time vermelho e dourado
alguma coisa para comemorar. Então Cadwallader marcou de novo, empatando, mas Luna não parecia
ter percebido; ela parecia singularmente desinteressada em coisas mundanas como o placar e tentava
chamar a atenção da multidão para coisas como as nuvens com formatos interessantes e a possibilidade
de que Zacharias Smith, que não tinha até agora tido êxito em manter a posse da Goles por mais de
um minuto, estar sofrendo de algo chamado “Alergia do Perdedor”
– Setenta a quarenta para a Lufa-Lufa, – gritou a professora McGonagall no microfone de
Luna.
– Já está? – disse Luna vagamente – oh, olhe! O goleiro da Grifinória está com um dos bastões
dos batedores.
Harry se virou no ar. Certamente, McLaggen, por razões que só ele conhecia, tomou o bastão
de Peakers e parecia estar demonstrando como rebater o balaço em direção a Cadwallader, que vinha
chegando.
– Entregue de volta o bastão a ele e volte ao gol! – rugiu Harry, indo para cima de McLaggen
enquanto este deu um feroz golpe no Balaço batendo mal na bola. Uma dor cruel, cegante... um
clarão de luz... gritos distantes... e a sensação de queda através de um longo túnel...
E a próxima coisa que Harry percebeu, ele estava deitado numa cama bastante aquecida e
confortável e olhando para uma lâmpada acima espalhando um círculo de luz dourada num teto
sombreado. Ele levantou sua cabeça desajeitadamente. Havia à sua direita alguém de aparência
familiar, sardento e ruivo.
– Simpático de sua parte ter aparecido – disse Rony, sorrindo.
Harry piscou e olhou em volta. É claro: estava na ala hospitalar. O céu lá fora estava índigo
com listras rubras. A partida deve ter acabado horas atrás... assim como qualquer esperança de cercar
Malfoy. A cabeça de Harry parecia estranhamente pesada; ele levantou uma mão e sentiu um rígido
turbante de bandagens.
– O que aconteceu?
– Fratura do crânio – disse Madame Pomfrey, correndo e empurrando-o de volta sobre seus
travesseiros. – Nada com que se preocupar, eu o emendei na hora, mas vou mantê-lo durante esta
noite. Você não deve fazer muito esforço durante algumas horas.
– Eu não quero ficar aqui esta noite – disse Harry bravo, sentando e arrancando os cobertores.
– Eu quero encontrar o McLaggen e matá-lo.
– Receio que isto poderia estar dentro da definição de “muito esforço” – disse Madame Pomfrey,
empurrando-o firmemente para trás na cama e levantando sua varinha de maneira ameaçadora. –
Você vai ficar aqui até eu dispensá-lo, Potter, ou eu vou chamar o diretor.
Ela voltou agitada para seu escritório, e Harry afundou de volta em seus travesseiros, raivoso.
– Você sabe de quanto a gente perdeu? – perguntou a Rony através dos dentes cerrados.
– Bom, eu sei – disse Rony, se desculpando. – O placar final foi trezentos e vinte a sessenta.
– Brilhante – disse Harry ferozmente. – Realmente brilhante! Quando eu pegar o McLaggen...
– Você não quer pegar o McLaggen, ele é do tamanho de um trasgo, – ponderou Rony. –
Pessoalmente, eu acho que há muito a ser dito por azará-lo com aquela coisa da unha do dedo do pé
do Príncipe. De qualquer maneira, o resto do time já vai ter lidado com ele antes de você sair daqui,
eles não estão felizes...
Havia um tom de alegria mal disfarçado na voz de Rony; Harry podia perceber que ele não
estava vibrando pouco por McLaggen realmente ter estragado tudo. Harry ficou deitado, olhando
para a mancha de luz no teto, seu crânio recém remendado não doía exatamente, mas sentindo-o
ligeiramente dolorido debaixo de todas as bandagens.
– Eu pude ouvir a narração daqui – disse Rony, sua voz agora sacudindo com a risada. – Eu
espero que Luna sempre comente daqui em diante ... Alergia do Perdedor...
202
Capítulo 19 – Elfos na cola
Mas Harry ainda estava muito bravo para ver alguma graça na situação, e após algum tempo a
risadinha de Rony parou.
– Gina veio visitá-lo enquanto estava inconsciente – ele disse, após uma longa pausa, e a
imaginação de Harry começou a viajar, rapidamente construindo uma cena na qual Gina, chorando
sobre seu corpo quase sem vida, confessava seus sentimentos de atração profunda por ele enquanto
Rony lhes dava sua benção... – Ela percebeu que você chegou em cima da hora para a partida. Como
foi isso? Você saiu daqui cedo o bastante.
– Oh ... – disse Harry, enquanto a cena implodia na sua mente. – É... bem..., eu vi Malfoy
saindo furtivamente com um par de garotas que não pareciam querer estar com ele, e é a segunda vez
que ele seguramente não estava no campo de Quadribol com o resto da escola; ele fugiu da última
partida também, você lembra? – Harry suspirou. – Eu deveria tê-lo seguido, já que a partida foi
mesmo um fiasco...
– Não seja estúpido – disse Rony rispidamente. – Você não poderia perder uma partida de
Quadribol só pra seguir o Malfoy, você é o Capitão!
– Eu quero saber o que ele está aprontando – disse Harry. – E não me diga que isto é coisa da
minha cabeça, não depois que eu ouvi a conversa entre ele e Snape.
– Eu nunca disse que era coisa da sua cabeça, Harry – disse Rony, levantando-se sobre um
cotovelo e olhando carrancudo para Harry -, mas não há uma regra dizendo que apenas uma pessoa
de cada vez pode estar conspirando neste lugar! Você está um pouco obcecado com Malfoy, Harry.
Quer dizer, pensar em perder uma partida só para segui-lo...
– Eu quero pegá-lo no ato – disse Harry, frustrado. – Quer dizer, para onde ele vai quando
some do mapa?
– Sei lá... Hogsmeade? – sugeriu Rony, bocejando.
– Eu nunca o vi saindo por nenhuma das passagens secretas do mapa. Eu acho que elas estão
sendo vigiadas agora, de qualquer modo.
– Bom, então eu não sei. – disse Rony.
O silêncio caiu entre eles. Harry olhou para o círculo de luz da lâmpada acima dele, pensando...
Se ele tivesse o poder de Rufus Scrimegeour, ele seria capaz de pôr alguém na cola de Malfoy,
mas infelizmente Harry não tinha um escritório cheio de aurores sob seu comando...Ele pensou
rapidamente em armar alguma coisa com alguém da AD, mas havia o problema que as pessoas
poderiam notar seus sumiços das aulas; e a maioria deles, afinal, tinha ainda agendas cheias...
Houve um grave e retumbante ronco vindo da cama de Rony. Num instante Madame Pomfrey
saiu de sua sala, desta vez vestindo um pesado avental. Era fácil fingir estar dormindo; Harry virouse de lado e ouviu as cortinas se fechando enquanto ela sacudia a varinha. As luzes diminuíram e ela
voltou ao seu escritório; ele ouviu o click da porta atrás dela e soube que ela tinha ido para a cama.
Esta era, Harry refletiu na escuridão, a terceira vez em que ele havia sido trazido para a ala
hospitalar por um ferimento no Quadribol. Na última vez ele havia caído de sua vassoura devido à
presença dos dementadores próximos ao campo, e na vez anterior, seus ossos haviam sido totalmente
removidos do braço pelo incuravelmente inepto Professor Lockhart... Aquele tinha sido de longe o
ferimento mais doloroso... ele lembrou-se da agonia do crescimento de uma braçada de ossos em uma
noite, um desconforto não aliviado pela chegada de um visitante inesperado no meio da ...
Harry sentou-se depressa, seu coração batendo forte, o turbante de bandagens pendendo para
um lado. Afinal, ele tinha a solução: havia uma maneira de ter Malfoy sendo seguido – como ele
poderia ter esquecido, por que não havia pensado nisso antes?
Mas a questão era, como chamá-lo? O que se faz? Sorrateiramente, de maneira experimental,
Harry falou na escuridão:
– Monstro?
Houve um estalo muito baixo, e sons de brigas e rangidos encheram o quarto silencioso. Rony
acordou com um grito.
– O que é que está ...
203
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Harry apontou sua varinha imediatamente para a porta da sala de Madame Pomfrey e murmurou:
– Muffliato! – a fim de que ela não viesse correndo. Então ele pulou para os pés da cama para dar uma
olhada melhor no que estava acontecendo.
Dois elfos domésticos estavam rolando no chão no meio do dormitório, um deles vestindo
suéter cor de tijolo encolhido e vários chapéus de lã, o outro, um trapo velho e imundo amarrado em
seus quadris como uma tanga. Então houve outro estrondo alto, e Pirraça, o poltergeist, apareceu no
meio do ar sobre os elfos em luta corporal.
– Eu estava assistindo isto, Pottinho! – ele disse a Harry, indignadamente, apontando para a
briga abaixo, antes de soltar uma alta gargalhada: – Olhe para estas criaturas brigando, morde, morde,
bate, bate...
– Monstro não vai insultar Harry Potter na frente de Dobby, não, ele não vai, ou Dobby vai
calar a boca de Monstro para ele – bradou Dobby em um tom de voz muito agudo.
– Chuta, arranha! – gritou Pirraça contente, agora arremessando pedaços de giz nos elfos para
enraivecê-los ainda mais. – Belisca, prende!
– Monstro vai dizer o que ele gosta no seu mestre, ah sim, e o que o mestre é, amigo imundo
dos Sangues-Ruins, ah, o que a pobre senhora de Monstro iria dizer...
Eles não descobriram o quê exatamente a senhora de Monstro iria dizer, porque neste momento
Dobby afundou seu protuberante punho na boca de Monstro e arrancou metade de seus dentes.
Harry e Rony pularam de suas camas e apartaram os elfos, ainda que eles continuassem tentando
chutar e socar um ao outro, encorajados por Pirraça, que flutuava em torno do lustre gritando: –
Enfie seus dedos no nariz dele, arranque seu couro e puxe suas orelhas...
Harry apontou sua varinha para Pirraça e disse: – Tranca-língua! – Pirraça segurou sua garganta,
sufocado, então flutuou para fora do quarto fazendo gestos obscenos mas incapaz de falar, devido ao
fato de que sua língua havia grudado no céu da boca.
– Boa essa, – disse Rony em aprovação, levantando Dobby no ar de maneira que seus membros
a se debater não mais fizessem contato com Monstro. – Esse é outra azaração do Príncipe, não é?
– É – disse Harry, torcendo o braço enrugado de Monstro em meia chave de braço. – Certo, eu
estou proibindo vocês de lutarem um com o outro! Bom, Monstro, você está proibido de lutar com
Dobby. Dobby, eu sei que não tenho permissão para dar ordens a você...
– Dobby é um elfo doméstico livre e pode obedecer a quem ele quiser e Dobby fará qualquer
coisa que Harry Potter queira que ele faça! – disse Dobby, com lágrimas agora escorrendo por sua
pequena face enrugada até seu suéter.
– Certo então – disse Harry, e ele e Rony soltaram os elfos, que caíram no chão mas não
continuaram a lutar.
– O Mestre me chamou? – grasnou Monstro, mergulhando em uma reverência enquanto lançava
a Harry um olhar de que claramente lhe desejava uma morte dolorosa.
– Sim, eu chamei – disse Harry, dando uma olhada na direção da sala de Madame Pomfrey para
verificar se o feitiço Muffliato ainda estava funcionando; não havia sinal de que ela tinha ouvido algo
do confusão. – Tenho um trabalho para você.
– Monstro vai fazer qualquer coisa que o Mestre quiser – disse Monstro, dobrando-se tão baixo
que seus lábios quase tocaram seus dedos do pé nodosos – porque Monstro não tem outra opção, mas
Monstro está envergonhado de ter este tipo de Mestre, sim...
– Dobby vai fazer, Harry Potter, – bradou Dobby, com seus olhos do tamanho de bolas de tênis
marejados de lágrimas. – Dobby se sentiria honrado em ajudar Harry Potter!
– Pensando nisso, seria bom ter você dois – disse Harry. – Certo, bom... eu quero que vocês
sigam Draco Malfoy.
Ignorando o olhar mesclado de surpresa e exasperação no rosto de Rony, Harry continuou: –
Quero saber onde ele está indo, quem está encontrando e o que está fazendo. Quero que vocês o
sigam o tempo todo.
– Sim, Harry Potter – disse Dobby na hora, seus grandes olhos brilhando de entusiasmo. – E se
Dobby falhar, Dobby vai se jogar da torre mais alta, Harry Potter!
204
Capítulo 19 – Elfos na cola
– Isto não será necessário – disse Harry de pronto.
– O Mestre que eu siga o mais jovem dos Malfoys? – resmungou Monstro. – O Mestre quer que
eu espie o sobrinho-neto puro-sangue de minha antiga senhora?
– Esse mesmo – disse Harry, prevendo um grande perigo e determinado a preveni-lo
imediatamente. – E você está proibido de avisá-lo, Monstro, ou demonstrar a ele o que você está
fazendo, ou falar com ele de qualquer maneira, ou escrever mensagens a ele ou... ou contatá-lo de
qualquer jeito. Entendeu?
Ele pensou que podia ver Monstro se esforçando para achar uma brecha nas instruções que
acabaram de ser dadas e esperou. Após um ou dois minutos, e para grande satisfação de Harry,
Monstro suspirou fundo de novo e disse, com um ressentimento amargo: – O Mestre pensa em tudo,
e Monstro deve obedecê-lo, mesmo quando Monstro preferiria mesmo é ser servo do garoto Malfoy,
ah sim...
– Está combinado, então – disse Harry. – Eu quero relatórios regulares, mas tenham certeza de
que eu não esteja cercado de pessoas quando vocês aparecerem. Rony e Hermione tudo bem. E não
digam a ninguém o que estão o fazendo. Apenas colem no Malfoy como um par de emplastros de
verruga.
205
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPITULO 20 –
O Pedido de Lord Voldemort
Harry e Rony deixaram a ala hospitalar nas primeiras horas da manhã de segunda-feira, a saúde
plena e restabelecida pelos cuidados de Madame Pomfrey e agora capazes de apreciar os benefícios
de ter sido nocauteado e envenenado, respectivamente, o melhor dos quais era Hermione ter retomado
a amizade com Rony. Hermione até os escoltou para o café da manhã, trazendo com ela as notícias
de que Gina tinha discutido com Dino. A criatura sonolenta no tórax de Harry subitamente levantou
a cabeça, aspirando o ar esperançosamente.
– Por que eles discutiram? – ele perguntou, tentando soar casual quando eles viravam no corredor
do sétimo andar, que estava vazio exceto por uma garotinha que examinava a tapeçaria dos trasgos
vestidos de bailarina. Ela pareceu apavorada ao ver os sextanistas se aproximando e derrubou a
pesada balança de latão que estava carregando.
– Está tudo bem! – disse Hermione amavelmente, adiantando-se para ajudá-la. – Aqui...
Ela bateu a sua varinha na balança quebrada e disse – Reparo. – A menina não agradeceu, mas
permaneceu parada no lugar enquanto eles passavam. Rony virou e deu um olhar de relance para ela.
– Eu juro que eles estão ficando menores – ele disse.
– Não ligue pra ela – disse Harry, um pouco impaciente. – O que fez Gina e Dino discutirem,
Hermione?.
– Oh, Dino estava rindo de McLaggen ter acertado você com aquele balaço – disse Hermione.
– Deve ter sido engraçado – disse Rony justificando.
– Não pareceu nada engraçado – disse Hermione severamente – pareceu terrível e se Coote e
Peakes não tivessem pegado Harry, ele poderia ter se machucado seriamente.
– Sim, bem, não havia necessidade para Gina e Dino se separarem por causa disso – disse
Harry, ainda tentando soar casual. – Ou eles ainda estão juntos?
– Estão, mas por que você está tão interessado? – Hermione perguntou, dando a Harry um
olhar aguçado.
– Eu só não quero meu time de Quadribol bagunçado novamente! – ele disse apressadamente,
mas Hermione continuou olhando com suspeita, e ele ficou muito aliviado quando uma voz atrás
dele o chamou, – Harry! – dando-lhe uma desculpa para virar as costas para ela.
– Oh, oi Luna.
– Eu fui até a ala hospitalar procurar você – disse Luna, remexendo em sua bolsa – mas me
disseram que você tinha saído...
Ela empurrou o que pareceu ser uma cebola verde, um grande cogumelo manchado, e uma
quantidade considerável do que parecia areia sanitária de gato nas mãos de Rony. Finalmente retirou
um rolo de pergaminho bastante sujo, que deu para Harry.
206
Capítulo 20 – O Pedido de Lord Voldemort
-... Me disseram para entregar isso pra você.
Era um rolo pequeno de pergaminho, que Harry reconheceu como mais um convite para aula
com Dumbledore.
– Hoje à noite – ele disse a Rony e Hermione, quando o desenrolou.
– Narração legal na última partida! – disse Rony devolvendo a Luna a Cebola verde, o cogumelo,
e areia sanitária de gato. Luna sorriu vagamente.
– Você está caçoando de mim, não é? – ela disse – Todo mundo diz que eu estava terrível.
– Não, estou falando sério! – disse Rony determinadamente – Eu não lembro de ter apreciado
mais uma narração! O que é isto, a propósito? – ele perguntou, segurando a cebola ao nível do olho.
– Oh, é um Gurdyroot – ela disse, colocando a areia e o cogumelo de volta em sua bolsa. –
Você pode ficar com ele se você gostar, eu tenho alguns deles. Eles são realmente excelentes para
afastar Gulping Plimpies.
– Sabe, ela cresceu no meu conceito, a Luna – ele disse, quando eles saíram novamente para o
Salão Principal – Eu sei que ela é insana, mas de um modo bem... – ele parou de falar repentinamente.
Lilá Brown estava ao pé da escadaria de mármore parecendo trovejante – Oi – disse Rony nervoso.
– Vamos – Harry murmurou para Hermione, e eles aceleraram o passo, não antes de ouvirem
Lilá dizer:
– Por que você não me disse que ia sair hoje? E por que ela estava com você?
Rony parecia mal-humorado e aborrecido quando apareceu no café da manhã, meia hora mais
tarde, e embora tenha se sentado com Lilá, Harry não os viu trocando uma palavra sequer durante
todo o tempo que estiveram juntos. Hermione estava agindo como se estivesse totalmente alheia a
tudo isso, mas uma ou duas vezes Harry a viu com um inexplicável sorriso malicioso. Durante todo
aquele dia ela pareceu particularmente bem-humorada, e naquela noite no Salão Comunal ela consentiu
em dar uma olhada (em outras palavras, terminar de escrever) a redação de herbologia de Harry,
coisa que ela tinha se recusado a fazer até então, pois ela sabia que Harry deixaria Rony copiar o seu
trabalho.
– Muito obrigado, Hermione – disse Harry, dando um tapinha leve em suas costas, então
verificou seu relógio e viu que já eram quase oito horas – Escute, preciso me apressar ou chegarei
atrasado para Dumbledore...
Ela não respondeu, somente riscou algumas das frases mais fracas dele com um ar meio
aborrecido. Sorrindo, Harry saiu pelo buraco do retrato apressado e foi para a sala do diretor. A
Gárgula saltou de lado à menção de bombas de caramelo, e Harry subiu a escadaria em espiral, de
dois em dois degraus, batendo a porta exatamente no momento em que o relógio bateu oito horas.
– Entre – chamou Dumbledore, mas quando Harry estendeu uma mão para empurrar a porta,
ela foi aberta violentamente pelo lado de dentro ... Lá estava a professora Trelawney.
– Aha! – ela gritou, apontando dramaticamente para Harry piscando para ele através de seus
óculos de aumento.
– Então esta é a razão de eu ser expulsa sem cerimônia de seu escritório Dumbledore!
– Minha querida Sibila – disse Dumbledore em tom levemente exasperado – não há motivo
para eu expulsá-la sem cerimônia de lugar algum, mas Harry tem um encontro agendado e eu realmente
acho que não há nada mais a dizer.
– Muito bem – disse a Professora Trelawney, com uma voz profundamente ferida – Se você
não vai banir aquele cavalo velho usurpador, que assim seja... – Talvez eu encontre uma escola onde
meus talentos sejam mais apreciados...
Ela empurrou Harry e desapareceu pela escada em espiral abaixo; Eles ouviram-na tropeçar no
meio do caminho, Harry achou que ela deve ter pisado em um de seus xales esvoaçantes.
– Por favor, feche a porta e sente-se, Harry – disse Dumbledore, soando bastante cansado.
Harry obedeceu, observando, ao sentar-se na cadeira habitual na frente da mesa de Dumbledore,
que a Penseira se localizava entre eles mais uma vez, assim como mais duas minúsculas garrafas de
cristal cheias de memórias rodopiantes.
207
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– A professora Trelawney não está feliz por Firenze continuar ensinando, não é? – Harry
perguntou.
– Não – disse Dumbledore – Adivinhação está mostrando muito mais dificuldades do que eu
poderia ter previsto, nunca tendo eu mesmo estudado o assunto. Eu não posso pedir a Firenze para
voltar à floresta, de onde ele foi banido, nem posso pedir para Sibila Trelawney partir. Só entre nós,
ela não tem nenhuma idéia do perigo que correria fora do castelo. Ela não sabe, e eu penso que não
seria sensato esclarecê-la, que ela fez a profecia sobre você e Voldemort.
Dumbledore deu um suspiro profundo, então disse – Mas deixe estar meus problemas com o
corpo docente. Nós temos assuntos muito mais importantes para discutir. Em primeiro lugar, conseguiu
realizar a tarefa que eu determinei ao término de nossa aula anterior?
– Ah – disse Harry, pensando rápido. Com lições de Aparatação, Quadribol, Rony sendo
envenenado e ele rachando a cabeça e a determinação de descobrir o que Draco Malfoy estava
fazendo, Harry quase tinha se esquecido da lembrança que Dumbledore tinha lhe pedido que extraísse
do Professor Slughorn – Bem, eu perguntei para o Professor Slughorn sobre isto ao término da aula
de Poções, senhor, mas, er..., ele não disse nada para mim – houve um certo silêncio.
– Entendo – Dumbledore custou a dizer, investigando Harry por cima dos seus óculos de
meia-lua e dando-lhe a impressão habitual de que estava sendo radiografado – e você sente que
empreendeu seus melhores esforços neste assunto, sente? Que você utilizou toda a sua considerável
engenhosidade? Que você não deixou de sondar nenhuma profundidade de astúcia para recuperar a
memória?
– Bem... – Harry protelou, perdido quanto ao que ia dizer. A única tentativa para conseguir
recuperar a memória, de repente, pareceu embaraçosamente fraca. – Bem. . . no dia que Rony engoliu
a poção do amor por engano, eu o levei ao Professor Slughorn. Eu pensei que talvez se eu conseguisse
pegar o Professor Slughorn com bastante bom humor.
– E deu resultado? – Dumbledore perguntou.
– Bem, não, senhor, porque Rony foi envenenado...
– ...o que, naturalmente, o fez esquecer qualquer tentativa de conseguir a lembrança. Eu não
teria esperado outra coisa, já que seu melhor amigo estava em perigo. Porém, uma vez que ficou claro
que Sr. Weasley iria ter uma recuperação plena, eu teria esperado que você voltasse à tarefa que eu
lhe estabeleci. Pensei que tinha deixado claro para você quão importante é aquela lembrança.
Realmente, eu fiz o melhor para embutir em você que aquela lembrança é a mais crucial de todas e
que estaremos desperdiçando nosso tempo sem ela.
Um sentimento quente e espinhoso de vergonha se espalhou do topo da cabeça de Harry até os
pés. Dumbledore não tinha erguido a voz, ele nem mesmo fez um tom bravo, mas Harry teria preferido
que ele gritasse; esta decepção fria era pior que qualquer coisa.
– Senhor – ele disse, um pouco desesperadamente – não é que eu não esteja preocupado, é que
eu tive outras... outras coisas. . .
– Outras coisas em sua mente – Dumbledore terminou a sentença por ele – Entendo.
O silêncio caiu novamente entre eles, o silêncio mais incômodo que Harry jamais tinha
experimentado com Dumbledore; parecia não ter fim, só pontuados pelos pequenos roncos grunhidos
do retrato de Armando Dippet acima da cabeça de Dumbledore. Harry se sentiu estranhamente
diminuído, como se ele tivesse encolhido um pouco desde que entrara na sala. Ele disse:
– Professor Dumbledore, eu realmente sinto muito. Eu deveria ter feito mais... Eu deveria ter
percebido que o senhor não teria me pedido para fazer isto se não fosse realmente importante.
– Obrigado por dizer isso, Harry – disse Dumbledore baixo – Eu posso esperar, então, que
você dará, de agora em diante, alta prioridade para este assunto? Não haverá muito sentido em nos
encontrarmos depois de hoje à noite a menos que nós tenhamos aquela memória.
– Eu farei isto, senhor, eu a obterei dele – ele disse sério.
– Então, nós não falaremos mais sobre isso agora – disse Dumbledore mais amável – mas
continuaremos com nossa história onde nós paramos. Você se lembra onde foi isso?
208
Capítulo 20 – O Pedido de Lord Voldemort
– Sim, senhor – disse Harry depressa. – Voldemort matou o pai dele e os avós e fez parecer
como se seu tio Morfin tivesse feito isto. Então ele voltou para Hogwarts e perguntou... ele perguntou
para o Professor Slughorn por Horcruxes – ele resmungou envergonhado.
– Muito bem – disse Dumbledore. – Agora, você se lembra, eu espero, do que eu lhe disse no
início destas nossas reuniões que nós estaríamos entrando nos reinos de conjecturas e especulações?
– Sim, senhor.
– Até agora, como espero que você concorde, eu lhe mostrei fontes razoavelmente bem
estabelecidas de fatos para minhas deduções sobre o que Voldemort fez até a idade de dezessete
anos?
Harry concordou com a cabeça.
– Mas agora, Harry – disse Dumbledore – agora as coisas ficam mais obscuras e mais estranhas.
Se era difícil encontrar evidência sobre o garoto Riddle, fica quase impossível achar alguém preparado
para se lembrar sobre o homem Voldemort. Na realidade, eu duvido que haja uma alma viva, além
dele mesmo, que poderia nos dar um relato completo da vida dele desde que deixou Hogwarts.
Porém, eu tenho duas últimas recordações que gostaria de compartilhar com você – Dumbledore
indicou as duas pequenas garrafas de cristal reluzentes ao lado da Penseira. – Eu ficarei feliz, então,
de ter sua opinião sobre se as conclusões que eu tirei delas parecerem prováveis.
A idéia que Dumbledore tinha a opinião de Harry em alta conta, o fez se sentir ainda mais
profundamente envergonhado por ter falhado na tarefa de conseguir a memória do Horcrux, e ele se
mexeu culpado na cadeira quando Dumbledore ergueu a primeira das duas garrafas à luz e a examinou.
– Espero que você não esteja cansado de mergulhar nas recordações de outras pessoas, porque
elas são lembranças curiosas, estas duas – ele disse – esta primeiro veio de uma elfa doméstica muito
velha de nome Hokey. Antes de vermos o que Hokey testemunhou, eu tenho que contar depressa
como Lord Voldemort deixou Hogwarts.
– Ele chegou ao sétimo ano da sua instrução com notas altas em todos exames que tinha
prestado, como se poderia esperar. Ao redor dele, os colegas estavam decidindo quais empregos iriam
procurar uma vez que tivessem deixado Hogwarts. Quase todo o mundo esperava coisas espetaculares
de Tom Riddle, monitor chefe, ganhador do Prêmio por Serviços Especiais Prestados a Escola. Sei
que vários professores, Professor Slughorn entre eles, sugeriram que ele entrasse para o Ministério de
Magia, marcando encontros, colocando-o em contato com pessoas importantes. Ele recusou todas as
ofertas. A próxima coisa que o pessoal soube, foi que Voldemort estava trabalhando na Borgin &
Burkes.
– Na Borgin & Burkes? – Harry repetiu, atordoado.
– Na Borgin & Burkes – Dumbledore repetiu calmamente. – Penso que você verá que atrativos
o seguraram naquele lugar quando nós entrarmos na memória de Hokey. Mas esta não foi a primeira
escolha de Voldemort para trabalho. Quase ninguém soube disto na ocasião – eu era um dos poucos
em quem o diretor confiou – mas Voldemort chegou ao Professor Dippet primeiro e perguntou se ele
poderia permanecer em Hogwarts como professor.
– Ele quis ficar aqui? Por que? – Harry perguntou, mais pasmo ainda.
– Eu acredito que ele teve várias razões, entretanto ele não confiou nenhuma deles ao Professor
Dippet – disse Dumbledore. – Primeiro e mais importante, Voldemort estava, eu acredito, mais
ligado a esta escola do que jamais foi a uma pessoa. Hogwarts era onde ele tinha estado mais contente;
o primeiro e único lugar onde tinha se sentido em casa.
Harry se sentiu ligeiramente incomodado por estas palavras, pois era assim exatamente como
ele também se sentia sobre Hogwarts.
– Segundo, o castelo é um bastião de magia antiga. Indubitavelmente Voldemort tinha descoberto
muito mais sobre seus segredos que a maioria dos estudantes que passaram pelo lugar, mas ele pode
ter sentido que ainda havia mistérios para desvendar, estoques de magia para descobrir.
– E em terceiro lugar, como um professor, ele teria tido grande poder e influência sobre jovens
bruxas e bruxos. Talvez ele tenha tido a idéia com o Professor Slughorn, o professor com o qual ele
209
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
se dava melhor e que tinha demonstrado quão influente o papel de professor pode ser. Não imagino
nem por um momento que Voldemort tenha considerado passar o resto da sua vida em Hogwarts,
mas penso que ele viu a escola como um local de recrutamento útil, um lugar onde ele poderia
começar a construir um exército para si.
– Mas ele não conseguiu o emprego, senhor?
– Não, não conseguiu. O Professor Dippet lhe falou que ele era muito jovem aos dezoito, mas
o convidou a tentar novamente em alguns anos, se ele ainda desejasse ensinar.
– Como se sentiu sobre isso, senhor? – Harry perguntou indeciso.
– Profundamente intranqüilo – disse Dumbledore. – Eu tinha desaconselhado ao Armando a
contratação, não dei as mesmas razões que eu lhe dei, pois o Professor Dippet gostava muito de
Voldemort e estava convencido da sua honestidade. Mas eu não queria Lord Voldemort de volta a
esta escola, e, especialmente, não numa posição de poder.
– Qual posto ele quis, senhor? Que matéria ele quis ensinar?
De alguma maneira, Harry sabia a resposta antes mesmo de Dumbledore falar.
– Defesa Contra as Artes das Trevas. Estava sendo ensinada na ocasião por uma velha professora
de nome Galatea Merrythought que tinha estado em Hogwarts durante quase cinqüenta anos.
– Assim Voldemort foi embora para Borgin & Burkes e todo o corpo docente que o tinha
admirado, disse que isso era um desperdício, um jovem bruxo brilhante como ele, trabalhando numa
loja. Porém, Voldemort não era um mero assistente. Cortês, bonito e inteligente, ele logo passou a
fazer determinadas tarefas particulares do tipo que só existe em lugares como Borgin & Burkes, que
se especializa, como você sabe, Harry, em objetos com propriedades incomuns e poderosas. Voldemort
foi enviado a persuadir as pessoas a colocarem à venda seus tesouros para os sócios, e ele era, em
todos os aspectos, extraordinariamente talentoso nisto.
– Aposto que sim – disse Harry, incapaz se conter.
– Bem, realmente – disse Dumbledore, com um leve sorriso – e agora está na hora de ter
notícias de Hokey, a elfa doméstica que trabalhou para uma bruxa muito velha, muito rica de nome
Hepzibah Smith.
Dumbledore bateu na garrafa com a varinha dele, a rolha voou fora e ele derramou a memória
rodopiante na penseira, dizendo:
– Primeiro você, Harry.
Harry levantou e se curvou sobre o conteúdo prateado ondulante da bacia de pedra mais uma
vez até que a face dele o tocou. Ele caiu pelo escuro e pousou numa sala de estar, em frente a uma
senhora velha imensamente gorda que usava uma elaborada peruca ruiva e um conjunto rosa brilhante
de vestes que flutuavam ao seu redor, dando a ela uma aparência de bolo gelado derretendo. Ela
estava olhando num pequeno espelho enfeitado com jóias e passando ruge de leve sobre as bochechas
já escarlates com uma grande esponja de pó facial, enquanto a elfa doméstica mais minúscula e velha
que Harry alguma vez já vira estava colocando nos pés carnudos os seus chinelos apertados de cetim.
– Se apresse, Hokey! – disse Hepzibah imperiosa. – Ele disse que viria às quatro, é só faltam
alguns minutos e ele nunca chegou atrasado até hoje!
Ela pôs de lado a esponja de pó facial quando a elfa doméstica se endireitou. O topo da cabeça
da elfa mal alcançava o assento da cadeira de Hepzibah e a sua pele fina estava pendurada no corpo,
do mesmo modo que o lençol amassado que ela vestia preso como uma toga.
– Como estou? – disse Hepzibah, virando a cabeça para admirar os vários ângulos do rosto no
espelho.
– Graciosa, senhora – chiou Hokey.
Harry só poderia assumir que estava no contrato de Hokey que ela tinha que mentir entredentes
quando lhe fizessem essa pergunta, porque Hepzibah Smith não estava graciosa nem de longe na
opinião dele.
A campainha da porta tocou e senhora e a elfa saltaram.
210
Capítulo 20 – O Pedido de Lord Voldemort
– Rápido, rápido, ele está aqui, Hokey! – choramingou Hepzibah e a elfa correu para fora do
quarto, que estava tão cheio de objetos que era difícil ver como qualquer pessoa poderia andar por
ele sem derrubar pelo menos uma dúzia de coisas: havia armários cheios de pequenas caixas
envernizadas, estojos cheios de livros com relevos em ouro, estantes de orbes e globos celestiais e
muitos vasos de plantas em cachepots de latão. Na realidade, o quarto parecia um cruzamento entre
uma loja de antiguidades mágica e um solário.
A elfa doméstica retornou dentro de alguns minutos, seguida por um homem jovem e alto, que
Harry não teve nenhuma dificuldade em reconhecer como Voldemort. Ele estava vestido de modo
simples, com um terno preto; seu cabelo estava um pouco mais longo do que tinha estado na escola
e suas bochechas mais encovadas, mas isso tudo lhe caía bem: ele estava mais bonito do que nunca.
O modo que ele andou pelo quarto mostrava que o tinha visitado muitas vezes antes e se inclinou
sobre a mãozinha gorducha de Hepzibah, tocando-a com os lábios.
– Trouxe flores para a senhora – ele disse baixo, produzindo um ramalhete de rosas do nada.
– Você é um menino travesso, não devia! – guinchou a velha Hepzibah, embora Harry tenha
notado que ela tinha um vaso vazio pronto na pequena mesa mais próxima. – Você estraga esta velha
senhora, Tom... Sente-se, sente-se... Onde Hokey está? Ah...
A elfa doméstica tinha voltado enérgica ao quarto trazendo uma bandeja com vários bolos que
ela colocou próxima ao cotovelo de sua senhora.
– Sirva-se, Tom – disse Hepzibah – eu sei como você ama meus bolos. Agora, como está você?
Parece pálido. Eles o exploram naquela loja, eu disse isso uma centena de vezes ...
Voldemort sorriu mecanicamente e Hepzibah deu um sorriso afetado.
– Bem, qual é sua desculpa para me visitar desta vez? – ela perguntou, batendo os cílios.
– O Sr. Burke gostaria de fazer uma oferta melhor para a armadura feita por elfos – disse
Voldemort. – Quinhentos Galeões, ele sente que é uma oferta mais que j...
– Ora, ora, não tão rápido, ou eu pensarei que você está aqui só por causa das minhas
quinquilharias! – Hepzibah fez beicinho.
– Mandam-me aqui por causa delas – disse Voldemort baixo. – Eu sou só um pobre assistente,
senhora, que tem que fazer o que lhe mandam. O Sr. Burke deseja que eu indague...
– Oh, Sr. Burke, pff! – disse Hepzibah, balançando a mãozinha. – Eu tenho algo a lhe mostrar
que nunca mostrei ao Sr. Burke! Você pode manter segredo, Tom? Você promete que não contará
para o Sr. Burke que eu tenho isto? Ele nunca me deixaria descansar se ele soubesse que eu mostrei
isto a você, e eu não estou vendendo, não para Burke, nem para ninguém! Mas você, Tom, você
apreciará isto pela sua história, e não pelos galeões que você pode conseguir por ele.
– Eu ficaria alegre em ver qualquer coisa que a Senhorita Hepzibah mostrar para mim – disse
Voldemort baixinho e Hepzibah deu outra risadinha de garota.
– Eu mando Hokey buscar para mim. . . Hokey onde você está? Eu quero mostrar para o sr.
Riddle nosso melhor tesouro. ... Na realidade, traga ambos, já que está fazendo isso. ...
– Aqui, senhora – chiou a elfa doméstica e Harry viu duas caixas de couro, uma em cima da
outra, movendo-se pelo quarto como se tivesse vontade própria, embora soubesse que a elfa minúscula
os estava segurando acima da sua cabeça, passando entre mesas, pufes e apoios para pé.
– Agora – disse Hepzibah, pegando as caixas da elfa, colocando-as no colo e preparando-se
para abrir a de cima – eu penso que você gostará disto, Tom ... Oh, se minha família soubesse que eu
estou lhe mostrando isto ... Eles não podem esperar para colocarem as mãos nisto!
Ela abriu a tampa. Harry se esticou para ter uma visão melhor e viu o que parecia uma taça
dourada pequena com duas asas finamente forjadas.
– Eu me pergunto se você sabe o que é isso, Tom? Apanhe, dê uma boa olhada! – Hepzibah
sussurrou e Voldemort esticou uma mão longa e fina e ergueu a taça através de uma asa para fora de
suas capas sedosas. Harry pensou ter visto um vislumbre vermelho nos olhos escuros dele. A expressão
gananciosa dele se refletiu curiosamente na face de Hepzibah, mas os olhos minúsculos dela estavam
fixos nos belos traços de Voldemort.
211
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Um texugo – Voldemort murmurou, examinando a gravação na taça. Então isto era. . . ?
– De Helga Hufflepuff , como você muito bem sabe, você é um menino inteligente! – disse
Hepzibah, se inclinando para frente com um ranger alto das roupas e beliscando a bochecha oca dele.
– Eu não lhe falei que era uma descendente distante? Isto foi passado na família durante anos e anos.
Graciosa, não é? E supõe-se que também possui todos os tipos de poderes, mas não os testei
completamente, eu só a mantenho sã e salva bem aqui. . .
Ela retirou a taça do longo dedo indicador de Voldemort e guardou suavemente na sua caixa,
muito preocupada em colocá-la de volta em seu lugar para notar a sombra que cruzou a face de
Voldemort quando a taça foi tomada.
– Agora então – disse Hepzibah feliz – onde Hokey está? Oh sim, lá está você – guarde o
objeto agora, Hokey.
A elfa levou a taça em sua caixa obedientemente e Hepzibah voltou a sua atenção para a outra
caixa mais aplainada em seu colo.
– Penso que você gostará muito mais deste, Tom – ela sussurrou. – Incline-se um pouco,
querido menino, assim você pode ver... Claro que Burke sabe que eu tenho este aqui, eu o comprei
dele, e tenho certeza que ele adoraria voltar a tê-lo quando eu tiver partido...
Ela deslizou o gancho de filigrana para trás e abriu a caixa. Lá, sobre o veludo carmesim liso,
havia um medalhão dourado pesado.
Voldemort retirou o medalhão, sem esperar o convite, e segurou-o contra a luz, fitando-o.
– A marca de Slytherin – ele disse baixo, quando a luz refletiu num S serpentino ornado.
– Correto! – disse Hepzibah, aparentemente encantada, à vista de Voldemort que contemplava
paralisado o seu medalhão. – Eu tive que pagar os olhos da cara por isto, mas eu não pude deixar
passar, não um real tesouro assim, tinha que ter isto na minha coleção. Burke comprou isto,
aparentemente, de uma mulher pobre, devia ter roubado isto, mas não tinha nenhuma idéia de seu
verdadeiro valor...
Não havia nenhum equívoco desta vez: os olhos de Voldemort brilharam escarlate às palavras,
e o Harry viu as juntas dele embranquecerem na corrente do medalhão.
– ...eu soube que Burke lhe pagou uma ninharia, mas você ... bonito, não é? E novamente,
atribuíram a isto todos os tipos de poderes, embora, eu só o mantenha são e salvo...
Ela pegou de volta o medalhão. Por um momento, Harry pensou que Voldemort não ia deixála fazer isso, então já tinha deslizado pelos dedos dele e voltado para sua almofada aveludada vermelha.
– Então, é isso, Tom, querido, e espero que você tenha desfrutado disso!
Ela o olhou em cheio no rosto, e pela primeira vez Harry viu o sorriso tolo dela hesitar.
– Você está bem, querido?
– Oh, sim – disse Voldemort baixo. – Sim, eu estou muito bem...
– Eu pensei – foi um truque da luz, eu suponho – disse Hepzibah, olhando nervosa, e Harry
adivinhou que ela também tinha visto o vislumbre vermelho momentâneo nos olhos de Voldemort –
Aqui, Hokey, leve embora estes e os tranque novamente... Os encantos habituais...
– Hora de partir, Harry – disse Dumbledore baixo e quando a elfa doméstica subiu e desceu,
pegando as caixas, Dumbledore agarrou Harry uma vez mais pelo cotovelo e juntos, eles se levantaram
e voltaram para o escritório de Dumbledore.
– Hepzibah Smith morreu dois dias depois daquela pequena cena – disse Dumbledore, enquanto
retomava seu assento e indicava que Harry deveria fazer o mesmo – Hokey, a elfa da casa, foi
condenada pelo Ministério por envenenar o chocolate de sua senhora acidentalmente.
– Sem chance! – disse Harry furiosamente.
– Vejo que nós temos a mesma opinião – disse Dumbledore. – Certamente, são muitas as
semelhanças entre esta morte e as dos Riddle. Em ambos os casos, alguém mais levou a culpa,
alguém que teve uma lembrança clara de ter causado a morte.
– Hokey confessou?
212
Capítulo 20 – O Pedido de Lord Voldemort
– Ela se lembrou de pôr algo no chocolate da senhora que no final não era açúcar, mas um
veneno letal e pouco conhecido – disse Dumbledore. – Foi concluído que ela não tinha intenção de
fazer isso, mas sendo velha e confusa...
– Voldemort modificou a memória dela, assim como fez com Morfin!
– Sim, essa também é minha conclusão – disse Dumbledore. – E, da mesma maneira que com
Morfin, o Ministério estava predisposto a suspeitar de Hokey...
– ...porque ela era um elfo domestico – disse Harry. Ele raramente tinha se sentido mais em
sintonia com a sociedade que Hermione tinha lançado, a F.A.L.E.
– Precisamente – disse Dumbledore – ela era velha, ela admitiu ter mexido na bebida, e ninguém
do Ministério se preocupou em investigar mais. Como no caso de Morfin, até que eu a localizasse e
conseguisse extrair esta memória, a vida dela já estava quase terminada, mas a sua lembrança, claro,
não prova nada a não ser que Voldemort sabia da existência da taça e do medalhão.
– Na época que Hokey foi condenada, foi que a família de Hepzibah percebeu que estavam
faltando dois dos seus maiores tesouros. Levou tempo para perceberem, porque ela tinha muitos
esconderijos, tendo sempre vigiado sua coleção com ciúmes. Mas antes de estarem absolutamente
seguros de que a taça e o medalhão haviam sido levados, o assistente que tinha trabalhado para
Borgin & Burkes, o homem jovem que tinha visitado Hepzibah tão regularmente e a tinha encantado
tão bem, tinha renunciado ao seu posto e desaparecido. Seus superiores não tinham nenhuma idéia
de onde ele tinha ido; eles estavam tão surpresos quanto qualquer um com seu desaparecimento. E
essa foi a última coisa que se viu ou ouviu falar de Tom Riddle durante muito tempo.
– Agora – disse Dumbledore – se você não se importar, Harry, quero fazer mais uma pausa para
chamar sua atenção para certos pontos de nossa história. Voldemort tinha cometido outro assassinato;
se era o primeiro desde que ele matou os Riddle, não sei, mas acho que era. Agora, como você deve
ter visto, ele não matou por vingança, mas para ganho. Ele quis os dois troféus fabulosos que a tola
senhora mostrou para ele. Da mesma maneira que ele havia roubado as outras crianças no orfanato,
da mesma maneira que ele tinha roubado o anel de seu tio Morfin, assim ele escapou com a taça e o
medalhão de Hepzibah.
– Mas... – Harry disse,franzindo a testa – parece coisa de doido ... arriscando tudo, jogando fora
o emprego, só por esses...
– Doido para você, talvez , mas não para Voldemort – disse Dumbledore. – Espero que, no
momento devido, você entenda exatamente o que esses objetos significaram para ele, Harry, mas
você que tem que admitir que não é difícil imaginar que ele viu o medalhão, pelo menos, como
legitimamente seu.
– O medalhão talvez – disse Harry – mas por que levar a taça também?
– Tinha pertencido a outro dos fundadores de Hogwarts – disse Dumbledore. – Acho que ele
ainda sentia um grande apego à escola e não podia resistir a um objeto tão embebido da história de
Hogwarts. Havia outras razões, acho... Espero poder as mostrar a você no tempo certo.
– E agora vamos para a última lembrança que eu tenho que lhe mostrar, pelo menos até que
você consiga a do Professor Slughorn para nós. Dez anos separam a memória de Hokey e esta aqui,
dez anos durante os quais nós só podemos imaginar o que Lord Voldemort esteve fazendo...
Harry juntou mais uma vez seus pés, quando Dumbledore esvaziou a última lembrança na
Penseira.
– De quem é essa memória? – ele perguntou.
– Minha – disse Dumbledore.
E Harry mergulhou depois de Dumbledore pela matéria prateada inconstante, e pousou na
mesma sala, de onde há pouco tinha partido. Fawkes dormia feliz no poleiro, e lá, atrás da escrivaninha,
estava Dumbledore, bem parecido ao Dumbledore de pé ao lado de Harry, no entanto, as mãos
estavam inteiras e não danificadas e o seu rosto era, talvez, um pouco menos enrugado. A diferença
entre a sala atual e esta aqui era que estava nevando no passado; flocos azulados estavam vagueando
além da janela na escuridão, e acumulando-se no lado de fora em sua borda.
213
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
O Dumbledore mais jovem parecia estar esperando por algo e, com certeza, momentos depois
da chegada deles, houve uma batida na porta e ele disse – Entre.
Harry deixou escapar um suspiro apressadamente abafado. Voldemort tinha entrado na sala.
Suas feições não eram as que Harry tinha visto emergir do grande caldeirão de pedra quase dois anos
atrás. Elas não eram tão parecidas com cobra, os olhos não eram escarlates, a face não parecia uma
máscara, no entanto, já não era mais o bonito Tom Riddle. Era como se as suas feições tivessem sido
queimadas e borradas; eram esquisitamente torcidas e como cera, e os brancos dos olhos tinham
agora, uma aparência permanentemente sangrenta, entretanto, as pupilas não eram ainda as fendas
do que Harry sabia que elas se tornariam. Ele estava usando uma capa preta longa, e seu rosto era tão
pálido quanto a neve que brilhava em seus ombros.
O Dumbledore que estava atrás da escrivaninha não mostrou nenhum sinal de surpresa.
Evidentemente, esta visita tinha sido agendada.
– Boa noite, Tom – disse Dumbledore docilmente – Você não quer se sentar?
– Obrigado – disse Voldemort, e ele tomou o assento para o qual Dumbledore tinha gesticulado
– o mesmo assento, pelo visto, que Harry há pouco tinha desocupado no presente. – Ouvi que você
tinha se tornado o diretor – ele disse, a voz dele era ligeiramente mais alta, fria – Uma escolha
merecida.
– Eu estou feliz que você aprove – disse Dumbledore, enquanto sorria – posso lhe oferecer
uma bebida?
– Seria ótimo – disse Voldemort – eu vim de longe.
Dumbledore se levantou e dirigiu-se para a estante onde mantinha a penseira agora, mas que
então estava cheia de garrafas. Tendo dado para Voldemort uma taça de vinho e servido uma para si,
voltou à cadeira atrás da escrivaninha.
– Então, Tom... a que devo o prazer?
Voldemort não respondeu imediatamente, mas somente tomou um gole do seu vinho.
– Não me chamam mais de Tom – ele disse – Agora, sou conhecido como...
– Eu sei como você é conhecido – disse Dumbledore, enquanto sorria, agradavelmente – mas
para mim, me desculpe, você sempre será Tom Riddle. É um das coisas irritantes de professores
velhos. Receio que eles não esqueçam totalmente do início juvenil de seus tutelados.
Ele ergueu o copo brindando com Voldemort cuja face permaneceu inexpressiva. Não obstante,
Harry sentia a atmosfera da sala sutilmente mudando: a recusa de Dumbledore em usar o nome
escolhido de Voldemort era uma recusa em permitir que Voldemort ditasse as condições da reunião,
e Harry podia contar que Voldemort a entendeu assim.
– Estou surpreso por você ainda ter permanecido aqui por tanto tempo – disse Voldemort,
depois de uma pausa curta – Sempre me perguntei por que um bruxo como você nunca desejou
deixar a escola.
– Bem – disse Dumbledore, enquanto ainda sorria – para um bruxo como eu, não pode haver
nada mais importante que passar adiante habilidades antigas, ajudando a afiar as mentes jovens. Se
me lembro corretamente, você também já se sentiu atraído para o ensino uma vez.
– E ainda me sinto – disse Voldemort.– Eu somente quis saber por que você – que recebe
freqüentemente pedidos de conselhos para o Ministério, e a quem por duas vezes, eu acho, já foi
oferecido o posto de Ministro...
– Três vezes à última conta, de fato – disse Dumbledore – Mas o Ministério nunca me atraiu
como uma carreira. Novamente, algo que nós temos em comum, eu penso.
Voldemort inclinou a cabeça, sério, e tomou outro gole de vinho. Dumbledore não rompeu o
silêncio que se estendia entre eles, mas esperou, com um olhar de expectativa agradável, que Voldemort
falasse primeiro.
– Retornei – ele disse, depois de um tempinho – talvez mais tarde do que Professor Dippet
esperava... mas voltei, não obstante, para pedir o que ele me disse uma vez que eu era muito jovem
para ter. Eu vim a você pedir que me permita voltar a este castelo para ensinar. Eu acho que você
214
Capítulo 20 – O Pedido de Lord Voldemort
sabe que tenho visto e feito muito desde que eu deixei este lugar. Eu poderia mostrar e contar coisas
a seus estudantes que eles não terão de qualquer outro bruxo.
Dumbledore olhou Voldemort durante algum tempo por cima do topo da própria taça antes de
falar.
– Sim, eu certamente sei que você viu e fez muito desde que nos deixou – ele disse baixo –
Rumores de suas ações chegaram à sua velha escola, Tom. Eu lamentaria acreditar na metade deles.
A expressão de Voldemort permaneceu impassível quando ele disse: – Grandeza inspira inveja,
inveja engendra despeito, despeito gera mentiras. Você deve saber disto, Dumbledore.
– Você chama de “grandeza”, o que você tem feito? – Dumbledore perguntou delicadamente.
– Certamente – disse Voldemort, e os olhos dele pareciam arder, vermelhos. – Eu tenho
experimentado; ampliado os limites da magia, talvez, mais do que nunca foram ampliados...
– De alguns tipos de magia – Dumbledore o corrigiu mansamente. – De alguns. De outros,
você permanece... me perdoe... completamente ignorante.
Pela primeira vez, Voldemort sorriu. Era um esgar, uma coisa má, mais ameaçadora que um
olhar de raiva.
– A velha discussão – ele disse suavemente. – Mas nada que eu vi no mundo apoiou seus
famosos pronunciamentos de que o amor é mais poderoso que meu tipo de magia, Dumbledore.
– Talvez você tenha procurado nos lugares errados – sugeriu Dumbledore.
– Bem, então, que lugar melhor para começar minhas novas pesquisas que aqui, em Hogwarts?
– disse Voldemort – Você me deixará voltar? Compartilhar meu conhecimento com seus estudantes?
Eu coloco meus talentos à sua disposição. Eu estou sob suas ordens.
Dumbledore levantou suas sobrancelhas.
– E o que se tornarão aqueles a quem você comanda? O que acontecerá a esses que se
autodenominam, ou assim dizem os boatos, os Comensais da Morte?
Harry podia jurar que Voldemort não esperava que Dumbledore soubesse este nome; ele viu os
olhos de Voldemort flamejarem vermelhos novamente assim como suas narinas, semelhantes a fendas.
– Meus amigos – ele disse, depois de um momento de pausa – continuarão sem mim, seguramente.
– Eu fico feliz em ouvir que você os considera como amigos – disse Dumbledore.. – Eu tinha
a impressão que eles eram pra você mais como servos.
– Você está enganado – disse Voldemort.
– Então, se eu fosse esta noite ao Cabeça de Javali, eu não acharia um grupo deles, Nott,
Rosier, Mulciber, Dolohov, esperando seu retorno? Amigos devotados realmente, para viajar esta
distancia com você em uma noite nevada, somente para lhe desejar sorte em sua tentativa de conseguir
um posto de professor.
Não poderia haver nenhuma dúvida de que o conhecimento detalhado de Dumbledore acerca
de seus companheiros de viagem era ainda menos bem acolhido por Voldemort; no entanto, ele se
recompôs quase que imediatamente.
– Você é onisciente como sempre, Dumbledore.
– Oh, não, apenas amigo dos taberneiros locais – disse Dumbledore ligeiramente. – Agora,
Tom...
Dumbledore baixou seu copo vazio e ajeitou-se na sua cadeira, as pontas dos dedos juntas em
um gesto muito característico.
– ...falemos abertamente. Por que você veio aqui esta noite, cercado por asseclas, pedir um
posto que nós dois sabemos que você não quer?
Voldemort olhou friamente surpreso.
– Um trabalho que eu não quero? Pelo contrário, Dumbledore, eu quero muito.
– Oh, você quer voltar a Hogwarts, mas você não quer ensinar mais do que quis quando tinha
dezoito anos. Você está atrás de que, Tom? Por que não tenta um pedido às claras, uma vez que seja?
Voldemort zombou.
– Se você não quer me dar um emprego ...
215
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Claro que não quero – disse Dumbledore. – E eu não acho que por algum momento você
esperou outra coisa. Não obstante, você veio aqui, você pediu, você deve ter tido um propósito.
Voldemort levantou. Ele parecia menos com Tom Riddle que nunca, transformado pela raiva.
– Esta é sua palavra final?
– É – disse Dumbledore, também de pé.
– Então nós não temos nada mais dizer a um ao outro.
– Não, nada – disse Dumbledore, e uma grande tristeza tomou o seu rosto. – Já vai longe o
tempo em que eu podia assustar você com um armário em chamas e forçá-lo a pagar pelos seus
crimes. Mas eu gostaria de poder, Tom... Eu gostaria de poder...
Durante um segundo, Harry estava à beira de gritar uma advertência insensata: Ele estava
seguro de que a mão de Voldemort tinha se contraído na direção do bolso e da varinha; entretanto o
momento tinha passado, Voldemort tinha se virado, a porta estava fechando, e ele tinha ido.
Harry sentiu a mão de Dumbledore se fechar novamente em seu braço e momentos depois,
eles estavam juntos, quase no mesmo lugar, mas não havia nenhuma neve na borda de janela, e a mão
de Dumbledore estava enegrecida e com aspecto necrosado, mais uma vez.
– Por que? – disse Harry imediatamente, enquanto observava a face de Dumbledore – Por que
ele voltou? O senhor chegou a descobrir?
– Eu tenho idéias – disse Dumbledore – mas não mais que isso.
– Que idéias, senhor?
– Eu, Harry, lhe contarei quando você conseguir aquela memória do Professor Slughorn – disse
Dumbledore. – Quando você tiver essa última peça do quebra-cabeça, tudo vai, espero, ser esclarecido...
para nós dois.
Harry ainda estava ardendo de curiosidade e embora Dumbledore tivesse caminhado para a
porta e a segurasse aberta para Harry, ele não se moveu imediatamente.
– Ele queria como antes Defesa Contra as Artes das Trevas, senhor? Ele não disse ...
– Oh, ele definitivamente queria Defesa Contra as Artes das Trevas – disse Dumbledore. – O
que se seguiu à nossa pequena reunião provou isso. Veja, nós nunca conseguimos manter um professor
por um período mais longo que um ano, desde que eu recusei o pedido de Lord Voldemort.
216
– CAPÍTULO 21 –
A Sala Inatingível
Harry arruinou seu cérebro durante toda a semana seguinte em como convencer Slughorn em
entregar a lembrança verdadeira, mas nenhuma idéia brilhante lhe ocorreu e ele ficou restrito a fazer
algo que cada vez repetia mais: folhear seu livro de poções, esperando que o Príncipe tivesse rabiscado
algo útil em uma margem, como já havia feito muitas vezes antes.
– Você não achará nada aí – afirmou Hermione no domingo tarde da noite.
– Não comece, Hermione – disse Harry. – Se não fosse pelo Príncipe, Rony não estaria sentado
conosco agora.
– Ele estaria se você tivesse ouvido o que Snape disse no nosso primeiro ano – disse Hermione
encerrando.
Harry a ignorou. Acabara de encontrar um feitiço “Sectumsempra!” rabiscado em uma margem
sobre as palavras intrigantes “para inimigos”, e estava louco para experimentá-lo, mas pensando
bem, não na frente da Hermione. Ao invés disso, dobrou discretamente o canto da página. Eles
estavam sentados ao lado da lareira na sala comunal; os únicos outros estudantes ainda acordados
eram colegas do sexto ano. Tinha havido uma certa excitação mais cedo quando voltaram do jantar e
encontraram no quadro de avisos a data do Teste de Aparatação. Aqueles que tivessem ou
completassem 17 anos até o primeiro dia de teste em 21 de abril, tinham a opção de se inscreverem
para aulas práticas adicionais, que seriam (altamente supervisionadas) em Hogsmeade.
Rony entrou em pânico ao ler isto, ele ainda não conseguira aparatar e tinha medo de não estar
pronto para o teste. Hermione, que já tinha conseguido aparatar duas vezes, estava um pouco mais
confiante, mas Harry, que só faria dezessete depois de mais quatro meses, não poderia fazer o teste,
estando pronto ou não.
– Ao menos você é capaz de aparatar – disse Rony tenso. – Você não terá problemas em Julho!
– Só consegui uma vez – Harry lembrou. Ele finalmente conseguira desaparecer e se rematerializar
dentro de seu círculo durante a última lição.
Tendo perdido bastante tempo se preocupando em voz alta sobre Aparatação, Rony estava
agora se esforçando para terminar uma redação extremamente difícil para Snape que Harry e Hermione
já haviam acabado. Harry tinha certeza que receberia nota baixa na sua redação por discordar de
Snape quanto à melhor maneira de bloquear dementadores, mas não se importava: a lembrança de
Slughorn era a coisa mais importante para ele no momento.
– Estou te dizendo, este Príncipe estúpido não vai te ajudar com isto Harry! – disse Hermione
ainda mais alto. – Só existe um jeito de forçar alguém a fazer o que você quer e é a maldição Império,
que é proibida...
– Sim, eu sei, obrigado! – Disse Harry sem levantar os olhos do livro. – É por isso que estou
procurando algo diferente. Dumbledore disse que Veritasserum não ajudaria, mas deve ter alguma
outra coisa, uma magia ou poção...
217
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Você está no caminho errado, – disse Hermione. – Dumbledore disse que só você pode
recuperar a lembrança. Isto significa que você tem meios para convencer Slughorn que outras pessoas
não têm. Não é questão de lhe dar uma poção, qualquer um poderia fazer isso.
– Como se soletra “beligerante”? – Perguntou Rony chacoalhando sua pena enquanto olhava
seu pergaminho – Não pode ser B,I,M...
– Não é ,– disse Hermione, pegando a redação de Rony. – E “augúrio” não começa com O,U
também. Que tipo de pena você está usando?
– Uma daquelas Corrige-Ortografia de Fred e Jorge, mas acho que a magia deve estar acabando.
– Sim, deve ser isso – disse Hermione, apontando para o título – porque deveríamos falar de
enfrentar Dementadores e não Emendadores e não lembro que você tenha mudado seu nome para
Donald Visgo.
– Ah, não! – exclamou Rony olhando horrorizado para o pergaminho. – Não me diga que tenho
que reescrever isso tudo de novo!
– Tudo bem, a gente pode consertar – disse Hermione, puxando o pergaminho para si e pegando
sua varinha.
– Eu te amo, Hermione – disse Rony, afundando em sua cadeira esfregando os olhos cansados.
Hermione corou, mas apenas disse – Não deixe Lilá escutá-lo dizendo isso.
– Não deixarei – comentou Rony para as próprias mãos. – Ou talvez eu deixe, assim ela me
larga.
– Por que você não larga ela, se quer terminar com isso? – Harry perguntou.
– Você nunca deu um fora em ninguém, né Harry? disse Rony. – Você e Cho apenas...
– Meio que nos separamos, é – disse Harry.
– Queria que isso acontecesse comigo e Lilá – disse Rony tristonho, olhando Hermione que
silenciosamente tocava cada uma das palavras erradas com a ponta de sua varinha, de modo que elas
se consertavam sozinhas no pergaminho. – Mas quanto mais eu insinuo que quero terminar, mais
firme ela me agarra. É como lutar contra a Lula Gigante.
– Pronto – disse Hermione, depois de uns vinte minutos, devolvendo a redação para Rony.
– Muitíssimo obrigado – agradeceu Rony. – Pode me emprestar sua pena para eu fazer a
conclusão? – Harry, que não havia encontrado nada útil nas anotações do Príncipe Mestiço até aquele
momento, olhou ao redor e viu que os três eram os únicos acordados na Sala Comunal, Simas acabara
de sair amaldiçoando Snape e a redação. Os únicos sons eram o crepitar das chamas na lareira e Rony
escrevendo o último parágrafo sobre dementadores usando a pena de Hermione. Harry acabara de
fechar o livro do Príncipe Mestiço, bocejando, quando...
CRACK!
Hermione deu um gritinho, Rony derramou tinta em todo o recém acabado pergaminho e
Harry exclamou: – Monstro!
O elfo doméstico fez uma reverência e se dirigiu aos próprios torcidos dedos do pés – O mestre
solicitou relatórios regulares sobre o que o garoto Malfoy anda fazendo e é isso que Monstro veio...
CRACK!
Dobby apareceu ao lado de Monstro, com seu chapéu de coador de chá torto. – Dobby estava
ajudando também, Harry Potter! – ele resmungou, com um olhar ressentido para Monstro. – E Monstro
deveria dizer a Dobby quando ele iria ver Harry Potter e assim nós faríamos o relatório juntos!
– O que é isso? – Perguntou Hermione olhando ainda assustada pelas aparições repentinas. –
O que está acontecendo Harry?
– Harry hesitou antes de responder, porque não tinha avisado Hermione que mandara Monstro
e Dobby seguirem Malfoy, os elfos domésticos eram assunto delicado para ela.
– Bem... Eles estão seguindo Malfoy para mim, – disse enfim.
– Dia e noite, – coachou Monstro.
– Dobby não dorme há uma semana, Harry Potter! – afirmou Dobby orgulhoso, balançando
onde estava. Hermione parecia indignada.
218
Capítulo 21 – A sala inatingível
– Você não dormiu, Dobby? Mas certamente, Harry, você não mandou ele não...
– Não, claro que não! – disse Harry rapidamente. – Dobby, você pode dormir, certo? Mas
algum de vocês descobriu algo? – Ele se apressou em perguntar antes que Hermione interrompesse
de novo.
– Mestre Malfoy se move com a nobreza existente em seu puro sangue – guinchou Monstro. –
Suas feições lembram a delicadeza da constituição de minha senhora e os seus modos são aqueles
de...
– Draco Malfoy é um garoto mau, – respondeu Dobby com raiva. – Um mau garoto que...que...
– Ele estremeceu da ponta do seu chapéu de coador de chá até a ponta das meias e então correu para
lareira, como se fosse pular dentro dela. Harry, para quem isso não era completamente inesperado,
pegou-o pelo meio e o segurou bem. Por alguns segundos Dobby estremeceu e depois ficou quieto.
– Obrigado, Harry Potter – ele agradeceu sem fôlego. – Dobby continua achando difícil falar
mal de seus antigos mestres. – Harry soltou-o e Dobby ajeitou seu coador de chá e disse em desafio
a Monstro. – Mas Monstro deveria saber que Draco Malfoy não é um bom mestre para um elfo
doméstico!
– Sim e nós não precisamos ouvir você dizer que ama Malfoy – Harry disse para Monstro. –
Vamos passar direto para os lugares aonde ele tem ido.
Monstro fez nova reverência, parecendo furioso, e então disse: – Mestre Malfoy come no Salão
Principal, dorme no dormitório das masmorras e assiste a aulas em vários ...
– Dobby, você me diz, disse Harry, cortando Monstro. – Ele tem ido a algum lugar aonde não
deveria?
– Harry Potter, meu senhor – Dobby guinchou, com seus grandes olhos brilhando à luz da
lareira -, O garoto Malfoy não está quebrando nenhuma regra que Dobby possa saber, mas ele é
mestre em evitar ser descoberto. Ele vem visitando regularmente o sétimo andar com vários outros
alunos, que ficam vigiando enquanto ele entra...
– A Sala Precisa! – Harry exclamou, batendo com força na testa o Preparo de Poções – Nível
Avançado. Hermione e Rony olharam para ele. – É para lá que ele vem escapulindo! É ali que está
fazendo.... seja lá o que esteja fazendo. E aposto que é por isso que ele desaparece do mapa... Pensando
nisso, eu nunca vi a Sala Precisa no mapa!!!
– Talvez os marotos não soubessem que a sala estava lá – disse Rony.
– Acho que pode ser parte da mágica da sala – Hermione sugeriu. – Se você quer ela fique
oculta, ela será.
– Dobby, você conseguiu entrar e ver o que Malfoy anda fazendo? – perguntou Harry ansioso.
– Não, Harry Potter, isto é impossível, disse Dobby.
– Não é não – replicou Harry de imediato. – Malfoy entrou em nosso quartel general ano
passado, então eu poderei entrar e espiá-lo sem problemas.
– Mas eu acho que você não vai conseguir, Harry – Hermione disse devagar. – Malfoy já sabia
exatamente como estávamos usando a sala, porque a estúpida da Marieta nos dedurou. Ele precisava
que a sala se tornasse o QG da AD, então foi o que aconteceu. Mas você não sabe em que a sala se
transforma quando Malfoy está lá, então você não sabe o que pedir para que a sala se transforme.
– Deve existir um jeito – disse Harry finalizando. – Você foi brilhante, Dobby.
– Monstro também foi – disse Hermione gentilmente, mas longe de parecer grato, Monstro
desviou seus grandes olhos avermelhados e grasnou para o teto:
– A sangue ruim está falando com Monstro, Monstro vai fingir que não a escuta.
– Some daqui – Harry gritou para Monstro que fez uma última reverência e desaparatou. – É
melhor você ir também e dormir um pouco, Dobby.
– Obrigado, Harry Potter, meu senhor! – Dobby agradeceu alegre, desaparecendo também.
– Não é ótimo?, Harry perguntou entusiasmado, virando-se para Rony e Hermione, logo que os
elfos deixaram a sala. – Sabemos onde Malfoy está indo! Agora o encurralamos!
– É... é ótimo, – disse Rony triste, tentando enxugar um borrão de tinta do que era sua redação
recém terminada. Hermione a puxou para si e começou a remover a tinta com sua varinha.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Mas, por que ele está indo lá com “vários outros alunos”? – Hermione perguntou. – Quantas
pessoas estão envolvidas? Ninguém imaginaria que ele deixaria vários colegas saberem o que ele
anda fazendo...
– É, isto é esquisito– disse Harry franzindo o cenho. – Eu ouvi ele dizendo a Crabbe que o que
ele estava fazendo não era da conta dele...então o que ele anda dizendo a todos estes ... estes ... –
Harry foi emudecendo, enquanto encarava o fogo. – Cara, como sou estúpido, – disse em voz baixa.
– É óbvio, não é mesmo? Tinha um grande caldeirão daquilo nas masmorras...ele poderia ter pego um
pouco em qualquer momento durante aquela aula....
– Pego o quê? – Rony perguntou.
– Poção Polissuco. Ele roubou um pouco da Poção Polissuco que Slughorn nos mostrou na
primeira aula de Poções. Não existe aquela quantidade de alunos montando guarda para Malfoy. São
somente Crabbe e Goyle como sempre. Sim, tudo se encaixa – disse Harry ficando de pé e andando
de um lado para o outro em frente à lareira. – Eles são estúpidos o bastante para fazerem o que
Malfoy diz sem que ele diga o que está fazendo, mas também não quer que eles sejam vistos
perambulando perto da Sala Precisa, então ele deu Poção Polissuco para eles se parecerem com
outras pessoas. Aquelas duas garotas que vi com ele quando ele faltou o Quadribol... ha! Crabbe e
Goyle!
– Você quer dizer que, disse Hermione com voz apagada, – Que aquela garotinha para quem
eu consertei a balança ...
– Sim, claro! – disse Harry mais alto, olhando para ela. – É claro! Malfoy devia estar dentro da
sala naquela hora, então ela... o que estou dizendo?... ele derrubou a balança para avisar a Malfoy
para não sair, porque tinha alguém ali! E a outra garota que derrubou as ovas de sapo também.
Estávamos passando por ele o tempo todo e não sabíamos!
– Então ele transformou Crabbe e Goyle em meninas? – Rony gargalhava.– Caramba!.. não
admira eles não estarem contentes aqueles dias. Estou surpreso que eles não tenham mandado Malfoy
se catar.
– Bem, eles não o fariam se Malfoy tivesse mostrado sua Marca Negra, não é? – disse Harry.
– Bem... a Marca Negra que não sabemos se existe – disse Hermione cética, enrolando a
redação seca de Rony antes que pudesse sofrer mais algum dano e entregando-a a ele.
– Nós veremos – disse Harry confiante.
– Sim, veremos – confirmou Hermione ficando de pé e se esticando. – Mas Harry, antes de
você ficar todo ouriçado, eu ainda não acho que você conseguirá entrar na Sala Precisa sem saber o
que tem lá primeiro. E acredito que você não deve esquecer... – ela jogou a mochila sobre um ombro
e lhe endereçou um olhar muito sério – ...que aquilo em que você deveria estar se concentrando é em
como reaver a lembrança de Slughorn. Boa noite.
Harry olhou ela sair , sentindo-se um tanto desconfortável. Após a porta do dormitório feminino
fechar atrás dela ele virou-se para Rony.
– O que você acha?
– Que eu queria desaparatar como um elfo doméstico – disse Rony, olhando o local onde
Dobby desaparecera. – Eu estaria com o Teste de Aparatação no papo.
Harry não dormiu bem aquela noite. Ficou acordado pelo que pareceram horas, imaginando
como Malfoy estava usando a Sala Precisa e o que ele, Harry, veria quando fosse lá no dia seguinte,
pois apesar do que Hermione dissera, Harry tinha certeza que se Malfoy fora capaz de ver o QG da
AD, então ele seria capaz de ver a... de Malfoy. O que poderia ser? Uma sala de reuniões? Um quarto
de despejo? uma oficina? A mente de Harry trabalhava febrilmente e seus sonhos, quando finalmente
conseguiu dormir, eram fragmentados e perturbados por imagens de Malfoy, se transformando em
Slughorn, que se transformava em Snape...
Harry estava num estado de grande expectativa durante o café da manhã do dia seguinte; ele
tinha um horário livre antes de Defesa Contra as Artes das Trevas, e estava determinado a usá-lo
tentando entrar na Sala Precisa. Hermione tentava ostensivamente não mostrar o menor interesse
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Capítulo 21 – A sala inatingível
pelos planos sussurrados para forçar a entrada na sala, o que irritou Harry, porque ele pensou que ela
seria de grande ajuda se ela quisesse.
– Olhe – ele disse em voz baixa, se inclinando para a frente e colocando uma mão sobre o
Profeta Diário, o qual ela acabara de retirar de uma coruja, para impedi-la de abri-lo e se esconder
atrás dele. – Eu não me esqueci de Slughorn, mas não tenho a menor idéia de como arrancar a
lembrança dele e até aparecer uma idéia brilhante, por que eu não tentaria descobrir o que Malfoy
anda fazendo?
– Já lhe disse que você tem que persuadir Slughorn, disse Hermione. – Não é questão de
enganá-lo ou enfeitiçá-lo, ou Dumbledore teria feito isso num segundo. Ao invés de ficar à toa,
rondando do lado de fora da Sala Precisa – ela puxou o Profeta das mãos de Harry e o abriu para dar
uma olhada na primeira página, – ...você deveria ir procurar Slughorn e começar a apelar à sua boa
índole.
– Alguém que conhecemos...? – perguntou Rony, enquanto Hermione olhava as manchetes.
– Sim! – Hermione respondeu, – fazendo Harry e Rony engasgarem com o café da manhã. –
Mas tudo bem, ele não morreu. É Mundungo, que foi preso e enviado para Azkaban! Algo a ver com
imitar um Inferius durante uma tentativa de roubo e alguém chamado Octavius Pepper desapareceu.
E, oh, que horrível, um garoto de nove anos foi preso tentando matar seus avós. Eles acham que
estava sob a influência da maldição Império.
Eles acabaram seu café da manhã em silêncio. Hermione levantou rapidamente para ir para a
aula de Runas Antigas; Rony foi para o salão comunal, onde ainda tinha que terminar a conclusão da
redação sobre dementadores do Snape, e Harry foi para o corredor do sétimo andar e para o trecho de
parede oposto à tapeçaria de Barnabás o Amalucado ensinando balé para os trasgos.
Harry colocou sua capa da invisibilidade assim que achou uma passagem vazia, mas não
precisava ter se preocupado. Quando chegou ao local, ele estava deserto. Harry não tinha certeza se
suas chances de conseguir entrar na sala eram melhores com Malfoy dentro ou fora da sala, mas pelo
menos sua primeira tentativa não seria dificultada pela presença de Crabbe ou Goyle fingindo ser
uma menina de onze anos.
Ele fechou seus olhos assim que se aproximou do local em que a porta da Sala Precisa estava
escondida. Ele sabia o que tinha que fazer, ele se tornara perito nisso no último ano. Concentrou-se
com toda a força e pensou, “Eu preciso ver o que Malfoy está fazendo aqui dentro... Eu preciso ver
o que Malfoy está fazendo aqui dentro... Eu preciso ver o que Malfoy está fazendo aqui dentro...”
Por três vezes ele passou pela porta, então com o coração aos pulos de emoção, ele abriu os
olhos e olhou para o local da porta, mas ele continuava a ver uma parede prosaicamente vazia. Ele
avançou e experimentou dar um empurrão. A rocha permaneceu sólida e imóvel.
– Ok, Harry disse alto. – Ok...eu pensei a coisa errada... – Ele pensou por um momento e
começou novamente, olhos fechados, concentrando-se o mais forte possível... “Eu quero ver o local
onde Malfoy está indo secretamente...Eu quero ver o local onde Malfoy está indo secretamente...Eu
quero ver o local onde Malfoy está indo secretamente...” Após três passagens, ele abriu os olhos
esperançosamente.
Não havia nenhuma porta.
– Ah, qual é – ele reclamou para a parede irritado. – As instruções foram bem claras. Está bom,
então. – Ele pensou forte por vários minutos antes de tentar de novo. “Eu preciso que você se torne
o local que se torna para Draco Malfoy...”
Ele não abriu os olhos de imediato, quando terminou suas voltas ao redor, estava de ouvidos
atentos, como se fosse escutar um barulho da porta revelando sua existência. No entanto, exceto
pelo chilrear distante dos pássaros do lado de fora, ele não ouviu nada. Abriu os olhos.
Ainda não havia nenhuma porta.
Harry praguejou. Alguém gritou. Ele olhou ao redor e viu uma turma de primeiranistas correndo
contornando o canto, aparentemente com a impressão de ter encontrado um fantasma especialmente
desbocado.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Harry tentou todas as variações de “Eu preciso ver o que Draco Malfoy está fazendo aí dentro”
que ele pôde pensar durante toda uma hora, ao fim da qual ele teve que dar o braço a torcer para
Hermione e reconhecer que ela tinha razão: a sala simplesmente não quis abrir para ele. Frustrado e
chateado, ele desceu para a aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, retirando sua Capa da
Invisibilidade e guardando-a em sua mochila, enquanto caminhava.
– Atrasado de novo, Potter, – Snape disse friamente, assim que Harry correu para a sala de aula
iluminada por velas. – Menos dez pontos para Grifinória. – Harry fechou a cara para Snape enquanto
se jogava no assento ao lado de Rony. Metade da classe ainda estava de pé, retirando seus livros e
organizando seu material. Ele não estava mais atrasado do que ninguém.
– Antes de começarmos, quero as redações sobre dementadores, – disse Snape, movendo sua
varinha descuidadamente, de modo que vinte e cinco pergaminhos flutuaram pelo ar e foram parar
em uma pilha perfeita na sua mesa. – E espero que para o bem de vocês que estejam melhor que o
lixo que tive que aturar sobre resistir à Maldição Império. Agora se abrirem o livro na página... o que
deseja senhor Finnigan?
– Senhor – começou Simas -, estava pensando em como se diferencia um Inferius de um fantasma?
Porque havia algo escrito nos jornais sobre um Inferius...
– Não, não havia, – disse Snape entediado.
– Mas, senhor, eu ouvi pessoas comentando...
– Se você realmente leu o artigo em questão, Sr. Finnigan, você saberia que o assim-chamado
Inferius era nada além de um ladrãozinho fedorento com o nome de Mundungo Fletcher.
– Eu pensei que Snape e Mundungo estavam do mesmo lado – cochichou Harry para Rony e
Hermione. – Ele não deveria ficar chateado pelo Mundungo ter sido preso...?
– Mas parece que Potter tem muito a dizer sobre o assunto,– disse Snape apontando
repentinamente para o fundo da sala com seus olhos negros fixados em Harry. – Vamos perguntar a
Potter se ele pode nos dizer a diferença entre um Inferius e um fantasma.
Toda a classe virou-se para Harry, que rapidamente tentou lembrar o que Dumbledore havia
dito aquela noite que visitaram Slughorn.
– Er... bem... fantasmas são transparentes, – ele declarou.
– Ah, muito bem, – interrompeu Snape, com seus lábios crispando. – Sim, é fácil perceber que
os quase seis anos de ensino mágico não foram desperdiçados por você Potter...”Fantasmas são
transparentes” .
Pansy Parkinson soltou um risinho agudo. Outros alunos sorriram sarcasticamente. Harry
respirou fundo e continuou calmamente, embora por dentro estivesse fervendo. – Sim, fantasmas são
transparentes, mas Inferi são corpos mortos, não são? Então eles são sólidos..
– Uma criança de cinco anos poderia nos ter dito isso, – desdenhou Snape. – O Inferius é um
cadáver que foi reanimado pela magia de um bruxo das trevas. Não está vivo, ele é meramente usado
como uma marionete para cumprir as ordens do bruxo. Um fantasma, e eu tenho certeza que vocês já
sabem, é apenas a impressão de uma alma que se foi deixada na terra, e é claro, como Potter tão
sabiamente nos informou, transparente.
– Bem, o que Harry disse é o mais útil, se quisermos diferenciar os dois! – disse Rony. – Se
estivermos frente a frente com um num beco escuro, só precisamos olhar para ver se é sólido, não é?
Não vamos perguntar “Desculpe, você é o reflexo de uma alma que se foi?”.
Houve o início de uma gargalhada, logo interrompida pelo olhar que Snape dirigiu à classe.
– Outros dez pontos a menos para Grifinória – disse Snape. – Eu não deveria esperar nada
mais sofisticado de você, Ronald Weasley, o garoto tão sólido que não consegue aparatar um centímetro
que seja dentro da mesma sala.
– Não! – sussurrou Hermione, segurando o braço de Harry quando ele abriu a boca furioso. –
Não faz sentido, você somente iria pegar outra detenção. Deixe pra lá!
– Agora abram os livros na página duzentos e treze – Snape disse com um pequeno sorriso
sarcástico – e leiam os primeiros dois parágrafos sobre a maldição Cruciatus.
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Capítulo 21 – A sala inatingível
Rony ficou cabisbaixo o restante da aula. Quando a sineta tocou ao final da classe, Lilá alcançou
Rony e Harry (Hermione desapareceu misteriosamente quando a viu se aproximar) e ofendeu Snape
vigorosamente pelo comentário sobre a aparatação de Rony, mas isto pareceu apenas irritar Rony
ainda mais e ele se livrou dela fazendo um desvio para o banheiro masculino com Harry.
– Mas o Snape está certo, não é? Rony falou, após ficar olhando para o espelho rachado por um
minuto ou dois. – Não sei se vale à pena fazer o teste. Eu simplesmente não consigo pegar o jeito da
aparatação.
– Você deve fazer as aulas práticas extras em Hogsmeade e ver se elas te ajudam – Harry disse,
sendo razoável. – De qualquer maneira, vai ser mais interessante que tentar aparatar dentro de um
aro estúpido. Então, se você não estiver... você sabe... tão bom quanto gostaria, você pode adiar o
teste e fazer comigo durante o ve... Murta! Este é o banheiro dos garotos!
O fantasma de uma garota subiu pela privada em um reservado atrás deles e estava agora
flutuando a meia altura, olhando-os através de seus óculos redondos, grossos e brancos.
– Ah, são você dois – ela disse triste.
– Quem você esperava? – Rony perguntou, olhando-a no espelho.
– Ninguém – a Murta respondeu, coçando de má vontade seu queixo. – Ele disse que voltaria
para me ver, mas você também disse que viria me visitar – ela endereçou um olhar reprovador a
Harry. – E eu não o vi há meses e meses. Aprendi a não esperar muito dos garotos.
– Eu achava que você morava naquele banheiro feminino. – disse Harry que havia tido o
cuidado de evitar o lugar por algum tempo.
– Eu moro – ela respondeu com um dar de ombros amuado -, mas isso não significa que eu não
possa visitar outros lugares. Eu até já vi você tomar banho uma vez, lembra?
– Nitidamente – Harry respondeu.
– Mas eu pensava que ele gostava de mim – ela se lamentou. – Talvez se vocês dois saíssem,
ele voltasse. Nós temos tanto em comum, tenho certeza que ele sentiu isso.
E ela olhou esperançosa para a porta. – Quando você disse que vocês tem tanto em comum –
disse Rony, parecendo divertido – Você queria dizer que ele vive em um sifão também?
– Não – a Murta respondeu desafiante, sua voz ecoando alto pelos ladrilhos do antigo banheiro.
– Eu quis dizer que ele é sensível, que as pessoas o maltratam também e ele se sente solitário e não
tem ninguém com quem conversar, sendo que ele não tem medo de mostrar seus sentimentos e
chorar!
– Então um garoto vem aqui chorar? – perguntou Harry curioso. – Um menininho?
– Esquece! – disse Murta, com seus pequenos olhos lacrimejantes fixos em Rony que agora
estava definitivamente sorrindo. – Eu prometi que não iria dizer a ninguém e irei levar seu segredo
para...
– Não para o túmulo, com certeza? Rony afirmou com desdém. – Para os esgotos, talvez. –
Murta deu um urro de raiva e mergulhou de volta na privada, fazendo a água pular e molhar os lados
e o piso. Irritar Murta pareceu dar um novo ânimo a Rony.
– Você está certo! – disse enquanto colocava a mochila nos ombros. Eu terei as aulas práticas
em Hogsmeade antes de decidir se faço o teste.
E assim, no fim de semana seguinte, Rony se juntou a Hermione e ao restante dos alunos do
sexto ano que completariam dezessete anos a tempo de fazer o teste em quinze dias. Harry sentiu
uma certa inveja olhando os colegas se aprontarem para ir à vila, ele sentia falta de ir até lá e estava
fazendo um dia de primavera particularmente bonito, um dos primeiros dias de céu limpo após um
longo tempo. Entretanto, decidiu usar este tempo para tentar outra invasão à Sala Precisa.
– Você faria melhor – disse Hermione, quando Harry contou seu plano a ela e Rony, no Saguão
de Entrada – indo direto ao escritório de Slughorn para tentar reaver a lembrança dele.
– Eu estive tentando – Harry reclamou, mal-humorado, o que era inteiramente verdade. Ele se
deixara ficar para trás um pouco mais após cada aula de poções daquela semana numa tentativa de
encurralar Slughorn, mas o professor de Poções sempre deixava as masmorras tão rápido que Harry
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
não conseguira alcançá-lo. Duas vezes Harry foi ao seu escritório e bateu à porta, mas não teve
resposta, apesar de que na segunda vez, tinha a certeza de ter ouvido um velho gramofone sendo
rapidamente abafado.
– Ele não quer falar comigo, Hermione! Ele sabe que estou tentando encontrá-lo sozinho, e ele
não vai deixar acontecer!
– Bem, você tem que continuar tentando, não é?
A pequena fila de alunos esperando para passar por Filch, que estava fazendo seu teste usual
com o Sensor de Segredos, moveu-se alguns passos e Harry não respondeu no caso de ter sido ouvido
pelo zelador. Ele desejou boa sorte para Rony e Hermione, se virou e subiu as escadas de mármore
novamente, determinado, a despeito do que Hermione disse, a dedicar uma hora ou duas à Sala
Precisa.
Uma vez fora das vista do saguão de entrada, Harry pegou o Mapa do Maroto e a Capa da
Invisibilidade de sua mochila. Após ficar escondido, tocou o mapa e murmurou. – Juro solenemente
que não pretendo fazer nada de bom! – E olhou-o com cuidado.
Como era domingo de manhã, quase todos os estudantes estavam dentro de seus salões
comunais, os grifinórios em uma torre, os corvinais em outra, os sonserinos nas masmorras e os lufalufas no térreo próximo à cozinha. Aqui e ali uma e outra pessoa vagueava próximo à biblioteca ou
em um corredor. Havia alguns poucos do lado de fora, na propriedade, e sozinho no corredor do
sétimo andar estava Gregório Goyle. Não havia sinal da Sala Precisa, mas Harry não se preocupava
com isso, se Goyle estava de guarda do lado de fora, então a sala estava aberta, o mapa mostrando ou
não. Portanto, ele subiu as escadas correndo, diminuindo antes de dobrar a esquina para o corredor,
quando começou a andar pé ante pé, bem devagar, em direção à mesma garotinha, segurando pesada
balança de bronze, aquela que Hermione gentilmente havia ajudado, quinze dias atrás. Ele esperou
até estar bem próximo dela, se dobrou bem baixo e sussurrou: – Oi, você é lindinha, não é mesmo?
Goyle deu um grito agudo de terror, jogou a balança para o alto e saiu em disparada,
desaparecendo de vista antes do som da balança quebrando no chão ter parado de ecoar pelo corredor.
Rindo, Harry virou-se para contemplar a parede vazia atrás da qual, ele tinha certeza, Draco Malfoy
estava agora congelado de pavor, consciente de que alguém indesejado estava lá fora, mas não tendo
a ousadia para se revelar. Isto deu a Harry um sentimento agradável de poder, enquanto tentava
lembrar as combinações de palavras que ele ainda não tentara.
Mas este sentimento de esperança não durou muito. Meia hora depois, após ter tentado diversas
variações do seu pedido para ver o que Malfoy estava fazendo, a parede estava tão sem porta como
sempre. A frustração tomou conta de Harry, Malfoy devia estar a meio metro dele e ainda assim não
havia a menor evidência do que ele estava fazendo lá dentro. Perdendo completamente a paciência,
Harry correu para a parede e lhe deu um chute.
“AI!”
Ele pensou que devia ter quebrado o dedão; e assim que o segurou pulando em um só pé, a
Capa da Invisibilidade escorregou...
– Harry?
Ele girou em um só pé e caiu no chão. Ali, para seu espanto, estava Tonks, andando em sua
direção como se sempre passasse por aquele corredor.
– O que você está fazendo aqui? – ele perguntou, se esforçando para ficar de pé novamente;
por que ela sempre o achava caído no chão?
– Vim ver Dumbledore – Tonks respondeu. Harry pensou que ela estava com uma péssima
aparência, mais magra que o normal, seu cabelo acinzentado escorrido.
– A sala dele não é aqui, – disse Harry. – Fica do outro lado do castelo atrás da gárgula...
– Eu sei – Tonks disse. – Ele não está lá. Aparentemente saiu novamente.
– Saiu? – perguntou Harry colocando devagar o pé machucado de volta ao chão. – Ei, imagino
que você não saiba onde ele vai, não é?
– Não – Tonks respondeu.
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Capítulo 21 – A sala inatingível
– Por que você quer ver Dumbledore?
– Nada em particular – Tonks desconversou, tocando distraída a manga de sua veste. – Eu só
pensei que ele poderia saber o que está acontecendo. Ouvi rumores de pessoas sendo machucadas.
– Sim, eu sei, está tudo nos jornais, – disse Harry. – Aquela criança tentando matar seus...
– O Profeta está quase sempre atrasado – observou Tonks, que pareceia não o estar escutando.
– Você não tem recebido cartas de ninguém da Ordem recentemente?
– Ninguém da Ordem me escreve mais – Harry respondeu -, não desde que Sirius...
– Ele viu que os olhos dela se encheram de lágrimas.
– Sinto muito, – ele murmurou desajeitado. – Quero dizer...eu sinto falta dele também.
– O quê? – Tonks perguntou meio aérea, como se ela não o tivesse ouvido bem. – Vejo você
por aí, Harry.
E ela se virou abruptamente e voltou pelo corredor, deixando Harry olhando atrás dela. Após
um ou dois minutos, ele vestiu novamente a Capa da Invisibilidade e reiniciou os esforços para entrar
na Sala Precisa, mas não conseguiu se concentrar. Finalmente, com um buraco no estômago e sabendo
que Rony e Hermione logo estariam de volta para o almoço, Harry abandonou a tentativa e deixou o
corredor para Malfoy, que ele esperava que ficasse com medo de sair pelas próximas horas.
Ele encontrou Rony e Hermione no Salão Principal a meio caminho de um almoço antecipado.
– Consegui!... bem, mais ou menos – Rony contou entusiasmado para Harry quando o viu. –
Eu deveria aparatar do lado de fora da Loja de Chá da Madame Puddifoot e eu errei por um pouquinho,
parando perto da Escriba Penas Especiais, mas ao menos consegui me mover!
– Boa, Rony – disse Harry. – E você, como foi, Hermione?
– Oh, ela foi perfeita, é óbvio, – disse Rony, antes que Hermione pudesse responder. – Perfeita
deliberação, ‘divinhação e desespero ou o que diabos seja. Depois nós fomos para uma bebida rápida
no Três Vassouras e você deveria ouvir o que Twycross estava falando dela. Ficarei surpreso se ele
não trouxer logo à baila a questão...
– E quanto a você? – perguntou Hermione, ignorando Rony. – Ficou este tempo todo tentando
entrar na Sala Precisa?
– Sim – disse Harry. – E advinha quem passou correndo por lá? Tonks!
– Tonks? – repetiram Rony e Hermione juntos, parecendo surpresos.
– Sim, ela disse que tinha vindo visitar Dumbledore.
– Se você quer saber – disse Rony assim que Harry terminou de descrever sua conversa com
Tonks, – Ela tá meio doidinha. Perdeu o espírito depois do que aconteceu no Ministério.
– Isso é meio estranho, – disse Hermione que por alguma razão parecia bem preocupada. – Ela
deveria estar guardando a escola, por que subitamente abandonaria seu posto para vir ver Dumbledore
quando ele nem está lá?
– Eu andei pensando – Harry disse experimentalmente. Ele estava se sentindo estranho em
colocar isso em palavras, pois era mais o território da Hermione do que dele. – Vocês não acham que
ela podia estar... vocês sabem... apaixonada por Sirius?
Hermione estava encarando-o.
– O que te faz você pensar isso?
– Não sei – disse Harry dando de ombros.– mas ela estava quase chorando quando mencionei
o nome dele e seu Patrono agora é uma coisa grande de quatro patas. Imagino se não se transformou
... vocês sabem... nele.
– É uma possibilidade – disse Hermione devagar. – Mas ainda não sei por que ela teria entrado
no castelo atrás de Dumbledore, se essa é realmente a razão dela estar aqui.
– Combina com o que eu disse, não é? – Rony disse enfiando purê de batatas na boca. – Ela
ficou meio esquisita. Perdeu a resistência. Mulheres – ele disse sabiamente para Harry – elas se
abalam facilmente.
– E ainda assim, – disse Hermione, saindo de seus devaneios -, eu duvido que você ache uma
mulher que fique emburrada por meia hora porque Madame Rosmerta não riu de sua piada sobre a
bruxa velha, o curandeiro e a Mimbulus Mimbletonia.
Rony fechou a cara...
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPITULO 22 –
Depois do Enterro
Pedaços de um céu azul começavam a aparecer sobre as torres do castelo, mas esses sinais da
chegada do verão não melhoraram o astral de Harry. Ele não estava conseguindo nada, nem nas suas
tentativas de descobrir o que Malfoy estava tramando, nem em iniciar uma conversa com Slughorn,
que pudesse levá-lo a revelar a lembrança que ele aparentemente reprimira por décadas.
– Pela ultima vez, simplesmente esquece o Malfoy! – Hermione disse rispidamente a Harry.
Eles estavam sentados com Rony num canto ensolarado do pátio após o almoço. Hermione e
Rony estavam segurando um folheto do Ministério da Magia: Erros Comuns em Aparatação e Como
Evitá-los, já que eles iriam fazer seus testes de aparatação naquela tarde, mas aquilo não estava
ajudando em nada a acalmá-los. De súbito, Rony tentou se esconder atrás de Hermione quando uma
garota saiu do corredor na direção deles.
– Não é a Lilá – disse Hermione, entediada.
– Ah, tá... – Disse Rony, relaxando.
– Harry Potter? – Disse a garota. – Me pediram para te entregar isso.
– Obrigado...
O coração de Harry encolheu, enquanto ele pegava o pequeno pergaminho enrolado. Assim
que a garota estava fora de alcance, ele comentou – Dumbledore disse que nós não teríamos mais
aulas extras até que eu conseguisse a lembrança!
– Talvez ele queira saber como está o seu progresso – sugeriu Hermione, enquanto Harry
desenrolava o pergaminho. Mas ao invés da letra longa, estreita e inclinada de Dumbledore, ele viu
uma letra esparramada e embaralhada, bem difícil de decifrar devido à presença de grandes manchas
onde a pena havia escrito.
Caros Harry, Rony e Hermione,
Aragogue morreu ontem à noite. Harry e Rony, vocês o conheceram, e sabem como ele era especial. Hermione,
eu sei que você teria gostado dele. Significaria muito para mim se vocês pudessem dar uma passadinha no enterro dele
mais tarde. Eu estou planejando fazê-lo por volta do anoitecer, pois era a hora favorita do dia para ele. Eu sei que
vocês não deveriam esta fora do castelo tão tarde, mas vocês podem usar a capa. Não deveria pedir, mas não posso
enfrentar isso sozinho.
Hagrid
– Olha isso – disse Harry, passando o recado para Hermione.
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Capítulo 22 – Depois do enterro
– Ah, faça– me o favor... – ela comentou, passando os olhos rapidamente, e passando o bilhete
para Rony, que o leu inteiro, parecendo cada vez mais incrédulo.
– Ele é demente! – exclamou furioso. – Aquela coisa disse para os seus coleguinhas nos
comerem! Disse para eles se servirem! E agora Hagrid espera que a gente vá até lá e chore por aquele
corpo peludo horroroso!
– Não é só isso – observou Hermione. – Ele está pedindo para a gente sair do castelo à noite,
e ele sabe que a segurança esta muito mais reforçada, e quão ferrados nós vamos estar se nos pegarem!
– Nós já fomos lá para vê-lo à noite antes – Harry comentou.
– Sim, mas por algo assim? – perguntou Hermione – Nós já nos arriscamos várias vezes para
ajudar Hagrid, mas afinal, Aragogue está morto. Se fosse uma questão de salvá– lo...
– Aí é que eu não ia mesmo! – Rony a interrompeu com firmeza. – Você não o conheceu,
Hermione. Acredite, estar morto melhorou-o muito.
Harry pegou o bilhete de volta, e ficou observando os grandes borrões por todo lado. Certamente,
as lágrimas tinham caído rápidas e grandes sobre o pergaminho.
– Harry, você não pode estar pensando em ir até lá – Hermione disse. – Não tem sentido você
tomar uma detenção por isso.
– Eu sei – Harry suspirou. – Acho que Hagrid vai ter que enterrar Aragogue sem a gente.
– É, vai – Hermione concordou, parecendo aliviada. – Olha, a aula de poções vai estar bem
vazia hoje, com tantos de nós fazendo os testes... Você pode tentar amolecer um pouco o Slughorn!
–
– Na qüinquagésima sétima vez, talvez eu tenha sorte, não é? – perguntou Harry entredentes.
– Sorte... – Rony disse, de repente. – Harry, é isso – seja sortudo!
– O que você quer dizer?
– Use a sua poção da sorte!
– Rony, é...é isso! – Hermione disse, parecendo aturdida. – Claro! Por que eu não pensei nisso
antes?
Harry ficou olhando fixamente para os dois. – Felix Felicis? – ele murmurou. – Eu estava
guardando para outra coisa...
– Pra que? – Rony quis saber, incrédulo.
– O que raios pode ser mais importante do que essa lembrança, Harry?
Harry não respondeu. O pensamento naquela garrafa dourada o fez flutuar aos confins da sua
imaginação por algum tempo; planos vagos e incompletos envolvendo Gina e Dino terminando o
namoro, e Rony de alguma forma feliz vendo ela com um novo namorado estavam fermentando nas
profundezas do seu cérebro, desconhecidas exceto durante sonhos ou naqueles momentos entre o
sono e a vigília...
– Harry? Você ainda está aqui conosco? – perguntou Hermione.
– Hã... Ah, sim, claro... ele respondeu, voltando a si – Hum... Está certo. Se eu não conseguir
fazer o Slughorn falar esta tarde, vou tomar um pouco da poção, e tentar novamente hoje à noite.
– Então está decidido – encerrou Hermione, levantando-se e fazendo uma graciosa pirueta. –
Destinação... Determinação... Deliberação – ela sussurrou.
– Ah, pára com isso – Rony suplicou – Eu já estou ficando enjoado com... Rápido, me esconde!
–
– Não é a Lilá. Hermione disse impaciente, enquanto mais um par de garotas aparecia no pátio,
e Rony pulava para trás dela.
– Beleza... – respondeu Rony, espiando por trás do ombro de Hermione, por garantia. – Poxa,
elas não parecem alegres, não é?
– Elas são as irmãs Montgomery, e é claro que não estão felizes. Você não soube o que aconteceu
com o irmão menor delas?
– Sinceramente, já não consigo me lembrar do que tem acontecido com os parentes de todo
mundo. – Ele comentou.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Bem, o irmão delas foi atacado por um lobisomem. O boato é que a mãe delas se recusou a
ajudar os comensais. De qualquer forma, o garoto só tinha cinco anos, e morreu no St. Mungus, não
conseguiram salvá-lo.
– Ele morreu? – repetiu Harry, chocado. – Mas lobisomens normalmente não matam, eles só te
transformam em mais um deles?
– Eles matam, de vez em quando – respondeu Rony, muito sério agora. – Eu já ouvi falar disso
acontecer quando o lobisomem se deixa levar.
– Qual era o nome do lobisomem? – Harry perguntou rapidamente.
– O boato é que foi o tal de Fenrir Greyback – respondeu Hermione.
– Eu sabia, o maníaco que gosta de atacar crianças, aquele que o Lupin comentou comigo! –
Harry disse com raiva.
Hermione o olhou desolada.
– Harry, você tem que conseguir aquela lembrança! – ela disse. – Não é para parar o Voldemort?
Essas coisas horríveis estão acontecendo por culpa dele...
A sineta ressoou no castelo, e Hermione e Rony se colocaram de pé, parecendo aterrorizados.
– Vai dar tudo certo! – Harry disse aos dois, enquanto eles já se dirigiam para o saguão de
entrada, para se juntar aos outros que fariam o teste de Aparatação. – Boa sorte!
– Para você também! – Disse Hermione, com um olhar significativo, enquanto Harry se dirigia
para as masmorras.
Só havia três alunos na aula de Poções naquela tarde: Harry, Ernesto e Draco Malfoy.
– Ainda muito jovens para aparatar? – disse Slughorn cordialmente. – Ainda não fizeram
dezessete?
Os três balançaram a cabeça, negativamente.
– Muito bem – continuou Slughorn, animado. – Como há tão poucos de nós aqui, vamos fazer
algo interessante. Quero que vocês me preparem algo divertido.
– Isso parece legal, senhor. – Ernie disse, bajulador, esfregando as mãos excitado. Malfoy, por
outro lado, sequer deu um sorriso.
– O que o senhor quer dizer com “algo divertido”? – perguntou irritado.
– Ah, me surpreenda – respondeu Slughorn, afetado.
Malfoy abriu a sua cópia de Preparo de Poções – Nível Avançado com uma expressão carrancuda.
Não era possível deixar mais claro que ele pensava que aquela aula era uma perda de tempo. Sem
duvida, Harry pensou, olhando-o por cima de seu livro, ele podia fazer muito melhor uso daquele
tempo na Sala Precisa.
Era impressão dele, ou Malfoy, assim como Tonks, estava parecendo mais magro? Certamente
estava mais pálido, sua pele estava com um tom acinzentado, provavelmente por tão raramente ele
ver a luz do sol nesses últimos dias. Mas não havia aquele ar presunçoso, de excitação, ou de
superioridade, nem um pouco daquela arrogância que ele mostrou no Expresso de Hogwarts, quando
se gabou abertamente da missão ordenada por Voldemort... Só se poderia chegar a uma conclusão, na
opinião de Harry: a missão, fosse ela qual fosse, estava indo de mal a pior.
Animado por esse pensamento, Harry abriu a sua copia de Preparo de Poções – Nível Avançado e
achou uma versão do Príncipe Mestiço, altamente corrigida, de um Elixir para Induzir Euforia, que
parecia não só estar dentro das instruções de Slughorn, mas também podia levar (e o coração de
Harry disparou quando ele pensou nisso) Slughorn a um bom humor tamanho, que poderia levá-lo a
dispor da memória, se Harry conseguisse fazê-lo provar um pouco da poção...
– Bem, isso aqui parece realmente fabuloso! – Exclamou Slughorn, batendo palmas depois de
uma hora e meia, enquanto olhava para a poção amarela, brilhante como o sol, que estava no caldeirão
de Harry. – Euforia, não é? E o que é esse aroma... Humm... Você adicionou um pouco de hortelã,
não foi? Não é ortodoxo, mas que inspiração, Harry. É claro, isso tende a contrabalançar efeitos
colaterais como cantoria excessiva e nariz torcido... Eu realmente não sei onde você conseguiu essas
idéias, meu rapaz... A não ser...
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Capítulo 22 – Depois do enterro
Harry empurrou o livro do Príncipe Mestiço para o fundo de sua mochila com o pé.
– ... São os genes da sua mãe aflorando em você!
– Er... Talvez seja isso... – Harry respondeu, aliviado.
Ernie estava parecendo ranzinza; determinado a superar Harry pelo menos uma vez, ele
praticamente inventara uma nova poção, que embolotou, e formou um tipo de bolo roxo no fundo do
seu caldeirão. Malfoy já estava guardando suas coisas, com uma cara azeda; Slughorn disse que sua
Solução para fazer Soluçar estava “passável”.
A sineta tocou, e tanto Ernie como Malfoy saíram rapidamente.
– Senhor... – Harry começou a falar, Mas Slughorn imediatamente olhou a sua volta; quando
ele viu que apenas ele e Harry estavam na sala, ele se apressou o mais rápido possível.
– Professor... Professor, o senhor não quer provar a minha po... – Harry o chamava
desesperadamente.
Mas Slughorn já tinha ido. Desapontado, Harry esvaziou o caldeirão, guardou suas coisas, e
saiu da masmorra, andando devagar de volta a sala comunal.
Rony e Hermione voltaram no final da tarde.
– Harry! – Hermione gritava, enquanto entrava pelo buraco do retrato. – Harry, eu passei!
– Que legal! – Ele disse. – E Rony?
– Ele... Ele não conseguiu. – Hermione sussurrou, enquanto Rony se arrastava para dentro,
parecendo anestesiado. – Foi muita falta de sorte, uma coisinha de nada, o examinador viu que ele
deixou metade de uma sobrancelha para trás... Como foi com o Slughorn?
– Não fui feliz. – Respondeu Harry, enquanto Rony se juntava a eles. – Que falta de sorte cara,
mas você vai passar da próxima vez, nós podemos fazer os exames juntos.
– É... Eu acho que sim... – Rony respondeu, ranzinza. – Mas metade de uma sobrancelha!
Como se isso importasse!
– Eu sei. – Hermione tentou consolá-lo. – Isso realmente pareceu muito severo...
Eles passaram a maior parte do jantar falando mal do examinador de Aparatação, e Rony
parecia um pouquinho mais animado na hora em que eles voltavam para a sala comunal, agora
discutindo o problema pendente sobre Slughorn e a lembrança.
– E então Harry, vai usar a Felix Felicis ou não? – Rony perguntou incisivamente.
– Sim, eu acho melhor usar. – Respondeu Harry. – Mas com certeza eu não preciso tomá-la
toda, não vale a pena usar todas as doze horas, isso não pode levar a noite toda... Eu vou tomar só
um gole. Duas ou três horas devem ser o suficiente.
– É uma sensação muito boa quando você toma a poção... – Lembrou Rony. – É como se nada
pudesse dar errado.
– Do que você esta falando? – Hermione perguntou, rindo. – Você nunca a tomou!
– Sim, mas eu pensei que tinha tomado, lembra? – Rony devolveu, como se estivesse explicando
o óbvio. – Realmente, grande diferença...
Como eles tinham acabado de ver Slughorn entrar no Salão Principal, e sabiam que ele gostava
de se demorar bastante nas refeições, eles enrolaram um pouco na sala comunal, sendo que o plano
era que Harry deveria ir até a sala de Slughorn somente quando o professor já tivesse retornado para
lá. Quando o sol já estava baixo, no nível do topo das árvores da Floresta Proibida, eles decidiram
que havia chegado a hora, e após checar cuidadosamente que Neville, Dino e Simas estavam todos
na sala comunal, eles escapuliram para o dormitório dos meninos.
Harry tirou um bolo de meias do fundo do seu malão, e de lá saiu a pequena garrafa brilhante.
– Bom, lá vamos nós. – Harry disse, levantou a garrafinha, e tomou um gole calculado
cuidadosamente.
– Como é que é? – Hermione perguntou baixinho.
Harry não respondeu a principio. Então, lenta, mas decididamente, um transbordante senso de
oportunidades infinitas correu através dele; ele sentiu que era capaz de fazer qualquer coisa, qualquer
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
coisa mesmo... E, de repente, conseguir a lembrança de Slughorn parecia não só possível, mas
definitivamente fácil.
Ele se levantou sorrindo, cheio de confiança.
– Excelente. – Ele disse. – Muito bem mesmo. Certo... Vou até lá embaixo, até a cabana de
Hagrid.
– O quê? – Rony e Hermione falaram ao mesmo tempo, angustiados.
– Não, Harry! Você tem que sair e ir falar com Slughorn, lembra? – Continuou Hermione.
– Não. – Harry respondeu, confiante. – Eu vou até a cabana do Hagrid, eu estou com uma
sensação legal em ir até lá.
– Você esta tendo uma sensação legal em enterrar uma aranha gigante? – Rony perguntou,
atordoado.
– É isso ai. – Respondeu Harry, puxando a sua capa da Invisibilidade da mochila. – Eu estou
achando que é o lugar a se estar hoje, entendem o que eu quero dizer?
– Não! – Os dois responderam juntos, agora completamente alarmados.
– Essa é a Felix Felicis mesmo? – Perguntou Hermione, ansiosa, segurando a garrafinha na luz.
– Você não pegou uma outra garrafa cheia de, sei lá o quê...
– Essência de Insanidade? – Sugeriu Rony, enquanto Harry jogou a Capa sobre seus ombros.
Harry riu, e Rony e Hermione ficaram ainda mais alarmados.
– Confiem em mim. – Ele disse. – Eu sei o que eu estou fazendo... Ou, pelo menos... – Ele foi
confiante ate a porta. -...Felix sabe!
Ele puxou a capa sobre a sua cabeça, e se encaminhou para as escadas, com Rony e Hermione
se apressando atrás dele. No final da escada, Harry passou pela porta aberta.
– O que você estava fazendo lá em cima com ela? – Gritou Lilá Brown, olhando diretamente
através de Harry para Hermione e Rony saindo juntos do dormitório dos rapazes. Harry ainda ouviu
Rony falar atabalhoadamente atrás dele, enquanto ele corria pela sala para longe deles.
Passar pelo retrato foi fácil; enquanto ele se aproximava, Gina e Dino estavam entrando, e
Harry conseguiu passar entre eles. Quando ele passou, ele acidentalmente encostou-se em Gina.
– Não me empurra, Dino. Ela disse, com irritação. – Você está sempre fazendo isso, eu posso
perfeitamente passar por aqui sem ajuda...
O retrato se fechou atrás de Harry, mas não antes de escutar uma resposta rude de Dino. Com
um sentimento de otimismo crescente, Harry saiu correndo pelo castelo. Ele não tinha que se assustar,
já que ele não encontrou ninguém pelo seu caminho, mas isso não o preocupava nem um pouco:
nesta noite, ele era a pessoa mais sortuda de Hogwarts.
Ele não tinha a menor idéia de porque a melhor coisa a se fazer era ir até a cabana de Hagrid.
Era como se a poção estivesse mostrando um pedaço do caminho de cada vez: ele não podia ver o
final da viagem, ele não podia ver onde Slughorn se encaixava, mas ele sabia que estava no caminho
certo para conseguir a lembrança. Quando ele chegou ate o Salão Principal, ele viu que Filch se
esquecera de trancar a porta da frente. Rapidamente, Harry a abriu, e sentiu o aroma de ar puro e
grama por um momento antes de descer as escadas na direção da escuridão.
Quando ele chegou no final da escada, ocorreu a ele que seria muito agradável passar pela
horta no caminho para a cabana. Não era realmente no caminho, mas pareceu claro para Harry que
era como ele deveria fazer, então ele se dirigiu para a horta, onde, para sua alegria, embora não
estivesse surpreso com isso, ele encontrou o Professor Slughorn conversando com a Professora Sprout.
Harry se esgueirou por trás de uma pequena parede de pedras, se sentindo em paz com o mundo, e
para escutar a conversa deles.
– ... Eu é que agradeço pelo tempinho, Pomona. – Slughorn agradeceu, com cortesia. – A
maior parte das autoridades desse assunto concordam que elas são mais eficazes quando colhidas à
luz do crepúsculo.
– Ah, eu também concordo. – Sprout respondeu, calorosamente. – Isso é suficiente para você?
230
Capítulo 22 – Depois do enterro
– Sim, sim... – Slughorn respondeu, e Harry viu que ele estava carregando uma braçada de
plantas cheias de folhas. – Isso deve ser suficiente para dividir algumas folhas para os meus alunos do
terceiro ano, e deixar algumas a disposição para o caso de alguém estragar as próprias. Bem, boa
noite para você, e muito obrigado de novo!
A Professora Sprout se dirigiu na direção, cada vez mais escura, das estufas, enquanto Slughorn
vinha na direção de onde Harry estava, invisível.
Tomado por uma vontade de se revelar, Harry tirou a Capa da Invisibilidade, com um floreio.
– Boa noite, Professor.
– Pelas barbas de Merlin, Harry, você me assustou! – Slughorn disse, parecendo assustado e
preocupado, parado no meio do caminho. – Como você conseguiu sair do castelo?
– Eu acho que Filch deve ter se esquecido de trancá-lo. – Harry respondeu, candidamente, se
deliciando em ver Slughorn desconfortável.
– Eu vou chamar a atenção dele, ele tem estado mais preocupado com o lixo do que propriamente
com a segurança, se você me entende... Mas o que você esta fazendo aqui, Harry?
– Bem, senhor, é o Hagrid. – Respondeu Harry, que sabia que a coisa certa a fazer naquele
momento era contar a verdade. – Ele está muito chateado... Mas por favor, o senhor poderia não
contar a ninguém? Eu não quero criar problemas para ele...
A curiosidade de Slughorn estava se tornando visível.
– Eu não posso prometer nada. – Ele considerou, sombriamente. – Mas eu sei que Dumbledore
confia muito em Hagrid, logo tenho certeza que ele não pode estar fazendo nada muito assustador...
– Bem, é a aranha gigante dele, ele a criou por muitos anos... Ela vivia na Floresta... Podia falar
e tudo mais...
– Eu ouvi rumores que haviam Acromântulas na Floresta Proibida. – Disse Slughorn baixinho,
olhando vagamente para a parede de arvores escuras. – Então é verdade?
– Sim. – Respondeu Harry. – Mas essa em especial, Aragogue, a primeira que Hagrid conseguiu,
morreu ontem à noite. Ele está devastado. E ele quer companhia enquanto a enterra, e eu disse que
iria até lá.
– Tocante, tocante... – Slughorn disse, divagando, e olhando com seus olhos cansados para as
luzes da cabana de Hagrid. – Mas o veneno da Acromântula é muito valioso... Se ela tiver morrido há
pouco tempo, talvez ele ainda não tenha secado. É claro, eu não faria algo tão insensível com Hagrid
tão chateado... Mas se tivesse alguma maneira de se conseguir um pouco... Eu quero dizer, é quase
impossível de se conseguir um pouco de veneno de uma Acromântula enquanto ela está viva...
Slughorn parecia estar falando mais para si do que com Harry.
– ...Seria um desperdício não pegar um pouco... Dá para conseguir 100 galeões por dose... Para
ser franco, meu salário não é tão bom assim...
E aí Harry viu claramente o que deveria ser feito.
– Bem... – Ele sugeriu, com convincente hesitação. – Se o senhor quiser vir comigo, Professor,
eu acho que Hagrid ficaria realmente agradecido. Se despedir de uma maneira melhor de Aragogue, o
senhor entende...
– Sim, claro. – Slughorn concordou, com seus olhos brilhando com o entusiasmo. – Vou te
dizer Harry, eu vou encontrar você lá embaixo com uma garrafa, ou duas... Vamos beber à memória
da pobre fera, bem, não à saúde dela, mas vamos nos despedir dela com estilo, claro, depois de
enterrá-la. E eu vou trocar a minha gravata, essa aqui esta muito exuberante para a ocasião...
Ele disparou de volta para o castelo, e Harry foi para a cabana de Hagrid, satisfeito consigo
mesmo.
– Você veio. – Hagrid disse, choroso, quando ele abriu a porta, e viu Harry saindo debaixo da
capa na sua frente.
– Sim. Porém Rony e Hermione não puderam vir. – Harry disse. – Eles sentem muito.
– Não... não importa... Ele ficaria tocado por você ter vindo aqui, Harry...
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Hagrid deu um grande soluço. Ele estava usando uma faixa de luto feita por ele mesmo, feita de
algo parecido com um trapo besuntado de graxa para botas, e seus olhos estavam vermelhos, inchados
e cheios de lagrimas. Harry, tentando consolá-lo, deu tapinhas no cotovelo, que era o ponto mais alto
de Hagrid onde ele poderia alcançar.
– Onde vamos enterrá-lo? – Ele perguntou. – Na Floresta?
– Caramba, não! – Hagrid respondeu, enxugando os seus olhos lacrimejantes com a sua blusa.
– As outras aranhas não me deixam mais chegar perto das suas teias, agora que Aragogue se foi.
Descobri que era por ordens dele que eles não me comiam! Você acredita nisso, Harry?
A resposta honesta era sim. Harry lembrou-se, dolorosamente, do cenário quando ele e Rony
estiveram face a face com a Acromântula; estava claro para eles que Aragogue era a única coisa que
impedia as aranhas de comer Hagrid.
– Nunca houve um lugar da Floresta onde eu não pudesse ir antes! – Hagrid continuou,
balançando a sua cabeça. – Não foi fácil tirar o corpo de Aragogue de lá, isso eu posso garantir, eles
costumam comer os próprios mortos, entende... Mas eu gostaria de lhe dar um enterro decente...
Uma despedida apropriada...
Ele começou a soluçar e a chorar novamente, e Harry recomeçou a dar tapinhas no cotovelo
dele, dizendo o que tinha acontecido, já que era o que a poção indicava que era a coisa certa a se
fazer. – O Professor Slughorn me encontrou a caminho daqui.
– Não está com problemas, está? – Hagrid disse, olhando alarmado. – Você não deveria estar
fora do castelo à noite, eu sei, a culpa é minha...
– Não, não, quando ele ouviu o que eu estava fazendo ele disse que gostaria de vir, e prestar
uma última homenagem a Aragogue também. – Harry disse. – Ele foi vestir algo mais apropriado, eu
acho... E ele disse que ia trazer algumas bebidas, para que a gente possa beber em memória de
Aragogue.
– Ele disse isso? – Hagrid disse, parecendo espantado e tocado. – Isso... Isso é muito legal da
parte dele, não estou desdenhando de você, mas é que eu nunca tive muito contato com Horace
Slughorn antes... Então ele vai vir ver o velho Aragogue, né? Poxa... Ele teria gostado disso, Aragogue
realmente teria gostado...
Harry pensou para si próprio que o que Aragogue realmente teria gostado em Slughorn era a
enorme quantidade de carne macia que ele proveria, mas ele simplesmente se moveu para a janela de
trás da cabana de Hagrid, onde ele teve a horrível visão da enorme aranha morta, jogada do lado de
fora, com suas pernas encurvadas e emboladas.
– Nós vamos enterrá-lo aqui no seu jardim, Hagrid?
– Eu pensei em enterrá-lo logo depois do canteiro de abóboras. Hagrid respondeu, com a voz
engasgada. – Eu já cavei o.. você entende... o túmulo. Estava pensando em falar algumas coisas
legais sobre ele... Lembranças felizes, você sabe..
Sua voz murchou e parou. Houve uma batida na porta, e ele foi atender, assoando o nariz no
seu gigantesco lenço manchado. Slughorn entrou porta adentro, carregando varias garrafas em seus
braços, e vestindo uma sóbria túnica preta.
– Hagrid. – Disse ele com uma voz grave e profunda. – Eu sinto muito pela sua perda.
– É muito legal de sua parte. – Hagrid respondeu. – Muito obrigado. E obrigado por não ter
dado uma detenção para o Harry também...
– Eu não teria sonhado em fazer isso. – Slughorn respondeu. – Que noite triste... Que noite
triste... Onde está a pobre criatura? –
– Aqui fora. – Hagrid disse, com a voz já tremula. – Vamos... Vamos fazer isso então?
Os três então foram para os fundos. A lua brilhava palidamente através das árvores, e o luar se
misturava à luz que saía da janela da cabana Hagrid iluminando o corpo de Aragogue , que jazia na
borda de um grande buraco, perto de um monte com mais de dois metros de altura, feito de terra
recém-escavada.
232
Capítulo 22 – Depois do enterro
– Magnífico. – Disse Slughorn, se aproximando da cabeça da aranha, onde oito olhos, de aparência
leitosa, olhavam sem foco para o céu, e duas grandes pinças curvadas brilhavam, sem movimento, a
luz do luar.
Harry pensou ter ouvido o tilintar de garrafas, enquanto Slughorn se curvou próximo das pinças,
aparentemente examinando a enorme cabeça peluda.
– Não é todo mundo que sabe apreciar quão bonitos eles são. Hagrid disse atrás de Slughorn,
com as lagrimas escorrendo do canto de seus olhos. – Eu não sabia que você era interessado em
criaturas como Aragogue, Horace.
– Interessado? Meu caro Hagrid, eu as reverencio! – Slughorn disse, se afastando do corpo.
Harry viu o brilho de uma garrafa desaparecendo dentro da capa dele, enquanto Hagrid, enxugando
os seus olhos mais uma vez, não notara nada.. – Agora... Vamos conduzir o enterro? –
Hagrid concordou, e foi para a frente. Ele levantou a aranha gigante em seus braços, e com um
grande gemido, a rolou para dentro do buraco. Ela caiu no fundo, fazendo um barulho horrível, de
algo sendo esmigalhado. Hagrid, então, começou a chorar de novo.
– É claro, é difícil para você, que era mais próximo dele. – Disse Slughorn, que, como Harry, só
conseguia alcançar o cotovelo de Hagrid, mas dava tapinhas da mesma forma. – Por que não deixar
que eu fale algumas palavras?
Ele deve ter conseguido bastante veneno de boa qualidade de Aragogue, Harry pensou, enquanto
Slughorn tinha um pequeno sorriso satisfeito no rosto, ao caminhar para a beira do buraco, e só então
disse, num tom lento e imponente. – Boa viagem, Aragogue, rei dos aracnídeos, aqueles que
desfrutaram de sua amizade nunca o esquecerão! Pode ser que seu corpo se decomponha, mas seu
espírito permanecerá nos silenciosos recantos cheios de teias da Floresta que foi a sua casa. Que seus
descendentes de muitos olhos possam florescer, e que seus amigos humanos tenham consolo pela
perda que tiveram.
– Isso... Isso foi... Foi lindo! – Uivou Hagrid, e então ele caiu em prantos, chorando ainda mais
do que antes.
– Aqui, aqui. – Slughorn o consolava, e, fazendo um movimento com a varinha, fez com que o
monte de terra enchesse o buraco, com um barulho abafado, formando um montinho. – Vamos para
dentro, e beber algo. Fique do outro lado, Harry, Isso...Vamos lá, Hagrid... Muito bem...
Eles colocaram Hagrid numa cadeira, perto da mesa, e Canino, que tinha ficado em sua casinha
durante o enterro, agora veio calmamente no meio deles, e colocou sua cabeça pesada no colo de
Harry, como sempre. Slughorn então abriu uma das garrafas de vinho que ele havia trazido.
– Eu procurei venenos em todas elas. – Ele assegurou a Harry, enquanto colocava a maior
parte do conteúdo da primeira garrafa numa caneca gigantesca, e a passava para Hagrid. – Fiz com
que um elfo doméstico provasse um pouco de cada garrafa, após o que aconteceu com o seu amigo
Rodolfo.
Harry pensou na expressão que Hermione faria quando escutasse sobre esse abuso dos elfos
domésticos, e decidiu nunca comentar isso com ela.
– Um pouco para Harry... – disse Slughorn, dividindo a segunda garrafa entre duas canecas. – ...
E um pouco para mim. Então. – Ele levantou a sua caneca. – Ao Aragogue.
– Ao Aragogue. – Disseram Harry e Hagrid juntos.
Tanto Slughorn quanto Hagrid beberam bastante. Harry, porém, com o caminho a seguir
iluminado pela Felix Felicis, sabia que ele não devia beber, então ele simplesmente fingiu tomar um
gole e colocou a caneca de volta na mesa.
– Eu o criei desde que era um ovo, você sabe. – Hagrid disse, lentamente. – Uma coisinha
pequenininha quando chocou. Do tamanho de um pequinês...
– Que lindo. – Respondeu Slughorn.
– Costumava mantê-lo num armário lá na escola, até que... bem...
O rosto de Hagrid ficou serio de repente, e Harry soube o porque: Tom Riddle contribuiu para
que Hagrid fosse expulso da escola, culpado por abrir a Câmara Secreta. Slughorn, porém, parecia
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
não escutá-lo; ele estava olhando para o teto, onde um número de panelas de cobre estavam pendurados,
e também uma mecha de um pelo brilhante, branco e sedoso.
– Aquilo é pelo de unicórnio, Hagrid?
– Ah, sim. – Confirmou Hagrid, indiferente. – Sai do rabo deles, e fica preso nos galhos por aí
na Floresta, entende...
– Meu amigo, você sabe quanto aquilo ali vale?
– Eu uso para fazer bandagens, e coisas desse tipo, quando um animal fica ferido. – Hagrid
respondeu com um muxoxo. – É muito útil. Bem forte.
Slughorn tomou outro gole, esvaziando sua caneca, com seus olhos se movendo cuidadosamente
pela cabana, procurando, Harry sabia, por mais tesouros que ele poderia converter num grande
suprimento de vinhos amadurecidos em carvalho, abacaxi cristalizado, e jaquetas de veludo. Ele
encheu novamente a caneca de Hagrid, e a sua própria, e o questionou sobre as criaturas que viviam
na Floresta atualmente, e como Hagrid fazia para cuidar de todas elas. Hagrid, cada vez mais expansivo
devido à influencia da bebida, e com o interesse falso de Slughorn, parou de enxugar os seus olhos, e
começou a falar alegremente sobre o acasalamento dos Tronquilhos.
A Felix Felicis deu a Harry um aviso nesse ponto, e ele notou que o estoque de bebida que
Slughorn tinha trazido estava acabando rapidamente. Harry ainda não tinha conseguido fazer o
Encantamento para Encher sem dizer as palavras mágicas, mas a idéia que ele não conseguiria fazêlo naquela noite era risível: ao invés disso, Harry sorriu, enquanto, sem que Hagrid ou Slughorn
percebessem (agora trocando histórias sobre comércio ilegal de ovos de dragão), ele apontou a varinha
para as garrafas vazias, por baixo da mesa, e imediatamente elas começaram a se encher.
Depois de mais ou menos uma hora, Hagrid e Slughorn começaram a fazer brindes extravagantes:
a Hogwarts, a Dumbledore, ao vinho feito por elfos, e a...
– Harry Potter! – Bradou Hagrid, derrubando metade da caneca pela sua bochecha, e bebendo
o resto.
– É isso mesmo! – Gritou Slughorn, já um pouco enrolado. – Parry Otter, O Menino Escolhido
que... er... ou algo do tipo... – Ele murmurou, e tomou o conteúdo da caneca, também.
Não muito depois disso, Hagrid começou a ficar choroso de novo, e empurrou o tufo de pelos
de unicórnio para cima de Slughorn, que rapidamente o colocou no bolso, aos brados de – À amizade!
à generosidade! A dez galeões o pêlo!
E, por um tempo depois, Hagrid e Slughorn ficaram sentados lado a lado, abraçados, cantando
uma musica triste e lenta, sobre um mago moribundo chamado Odo.
– Ahhhh, os bons morrem cedo. – Murmurou Hagrid, já se esparramando na mesa, com os
olhos se cruzando, enquanto Slughorn continuava a cantar o refrão fora do tom. – O meu pai não era
tão velho para ter ido. Nem sua mãe, nem seu pai, Harry.
Grandes lágrimas rolaram dos cantos dos olhos marejados de Hagrid; ele agarrou o braço de
Harry, e o sacudiu.
– O melhor bruxo... e bruxa... da idade deles que... eu já conheci.... coisa terrível... coisa
terrível...
Slughorn cantou cheio de remorso:
– “E então trouxeram Odo, o herói, de volta para casa/ Para o lugar onde era conhecido como
um amigo incrível/ Eles o deitaram para descansar, com o seu chapéu virado ao avesso/ E a sua
varinha quebrada em duas, o que foi triste...”
– ...Terrível. – Hagrid gemeu, e a sua grande cabeça rolou para junto de seus braços, e ele
adormeceu, roncando profundamente.
– Desculpe. – Slughorn disse, com um soluço. – Não poderia manter o tom mesmo que fosse
para salvar a minha vida.
– Hagrid não estava falando de sua cantoria. – Harry disse baixo. – Ele estava falando sobre
meu pai e minha mãe.
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Capítulo 22 – Depois do enterro
– Oh. – Slughorn disse, reprimindo um grande arroto. – Meu caro. Sim, isso... Isso foi terrível
mesmo. Terrível... Terrível...
Ele pareceu um pouco perdido sobre o que dizer, e se resumiu a encher as canecas.
– Eu acho... que você não se lembra do que aconteceu, não é Harry? – ele perguntou,
desconfortável.
– Não. Eu só tinha um ano de idade quando eles morreram.. – Harry respondeu, com seus
olhos na chama de uma vela que tremulava com o ronco pesado de Hagrid. – Mas eu descobri o
suficiente sobre o que aconteceu naquela noite. Meu pai morreu primeiro. O senhor sabia disso?
– Eu... Eu não sabia. – Slughorn disse apressadamente.
– Sim... Voldemort o assassinou, e passou por cima do corpo dele na direção da minha mãe. –
Harry continuou.
Slughorn teve um grande calafrio, mas foi incapaz de desviar o olhar aterrorizado do rosto de
Harry.
– Ele disse para ela sair do caminho. – Harry disse, sem remorso. – Ele me contou que ela não
precisava morrer. Ele só queria a mim. Ela poderia ter fugido.
– Meu Deus... – Slughorn respirou profundamente. – Ela poderia... Ela não precisava... Que
abominável...
– Realmente, não é? – Harry disse, quase como num sussurro.. – Mas ela não se moveu. Meu
pai já estava morto, mas ela não queria me perder também. Ela tentou implorar a Voldemort.. Mas ele
apenas gargalhou.
– Chega! – Slughorn disse de repente, levantando uma mão tremula. – Realmente, meu garoto,
já chega... Eu sou um homem velho. Eu não preciso escutar isso... Eu não quero escutar isso.
– Eu me esqueci. – Harry mentiu, conduzido pela Felix Felicis. – O senhor gostava dela, não é?
–
– Gostava dela? – perguntou Slughorn, com seus olhos novamente cheios de lágrimas. – Eu
não consigo imaginar ninguém que a tenha conhecido que não gostasse dela. Muito corajosa... Muito
engraçada... Isso foi a coisa mais horrível...
– Mas você não está ajudando o filho dela. – Harry retrucou. – Ela me deu a vida, mas você
não me daria uma lembrança.
Os roncos de Hagrid retumbaram pela cabana. Harry prontamente olhou para os olhos cheios
de lágrimas de Slughorn. O mestre de Poções parecia incapaz de desviar o olhar.
– Não diga isso. – Ele sussurrou. – Não é essa a questão... Se fosse para ajudá-lo, é claro, mas
isso não vai servir para nenhum propósito.
– Vai sim. – Harry disse claramente. – Dumbledore precisa de informações. Eu preciso de
informações!
Ele sabia que era seguro: a poção lhe dizia que Slughorn não iria se lembrar de nada pela
manhã. Olhando Slughorn olho no olho, Harry se aproximou um pouco.
– Eu sou o “Escolhido”.. Eu tenho que matar Voldemort. Eu preciso daquela lembrança.
Slughorn ficou mais pálido do que nunca; sua testa brilhava com o suor.
– Você é o “Escolhido”?
– Claro que sou. – Harry respondeu calmamente.
– Mas então... Meu rapaz... Você esta me pedindo algo grande. Você esta me pedindo, de fato,
a ajudá-lo em sua tentativa de destruir...
– Você não quer acabar com o bruxo que matou Lílian Evans?
– Harry, Harry, é claro que eu quero, mas...
– Você tem medo de que ele descubra que você me ajudou?
Slughorn não disse nada; ele parecia aterrorizado.
– Seja corajoso como a minha mãe, Professor.
Slughorn levantou uma mão gorda, e a levou, com os dedos trêmulos, a sua boca; Por um
momento, ele parecia um enorme bebê gigante.
235
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Eu não me orgulho... – Ele sussurrou por entre os dedos. – Eu me envergonho do que... do
que aquela memória mostra. Eu acho que causei um grande estrago naquele dia...
– Você pode equilibrar as coisas que você fez me dando aquela lembrança. – Harry insistiu. –
Isso seria muito corajoso, e uma coisa nobre a se fazer.
Hagrid se mexeu no seu sono, e logo voltou a roncar. Slughorn e Harry ficaram se olhando nos
olhos através da chama da vela. O silencio durou por muito tempo, mas a Felix Felicis indicou a
Harry que ele não deveria o quebrar, que ele deveria esperar.
Então, bem lentamente, Slughorn colocou a mão no seu bolso, e tirou sua varinha. Ele colocou
sua outra mão dentro de sua capa, e tirou uma pequena garrafa vazia. Ainda olhando para os olhos de
Harry, Slughorn tocou a têmpora com a ponta da sua varinha, e quando a moveu, um longo fio
prateado de memória acompanhou a varinha, se concentrando na ponta dela. Cada vez mais longo, a
lembrança se estreitou ate que terminou, e ficou balançando, com seu brilho prateado, na varinha.
Slughorn a conduziu então para dentro da garrafa, onde ela se enfiou e alojou, turbilhonando como se
fosse um gás. Ele arrolhou a garrafa com uma mão tremula, e então a passou pela mesa ate Harry.
– Muito obrigado, Professor.
– Você é um bom garoto. – disse o professor Slughorn, com as lágrimas rolando pelas suas
bochechas gordas até o seu grosso bigode. – E você tem os olhos dela.... Não... não faça um mau
juízo de mim depois de ver essa lembrança...
Então, ele também, pondo a cabeça entre os braços, deu um grande bocejo, e dormiu.
236
– CAPÍTULO 23 –
Horcruxes*
Harry podia sentir o efeito do Felix Felicis se esgotando enquanto voltava lentamente para o
castelo. A porta de entrada permanecia destrancada, mas no terceiro andar ele encontrou Pirraça e
por pouco evitou ser encontrado desaparecendo por um de seus atalhos. Quando chegou ao retrato
da Mulher Gorda e tirou sua capa de invisibilidade, não se surpreendeu ao encontrá-la terrivelmente
mal humorada.
– Isso são horas de aparecer?
– Eu sinto muito... precisei sair por causa de algo importante...
– Bem, a senha foi alterada à meia-noite, então você terá que dormir no corredor, não é mesmo?
– Você está brincando! – exclamou Harry – Por que a senha teve que ser trocada a meia-noite?
– É assim que as coisas são – respondeu a Mulher Gorda – Se está bravo, vá discutir com o
Diretor, são deles as ordens de reforçar a segurança.
– Fantástico – Harry acrescentou amargamente olhando para o chão duro – Realmente brilhante.
E sim, eu iria discutir isso com Dumbledore se ele estivesse aqui, pois foi ele quem quis que eu...
– Ele está aqui – uma voz soou atrás de Harry. – O Professor Dumbledore retornou a escola há
uma hora atrás.
Nick-quase-sem-cabeça estava deslizando em direção ao Harry, sua cabeça balançando como
sempre sobre a gola de rufos.
– Fui informado pelo Barão Sangrento que o viu chegar – explicou Nick. – Ele parecia estar, de
acordo com o Barão, bastante animado embora um pouco cansado, claro.
– Aonde ele está? – perguntou Harry com o coração aos saltos.
– Oh, gemendo e arrastando correntes no alto da Torre de Astronomia, é o passatempo favorito
dele...
– Não o Barão Sangrento, Dumbledore!
– Oh, na sala dele – falou Nick – Acredito, pelo que o Barão disse, que ele tinha assuntos a
resolver antes de ir para...
– Sim, ele tem – interrompeu Harry, a excitação ardendo em seu peito diante da perspectiva de
contar a Dumbledore que ele tinha conseguido a lembrança. Ele virou-se e saiu correndo, ignorando
a Mulher Gorda que o estava chamando.
– Volte! Tudo bem, eu menti! Fiquei aborrecida porque você me acordou! A senha ainda é
“lombriga”!
Mas Harry já estava correndo de volta pelo corredor e em poucos minutos estava dizendo
“bomba de caramelo” para a gárgula do escritório de Dumbledore, que saltou para o lado e permitiu
que ele entrasse na escada em espiral.
237
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Entre – respondeu Dumbledore quando Harry bateu à porta. Sua voz soou exausta.
Harry abriu a porta. Lá estava o escritório de Dumbledore, parecendo o mesmo de sempre a
não ser pelo céu negro pontilhado de estrelas além das janelas.
– Nossa, Harry, – exclamou Dumbledore surpreso – A que devo esse prazer tão tarde da noite?
– Senhor, eu consegui. Consegui a lembrança de Slughorn.
Harry pegou o pequeno frasco de vidro e o mostrou a Dumbledore. Por um instante, o diretor
pareceu paralisado. Então abriu um largo sorriso.
– Harry, que notícia sensacional. Muito boa mesmo. Eu sabia que você conseguiria!
E aparentemente esquecido de quão tarde era, ele se apressou em pegar o frasco com a lembrança
de Slughorn em sua mão machucada e avançou em direção à estante onde guardava a Penseira.
– E agora – acrescentou Dumbledore, colocando a bacia de pedra sobre a mesa e esvaziando o
conteúdo do frasco dentro dela – Agora, finalmente nós veremos. Rápido Harry...
Harry obedientemente curvou-se sobre a Penseira e sentiu seus pés deixarem o chão da sala...
Mas uma vez ele se viu em meio à escuridão e aterrisou na sala de Horace Slughorn muitos anos
antes.
E lá estava um Slughorn muito mais novo, com seu brilhante cabelo grosso cor de palha e seu
bigode ruivo-aloirado, sentado novamente na confortável poltrona em seu escritório, seus pés
descansando em um pufe de veludo, uma pequena taça de vinho em uma das mãos, enquanto a outra
remexia uma caixa de abacaxis cristalizados. E lá estavam meia dúzia de adolescentes em volta de
Slughorn, com Tom Riddle no meio deles, o anel dourado e preto de Servolo brilhando em seu dedo.
Dumbledore pousou ao lado de Harry quando Riddle perguntou:
– Senhor, é verdade que a Professora Merrythought está se aposentando?
– Tom, Tom, mesmo se eu soubesse eu não poderia lhe contar – respondeu Slughorn agitando
seu dedo repreensivamente para Riddle, apesar de dar uma piscadela ao mesmo tempo. – Devo dizer
que gostaria de saber qual é sua fonte de informação menino, você é mais bem informado que metade
do corpo docente.
Riddle sorriu. Os outros meninos deram risadas e lançaram olhares admirados a ele.
– Com sua fantástica habilidade de descobrir coisas que você não deveria saber e sua cuidadosa
habilidade de lisonjear pessoas importantes... a propósito, obrigado pelos abacaxis, você está
absolutamente certo, são meus favoritos...
Vários dos garotos deram risadinhas novamente.
-...acredito que você deva ocupar um alto cargo no Ministério da Magia em uns vinte anos.
Quinze, se continuar a me enviar abacaxis, eu tenho excelentes contatos dentro do Ministério.
Tom Riddle meramente sorriu enquanto os outros garotos gargalhavam novamente. Harry notou
que ele não era de modo algum o mais velho do grupo de garotos, mas todos pareciam considerá-lo
o líder.
– Não tenho certeza que a carreira política me atraia, senhor – comentou quando o riso dos
garotos diminuiu – não tenho o tipo certo de ascendência, para começar.
Dois garotos ao lado trocaram sorrisos maliciosos. Harry tinha certeza que eles estavam
compartilhando uma piada particular, pois sem dúvida nenhuma sabiam ou suspeitavam sobre o
ancestral famoso do líder da gangue.
– Tolice – retrucou Slughorn veementemente – não poderia ser mais claro que você vem de
uma linhagem bruxa decente, tendo habilidades como as suas. Não, você irá longe, Tom, nunca me
enganei sobre um estudante antes.
O pequeno relógio dourado em cima da mesa de Slughorn anunciou 11 horas e ele olhou a sua
volta.
– Nossa, já é tão tarde assim? Melhor vocês irem, meninos, ou todos estaremos encrencados.
Lestrange, quero seu trabalho amanhã pela manhã ou lhe darei detenção. O mesmo vale para você
Avery!
238
Capítulo 23 – Horcruxes
Um após o outro, os meninos saíram da sala. Slughorn se levantou de sua poltrona e colocou
sua taça vazia em cima da mesa. Um movimento o fez olhar para trás. Riddle ainda estava lá.
– Fique atento, Tom, você não iria querer ser pego andando por aí fora do horário, você é
monitor...
– Senhor, eu queria lhe perguntar uma coisa.
– Pergunte então meu garoto, pergunte...
– Senhor, estava imaginando o que sabe sobre... sobre Horcruxes?
Slughorn olhou-o fixamente, seus dedos grossos apertando a haste de sua taça de vinho com a
cabeça longe.
– Projeto de Defesa Contras as Artes da Trevas, eu suponho?
Mas Harry podia apostar que Slughorn sabia perfeitamente que não era nada relacionado a
trabalho escolar.
– Não exatamente senhor – disse Riddle – deparei com o termo enquanto estava lendo, mas
não o entendi completamente.
– Não... bem... você estaria querendo demais ao tentar encontrar um livro em Hogwarts que
lhe desse detalhes sobre Horcruxes, Tom, isso é magia negra, artes das trevas mesmo! – exclamou
Slughorn.
– Mas obviamente o senhor sabe tudo sobre eles, não? Quero dizer, um bruxo como o senhor;
desculpe-me, quero dizer, se o senhor não puder me falar, obviamente; Eu só pensei que se alguém
pudesse me falar a respeito, esse alguém seria o senhor. Então, pensei que deveria...
Tudo foi perfeito, pensou Harry. A hesitação, o tom casual, a discreta adulação, nenhum dos
quais em excesso. Harry tinha experiência suficiente em tentar extrair informações de pessoas relutantes
para não reconhecer um mestre em serviço. Ele podia dizer que Riddle queria a informação muito,
mas muito mesmo. Talvez ele estivesse se preparando para aquele momento há semanas.
– Bem – comentou Slughorn, sem olhar para Riddle, brincando com a fita da tampa da caixa de
abacaxis cristalizados – bem, não deve haver mal algum em lhe dar uma visão geral, claro. Apenas o
suficiente para entender o termo. Um Horcrux é uma palavra usada para nomear um objeto no qual
uma pessoa escondeu parte de sua alma.
– Eu não entendo como isso funciona, senhor – comentou Riddle.
Sua voz estava cuidadosamente controlada, mas Harry podia sentir a excitação.
– Bem, você divide a sua alma, entenda – continuou Slughorn – e guarda parte dela dentro de
um objeto que esteja fora do corpo. Então, mesmo se o corpo for atacado ou destruído, a pessoa não
pode morrer, pois parte de sua alma permanece presa à terra e sem danos. Mas claro, existir em tal
forma...
– A expressão de Slughorn se contraiu e Harry lembrou-se de palavras que ele havia ouvido
quase dois anos antes:
– “Fui arrancado do meu corpo, me tornei menos que um espírito, menos que o fantasma mais
insignificante... mas, ainda assim, continuei vivo.”
– Poucos desejariam isso, Tom, muito poucos. Seria preferível a morte.
Mas a voracidade de Riddle estava agora aparente, sua expressão cobiçosa, ele não conseguia
mais esconder sua ânsia.
– Como se divide uma alma?
– Bem – continuou Slughorn desconfortavelmente – você deve entender que a alma deveria
permanecer intacta e inteira. Dividi-la é um ato de violação, é contra a natureza.
– Mas como se divide?
– Por um ato de maldade... o supremo ato de maldade. Tornando-se um assassino. Cometer um
assassinato rompe a alma em pedaços. O bruxo que pretende criar um Horcrux usa o dano causado
em seu favor. Ele poderia encapsular a parte rompida...
– Encapsular? Mas como...?
239
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Através de um feitiço, não me pergunte qual, eu não sei! – interrompeu Slughorn, sacudindo
a cabeça como um velho elefante incomodado por mosquitos – Eu pareço ser alguém que já tenha
tentado isso? Pareço ser um assassino?
– Não, claro que não senhor – respondeu Riddle rapidamente – Sinto muito... não quis ofendêlo...
– Não ofendeu, absolutamente, não ofendeu – comentou Slughorn asperamente – é natural
sentir certa curiosidade sobre esse tipo de coisa... bruxos de certo calibre têm sido atraídos por esse
tipo de mágica...
– Sim, senhor – interrompeu Riddle – O que eu não entendo, porém, somente por curiosidade,
quero dizer, um Horcrux teria muita utilidade? Somente é possível dividir sua alma uma vez? Não
seria melhor, não o faria mais forte, dividir a alma em mais pedaços, digo, por acaso sete não é o mais
poderoso número mágico, não seria sete...
– Pelas barbas de Merlin, Tom! – Slughorn gemeu – Sete! Já não é ruim suficiente matar uma
pessoa? Em todo o caso, já é ruim suficiente dividir a alma... mas dividir a alma em sete pedaços...
Slughorn parecia profundamente perturbado agora. Ele estava olhando para Riddle como se
nunca o tivesse visto claramente antes, e Harry poderia jurar que ele havia se arrependido de ter tido
aquela conversa.
– Mas claro – ele murmurou – que tudo o que conversamos é hipotético, não é? Tudo para fins
acadêmicos...
– Sim, claro que sim, senhor – respondeu Riddle rapidamente.
– Mas mesmo assim, Tom... não comente nada do que eu lhe contei; por assim dizer, do que
discutimos. As pessoas não gostariam de saber que estivemos conversando sobre Horcruxes. É um
assunto proibido em Hogwarts, você sabe... Dumbledore é particularmente severo sobre isso...
– Eu não direi uma palavra, senhor – prometeu Riddle, e então ele deixou a sala, mas não antes
de Harry notar que sua expressão estava carregada de uma felicidade selvagem, a mesma de quando
descobriu que era um bruxo, o tipo de felicidade que não realçava suas feições bonitas, mas o fazia
parecer, de alguma forma, menos humano.
– Obrigado, Harry – murmurou Dumbledore baixinho – Hora de ir...
Quando Harry pisou novamente no chão da sala, Dumbledore já estava se sentando atrás de
sua mesa. Harry sentou-se também e aguardou que Dumbledore falasse.
– Tenho desejado essa evidência há muito tempo – disse Dumbledore finalmente. – Ela confirma
a teoria na qual eu tenho trabalhado, diz que estou certo e também o quanto ainda deve ser feito...
Harry notou subitamente que cada um dos antigos diretores e diretoras dos retratos das paredes
estavam acordados e ouvindo a sua conversa. Um bruxo corpulento de nariz vermelho colocou uma
trompa de ouvido.
– Bem, Harry – continuou Dumbledore – tenho certeza que você entendeu o significado do
que acabamos de ouvir. Com a mesma idade que você tem agora, ou com poucos meses de diferença,
Tom Riddle estava fazendo tudo o que podia para descobrir como se tornar imortal.
– O Senhor acha que ele teve sucesso? – perguntou Harry – Que ele fez um Horcrux ? E que
foi por isso que não morreu quando me atacou? Que tinha um Horcux escondido em algum lugar?
Um pedaço de sua alma estava a salvo?
– Um pedaço... ou mais de um – explicou Dumbledore – Você ouviu Voldemort, o que ele
queria particularmente de Horace era uma opinião sobre o que aconteceria com um bruxo que criasse
mais de um Horcrux , o que aconteceria a um bruxo tão determinado a escapar da morte que estaria
pronto para matar diversas vezes, dividir a alma repetidamente e encapsular os pedaços em Horcuxes
separados e escondidos. Nenhum livro lhe daria esse tipo de informação. Até onde sei, e até onde
Voldemort sabe, tenho certeza – nenhum bruxo jamais dividiu sua alma mais de duas vezes.
Dumbledore hesitou por um momento, ordenando seus pensamentos, então continuou:
– Quatro anos atrás eu recebi o que considerei uma prova de que Voldemort havia dividido sua
alma.
240
Capítulo 23 – Horcruxes
– Onde? – perguntou Harry – Como?
– Você me entregou, Harry – respondeu Dumbledore – O diário, o diário de Riddle, aquele que
deu instruções de como reabrir a Câmara Secreta.
– Eu não entendo, senhor – exclamou Harry.
– Bem, apesar de não ter visto o Riddle que saiu do diário, o que você me descreveu foi um
fenômeno o qual nunca havia testemunhado. Uma mera memória agindo e pensando por ela mesma?
Uma mera memória sugando a vida de uma garota em cujas mãos tinha ido parar? Não, algo muito
mais sinistro tinha vivido dentro daquele livro. Um fragmento de alma, tinha quase certeza disso. O
diário tinha sido um Horcrux . Mas esse fato levantou mais questões do que respondeu. O que me
intrigou e preocupou mais do que tudo é que o diário havia sido criado para ser tanto uma arma
quanto uma salvaguarda.
– Eu ainda não entendo – disse Harry.
– Bem, funcionou exatamente como um Horcrux supostamente deve funcionar – em outras
palavras, o fragmento da alma encarcerado dentro dele permaneceu a salvo e sem dúvida alguma
ajudou a prevenir a morte de seu dono. Mas não havia dúvida que Riddle queria que o diário fosse
lido, queria que o fragmento de sua alma possuísse ou controlasse alguém, para que o monstro de
Slytherin fosse novamente solto.
– Bem, ele não queria que todo o trabalho fosse desperdiçado – comentou Harry – Queria que
as pessoas soubessem que ele era o herdeiro de Slytherin, porque ele não pôde levar o crédito na
época.
– Correto – Dumbledore concordou com a cabeça – Mas você não vê Harry, que se ele pretendia
que o diário fosse passado, ou infiltrado, para algum estudante futuro de Hogwarts, ele estaria sendo
consideravelmente relapso com o precioso fragmento de alma encarcerado dentro dele? O objetivo
de um Horcrux é, como o Professor Slughorn explicou, manter uma parte do ser escondida e
segura, não arremessá-la no caminho de alguém e correr assim o risco de que seja destruída, como
aconteceu, na verdade. Aquele fragmento de alma, em particular, não existe mais, você providenciou
isso.
– O modo descuidado com que Voldemort considerou esse Horcrux me pareceu suspeito.
Sugeriu que ele pudesse ter feito, ou estaria planejando fazer, mais Horcruxes, de modo que a perda
de seu primeiro não seria tão prejudicial. Eu não queria acreditar, mas nada mais fazia sentido.
– Então você me contou, dois anos atrás, na noite em que Voldemort retornou a seu corpo que
ele havia feito uma afirmação alarmante e esclarecedora aos seus Comensais da Morte. “Eu, que
cheguei mais longe do que qualquer outro no caminho que leva à imortalidade”. Foi o que você me
contou que ele disse. “Mais longe do que qualquer outro”. E eu pensei saber o significado, mesmo
que os Comensais da Morte não soubessem. Ele estava se referindo a seus Horcruxes, Horcruxes no
plural, Harry, o que eu não acredito que algum outro bruxo já tenha feito. Mesmo assim tudo se
encaixava; Lord Voldemort parecia cada vez menos humano com o passar dos anos, e a transformação
pela qual ele passou me parecia somente explicável se sua alma houvesse sido mutilada além do
domínio do que podemos chamar de ‘mal comum’...
– Então ele se fez impossível de matar assassinando outras pessoas? – perguntou Harry – Por
que ele não podia fazer uma Pedra Filosofal, ou roubar uma, se ele estava tão interessado em
imortalidade?
– Bem, nós sabemos que ele tentou fazê-lo, cinco anos atrás – respondeu Dumbledore – Mas
há diversas razões pelas quais, acho eu, uma Pedra Filosofal teria parecido menos atraente do que
Horcruxes para Voldemort.
– O Elixir da Vida realmente prolonga a existência, mas deve ser ingerido regularmente por
toda a eternidade, se quem o bebe quiser manter a imortalidade. Conseqüentemente, Voldemort
ficaria dependente do elixir, e se ele se acabasse, ou fosse contaminado, ou a Pedra fosse roubada, ele
morreria como qualquer outro homem. Voldemort gosta de trabalhar sozinho, lembre-se. Eu acredito
que ele deva ter considerado a idéia de tornar-se dependente, mesmo que do Elixir, insuportável.
241
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Claro que ele estava disposto a tomá-lo se isso o livrasse da horrenda semi-vida a que foi condenado
após atacar você, mas somente até recuperar seu corpo. Estou convencido de que depois disso, ele
pretendia continuar confiando em seus Horcruxes. Ele não precisaria de mais nada, se apenas ele
conseguisse retomar a forma humana. Ele já era imortal, veja você... ou estava tão perto de ser
imortal quanto um homem pode estar.
– Mas agora Harry, armados com essa informação decisiva que você obteve para nós, estamos
mais perto do segredo de como liquidar Lord Voldemort do que qualquer um jamais esteve. Você o
ouviu Harry: “Não seria melhor, o faria mais forte, dividir a alma em mais pedaços, digo, por acaso
sete não é o mais poderoso número mágico...” Sim, eu acho que a idéia de partir a alma em sete
pedaços pareceria incrivelmente atraente para Lord Voldemort.
– Ele fez sete Horcruxes? – disse Harry horrorizado, enquanto diversos retratos na parede
fizeram ruídos similares de choque e ultraje – Mas eles poderiam estar em qualquer lugar do mundo,
escondidos, enterrados, invisíveis...
– Fico feliz que você tenha entendido a magnitude do problema – comentou Dumbledore
calmamente – Mas, primeiramente, não Harry, não sete, mas seis. A sétima parte da alma, por mais
que esteja mutilada, é aquela que reside dentro do corpo regenerado. É a parte que viveu uma existência
espectral por tantos anos durante seu exílio, sem a qual ele não teria mais um eu. O sétimo pedaço da
alma deverá ser o último a ser atacado por quem deseje matar Voldemort; o pedaço que ainda vive
em seu corpo.
– Seis Horcruxes, então – corrigiu-se Harry um pouco de desesperado. – Como vamos encontrálos?
– Você está se esquecendo... você já destruiu um deles. E eu destruí outro.
– O senhor destruiu? – perguntou Harry ansiosamente.
– Na verdade, sim – respondeu Dumbledore, e ergueu sua mão enegrecida e queimada. – O
anel, Harry. O anel do Servolo. E também uma terrível maldição que havia sido lançada nele. Se não
fosse por, desculpe-me pela aparente falta de modéstia, minha prodigiosa habilidade e pela pronta
ação do Professor Snape quando retornei a Hogwarts, desesperadamente machucado, eu não teria
vivido para contar a história. Entretanto, uma mão murcha não me parece um preço muito alto a se
pagar por um dos sete pedaços da alma de Voldemort. O anel não é mais um Horcrux.
– Mas, como o senhor o descobriu?
– Bem, como você sabe agora, por muitos anos eu assumi a tarefa de descobrir tanto quanto
pude sobre o passado de Voldemort. Eu tenho viajado muito, visitado os lugares em que ele esteve.
Tropecei no anel escondido nas ruínas da casa dos Gaunt. Parece-me que uma vez que Voldemort
encarcerou uma parte de sua alma dentro do anel, ele não quis mais usá-lo. Ele o escondeu e protegeu
com encantamentos poderosos, na choupana onde seus ancestrais viveram (após Morfin ter sido
levado para Azkaban, claro), nunca imaginando que eu me daria ao trabalho de visitar as ruínas, ou
que eu manteria meus olhos abertos em busca de traços de esconderijos mágicos.
– Entretanto, nós não devemos nos sentir tão confiantes. Você destruiu o diário e eu o anel,
mas se nós estivermos corretos em nossa teoria da alma ter sido dividida em sete partes, quatro
Horcruxes permanecem.
– E eles poderiam ser qualquer coisa? – perguntou Harry – Poderiam ser, não sei, latas de metal
ou recipientes de poções vazios...
– Você está pensando em Chaves de Portal Harry, as quais podem ser objetos comuns, fácil de
passarem despercebidos. Mas Lord Voldemort usaria latas de metal ou recipientes de poções vazios
para guardar sua preciosa alma? Você está esquecendo o que lhe mostrei. Lord Voldemort gosta de
colecionar troféus, e ele tem preferência por objetos com um passado mágico poderoso. Seu orgulho,
sua crença na própria superioridade, sua determinação em cavar para si um lugar de destaque no
mundo mágico; tudo isso me faz crer que Voldemort teria escolhido seus Horcruxes com algum
cuidado, dando preferência a objetos que merecessem tal honra.
– O diário não era tão especial.
242
Capítulo 23 – Horcruxes
– O diário, como você mesmo disse, era a prova que ele era o herdeiro de Slytherin. Tenho
certeza que Voldemort o considerava de extrema importância.
– Bem, e os outros Horcruxes? – perguntou Harry – O senhor acha que sabe o que são?
– Eu só posso imaginar – respondeu Dumbledore – Pelas razões que já lhe dei, acredito que
Lord Voldemort preferiria objetos que, em si mesmos, tenham uma certa grandeza. Por esta razão,
tenho vasculhado o passado de Voldemort para encontrar alguma evidência de artefatos que
desapareceram em sua trajetória.
– O medalhão! – disse Harry estridentemente – A taça de Hufflepuff!
– Sim – concordou Dumbledore sorrindo – eu apostaria, talvez não minha outra mão, mas uns
dois dedos, que eles se tornaram os Horcruxes três e quatro. Os dois restantes, assumindo que ele
tenha criado seis no total, são mais problemáticos, porém eu arriscaria um palpite que, uma vez que
ele havia adquirido objetos de Hufflepuff e Slytherin, ele começaria a procurar por objetos de Gryffindor
e Ravenclaw. Quatro objetos dos quatro fundadores teriam, tenho certeza, exercido uma poderosa
atração sobre a imaginação de Voldemort. Não sei dizer se ele conseguiu encontrar alguma coisa de
Ravenclaw. Estou seguro porém, que a única relíquia conhecida de Gryffindor permanece em segurança.
Dumbledore apontou seus dedos enegrecidos para a parede atrás, onde uma espada com cabo
incrustado com rubis permanecia dentro de uma redoma de vidro.
– O senhor acha que é por isso que ele realmente queria voltar a Hogwarts? – perguntou Harry
– Para tentar encontrar alguma coisa dos outros fundadores?
– Exatamente o que penso – respondeu Dumbledore – Mas infelizmente, isso não nos ajuda
em nada, pois ele foi recusado, ou assim acredito, sem ter a chance de vasculhar a escola. Sou forçado
a concluir que ele nunca completou sua ambição de colecionar quatro objetos dos fundadores. Ele
definitivamente conseguiu dois, ele pode ter encontrado três, mas isso é o máximo que podemos
concluir por ora.
– Mesmo se ele conseguiu algo de Ravenclaw ou de Gryffindor, ainda resta o sexto Horcrux –
argumentou Harry, contando nos dedos – A menos que ele tenha conseguido ambos?
– Eu não acredito – disse Dumbledore – Penso saber o que deva ser o sexto Horcrux. Imagino
o que você diria quando eu lhe confessar que estive curioso por um tempo sobre o comportamento
da cobra, Nagini?
– A cobra? – exclamou Harry surpreso – Animais podem ser usados como Horcruxes?
– Bem, não é aconselhável fazê-lo – comentou Dumbledore – Porque confiar parte de sua alma
a algo que pode pensar e mover-se por si só é obviamente muito arriscado. Entretanto, se meus
cálculos estão corretos, faltava a Voldemort pelo menos um Horcrux quando ele entrou na casa de
seus pais com a intenção de matá-lo.
– Ele parece ter reservado o processo de criar Horcruxes para mortes particularmente
importantes. E a sua certamente teria sido. Ele acreditava que ao lhe matar, estaria destruindo o
perigo que a profecia havia esboçado. Acreditava estar se tornando invencível. Tenho certeza que ele
pretendia fazer seu último Horcrux com a sua morte. – Mas como você sabe, ele falhou. Após um
intervalo de alguns anos, ele usou Nagini para matar um velho trouxa, e pode ter lhe ocorrido a idéia
de transformá-la em seu último Horcrux . Ela salienta a conexão com Slytherin, a qual aumenta a
mística em torno de Lord Voldemort. Eu penso que ele é afeiçoado a ela mais do que a qualquer
outra coisa. Certamente gosta de mantê-la próxima, e parece ter um incomum controle sobre ela,
mesmo para um Ofidioglota.
– Então – concluiu Harry – o diário está anulado, o anel também. A taça, o medalhão e a cobra
ainda estão intactos, e o senhor acha que talvez exista um Horcrux feito com algo que Ravenclaw ou
Gryiffindor possuíram?
– Resumindo de um modo admiravelmente sucinto e correto, sim – concordou Dumbledore
acenando com a cabeça.
– Então... o senhor ainda está procurando por eles? Era aonde o senhor ia quando deixava a
escola?
243
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Correto – respondeu Dumbledore – Eu tenho procurado por um longo tempo. E acredito...
talvez... que esteja perto de encontrar mais um. Há sinais animadores.
– E se o senhor encontrar – acrescentou Harry rapidamente – eu posso ir com o senhor para
ajudar a destruí-lo?
Dumbledore olhou intensamente para Harry por um momento antes de responder:
– Sim, acho que pode.
– Posso? – exclamou Harry completamente surpreso.
– Oh, pode – confirmou Dumbledore sorrindo levemente – Acho que você conquistou esse
direito.
Harry sentiu seu coração mais leve. Era muito bom não ouvir palavras de proteção e cautela
pelo menos uma vez. Os diretores e diretoras por toda a parede pareceram menos impressionados
com a decisão de Dumbledore. Harry viu que alguns sacudiam a cabeça enquanto Fineus Nigellus
bufava na verdade.
– Voldemort percebe quando um Horcrux é destruído senhor? Ele pode sentir? – Harry
perguntou ignorando os retratos.
– Uma pergunta muito interessante, Harry. Acredito que não. Acredito que Voldemort esteja
tão imerso em maldade, e que essas partes cruciais estão separadas dele há tanto tempo, que ele não
tem mais a percepção que temos. Talvez, quando estiver próximo da destruição, ele venha a ter
consciência de sua perda... mas ele não estava ciente, por exemplo, que o diário havia sido destruído
até arrancar a verdade de Lúcio Malfoy. Fui informado de que quando Voldemort descobriu que o
diário havia sido mutilado e despojado de seus poderes, sua fúria foi terrível de se ver.
– Mas eu pensei que ele pretendesse que Lúcio Malfoy infiltrasse o diário em Hogwarts?
– Sim, ele pretendia, anos atrás, quando estava certo que poderia criar mais Horcruxes, mas
ainda assim Lúcio deveria aguardar a ordem de Voldemort, a qual nunca recebeu, pois Voldemort
desapareceu logo após ter lhe dado o diário. Não há dúvidas que ele imaginou que Lúcio não ousaria
fazer nada com o Horcrux além de guardá-lo cuidadosamente, mas estava depositando muita fé no
medo que Lúcio tinha de um mestre que havia desaparecido há anos e o qual considerava morto. É
claro que Lúcio não sabia exatamente o que o diário realmente era. Entendo que Voldemort somente
contou a ele que o diário faria que a Câmara Secreta fosse reaberta porque estava habilmente
enfeitiçado. Se Lúcio soubesse que tinha uma fração da alma do seu mestre em suas mãos, sem
dúvida teria tratado o diário com mais respeito; mas ao invés disso, ele prosseguiu com o antigo plano
em prol de seus próprios interesses. Infiltrando o diário com a filha de Arthur Weasley, ele esperava
desacreditar Arthur e se livrar de um objeto mágico altamente incriminador de uma só vez. Ah, pobre
Lúcio... com Voldemort furioso por ele ter se desfeito do Horcrux em proveito próprio e o fracasso
no Ministério no ano passado, eu não ficaria surpreso em saber que ele está secretamente satisfeito
em estar seguro em Azkaban no momento.
Harry perdeu-se em pensamentos por um instante e então perguntou:
– Então, se todos os Horcruxes forem destruídos, Voldemort poderia ser morto?
– Eu acredito que sim – respondeu Dumbledore – Sem seus Horcruxes, Voldemort seria um
homem mortal com uma alma mutilada e diminuta. Nunca se esqueça porém, apesar de sua alma
poder ter sido danificada além da possibilidade de reparo, seu cérebro e poderes mágicos permanecem
intactos. Seriam necessárias habilidades e poderes excepcionais para matar um bruxo como Voldemort,
mesmo sem seus Horcruxes.
– Mas eu não tenho nenhuma habilidade ou poder excepcional – acrescentou Harry antes que
pudesse evitar.
– Sim, tem – contradisse Dumbledore firmemente. – Você tem um poder que Voldemort nunca
teve. Você consegue...
– Já sei – interrompeu Harry impacientemente – Eu consigo amar – E foi com muita dificuldade
que não acrescentou “Grande coisa!”.
244
Capítulo 23 – Horcruxes
– Sim, Harry, você consegue amar – confirmou Dumbledore que parecia saber perfeitamente
bem o que Harry refreara dizer. – O quê, considerando tudo o que aconteceu a você, é realmente uma
coisa extraordinária. Você ainda é muito jovem para entender o quão notável você é, Harry.
– Então, quando a profecia diz que eu terei “o poder que o Lord das Trevas desconhece”
significa somente... amor? – Harry perguntou se sentindo um pouco desapontado.
– Sim... somente amor – respondeu Dumbledore – Mas Harry, nunca esqueça que, o que a
profecia diz só tem significado porque Voldemort assim o fez. Eu lhe disse isso no final do ano
passado. Voldemort o escolheu como a pessoa que seria mais perigosa para ele... e assim fazendo, ele
realmente o tornou a pessoa mais perigosa para ele.
– Mas é a mesma coisa...
– Não, não é – interrompeu Dumbledore parecendo impaciente agora. Apontando para Harry
com sua mão preta e murcha, ele acrescentou:
– Você está dando muito crédito à profecia!
– Mas – gaguejou Harry – Mas o senhor disse que a profecia significa...
– Se Voldemort nunca tivesse ouvido a profecia, ela teria sido cumprida? Teria significado
alguma coisa? É claro que não! Você acha que toda as profecias que estão na Sala da Profecia foram
realizadas?
– Mas – exclamou Harry confuso – no ano passado, o senhor me disse que um teria que matar
o outro...
– Harry, Harry, somente porque Voldemort cometeu um grave erro e agiu baseado nas palavras
da Professora Trelawney. Se Voldemort nunca tivesse assassinado seu pai, teria despertado em você
um furioso desejo de vingança? Claro que não! Se ele não tivesse forçado sua mãe a morrer para te
proteger, teria lhe dado uma proteção mágica que nem ele pode transpor? Claro que não, Harry! Você
não entende? O próprio Voldemort criou seu pior inimigo, como tiranos geralmente fazem. Você tem
idéia de quanto os tiranos temem as pessoas que eles oprimem? Todos eles percebem que, um dia,
dentre todas as suas vítimas, com certeza haverá uma que se erguerá e revidará. Voldemort não é
diferente. Ele sempre esteve aguardando por aquele que o desafiaria. Ele ouviu a profecia e apressouse a agir, resultando que ele não somente escolheu o homem mais provável para derrotá-lo, mas
também o equipou com armas mortais e únicas.
– Mas...
– É essencial que você entenda isso! – interrompeu Dumbledore, levantando-se e avançando
pela sala, suas vestes brilhantes farfalhando atrás de si. Harry nunca o tinha visto tão agitado. – Ao
tentar assassinar você, o próprio Voldemort escolheu a pessoa extraordinária que está na minha
frente, e lhe deu instrumentos para a tarefa. É culpa de Voldemort que você possa sentir seus
pensamentos, suas ambições, que você entenda a língua ofídica na qual ele dá ordens, e ainda, Harry,
apesar de sua privilegiada percepção do mundo de Voldemort (a qual, casualmente, é um dom que
qualquer Comensal da Morte mataria para ter), você nunca foi seduzido pelas Artes das Trevas,
nunca, nem por um segundo mostrou o menor desejo de se tornar um seguidor de Voldemort.
– Mas é claro que não! – Harry retrucou indignado – Ele matou meus pais!
– Você está protegido, em resumo, por sua capacidade de amar – Dumbledore concluiu alto –
A única proteção que possivelmente funcionaria contra a atração de um poder como o de Voldemort!
Apesar de toda a tentação a qual você foi submetido, de todo o sofrimento, você permaneceu puro de
coração, tão puro quanto você era com onze anos de idade, quando se olhou em um espelho encantado
que refletia o desejo mais profundo de seu coração, e ele somente lhe mostrou uma maneira de
impedir Voldemort, e não imortalidade ou riquezas. Harry, você tem alguma idéia de quão poucos
bruxos poderiam ter visto o que você viu naquele espelho? Voldemort deveria ter percebido então
com o que estava lidando, mas ele não o fez.
– Você se infiltrou na mente de Voldemort sem nenhum dano a si mesmo, mas ele não consegue
possuí-lo sem passar por uma agonia mortal, como ele descobriu no Ministério. Eu não acho que ele
245
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
entenda o porquê Harry, mas estava com tanta pressa em mutilar sua própria alma que nunca parou
para compreender o poder incomparável de uma alma imaculada e inteira.
– Mas senhor – continuou Harry fazendo valentes esforços para não soar discutidor -, tudo
acaba sendo a mesma coisa, não é? Eu tenho que matá-lo, ou...
– Tem que? – interrompeu Dumbledore – É claro que você tem que matá-lo! Mas não por
causa da profecia! Por sua causa, Harry, porque você nunca vai descansar até ter tentado! Nós dois
sabemos disso! Imagine, por favor, por um momento que você nunca houvesse ouvido a profecia!
Como se sentiria sobre Voldemort agora? Pense!
Harry observou Dumbledore indo de um lado para o outro na sua frente e pensou. Pensou em
sua mãe, seu pai e Sirius. Pensou em Cedrico Diggory. Pensou em todos os feitos terríveis de Lord
Voldemort. Uma chama pareceu se erguer em seu peito, secando a sua garganta.
– Eu gostaria que ele fosse liquidado – respondeu Harry baixinho – e gostaria de ser a pessoa
que o derrotaria.
– Claro que você gostaria! – bradou Dumbledore – Entenda, a profecia não significa que você
tem que fazer alguma coisa. Mas a profecia levou a que Voldemort o marcasse como seu igual... em
outras palavras, você é livre para escolher seu caminho, totalmente livre para virar as costas para a
profecia! Mas Voldemort continua levando a profecia em consideração. Ele continuará a caçá-lo... o
que torna certo, que realmente...
– Um de nós irá matar o outro no final – completou Harry – Sim...
Mas ele entendeu finalmente o que Dumbledore estava tentando dizer. Era, ele pensou, a
diferença entre ser arrastado a uma arena para enfrentar uma batalha mortal e entrar na arena com a
cabeça erguida. Algumas pessoas, talvez, diriam que há muita pouca diferença entre os dois, mas
Dumbledore sabia... “ e eu também” pensou Harry, com um ímpeto de orgulho feroz, e também
sabiam meus pais... que havia toda a diferença do mundo.
246
– CAPÍTULO 24 –
Sectumsempra
Exausto, mas muito satisfeito com seu trabalho da noite anterior, Harry contou a Rony e
Hermione tudo o que acontecera durante a aula de Feitiços da manhã seguinte (depois de lançar o
feitiço Muffliato naqueles que estavam mais próximos). Ambos estavam satisfeitos e impressionados
pela maneira como ele conseguira adular Slughorn e obter a lembrança e completamente atônitos
quando ele lhes contou sobre os Horcruxes de Voldemort e sobre a promessa de Dumbledore de
levá-lo consigo, caso encontrasse mais um.
– Uau! – exclamou Rony, quando Harry finalmente acabou de contar-lhes tudo. Rony sacudia
sua varinha vagamente na direção do teto, sem prestar um pingo de atenção no que fazia. – Uau!
Você realmente vai com o Dumbledore... e tentar e destruir... uau!
– Rony, você está fazendo nevar – avisou Hermione pacientemente, agarrando seu pulso e
apontando sua varinha para longe do teto de onde, como era de se esperar, grandes flocos de neve
começaram a cair. Numa mesa próxima, Lilá Brown, Harry notou, olhou fixamente para Hermione
com seus olhos muito vermelhos e Hermione imediatamente soltou o braço de Rony.
– Ah, é – constatou Rony, observando seus ombros com vaga surpresa. – Desculpe... agora
parece que todos nós pegamos uma caspa horrível.
Ele espanou a falsa neve do ombro de Hermione e Lilá desatou a chorar. Rony parecia
imensamente culpado e virou-se de costas para ela.
– Nós terminamos – ele contou a Harry pelo canto da boca – na noite passada. Quando ela me
viu saindo do dormitório com a Hermione. Obviamente, ela não podia ver você, então ela achou que
éramos só nós dois.
– Ah – exclamou Harry. – Bem... você não se importa de ter terminado, né?
– Não – admitiu Rony. Foi muito ruim enquanto ela gritava, mas pelo menos eu não tive que
terminar.
– Covarde – acusou Hermione, apesar de parecer estar se divertindo. – Bem, foi uma noite
ruim para romances em todo lugar. Gina e Dino terminaram também, Harry.
Harry achou que ela tinha um olhar de que quem conhecia a situação enquanto lhe contava,
mas não havia a menor possibilidade de ela saber que de repente suas entranhas estavam dançando
uma conga. Mantendo seu rosto o mais imóvel e sua voz o mais indiferente que podia, ele perguntou:
– Como assim?
– Ah, algo muito bobo... Ela falou que ele estava sempre tentando ajudá-la a passar pelo
buraco do retrato, como se ela não conseguisse subir sozinha... mas eles estão brigando há tempos.
Harry espiou Dino no outro lado da sala. Ele parecia triste com toda certeza.
– Claro que isto te coloca num dilema, né? – perguntou Hermione.
247
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Que você quer dizer? – revidou Harry rapidamente.
– O time de quadribol. – respondeu Hermione. – Se a Gina e o Dino não estão se falando...
– Ah... ah, sim. – concordou Harry.
– Flitwick – avisou Rony. O pequenino mestre de Feitiços andava em sua direção e Hermione
era a única que conseguira transformar vinagre em vinho. Seu frasco de vidro estava cheio de um
líquido carmesim escuro, enquanto o conteúdo dos frascos de Harry e Rony ainda estava turvo e
marrom.
– Agora, rapazes – chiou o professor Flitwick, repreendendo-os. – Um pouco menos de conversa,
um pouco mais de ação... Deixe-me vê-los tentando...
Juntos, eles levantaram suas varinhas, concentrando toda sua força, e apontaram-nas para seus
frascos. O vinagre de Harry virou gelo. O frasco de Rony explodiu.
– Sim... trabalho de casa, – disse o professor Flitwick ressurgindo de debaixo da mesa e tirando
cacos de vidro do topo de seu chapéu, – pratiquem.
Eles tiveram um dos seus raros tempos livres juntos depois de Feitiços e voltaram para o salão
comunal juntos. Rony parecia estar completamente feliz com o fim de seu relacionamento com Lilá
e Hermione parecia contente também, apesar de que quando lhe perguntavam por que estava rindo
à toa, ela respondia simplesmente:
– Está um dia ótimo. – Nenhum dos dois parecia ter notado que uma batalha feroz acontecia
dentro do cérebro de Harry:
Ela é irmã do Rony.
Mas ela descartou o Dino!
Ela ainda é irmã do Rony.
Sou seu melhor amigo!
Isso piora as coisas.
Se eu falar com ele primeiro...
Ele vai te bater.
E se eu não ligar?
Ele é seu melhor amigo!
Harry mal notou que eles passaram pelo buraco do retrato para o ensolarado salão comunal e
só registrou vagamente um pequeno grupo de alunos do sétimo ano agrupados ali, até que Hermione
gritou:
– Katie! Você voltou! Você está bem?
Harry olhou fixamente: realmente era Katie Bell parecendo totalmente saudável e cercada
pelos seus amigos contentes.
– Estou muito bem! – exclamou alegremente. – Eles me deram alta do St Mungo na segunda,
passei uns dias em casa com mamãe e papai e então voltei para cá esta manhã. Leanne estava me
contando agora sobre McLaggen e a última partida, Harry...
– É – concordou Harry – bem, agora você está de volta, Rony está em forma, teremos uma
chance decente de bater a Corvinal, o que significa que ainda podemos estar na briga pela Taça.
Ouça, Katie...
Ele teve que lhe perguntar de uma vez. Sua curiosidade tirou até mesmo Gina da sua cabeça
temporariamente. Abaixou a voz à medida que os amigos de Katie começaram a juntar suas coisas.
Aparentemente, estavam atrasados para Transfiguração.
– ...aquele colar... agora você consegue lembrar quem te deu?
– Não – respondeu Katie, sacudindo a cabeça com ar lamentoso. – Todos estão me perguntando
isso, mas não tenho nenhuma pista. A última coisa que me lembro foi entrar no banheiro feminino no
Três Vassouras.
– Então você definitivamente entrou no banheiro? – perguntou Hermione.
– Bem, sei que empurrei a porta e a abri – respondeu Katie -, então suponho que quem quer
que tenha me lançado a Maldição Imperius estava em pé atrás da porta. Depois disso, não lembro de
248
Capítulo 24 – Sectumsempra
nada até mais ou menos duas semanas atrás no St. Mungos. Ouçam, melhor eu ir, não duvido que
McGonagall me dê uma detenção, mesmo que seja meu primeiro dia de volta à escola...
Ela pegou sua bolsa e seus livros e correu atrás de seus amigos, deixando Harry, Rony e Hermione
sentados na janela próxima à mesa e refletindo sobre o que ela havia lhes contado.
– Então, com certeza foi uma garota ou uma mulher que deu o colar a Katie, – concluiu
Hermione, – para estar no banheiro feminino.
– Ou alguém que parecia com uma garota ou uma mulher. – corrigiu Harry. – Não esqueça,
havia um caldeirão cheio de poção polissuco em Hogwarts. Sabemos que um pouco dela foi roubada.
Em seu pensamento, ele viu uma fila de Crabbes e Goyles rebolando, todos transformados em
garotas.
– Acho que tomarei outro gole de Felix e darei uma passada na Sala Precisa de novo. – comentou
Harry.
– Isto seria um total desperdício de poção. – condenou Hermione diretamente, largando a
cópia de Silabário de Feitiços que acabara de tirar da bolsa. – A sorte só pode melhorar um pouco as
coisas para você, Harry. A situação com Slughorn era diferente; você já tinha a capacidade de persuadilo, só precisava ajustar um pouquinho as circunstâncias. Mas sorte não é suficiente para fazê-lo
passar por um encantamento poderoso. Não fique gastando o resto da poção! Você precisará de toda
a sorte que puder ter se Dumbledore levá-lo com ele... – ela baixou a voz para um sussurro.
– Não podíamos fazer um pouco mais? – Rony perguntou a Harry, ignorando Hermione. Seria
bom ter um estoque da poção... Dê uma olhada no livro...
Harry puxou sua cópia de Preparo de Poções – Nível Avançado da sua bolsa e procurou Felix
Felicis.
– Caramba, é muito complicada, – comentou correndo os olhos pela lista de ingredientes – e
leva seis meses... Você tem que deixar em banho-maria...
– Era de se esperar. – concluiu Rony.
Harry estava a ponto de guardar o livro novamente, quando notou a ponta de uma página
dobrada. Indo para esta página, viu o feitiço Sectumsempra com a legenda “para inimigos” que havia
marcado algumas semanas antes. Ele ainda não descobrira o que fazia, principalmente porque não
queria testá-lo perto da Hermione, mas considerava testá-lo no McLaggen da próxima vez que ele o
seguisse sem avisar.
A única pessoa que não estava muito satisfeita de ver Katie Bell de volta à escola era Dino
Thomas, porque não seria mais necessário que tomasse seu lugar como artilheiro. Ele até agüentou
bem o golpe quando Harry contou-lhe e meramente grunhiu e deu de ombros, mas Harry teve a clara
sensação que Dino e Simas resmungavam rebeldemente pelas suas costas enquanto se afastava deles.
As duas semanas seguintes viram os melhores treinos de quadribol que Harry presenciara como
capitão. Seu time estava tão satisfeito de ter se livrado do McLaggen, tão feliz por ter Katie finalmente
de volta que voava extremamente bem.
Gina não parecia nem um pouco transtornada com o término com Dino. Pelo contrário, ela era
a vida e alma do time. Suas imitações de Rony sacudindo para cima e para baixo na frente da baliza
enquanto a goles zunia em sua direção ou de Harry gritando ordens para McLaggen antes de ser
nocauteado mantinham todos muito entretidos. Harry, rindo com os outros, estava satisfeito por ter
uma razão inocente para olhar para Gina. Ele recebera muitas pancadas a mais do balaço durante os
treinos por não manter seus olhos no pomo.
A batalha ainda fervia dentro de seu cérebro: Gina ou Rony? Às vezes, achava que o Rony pósLilá talvez não ligasse tanto se ele a pedisse em namoro, mas então se lembrava da expressão de Rony
quando a vira beijando Dino e estava certo que Rony consideraria uma traição baixa se Harry apenas
segurasse sua mão...
Ainda assim, Harry não conseguia deixar de falar com Gina, rir com ela, voltar dos treinos com
ela. Por mais que sua consciência pesasse, ele se pegava pensando em como encontrá-la sozinha.
Teria sido perfeito se Slughorn tivesse dado outra das suas festinhas, para que Rony não estivesse por
249
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
perto, mas, infelizmente, Slughorn parecia ter desistido delas. Uma ou duas vezes Harry cogitou pedir
a ajuda da Hermione, mas achava que não agüentaria ver o seu olhar presunçoso. Ele pensou tê-lo
visto algumas vezes quando Hermione o pegou encarando Gina ou rindo de suas piadas. E, para
complicar ainda mais, ele tinha a preocupação irritante de que se não o fizesse, outra pessoa certamente
logo pediria para namorar Gina. Rony e ele ao menos concordavam que seria melhor que ela não
fosse tão popular, para seu próprio bem.
Considerando tudo, a tentação de tomar outro gole de Felix Felicis ficava mais forte a cada dia,
certamente esta era uma ocasião para, como Hermione colocou, “ajustar um pouquinho as
circunstâncias”? Dias agradáveis deslizaram suavemente por maio e Rony parecia estar no pé de
Harry toda vez que via Gina. Harry se pegou desejando um golpe de sorte que, de alguma maneira,
fizesse Rony descobrir que nada o faria mais feliz do que seu melhor amigo e sua irmã apaixonados
um pelo outro e os deixasse sozinhos por mais do que alguns segundos. Não parecia haver chance
para isso enquanto o jogo final de quadribol da temporada se aproximava. Rony queria falar sobre
táticas com Harry o tempo todo e não pensava em mais nada.
Rony não era o único a agir assim; o interesse pelo jogo Grifinória-Corvinal crescia
desesperadamente por toda a escola, já que a partida decidiria o Campeonato que ainda estava bastante
indefinido. Se a Grifinória ganhasse da Corvinal por uma diferença de trezentos pontos (uma missão
complicada, ainda que Harry nunca tivesse visto seu time voar melhor), então ganharia o Campeonato.
Se ganhassem por menos de trezentos pontos, ficariam em segundo e a Corvinal em primeiro; se
perdessem por cem pontos, ficariam em terceiro atrás da Lufa-Lufa e se perdessem por mais de cem
pontos, ficariam em quarto lugar e ninguém, Harry pensava, nunca, nunca mais o deixaria esquecer
que foi ele quem capitaneou a Grifinória na sua primeira lanterninha na tabela em dois séculos.
As vésperas desta partida crucial tinham todas as características normais: membros de casas
rivais tentando intimidar os times oponentes pelos corredores; músicas desagradáveis sobre certos
jogadores ensaiadas em voz alta enquanto eles passavam; os próprios membros dos times ou ficavam
vangloriando-se pela escola e aproveitando toda a atenção dispensada ou corriam para os banheiros
entre as aulas para vomitar. De alguma maneira, na mente de Harry, o jogo se tornara inseparavelmente
unido ao sucesso ou fracasso de seus planos para com Gina. Ele não conseguia parar de sentir que se
ganhassem por mais de trezentos pontos, as cenas de euforia e uma boa e barulhenta festa póspartida poderiam ser tão boas quanto um grande gole de Felix Felicis.
No meio de todas as suas preocupações, Harry não esqueceu sua outra ambição: descobrir o
que Malfoy tramava na Sala Precisa. Ele ainda verificava o Mapa do Maroto e, como freqüentemente
não podia localizar Malfoy nele, deduziu que o outro ainda passava bastante tempo na sala. Embora
Harry estivesse perdendo as esperanças de que conseguiria algum dia entrar na Sala Precisa, tentava
toda vez que estava próximo, mas a parede continuava firmemente sem portas, não importando
como reformulasse seu pedido.
Alguns dias antes da partida contra a Corvinal, Harry se encontrava saindo do salão comunal
para o jantar sozinho. Rony correra para um banheiro próximo para vomitar de novo e Hermione
saíra apressada para conversar com a Profa. Vector sobre um erro que achava ter cometido no seu
último trabalho de Aritimancia. Mais por hábito do que por qualquer outra coisa, Harry deu sua
passada habitual pelo corredor do sétimo andar, checando o mapa dos marotos enquanto caminhava.
Por um instante, ele não conseguiu encontrar Malfoy em lugar algum e presumiu que ele certamente
devia estar dentro da Sala Precisa de novo, mas então viu o pequeno ponto escrito Malfoy no banheiro
dos meninos no andar de baixo, acompanhado não por Crabbe e Goyle, mas pela Murta Que Geme.
Harry só parou de olhar para este casal improvável quando atropelou uma armadura. A colisão
barulhenta o trouxe de volta de seus pensamentos. Correndo da cena do crime para prevenir-se, antes
que Filch aparecesse, saiu apressado pela escadaria de mármore e pela passagem de baixo. Fora do
banheiro, pressionou seu ouvido contra a porta. Não podia ouvir nada. Muito silenciosamente,
empurrou a porta para abri-la.
250
Capítulo 24 – Sectumsempra
Draco Malfoy estava de pé de costas para a porta, suas mãos agarrando com força os dois lados
da pia, sua cabeça loira-esbranquiçada abaixada.
– Não... – murmurou a voz da Murta que Geme de um dos cubículos – Não... diga-me o que
está errado... posso ajudá-lo.
– Ninguém pode me ajudar. – disse Malfoy. Seu corpo todo tremia. – Não posso fazer isso...
Não posso... Não vai funcionar... e, a menos que eu faça isso rápido... ele diz que vai me matar...
E Harry percebeu, com um choque tão grande que o deixou plantado no lugar, que Malfoy
estava chorando, chorando de verdade, lágrimas escorrendo pela sua face pálida até a pia suja. Malfoy
ofegou e engoliu seco e então, com um grande estremecimento, olhou para o espelho quebrado e viu
Harry fitando-o pelas suas costas.
Malfoy virou-se, puxando sua varinha. Instintivamente, Harry puxou a sua própria varinha. A
azaração de Malfoy errou Harry por centímetros, despedaçando a lâmpada na parede a seu lado.
Harry jogou-se para o lado, pensou Levicorpus e agitou rapidamente sua varinha, mas Malfoy bloqueou
a azaração e levantou sua varinha para uma outra...
– Não! Não! Parem com isso! – esgoelou a Murta que Geme, sua voz ecoando alto pelo aposento
de azulejos. – Parem! PAREM!
Houve um grande baque e a lata de lixo atrás de Harry explodiu. Harry tentou a maldição das
pernas presas que ricocheteou na parede atrás da orelha de Malfoy e quebrou a cisterna debaixo da
Murta, que gritou alto. A água derramou para todos os lados e Harry escorregou enquanto Malfoy,
com seu rosto contorcido, gritou:
– Cruci...
– SECTUMSEMPRA! – gritou Harry, do chão, agitando sua varinha desordenadamente.
O sangue jorrava da face e do tórax de Malfoy como se ele tivesse sido retalhado com uma
espada invisível. Ele cambaleou para trás e despencou no chão encharcado fazendo um grande
barulho, sua varinha caindo da sua mão direita enfraquecida.
– Não... – ofegou Harry.
Escorregando e cambaleando, Harry ficou de pé e precipitou-se na direção de Malfoy, cuja face
estava agora escarlate e brilhante, suas mãos brancas arranhando seu tórax ensopado de sangue.
– Não... Eu não...
Harry não sabia o que dizia. Caiu de joelhos ao lado de Malfoy que tremia incontrolavelmente
numa piscina de seu próprio sangue. A Murta que Geme deixou sair um grito ensurdecedor:
– ASSASSINATO! ASSASSINATO NO BANHEIRO! ASSASSINATO!
A porta abriu-se com um estrondo atrás de Harry e ele olhou para cima, apavorado: Snape
aparecera no aposento, seu rosto furioso. Empurrando Harry rudemente para o lado, ajoelhou-se ao
lado de Malfoy, puxou sua varinha e passou-a pelas profundas feridas que a azaração de Harry fizera,
murmurando um encantamento que soava quase como uma canção. O fluxo de sangue pareceu se
acalmar. Snape limpou o resíduo do rosto de Malfoy e repetiu seu feitiço. Agora, as feridas pareciam
fechar.
Harry ainda assistia, horrorizado com o que fizera, muito pouco consciente de que ele também
estava ensopado de sangue e água. A Murta Que Geme ainda soluçava e lamentava sobre suas
cabeças. Quando Snape executou sua contra-maldição pela terceira vez, ele levantou Malfoy
parcialmente para colocá-lo de pé.
– Você precisa ir para a ala hospitalar. Pode ser que fiquem algumas cicatrizes, mas se você
tomar dictamno imediatamente, é possível que evitemos até isso... Venha...
Ele ajudou Malfoy para saírem do banheiro, virando-se na porta para dizer em uma voz fria de
fúria:
– E você, Potter... Espere-me aqui.
Em nenhum segundo, passou pela cabeça de Harry desobedecer. Ele levantou-se devagar,
tremendo e olhou para o chão molhado. Havia manchas de sangue flutuando como flores carmesins
251
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
na superfície. Ele não conseguia encontrar forças nem mesmo para pedir à Murta Que Geme para
ficar quieta, já que ela continuava se lamentando e soluçando com um prazer cada vez mais evidente.
Snape voltou dez minutos depois. Entrou no banheiro e fechou a porta atrás de si.
– Vá – ordenou à Murta, e ela lançou-se de volta em seu banheiro imediatamente, deixando um
silêncio retumbante atrás dela.
– Não queria que isso acontecesse. – explicou-se Harry de uma vez. Sua voz ecoou no espaço
gelado e molhado. – Eu não sabia o que aquela azaração fazia.
Mas Snape ignorou:
– Aparentemente, subestimei-o, Potter. – disse baixo. – Quem poderia imaginar que você sabia
Magia Negra deste nível? Quem lhe ensinou esta azaração?
– Eu... li sobre ela em algum lugar.
– Onde?
– Foi... num livro da biblioteca. – Harry inventou irrefletidamente. – Não consigo lembrar
como ele se cham...
– Mentiroso – interrompeu Snape. A garganta de Harry ficou seca. Ele sabia o que Snape faria
e ele nunca tinha conseguido evitar...
O banheiro pareceu tremular diante de seus olhos. Ele esforçou-se para afastar todos os
pensamentos, mas por mais que tentasse, a cópia de Preparo de Poções – Nível Avançado do Príncipe
Mestiço flutuava confusamente para o primeiro plano de sua mente.
E então lá estava ele, encarando Snape novamente, no meio deste banheiro destruído e
ensopado. Encarou os olhos pretos de Snape, esperando sem esperanças que Snape não tivesse visto
o que ele temia, mas...
– Traga-me sua mochila da escola, – Snape pediu suavemente, – e todos os seus livros. Todos
eles. Traga-os para mim aqui. Agora!
Não havia sentido em discutir. Harry virou-se imediatamente e espalhou água para fora do
banheiro. Uma vez no corredor, começou a correr em direção à Torre da Grifinória. A maioria das
pessoas andava no sentido oposto e olhava-o boquiaberta, encharcado de água e sangue, mas ele não
respondeu nenhuma das perguntas que lhe foram disparadas enquanto corria.
Ele ficou abalado. Era como se um querido bichinho de estimação de repente se tornasse
selvagem. Em que o Príncipe estava pensando para copiar esta azaração em seu livro? E o que
aconteceria quando Snape visse o livro? Ele contaria a Slughorn... O estômago do Harry embrulhou
– como Harry conseguira resultados tão bons em Poções todo este ano? Ele confiscaria ou destruiria
o livro que tinha ensinado tanto a Harry... o livro que se tornara uma espécie de guia e amigo? Harry
não podia deixar que isso acontecesse... não podia.
– Onde você...? Por que você está encharcado...? Isso é sangue? – Rony estava parado no topo
das escadas, parecendo confuso ao ver Harry.
– Preciso do seu livro. – Harry ofegou. – Seu livro de poções. Rápido... me dê...
– Mas e o Príncipe...
– Explico depois!
Rony tirou sua cópia de Preparo de Poções – Nível Avançado da mochila e o entregou. Harry
passou por ele a toda velocidade, voltou para a sala comunal. Lá, ele pegou sua mochila, ignorando
o olhar surpreso de várias pessoas que já haviam terminado seu jantar, jogou-se pelo buraco do
retrato e lançou-se para o corredor do sétimo andar.
Ele derrapou ao parar ao lado da tapeçaria dos trasgos dançantes, fechou seus olhos e começou
a andar.
– Preciso de um lugar para esconder meu livro... Preciso de um lugar para esconder meu livro...
Preciso de um lugar para esconder meu livro...
Por três vezes ele passou em frente ao trecho de parede vazia. Quando abriu seus olhos, lá
estava ela afinal: a porta da Sala Precisa. Harry puxou com força para abrir, atirou-se dentro da sala
e bateu a porta.
252
Capítulo 24 – Sectumsempra
Ele ofegou. Apesar de sua pressa, seu pânico, seu medo do que lhe esperava de volta no
banheiro, não podia evitar ficar assustado com o que via. Estava de pé em uma sala do tamanho de
uma grande catedral, cujas janelas altas enviavam feixes de luz sobre o que parecia uma cidade com
paredes elevadas, construídas por, Harry sabia que deviam ser, objetos escondidos por gerações de
habitantes de Hogwarts. Havia vielas e estradas delimitadas por pilhas enormes e desequilibradas de
mobília quebrada e danificada, armazenadas fora de vista, talvez para esconder a evidência de magia
mal feita ou ainda escondida por orgulhosos elfos domésticos do castelo. Havia milhares e milhares
de livros, sem dúvida proibidos ou rabiscados ou roubados. Havia atiradeiras com asas e frisbees
dentados, alguns ainda com energia suficiente para pairar desmotivadamente sobre as montanhas de
outros itens proibidos; havia garrafas quebradas de poções congeladas, chapéus, jóias, capas; havia
algo que parecia com casca de ovo de dragão. Garrafas tampadas cujo conteúdo ainda brilhava
maleficamente, várias espadas enferrujadas e um pesado machado ensangüentado.
Harry correu por um dos muitos corredores no meio de todos estes tesouros escondidos. Virou
à direita num trasgo empalhado, correu um pouco, virou à esquerda no Armário Sumidouro quebrado
no qual Montague se perdera no ano anterior, detendo-se finalmente ao lado de um grande armário
que parecia ter ácido jogado na sua superfície empolada. Abriu uma das portas rangentes do armário:
já havia sido usado como esconderijo para algo em uma gaiola que havia morrido há muito tempo; o
seu esqueleto tinha cinco pernas. Entulhou o livro do Príncipe Mestiço atrás da gaiola e bateu a
porta. Deteve-se por um momento, seu coração saltando horrivelmente, observando toda a confusão
em volta... Ele seria capaz de achar este ponto novamente no meio de todo este lixo? Agarrando o
busto esculpido de um feiticeiro feio e velho do alto de uma caixa de madeira próxima, colocou-o no
topo do armário onde o livro estava escondido agora, vestiu uma peruca velha e empoeirada e uma
tiara machada na cabeça da estátua para torná-la mais peculiar e então correu de volta a toda velocidade
pelos corredores de lixo escondido o mais rápido que podia ir, de volta pela porta, de volta para o
corredor, onde bateu a porta atrás de si e ela voltou a ser pedra imediatamente.
Harry correu depressa em direção ao banheiro no andar debaixo, empurrando a cópia de Preparo
de Poções – Nível Avançado de Rony na mochila enquanto corria. Um minuto depois, estava de volta de
frente para Snape, que estendeu sua mão para a mochila de Harry sem dizer nada. Harry a entregou,
ofegando, uma dor ardente em seu peito, e esperou.
Um por um, Snape tirou os livros de Harry e os examinou. Finalmente, o único livro restante
era o de Poções, que examinou muito cautelosamente antes de falar:
– Esta é a sua cópia de Preparo de Poções – Nível Avançado, é, Potter?
– Sim – afirmou Harry ainda respirando pesadamente.
– Você tem certeza absoluta disso, Potter?
– Sim – confirmou Harry, com um toque mais desafiador.
– Esta é a cópia de Preparo de Poções – Nível Avançado que você comprou da Floreios e Borrões?
– Sim – respondeu Harry firmemente.
– Então por que, – perguntou Snape, – o nome “Roonil Wazlib” está escrito na parte interna da
capa da frente?
O coração de Harry deu um salto:
– É meu apelido. – inventou.
– Seu apelido. – repetiu Snape.
– É... é como meus amigos me chamam. – explicou Harry.
– Eu sei o que é um apelido. – retrucou Snape. Os olhos frios e negros perfuravam mais uma
vez os de Harry; ele tentou não olhá-los. Feche sua mente... Feche sua mente... Mas ele nunca aprendera
a fazer isso corretamente.
– Você sabe o que eu acho, Potter? – perguntou Snape, muito calmamente. – Acho que você é
um mentiroso e um trapaceiro e que você merece detenção comigo todos os sábados até o fim deste
semestre. O que você acha, Potter?
253
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Eu... Eu não concordo, senhor. – respondeu Harry ainda se recusando a olhar nos olhos de
Snape.
– Bem, vamos ver como você se sente após as suas detenções. Dez horas, sábado de manhã,
Potter. Na minha sala.
– Mas, senhor... – argumentou Harry, olhando para cima desesperadamente. – Quadribol... a
última partida da...
– Dez horas – sussurrou Snape, com um sorriso que mostrou seus dentes amarelos. – Pobre
Grifinória... quarto lugar este ano, eu receio.
E deixou o banheiro sem falar mais nada, deixando Harry a encarar o espelho quebrado, sentindose mais enjoado, ele tinha certeza, do que Rony já se sentira em toda sua vida.
– Não vou dizer: “Eu te disse”. – comentou Hermione, uma hora depois na sala comunal.
– Deixa disso, Hermione. – pediu Rony, irritado.
Harry não apareceu para jantar, não tinha apetite nenhum. Acabara de contar a Rony, Hermione
e Gina o que acontecera, não que houvesse necessidade de fazê-lo. As notícias tinham andado muito
rápido: aparentemente, a Murta Que Geme dera-se ao trabalho de aparecer em todos os banheiros do
castelo para contar a história. Malfoy já fora visitado na ala hospitalar por Pansy Parkinson, que não
perdera tempo para começar a caluniar Harry por toda parte, e Snape contara aos professores
exatamente o que acontecera. Harry já fora chamado para deixar o salão comunal e agüentar quinze
minutos altamente desagradáveis na companhia da professora McGonagall, que lhe dissera que ele
tivera a sorte de não ser expulso e que ela apoiava incondicionalmente a punição de Snape de detenções
todo sábado até o fim do semestre.
– Te disse que havia algo errado com este tal de Príncipe. – Hermione lembrou, evidentemente
incapaz de se controlar – E eu estava certa, não estava?
– Não, eu não acho que estava – contestou Harry teimosamente.
Ele já estava passando por um período muito ruim sem Hermione lhe dar sermão. As caras do
time da Grifinória quando ele lhes contou que não poderia jogar no sábado haviam sido o pior de
todos os castigos. Ele podia sentir os olhos de Gina nele agora, mas não os encarou, não queria ver
desapontamento ou raiva ali. Apenas lhe disse que ela jogaria como apanhadora no sábado e que
Dino se juntaria ao time novamente como artilheiro em seu lugar. Talvez, se ganhassem, Gina e Dino
fizessem as pazes durante a euforia pós-partida... O pensamento passou por Harry como uma faca
gelada.
– Harry, – insistiu Hermione, – como você ainda pode ser leal a este livro quando aquela
azaração...
– Pára de falar deste livro o tempo todo! – irritou-se Harry. – O Príncipe só copiou a azaração.
Não é como se ele estivesse aconselhando alguém a usá-la! Pelo que sabemos, ele podia estar anotando
algo que fora usado contra ele!
– Não acredito nisso – discordou Hermione. – Você está defendendo mesmo...
– Não estou defendendo o que fiz! – interrompeu Harry rapidamente. – Eu queria não ter feito
aquilo e não é só porque tenho mais ou menos uma dúzia de detenções. Você sabe que não usaria
uma azaração como aquela, nem mesmo no Malfoy, mas você não pode culpar o Príncipe, ele não
escreveu “experimente esta, é realmente boa.”... Ele estava apenas fazendo anotações para si mesmo,
não estava? Não era para mais ninguém.
– Você está me dizendo, – perguntou Hermione, – que você vai voltar...?
– E pegar o livro? É, vou sim. – completou Harry energicamente. – Ouça, sem o Príncipe eu
nunca teria ganhado a Felix Felicis. Não saberia como salvar Rony do envenenamento, nunca teria...
– ...conseguido uma boa reputação pelo seu brilhantismo em Poções que você não merece. –
completou Hermione grosseiramente.
– Dá um tempo, Hermione! – pediu Gina e Harry ficou tão surpreso, tão agradecido que levantou
os olhos. – Pelo jeito, Malfoy estava tentando usar uma maldição imperdoável, você deveria ficar
feliz por Harry ter alguma carta boa na manga!
254
Capítulo 24 – Sectumsempra
– Bem, é claro que fico feliz por Harry não ter sido amaldiçoado! – disse Hermione evidentemente
atormentada. – Mas você não pode chamar a azaração Sectumsempra de boa, Gina, veja onde levou
Harry! E eu pensaria, vendo o que isso fez com suas chances na partida...
– Ah, não comece a agir como se você entendesse de Quadribol – irritou-se Gina – você só vai
conseguir ficar embaraçada.
Harry e Rony olharam fixo: Hermione e Gina, que sempre haviam se dado muito bem, estavam
agora sentadas com os braços cruzados, fitando furiosamente em direções opostas. Rony olhou
nervosamente para Harry, então agarrou um livro aleatoriamente e se escondeu atrás dele. Harry, no
entanto, apesar de saber que não merecia isso, sentiu-se inacreditavelmente animado de repente,
mesmo que nenhum deles tenha se falado de novo pelo resto da noite.
Sua despreocupação durou pouco. Haveria insultos sonserinos para serem suportados no dia
seguinte, para não mencionar a enorme raiva dos amigos grifinórios, que estavam muito infelizes por
seu capitão ter conseguido ser banido da última partida da temporada. No sábado de manhã, não
importa o que ele tivesse dito a Hermione, Harry trocaria prazerosamente toda Felix Felicis do mundo
para estar caminhando para a quadra de quadribol com Rony, Gina e os outros. Era quase insuportável
desviar-se da massa de alunos fluindo para a luz do sol, todos eles usando rosetas e chapéus e agitando
bandeiras e cachecóis, para descer pelos degraus de pedra em direção à masmorra e andar até que o
som distante da multidão estivesse quase inaudível, sabendo que ele não seria capaz de ouvir uma
palavra dos comentários, ou um aplauso, ou um berro.
– Ah, Potter, – exclamou Snape, quando Harry bateu na sua porta e entrou na desagradavelmente
familiar sala que Snape, apesar de lecionar andares acima agora, não desocupara. Estava debilmente
iluminada como sempre e os mesmos objetos pegajosos e mortos suspensos em poções coloridas por
todas as paredes. Preocupantemente, haviam muitas caixas com teias de aranha empilhadas numa
mesa na qual evidentemente supunha-se que Harry se sentasse. Elas tinham uma aura de trabalho
tedioso, pesado e sem propósito.
– O Sr. Filch estava procurando alguém para passar a limpo estes arquivos antigos. – explicou
Snape suavemente. – São registros de outros malfeitores de Hogwarts e de suas punições. Naqueles
em que a tinta está se apagando ou as fichas foram danificadas por ratos, nós gostaríamos que você
copiasse os crimes e as punições novamente e, certificando-se que de que estejam em ordem alfabética,
coloque-as de volta nas caixas. Você não usará mágica.
– Certo, professor. – concordou Harry com todo o desdém que ele podia colocar nas últimas
três sílabas.
– Achei que você poderia começar, – disse Snape com um sorriso maligno nos lábios, – com as
caixas mil e doze até a mil e cinqüenta e seis. Você encontrará alguns nomes familiares nelas, o que
deve deixar a tarefa interessante. Aqui, veja...
Ele puxou uma ficha de uma das caixas superiores sacudindo-a e leu:
– Tiago Potter e Sirius Black. Capturados usando uma azaração ilegal em Betram Aubrey. A
cabeça de Aubrey ficou com duas vezes o tamanho normal. Detenção dupla.
Snape ridicularizou:
– Deve ser algo reconfortante saber que, apesar de eles se terem ido, um registro de suas
grandes realizações perdure.
Harry sentiu a sensação familiar de queimação na boca do estômago. Mordendo sua língua para
impedir-se de revidar, sentou-se em frente às caixas e puxou uma para si.
Foi, como Harry previra, trabalho chato, inútil, pontuado (como Snape evidentemente planejara)
por sacudidelas no estômago regulares que significavam que ele acabara de ler os nomes de seu pai
ou de Sirius, geralmente juntos em vários malfeitos insignificantes, ocasionalmente acompanhados
pelos nomes de Remo Lupin e Pedro Pettigrew. E enquanto ele copiava todos os seus vários crimes
e castigos, perguntava-se o que acontecia lá fora, onde a partida já deveria ter começado... Gina
jogando de apanhadora contra Cho...
255
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Harry espiou de novo e de novo o relógio grande tiquetaqueando na parede. Parecia estar se
movendo com a metade da velocidade de um relógio normal; talvez Snape o tivesse enfeitiçado para
andar super devagar? Ele não podia estar ali por meia hora somente... uma hora... uma hora e meia...
O estômago de Harry começou a roncar quando o relógio marcou meio-dia e meia. Snape, que
não falara nada desde que passara a Harry a sua tarefa, finalmente olhou para cima a uma e dez.
– Acho que é o suficiente. – ele informou friamente. – Marque o lugar onde parou. Você
continuará às dez horas no próximo sábado.
– Sim, senhor.
Harry empurrou uma ficha dobrada aleatoriamente na caixa e correu pela porta antes que
Snape pudesse mudar de idéia, correndo de volta pelos degraus de pedra, apurando os ouvidos para
ouvir algum som do campo, mas estava tudo quieto... Tinha acabado, então.
Ele hesitou fora do Salão Principal lotado, então subiu correndo pela escadaria de mármore; se
a Grifinória tivesse ganhado ou perdido, o time geralmente comemorava ou se compadecia no seu
próprio salão comunal.
– Quid agis*? – perguntou experimentalmente para a Mulher Gorda, imaginando o que
encontraria lá dentro.
Sua expressão foi indecifrável enquanto ela respondia:
– Você verá.
E ela abriu-se para frente.
Um urro de comemoração irrompeu pelo buraco atrás dela. Harry ficou boquiaberto quando as
pessoas começaram a gritar ao vê-lo; várias mãos o puxaram para dentro da sala.
– Nós ganhamos! – berrou Rony, saltando à vista e agitando a Taça de prata para Harry. – Nós
ganhamos! Quatrocentos e cinqüenta a cento e quarenta! Nós ganhamos!
Harry olhou em volta. Lá estava Gina correndo em sua direção; ela tinha um olhar penetrante
e brilhante em seu rosto quando jogou seus braços em volta dele. E sem pensar, sem planejar nada,
sem se preocupar com o fato de que cinqüenta pessoas assistiam, Harry a beijou.
Após vários longos momentos... ou podia ter sido meia hora ... ou possivelmente vários dias
ensolarados... eles se separaram. A sala ficara muito silenciosa. Então, várias pessoas assobiaram e
houve uma explosão de risinhos nervosos. Harry olhou por cima da cabeça de Gina para ver Dino
Thomas segurando um copo quebrado em sua mão e Romilda Vane parecendo que ia atirar alguma
coisa. Hermione estava radiante, mas os olhos de Harry procuravam Rony. Finalmente, ele o encontrou
ainda agarrado à Taça e com uma expressão apropriada para quem levou uma pancada na cabeça. Por
uma fração de segundo eles se olharam, então Rony balançou a cabeça e Harry entendeu que queria
dizer: “Bem... se é o que você quer...”
Com a criatura dentro de seu peito urrando de triunfo, ele riu para Gina e apontou sem dizer
nada para o buraco do retrato. Uma longa caminhada nos jardins parecia indicada, durante a qual, se
tivessem tempo, poderiam discutir a partida.
*Agis=agir, fazer. Quid agis? Significa “Que fazes?”
256
– CAPÍTULO 25 –
A Vidente entreouvida
O fato de que Harry Potter estava namorando Gina Weasley parecia interessar a um grande
número de pessoas, a maioria garotas. Harry viu-se pela primeira vez sem se deixar afetar por fofocas
nas próximas semanas. Afinal de contas, era uma mudança boa falarem dele por causa de algo que o
estava fazendo mais feliz do que podia lembrar ter sido por muito tempo, ao invés de comentarem
seu envolvimento em cenas terríveis de Magia Negra.
– A gente sempre acha que as pessoas têm assuntos melhores para fofocar – comentou Gina,
enquanto se sentava no salão comunal, apoiando-se nas pernas de Harry e lendo o Profeta Diário. –
Três ataques de dementadores em uma semana e tudo que Romilda Vane faz é me perguntar se é
verdade que você tem um hipogrifo tatuado no peito.
Rony e Hermione rolaram de rir. Harry ignorou-os.
– O que você disse a ela?
– Eu disse que era um Rabo-Córneo Húngaro, – respondeu Gina, virando uma página do
jornal. – Muito mais macho.
– Valeu! – disse Harry, sorrindo. – E o que você disse que Rony tem?
– Um mini pufoso, mas eu não contei onde.
Rony fechou a cara enquanto Hermione chorava de rir.
– Fiquem espertos, – ele disse, apontando ameaçadoramente para Harry e Gina. – Só porque
eu dei minha permissão não quer dizer que eu não possa voltar atrás...
– Sua permissão – gozou Gina. – Desde quando você precisa me dar permissão para alguma
coisa? De qualquer forma, você mesmo disse que preferia Harry ao Miguel ou Dino.
– É, eu prefiro – disse Rony mal-humorado. – Contanto que vocês não comecem a dar amassos
em público.
– Seu hipócrita! E você e a Lilá, se agarrando por todo lugar como um par de enguias? –
retrucou Gina.
Mas não haveria muita chance de testar a tolerância de Rony, já que, entrando no mês de junho,
o tempo que Harry e Gina tinham para ficar juntos estava diminuindo consideravelmente. Os N.O.M.s
de Gina estavam se aproximando e ela era obrigada a revisar a matéria durante horas e horas noite
adentro. Em uma destas noites, quando Gina havia se retirado para a biblioteca e Harry estava
sentado perto da janela do salão comunal, supostamente terminando seu dever de casa de Herbologia,
mas na realidade relembrando um momento particularmente feliz passado com Gina perto do lago na
hora do almoço, Hermione sentou-se entre ele e Rony com uma expressão cheia de determinação
nada agradável em seu rosto.
– Eu quero falar com você, Harry.
257
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Sobre o quê? – disse Harry, desconfiado. No dia anterior, Hermione tinha dado uma bronca
nele por distrair Gina quando ela deveria estar estudando com afinco para os exames.
– O assim chamado Príncipe Mestiço.
– Ah, de novo não – ele gemeu. – Será que não dá para você deixar isso pra lá?
Ele não tinha ousado voltar à Sala Precisa para recuperar seu livro, e seu desempenho nas aulas
de poções estava decaindo proporcionalmente (embora Slughorn, que aprovava o namoro com Gina,
tivesse atribuído isso ao fato de Harry estar apaixonado). Mas Harry tinha certeza que Snape não
havia perdido as esperanças de botar as mãos no livro do Príncipe, e estava determinado a deixá-lo lá
onde estava enquanto Snape continuasse de olho.
– Eu não vou deixar para lá – disse Hermione com firmeza, – até que você me escute. Bom, eu
tenho tentado encontrar alguma dica sobre quem poderia ter como hobby a invenção de feitiços
malignos...
– Ele não tinha isso como hobby...
– Ele, ele, quem disse que é ele?
– Nós já discutimos isso – interrompeu Harry. – Príncipe, Hermione, Príncipe!–
– Certo! – respondeu Hermione, manchas vermelhas brilhando em suas bochechas quando ela
puxou um velho recorte de jornal de seu bolso e jogou-o na mesa na frente de Harry. – Olhe isso!
Olhe a foto!
Harry pegou o recorte amassado e fitou a fotografia em movimento, amarelada pelo tempo;
Rony inclinou-se para olhar também. A foto era de uma menina magricela de seus quinze anos. Ela
não era bonita; parecia ao mesmo tempo entediada e rabugenta, tinha sobrancelhas grossas e um
rosto comprido e pálido. Embaixo da fotografia estava a legenda: Eileen Príncipe*, Capitã do Time
de Bexigas de Hogwarts.
– E daí? – disse Harry, passando os olhos pela curta notícia à qual a foto pertencia; era uma
matéria bastante tediosa sobre competições entre escolas.
– O nome dela era Eileen Príncipe. Príncipe, Harry.
Eles se entreolharam e Harry percebeu o que Hermione estava tentando dizer. Ele caiu na
gargalhada.
– De jeito nenhum.
– O que?
– Você acha que ela era o Príncipe Mestiço ...? Ah, fala sério.
– Bem, por que não? Harry, não existem príncipes de verdade no mundo bruxo! Então, ou é um
apelido, um título inventado que alguém se atribuiu, ou poderia ser um nome de verdade, não poderia?
Não, escute! Se, por exemplo, o pai dela era um bruxo cujo sobrenome era “Príncipe” , e sua mãe era
uma trouxa, então isso faria dela um “Príncipe mestiço”!
– É, muito engenhoso, Hermione ...
– Mas é verdade! Talvez ela se orgulhasse de ser “meio” Príncipe!
– Escute, Hermione, eu posso dizer que não é uma menina. Eu simplesmente sei...
A verdade é que você acha que uma garota não seria inteligente o bastante– retrucou Hermione
com raiva.
– Como eu poderia ser seu amigo por cinco anos e achar que meninas não são inteligentes? –
perguntou Harry, magoado. – É o jeito de escrever. Eu simplesmente sei que o Príncipe é um cara, eu
posso sentir. Essa garota não tem nada a ver com isso. Aliás, onde você encontrou isso?
– Na biblioteca – respondeu Hermione, previsível. – Eles têm um acervo de Profetas antigos
lá. Bom, eu vou tentar descobrir mais coisas sobre Eileen Príncipe, se eu puder.
– Divirta-se – respondeu Harry irritado.
– Vou me divertir – retrucou Hermione. – E o primeiro lugar onde eu vou procurar – ela gritou
para ele, chegando ao buraco do retrato, – é nos arquivos de prêmios de Poções antigos!
*Prince, em Inglês, no original. Traduzido apenas para dar algum sentido ao título, como se pode constatar.
258
Capítulo 25 – A vidente entreouvida
Harry acompanhou-a com o olhar por alguns instantes, depois continuou a contemplar o céu
que escurecia.
– Ela nunca superou o fato de você ser melhor do que ela em Poções, – comentou Rony,
voltando a atenção para seu exemplar de Mil Ervas e Fungos Mágicos.
– Você não acha que eu sou louco por querer o livro de volta, acha?
– Claro que não, – respondeu Rony firmemente. – Ele era um gênio, o Príncipe. De qualquer
modo ... sem a dica do bezoar ... – ele levou o dedo à garganta, – Eu não estaria aqui para discutir
sobre isso, não é mesmo? Quero dizer, não estou afirmando que o feitiço que você lançou no Malfoy
é legal...
– Nem eu – acrescentou Harry, rapidamente.
– Mas ele sarou direitinho, não foi? De volta à ativa em um instante.
– É – respondeu Harry; isso era verdade, muito embora a sua consciência pesasse um pouco de
qualquer modo. – Graças ao Snape ...
– Você ainda tem detenção com Snape este sábado? – continuou Rony.
– Sim e no sábado seguinte, e no próximo... – suspirou Harry. – E agora ele está insinuando
que se eu não conseguir terminar todas as caixas até o final do ano, nós continuaremos ano que vem.
Ele estava achando essas detenções particularmente detestáveis porque elas interferiam no já
escasso tempo que ele poderia estar passando com Gina. De fato, ele vinha desconfiando ultimamente
que Snape sabia disso, uma vez que ele estava o prendendo até mais tarde a cada vez, enquanto fazia
observações sobre o fato de Harry estar perdendo o bom tempo e as oportunidades variadas que ele
oferecia.
Harry foi interrompido dessas amargas reflexões pela aparição de Jimmy Peakes, que estava
segurando um pedaço de pergaminho.
– Obrigado, Jimmy ... ei, é do Dumbledore! – exclamou Harry animado, desenrolando o
pergaminho e correndo os olhos por ele. – Ele quer que eu vá à sua sala o mais rápido possível!
Eles se entreolharam.
– Nossa – sussurrou Rony. – Você não acha que ... ele não encontrou ...?
– Melhor eu ir checar, não é? – respondeu Harry, pulando da cadeira.
Ele saiu correndo do salão comunal e passou voando pelo sétimo andar, o mais rápido que
podia, encontrando apenas Pirraça pelo caminho, que voou em sentido oposto, jogando pedaços de
giz em Harry, como uma coisa de rotina, e gargalhando bem alto ao desviar do feitiço defensivo
lançado por Harry. Assim que Pirraça sumiu, houve silêncio nos corredores, faltavam apenas quinze
minutos para o toque de recolher, a maioria das pessoas já havia retornado aos seus respectivos
salões comunais.
E então Harry escutou um grito e um estrondo. Ele parou, escutando.
– Como... você... ousa... aaaaargh!
O barulho vinha de um corredor próximo; Harry correu até lá, sua varinha a postos, dobrou a
outra esquina e avistou a Professora Trelawney estendida no chão, sua cabeça coberta por um de seus
muitos xales, várias garrafas de vinho vagabundo caídas ao lado dela, uma delas quebrada.
– Professora ...
Harry avançou e ajudou a Professora Trelawney a se levantar. Alguns de seus colares tinham se
enganchado nos óculos. Ela soluçou alto, ajeitou os cabelos e se levantou, apoiada no braço de
Harry.
– O que aconteceu, Professora?
– Você deve mesmo tentar saber! – ela disse gritando estridentemente. – Eu estava passando
por aqui, preocupada com certos sinais sombrios que me apareceram...
Mas Harry não estava prestando muita atenção. Ele tinha acabado de perceber onde eles estavam:
à direita estava a tapeçaria com a figura dos trasgos bailarinos e, à esquerda, a parede de pedra
impenetrável que escondia ...
– Professora, a senhora estava tentando entrar na Sala Precisa?
259
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– ... presságios que me foram revelados... o quê?
Sua expressão mudou de repente.
– A Sala Precisa, – repetiu Harry. – A senhora estava tentando entrar lá?
– Eu... bem... eu não sabia que os alunos sabiam desse ...
– Nem todos sabem – disse Harry. – Mas o que aconteceu? A senhora gritou... parecia que
estava ferida...
– Eu... bem, – disse a Professora Trelawney, puxando os xales em sua volta, na defensiva, e
olhando para ele com seus olhos muito aumentados pela lente. – Eu queria... er... depositar certos...
hum... itens pessoais na Sala... – E ela murmurou algo sobre “acusações horríveis”.
– Sei, – retrucou Harry, espiando as garrafas de vinho. – Mas a senhora não conseguiu entrar e
escondê-los?
Ele achou aquilo muito esquisito; afinal de contas, a Sala havia se aberto para ele quando ele
desejou esconder o livro do Príncipe Mestiço.
– Ah, eu consegui entrar sim – disse a Professora Trelawney, olhando fixamente para a parede.
– Mas já havia alguém lá dentro.
– Alguém lá? Quem? – perguntou Harry. – Quem estava lá?
– Não faço idéia – respondeu a Professora Trelawney, parecendo um pouco surpresa com a
urgência na voz de Harry. – Eu entrei na Sala e escutei uma voz, o que jamais havia acontecido antes
em todos esse anos em que tenho escondido... quero dizer, usado a Sala.
– Uma voz? E o que dizia?
– Eu não sei se estava dizendo alguma coisa – respondeu a Professora Trelawney. – Estava...
dando gritos de entusiasmo.
– Entusiasmo?
– Alegremente, – ela respondeu, balançando a cabeça afirmativamente.
Harry encarou a Professora.
– Era voz de homem ou de mulher?
– Eu apostaria num homem – respondeu a Professora Trelawney.
– E parecia feliz?
– Muito feliz – disse a Professora Trelawney fungando.
– Como se estivesse comemorando?
– Definitivamente.
– E então ?
– E então eu gritei: – Quem está aí?
– A senhora não poderia ter descoberto quem era sem perguntar? – Harry perguntou a ela, um
pouco frustrado.
– A visão interior – respondeu a Professora Trelawney com dignidade, arrumando seus xales e
as várias voltas de colares de contas brilhantes, – estava concentrada em assuntos muito mais relevantes
que vozes mundanas gritando de alegria.
– Certo – disse Harry, apressado; ele já tinha ouvido falar demais sobre a visão interior da
professora – E a voz respondeu quem era?
– Não, não respondeu, – ela disse. – Tudo ficou completamente escuro e de repente, eu fui
lançada de cabeça para fora da Sala!
– E a senhora não percebeu que isso aconteceria? – disse Harry, sem conseguir se conter.
– Não, não percebi, como eu lhe disse, tudo ficou escu... – Ela parou e olhou para ele,
desconfiada.
– Acho que a senhora deveria relatar o acontecido ao Professor Dumbledore – disse Harry. –
É bom que ele saiba que o Malfoy está comemorando – quero dizer, que alguém jogou a senhora para
fora da Sala.
Para a surpresa de Harry, a Professora Trelawney se afastou um pouco, ao ouvir tal sugestão,
parecendo desdenhosa.
260
Capítulo 25 – A vidente entreouvida
– O Diretor deu a entender que prefere que eu não o visite tanto – comentou, friamente. Não
sou de forçar a minha companhia a quem não a preza. Se o Dumbledore prefere ignorar os avisos que
as cartas mostram...
Sua mão ossuda de repente se fechou em volta do pulso de Harry.
– De novo e de novo, não importa como eu as tire ...
E, com um gesto dramático, ela puxou uma carta de baixo de seus xales.
– ... a torre atingida pelo raio – ela sussurrou. – Calamidade. Desastre. Cada vez mais próximos...
– Certo – repetiu Harry. – Bem ... eu ainda acho que a senhora deveria contar ao Dumbledore
sobre essa voz e tudo ficando escuro e a senhora sendo jogada para fora da Sala...
– Você acha? – a Professora Trelawney pareceu considerar a proposta por um instante, mas
Harry pôde perceber que ela gostou da idéia de poder recontar a sua pequena aventura.
– Vou vê-lo agora mesmo – disse Harry. – Tenho um encontro com ele. Nós poderíamos ir
juntos.
– É, bom, nesse caso, – disse a Professora Trelawney, com um sorriso. Ela se agachou, recolheu
as garrafas de vinho e, sem qualquer cerimônia, as jogou dentro de um grande vaso azul num nicho ali
perto.
– Sinto falta de você nas minhas aulas, Harry – ela disse, sentida, enquanto caminhavam
juntos. – Você nunca foi um grande vidente ... mas era um ótimo objeto...
Harry não respondeu; ele odiava ser o objeto das contínuas previsões de ruína da Professora
Trelawney.
– Eu receio – ela continuou – que o pangaré, perdão, o centauro, não saiba nada de cartomancia.
Eu perguntei a ele... de vidente para vidente... se ele também não tinha sentido as vibrações distantes
da catástrofe que está por vir? Mas ele pareceu me achar quase cômica. Sim, cômica!
A voz dela se elevou para um tom quase histérico e Harry pôde sentir um bafo de vinho,
embora as garrafas tivessem sido deixadas lá atrás.
– Talvez o cavalo tenha ouvido as pessoas dizendo que eu não herdei o dom da minha tataravó.
Esses rumores têm sido espalhados pelos invejosos há anos. Você sabe o que eu digo a essas pessoas,
Harry? O Dumbledore deixaria que eu ensinasse nesta grande escola, confiaria tanto em mim por
todos estes anos, se eu não tivesse mostrado a ele do que sou capaz?
Harry murmurou algo ininteligível.
– Eu me lembro bem da minha primeira entrevista com o Dumbledore – continuou a Professora
Trelawney, em tom alto e rouco. – Ele ficou profundamente impressionado, claro, profundamente
impressionado ... Eu estava hospedada no Cabeça de Javali, que, aliás, não recomendo... insetos na
cama, meu querido... mas os fundos eram parcos. Dumbledore fez a cortesia de me visitar no meu
quarto na hospedaria. Ele me perguntou ... Devo confessar que, no começo, achei que ele não estava
com boa predisposição quanto à Adivinhação... e eu lembro de ter me sentido meio esquisita, eu não
tinha comido muito naquele dia... mas daí ...
Agora Harry estava prestando atenção de verdade pela primeira vez, pois sabia o que tinha
acontecido então: a Professora Trelawney tinha feito a profecia que alterou o curso de toda a sua
vida, a profecia sobre ele e Voldemort.
– ...mas então nós fomos rudemente interrompidos por Severo Snape!
– O que?
– Sim, houve uma comoção do lado de fora e a porta abriu-se de repente, e lá estavam aquele
taberneiro estúpido e Snape, que ficou embromando sobre ter vindo pelo caminho errado escada
acima, embora eu tenha achado que ele estava na verdade, tentando escutar a minha entrevista com
Dumbledore, veja bem, ele mesmo estava procurando emprego naquela época, e sem dúvida estava
querendo algumas dicas! Bom, depois disso, você sabe, o Dumbledore pareceu muito mais disposto
a me conceder o emprego e eu não posso evitar de pensar, Harry, que foi porque ele percebeu o
contraste gritante entre as minhas maneiras humildes e talento modesto, comparados àquele jovem
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
rapaz intrometido e agressivo que estava disposto a escutar através do buraco da fechadura... Harry,
querido?
Ela olhou para trás por cima do ombro e só então percebeu que Harry não mais a estava
acompanhando; ele havia parado de andar e estavam a cinco metros de distância um do outro.
– Harry? – ela repetiu, hesitante.
Talvez o rosto de Harry estivesse pálido, para fazê-la parecer tão preocupada e amedrontada.
Harry estava imóvel enquanto ondas de choque incidiam sobre ele, fazendo-o esquecer de tudo,
menos aquela informação que lhe havia sido negada por tanto tempo ...
Foi Snape quem tinha ouvido a profecia. Foi Snape quem tinha levado as novidades da profecia
para Voldemort. Snape e Pedro Pettigrew juntos haviam mandado Voldemort atrás de Lílian, Tiago e
do filho deles...
Nada mais importava a Harry naquele exato instante.
– Harry? – chamou a Professora Trelawney novamente. – Harry.. eu achei que nós fossemos
juntos encontrar o Diretor?
– Fique aqui – disse Harry, com os lábios cerrados.
– Mas, querido ... eu ia contar a ele como eu fui atacada na Sala...
– Fique aqui! – Harry repetiu furioso.
Ela pareceu alarmada, enquanto ele passou correndo, virando a esquina para entrar no corredor
da sala de Dumbledore, onde ficava a gárgula solitária. Harry gritou a senha para a gárgula e subiu
correndo a escada de espiral, três degraus por vez. Ele não bateu na porta da sala de Dumbledore, ele
esmurrou a porta; e a voz calma respondeu – Entre – depois que Harry já tinha se jogado para dentro
da sala.
Fawkes, a fênix, olhou ao redor, seus olhinhos pretos brilhando com o reflexo do sol poente
dourado que batia na janela. Dumbledore estava parado perto da janela, olhando para fora, com uma
longa capa preta de viagem nos braços.
– Bem, Harry, eu prometi que você poderia ir comigo.
Por alguns instantes, Harry não compreendeu; a conversa com Trelawney tinha varrido todo o
resto para fora de sua mente e seu cérebro parecia estar funcionando muito lentamente.
– Ir ... com você ... ?
– Apenas se você desejar, é claro.
– Se eu...
E então Harry recordou-se porque estava tão ansioso para chegar à sala de Dumbledore, antes
de tudo.
– Você achou? Você achou um Horcrux?
– Acredito que sim.
Raiva e ressentimento lutaram contra surpresa e ansiedade: por alguns momentos, Harry não
conseguiu falar.
– É natural sentir medo, – disse Dumbledore.
– Eu não estou com medo! – retrucou Harry de pronto; e era verdade, medo era uma emoção
que ele definitivamente não estava sentindo. – Qual Horcrux é esse? Onde está?
– Não sei exatamente qual deles é, muito embora eu acredite que nós possamos descartar a
cobra, mas eu acredito que esteja escondido numa caverna na costa a quilômetros daqui, uma caverna
que eu tenho tentado localizar há muito tempo: a caverna onde Tom Riddle aterrorizou duas criancinhas
do seu orfanato no passeio anual, lembra-se?
– Sim – disse Harry. – Como está protegido?
– Não sei. Tenho algumas suspeitas que podem estar completamente equivocadas. –
Dumbledore hesitou e disse, então – Harry, eu prometi a você que poderia vir comigo, e mantenho a
minha promessa, mas seria muito errado da minha parte não alertá-lo que essa excursão será
extremamente perigosa.
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Capítulo 25 – A vidente entreouvida
– Eu vou – disse Harry, quase antes de Dumbledore terminar de falar. Fervendo de raiva de
Snape, sua vontade de fazer algo desesperado e arriscado tinha aumentado dez vezes nos últimos
poucos minutos. Isso devia estar estampado nas feições de Harry, pois Dumbledore afastou-se da
janela e o observou mais de perto, com uma pequena ruga entre as sobrancelhas prateadas.
– O que aconteceu com você?
– Nada – mentiu Harry prontamente.
– O que o deixou nervoso?
– Não estou nervoso.
– Harry, você nunca foi muito bom em Oclumência...
A palavra foi a faísca que acendeu a fúria de Harry.
– Snape! – disse, muito alto, e Fawkes deu um piado suave atrás deles. – Snape é o que
aconteceu! Ele contou a Voldemort sobre a profecia, foi ele que escutou por trás da porta, Trelawney
me contou!
A expressão de Dumbledore não se alterou, mas Harry achou que ele estava mais pálido sob a
luz avermelhada que o sol poente deixava penetrar. Por um longo período, Dumbledore não disse
nada.
– Quando você descobriu isso? – ele perguntou, finalmente.
– Agora mesmo! – disse Harry, se controlando com dificuldade para não gritar. E então, de
repente, ele não pôde mais se conter: – E VOCÊ DEIXOU QUE ELE DESSE AULAS AQUI E
ELE INCITOU VOLDEMORT A IR ATRÁS DA MINHA MÃE E DO MEU PAI!
Respirando pesadamente, como se estivesse lutando, Harry se afastou de Dumbledore, que
ainda não tinha movido um músculo, e caminhando de um lado para o outro da sala, esfregando as
mãos e exercitando o restante da sua capacidade de se conter para evitar sair chutando tudo. Ele
queria bradar e jogar sua fúria em Dumbledore, mas ele também queria ir com ele procurar e destruir
o Horcrux; ele queria dizer que ele era um velhote bobo por confiar em Snape, mas estava com medo
que Dumbledore não o levasse com ele se não controlasse sua raiva...
– Harry – disse Dumbledore calmamente. – Por favor, escute o que eu tenho a dizer.
Era tão difícil parar de caminhar de um lado para o outro quanto era difícil conter-se e não
gritar.
Harry parou, mordendo os lábios, e olhou para o rosto marcado de Dumbledore.
– O Professor Snape cometeu um terrível...
– Não me diga que foi um erro, ele estava ouvindo atrás da porta!
– Por favor, deixe-me terminar. – Dumbledore esperou até que Harry tivesse balançado a
cabeça afirmativamente e então prosseguiu. – O Professor Snape cometeu um equívoco terrível. Ele
ainda estava sob as ordens de Voldemort na noite em que ouviu a primeira metade da profecia feita
pela Professora Trelawney. Naturalmente, ele correu para contar ao seu Mestre o que tinha ouvido,
uma vez que o envolvia profundamente. Mas ele não sabia, ele não tinha como saber, qual garoto
Voldemort caçaria a partir de então, nem sabia que os pais que ele destruiria em sua missão homicida
eram pessoas que o Professor Snape conhecia: sua mãe e seu pai.
Harry deixou escapar uma gargalhada falsa.
– Ele odiava o meu pai assim como odiava o Sirius! O senhor não notou, Professor, como as
pessoas que o Snape odeia sempre acabam sendo mortas?
– Você não pode imaginar o remorso que o Professor Snape sentiu quando percebeu como
Lord Voldemort tinha interpretado a profecia, Harry. Acredito que seja esse o maior remorso da sua
vida e a razão pela qual retornou ...
– Mas ele é muito bom em Oclumência, não é, senhor? – disse Harry, cuja voz tremia com o
esforço de mantê-la estável. – E Voldemort não está convencido de que Snape está do lado dele,
mesmo agora? Professor ... como o senhor pode ter certeza de que o Snape está do nosso lado?
Dumbledore não falou por alguns instantes; ele pareceu estar tentando decidir a respeito de
algo. Ao final, ele disse:
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Eu tenho certeza. Confio em Severo Snape completamente.
Harry respirou fundo por alguns instantes, tentando manter-se calmo. Não funcionou.
– Bem, eu não confio! – gritou ele, tão alto quanto antes, – Ele está armando alguma coisa com
o Draco Malfoy agora mesmo, bem debaixo do seu nariz e o senhor ainda...
– Nós já discutimos isso, Harry – interrompeu Dumbledore, e agora ele soava severo novamente.
– Eu já lhe externei minha opinião.
– O senhor vai deixar a escola essa noite e eu aposto que o senhor nem considerou a hipótese
de que Snape e Malfoy podem decidir...
– Decidir o que? – perguntou Dumbledore, suas sobrancelhas levantadas. – O que exatamente
você suspeita que eles estão fazendo?
– Eu ... eles estão armando alguma coisa! – disse Harry e ele cerrou o punho enquanto falava.
– A Professora Trelawney estava agora mesmo na Sala Precisa, tentando esconder suas garrafas de
vinho, e ela escutou Malfoy dando gritos de alegria, comemorando! Ele está tentando consertar
alguma coisa perigosa lá dentro e se o senhor quer saber, eu acho que ele finalmente conseguiu e
agora o senhor está prestes a deixar a escola sem...
– Chega – disse Dumbledore. Ele o fez com bastante calma, mas ainda assim, Harry calou-se
de uma vez por todas, ele sabia que tinha finalmente passado dos limites. – Você acha que alguma
vez eu deixei a escola desprotegida durante as minhas ausências? Eu jamais deixei. Hoje à noite,
quando eu partir, novamente haverá proteção extra. Por favor, não sugira que eu não levo a sério a
segurança de meus alunos, Harry.
– Eu não o fiz – resmungou Harry, um pouco confuso, mas Dumbledore o interrompeu.
– Eu não quero mais discutir esse assunto.
Harry engoliu a resposta, com medo de ter ido muito longe e estragado a chance de acompanhar
Dumbledore, mas Dumbledore continuou – Você deseja ir comigo esta noite?
– Sim – respondeu Harry prontamente.
– Muito bem, então, escute.
Dumbledore levantou-se.
– Eu levarei você com uma condição: que você obedeça imediatamente e sem contestar qualquer
ordem que eu lhe dê.
– É claro.
– Tenha certeza de que você me entende, Harry. Eu quero dizer que você deve seguir mesmo
as ordens de “correr”, “esconder-se” ou “recuar”. Tenho a sua palavra?
– Eu ... sim, é claro.
– Se eu mandar que você se esconda, você o fará?
– Sim.
– Se eu mandar que você fuja, você obedecerá?
– Sim.
– Se eu ordenar que você me deixe e salve sua vida, você fará como eu lhe disser?
– Eu ...
– Harry?
Eles se entreolharam por alguns momentos.
– Sim, senhor.
– Muito bem. Então eu quero que você vá buscar a sua capa da invisibilidade e encontre-se
comigo no saguão de entrada em cinco minutos.
Dumbledore virou-se para contemplar a paisagem da janela, o sol era agora um brilho vermelhorubi no horizonte. Harry caminhou rapidamente para fora da sala e desceu a escada em espiral. Seus
pensamentos estavam estranhamente claros de repente. Ele sabia o que fazer.
Rony e Hermione estavam sentados juntos no salão comunal quando ele chegou de volta.
– O que Dumbledore queria? – perguntou Hermione imediatamente. – Harry, você está bem?
– ela acrescentou, ansiosa.
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Capítulo 25 – A vidente entreouvida
– Estou ótimo – respondeu Harry simplesmente, passando por eles correndo. Ele voou escada
acima para o seu dormitório, onde abriu o malão e puxou para fora o Mapa do Maroto e um par de
meias embrulhadas. Então, ele desceu novamente as escadas correndo e voltou para o salão comunal,
deslizando até o local onde Rony e Hermione estavam sentados, parecendo chocados.
– Não tenho muito tempo – Harry soltou -, Dumbledore acha que eu estou pegando a minha
capa da Invisibilidade. Escutem ...
Rapidamente, ele esclareceu a eles onde estava indo e por quê. Ele não interrompeu a narrativa
nem com as manifestações de horror de Hermione nem com as perguntas ansiosas de Rony; eles
poderiam decifrar os detalhes sozinhos depois.
– ... então vocês percebem o que isso significa? – terminou Harry. – Dumbledore não estará
aqui essa noite, então Malfoy terá outra oportunidade de concretizar seja lá o que ele está armando.
Não, me escutem! – ele chiou, com raiva, já que tanto Rony quanto Hermione faziam menção de
interrompê-lo. – Eu sei que era Malfoy quem estava comemorando na Sala Precisa. Aqui – colocou o
Mapa do Maroto nas mãos de Hermione. – Você deve ficar de olho nele e de olho no Snape também.
Peça ajuda a quem quer que seja que tenha feito parte da AD. Hermione, esses galeões de contato
ainda funcionam, não é? Dumbledore diz que colocará proteção extra na escola, mas se Snape está
envolvido, ele saberá qual é essa proteção e como evitá-la... mas ele não saberá que vocês estão à
espreita, certo?
– Harry – começou Hermione, com olhos arregalados de medo.
– Não tenho tempo para discutir – afirmou Harry. – Fiquem com isso também – jogou as meias
nas mãos de Rony.
– Valeu – disse Rony. – Er... para que preciso de meias?
– Você precisa do que está embrulhado nelas, é o Felix Felicis. Dividam entre vocês e entre
Gina também. Digam adeus a ela por mim. É melhor eu ir. Dumbledore está esperando.
– Não! – gritou Hermione, enquanto Rony desembrulhava a pequena garrafa cheia de poção
dourada, parecendo admirado. – Nós não queremos, leve você, sabe-se lá o que você terá que enfrentar?
– Eu estarei bem, estarei com Dumbledore – disse Harry. – Eu quero ter certeza de que vocês
ficarão bem... não me olhe desse jeito, Hermione, eu vejo vocês em breve ...
E ele partiu, correndo pelo buraco do quadro em direção ao saguão de entrada.
Dumbledore estava esperando ao lado das portas de carvalho na entrada. Ele se virou ao ver
Harry descendo os degraus de pedra, ofegante, sentindo uma pontada do lado.
– Eu gostaria que você vestisse a sua capa, por favor – disse Dumbledore, e esperou até que
Harry tivesse jogado a capa por cima de si mesmo, antes de dizer:
– Muito bem. Vamos?
Dumbledore desceu os degraus de pedra, sua capa de viagem mal balançando no ar parado de
verão. Harry correu ao lado dele debaixo da Capa da Invisibilidade, ainda ofegante e suando muito.
– Mas o que as pessoas vão pensar ao vê-lo partir, Professor? – Harry indagou, pensando em
Malfoy e Snape.
– Que eu estou indo a Hogsmeade tomar um drinque, – disse Dumbledore calmamente. – Às
vezes faço uma visita à Rosmerta ou ao Cabeça de Javali... ou pelo menos parece que faço. É um
disfarce tão bom quanto qualquer outro, para esconder o meu verdadeiro destino.
Caminharam pela trilha, no crepúsculo. O ar cheirava a grama morna, água do lago e fumaça de
madeira, que vinha da cabana de Hagrid. Era difícil acreditar que eles estavam em uma missão
perigosa ou ameaçadora.
– Professor, – murmurou Harry, quando os portões no final da estrada já podiam ser avistados
– vamos aparatar?
– Sim – respondeu Dumbledore. – Você agora já sabe aparatar, acredito eu?
– Sim – disse Harry -, mas ainda não tenho uma autorização.
Ele achou melhor ser honesto; o que aconteceria se ele estragasse tudo, aparatando a milhas do
local onde eles deveriam ir?
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Não tem problema – disse Dumbledore, – Posso ajudá-lo novamente.
Eles saíram pelos portões na luz crepuscular, pegando a estrada deserta para Hogsmeade. A
escuridão chegava cada vez mais rápido enquanto eles caminhavam e quando alcançaram a rua
principal, já era noite. Luzes piscavam das vitrines das lojas e quando eles se aproximaram do Três
Vassouras, escutaram gritos altos.
– ... e fique longe! – gritou Madame Rosmerta, empurrando para fora um bruxo de aparência
desleixada. – Oh, olá, Alvo ... você está vindo tarde...
– Boa noite, Rosmerta, boa noite ... perdoe-me, estou indo ao Cabeça de Javali... sem ofensas,
preciso de um ambiente mais tranqüilo essa noite...
No minuto seguinte, eles viraram a esquina, entrando na rua lateral onde a placa do Cabeça de
Javali balançava um pouco, embora não houvesse brisa alguma. Diferentemente do Três Vassouras,
o bar parecia completamente vazio.
– Não será necessário entrar – murmurou Dumbledore, olhando ao redor. – Contanto que
ninguém nos veja ... agora, coloque a sua mão sobre o meu braço, Harry. Não é preciso apertar com
força, eu estou apenas te guiando. No número três: um, dois, três...
Harry virou-se. Logo, sentiu a sensação horrível de estar sendo espremido dentro de um tubo
de borracha grosso; não conseguia respirar, cada parte dele parecia estar sendo mais comprimida do
que podia agüentar, e então, justamente quando pensava que ia morrer sufocado, as amarras invisíveis
pareceram soltá-lo e ele estava de pé na escuridão gelada, respirando golfadas de um ar puro e salgado.
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– CAPÍTULO 26 –
A Caverna
Harry podia sentir o cheiro de sal e ouvir ondas erguendo-se; uma brisa leve e fria despenteava
seus cabelos enquanto olhava adiante para o mar iluminado pela lua e o céu repleto de estrelas. Ele
estava de pé sobre uma elevada língua de rocha negra, sob a qual a água remexia-se e agitava-se
vigorosamente. Harry olhou por cima do próprio ombro. Um gigantesco penhasco estendia-se às suas
costas a perder-se de vista, negro e liso. Alguns grandes pedaços de rocha, como aquele onde
Dumbledore e Harry estavam, pareciam ter se desprendido do despenhadeiro em algum momento no
passado. Era uma visão seca, desagradável, a rocha sem a suavização de nenhuma árvore, um vestígio
de grama ou de areia.
– O que você acha? – disse Dumbledore. Ele poderia estar questionando Harry se esse era um
bom lugar para se fazer um piquenique.
– Eles traziam as crianças do orfanato aqui? – perguntou Harry, que não conseguia imaginar
um lugar menos acolhedor para um passeio.
– Não aqui, precisamente – disse Dumbledore. – Há um a espécie de vila aproximadamente no
meio do caminho dos penhascos atrás de nós. Acredito que os órfãos eram levados lá para respirar
um pouco de ar marítimo e uma vista das ondas. Não, acho que Tom Riddle e suas jovens vítimas
foram os únicos a jamais visitarem esse local. Nenhum trouxa conseguiria chegar a essa rocha, a não
ser montanhistas extraordinariamente bons, e barcos não podem se aproximar dos desfiladeiros, as
águas ao seu redor são perigosas demais. Imagino que Riddle tenha descido escalando; mágica
funcionaria melhor que cordas. E trouxe duas pequenas crianças consigo, provavelmente apenas pelo
prazer de aterrorizá-las. Acho que a escalada por si só já seria o suficiente, e você?
Harry levantou novamente os olhos para o desfiladeiro e sentiu um calafrio.
– Mas seu destino final, e o nosso, encontra-se um pouco mais adiante. Venha.
Dumbledore guiou Harry até a beirada da rocha, onde uma série de cavidades cortantes
formavam um caminho até pedras semi-submersas na água e mais próximas ao desfiladeiro. Era uma
descida traiçoeira e Dumbledore, um pouco atrapalhado por causa de sua mão enfraquecida, moviase devagar. As rochas mais baixas estavam cobertas pelo mar. Harry sentia respingos de sal gelado
baterem em seu rosto.
– Lumos – disse Dumbledore, ao chegar na pedra mais próxima da face do despenhadeiro.
Milhares de gotas de luz dourada se refletiam na superfície escura da água alguns metros abaixo
de onde o bruxo se inclinara; a parede de rocha negra ao seu lado também se iluminou.
– Consegue ver? – Dumbledore disse calmamente, segurando sua varinha um pouco mais alto.
Harry viu uma fissura no penhasco por onde a água escura passava. – Você não fará objeção a se
molhar um pouco?
267
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Não – Harry respondeu.
– Então retire a sua capa da invisibilidade; não existe necessidade alguma para ela agora; e
vamos mergulhar – e subitamente, com a agilidade de um homem muito mais jovem, Dumbledore
deslizou da pedra, caiu no mar e começou a nadar com braçadas perfeitas em direção ao vão negro na
face do rochedo, sua varinha acesa segura em seus dentes.
Harry retirou a capa, guardou-a em seu bolso e o seguiu. A água estava gélida; as roupas
encharcadas de Harry pesavam no seu corpo e o puxavam para baixo. Respirando profundamente o
ar que enchia suas narinas de um perfume de sal e algas, ele avançou seguindo a luz trêmula e
hesitante, agora se movendo mais para o interior do penhasco. A fissura logo se abriu para um túnel
escuro, que Harry poderia dizer que se encheria de água com a maré cheia. As paredes úmidas mal se
distanciavam um metro e brilhavam como alcatrão molhado à passagem da luz da varinha de
Dumbledore. Um pouco mais adiante, a passagem curvava-se para a esquerda e Harry viu que ela se
estendia profundamente no interior do penhasco. Ele continuou nadando no rastro do professor, as
pontas congeladas de seus dedos raspando a rocha irregular e molhada.
Então ele viu Dumbledore saindo d’água a sua frente, suas vestes negras e cabelo prateado
brilhando. Quando Harry chegou ao local, encontrou degraus que levavam a uma grande caverna.
Ele os subiu, com água pingando de suas roupas ensopadas, e emergiu, tremendo incontrolavelmente,
no ar parado e gélido.
Dumbledore estava de pé no meio da caverna, sua varinha segura no alto enquanto ele rodava
no mesmo lugar, examinando o teto e as paredes.
– Sim, este é o lugar – disse ele.
– Como o senhor sabe? – Harry falou em um sussurro.
– Já foi feita magia aqui – disse Dumbledore com simplicidade.
Harry não conseguia dizer se os arrepios que estava experimentando deviam-se ao frio intenso
ou à mesma sensação de presença de encantamentos. Ele assistiu Dumbledore revirar-se no mesmo
lugar, evidentemente concentrando-se em coisas que Harry não conseguia ver.
– Essa é apenas a antecâmara, o salão de entrada – Dumbledore falou depois de um ou dois
minutos. – Precisamos entrar no interior... Agora serão os obstáculos de Lord Voldemort que estarão
em nosso caminho, não os que a natureza construiu.
Dumbledore aproximou-se da parede da caverna e acariciou-a com as pontas enegrecidas de
seus dedos, murmurando em uma língua estranha que Harry não entendia. Duas vezes Dumbledore
caminhou por toda a caverna, tocando tanto da rocha áspera quanto podia, parando ocasionalmente,
passando seus dedos de cima a baixo em um ponto particular, até que finalmente parou, sua mão
pressionada contra a parede.
– Aqui – disse. – Prosseguimos por aqui. A entrada está escondida.
Harry não perguntou como ele sabia. O garoto jamais vira um bruxo concluir coisas dessa
maneira, simplesmente olhando e tocando; mas havia tempos Harry aprendera que explosões e fumaça
freqüentemente eram marcas de incompetência e não de verdadeiro conhecimento.
Dumbledore afastou-se da parede da caverna e apontou sua varinha para a rocha. Por um
momento, o contorno de um arco tornou-se visível, com um brilho branco como se houvesse uma
poderosa luz atrás da abertura.
– O senhor c-conseguiu! – Harry exclamou, seus dentes se chocando à medida que tremia; mas
antes que as palavras deixassem seus lábios, o contorno desaparecera, deixando a rocha tão nua e
sólida como antes. Dumbledore olhou ao redor.
– Harry, sinto muito, me esqueci – disse, apontando agora sua varinha para o garoto e
imediatamente suas roupas ficaram tão secas e quentes quanto se tivessem ficado estendidas em
frente a um fogo incandescente.
– Obrigado – Harry disse, agradecido, mas Dumbledore havia voltado sua atenção para a
sólida parede da caverna. Ele não tentou mais magia, apenas continuou parado no mesmo lugar,
268
Capítulo 26 – A Caverna
olhando a parede atentamente, como se algo extremamente interessante estivesse escrito nela. Harry
manteve-se completamente imóvel; não queria quebrar sua concentração.
Então, depois de dois longos minutos, Dumbledore disse calmamente:
– Ah, certamente que não. Tão tosco.
– O que é, professor?
– Acho – disse Dumbledore, colocando sua mão sadia dentro de suas vestes e retirando uma
faca do tipo que Harry usava para cortar ingredientes de poções -, que nós precisamos fazer um
pagamento para passar.
– Pagamento? – Harry indagou. – Você precisa dar alguma coisa à porta?
– Sim – respondeu o professor. – Sangue, se não estiver enganado.
– Sangue?
– Eu disse que era tosco – disse o bruxo, parecendo desdenhoso, mesmo desapontado, como se
Voldemort estivesse abaixo do padrão que Dumbledore esperava. – A idéia, como tenho certeza de
que você concluiu, é que o inimigo se enfraqueça para entrar. Mais uma vez, Lord Voldemort falha ao
perceber que existem coisas muito mais terríveis que ferimentos físicos.
– É, mas se o senhor puder evitar... – Disse Harry, que já experimentara dor o suficiente para
não ansiar por mais.
– Contudo, às vezes é inevitável – disse Dumbledore, sacudindo a manga de suas vestes e
expondo o antebraço de sua mão ferida.
– Professor! – Harry protestou, adiantando-se no momento em que Dumbledore erguia a faca.
– Eu farei, eu sou... – ele não sabia o que dizer: mais jovem, mais saudável? Mas Dumbledore
meramente sorriu. Houve um flash prateado e um jato escarlate; a rocha estava repleta de gotas
escuras e brilhantes.
– Você é muito gentil, Harry – disse Dumbledore, agora passando sua varinha no corte profundo
que fizera no próprio braço, de modo que este se curou imediatamente, exatamente como Snape
curara a ferida de Malfoy -, mas o seu sangue vale mais que o meu. Ah, isto parece ter feito o trabalho,
não é?
O contorno prateado e brilhante de um arco surgiu novamente na parede, mas desta vez não
sumiu; a rocha suja de sangue desapareceu, deixando uma abertura para o que parecia total escuridão.
– Primeiro eu, acho – disse Dumbledore, e ele atravessou o arco com Harry em seus calcanhares,
acendendo apressadamente a própria varinha ao seguir o professor.
Uma visão lúgubre alcançou seus olhos: estavam de pé à beira de um enorme lago negro, tão
grande que Harry não conseguia distinguir as margens distantes, em uma caverna tão alta que o teto
também estava fora do alcance da vista. Uma névoa de luz esverdeada brilhava longe, onde parecia
ser o meio do lago; ela se refletia abaixo, na água completamente parada abaixo. O brilho esverdeado
e a luz das duas varinhas eram as únicas coisas que quebravam a escuridão de outro modo impenetrável,
embora seus raios não fossem tão longe quanto Harry esperaria. A escuridão era de algum modo mais
densa que o normal.
– Vamos caminhar – Dumbledore falou calmamente. – Tenha muito cuidado para não pisar na
água. Mantenha-se próximo a mim.
Ele começou a andar pela beira do lago e Harry seguiu-o de perto. Seus passos faziam sons
reverberantes de batidas na estreita margem rochosa que circundava a água. Mais e mais eles
caminharam, mas a vista não se alterou: de um lado, a parede áspera da caverna, do outro, a expansão
infindável de escuridão uniforme e lisa como um vidro, no meio da qual estava aquele misterioso
brilho esverdeado. Harry achou o lugar e o silêncio opressivos, enervantes.
– Professor? – disse finalmente. – O senhor acha que o Horcrux está aqui?
– Oh, sim – respondeu Dumbledore. – Tenho certeza de que está. A questão é: como chegar
até ele?
269
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– A gente não poderia... Nós não poderíamos simplesmente tentar um feitiço convocatório? –
Harry disse, certo de que seria uma sugestão estúpida, mas ele estava mais ansioso do que admitiria
para sair deste lugar o mais rapidamente possível.
– Certamente – disse Dumbledore, parando tão subitamente que Harry quase foi de encontro
a ele. – Por que você não tenta?
– Eu? Ah... OK... – Harry não esperara por isso, mas limpou a garganta e disse em voz alta,
varinha em punho: – Accio Horcrux!
Com um barulho de explosão, algo muito grande e pálido emergiu da água a uns seis metros
deles. Antes que Harry conseguisse ver o que era, a coisa tornara a desaparecer com um ruído de algo
colidindo com a água, causando ondulações grandes e profundas na superfície espelhada. Harry
recuou em choque, batendo na parede; seu coração ainda estava acelerado ao dirigir-se a Dumbledore:
– O que era aquilo?
– Alguma coisa, penso, que está pronta para responder a nossa tentativa de apanhar o Horcrux.
Harry tornou a olhar para a água. A superfície do lago era novamente um brilhante vidro negro;
as ondulações tinham desaparecido de modo incomumente rápido, contudo, o coração do garoto
ainda estava batendo acelerado.
– O senhor achava que isso iria acontecer?
– Achava que alguma coisa aconteceria se fizéssemos uma tentativa óbvia para colocar nossas
mãos no Horcrux. Essa foi uma idéia muito boa, Harry; o modo mais simples de descobrirmos o que
nos aguarda.
– Mas não sabemos o que a coisa era – disse Harry, olhando para a água sinistramente calma.
– O que as coisas são, você quis dizer – corrigiu-o Dumbledore. – Duvido muito que seja
apenas uma. Vamos continuar?
– Professor?
– Sim, Harry?
– O senhor acha que precisaremos entrar no lago?
– Dentro dele? Apenas se tivermos muito pouca sorte.
– O senhor não acha que o Horcrux está no fundo?
– Ah, não... Acho que está no meio. – E Dumbledore apontou na direção da névoa de luz
esverdeada no centro do lago.
– Então precisaremos atravessar o lago para chegar lá?
– Sim, penso que sim.
Harry não falou nada. Todos os seus pensamentos estavam em monstros aquáticos, serpentes
gigantes, demônios, cavalos-do-lago e fadas marinhas.
– Ahá – exclamou Dumbledore, parando de novo; e desta vez, Harry realmente foi de encontro
a ele. Por um momento, o garoto balançou perigosamente na beira do lago, e Dumbledore segurou a
parte superior do braço de Harry firmemente com sua mão saudável, puxando-o para trás.
– Desculpe-me, Harry, deveria ter avisado. Fique de pé contra a parede, por favor, acho que
encontrei o lugar.
Harry não fazia idéia do que Dumbledore queria dizer; este trecho da margem escura era
exatamente igual a todos os outros, pelo que podia perceber, mas Dumbledore parecia ter detectado
algo especial no local. Desta vez ele estava passando a mão, não na parede rochosa, mas através do
ar, como se esperasse encontrar e segurar alguma coisa invisível.
– Ohô – Dumbledore exclamou alegremente, segundos depois. Sua mão se fechara no meio do
ar sobre alguma coisa que Harry não conseguia ver. O professor aproximou-se da água. Harry assistiu
nervosamente enquanto as pontas dos sapatos afivelados de Dumbledore encontravam o limite da
borda da rocha. Mantendo sua mão fechada no meio do ar, o bruxo levantou a varinha com a outra e
bateu no punho fechado com a ponta.
Imediatamente uma grossa corrente de cobre verde surgiu do meio do ar, estendendo-se do
fundo da água até a mão fechada de Dumbledore. Ele deu um toque de varinha na corrente, que
270
Capítulo 26 – A Caverna
começou a escorregar por seu pulso como uma cobra, amontoando-se no chão com um som metálico
que ecoou nas paredes rochosas, erguendo alguma coisa do fundo da água negra. Harry ofegou enquanto
a proa fantasmagórica de um pequeno barco, com o mesmo brilho verde da corrente, emergia a
superfície e flutuava, quase sem ondular na água, na direção da margem onde Harry e Dumbledore
estavam.
– Como o senhor sabia que isso estava ali? – Harry indagou, surpreso.
– A magia sempre deixa vestígios – disse Dumbledore, enquanto o barco alcançava a margem
com um ruído suave, – as vezes vestígios muito perceptíveis. Ensinei a Tom Riddle. Conheço seu
estilo.
– Esse... Esse barco é seguro?
– Ah, sim, acho que sim. Voldemort precisava criar um meio de atravessar o lago sem despertar
a ira das criaturas que colocou dentro dele, para o caso de querer visitar ou remover seu Horcrux.
– Então as coisas na água não nos farão nada se atravessarmos no barco de Voldemort?
– Acho que devemos nos resignar ao fato de que, em algum momento, eles irão perceber que
não somos Lord Voldemort. Contudo, estamos indo bem até agora. Nos permitiram erguer o barco.
– Mas por que nos deixaram? – Perguntou Harry, que não conseguia evitar a visão de tentáculos
saindo da água no momento em que tivessem perdido a margem de vista.
– Voldemort estaria relativamente confiante de que ninguém, exceto um grande bruxo, seria
capaz de encontrar o barco – disse Dumbledore. – Acho que ele estava pronto para arriscar o que
seria, em sua cabeça, a possibilidade extremamente improvável de que alguém encontrasse a
embarcação, sabendo que adiante aguardavam outros obstáculos que apenas ele seria capaz de penetrar.
Veremos se estava certo.
Harry olhou para baixo, para o interior do barco. Era realmente muito pequeno.
– Não parece ter sido construído para duas pessoas. Ele agüentará nós dois? Seremos muito
pesados juntos?
Dumbledore deu um risinho.
– Voldemort não teria se importado com o peso, mas com a quantidade de poder mágico que
cruzaria seu lago. Penso que um encantamento foi colocado neste barco, de modo que apenas um
bruxo por vez possa navegá-lo.
– Então...
– Não acho que você conta, Harry; você é menor de idade e não formado. Voldemort nunca
esperaria que alguém de dezesseis anos de idade chegasse a este lugar. Acho improvável que seus
poderes sejam registrados comparados com os meus.
Essas palavras não fizeram nada para levantar a moral de Harry. Talvez Dumbledore tenha
notado isso, pois acrescentou:
– Engano de Voldemort, Harry, engano de Voldemort... A idade é tola e facilmente se esquece
das coisas quando menospreza a juventude... Agora, você primeiro, e tenha cuidado para não tocar
na água.
Dumbledore ficou ao lado e Harry subiu cuidadosamente no barco. O diretor também entrou,
soltando a corrente no chão. Ficaram apertados, juntos; Harry não podia sentar-se confortavelmente,
então se encolheu, seus joelhos na mesma altura da borda do barco, que começou a mover-se
imediatamente. Não havia nenhum som, exceto o sussurrar sedoso da proa do barco cortando a água;
o barco movia-se sem a ajuda deles, como se uma corda invisível estivesse puxando-o em direção à
luz no centro. Logo eles não conseguiam mais ver as paredes da caverna; poderiam estar no mar,
exceto que não havia ondas.
Harry olhou para baixo e viu o reflexo dourado da luz de sua varinha faiscando e brilhando na
água negra enquanto passavam. O barco esculpia ondulações profundas na superfície de vidro, sulcos
no espelho negro...
Então Harry viu, branca como mármore, flutuando centímetros abaixo da superfície.
– Professor! – exclamou, e sua voz alarmada ecoou alto por sobre a água silenciosa.
271
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Harry?
– Acho que vi uma mão na água... uma mão humana!
– Sim, tenho certeza de que viu – disse Dumbledore calmamente.
Harry fitou a água abaixo, procurando pela mão desaparecida, e uma sensação de mal estar
subiu-lhe à garganta.
– Então aquela coisa que saltou da água...?
Mas ele teve sua resposta antes que Dumbledore pudesse replicar; a luz da varinha passara por
um trecho de água mostrando, dessa vez, um homem morto boiando de rosto para cima centímetros
abaixo da superfície, seus olhos anuviados como se cobertos por uma teia, seus cabelos e vestes
flutuando ao seu redor como fumaça.
– Têm corpos aqui! – Disse Harry, e sua voz soou muito mais alta que o usual, tão diferente da
sua própria.
– Sim – Dumbledore falou placidamente -, mas não precisamos nos preocupar com eles por
ora.
– Por ora? – Harry repetiu, desviando seu olhar da água para encarar o professor.
– Não enquanto eles estão flutuando pacificamente abaixo de nós – disse Dumbledore. – Não
há por que temer um corpo, Harry, como não há por que temer o escuro. Lord Voldemort, que, é
claro, secretamente teme a ambos, discorda. Mas mais uma vez ele revela sua falta de sabedoria. É o
desconhecido que tememos ao olhar a morte e a escuridão, nada mais.
Harry não disse nada; não queria discutir, mas achava a idéia de corpos flutuando ao seu redor
horrível, e mais, não acreditava que eles não fossem perigosos.
– Mas um deles saltou – disse, tentando deixar sua voz tão controlada e calma quanto a de
Dumbledore. – Quando tentei convocar o Horcrux, um corpo ergueu-se da água.
– Sim – Dumbledore concordou. – Estou certo de que assim que pegarmos o Horcrux, eles não
serão tão pacíficos. Contudo, como tantas criaturas que vivem no frio e na escuridão, eles temem a
luz e o calor, o que então chamaremos em nosso auxílio, caso se faça necessário. Fogo, Harry – ele
acrescentou com um sorriso, em resposta à expressão confusa do garoto.
– Ah... Certo... – disse Harry rapidamente. Ele virou sua cabeça para olhar o brilho esverdeado,
na direção do qual o barco ainda navegava inexoravelmente. Agora não podia mais fingir não estar
com medo. O grande lago negro, repleto de morte... parecia ter passado horas e horas desde que
encontrara a Profª. Trelawney, desde que dera Felix Felicis a Rony e Hermione... Subitamente desejou
ter se despedido melhor deles... E simplesmente não vira Gina...
– Quase lá – disse Dumbledore animado. De fato, a luz esverdeada parecia estar finalmente
aumentando e em minutos o barco parou, batendo gentilmente em alguma coisa que Harry não
conseguia ver de início, mas ao levantar sua varinha iluminada, percebeu que tinham chegado a uma
pequena ilha de rocha plana no centro do lago.
Cuidado para não tocar na água – Dumbledore alertou mais uma vez, enquanto Harry
desembarcava.
A ilha não era maior que a sala do diretor, uma extensão de pedra lisa e escura, onde não havia
nada exceto a fonte daquela luz esverdeada, que parecia muito mais forte quando vista de perto.
Harry perscrutou com os olhos semi-abertos; a princípio, achou se tratar de algum tipo de lâmpada,
mas então viu que a luz estava vindo de uma bacia de pedra bastante parecida com a penseira,
apoiada em um pedestal. Dumbledore aproximou-se da bacia e Harry o seguiu. Lado a lado, eles
olharam para baixo, dentro dela. A bacia estava cheia de um líquido esmeraldino, emitindo o brilho
fosforescente.
– O que é isso? – Harry perguntou baixinho.
– Não tenho certeza – Dumbledore respondeu. – Alguma coisa mais preocupante que corpos e
sangue, contudo.
Dumbledore puxou a manga de suas vestes de sobre sua mão enegrecida, esticando os dedos
na direção da superfície da poção.
272
Capítulo 26 – A Caverna
– Professor, não, não toque...!
– Não posso tocar – Dumbledore assegurou-lhe, sorrindo fracamente. – Está vendo? Não
posso me aproximar mais do que isso. Tente.
Olhando, Harry colocou sua mão dentro da bacia e tentou tocar a poção. Encontrou uma
barreira invisível que o impedia de chegar mais de dois centímetros perto da substância. Não importava
quão fortemente pressionasse, seus dedos não encontravam nada a não ser o que parecia ser ar sólido
e flexível.
– Com licença, Harry – Pediu Dumbledore.
Ele ergueu sua varinha e fez movimentos complicados em cima da poção, murmurando
silenciosamente. Nada aconteceu. Exceto, talvez, a substância ter se tornado um pouco mais brilhante.
Harry manteve-se calado enquanto o diretor trabalhava, mas depois de um tempo Dumbledore guardou
sua varinha, e Harry sentiu que podia falar novamente.
– O senhor acha que o Horcrux está lá dentro?
– Ah, sim.
Dumbledore perscrutou a bacia mais de perto. Harry viu seu rosto refletido, de cabeça para
baixo, na superfície plana da poção.
– Mas como apanhá-lo? Essa poção não pode ser penetrada pela mão, desaparecer, ser destruída,
esvaziada ou retirada daqui, também não pode ser transfigurada, encantada ou mudar de natureza de
qualquer outra maneira.
Quase despreocupadamente, Dumbledore ergueu novamente sua varinha, sacudiu-a uma vez
no ar e apanhou o cálice de cristal que conjurara do nada.
– Só posso concluir que essa poção deve ser bebida.
– O quê? – exclamou Harry. – Não!
– Sim, acho que sim. Apenas bebendo conseguirei esvaziar a bacia e ver o que está no fundo.
– Mas... mas e se ela matar o senhor?
– Ah, duvido que funcione desse modo – disse Dumbledore tranqüilamente. – Lord Voldemort
não quereria matar a pessoa que chegou a essa ilha.
Harry não conseguia acreditar. Seria mais uma vez a determinação insana de Dumbledore de
ver o bem em todo o mundo?
– Professor – Harry falou, tentando manter sua voz razoável -, professor, é de Voldemort que
estamos...
– Desculpe-me, Harry; deveria ter dito: ele não quereria matar imediatamente a pessoa que
chegou a essa ilha – Dumbledore se corrigiu. – Ele quereria mantê-la viva até descobrir como conseguira
penetrar tão longe em suas defesas e, mais importante que tudo, por que estava tão interessada em
esvaziar a bacia. Não se esqueça que Lord Voldemort acredita que apenas ele sabe sobre seus
Horcruxes.
Harry fez que falaria novamente, mas desta vez Dumbledore levantou sua mão pedindo silêncio,
erguendo ligeiramente as sobrancelhas para o líquido esmeraldino, evidentemente pensando.
– Sem dúvida – disse finalmente -, essa poção deve agir de um modo que me impeça de pegar
o Horcrux. Talvez me paralise, faça com que eu esqueça porque estou aqui, cause tanta dor que me
distraia ou me deixe incapacitado de algum outro modo. Se for esse o caso, Harry, cabe a você
assegurar que eu continuarei bebendo, mesmo se tiver que forçar a poção na minha boca relutante.
Entendeu?
Seus olhos encontraram-se por sobre a bacia, os dois rostos pálidos iluminados por aquela
estranha luz verde. Harry não respondeu. Havia sido por isso que fora convidado a vir junto... para
forçar Dumbledore a beber uma poção que poderia causar-lhe uma dor insuportável?
– Você se lembra – disse Dumbledore, – a condição sob a qual eu o trouxe comigo?
Harry hesitou, olhando dentro dos olhos azuis que haviam se tornado verdes, refletindo a luz
da bacia.
– Mas e se...?
273
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Você jurou obedecer a todas as ordens que eu lhe desse, não jurou?
– Sim, mas...
– Eu o avisei que talvez houvesse perigo, não avisei?
– Sim – disse Harry, – mas...
– Bem, então – disse Dumbledore, mais uma vez puxando sua manga para cima e erguendo o
cálice vazio, – aqui estão minhas ordens.
– Por que eu não posso beber a poção no seu lugar? – Harry perguntou, desesperado.
– Porque eu sou muito mais velho, muito mais esperto e tenho muito menos valor que você –
disse Dumbledore. – De uma vez por todas, Harry, tenho sua palavra de que você fará tudo que
estiver ao seu alcance para me manter bebendo?
– Não posso ...?
– Tenho?
– Mas...
– Sua palavra, Harry.
– Eu... tudo bem, mas...
Antes que Harry pudesse protestar mais, Dumbledore desceu o cálice de cristal até a poção.
Por uma fração de segundo, Harry teve esperança de que ele não conseguisse tocá-la com o objeto,
mas o cristal mergulhou na superfície como nada mais o fizera; quando o copo estava cheio até a
boca, Dumbledore levou o cálice aos lábios.
– À sua saúde, Harry.
E ele esvaziou o cálice. Harry observou-o, aterrorizado, suas mãos apertando a borda da bacia
com tanta força que as pontas de seus dedos ficaram dormentes.
– Professor? – Harry chamou ansiosamente, enquanto Dumbledore abaixava o copo. – Como o
senhor se sente?
Dumbledore sacudiu a cabeça, seus olhos fechados. Harry se perguntou se ele estaria sentindo
dor. O professor mergulhou o copo cegamente na bacia, tornou a enchê-lo e bebeu mais uma vez.
Em silêncio, Dumbledore bebeu três cálices cheios de poção. Então, no meio do quarto, perdeu
o equilíbrio e caiu para a frente sobre a bacia. Seus olhos ainda estavam fechados, sua respiração
pesada.
– Professor Dumbledore? – disse Harry, sua voz saindo com dificuldade. – O senhor pode me
ouvir?
O bruxo não respondeu. Seu rosto se contorcia como se estivesse dormindo, mas tendo um
sonho horrível. Seu aperto no cálice estava afrouxando; a poção estava quase caindo. Harry adiantouse e apanhou a taça de cristal, segurando-a com firmeza.
– Professor, o senhor pode me ouvir? – repetiu alto, sua voz ecoando pela caverna.
Dumbledore arquejou e falou em uma voz que Harry não reconheceu, pois jamais ouvira o
diretor amedrontado desse jeito.
– Eu não quero... Não me faça...
Harry olhou para a face envelhecida que conhecia tão bem, para o nariz adunco e os óculos de
meia-lua, e não soube o que fazer.
– ... Não gosto... quero parar... – murmurou Dumbledore.
– O senhor... o senhor não pode parar, professor – disse Harry. – O senhor precisa continuar
bebendo, se lembra? O senhor me disse que precisava continuar bebendo. Aqui...
Odiando-se, enojado pelo que estava fazendo, Harry forçou o cálice de volta à boca de
Dumbledore e o virou, de modo a forçá-lo a beber o restante da poção no copo.
– Não – grunhiu, enquanto Harry descia o cálice até a bacia e o enchia novamente. – Não
quero... Não quero... Deixe-me ir...
– Está tudo bem, professor – disse Harry, sua mão tremendo. – Está tudo bem, eu estou aqui...
– Faça parar, faça parar – murmurou Dumbledore.
– Sim... sim, isto vai fazer parar – mentiu Harry.
274
Capítulo 26 – A Caverna
Ele virou o conteúdo do cálice na boca aberta de Dumbledore.
O bruxo gritou; o barulho ecoou por toda a enorme câmara, por sobre a água negra e morta.
– Não, não, não, não, eu não posso, não posso, não me faça, não quero...
– Está tudo bem, professor, tudo bem! – Harry falou alto, suas mãos tremendo tanto que mal
conseguia encher o sexto cálice de poção; a bacia estava pela metade, agora. – Nada está acontecendo,
o senhor está em segurança, isso não é real, juro que não é real... beba isso, agora, beba...
E obedientemente, Dumbledore bebeu, como se Harry lhe oferecesse um antídoto, mas depois
de esvaziar o cálice, caiu de joelhos, tremendo incontrolavelmente.
– É tudo minha culpa, minha culpa – soluçou. – Por favor, faça isso acabar, sei que agi errado,
oh, por favor, faça isso acabar e eu nunca, nunca de novo...
– Este fará acabar, professor – disse Harry, sua voz falhando enquanto virava o sétimo copo de
poção na boca do bruxo.
Dumbledore começou a encolher-se, como se torturadores invisíveis o rodeassem; sua mão se
sacudindo quase derrubando o cálice recém-cheio das mãos trêmulas de Harry, enquanto gemia: –
Não os machuque, não os machuque, por favor, por favor, é minha culpa, machuque a mim no lugar
deles...
– Aqui, beba isso, beba isso, o senhor vai ficar bem – Harry falou, desesperado, e mais uma vez
Dumbledore lhe obedeceu, abrindo sua boca ainda que mantivesse seus olhos firmemente fechados
e tremesse dos pés à cabeça.
E então caiu para a frente, gritando novamente, batendo com os punhos no chão, enquanto
Harry enchia o nono cálice.
– Por favor, por favor, por favor, não... não isso, não isso, faço qualquer coisa...
– Apenas beba, professor, apenas beba.
Dumbledore bebeu como uma criança morrendo de sede, mas ao terminar, gritou novamente,
como se suas entranhas estivessem em fogo:
– Não mais, por favor, não mais...
Harry encheu um décimo cálice de poção e sentiu o cristal bater no fundo da bacia.
– Estamos quase lá, professor, beba isso, beba...
Ele segurou os ombros de Dumbledore e mais uma vez o bruxo esvaziou o copo; e Harry
estava de pé novamente, tornando a encher o cálice quando Dumbledore começou a gritar em mais
agonia que nunca:
– Quero morrer! Quero morrer! Faça parar, faça parar, quero morrer!
– Beba isso, professor. Beba isso...
Dumbledore bebeu, e mal acabara, gritou:
– MATE-ME!
– Este... Este vai! – Harry ofegou. – Apenas beba... Isso tudo vai passar... Tudo vai passar...
Dumbledore sorveu do cálice, bebendo até a última gota, e então, com um grande suspiro
gorgolejante, caiu de bruços.
– Não! – gritou Harry, que levantara para encher novamente o cálice.
Em vez disso, deixou a taça cair na bacia, jogou-se ao lado de Dumbledore e virou-o de barriga
para cima; os óculos do professor estavam tortos, sua boca aberta, seus olhos fechados.
– Não. – disse Harry, sacudindo o professor – Não, o senhor não está morto, o senhor disse que
não era veneno, acorde, acorde... Rennervate! – Gritou, sua varinha apontando para o peito de
Dumbledore; houve um flash de luz vermelha, mas nada aconteceu. – Rennervate... senhor... por
favor...
As pálpebras de Dumbledore moveram-se; o coração de Harry ficou mais leve.
– Professor, o senhor está...?
– Água – Dumbledore falou em uma voz baixa e rouca.
– Água – ofegou Harry. – Sim...
275
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Colocou-se de pé e apanhou o cálice que deixara cair na bacia, mal notando o medalhão dourado
que estava sob o cristal.
– Aguamenti! – Gritou, tocando o cálice com sua varinha.
O objeto encheu-se de água limpa. Harry caiu de joelhos ao lado de Dumbledore, ergueu a
cabeça do bruxo e levou o copo até seus lábios – mas ele se esvaziara. Dumbledore grunhiu e começou
a ofegar.
– Mas tinha água aqui... espera... Aguamenti! – Harry repetiu, apontando a varinha para o
cálice.
Mais uma vez, por um segundo, a taça cintilou, cheia de água limpa. Mas ao aproximar o cálice
da boca de Dumbledore, a água tornou a desaparecer.
– Professor, eu estou tentando, estou tentando! – Disse Harry, desesperado, embora não achasse
que Dumbledore conseguia escutá-lo; o bruxo rolara para o lado e respirava longamente, de modo
cortante, parecendo agonizante. – Aguamenti... Aguamenti... AGUAMENTI!
O cálice encheu-se e esvaziou-se mais uma vez. E então a respiração de Dumbledore tornouse fraca. Seu cérebro enchendo-se de pânico, Harry soube, instintivamente, o único jeito restante de
conseguir água, porque Voldemort planejara assim... Ele correu até a beira da rocha e mergulhou o
cálice no lago, trazendo-o de volta cheio até a boca de água gelada que não desapareceu.
– Professor... aqui! – Harry gritou, adiantando-se correndo e jogando a água no rosto do bruxo.
Era o melhor que podia fazer, pois a sensação gélida em seu braço que não estava segurando a
taça não era causada pela água fria. Uma mão branca e viscosa segurava seu pulso, e a criatura a
quem ela pertencia estava puxando-o lentamente de costas através da rocha. A superfície do lago não
era mais um espelho plácido; estava agitada, e em todas as direções que Harry olhava, via cabeças e
mãos brancas emergindo da água negra, homens e mulheres e crianças de olhos encovados e cegos,
movendo-se na direção da rocha: um exército da morte erguendo-se da água negra.
– Petrificus Totalus! – Gritou Harry, lutando para manter-se na superfície sólida da ilha enquanto
apontava sua varinha para o Inferius que segurava seu braço.
O morto soltou-o, caindo de costas com um som de alguma coisa colidindo com água. Harry
colocou-se de pé, mas muitos outros Inferi estavam alcançando a rocha, suas mãos ossudas agarrandose a superfície escorregadia, seus olhos vazios e imóveis no garoto, deixando vestígios de água por
onde passavam; rostos encovados e desejosos.
– Petrificus Totalus! – Harry gritou mais uma vez, recuando enquanto sacudia sua varinha no
ar; seis ou sete deles caíram, mas mais vinham em sua direção. – Impedimenta! Incarcerous!
Alguns perderam o equilíbrio, um ou dois foram presos por cordas, mas aqueles que subiam a
rocha logo atrás meramente pisaram por cima ou nos corpos caídos. Ainda cortando o ar com sua
varinha, Harry gritou:
– Sectumsempra! SECTUMSEMPRA!
Mas embora tenham se aberto buracos em seus trapos encharcados e em suas peles enregeladas,
eles não tinham sangue para perder: continuaram a andar, indiferentes, suas mãos enrugadas esticadas
na direção de Harry, e enquanto recuava ainda mais, o garoto sentiu braços segurando-o por trás,
braços magros, sem carne, frios como a morte. E seus pés deixaram o chão enquanto os braços o
levantavam e começavam a carregá-lo, lenta e inexoravelmente, para a água. E ele soube que não
seria solto, que afundaria e se tornaria mais um guardião morto de um fragmento da alma mutilada de
Voldemort...
Mas então, através da escuridão, fogo irrompeu: vermelho e dourado, um anel de fogo que
circundou a rocha, de modo que os Inferi segurando Harry com tanta firmeza tropeçaram e perderam
o equilíbrio; não ousavam atravessar o fogo para chegar até a água. Soltaram Harry; ele bateu no
chão, escorregou pela rocha e caiu, ferindo os braços. Então se levantou, erguendo a varinha e olhando
ao redor.
Dumbledore estava novamente de pé, tão pálido quanto os Inferi ao redor, mas mais alto também,
o fogo dançando em seus olhos; sua varinha estava levantada como uma tocha e de sua ponta emanavam
276
Capítulo 26 – A Caverna
as chamas, como um grande laço, circundando a todos com calor. Os Inferi chocavam-se uns contra
os outros, tentando cegamente escapar do fogo onde estavam presos...
Dumbledore retirou o medalhão do fundo da bacia de pedra e guardou-o dentro de suas vestes.
Silenciosamente, gesticulou para Harry ficar ao seu lado. Distraídos pelas chamas, os Inferi pareciam
ignorar que aqueles a quem perseguiam estavam partindo. No que Dumbledore guiava Harry de volta
ao barco, o anel de fogo moveu-se com eles, ao redor deles; os Inferi amedrontados seguiram-nos até
a margem, onde mergulharam, satisfeitos, de volta para suas águas negras.
Harry, tremendo por inteiro, achou por um momento que Dumbledore não conseguiria subir no
barco – ele se desequilibrou um pouco ao tentar – todas as suas forças pareciam estar concentradas
em manter o anel de chamas protetoras ao redor deles. Harry agarrou-o e ajudou-o a sentar-se. Uma
vez seguramente espremidos no interior do barco, este começou a mover-se através da água negra,
para longe da rocha, ainda circundados pelo anel de fogo, e parecia que os Inferi, que se moviam
juntos abaixo deles, não ousavam emergir novamente.
– Professor – ofegou Harry – professor, me esqueci... o fogo... eles estavam vindo em minha
direção e entrei em pânico...
– Completamente compreensível – murmurou Dumbledore. Harry ficou alarmado ao escutar
quão fraca sua voz estava.
Chegaram à margem com uma pequena batida e Harry desembarcou e virou-se rapidamente
para ajudar Dumbledore. No momento em que o diretor pisou na rocha, deixou a mão da varinha
cair; o anel de fogo desapareceu, mas os Inferi não voltaram a emergir da água. O barquinho afundou
dentro d’água novamente; tilintando e retinindo, a corrente também submergiu no lago. Dumbledore
suspirou profundamente e apoiou-se na parede da caverna.
– Estou fraco... – disse.
– Não se preocupe, senhor – disse Harry, ansioso com a excessiva palidez e ar de exaustão de
Dumbledore. – Não se preocupe, vou tirar-nos daqui... Apóie-se em mim, senhor...
E colocando o braço sadio do bruxo ao redor dos ombros, Harry guiou seu diretor de volta ao
redor do lago, carregando a maior parte de seu peso.
– A proteção era... afinal... bem planejada – Dumbledore disse, fraco. – Alguém sozinho não
conseguiria... Você trabalhou bem, muito bem, Harry...
– Não fale agora – disse Harry, assustado com o quanto a voz de Dumbledore soava indistinta
e com o modo como seus pés se arrastavam. – Guarde sua energia, senhor... Logo estaremos fora
daqui...
– O arco terá se fechado de novo... Minha faca...
– Não precisa, me cortei na rocha – disse Harry com firmeza. – Só me diga onde...
– Aqui...
Harry esfregou o antebraço cortado na pedra: tendo recebido seu tributo de sangue, o arco
reabriu instantaneamente. Atravessaram a caverna exterior e Harry ajudou Dumbledore a descer até
a gélida água do mar que preenchia a cavidade do penhasco.
– Vai ficar tudo bem, professor – Harry repetia de novo e de novo, mais preocupado com o
silêncio de Dumbledore do que estivera com sua voz enfraquecida. – Estamos quase lá... Posso
aparatar nós dois de volta... Não se preocupe...
– Não estou preocupado, Harry – disse Dumbledore, sua voz um pouco mais forte a despeito
da água congelante. – Estou com você.
277
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 27–
A Torre Atingida Pelo Raio
Uma vez de volta sob o céu estrelado, Harry levantou Dumbledore até uma pedra grande e
então o ajudou a ficar de pé. Ensopado e tremendo, com o peso de Dumbledore sobre si, Harry se
concentrou em seu destino mais do que jamais o tinha feito: Hogsmeade. Fechando seus olhos e
segurando o braço de Dumbledore o mais apertado possível, ele adentrou naquele terrível sentimento
de aperto.
Soube que tinha dado certo antes de abrir os olhos: o cheiro de sal, a brisa do mar haviam
desaparecido. Ele e Dumbledore estavam tremendo e gotejando no meio do escuro na rua Principal
em Hogsmeade. Por um momento horrível, a imaginação de Harry mostrou-lhe mais Inferi se arrastando
em sua direção a partir dos lados das lojas, mas ele piscou e viu que nada estava acontecendo; tudo
estava parado, a escuridão era total, exceto por uns poucos postes de luz da rua e janelas iluminadas
de andares superiores.
– Nós conseguimos, professor! – Harry sussurrou com dificuldade; ele percebeu de repente que
tinha um ponto chamuscado em seu peito. – Nós conseguimos! Pegamos o Horcrux!
Dumbledore vacilou contra ele. Por um momento, Harry pensou que sua Aparatação inexperiente
havia tirado o equilíbrio de Dumbledore; então ele viu seu rosto, mais pálido e desanimado que
nunca à luz distante do poste.
– Está bem, senhor?
– Já estive melhor – disse Dumbledore com voz fraca, apesar disso os cantos de sua boca se
levantaram. – Aquela poção... não era uma bebida saudável...
E para o horror de Harry, Dumbledore desabou no chão.
– Senhor ... está tudo bem, o senhor vai ficar bem, não se preocupe...
Ele procurou ajuda ao redor desesperadamente, mas não havia ninguém para ser visto e tudo o
que ele podia pensar era que devia haver alguma maneira de levar Dumbledore rapidamente à ala
hospitalar.
– Precisamos levá-lo para a escola, senhor... a Madame Pomfrey...
– Não – disse Dumbledore. – É do... Prof. Snape que eu preciso... mas eu não acho que ainda...
possa andar até muito longe...
– Certo. Senhor, escute. Eu vou bater em uma porta, encontrar um lugar onde você ficar ...
então eu posso correr e buscar a Madame...
– Severo – disse Dumbledore claramente. – Preciso do Severo...
– Tudo bem, então, Snape – mas eu vou ter que deixá-lo por um momento para poder...
Contudo, antes que Harry pudesse se mover, ele ouviu passos correndo. Seu coração pulou:
alguém tinha visto, alguém sabia que eles precisavam de ajuda e olhando ao redor ele viu Madame
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Capítulo 27 – A torre atingida pelo raio
Rosmerta de chinelos de salto alto e macios, correndo rapidamente pela rua escura até eles, usando
um roupão de seda bordado com dragões.
– Vi você Aparatar quando estava fechando as cortinas do meu quarto! Graças a Deus, Graças
a Deus, eu não podia pensar o que ... mas o que há de errado com Alvo?
Ela parou, ofegando e olhou para baixo com os olhos esbugalhados para Dumbledore.
– Ele está ferido – disse Harry. – Madame Rosmerta, ele pode ir até o Três Vassouras enquanto
eu subo até a escola e consigo ajuda pra ele?
– Você não pode ir lá sozinho! Você não percebe, você não viu ...?
– Se você me ajudar a carregá-lo – disse Harry, sem dar ouvidos a ela – Acho que podemos
levá-lo pra dentro...
– O que aconteceu? – perguntou Dumbledore. – Rosmerta, o que está errado?
– A ... a Marca Negra, Alvo.
E ela apontou para o céu, na direção de Hogwarts. O medo tomou conta de Harry ao som
dessas palavras... ele se virou e olhou pra cima.
Lá estava, suspenso no céu acima da escola: o crânio verde resplandecente com uma serpente
por língua, a marca que os Comensais da Morte deixavam para trás sempre que entravam em um
prédio... sempre que tinham matado...
– Quando apareceu? – perguntou Dumbledore, e sua mão apertou dolorosamente o ombro de
Harry enquanto ele lutava pra ficar de pé.
– Deve ter sido há alguns minutos atrás, não estava lá quando eu coloquei o gato pra fora, mas
quando eu subi as escadas...
– Precisamos retornar ao castelo imediatamente – disse Dumbledore. – Rosmerta – e apesar de
cambalear um pouco, ele parecia completamente no comando da situação – nós precisamos de
transporte ... vassouras...
– Eu tenho um par atrás do bar – ela disse, parecendo muito amedrontada. – Devo correr e
trazer...?
– Não, Harry pode fazê-lo.
Harry levantou sua varinha imediatamente.
– Accio vassouras da Rosmerta.
Um segundo depois eles ouviram um grande barulho quando as portas da frente do bar abriram
com violência; duas vassouras se atiraram pra fora até a rua e apostaram corrida entre si até o lado de
Harry, quando pararam, estremecendo levemente à altura da cintura.
– Rosmerta, por favor envie uma mensagem ao Ministério – disse Dumbledore, ao montar na
vassoura mais próxima de si. – Pode ser que ninguém dentro de Hogwarts ainda tenha percebido
nada de errado ... Harry, coloque sua Capa de Invisibilidade.
Harry tirou a Capa do bolso e a atirou sobre si mesmo antes de montar em sua vassoura;
Madame Rosmerta já estava cambaleando de volta ao seu bar quando Harry e Dumbledore se lançaram
do chão e se ergueram no ar. Enquanto aceleravam em direção ao castelo, Harry olhou para
Dumbledore ao seu lado, pronto para pegá-lo se caísse, mas a visão da Marca Negra pareceu ter agido
em Dumbledore como um estimulante: ele estava inclinado sobre sua vassoura, seus olhos fixos na
Marca, seu longo cabelo e barba prateados esvoaçando atrás de si no ar noturno. E Harry, também,
olhou à frente para o crânio, e o medo aumentou dentro de si como uma bolha venenosa, comprimindo
seus pulmões, tirando qualquer outro desconforto de sua mente...
Quanto tempo eles tinham ficado fora? A sorte de Rony, Hermione e Gina já teria se esgotado
agora? Foi um deles que fez a Marca ser colocada sobre a escola, ou foi Neville, ou Luna, ou algum
outro membro da AD? E se foi... tinha sido ele que lhes dissera para patrulhar os corredores, ele
pedira para abandonarem a segurança de suas camas... ele seria responsável novamente pela morte de
um amigo?
Enquanto voavam sobre a rua serpenteante pela qual tinham andado mais cedo, Harry ouviu,
acima do assobio do ar noturno em seus ouvidos, Dumbledore murmurar em alguma língua estranha
279
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
novamente. Ele pensou entender por que ao sentir sua vassoura estremecer por um momento quando
eles voaram sobre o muro para dentro dos terrenos da escola: Dumbledore estava desfazendo os
encantamentos que ele mesmo tinha colocado ao redor do castelo, para que pudessem entrar em
velocidade alta. A Marca Negra estava brilhando diretamente acima da Torre de Astronomia, a mais
alta do castelo. Significava que a morte tinha acontecido lá?
Dumbledore já tinha cruzado o parapeito com ameias e estava desmontando; Harry pousou
perto dele segundos depois e olhou ao redor.
O baluarte estava deserto. A porta para a escada em espiral que conduzia para dentro do
castelo estava fechada. Não havia sinal de arrombamento, de luta até a morte, de um corpo.
– O que isso significa? – Harry perguntou a Dumbledore, olhando pra cima para o crânio verde
e sua língua de serpente brilhando maldosamente sobre eles. “É uma Marca verdadeira? Alguém
definitivamente foi ... professor?
No lânguido brilho verde da Marca Harry viu Dumbledore apertar seu peito com a mão
enegrecida.
– Entre e acorde Severo, – disse Dumbledore fraca mas claramente. – Diga-lhe o que aconteceu
e traga-o até mim. Não faça mais nada, não fale com mais ninguém e não tire sua Capa. Eu vou
esperar aqui.
– Mas...
– Você jurou me obedecer, Harry. Vá!
Harry foi depressa para a porta que conduzia à escada espiral, mas sua mão tinha acabado de se
fechar sobre o anel de ferro da porta quando ele ouviu passos correndo do outro lado. Ele olhou para
Dumbledore, que gesticulou para ele recuar. Harry andou para trás, pegando sua varinha enquanto o
fazia.
A porta abriu com força e alguém passou por ela e gritou – Expelliarmus!
O corpo de Harry ficou rígido e imóvel instantaneamente, e ele se sentiu cair pra trás contra a
parede do castelo, apoiado como uma estátua desequilibrada, incapaz de se mover ou falar. Ele não
conseguia entender como isso aconteceu, Expelliarmus não era um Feitiço de Congelamento...
Então, com a luz da Marca, ele viu a varinha de Dumbledore voando em um arco por cima da
beira da torre e entendeu... Dumbledore tinha imobilizado Harry sem palavras, e o segundo que ele
levou para conjurar o feitiço custou sua chance de se defender.
De pé contra o parapeito, com o rosto muito branco, Dumbledore ainda não exibia sinais de
pânico ou aflição. Ele meramente olhou para quem o desarmou e disse. – Boa noite, Draco.
Malfoy andou para frente, olhando ao redor rapidamente para checar se ele e Dumbledore
estavam sozinhos. Seus olhos caíram sobre a segunda vassoura.
– Quem mais está aqui?
– Uma pergunta que eu poderia lhe fazer. Ou está agindo sozinho?
Harry viu os olhos pálidos de Malfoy se voltarem para Dumbledore à luz do brilho verde da
Marca.
– Não – disse ele. – Eu tenho reforços. Há Comensais da Morte aqui na sua escola esta noite.
– Bem, bem – disse Dumbledore, como se Malfoy estivesse mostrando a ele um projeto
ambicioso como dever de casa.– Muito bom mesmo. Você encontrou um modo de deixá-los entrar?
– É – disse Malfoy, que estava ofegante. – Bem debaixo do seu nariz e você nunca percebeu!
– Engenhoso – disse Dumbledore. – Ainda assim... perdoe-me.. onde eles estão agora? Você
parece sem apoio.
– Eles encontraram alguns da sua guarda. Estão tendo uma luta lá embaixo. Não vão demorar
muito... eu vim na frente. Eu... eu tenho um trabalho a fazer.
– Bem, então você deve prosseguir e fazê-lo, meu caro rapaz. – disse Dumbledore suavemente.
Houve silêncio. Harry permaneceu de pé, aprisionado dentro de seu próprio corpo invisível e
paralisado, fitando ambos, seus ouvidos se esforçando para ouvir os sons da distante luta dos Comensais
280
Capítulo 27 – A torre atingida pelo raio
da Morte, e na frente dele, Draco Malfoy não fez nada a não ser fitar Alvo Dumbledore que,
inacreditavelmente, sorriu.
– Draco, Draco, você não é um assassino.
– Como você sabe? – disse Malfoy rapidamente.
Ele pareceu perceber quão infantis essas palavras soaram; Harry o viu ficar vermelho à luz
esverdeada da Marca.
– Você não sabe do que sou capaz – disse Malfoy mais agressivamente – você não sabe o que
eu fiz!
– Oh, sim, eu sei – disse Dumbledore suavemente. – Você quase matou Katie Bell e Ronald
Weasley. Você tem tentado, com desespero crescente, matar-me durante o ano todo. Perdoe-me,
Draco, mas foram tentativas débeis... tão débeis, que para ser sincero, que eu imagino se seu coração
realmente estava nisso...
– Estava nisso! – afirmou Malfoy veementemente.– Eu trabalhei nisso o ano todo, e esta
noite...
Em algum lugar das profundezas do castelo abaixo Harry ouviu um grito abafado. Malfoy se
retesou e olhou por cima do ombro.
– Alguém deve estar mantendo uma boa luta – disse Dumbledore em tom de conversa. – Mas
você estava dizendo... sim, você conseguiu dar acesso aos Comensais da Morte à minha escola, o que
eu admito, pensava ser impossível... como você fez isso?
Mas Malfoy não disse nada: ele ainda estava ouvindo o que quer que estivesse acontecendo lá
embaixo e parecia quase tão paralisado quanto Harry estava.
– Talvez você devesse prosseguir com a tarefa sozinho – sugeriu Dumbledore. – E se os seus
reforços foram afugentados pela minha guarda? Como você talvez tenha percebido, há membros da
Ordem da Fênix aqui esta noite também. E afinal de contas, você não precisa de ajuda realmente...
eu não tenho varinha neste momento ... não posso me defender.
Malfoy simplesmente o fitou.
– Eu entendo – disse Dumbledore gentilmente, quando Malfoy não se moveu nem falou. –
Você está com medo de agir até que se reúnam a você.
– Eu não estou com medo! – rosnou Malfoy, apesar dele ainda não fazer nenhum movimento
para ferir Dumbledore. – É você que deveria estar com medo!
– Mas por quê? Eu não acho que você vai me matar, Draco. Matar não é nem de longe tão fácil
quanto os inocentes acreditam ... então diga-me, enquanto esperamos seus amigos ... como você os
contrabandeou aqui pra dentro? Parece que levou muito tempo para você descobrir como fazer isso.
Malfoy parecia como se estivesse lutando contra a vontade de gritar, ou de vomitar. Engoliu
em seco e respirou várias vezes profundamente, olhando para Dumbledore, sua varinha apontada
diretamente para o coração dele. Então, como se não pudesse evitar, disse: – Tive que consertar
aquele Armário Sumidouro que ninguém usou por anos. Aquele em que Montague se perdeu ano
passado.
– Aaaaah.
O suspiro de Dumbledore foi meio que um gemido. Ele fechou seus olhos por um momento.
– Isso foi inteligente ... então havia um par?
– O outro está na Borgin & Burkes – disse Malfoy – e eles fazem um tipo de passagem entre si.
Montague me disse que quando estava preso no de Hogwarts, ele estava aprisionado em um limbo,
mas algumas vezes ele podia ouvir o que estava acontecendo na escola e algumas vezes o que estava
acontecendo na loja, como se o Armário estivesse viajando entre os dois locais, mas ele não podia
fazer ninguém ouvi-lo... no final ele conseguiu Aparatar para fora, mesmo que nunca tenha passado
em seu teste. Ele quase morreu ao fazer isso. Todos pensaram que era de fato uma boa história, mas
eu fui o único que percebeu o que significava, mesmo Borgin não sabe, eu fui o único que percebeu
que poderia haver um caminho pra dentro de Hogwarts através dos Armários se eu pudesse consertar
o quebrado.
281
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Muito bem – murmurou Dumbledore. – Então os Comensais da Morte puderam passar da
Borgin & Burkes para dentro da escola para te ajudar... um plano inteligente, um plano inteligente ...
e, como você disse, bem debaixo do meu nariz.
– É – disse Malfoy que, de forma bizarra, parecia retirar coragem e conforto do elogio de
Dumbledore.– É, foi!
– Mas houve momentos – Dumbledore continuou, – em que você não tinha certeza de que
conseguiria consertar o Armário, não houve? E você recorreu a medidas prematuras e impensadas,
como me mandar um colar amaldiçoado que estava destinado a chegar em mãos erradas... envenenar
hidromel que havia apenas a mais leve chance de eu beber...
– É, bem, você ainda não percebeu quem estava por trás dessas coisas, percebeu? – zombou
Malfoy, quando Dumbledore escorregou um pouco contra a muralha, a força em suas pernas
aparentemente esmorecendo, e Harry lutou inutilmente, mudo, contra o encantamento que o
aprisionava.
– Na verdade, percebi – disse Dumbledore. – Eu tinha certeza que era você.
– Por quê não me deteve então? – Malfoy exigiu.
– Eu tentei, Draco. O Prof. Snape tem mantido você sob vigilância sob minhas ordens ...
– Ele não esteve cumprindo suas ordens, ele prometeu à minha mãe...
– É claro que é isso que ele te contaria, Draco, mas...
– Ele é um agente-duplo, seu velho estúpido, ele não está trabalhando para você, você só pensa
que ele está!
– Devemos concordar que não pensamos da mesma forma sobre isso, Draco. Acontece que eu
confio no Prof. Snape.
– Bem, então você está perdendo seu jeito! – zombou Malfoy. – Ele tem me oferecido muita
ajuda, querendo toda a glória só pra si, querendo um pouco da ação: “O quê você está fazendo? Você
foi responsável pelo colar, isso foi estúpido, podia ter estragado tudo.” Mas eu não contei a ele o que
estive fazendo na Sala Precisa, ele vai acordar amanhã e tudo terá acabado e ele não será mais o
favorito do Lord das Trevas, ele não será nada comparado a mim, nada!
– Muito gratificante, – disse Dumbledore suavemente. – Todos gostamos que apreciem nosso
próprio trabalho duro, é claro ... mas você deve ter tido um cúmplice, ainda assim ... alguém em
Hogsmeade, alguém capaz de passar para Katie o... o... aaaah...
Dumbledore fechou seus olhos de novo e assentiu com a cabeça, como se estivesse quase
adormecendo.
– ... é claro... Rosmerta. Por quanto tempo ela tem estado sob a Maldição Imperio?
– Até que enfim pegou essa, hein? – zombou Malfoy.
Houve outro grito vindo de baixo, ainda mais alto que o último. Malfoy olhou nervosamente
sobre seu ombro de novo, então de volta a Dumbledore, que prosseguiu – Então a pobre Rosmerta
foi forçada a se esconder no próprio banheiro e passar aquele colar a alguma estudante de Hogwarts
que entrasse no aposento desacompanhada? E o hidromel envenenado... bem, naturalmente Rosmerta
teria possibilidade de envenená-lo para você antes de enviar a garrafa para Slughorn, acreditando que
seria meu presente de natal... sim, muito limpo... muito limpo... o pobre Sr. Filch não poderia, é claro,
pensar em checar uma garrafa da Rosmerta... diga-me, como você tem se comunicado com Rosmerta?
Pensei que todos os métodos de comunicação para dentro e para fora da escola estivessem
monitorados.
– Moedas encantadas – disse Malfoy, como se estivesse compelido a continuar conversando,
apesar de sua varinha estar tremendo muito. – Eu tinha uma e ela tinha a outra e eu podia enviar
mensagens pra ela...
– Não foi esse o método de comunicação secreto que o grupo auto-denominado Armada de
Dumbledore usou no ano passado? – perguntou Dumbledore. Sua voz era leve e casual, mas Harry o
viu escorregar mais um centímetro contra a parede quando o disse.
– É, eu peguei a idéia deles – disse Malfoy, com um sorriso retorcido.
282
Capítulo 27 – A torre atingida pelo raio
– Eu peguei a idéia de envenenar o hidromel da sangue-ruim Granger também, eu a ouvi
falando na biblioteca sobre Filch não reconhecer poções...
– Por favor, não use essa palavra ofensiva na minha frente, – disse Dumbledore.
Malfoy riu rispidamente.
– O senhor se importa que eu diga “Sangue-Ruim” quando estou prestes a matá-lo?
– Sim, me importo – disse Dumbledore, e Harry viu seu pé deslizar mais um pouco no chão
enquanto ele lutava pra se manter de pé. – Mas quanto a estar prestes a me matar, Draco, você já teve
muitos tempo até agora. Nós estamos completamente sozinhos. Eu estou mais indefeso do que você
jamais pode ter sonhado me encontrar, e ainda assim você não agiu...
A boca de Malfoy se contorceu involuntariamente, como se tivesse experimentado algo muito
amargo.
– Agora, sobre esta noite – Dumbledore continuou – estou um pouco confuso acerca de como
isso aconteceu... você sabia que eu saí da escola? Mas é claro – ele respondeu sua própria pergunta –
Rosmerta me viu sair, ela lhe deu a dica usando suas engenhosas moedas, tenho certeza...
– Está correto – disse Malfoy. – Mas ela disse que você só saiu para tomar uma bebida, que
estaria de volta...
– Bem, eu certamente bebi alguma coisa... e voltei... de certa forma – resmungou Dumbledore.
– Então você decidiu preparar uma armadilha para mim?
– Nós decidimos colocar a Marca Negra sobre a Torre e deixá-lo correr aqui pra cima, para ver
quem tinha sido morto, disse Malfoy. – E funcionou!
– Bem... sim e não... – disse Dumbledore. – Mas então estou correto em assumir que ninguém
foi assassinado?
– Alguém está morto – disse Malfoy e sua voz pareceu subir uma oitava quando disse isso.–
Alguém da sua gente ... eu não sei quem, estava escuro ... eu passei pelo corpo... eu devia estar
esperando aqui em cima quando você voltasse, só que sua gente da Fênix ficou no caminho...
– Sim, eles fazem isso – disse Dumbledore.
Houve um estrondo e gritos vindos de baixo, mais altos que nunca; parecia que pessoas estavam
lutando na própria escada em espiral que levava onde Dumbledore, Malfoy e Harry estavam, e o
coração de Harry batia fortemente sem ser ouvido em seu peito invisível... alguém estava morto...
Malfoy tinha passado por cima do corpo... mas quem era?
– Há pouco tempo, de um modo ou de outro – disse Dumbledore. – Então vamos discutir suas
opções, Draco.
– Minhas opções! – disse Malfoy alto. – Estou de pé aqui com uma varinha. Estou prestes a
matar você ...
– Meu caro rapaz, não vamos mais nos enganar quanto a isso. Se você fosse me matar, você
teria feito isso quando me desarmou, você não teria parado para esta agradável conversa sobre modos
e meios.
– Eu não tenho opção! – disse Malfoy, e de repente ele estava tão branco quanto Dumbledore.
– Eu tenho que fazer isso! Ele vai me matar! Vai matar minha família inteira!
– Eu entendo a dificuldade da sua posição – disse Dumbledore. – Por que outra razão você
acha que eu não confrontei você antes? Porque eu sabia que você seria assassinado se Lord Voldemort
percebesse que eu suspeitava de você.
Malfoy se encolheu ao som do nome.
– Eu não ousei falar com você da missão que eu sabia que lhe tinha sido confiada, no caso dele
usar Legilimência contra você – continuou Dumbledore. – Mas agora finalmente nós podemos falar
claramente um ao outro... nenhum dano foi causado, você não machucou ninguém, apesar de você
ser muito sortudo de suas vítimas não-intencionais terem sobrevivido... eu posso te ajudar, Draco.
– Não, não pode,– disse Malfoy, sua mão da varinha tremendo muito realmente. – Ninguém
pode. Ele me disse pra fazê-lo ou ele me mataria. Eu não tenho escolha.
283
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Venha para o lado certo, Draco, e nós podemos esconder você mais completamente do que
pode imaginar. E mais, posso mandar membros da Ordem até sua mãe esta noite para escondê-la
também. Seu pai está a salvo em Azkaban neste momento... quando o momento chegar nós podemos
protegê-lo também... venha para o lado certo, Draco... você não é um assassino ...
Malfoy fitou Dumbledore.
– Mas eu já cheguei até aqui, não foi? – disse lentamente. – Eles pensaram que eu morreria na
tentativa, mas estou aqui... você está em meu poder... Sou eu quem tem a varinha... você está à
minha mercê...
– Não, Draco – disse Dumbledore baixo.– É a minha mercê, e não a sua, que importa agora.
Malfoy não respondeu. Sua boca estava aberta, a mão da varinha ainda tremendo. Harry pensou
vê-la se abaixar um pouquinho...
Mas de repente havia forte estrondo de passos escadas acima e um segundo depois Malfoy
estava lutando para sair do caminho de quatro pessoas em roupas negras que saíram rapidamente
pela porta para o platô. Ainda paralisado, seus olhos sem piscar, Harry olhou em terror para os quatro
estranhos: parecia que os Comensais da Morte tinham vencido a luta lá de baixo.
Um homem pesadão com uma olhar malicioso deu uma risadinha ofegante.
– Dumbledore encurralado! – disse, e se virou para uma mulher atarracada que parecia poder
ser sua irmã e estava sorrindo avidamente. – Dumbledore sem varinha, Dumbledore sozinho! Bom
trabalho, Draco, bom trabalho!
– Boa noite, Amycus – disse Dumbledore calmamente, como se dando boas-vindas a um homem
para uma xícara de chá. – E você trouxe Alecto também... encantador...
A mulher deu uma risadinha raivosa.
– Então pensa que suas piadinhas vão te ajudar no leito de morte? – ela ridicularizou.
– Piadas? Não, não, isso são modos – respondeu Dumbledore.
– Faça, – disse de pé o estranho mais próximo de Harry, um homem grande, alto e magro com
cabelo grisalho desgrenhado e suíças, cujas roupas de Comensal da Morte pareciam
desconfortavelmente apertadas. Ele tinha uma voz como nenhuma outra que Harry já tinha ouvido:
parecia um latido áspero. Harry podia sentir o cheiro de uma mistura poderosa de sujeira, suor e, sem
dúvidas, de sangue vindo dele. Suas mãos imundas tinham longas unhas amareladas.
– É você, Fenrir?– perguntou Dumbledore.
– Está certo – disse o outro asperamente. – Feliz em me ver, Dumbledore?
– Não, não posso dizer que esteja.
Fenrir Greyback sorriu, exibindo dentes pontiagudos. Sangue escorreu para baixo pelo seu
queixo e ele lambeu os lábios lentamente, obscenamente.
– Mas você sabe o quanto eu gosto de crianças, Dumbledore.
– Devo assumir que você está atacando mesmo sem a lua cheia agora? Isso é muito incomum...
você desenvolveu um gosto pela carne humana que não pode ser satisfeito uma vez por mês?
– Está certo – disse Greyback. – Isso o choca, Dumbledore? O amedronta?
– Bem, eu não posso fingir que isso não me repugna um pouco – disse Dumbledore.– E, sim,
eu estou um pouco chocado que Draco tenha convidado você, entre todas as pessoas, para dentro da
escola onde seus amigos vivem...
– Não convidei – respirou Malfoy. Ele não estava olhando para Greyback; não parecia querer
sequer dar uma olhada rápida nele. – Eu não sabia que ele vinha...
– Eu não perderia uma vinda a Hogwarts, Dumbledore – rosnou Greyback. – Não, quando há
gargantas para serem rasgadas... delicioso, delicioso...
E ele ergueu uma unha amarela e tamborilou em seus dentes frontais, lançando um olhar
malicioso para Dumbledore.
– Eu poderia deixar você para o fim, Dumbledore...
– Não – disse o quarto Comensal da Morte rispidamente. Ele tinha um rosto pesado e brutal.
– Temos ordens. Draco tem que fazer isso. Agora, Draco, e rápido.
284
Capítulo 27 – A torre atingida pelo raio
Malfoy estava demonstrando menos resolução que nunca. Ele parecia aterrorizado e fitou o
rosto de Dumbledore, que estava ainda mais pálido, e ainda mais baixo que habitualmente, já que
tinha escorregado tanto contra o parapeito.
– De qualquer forma, se me perguntarem, digo que ele não vai ficar neste mundo por muito
tempo. – disse o homem pesadão, acompanhando as risadinhas
abafadas da irmã. – Olhe para ele ... o quê aconteceu com você, hein Dumby?
– Oh, resistência mais fraca, reflexos mais lentos, Amycus – disse Dumbledore. Idade avançada,
em suma ... talvez um dia aconteça com você ... se tiver sorte...
– O que você quer dizer com isso, hein? – gritou o Comensal da Morte, repentinamente violento
– Sempre o mesmo, não é, Dumby, falando e não fazendo nada, nada, nem sei porquê o Lord das
Trevas se importa em matar você! Vamos, Draco, mate-o!
Mas nesse momento, houve sons renovados da luta lá de baixo e uma voz gritou – Eles
bloquearam as escadas ... Reducto! REDUCTO!
O coração de Harry pulou: então esses quatro não tinham eliminado toda a oposição, mas
simplesmente tinham atravessado a briga até o topo da Torre, e, pelo que parecia, criaram uma
barreira atrás deles...
– Agora, Draco, rápido! – disse bravo o homem de rosto brutal.
Mas a mão de Malfoy estava tremendo tanto que ele mal podia mirar.
– Eu faço isso – rosnou Greyback, se movendo para Dumbledore com suas mãos estendidas,
os dentes à mostra.
– Eu disse não! – gritou o homem de rosto brutal; houve um lampejo de luz e o lobisomem
voou para fora do caminho; ele atingiu o parapeito e cambaleou, parecendo furioso. O coração de
Harry estava batendo tão forte que parecia impossível que ninguém o ouvisse ali, aprisionado pelo
feitiço de Dumbledore, se apenas ele pudesse se mexer, ele poderia mirar uma maldição por debaixo
da Capa ...
– Draco, mate-o ou fique de lado para que um de nós – guinchou a mulher, mas nesse exato
momento a porta para a torre se abriu mais uma vez com violência e lá estava Snape, sua varinha
firme na mão enquanto seus olhos negros varriam a cena, de Dumbledore caído contra a parede, até
os quatro Comensais da Morte, incluindo o lobisomem enraivecido, e Malfoy.
– Temos um problema, Snape – disse o pesadão Amycus, cujos olhos e varinha também
estavam fixos em Dumbledore – o garoto não parece capaz...
Porém mais alguém falou o nome de Snape, de modo brando.
– Severo...
O som amedrontou Harry além de qualquer coisa que ele tivesse experimentado toda a noite.
Pela primeira vez, Dumbledore estava implorando.
Snape não disse nada, mas andou para frente e empurrou Malfoy rudemente para fora do
caminho. Os três Comensais da Morte recuaram sem uma palavra. Até o lobisomem parecia
acovardado.
Snape olhou por um momento para Dumbledore, e havia repulsa e ódio gravados nas linhas
rudes de seu rosto.
– Severo... por favor...
Snape ergueu sua varinha e a apontou diretamente para Dumbledore.
– AvadaKedavra!
Um jato de luz verde explodiu da ponta da varinha de Snape e atingiu Dumbledore exatamente
no peito. O grito de horror de Harry nunca saiu de sua boca; silencioso e imóvel, ele foi forçado a
assistir enquanto Dumbledore era jogado para o ar, por uma fração de segundo ele pareceu flutuar
suspenso no ar sob o crânio brilhante, e então ele caiu lentamente de costas, como uma grande
boneca de pano, por cima do parapeito e fora do campo de visão.
285
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPITULO 28 –
A Fuga do Príncipe
Harry sentiu como se ele, também, estivesse flutuando pelo ar. “Não aconteceu... não podia ter
acontecido”.
– Fora daqui, rápido, disse Snape.
Ele agarrou Malfoy pela nuca e o empurrou pela porta, à frente dos outros, Greyback e os
irmãos atarracados seguiram, os últimos arfando de excitação. Assim que eles sumiram pela porta,
Harry percebeu que podia se mover de novo. O que o estava segurando paralisado contra a parede
agora não era mágica, mas horror e choque. Ele jogou a capa da invisibilidade de lado, assim que o
comensal da morte de rosto brutal, último a deixar o topo da torre, estava desaparecendo pela porta.
– Petrificus Totalus.
O comensal da morte cambaleou como se tivesse sido atingido nas costas por algo sólido e
caiu no chão, rígido como um boneco de cera, mas assim que atingiu o chão, Harry já estava passando
por cima dele e descendo pela escuridão.
O terror tomou conta do coração de Harry, ele tinha que chegar a Dumbledore e tinha que
pegar Snape. De alguma maneira as duas coisas estavam ligadas, poderia reverter tudo que tinha
acontecido assim que colocasse os dois juntos.... Dumbledore não poderia ter morrido.
Ele pulou os últimos dez degraus da escada em espiral e parou onde aterrissou, varinha em
punho. O corredor mal iluminado estava empoeirado, metade do teto parecia ter desabado, e uma
batalha estava acontecendo à sua frente, mas enquanto tentava descobrir quem lutava com quem ele
ouviu uma voz gritando, – Acabou, hora de ir embora! – e viu Snape desaparecer virando o corredor,
ele e Malfoy pareciam ter aberto caminho através da luta ilesos. Assim que Harry arremeteu atrás
deles, um dos lutadores sobressaiu-se da batalha e voou para cima dele, era Fenrir, o lobisomem. Ele
já estava em cima de Harry antes que este pudesse apontar sua varinha. Harry caiu para trás, com
pêlos imundos e embaraçados em seu rosto, o fedor de suor e sangue enchendo seu nariz e boa, a
respiração quente e faminta em sua garganta...
– Petrificus Totalus.
Harry sentiu Fenrir cair sobre ele. Com um estupendo esforço, empurrou o lobisomem para o
lado no momento em que viu um jato de luz verde vindo direto em sua direção; ele desviou e correu,
de cabeça, para a luta. Seus pés encontraram algo molhado e escorregadio no chão e ele caiu, havia
dois corpos caídos, com os rostos para baixo numa piscina de sangue, mas não havia tempo para
investigações. Harry agora via cabelos vermelhos voando em sua frente como chamas: Gina estava
lutando contra o brutal comensal da morte, Amycus, que estava lançando-lhe maldição atrás de
maldição e, enquanto ela os desviava, ficava rindo e aproveitando o esporte – Crucio, Crucio, você não
pode dançar para sempre gracinha.
286
Capítulo 28 – A fuga do príncipe
– Impedimenta! – gritou Harry.
Seu feitiço atingiu Amycus no peito, ele deu um grunhido de dor e foi lançado contra a parede
caindo para fora de vista atrás de Rony, Professora McGonagall e Lupin cada um enfrentando um
comensal da morte. Alem deles, Harry viu Tonks lutando contra um enorme bruxo louro que estava
enviando maldições em todas as direções, que ricocheteavam nas paredes em torno deles, rachando
as pedras e quebrando uma janela próxima.
– Harry, de onde você veio? – disse Gina, mas ele não tinha tempo para respondê-la. Recomeçou
a correr, evitando por pouco uma explosão que ocorreu sobre sua cabeça, lançando pedaços de
parede sobre todos eles. Snape não pode escapar, ele tinha que alcançar Snape...
– Tome isso! – gritou a Professora McGonagall, e Harry viu a comensal da morte, Alecto,
correndo pelo corredor com os braços erguidos acima da cabeça, seu irmão logo atrás dela. Lançouse atrás deles mas tropeçou nas pernas de alguém e caiu novamente, olhando em volta ele viu a face
pálida de redonda de Neville contra o chão.
– Neville, você está...?
– ‘Tô bem – murmurou Neville que estava com as mãos no estômago. – Harry, Snape e Malfoy
passaram correndo...
– Eu sei, eu estou nisso – disse Harry mirando do chão uma azaração no enorme comensal da
morte louro que estava causando todo aquele caos. O homem deu um grito de dor quando o feitiço
atingiu seu rosto, ele rodou, cambaleou, e correu pesadamente atrás do irmão e da irmã. Harry levantouse do chão e começou a correr pelo corredor, ignorando os estrondos ecoando atrás de si, os gritos
dos outros para voltar, e o mudo chamado das figuras no chão cujo destino ele ainda não conhecia...
Ele derrapou virando no corredor, seus tênis escorregadios por causa do sangue, Snape tinha
uma enorme dianteira. Seria possível que eles já tivessem entrado no armário na Sala Precisa, ou a
Ordem já tinha tomado providências para impedir que os comensais da morte fugissem por esse
caminho? Ele não conseguia ouvir nada além de seus próprios passos, o seu coração martelando cada
vez que ele entrava em mais um corredor vazio, mas então ele localizou uma pegada de sangue que
mostrava que ao menos um comensal da morte estava fugindo pela porta da frente, talvez a Sala
Precisa estivesse mesmo bloqueada...
Ele virou em outro corredor e uma maldição passou voando por ele; ele mergulhou atrás de
uma armadura que explodiu. Ele viu os irmãos correndo pelas escadas à frente e mirou azarações
neles, mas apenas atingiu várias bruxas de peruca em um retrato no térreo que correram berrando
para pinturas vizinhas. Assim que pulou sobre os destroços da armadura, Harry ouviu mais gritos e
berros, outras pessoas dentro do castelo pareciam ter acordado.
Ele correu para um atalho, na esperança de ultrapassar os irmãos e se aproximar de Snape e
Malfoy, que certamente já deviam estar nos terrenos da escola agora. Lembrando-se de saltar o degrau
que ficava invisível no meio do caminho para as escadas ocultas, ele atravessou uma tapeçaria no
final para um corredor cheio de confusos alunos da Lufa-Lufa de pijamas.
– Harry! Nos ouvimos um barulho e alguém falou algo sobre a marca negra... – começou
Ernesto McMillan.
– Fora do caminho! – gritou Harry, empurrando dois garotos para os lados enquanto corria na
direção do térreo e descendo o restante da escada de mármore. As portas de carvalho da frente
haviam sido explodidas, havia manchas de sangue no piso, e muitos alunos aterrorizados encostados
nas paredes, um ou dois ainda agachados com seus braços sobre os rostos. A ampulheta gigante da
Grifinória tinha sido atingida por uma maldição, e os rubis dentro dela ainda estavam caindo no chão
com muito barulho.
Harry voou pelo salão de entrada e correu para os terrenos escuros, ele apenas conseguia
distinguir três figuras correndo pelos gramados, na direção dos portões, além dos quais eles poderia
desaparatar, pela aparência deles, o gigante comensal da morte louro e, um pouco mais à frente dele,
Snape e Malfoy...
287
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
O ar frio da noite rasgou os pulmões de Harry quando ele arrancou atrás deles; ele viu um
clarão de luz à distância que momentaneamente mostrou a silhueta da sua presa. Ele não sabia o que
era mas continuou correndo, ainda não estava próximo o suficiente para uma boa mira...
Outro clarão, gritos, jatos de luz em retaliação, e Harry entendeu: Hagrid tinha saído de sua
cabana e estava tentando impedir os comensais da morte de escapar, e embora cada respiração
retalhasse os pulmões de Harry, e a pontada em seu peito fosse como fogo, Harry aumentou a velocidade
enquanto uma voz indesejada ficava dizendo em sua cabeça: Hagrid não... Hagrid também não......
Algo atingiu Harry duramente pelas costas e ele caiu para frente, o rosto no chão, sangue
jorrando pelas narinas. Ele sabia, mesmo enquanto rolava, com sua varinha pronta, que os irmãos
que ele havia ultrapassado usando o atalho estavam se aproximando por trás dele...
– Impedimenta! – ele gritou enquanto rolava novamente, agachando-se próximo ao chão escuro,
e milagrosamente sua azaração atingiu um deles, que cambaleou e caiu, fazendo o outro tropeçar,
Harry pulou de pé e voltou a correr atrás de Snape.
E agora ele via a vasta silhueta de Hagrid, iluminado pela luz de uma lua crescente revelada de
repente por detrás das nuvens. O comensal da morte louro estava mirando e atirando maldição atrás
de maldição no guarda-caça, mas a imensa força e pele resistente, herança da mãe gigante de Hagrid,
pareciam estar protegendo-o. Snape e Malfoy, por outro lado, continuavam correndo, eles estariam
em breve além dos portões, podendo desaparatar...
Harry passou correndo por Hagrid e seu oponente, fez mira nas costas do Snape e gritou –
Estupefaça!
Ele errou, o jato de faíscas vermelhas passou perto da cabeça de Snape, que gritou – Corra
Draco! – e virou-se. Cerca de vinte metros separavam os dois, ele e Harry olharam um para o outro
antes de puxar suas varinhas simultaneamente.
– Cruci...
Mas Snape se defendeu da maldição, derrubando Harry para trás antes dele conseguir completála. Harry rolou pelo chão de novo e se esforçou para levantar enquanto o imenso comensal da morte
atrás dele gritou – Incendio! – Harry ouviu um barulho explosivo e uma linha de luz laranja dançante
passar sobre ele, a casa de Hagrid estava em chamas.
– Canino esta lá, seu traiçoeiro – gritou Hagrid.
– Cruci... – gritou Harry pela segunda vez, mirando a figura a frente iluminada pela luz das
chamas, mas Snape bloqueou o feitiço novamente.
Harry podia vê-lo zombando.
– Nada de maldições imperdoáveis de você, Potter! – ele gritou acima do crepitar das chamas,
dos gritos de Hagrid e ganir terrível de Canino preso. – Você não tem nem a coragem nem a habilidade...
– Incarc... – Harry gritou, mas Snape refletiu o feitiço com um movimento de seu braço que era
quase preguiçoso.
– Lute! – Harry gritava para ele. – Lute, seu covarde...
– Covarde? Você me chamou de covarde, Potter? – gritou Snape. – Seu pai nunca me atacaria
com menos de quatro para um, do que você o chamaria...?
– Estupe...
– Bloqueado de novo e de novo e de novo, até você aprender a manter sua boca calada e sua
mente fechada, Potter! – zombou Snape, refletindo a maldição mais uma vez.
– Agora vamos! – ele gritou para o imenso comensal da morte atrás de Harry. – É hora de ir,
antes do ministério aparecer...
– Impedi....
Mas antes que pudesse terminar esta azaração uma dolorosa agonia atingiu Harry, que se ajoelhou
na grama. Alguém estava gritando, ele certamente ia morrer de agonia, Snape ia torturá-lo ate a morte
ou loucura...
– Não! – rugiu Snape e a dor parou de repente assim como tinha começado.
288
Capítulo 28 – A fuga do príncipe
Harry jazia encolhido na grama escura, agarrado à sua varinha e ofegando, em algum lugar
acima Snape estava gritando, – Você esqueceu nossas ordens? Potter pertence ao Lord das Trevas!
Nós devemos deixá-lo! Vamos! Vamos!
E Harry sentiu o chão estremecer sob seu rosto assim que os irmãos e o enorme comensal da
morte obedeceram, correndo para os portões. Harry emitiu um inarticulado grito de raiva, naquele
instante, ele não se importava se ia viver ou morrer. Pondo-se em pé novamente, cambaleou cegamente
em direção a Snape, o homem que ele agora odiava tanto quanto odiava Voldemort...
– Sectum...
Snape girou sua varinha e a maldição foi repelida novamente, mas Harry estava a poucos
metros dele agora e podia ver o rosto de Snape perfeitamente, ele não estava mais zombando ou
escarnecendo, mas as chamas mostraram um rosto cheio de raiva. Agrupando todo o seu poder de
concentração, Harry pensou, – Levi...
– Não, Potter! – gritou Snape. Houve um estrondo alto e Harry estava caindo e atingindo o solo
com força novamente, desta vez sua varinha voou para longe de sua mão. Ele podia ouvir Hagrid
gritando e Canino uivando quando Snape se aproximou e olhou para baixo, onde Harry estava deitado,
sem varinha, sem defesa, assim como Dumbledore esteve. O rosto pálido de Snape, iluminado pela
cabana em chamas, estava banhado em ódio assim como estava antes dele amaldiçoar Dumbledore.
– Você se atreve a usar meus próprios feitiços contra mim, Potter? Fui eu que os inventei, EU,
o Príncipe Mestiço! E você ia virar minhas invenções contra mim, assim como o imundo do seu pai,
não ia? Eu acho que não... não.
Harry mergulhou atrás de sua varinha, Snape lançou uma azaração nela que a fez voar metros
para dentro da escuridão se perdendo de vista.
– Me mate então, – ofegou Harry, que não sentia medo, mas apenas raiva e desprezo. – Me
mata assim como você o matou, seu covarde...
– NÃO... – gritou Snape, e seu rosto ficou subitamente demente, inumano, como se ele estivesse
em tanta agonia quanto o cão que gritava e uivava, preso dentro da cabana pegando fogo atrás deles.
– ... ME CHAME DE COVARDE!
E ele cortou o ar. Harry sentiu algo como uma chicotada fervendo atingir seu rosto e foi jogado
para trás no chão. Pontos de luz apareceram na frente de seus olhos, e por um momento pareceu que
todo ar saíra de seus pulmões, de repente ele ouviu o barulho de asas acima dele e uma algo enorme
obscureceu a luz das estrelas. Bicuço voou até Snape, que cambaleou para trás quando as garras
afiadas o cortaram. Enquanto Harry se erguia para uma posição sentada, sua cabeça ainda girando de
seu último contato com o chão, ele viu Snape correndo o mais rápido que podia, o enorme hipogrifo
voando atrás dele e guinchando como Harry nunca o tinha visto guinchar antes...
Harry se esforçou a ficar de pé, procurando sua varinha em volta, vacilante, esperando voltar à
perseguição, mas mesmo enquanto seus dedos procuravam atrapalhados na grama, descartando
gravetos, ele sabia que já seria muito tarde, e realmente, na hora em que localizou sua varinha, ele se
virou somente para ver o hipogrifo voando em círculos acima dos portões. Snape conseguira desaparatar
logo após os limites da escola.
– Hagrid, – murmurou Harry, ainda aturdido, olhando em volta. – HAGRID?
Ele foi aos tropeços até a cabana e viu uma enorme figura emergindo das chamas carregando
Canino nas costas. Com um choro de agradecimento, Harry caiu de joelhos, estava com o corpo todo
tremendo, dor por todo o corpo, e sua respiração vinha em punhaladas doloridas.
– Você tá bem Harry? Tá bem? Fala comigo Harry...
O rosto grande e desgrenhado de Hagrid ficava girando acima de Harry, bloqueando a luz das
estrelas. Harry podia sentir o cheiro de madeira queimada e pelo de cachorro. Ele colocou a mão ao
lado e sentiu a presença tranqüilizadora do corpo quente e vivo de Canino tremendo ao lado dele.
– Eu estou bem, – disse Harry. – E você?
– Claro que tô... é preciso mais do que isso pra acabar comigo.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Hagrid colocou suas mãos embaixo dos braços de Harry e o levantou com tanta forca que por
um momento os pés de Harry saíram do chão antes de Hagrid colocá-lo de pé novamente. Harry
podia ver uma linha de sangue escorrendo pela bochecha de Hagrid, por causa de um profundo corte
abaixo de um dos olhos, que estava inchando rapidamente.
– Nós devemos cuidar da sua casa, – disse Harry, – O feitiço Aguamenti...
– Sabia que era algo assim, – murmurou Hagrid, e apontando o seu guarda-chuva cor-de-rosa
florido e dizendo, – Aguamenti!
Um jato de água voou da ponta do guarda-chuva. Harry levantou a mão da varinha, que parecia
chumbo, e murmurou, – Aguamenti – também. Juntos, ele e Hagrid apagaram todas as chamas da
cabana.
– Num tá tão ruim – disse Hagrid, esperançoso, alguns minutos depois, olhando para a fumaça
nos destroços. – Nada que Dumbledore não dê um jeito...
Harry sentiu uma dor no estômago ao ouvir o nome.
– Hagrid...
– Eu estava ocupado com um par de pernas de tronquilhos quando os ouvi vindo. – disse
Hagrid tristemente, ainda olhando para os destroços da cabana. – Eles devem ter queimados todos,
pobres coisinhas...
– Hagrid...
– Mas o que aconteceu Harry? Eu apenas vi os comensais da morte correndo do castelo, mas
por que raios Snape tava com eles? Onde ele foi... ele tava perseguindo eles?
– Ele... – Harry limpou sua garganta que estava seca do pânico e da fumaça. – Hagrid, ele
matou...
– Matou? – disse Hagrid alto olhando para Harry. – Snape matou? Do que você tá falando,
Harry?
– Dumbledore, – disse Harry. – Snape matou... Dumbledore.
Hagrid apenas olhou para ele, o pouco que se via do seu rosto estava completamente confuso.
– Dumbledore o que, Harry?
– Ele esta morto. Snape o matou...
– Nem fala isso, – disse Hagrid, bruscamente. – Snape matar Dumbledore? Não seja estúpido
Harry. O que fez você dizer isso?
– Eu vi acontecer...
– Você não poderia...
– Eu vi, Hagrid!
Hagrid balançou a cabeça, sua expressão era de descrença, mas benevolente, e Harry sabia que
Hagrid pensava que ele tinha levado uma pancada forte na cabeça, por isso estava confuso, talvez
pelos efeitos de um feitiço...
– O que deve ter acontecido, é que Dumbledore deve ter dito a Snape pra ir com os comensais
da morte, – disse Hagrid confiante. – Eu acho que ele foi manter o disfarce. Olhe, vamos levar você
de volta pra escola. Vamos, Harry...
Harry não tentou discutir ou explicar. Ele continuava tremendo incontrolavelmente. Em breve
Hagrid iria descobrir, breve demais... Enquanto eles voltavam para o castelo, Harry viu muitas janelas
iluminadas. Ele podia imaginar, claramente, as cenas do lado de dentro à medida que as pessoas iam
de sala em sala, contando uns aos outros que comensais da morte haviam entrado, que a marca negra
brilhava sobre Hogwarts, que alguém devia ter sido assassinado...
Os portões de carvalho estavam abertos à frente deles, a luz iluminava o caminho e o gramado.
Devagar, incertas, vestidas com roupas de dormir, as pessoas estava descendo as escadas, olhando
em volta com nervosismo procurando por algum sinal dos comensais da morte que haviam
desaparecido na noite. Os olhos de Harry, entretanto estava fixos na área aos pés da torre mais alta.
Ele imaginou ver uma massa negra sobre a grama, embora ele realmente estivesse muito longe para
ver qualquer coisa desse tipo. Mas enquanto ele olhava para o lugar onde imaginava que o corpo de
Dumbledore estava, percebeu que as pessoas estavam se aproximando de lá.
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Capítulo 28 – A fuga do príncipe
– O que todos eles tão olhando? – disse Hagrid, assim que ele e Harry se aproximaram da
frente do castelo, Canino se mantendo tão perto dos calcanhares deles quanto podia. – O que é
aquilo na grama? – Hagrid disse de forma aguda, se dirigindo agora para a base da torre de Astronomia,
onde se juntava um pequeno grupo de pessoas. – Vê aquilo Harry? Bem na base da torre? Abaixo da
marca... nossa... você não acredita que alguém foi jogado...?
Hagrid caiu em silencio, um pensamento aparentemente horrível demais para ser expresso em
voz alta. Harry andou ao lado dele, sentindo os machucados e as dores em seu rosto e em suas pernas
onde os vários feitiços o haviam acertado na última meia hora, apesar de ser de uma estranha forma
distante, como se alguém perto dele as estivesse sofrendo. O que era real e inescapável era o terrível
sentimento de opressão em seu peito...
Ele e Hagrid andaram, como num sonho, através da multidão até a frente, onde os estudantes
e professores silenciosos deixaram um espaço.
Harry ouviu o lamento de choque e dor de Hagrid, mas não parou, ele andou vagarosamente
até chegar no lugar onde Dumbledore estava e agachou-se ao lado dele. Ele soube que não havia
esperança no momento em que o feitiço do corpo-preso lançado por Dumbledore perdera o efeito,
ele sabia que só podia ter acontecido porque quem o lançara estava morto, mas não havia preparação
vê-lo ali, estirado, quebrado, o maior bruxo que Harry conheceu, ou conheceria.
Os olhos de Dumbledore estavam fechados, mas pelo estranho ângulo que estavam seu braços
e pernas, parecia estar dormindo. Harry aproximou-se, arrumando os óculos de meia lua no nariz
curvado, e limpou o sangue da boca com sua própria manga. Então ele olhou para aquele sábio rosto
e tentou absorver a enorme e incompreensível verdade, que Dumbledore jamais falaria com ele
novamente, jamais o ajudaria novamente...
A multidão murmurou atrás de Harry. Depois do que pareceu um longo tempo, ele percebeu
que estava ajoelhado em algo duro, e olhou para baixo.
O medalhão que eles tinham roubado algumas horas antes tinha caído do bolso de Dumbledore.
Ele estava aberto, talvez devido à força com que havia batido no chão. E embora não pudesse sentir
mais choque, horror ou tristeza do que já sentia, Harry soube, enquanto o pegava, que havia algo
errado...
Ele virou o medalhão em suas mãos. Não era nem tão grande quanto o que ele lembrava ter
visto na penseira, nem havia marca alguma nele, nenhum sinal de um S ornamentando, o que se
supunha ser o símbolo de Sonserina. Além disso, não havia nada alem de um pedaço de pergaminho
bem dobrado no lugar onde deveria haver um retrato.
Automaticamente, sem realmente pensar no que estava fazendo, Harry puxou o pedaço de
pergaminho, abriu-o, e leu usando a luz de várias varinha que estavam acesas atrás dele.
Para o Lord das Trevas,
Eu sei que estarei morto há muito antes que você leia isto, mas eu quero que você saiba que fui eu quem
descobriu o seu segredo. Eu roubei o verdadeiro Horcrux e pretendo destruí-lo assim que puder.
Eu encaro a morte na esperança de que, quando você encontrar seu antagonista, você será mortal novamente.
R.A.B.
Harry não sabia e nem se importava com o significado da mensagem. Apenas uma coisa
importava, isto não era um Horcrux. Dumbledore se enfraquecera, bebendo aquela terrível poção,
por nada. Harry amassou o pergaminho em suas mãos, e seus olhos arderam com lágrimas no momento
em que Canino, atrás dele, começou a uivar.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 29 –
O Lamento da Fênix
– Vem cá, Harry ...
– Não.
– Você não pode ficar aqui, Harry ... vem cá...
– Não.
Ele não queria sair do lado de Dumbledore, não queria ir pra lugar nenhum. A mão de Hagrid
em seu ombro estava tremendo. Então outra voz disse:
– Harry, vem cá.
Uma mão muito menor e mais quente tinha pego a sua e o estava puxando para cima. Ele
obedeceu à pressão dela sem nem ao menos pensar. Apenas enquanto andava de volta cegamente,
através da multidão, ele percebeu, pelo aroma de flores no ar, que era Gina que o estava levando de
volta para o castelo. Vozes incompreensíveis chegavam aos seus ouvidos, soluços, gritos e lamentos
cortavam a noite, mas Harry e Gina continuavam, subindo os degraus do saguão de entrada. Pelo
canto dos olhos Harry podia ver muitos rostos, pessoas o olhando detidamente, cochichando,
imaginando... e, quando eles chegaram à escadaria de mármore, os rubis de Grifinória brilhavam no
chão, como gotas de sangue.
– Nós vamos para a ala hospitalar – disse Gina.
– Não estou ferido – contestou Harry.
– São ordens de McGonagall – disse Gina – Todo mundo está lá cima, Rony, Hermione, Lupin,
e todo os...
Um sentimento de medo apertou o peito de Harry novamente: ele havia esquecido das figuras
inertes que tinham ficado pra trás.
– Gina, quem mais morreu?
– Nenhum de nós, não se preocupe.
– Mas e a Marca Negra, Malfoy disse que pisou em um corpo ...
– Ele pisou no Gui, mas tudo bem, ele está vivo.
Harry percebeu, entretanto, que havia algo errado na voz dela.
– Tem certeza?
– É claro que eu tenho certeza... ele está... só machucado. Greyback o atacou. Madame Pomfrey
disse que ele não... não vai mais ter a mesma aparência – a voz de Gina tremeu um pouco. – Nós não
sabemos realmente quais serão as complicações, quero dizer, Greyback sendo um lobisomem, mas
não estando transformado no momento.
– Mas os outros... Havia outros corpos no chão...
292
Capítulo 29 – O lamento da fênix
– Neville está na ala hospitalar, mas Madame Pomfrey acha que ele vai se recuperar plenamente,
e o Prof. Flitwick foi nocauteado, mas ele está bem, só um pouco trêmulo. E um Comensal da Morte
foi morto, atingido por uma Maldição da Morte que o louro grandalhão estava atirando para todos os
lados. Harry, se nós não tivéssemos tomado a sua poção Felix, acho que teríamos sido todos mortos,
mas todas as maldições lançadas contra nós simplesmente pareciam errar o alvo.
Eles alcançaram a ala hospitalar. Abrindo as portas, Harry viu Neville deitado, aparentemente
dormindo, numa cama próxima à porta. Rony, Hermione, Luna, Tonks, e Lupin estavam reunidos em
torno de outra cama, próxima ao final da ala. Ao som de portas se abrindo, todos olharam para cima.
Hermione correu até Harry e o abraçou; Lupin veio também, parecendo ansioso.
– Você está bem Harry?
– Eu estou bem. Como está o Gui?
Ninguém respondeu. Harry olhou por cima do ombro de Hermione e viu um rosto irreconhecível
sobre o travesseiro de Gui, tão cortado e rasgado que parecia grotesco. Madame Pomfrey estava
passando uma pomada verde de cheiro desagradável em suas feridas. Harry lembrou-se de como
Snape tinha curado, tão facilmente com sua varinha, as feridas de Malfoy causadas pelo Sectumsempra.
– Você não pode consertá-las com um feitiço ou algo assim? – ele perguntou à enfermeira.
– Nenhum feitiço vai funcionar nisso – disse Madame Pomfrey. – Eu tentei tudo o que sei, mas
não há cura para mordidas de lobisomem.
– Mas ele não foi mordido na lua cheia – disse Rony, que estava olhando fixamente para o rosto
do irmão, como se pudesse de algum modo curá-lo apenas com o olhar. – Greyback não tinha se
transformado, então certamente Gui não vai ser um... verdadeiro... ?
Ele lançou um olhar de dúvida para Lupin.
– Eu não acho que Gui será um lobisomem verdadeiro – disse Lupin –, mas isso não quer dizer
que não haja algum tipo de contaminação. Essas são feridas amaldiçoadas. É improvável que elas
sarem completamente, e... é possível que Gui tenha algumas características lupinas daqui pra frente.
– Dumbledore deve saber de algo que funcione, entretanto – disse Rony. – Onde ele está? Gui
lutou com estes maníacos por ordem de Dumbledore, Dumbledore lhe deve isso, não pode deixá-lo
neste estado...
– Rony... Dumbledore está morto – disse Gina.
– Não! – Lupin olhava freneticamente de Gina para Harry, como se ele fosse contradizê-la,
mas quando Harry não o fez, Lupin desabou sobre uma cadeira ao lado da cama de Gui, com as mãos
sobre o rosto. Harry nunca tinha visto Lupin perder o controle antes; sentiu como se estivesse se
intrometendo em algo privado, inapropriado. Ele virou e se deparou com Rony, trocando com ele em
silêncio um olhar que confirmava o que Gina tinha dito.
– Como ele morreu? – sussurrou Tonks – Como foi que aconteceu?
– Snape o matou – disse Harry. – Eu estava lá, eu vi. Nós chegamos de volta à Torre de
Astronomia por que era lá que a Marca estava... Dumbledore estava doente, fraco, mas acredito que
ele percebeu que era uma armadilha quando ouvimos o som de passos subindo rapidamente os
degraus. Ele me imobilizou, não pude fazer nada, estava sob a capa de invisibilidade... e então Malfoy
veio pela porta e o desarmou...
Hermione levou as mãos à boca e Rony gemeu. Os lábios de Luna tremeram.
– ... mais Comensais da Morte chegaram.. e então Snape... Snape o fez. A AvadaKedavra. –
Harry não pôde prosseguir.
Madame Pomfrey irrompeu em lágrimas. Ninguém prestou atenção a ela exceto Gina, que
sussurrou:
– Shh! Ouçam!
Engolindo o choro, Madame Pomfrey levou as mãos à boca, seus olhos arregalados. Em algum
lugar lá fora, na escuridão, uma fênix estava cantando de uma maneira que Harry nunca tinha ouvido
antes: um impressionante lamento de terrível beleza. E Harry sentiu, como ele havia sentido antes
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
com relação ao canto da fênix, que a música estava dentro dele: era sua própria tristeza transformada
magicamente em som que ecoava pela propriedade e através das janelas do castelo.
Por quanto tempo eles ficaram lá, escutando, ele não sabia; nem por que ouvir o som do luto
parecia amenizar um pouco a dor; mas muito tempo pareceu passar até que as portas da ala hospitalar
se abriram novamente e a Profa. McGonagall entrou. Como o resto, ela trazia marcas da batalha
recente: havia escoriações em seu rosto e suas vestes estavam rasgadas.
– Molly e Arthur estão vindo – ela avisou, e o encanto da música foi quebrado: todos despertaram
como se estivessem saindo de transes, virando-se novamente para olhar para Gui, ou para esfregar
seus próprios olhos, balançar as cabeças. – Harry, o que houve? De acordo com Hagrid você estava
com o Prof. Dumbledore quando ele... quando aconteceu. Ele disse que o Prof. Snape estava envolvido
em alguma ...
– Snape matou Dumbledore – disse Harry.
Ela olhou para ele fixamente por um momento, depois cambaleou perigosamente; Madame
Pomfrey, que parecia ter se recomposto, correu à frente, conjurando uma cadeira do ar, que empurrou
para baixo de McGonagall.
– Snape – repetiu a Profa. McGonagall fracamente, caindo na cadeira. – Todos nós imaginamos...
mas ele confiava... sempre... Snape... Não posso acreditar...
– Snape era um oclumente muito hábil – disse Lupin, sua voz estranhamente severa. – Sempre
soubemos disso.
– Mas Dumbledore jurou que ele estava do nosso lado! – sussurrou Tonks. – Eu sempre pensei
que Dumbledore sabia algo sobre Snape que nós não sabíamos...
– Ele sempre deu a entender que ele tinha um razão à prova de tudo para confiar em Snape –
murmurou a Profa. McGonagall, enxugando os cantos dos olhos com um lenço com bordas xadrez. –
Quero dizer... com a história de Snape... é claro que as pessoas eram levadas a se perguntar... mas
Dumbledore me disse explicitamente que o arrependimento de Snape era absolutamente genuíno...
Não ouviria uma palavra contra ele!
– Eu adoraria saber o que Snape contou a ele para convencê-lo – disse Tonks.
– Eu sei – disse Harry, e todos se viraram para olhá-lo – Snape passou a Voldemort a informação
que fez com que ele perseguisse minha mãe e meu pai. Depois ele disse a Dumbledore que não tinha
percebido o que estava fazendo, que lamentava muito o que havia feito, lamentava que eles tivessem
morrido.
– E Dumbledore acreditou nisso? – disse Lupin incrédulo. – Dumbledore acreditou que Snape
sentia muito pela morte de Tiago? Snape odiava Tiago...
– E ele não achava que a minha mãe valia muito também – disse Harry – por que ela era
nascida trouxa... ele a chamava de “sangue-ruim”...
Ninguém perguntou como Harry sabia disso. Todos pareciam estar imersos em um choque de
horror, tentando digerir a monstruosa verdade do que acontecera.
– Isto é tudo culpa minha – disse a Profa. McGonagall repentinamente. Ela parecia desorientada,
torcendo seu lenço molhado nas mãos. – Minha culpa. Eu mandei Filius buscar Snape esta noite; fiz
isso para que ele viesse e nos ajudasse! Se eu não tivesse alertado Snape para o que estava acontecendo,
ele poderia nunca ter juntado forças aos Comensais da Morte. Não creio que ele estivesse ciente de
que eles estavam lá antes de Filius ter lhe contado. Não acho que ele soubesse que estavam vindo.
– Não é sua culpa, Minerva – disse Lupin em tom firme. – Todos nós queríamos mais ajuda,
ficamos felizes em pensar que Snape estava a caminho...
– Então quando chegou à luta, ele entrou do lado dos Comensais da Morte? – perguntou Harry,
que queria cada detalhe da falsidade e da infâmia de Snape, coletando febrilmente mais razões para
odiá-lo, para jurar vingança.
– Eu não sei exatamente como aconteceu – disse McGonagall distraidamente. – É tudo tão
confuso... Dumbledore tinha nos alertado que sairia da escola por algumas horas e que deveríamos
patrulhar os corredores, por segurança... Remo, Gui, e Ninfadora se juntariam a nós... então
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Capítulo 29 – O lamento da fênix
patrulhamos. Tudo parecia quieto. Cada passagem secreta que levava para fora da escola estava
coberta. Nós sabíamos que ninguém poderia invadi-la voando. Havia poderosos encantamentos em
cada entrada do castelo. Ainda não sei como os Comensais da Morte podem ter entrado...
– Eu sei – disse Harry, e ele explicou, rapidamente, sobre o par de Armários Sumidouros e o
caminho mágico que eles formavam. – ...Então eles entraram pela Sala Precisa.
Quase contra a vontade, ele olhou rapidamente de Rony para Hermione, ambos parecendo
devastados.
– Eu estraguei tudo Harry – disse Rony em tom desolado. – Fizemos como você mandou:
checamos o Mapa do Maroto e, como não conseguimos ver Malfoy nele, pensamos que ele deveria
estar na Sala Precisa. Então eu, Gina, e Neville fomos lá olhar... mas Malfoy passou por nós.
– Ele saiu da sala mais ou menos uma hora depois que começamos a vigiar – disse Gina. –
Estava sozinho, segurando aquele horrível braço murcho...
– A sua Mão da Glória – disse Rony. – Dá luz apenas a quem a carregar, lembra?
– De qualquer jeito – continuou Gina –, ele devia estar checando se a barra estava limpa para
deixar os Comensais da Morte saírem, por que no momento em que nos viu jogou uma coisa no ar e
tudo ficou escuro como breu...
– O Pó de Escuridão Instantânea Peruano – disse Rony amargurado – de Fred e Jorge. Vou ter
uma palavrinha a respeito de quem eles deixam comprar seus produtos.
– Nós tentamos tudo... Lumos, Incendio – disse Gina. – Nada penetrava na escuridão; tudo que
podíamos fazer era tatear para sair do corredor, enquanto ouvíamos pessoas passando rapidamente
por nós. Obviamente Malfoy podia ver, por causa daquela mão, e os estava guiando. Não nos atrevemos
a usar nenhuma maldição ou coisa parecida, porque podíamos nos acertar, e na hora em que alcançamos
um corredor iluminado eles já tinham ido.
– Por sorte – disse Lupin roucamente – Rony, Gina, e Neville nos acharam quase imediatamente
e nos contaram o que tinha acontecido. Encontramos os Comensais da Morte minutos depois, indo
em direção à Torre de Astronomia. Malfoy obviamente não tinha esperado que mais pessoas estivessem
vigiando; ele parecia ter esgotado o seu estoque de Pó de Escuridão, de qualquer jeito. Uma luta se
seguiu, eles se separaram e nós os perseguimos. Um deles, Gibbon, fugiu e foi em direção às escadas
da torre.
– Para conjurar a Marca? – perguntou Harry.
– É o que ele deve ter feito, sim; eles devem ter combinado isso antes de saírem da Sala Precisa
– disse Lupin. – Mas eu não acho que Gibbon gostou da idéia de esperar lá sozinho por Dumbledore,
porque ele veio correndo de volta para baixo se juntar à luta e foi atingido por uma Maldição da
Morte que tinha passado perto de mim.
– Então se Rony estava olhando a Sala Precisa com Gina e Neville – disse Harry, virando-se
para Hermione – você estava... ?
– Exatamente, do lado de fora da sala de Snape – sussurrou Hermione, seus olhos brilhando
com as lágrimas – com Luna. Ficamos esperando um bom tempo e nada aconteceu... Nós não sabíamos
o que se passava lá em cima, Rony tinha pego o Mapa do Maroto... Era quase meia-noite quando o
Prof. Flitwick veio correndo a toda velocidade masmorra abaixo. Ele estava gritando sobre Comensais
da Morte no castelo, eu acho que ele não percebeu realmente que eu e Luna estávamos lá, apenas foi
direto para a sala de Snape e o ouvimos dizer que Snape tinha que voltar com ele para ajudar, depois
ouvimos um estampido alto. Snape saiu como um raio da sua sala e então ele nos viu e... e...
– O quê? – apressou Harry.
– Eu fui tão estúpida, Harry! – disse Hermione num sussurro agudo.– Ele disse que o Prof.
Flitwick tinha desmaiado e que nós deveríamos cuidar dele enquanto ele... enquanto ele ia ajudar a
lutar contra os Comensais da Morte...
Ela cobriu seu rosto de vergonha e continuou a falar por entre os dedos, de modo que a voz
ficou abafada.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Nós entramos na sala dele para ver se poderíamos ajudar o Prof. Flitwick e o encontramos
inconsciente no chão... e, oh, é tão óbvio agora, Snape deve ter estuporado Flitwick, mas nós não nos
demos conta, Harry, não percebemos, simplesmente deixamos Snape ir!
– Não é culpa de vocês – disse Lupin firmemente. – Se você não tivesse obedecido Snape,
Hermione, e saído do caminho, ele teria provavelmente matado você e Luna.
– Então ele foi lá pra cima – disse Harry, que estava imaginando Snape correndo pela escadaria
de mármore, com suas vestes negras enfunadas atrás dele como sempre, sacando sua varinha pra fora
da capa enquanto subia – e achou o lugar onde vocês estavam lutando...
– Nós estávamos com problemas, estávamos perdendo – disse Tonks em voz baixa – Gibbon
estava fora, mas o resto dos Comensais da Morte parecia pronto para lutar até a morte. Neville estava
ferido, Gui tinha sido atacado por Greyback... Estava tudo escuro... maldições voando pra todo o
lado... O garoto Malfoy tinha desaparecido, ele deve ter escapado pelas escadas para a torre ... e
depois mais comensais foram atrás dele. Um deles bloqueou a escada com algum tipo de maldição ...
Neville correu pra lá e foi jogado no ar...
– Nenhum de nós conseguia atravessar – disse Rony, – e aquele Comensal da Morte corpulento
ainda estava atirando azarações por todo o lado, que ricocheteavam nas paredes e não nos acertavam
por muito pouco...
– E então Snape estava lá – disse Tonks – e em seguida já não estava mais...
– Eu o vi correndo em nossa direção, mas um feitiço daquele Comensal da Morte enorme
passou perto de mim naquele instante então eu mergulhei e perdi o rastro dos acontecimentos – disse
Gina.
– Eu o vi correr direto para a barreira, como se ela não estivesse lá – disse Lupin. – Tentei
segui-lo, mas fui jogado pra trás do mesmo jeito que Neville...
– Ele devia saber de um feitiço que nós não conhecíamos – sussurrou McGonagall. – Afinal de
contas... ele era o professor de Defesa Contra as Artes das Trevas... Pensei que ele estava com pressa
para perseguir os Comensais da Morte que tinham escapado para a torre...
– Ele estava – disse Harry brutalmente – mas para ajudá-los, não para pará-los... e eu aposto
que você precisava ter uma Marca Negra para atravessar aquela barreira... Então, o que aconteceu
quando ele voltou?
– Bom, o Comensal enorme lançou um feitiço que fez com que metade do teto caísse, e também
quebrou o encantamento que estava bloqueando as escadas – disse Lupin. – Todos corremos para a
frente, aqueles que ainda estavam de pé, e então Snape e o garoto emergiram da poeira – e é claro que
nenhum de nós os atacou...
– Nós simplesmente os deixamos passar – disse Tonks numa voz oca. – Pensamos que eles
estivessem sendo perseguidos pelos Comensais da Morte – e depois os outros Comensais e Greyback
tinham voltado e nós estávamos lutando novamente... Eu acho que ouvi Snape gritar alguma coisa,
mas não sei o que era...
– Ele gritou “acabou”, – disse Harry. – Ele tinha feito o que queria.
Todos ficaram em silêncio. O lamento de Fawkes ainda estava ecoando pelo terreno escuro lá
fora. Enquanto a música reverberava pelo ar, sem ter sido requisitada, pensamentos desagradáveis
afloravam na mente de Harry... Será que eles já haviam retirado o corpo de Dumbledore do pé da
torre? O que aconteceria com ele em seguida? Onde ele descansaria? Ele apertou os punhos firmemente
dentro dos bolsos. Podia sentir a pequena protuberância do falso Horcrux contra os nós da sua mão
direita.
As portas da ala hospitalar se abriram de repente, fazendo todos pularem: o Sr. e a Sra. Weasley
estavam entrando a passos largos, Fleur logo atrás, seu lindo rosto aterrorizado.
– Molly... Arthur – disse a Profa. McGonagall, levantando e apressando-se em recebê-los. – Eu
sinto muito...
– Gui – sussurrou a Sra. Weasley, passando direto por McGonagall, assim que viu o rosto
destroçado de Gui – Oh, Gui!
296
Capítulo 29 – O lamento da fênix
Lupin e Tonks levantaram-se rapidamente, dando espaço para que o Sr. e a Sra. Weasley
pudessem chegar mais perto da cama. A Sra. Weasley se debruçou sobre o filho e pôs os lábios em
sua testa ensangüentada.
– Você disse que Greyback o atacou ? – perguntou o Sr. Weasley distraidamente à Profa.
McGonagall. – Mas ele não tinha se transformado? Então o que isto significa? O que vai acontecer
com Gui?
– Nós não sabemos ainda – disse McGonagall, olhando desamparadamente para Lupin.
– É provável que haja alguma contaminação, Arthur – disse Lupin. – É um caso estranho,
possivelmente único... Nós não sabemos como será o seu comportamento quando ele acordar...
A Sra. Weasley pegou a pomada fedorenta de Madame Pomfrey e começou a aplicar nas feridas
de Gui.
– E Dumbledore ... – disse o Sr. Weasley. – Minerva, é verdade ... Ele realmente está... ?
Enquanto McGonagall assentia, Harry sentiu Gina se mexendo ao seu lado e olhou para ela.
Seus olhos semi cerrados estavam fixos em Fleur, que estava fitando Gui com uma expressão imóvel
em seu rosto.
– Dumbledore se foi – sussurrou o Sr. Weasley. A Sra. Weasley, entretanto, tinha olhos apenas
para seu primogênito; ela começou a soluçar, lágrimas caindo sobre o rosto mutilado de Gui.
– É claro que a aparência dele não importa... Não é r-realmente importante... Mas ele era um
lindo ra-rapaz... sempre muito bonito...e ele ia se ca-casar!
– E o que você querr dizerr com isso? – disse Fleur repentinamente, em voz alta. – O que você
querr dizerr com “ia se casarr” ?
A Sra. Weasley levantou seu rosto manchado de lágrimas, parecendo surpresa.
– Bem, apenas que...
– Você acha que o Gui non vai quererr se casarr comigo mais? – esbravejou Fleur. – Você acha
que, porr causa dessas morrdidas, ele non vai mais me amarr?
– Não, não foi isso que eu...
– Porrque ele vai! – disse Fleur, levantando-se totalmente e jogando pra trás sua longa cabeleira
prateada. – Vai serr preciso mais do que um lobisomem parra fazerr com que o Gui deixe de me
amarr!
– Claro, sim, tenho certeza – disse a Sra. Weasley – mas pensei que talvez... agora que... no
estado em que...
– Você pensou que eu non ia quererr casarr com ele? Ou talvez esperrou por isso? – disse Fleur,
suas narinas dilatadas. – O que me imporrta a aparrência dele? Eu sou bonita o suficiente por nós
dois, eu acho! Todas essas cicatrrizes mostraron que o meu marrido é corrajoso! E eu é que devo
fazerr isso! – acrescentou ferozmente, empurrando a Sra. Weasley de lado e tirando a pomada das
mãos dela.
A Sra. Weasley caiu de encontro ao seu marido, e viu Fleur esfregando as feridas de Gui, com
uma curiosa expressão em seu rosto. Ninguém disse nada; Harry não se atrevia a fazer um movimento.
Como todo mundo, ele estava esperando pela explosão.
– Nossa tia-avó Muriel – disse a Sra. Weasley, depois de uma longa pausa – tem uma linda tiara,
feita por duendes. Eu tenho certeza que poderia persuadi-la a emprestar-lhe para o casamento. Ela é
muito afeiçoada ao Gui, e a tiara ficaria linda no seu cabelo.
– Obrrigada– disse Fleur formalmente. – Tenho cerrteza de que ela serrá linda.
E então – Harry não viu muito bem como aconteceu, ambas estavam chorando e abraçando
uma a outra. Completamente confuso, imaginando se o mundo havia ficado louco, ele se virou: Rony
parecia tão atônito quanto ele, e Gina e Hermione estavam trocando olhares surpresos.
– Viu só? – disse uma voz cansada. Tonks estava fitando Lupin. – Ela ainda quer casar com
ele, mesmo que ele tenha sido mordido! Ela não liga!
– É diferente – disse Lupin, mal movendo seus lábios e parecendo repentinamente tenso. – Gui
não será um lobisomem completo. Os casos são completamente...
297
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– Mas eu também não ligo, não ligo! – disse Tonks, puxando a parte da frente da veste de Lupin
e a sacudindo. – Eu já te disse um milhão de vezes...
E o significado do patrono de Tonks e seu cabelo cor-de-rato, e a razão pela qual ela tinha
vindo correndo procurar Dumbledore quando ouviu um rumor, de que alguém havia sido atacado
por Greyback, tudo se tornou repentinamente claro para Harry. Não era por Sirius que Tonks tinha se
apaixonado afinal de contas.
– E eu já te disse um milhão de vezes – disse Lupin, se recusando a olhá-la nos olhos, olhando
o chão – que eu sou velho demais para você, pobre demais... perigoso demais...
– Eu te disse o tempo todo que você está assumindo uma postura ridícula nesta questão, Remo
– disse a Sra. Weasley por cima do ombro de Fleur, enquanto lhe dava tapinhas nas costas.
– Eu não estou sendo ridículo – disse Lupin categoricamente. – Tonks merece alguém jovem e
inteiro.
– Mas ela quer você – disse o Sr. Weasley, com um pequeno sorriso. – E afinal de contas, Remo,
homens jovens e inteiros não necessariamente permanecem assim... – Ele acenou tristemente em
direção ao seu filho, deitado entre eles.
– Este... não é o momento de discutir isto – disse Lupin, evitando os olhares de todos, enquanto
olhava em volta distraidamente. – Dumbledore está morto...
– Dumbledore ficaria mais feliz do que qualquer um em pensar que existe um pouco mais de
amor no mundo – disse McGonagall brevemente, no momento em que as portas da ala hospitalar se
abriram novamente e Hagrid entrou.
O pouco de seu rosto que não estava encoberto pelo cabelo ou pela barba estava encharcado
e inchado; ele estava tremendo com o choro, um grande lenço de bolinhas em suas mãos.
– Eu... já fiz, professora – disse engasgando. – Ti-tirei ele de lá. A Profa. Sprout colocou os
alunos de volta na cama. O Prof. Flitwick está deitado, mas diz que vai ficar bom num instante e o
Prof. Slughorn disse que o Ministério já foi informado.
– Obrigada, Hagrid – disse a Profa. McGonagall, levantando-se de súbito e virando-se para
olhar o grupo em volta da cama de Gui. – Eu vou ter que falar com o Ministério quando eles chegarem
aqui. Hagrid, por favor, diga aos Diretores das Casas, Slughorn pode representar Sonserina, que eu
quero vê-los na minha sala imediatamente. Gostaria que você se juntasse a nós também.
Enquanto Hagrid assentiu, virou-se e saiu da sala arrastando os pés, ela baixou a cabeça para
Harry.
– Antes que eu encontre com eles eu gostaria de dar uma palavrinha rápida com você, Harry.
Se você puder vir comigo...
Harry se levantou e murmurou – Vejo vocês num instante – para Rony, Hermione e Gina, e
seguiu a Profa. McGonagall para fora da ala. Os corredores lá fora estavam desertos e o único barulho
era o distante som da canção da fênix. Vários minutos se passaram até que ele percebeu que eles não
estavam se dirigindo para a sala da Profa. McGonagall, mas para a de Dumbledore, e alguns segundos
até que ele percebesse que, logicamente, já que ela tinha sido diretora adjunta... aparentemente ela
era a Diretora agora... então a sala atrás da gárgula agora era dela.
Em silêncio, eles subiram a escada móvel em espiral e entraram na sala circular. Ele não sabia
o que esperar: que a sala estivesse decorada de preto, talvez, ou até, quem sabe, que o corpo de
Dumbledore estivesse repousando ali. De fato a sala parecia quase do mesmo jeito que ele e
Dumbledore tinham deixado apenas umas horas atrás: os instrumentos prateados zumbindo e
fumegando em suas mesas de pernas finas a espada de Gryffindor dentro de sua redoma de vidro
brilhando à luz da lua, o Chapéu Seletor numa prateleira atrás da escrivaninha. Mas o poleiro de
Fawkes vazio, ele ainda estava emitindo seu lamento na propriedade da escola. E um novo retrato
tinha entrado para o rol de diretores falecidos de Hogwarts: Dumbledore estava dormindo em uma
moldura dourada em cima da mesa, seus óculos em meia-lua sobre o nariz torto, parecendo calmo e
tranqüilo.
298
Capítulo 29 – O lamento da fênix
Depois de olhar rapidamente para aquele retrato, McGonagall fez um estranho movimento,
como se estivesse reunindo forças, depois contornou a escrivaninha para olhar para Harry, seu rosto
tenso e marcado.
– Harry – disse ela –, eu gostaria de saber o que você e o Prof. Dumbledore estavam fazendo
esta noite quando deixaram a escola.
– Eu não posso lhe contar isso, professora – disse Harry. Ele estava esperando por esta pergunta
e já tinha sua resposta pronta. Tinha sido ali, naquela mesma sala, que Dumbledore lhe dissera para
não contar a ninguém sobre os assuntos de suas aulas, exceto Rony e Hermione.
– Harry, isso pode ser importante – disse a Profa. McGonagall.
– E é – disse Harry – muito, mas ele não queria que eu contasse a ninguém.
A Profa. McGonagall lançou-lhe um olhar fulminante.
– Potter – (Harry notou o renovado uso do seu sobrenome) – à luz da morte do Prof. Dumbledore,
acredito que você precisa entender que a situação mudou um pouco.
– Eu não acho – disse Harry, dando de ombros. – O Prof. Dumbledore nunca me disse para
parar de seguir suas ordens se ele morresse.
– Mas ...
– Tem mais uma coisa que a senhora precisa saber antes que o Ministério chegue aqui. Madame
Rosmerta está sob a Maldição Imperius. Ela estava ajudando Malfoy e os Comensais da Morte, foi
assim que o colar e o hidromel envenenado...
– Rosmerta? – perguntou McGonagall incrédula. Antes que ela pudesse continuar, entretanto,
houve uma batida na porta atrás deles, e os professores Sprout, Flitwick, e Slughorn adentraram a
sala, seguidos por Hagrid, que ainda estava chorando copiosamente. Sua enorme figura tremia com o
pesar.
– Snape! – gritou Slughorn, que parecia o mais abalado, pálido e suarento. – Snape! Eu ensinei
a ele! Pensei que o conhecia!
Mas antes que qualquer um deles pudesse dizer algo mais, uma voz perspicaz falou do alto da
parede. Um bruxo de rosto amarelado, com uma curta franja negra tinha voltado para sua tela vazia.
– Minerva, o ministro vai estar aqui em segundos. Ele acabou de desaparatar do ministério.
– Obrigado, Everard – disse McGonagall, e virou-se apressadamente para seus professores.
– Eu quero conversar com vocês sobre o que acontece com Hogwarts antes que ele chegue
aqui – disse ela rapidamente. – Pessoalmente, não estou convencida de que a escola deva reabrir no
próximo ano. A morte do diretor pelas mãos de um de nossos colegas é uma terrível mancha na
história de Hogwarts. É horrível.
– Eu tenho certeza de que Dumbledore gostaria que a escola continuasse aberta – disse a
Profa. Sprout. – Eu acho que se um único aluno quiser vir, a escola deveria permanecer aberta para
aquele aluno.
– Mas será que ainda teremos algum aluno depois disso? – disse Slughorn, agora enxugando sua
testa molhada com um lenço de seda. – Os pais vão querer que seus filhos fiquem em casa, e eu não
posso dizer que os culpo. Pessoalmente, não acho que estejamos em mais perigo em Hogwarts do
que estaríamos em qualquer outro lugar, mas não se pode esperar que mães pensem desse jeito. Elas
vão querer manter suas famílias unidas, é natural.
– Eu concordo – disse McGonagall. – E, de qualquer forma, não é verdade que Dumbledore
nunca tenha vislumbrado uma situação em que Hogwarts pudesse fechar. Quando a Câmara Secreta
foi reaberta ele considerou o fechamento da escola, e é preciso dizer que o assassinato do Prof.
Dumbledore é mais perturbador para mim do que a idéia do monstro de Slytherin vivendo não
detectado pelos dutos do castelo....
– Precisamos consultar os conselheiros – disse o Prof. Flitwick com sua vozinha chiada. Ele
tinha um grande roxo na testa, mas parecia, fora isso, ileso da queda na sala de Snape. – Precisamos
seguir os procedimentos estabelecidos. Uma decisão não deve ser tomada precipitadamente.
– Hagrid, você ainda não falou nada – disse McGonagall. – Qual a sua opinião? Hogwarts deve
continuar aberta?
299
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
Hagrid, que estava, ao longo da conversa, enxugando as lágrimas silenciosamente em seu enorme
lenço de bolinhas, levantou seus olhos vermelhos e inchados e disse tom rouco – Eu não sei,
professora... isso deve ser decidido entre os diretores das Casas e a Diretora...
– O Prof. Dumbledore sempre deu valor à sua opinião – disse McGonagall gentilmente – E eu
também dou.
– Bom, eu vou ficar – disse Hagrid, grandes lágrimas escorrendo pelos cantos dos olhos e
caindo em sua barba emaranhada. – É a minha casa, tem sido a minha casa desde que eu tinha treze
anos. E se houver alunos que queiram ser ensinados por mim, eu o farei. Mas não sei... Hogwarts sem
Dumbledore... – Ele engoliu o choro e desapareceu atrás de seu lenço mais uma vez. Todos ficaram
em silêncio.
– Muito bem – disse McGonagall, olhando para fora da janela, para o terreno, para checar se o
Ministro já estava se aproximando – então preciso concordar com Filius de que a coisa certa a fazer
é consultar os conselheiros, que tomarão a decisão final.
– Agora, com relação à volta dos estudantes pra casa... há argumentos para que façamos isso o
quanto antes. Poderíamos pedir para que o Expresso de Hogwarts venha amanhã, se necessário...
– E o funeral de Dumbledore? – disse Harry, finalmente falando.
– Bem... – disse McGonagall, perdendo um pouco de sua empáfia enquanto sua voz tremia. –
Eu... sei que era desejo de Dumbledore ser enterrado aqui, em Hogwarts...
– Então é isto o que vai acontecer, não? – disse Harry enfaticamente.
– Se o ministério achar que é apropriado – disse a Profa. McGonagall. – Nenhum outro diretor
foi...
– Nenhum outro diretor deu mais a esta escola – rosnou Hagrid.
– Hogwarts deve ser o lugar do descanso final de Dumbledore – disse o Prof. Flitwick.
– Com certeza – disse a Profa. Sprout.
– E, neste caso – disse Harry, – a senhora não deveria mandar os estudantes para casa, até que
o funeral tenha acabado. Eles vão querer dizer...
A última palavra lhe ficou presa na garganta, mas a Profa. Sprout completou a frase para ele.
– Adeus.
– Bem falado – disse o Prof. Flitwick, em sua voz chiada. – Muito bem falado de fato! Nossos
estudantes devem pagar tributo, é o mais adequado. Nós podemos arranjar o transporte para casa
depois.
– Apoiado – disse a Profa. Sprout.
– Eu acredito que... sim... – disse Slughorn em voz agitada, enquanto Hagrid dava um soluço
sufocado concordando.
– Ele está vindo – disse a Profa. McGonagall repentinamente, olhando para fora. – O Ministro...
e ao que parece, trouxe uma delegação...
– Posso ir embora professora? – disse Harry subitamente.
Ele não tinha nenhum desejo de ver, ou ser interrogado por Rufus Scrimgeour naquela noite.
– Pode – disse McGonagall – e rápido.
Ela deu passos largos em direção à porta e a segurou aberta para ele. Harry desceu a escada em
espiral apressadamente e saiu para o corredor deserto. Tinha deixado sua Capa de Invisibilidade no
topo da Torre de Astronomia, mas isso não importava; não havia ninguém nos corredores para vê-lo
passar, nem mesmo Filch, Madame Nor-r-a, ou Pirraça. Ele não encontrou viva alma até virar na
passagem que levava à sala comunal de Grifinória.
– É verdade? – sussurrou a Mulher Gorda enquanto ele se aproximava – É realmente verdade?
Dumbledore ... morto?
– Sim – disse Harry.
Ela soltou um grito de dor e, sem esperar pela senha, girou para frente para admiti-lo.
Assim como Harry suspeitava, a sala comunal estava lotada. Todos ficaram em silêncio quando
ele entrou pelo buraco do retrato. Ele viu Dino e Simas sentados em um grupo próximo: isso significava
300
Capítulo 29 – O lamento da fênix
que seu dormitório deveria estar vazio, ou quase. Sem falar com ninguém, sem olhar ninguém nos
olhos, Harry atravessou o salão e abriu a porta para o dormitório dos garotos.
Como ele havia antecipado, Rony estava esperando por ele, ainda totalmente vestido, sentado
na cama. Harry sentou-se na sua e, por um momento, eles simplesmente se olharam.
– Eles estão falando em fechar a escola – disse Harry.
– Lupin disse que falariam – disse Rony.
Houve uma pausa.
– Então? – disse Rony em uma voz muito baixa, como se a mobília pudesse estar escutando. –
Vocês acharam um? Pegaram? Um Horcrux?
Harry meneou a cabeça. Tudo que ocorreu naquele lugar próximo ao lago negro parecia um
pesadelo antigo agora; teria aquilo tudo realmente acontecido, e apenas há algumas horas atrás?
– Vocês não pegaram? – disse Rony, parecendo cabisbaixo. – Não estava lá?
– Não – disse Harry. – Alguém já tinha pego e deixado um falso no lugar.
– Já tinha pego... ?
Sem dizer palavra, Harry tirou o falso medalhão de seu bolso, abriu-o, e passou a Rony. A
história completa poderia esperar... Não importava naquela noite... nada importava exceto o fim, o
fim de sua aventura sem sentido, o fim da vida de Dumbledore...
– R.A.B. – sussurrou Rony. – Mas quem é esse?
– Não sei – disse Harry, deitando de costas em sua cama, totalmente vestido, e olhando sem
expressão para cima. Ele não sentia nenhuma curiosidade a respeito de R.A.B., de fato, ele duvidava
que se sentiria curioso novamente. Enquanto estava deitado, Harry percebeu que o terreno estava
silencioso. Fawkes tinha parado de cantar.
E ele sabia, sem saber como, que a fênix tinha ido, tinha deixado Hogwarts para sempre, assim
como Dumbledore tinha deixado a escola, tinha deixado o mundo... tinha deixado Harry.
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Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– CAPÍTULO 30 –
O Túmulo Branco
Todas as aulas foram suspensas, todos os exames adiados. Alguns estudantes foram retirados
às pressas de Hogwarts por seus pais nos dias que se seguiram – as gêmeas Patil já tinham ido antes
mesmo do café na manhã seguinte à morte de Dumbledore e Zacarias Smith foi escoltado do castelo
por seu pai, que tinha uma aparência arrogante. Simas Finnegan, por sua vez, recusou-se
terminantemente a acompanhar sua mãe para casa; eles discutiram a altos brados no Hall de Entrada
até que ficou resolvido que ele podia ficar para o funeral. Ela teve dificuldade em arrumar um lugar
para dormir em Hogsmeade, Simas disse a Harry e Rony, porque bruxos e bruxas estavam chegando
às pencas à vila, preparando-se para prestar as últimas homenagens a Dumbledore.
Foi grande a trepidação entre os alunos mais novos, que nunca a tinham visto antes, quando
uma carruagem azul do tamanho de uma casa, puxada por uma dúzia de cavalos palominos alados
gigantes, apareceu no céu ao final da tarde antes do funeral e aterrissou à beira da Floresta. Harry
olhou da janela quando uma gigantesca e atraente mulher de pele oliva e cabelos pretos desceu da
carruagem e jogou-se nos braços de Hagrid, que a esperava. Enquanto isso, uma delegação de
autoridades do Ministério, incluindo o Ministro da Magia em pessoa, foi acomodada dentro do castelo.
Harry estava cuidadosamente evitando contato com qualquer um deles, ele sabia que, mais cedo ou
mais tarde, alguém pediria que ele falasse sobre a última saída de Dumbledore de Hogwarts.
Harry, Rony, Hermione e Gina estavam passando todo o tempo juntos. O clima glorioso parecia
fazer troça deles; Harry podia imaginar como seria se Dumbledore não tivesse morrido e eles tivessem
esse tempo juntos bem no finalzinho do ano, as provas de Gina terminadas, a pressão dos deveres de
casa suspensa... e hora após hora, ele adiava dizer o que ele sabia que precisava, fazer o que ele sabia
que era o certo, porque era muito difícil abrir mão de sua melhor fonte de conforto.
Eles visitavam a ala médica duas vezes por dia: Neville tinha ganhado alta, mas Gui continuava
sob os cuidados de Madame Pomfrey. Suas cicatrizes continuavam tão feias quanto antes; na verdade,
agora ele tinha uma semelhança clara com Olho-Tonto Moody, embora felizmente com ambos os
olhos e pernas, mas na personalidade, ele parecia o mesmo de sempre. Só o que parecia ter mudado
era que ele agora parecia ter grande preferência por filés mal-passados.
– ...Enton ele tem sorrte de se casarr comigo -, disse Fleur alegremente, afofando os travesseiros
de Gui, – porque os brritânicos cozinham demais a carne, eu semprre disse isso.
– Suponho que preciso aceitar a realidade de que ele realmente vai se casar com ela – suspirou
Gina mais tarde naquele dia, enquanto ela, Harry, Rony e Hermione sentavam-se ao lado da janela
aberta do salão comunal da Grifinória, olhando para o terreno no entardecer.
– Ela não é tão ruim – disse Harry. – Mas é feia – acrescentou rapidamente, quando Gina
ergueu as sobrancelhas, e ela soltou uma risada relutante.
302
Capítulo 30 – O túmulo branco
– Bom, suponho que se mamãe pode suportá-la, então eu também posso.
– Algum outro conhecido morreu? – perguntou Rony a Hermione, que estava folheando o
Profeta da Tarde.
Hermione fez uma careta diante da dureza forçada da voz dele.
– Não – ela disse de maneira reprovadora, dobrando o jornal. – Ainda estão procurando Snape,
mas não há sinal...
– Claro que não – disse Harry, que ficava irritado toda vez que esse assunto aparecia – Não vão
achar Snape até achar Voldemort, e já que eles nunca conseguiram isso todo esse tempo...
– Vou dormir – bocejou Gina. – Não tenho dormido bem desde... bem... Eu preciso de um
pouco de sono.
Ela beijou Harry (Rony olhou para o outro lado explicitamente), acenou para os outros dois e
foi para o dormitório feminino. No momento em que a porta se fechou atrás dela, Hermione se virou
para Harry com um olhar que tinha todo o jeito de Hermione.
– Harry, eu descobri uma coisa hoje de manhã, na biblioteca...
– R.A.B.? – perguntou Harry, sentando-se ereto.
Ele não se sentia do jeito que tantas vezes se sentira antes: excitado, curioso, ansioso por
chegar ao fundo do mistério; ele simplesmente sabia que a tarefa de descobrir a verdade sobre o
verdadeiro Horcrux tinha que ser completada antes que ele andasse um pouco adiante no longo e
sinuoso caminho que se abria à sua frente, o caminho em que ele e Dumbledore tinham começado a
andar juntos, e onde agora sabia que teria que percorrer sozinho. Podia haver ainda até quatro
Horcruxes em algum lugar e cada um deles tinha que ser localizado e destruído antes que houvesse
sequer a possibilidade de Voldemort ser morto. Ele ficava repetindo os nomes para si mesmo, como
se os listando ele pudesse trazê-los para seu alcance: “o medalhão... o cálice... a cobra... alguma coisa
de Grifinória ou Corvinal... o medalhão... o cálice... a cobra... alguma coisa de Grifinória ou Corvinal...”
Esse mantra parecia pulsar na mente de Harry quando ele adormeceu aquela noite, e seus
sonhos estavam recheados de cálices, medalhões e misteriosos objetos que ele não conseguia alcançar,
embora Dumbledore prestativamente oferecesse a Harry uma escada de corda que se transformava
em cobras no momento que ele começava a subir ...
Ele tinha mostrado a Hermione o bilhete dentro do medalhão na manhã seguinte à morte de
Dumbledore, e embora ela não tivesse reconhecido imediatamente as iniciais como pertencentes a
algum bruxo obscuro sobre o qual lera, ela tinha desde então corrido à biblioteca com mais freqüência
do que era estritamente necessário para uma pessoa que nem tinha dever de casa para fazer.
– Não – ela disse tristemente -, eu tentei, Harry, mas não achei nada... Há alguns bruxos
razoavelmente conhecidos com essas iniciais: Rosalinda Antígona Bungs ... Rupert “Axebanger”
Brookstanton ... Mas eles não parecem se encaixar de jeito nenhum. A julgar pelo bilhete, a pessoa
que roubou o Horcrux conhecia Voldemort, e eu não consigo encontrar a mínima evidência de que
Bungs ou Axebanger em algum momento tiveram qualquer coisa a ver com ele... Não, na verdade, é
sobre... bem, Snape.
Ela parecia nervosa até de voltar a pronunciar o nome.
– O que tem ele? – perguntou Harry pesadamente, afundando de novo na cadeira.
– Bem, é que eu meio que estava certa sobre toda essa coisa do Príncipe Mestiço – ela disse
cuidadosamente.
– Você tem que esfregar isso na minha cara, Hermione? Como acha que eu me sinto sobre isso
agora?
– Não, não Harry, eu não quis dizer isso! – ela disse rapidamente, olhando em volta para checar
se tinha alguém ouvindo. – É só que eu estava certa sobre Eileen Príncipe ser dona do livro. Veja...
ela era mãe do Snape!
– Eu achei que ela era meio feia – disse Rony. Hermione o ignorou.
– Eu estava vasculhando o resto dos Profetas antigos e havia um pequeno anúncio sobre
Eileen Príncipe se casando com um homem chamado Tobias Snape, e mais tarde um anúncio dizendo
que ela tinha dado à luz um...
303
Harry Potter e o Príncipe Mestiço – J.K. Rowling – Tradução: O Pacto
– ... assassino – cuspiu Harry.
– Bem... é – disse Hermione. – Então... eu estava meio que certa. Snape deve ter tido orgulho
de ser “meio Príncipe”, entende? Tobias Snape era um trouxa, pelo que dizia no Profeta.
– É, faz sentido – disse Harry. – Ele bancaria o sangue-puro para se juntar a Lucius Malfoy e o
resto deles... ele é igual a Voldemort. Mãe sangue-puro, pai trouxa... envergonhado de seus pais,
tentando se fazer temido usando as Artes das Trevas, deu a si mesmo um nome pomposo: Lorde
Voldemort... O Príncipe Mestiço. Como Dumbledore pode ter deixado passar...?
Ele se interrompeu, olhando para o lado de fora da janela. Não podia deixar de pensar na
indesculpável confiança de Dumbledore em Snape... mas como Hermione acabara de inadvertidamente
lembrar-lhe, ele, Harry, também tinha sido igualmente enganado... apesar da maldade crescente
daqueles feitiços rabiscados, ele tinha se recusado a pensar mal do menino que tinha sido tão esperto,
que o tinha ajudado tanto...
Ajudado... Era um pensamento quase insuportável agora...
– Eu ainda não entendo por que ele não dedurou você por usar esse livro – disse Rony. – Ele
deve ter sabido de onde você estava tirando tudo aquilo.
– Ele sabia – disse Harry amargamente. – Ele soube quando eu usei Sectumsempra. Ele nem
precisou usar Legilimência... ele pode ter sabido até antes disso, com Slughorn falando como eu era
brilhante em Poções... Ele não devia ter deixado o seu velho livro no fundo daquele armário, não é?
– Mas por que ele não entregou você?
– Eu não acho que ele quisesse ser associado àquele livro – disse Hermione. – Eu não acho
que Dumbledore ia gostar muito se soubesse. E mesmo que Snape fingisse não ser dele, Slughorn
teria reconhecido a letra dele na hora. De qualquer modo, o livro foi deixado na antiga sala de aula de
Snape, e eu aposto como Dumbledore sabia que a mãe dele se chamava “Príncipe.”
– Eu devia ter mostrado o livro a Dumbledore – disse Harry. – Todo esse tempo ele estava me
mostrando que Voldemort era maldoso quando esteve na escola, e eu tinha provas de que Snape
também era...
– “Maldoso” é uma palavra forte – disse Hermione baixinho.
– Era você que vivia me dizendo que o livro era perigoso!
– Eu estou tentando dizer, Harry, que você está se culpando demais. Eu achei que o Príncipe
tinha um senso de humor malvado, mas eu jamais teria adivinhado que ele era um assassino em
potencial...
– Nenhum de nós teria adivinhado que Snape iria... você sabe... – disse Rony.
Silêncio se fez entre eles, cada um perdido em seus próprios pensamentos, mas Harry tinha
certeza de que os dois, como ele, estavam pensando na manhã seguinte, quando o corpo de Dumbledore
iria para o seu repouso final. Harry nunca tinha ido a um funeral antes; quando Sirius morreu, não
havia corpo para ser enterrado. Ele não sabia o que esperar e estava um pouco preocupado com o que
poderia ver e o que poderia sentir. Ele imaginou se a morte de Dumbledore seria mais real para ele
depois que o funeral acabasse. Embora houvesse momentos em que o fato horrível ameaçasse fazêlo perder o controle, havia períodos em branco de total embotamento em que, a despeito do fato de
que ninguém falasse sobre qualquer outra coisa no castelo, ele ainda achava difícil acreditar que
Dumbledore tinha realmente se ido. Ele não tinha reconhecidamente, como acontecera com Sirius,
procurado alguma espécie de brecha, algum modo através do qual Dumbledore pudesse voltar... Ele
mexeu no bolso, procurando a corrente fria do falso Horcrux, que agora ele carregava consigo para
todo lugar, não como um talismã, mas como uma lembrança do que aquilo tinha custado e o que
ainda restava fazer.
Harry acordou cedo para fazer as malas no dia seguinte; o Expresso Hogwarts partiria uma
hora depois do funeral. Lá embaixo, achou o clima no Salão Principal deprimido. Todos estavam
usando vestes de gala e ninguém parecia ter fome. A Professora McGonagall tinha deixado vazia a
cadeira parecida com trono do meio da mesa principal. A cadeira de Hagrid também estava deserta,
mas o lugar de Snape tinha sido ocupado sem a menor cerimônia por Rufus Scrimgeour. Harry evitou
seus olhos amarelados quando eles vasculharam o salão; Harry tinha a certeza desconfortável que
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Capítulo 30 – O túmulo branco
Scrimgeour estava procurando por ele. Na comitiva de Scrimgeour, Harry localizou o cabelo vermelho
e os óculos com armação de chifre de Percy Weasley. Rony não deu mostras de ter consciência da
presença de Percy, a não ser pelo esfaqueamento de pedaços de salmão com raro furor.
Na mesa de Sonserina, Crabbe e Goyle estavam resmungando. Massivos como eram, eles
pareciam estranhamente solitários sem a figura alta e pálida de Malfoy entre eles, mandando neles.
Harry não tinha pensado muito em Malfoy. Sua animosidade era toda para Snape, mas ele não tinha
esquecido o medo na voz de Malfoy no topo da torre, ou o fato de que ele tinha abaixado a varinha
antes dos outros Comensais da Morte chegarem. Harry não acreditava que Malfoy teria matado
Dumbledore. Ele ainda desprezava Malfoy por causa de sua ligação com as Artes das Trevas, mas
agora a mais ínfima gota de piedade estava misturada ao seu desprezo. Onde, imaginava Harry,
estaria Malfoy agora, e o que Voldemort o estaria obrigando a fazer sob ameaça de matá-lo e a seus
pais?
Os pensamentos de Harry foram interrompidos por Gina cutucando-lhe as costelas. A Professora
McGonagall tinha ficado de pé e o burburinho lamentoso do salão morreu imediatamente.
– Está quase na hora – disse ela. – Por favor, acompanhem o diretor de sua casa até os terrenos.
Grifinórios, atrás de mim.
Eles seguiram em fila de seus bancos em silêncio quase total. Harry observou Slughorn à frente
da coluna da Sonserina, usando magníficas vestes longas verde-esmeralda, bordadas em prata. Ele
nunca vira a Professora Sprout, diretora de Lufa-Lufa, parecendo tão limpa; não havia um único
remendo em seu chapéu, e quando eles chegaram ao Hall de Entrada, encontraram Madame Pince ao
lado de Filch, ela com um espesso véu preto que chegava até os joelhos, ele num terno antiqüíssimo
e gravata fedendo a naftalina.
Eles estavam se dirigindo ao lago, como Harry viu quando eles chegaram aos degraus de pedra
das portas 

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