Estratégia Succession planning e a gestão de talento

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Estratégia Succession planning e a gestão de talento
Executive
Coaching
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Estratégia
Succession planning
e a gestão de talento
Clive Bennett
Empresas onde não exista planeamento de
sucessão estão condenadas. Um plano de
contingência objectivo, sobre quem pode
substituir posições críticas no seio da
organização pode ser a solução.
dores. Consegue ser totalmente centralizadora e ao mesmo
tempo levar meses a tomar decisões. As suas unidades de
negócio têm uma rotatividade altíssima de gestores e nenhum bom executivo no mercado quer trabalhar com ela.
Devido à sua arrogância está à beira de perder o seu cliente
mais importante. Um dos seus irmãos só gosta de gastar
Analisemos três exemplos, bastantes comuns, tanto em
dinheiro e faz isso muito bem. Aparece no escritório quan-
empresas portuguesas como estrangeiras, relativos à
do lhe apetece e deixa os directores a lutar entre eles pela
gestão da sucessão de carreiras:
gestão. O irmão mais novo é o único que tenta gerir a sua
unidade com seriedade e sobriedade mas detém a unidade
O risco
Caso 1 – uma grande empresa familiar nos sectores de logística, transportes e distribuição
mais pequena e mais problemática. Ainda por cima, como
não é uma pessoa de “dar graxa”, nunca consegue convencer o pai a investir na sua área de negócio. Esta empre-
O fundador da empresa acabou de fazer 75 anos, mas
sa já foi uma das mais rentáveis e mais admiradas no país,
não tem a energia e perspicácia do passado. Criou um
mas anda a sangrar dinheiro, talento e posição no mercado.
negócio de grande sucesso em vários sectores. Os seus
filhos (dois filhos e uma filha) encontram-se numa guerra
constante para ver quem consegue o melhor “tacho” e
mais poder. O “velho” não quer largar as rédeas e tem medo de escolher um dos filhos, mas está dependente das
Caso 2 – a subsidiária portuguesa de uma marca
de automóveis francesa
Esta manhã o director comercial (DC) entra no gabinete
do director geral (DG):
informações dos mesmos para saber o que está a acon-
DC: A mulher do José Santos telefonou-me para dizer
tecer. Para ele é justo que todos os filhos tenham direito a
que ele sofreu um enfarte durante a noite. Ainda está nos
posições no Conselho de Administração, uma vez que não
cuidados intensivos mas parece que vai recuperar, embo-
lhe fazem sombra.
ra vá precisar de um by-pass triplo. Estará de baixa pelo
Resultado
menos seis meses. Isto é um desastre.
O negócio perdeu o fio estratégico. A filha é intratável
DG: Ai, coitado do Zé. Vê se mandas qualquer coisa ao
tanto com colaboradores como com clientes e fornece-
hospital e diz à mulher que pode contar com o nosso
intra
Muitas vezes as pessoas que são
críticas para a continuidade do
negócio (“mission critical”) não são
os dirigentes mas sim os operacionais.
Aliás, um bom administrador ou
director deve ter uma posição
estratégica e não operacional: boa
gestão a este nível implica a
delegação das decisões diárias e,
idealmente, fazer-se completamente
dispensável no curto prazo.
caras para se livrarem de excessos de stock, causados
pelo mix errado de motorizações e cores e pela falta de
opções, agora vistas como essenciais. A rede está revoltada por ter perdido muitas vendas. A reacção da imprensa
quanto às motorizações e a pobreza de opções foi negativa e as vendas dos primeiros dois meses foram decepcionantes. Os outros modelos também estão a sofrer problemas de stock e falta de acessórios. A fábrica em França
está a ser completamente intransigente após uma série de
alterações nas encomendas. Um orçamento, com um
lucro bastante satisfatório, está rapidamente a tranformar-se num prejuízo.
Caso 3 – uma empresa multinacional de seguros
O director geral de Itália faleceu e o director geral em
apoio. Quando sair dos cuidados intensivos, vamos visitá-
Portugal foi convidado para o substituir com urgência. É
lo. Mas porque estás tão preocupado? O Zé é óptimo,
obvio que o seu braço direito, o director comercial e de
mas é apenas um chefe de secção. Tem uma boa equipa
marketing é o seu sucessor natural: tem demonstrado um
à sua volta.
desempenho brilhante e desenvolveu novos canais de
DC: Pois, mas a verdade é que só ele conhece real-
venda com muito sucesso, aumentando market share e
mente o sistema de encomendas, que é muito complexo,
margens, de forma significativa. É visto pelo mercado co-
como sabes. Os outros inserem os códigos e fazem o
mo um dos melhores directores comerciais em Portugal. A
tracking de acordo com as instruções dele. O planeamen-
sede confirmou a sua nomeação como sucessor do actu-
to e a integração com os sistemas de gestão de produtos
al director geral.
e a organização logística eram feitos apenas por ele.
Resultado
DG: Qual o problema? As encomendas às fábricas são
Um ano mais tarde, os custos estão a disparar em mui-
planeadas com quatro meses de antecedência. Já está
tas áreas e há sinais que os níveis de sinistros vão subir
tudo planeado.
significativamente. O departamento de subscrição está em
DC: Não é bem assim, é um sistema contínuo. Cada
guerra com as áreas de produção. Em geral, a equipa está
mês fazemos variações no mix de produtos e acessórios
desmotivada. De facto, o novo director geral está perdido.
consoante as promoções, os lançamentos e as necessi-
Esteve sempre em áreas comerciais e não percebe nada
dades dos concessionários. E a fábrica é muito exigente;
de finanças, nem do negócio de subscrição que determina
uma vez confirmada uma encomenda não se pode voltar
a aceitação de risco e os níveis de prémios das apólices. A
atrás. Ainda por cima, como sabes, em Janeiro temos o
sua tendência para apoiar os comerciais contra os sub-
mais importante lançamento dos últimos três anos e o mix
scritores está a custar à empresa muito dinheiro. A casa-
de motorizações, cores, packs de acessórios e opções
mãe está muito preocupada e é provável que venha a ser
tem de ser decidido agora.
despedido – um excelente talento comercial desperdiçado.
DG: OK. Quando é a próxima encomenda mensal?
Estas empresas são fictícias, mas as situações são deri-
DC: Amanhã.
vadas de casos reais. O facto é que em nenhuma destas
DG: “Estamos feitos.”
empresas houve planeamento de sucessão, isto é, um pla-
Resultado
no de contingência objectivo sobre quem pode substituir
Caos. Depois do lançamento, os concessionários tive-
posições críticas na organização e que garanta o desen-
ram de fazer descontos significativos e oferecer opções
volvimento de talento para assegurar estas substituições.
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Soluções
O primeiro caso é, infelizmente, muito comum em Por-
trata de passar de uma área especializada para uma de
gestão geral.
tugal. O problema de sucessão nas empresas familiares é
Têm existido exemplos mais mediáticos desta última
muitas vezes mais emocional do que objectivo. É assusta-
situação. Em 1997 a Coca-Cola nomeou Douglas Ivester,
dor quantos patriarcas (e matriarcas) evitam enfrentar a
o então CFO e mão direita do carismático CEO Robert
questão da sua sucessão, arriscando o valor da sua em-
Goizueta, como novo CEO, quando este último faleceu. O
presa, do seu património, numa fé cega de que o paren-
brilhante financeiro foi um desastre como CEO e foi rapi-
tesco garante uma boa gestão. Há várias soluções pos-
damente substituído. No mesmo ano o gigante de brin-
síveis.
quedos, Mattel, promoveu a sua marketeer visionária, Jill
Na Sonae, o seu então presidente e fundador, Belmiro
Barad, para a posição de presidente. Em menos de dois
de Azevedo, foi testando o seu filho ao longo dos anos
anos foi também destituída. Em ambos os casos, pessoas
com desafios cada vez mais difíceis antes de o colocar no
excepcionais foram colocadas em posições para as quais
seu lugar, e isto só depois de assegurar que estava rodea-
não tinham competências: o CFO não sabia falar com os
do por uma equipa de gestão muito forte.
accionistas, a marketeer não percebia nada de estratégia
Na IKEA, o seu fundador Ingvar Kamprad decretou que
financeira. Estas decisões foram péssimas, não apenas
apenas o filho (de três) que demonstrar o maior sucesso
pela destruição de valor nas empresas mas também pelo
em termos de negócio possa herdar a empresa e a fortu-
desperdício do grande talento dos dois indivíduos. Estes
na familiar de mais de 20 biliões de euros.
exemplos demonstram uma ideia muito importante – um
Na cadeia de roupa holandesa C&A, a política baseia-se
bom plano de sucessão tem de incluir planos de desen-
no tamanho da rede de parentesco da família Brennink-
volvimento de habilitações e de experiência para os suces-
meijer, cujo tetravô August deu o “A” ao nome da empre-
sores.
sa. Neste caso, a netos, primos e restante família é oferecida a possibilidade de um lugar de gestão algures na
A ciência de succession planning
Europa, começando pela gestão de um departamento de
Succession Planning – planeamento de sucessão – é
uma loja e subindo na organização (ou não). São educa-
uma actividade com que os consultores se preocupam há
dos em vários países e são verdadeiros poliglotas espalha-
muitos anos. A pergunta tradicional à qual se dirige o exer-
dos pelo mundo.
cício tem sido: “Quem vai substituir o chefe quando ele se
No segundo caso, a questão levantada é facilmente
for embora?”. Mais tarde, a pergunta estendeu-se a toda
esquecida – muitas vezes as pessoas que são críticas
a administração ou direcção, mas o foco era igual: avaliar
para a continuidade do negócio (“mission critical”) não são
potenciais sucessores da chefia de uma organização.
os dirigentes mas sim os operacionais. Aliás, um bom
Com o plano na mão (ou seja, em papel), a empresa esta-
administrador ou director deve ter uma posição estratégi-
rá preparada para o futuro, a continuação da liderança estará
ca e não operacional: boa gestão a este nível implica a de-
clara e a estabilidade estratégica segura. Com vimos nos
legação das decisões diárias e, idealmente, fazer-se com-
exemplos referidos, pelo menos nos dois primeiros casos,
pletamente dispensável no curto prazo. O perigo aparece
um Succession Plan teria evitado muitos dos problemas.
quando, como aconteceu neste caso, uma pessoa relati-
Este exercício limitado tem alguns méritos. A verdade é
vamente júnior possui conhecimento exclusivo e não par-
que muitas empresas familiares beneficiarão substancial-
tilhado, do qual depende a continuação da operacionali-
mente de ter passado por um trabalho tão simples como
dade do negócio.
isto – escolher sucessores competentes, em vez de auto-
O terceiro caso revela um risco diferente mas talvez mais
maticamente passar a gestão do património aos que têm
comum. Um gestor pode ter um desempenho extra-
o apelido certo. Quantas empresas familiares conhece-
ordinário na sua área sem por isso estar preparado para
mos, cuja terceira ou quarta geração está a destruir o valor
assumir uma função superior, especialmente quando se
criado com tanto suor e ousadia pela primeira?
intra
Um Case Study real – BMW Portugal
A BMW Portugal foi criada em 2004 para representar
O Plano foi apresentado num formato dinâmico que
a marca no país e para desenvolver e apoiar a actividade
permitia os gestores seguirem os potenciais caminhos
da rede de concessionários, com uma equipa completa-
de pessoas e responsabilidades, passo a passo, pela
mente nova, recrutada pela empresa Ad Capita Exe-
organização, com links interactivos. Para cada posição
cutive Search. Foi um sucesso estrondoso – uma equipa
havia uma página em que eram analisados: a urgência
de alto talento e super motivada, com resultados comer-
de substituição (ou seja, se a pessoa saísse de repente,
ciais, operacionais e financeiros além de qualquer ex-
quanto tempo haveria antes de se sentir graves proble-
pectativa.
mas operacionais na empresa); as medidas que existiam
Mas, nos finais de 2006 o Presidente e o seu board
ou deviam existir para cobrir ausências temporárias (ou
começaram a preocupar-se com o futuro da equipa. O
seja, neste contexto, o período entre a saída e a substi-
brilho e a emoção de lançar um projecto tão especial
tuição); pessoas na empresa que podiam substituir esta
não iam durar para sempre. Seria normal que algumas
posição (incluindo pessoas em departamentos ou áreas
pessoas começassem a pensar no seu futuro e a olhar
completamente diferentes); que formação e experiência
para outras possibilidades de desenvolvimento das suas
adicionais estes substitutos potenciais iam precisar para
carreiras fora da empresa que é, de facto, relativamente
poder assumir a posição alvo. A mesma página ligava
pequena em Portugal.
cada pessoa às potenciais posições que podia ocupar
A atitude do board foi a de que alguma rotatividade é
saudável – sangue novo, desafios novos, ideias novas. Ao
e, assim traçava o seu potencial caminho de desenvolvimento na empresa.
mesmo tempo, sabiam que a empresa não estava pre-
O plano foi debatido com todo o board durante várias
parada para eventuais saídas críticas e que, embora não
horas, departamento a departamento, posição a posição,
quisessem travar as ambições dos seus talentos, também
incluindo os seus próprios lugares no board.
não poderiam desperdiçar a possibilidade de desenvolvimento e crescimento interno destas pessoas.
A mesma ferramenta foi utilizada para apoiar o planeamento de acções de formação e desenvolvimento.
Assim a BMW pediu-nos para criar um Succession
Mais tarde, houve de facto algumas saídas da empresa
Plan. Recomendámos que o plano devia examinar todas
e foi decidido dar a oportunidade de rotação interna e
as posições na empresa e não apenas as posições de
crescimento na organização a vários colaboradores,
gestão. Entrevistámos extensivamente os membros do
baseado no plano de sucessão e nos vários caminhos
board e os managers, bem como a equipa de recursos
de desenvolvimento traçados. O plano foi visto como
humanos.
crítico ao sucesso da implementação destas mudanças.
Mas, de facto, identificar e avaliar sucessores de chefia
formação e desenvolvimento dos gestores e das suas
nunca poderá ser feito eficazmente sem se ter uma visão
competências no longo-prazo – uma questão tão estra-
mais vasta do desenvolvimento a longo-prazo da lideran-
tegicamente importante requer uma resposta estratégica.
ça; não se pode limitar meramente à segunda linha para
Estas escolhas são críticas. Como disse Orin Smith, CEO
subir um passo, mas também avaliar todo o processo de
da cadeia de cafés Starbucks: “Os valores e comporta-
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mentos do indivíduo que escolhemos passam pela organi-
• Medir o progresso regularmente: “O desenvolvi-
zação como um tiro de espingarda; são sentidos nos ní-
mento é um processo do longo-prazo. Assim, é impor-
veis operacionais em poucos meses. É caro de mais re-
tante saber se as pessoas certas estão a mudar à veloci-
crutar ou promover pessoas com os valores errados. Isto
dade certa, para as posições certas, nos momentos cer-
é o caminho para a mediocridade.”
tos.” Assim, algumas métricas podem auxiliar a análise do
E, como vimos no terceiro caso, o Succession Plan tem
sucesso do processo: por exemplo, a percentagem de
de incluir planos de desenvolvimento de carreiras dos
posições importantes preenchidas internamente ou o
líderes potenciais. Se Douglas Ivester, na Coca-Cola, tives-
número de pessoas identificadas como “prontas para pro-
se sido colocado durante uns anos numa posição mais
moção” que ainda estão na mesma situação dois anos
próxima dos investidores e do mercado ou Jill Barad, na
mais tarde.
Mattel, tivesse tido formação e experiência numa área
Segundo os autores, esta visão faz parte de uma ‘men-
financeira ou de gestão geral, talvez os desastres pudes-
talidade virada para o talento’ (“talent mindset”). E, afinal, é
sem ter sido evitados.
isto o alvo de um Succession Plan. Quantas empresas afirmam que “as pessoas são o seu activo mais importante”?
A Implementação do Succession Plan
Quase todas! Mas, quantas destas, afinal, estão activa-
Como vimos, o Succession Plan não pode ser um do-
mente preocupadas com a maximização do retorno deste
cumento meramente analítico, para ficar numa gaveta junto
activo, preocupadas em avaliar, desenvolver e aplicar o ta-
com outros documentos de consultoria. Tem de ser uma
lento e preparar a empresa quando peças chave deste ac-
ferramenta prática. Num artigo fulcral sobre o assunto, no
Harvard Business Review1, os autores salientam quatro
tivo desaparecem? Muito poucas! O Succession Plan de-
pontos como essenciais para qualquer plano de sucessão:
mas como uma oportunidade para cuidar e motivar talen-
• Focalizar no desenvolvimento: “Integrar planeamen-
ve ser visto não apenas como um plano de contingência
to e assim juntar valor ao negócio.
to de sucessão com o desenvolvimento de liderança para
assegurar que sabem quais as habilitações e os líderes do
1 “Developing Your Leadership Pipeline”,
futuro que vão precisar e como as podem adquirir.” Muitas
Jay A. Conger and Robert M. Fulmer, HBR December 2003.
vezes estas habilitações são melhor obtidas em novas
experiências e desafios e não apenas por formação.
• Identificar posições críticas à operação:
Não
olhar apenas às posições seniores. Às vezes, posições de
gestão ou supervisão intermédias podem ser críticas para
a continuidade da operação ou mesmo para a saúde de
longo-prazo da empresa. “Adicionalmente é importante
Perfil
avaliar o desempenho das pessoas nessas posições para
departamento de recursos humanos mas sim como uma
Clive Bennett
Partner fundador da Ad Capita Executive Search é
licenciado em Psicologia pela Universidade de Oxford
e tem um MBA da Cranfield School of Management.
Foi durante oito anos director-geral da subsidiária
portuguesa de uma empresa de navegação britânica. Antes disso foi Assessor no parlamento britânico, onde dirigiu a comissão ambiental.
Reside em Portugal há 20 anos.
responsabilidade estratégica da equipa de gestão, debati-
[email protected]
determinar a seu potencial para os maiores desafios.”
• O processo tem de ser transparente: Embora nem
todos os pormenores de planos de desenvolvimento de
indivíduos possam ser divulgados a todos, o facto do
plano existir, e a sua metodologia, devem ser transmitidos.
É essencial que não seja visto como uma actividade do
do em pormenor por todos os seus membros.

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