Governana em Arranjos Produtivos Locais

Transcrição

Governana em Arranjos Produtivos Locais
Governança em Arranjos Produtivos Locais, Realidade ou Simulacro? O Caso das
Confecções de Nova Friburgo – RJ
Lamounier Erthal Villela *
Pós-doutorando em Administração pela EBAPE/FGV
Doutor em Economia Aplicada pela Université de la Sorbonne Nouvelle
Resumo
Este artigo tem o objetivo de identificar o papel e o potencial de ações da governança do
Arranjo Produtivo Local - APL de Nova Friburgo-RJ. Parte-se da premissa que cooperação
entre os atores institucionais e empresários locais estruturados em redes é condição necessária
para que MPME- Micro, Pequenas e Médias Empresas possam, em conjunto, manter-se
competitivas, em um macro-ambiente turbulento e dominado por grandes empresas. Porém, a
governança de tais APL´s torna-se complexa, dados o perfil dos empreendedores locais e as
características do ambiente sócio-econômico. A existência de um tecido industrial composto
por uma miríade de microempresas dificulta a ação e legitimação das instituições locais. O
referencial teórico foi pautado nos conceitos de rede, governança e legitimação. O estudo de
caso foi orientado por meio de três questões norteadoras da pesquisa. Os resultados indicam
que as confecções se tornaram uma importante fonte de recursos locais, embora a maioria das
confecções desconhece as ações da governança e poucas se beneficiaram dos Projetos de
Apoio. Para a governança se legitimar e efetivar suas ações é necessário que as instituições
adequem seus padrões de funcionamento à realidade local.
Palavras-chave: redes, governança, APL, desenvolvimento local
1. Introdução
Este artigo tem como objetivo identificar o papel e o potencial das instituições locais
na governança do Arranjo Produtivo Local – APL das confecções de roupas íntimas de Nova
Friburgo- RJ e de municípios vizinhos. Parte-se da premissa que cooperação entre os atores
institucionais e empresários locais estruturados em redes é condição necessária para que
MPME- Micro, Pequenas e Médias Empresas possam, em conjunto, manterem-se
competitivas, em um macro-ambiente turbulento e dominado por grandes empresas. Porém, a
* Professor Titular do Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial -MADE/ Universidade Estácio
de Sá – Professor Adjunto do Mestrado em Economia Empresarial da Universidade Candido Mendes. e-mail :
[email protected]
governança de tais APL´s torna-se
complexa dada às características do ambiente
socioeconômico e o perfil dos empreendedores locais.
A priori, observa-se que as instituições locais foram estruturadas para atuarem junto a
grandes empresas de modo mais centralizado e profissional. A existência de um tecido
industrial composto por uma miríade de microempresas torna-se um desafio à ação e
legitimação das instituições locais. Realidade ou simulacro como questionado no título do
artigo levanta a suposição que mesmo sendo organizada uma estrutura de governança para as
confecções locais, poucas se beneficiam dos projetos de apoio ou mesmo entendem que, se
atuassem em rede, se fortaleceriam. Dada esta suposição, algumas questões nortearam o
estudo de caso a fim de identificar o papel e o potencial das instituições locais na governança
do APL: Qual a visão dos empresários locais sobre as ações da governança? Quais projetos de
apoio e quais ações foram desenvolvidos pelas instituições? Qual o desenvolvimento das
empresas (competitividade) e do local nos últimos anos?
A problemática acima se insere no seguinte contexto histórico: A especialização de
Nova Friburgo em tecelagens remonta as primeiras décadas do século XX. Em 1912 foi
inaugurada a fábrica de rendas Arp, e nos anos 20, outras grandes fábricas têxteis se
instalaram no município: Filó, a Sinimbu, a YPU. Em 1968, a Triumph International comprou
a Filó, tradicional fabrica de lingeries. Esta fábrica possuía 3,8 mil empregados em 1982,
porém afetada pela crise econômica dos anos 80, demitiu cerca de 600 operários e desativou
mais de 150 máquinas de costura industrial (FARIA,2002). As demais indústrias locais
também elaboraram seus processos de reengenharia. Como resultante, houve um significativo
número de demissões e fez com que os egressos destas indústrias iniciassem um movimento
empreendedor, pois detinham as habilidades necessárias para a confecção de roupas íntimas.
Neste cenário, muitas costureiras demitidas compraram, com o valor das indenizações,
máquinas de costurar e constituíram microempresas de confecção de roupas íntimas. Soma-se
a isto o fato de que as atividades iniciais necessitavam de pouco capital inicial. Alguns
comerciantes locais tornaram-se fornecedores e financiadores dos microempresários.
A
industria metalmecânico local dava suporte técnico ao maquinário, alguns deles sucatados das
grandes empresas, ainda em funcionamento, nas casas das costureiras.
Os empreendedores locais eram os egressos operários das grandes fabricas, costureiras
habilidosas, porém sem capacitações gerenciais e com uma cultura organizacional
mecanicista. Apesar da baixa qualidade das lingeries, que produziam em suas fabriquetas, a
rede se fortaleceu com as sacoleiras (vendedoras ambulantes) que como verdadeiras
“formiginhas”, elaboraram os canais de distribuição e escoaram a produção para os
consumidores de baixa renda do interior do Estado e do Grande Rio. Pela força das
costureiras residentes nos municípios vizinhos, também operarias das fabricas de Nova
Friburgo, as confecções de lingerie se espalharam para as cidades de Bom Jardim, Cantagalo,
Cordeiro, Duas Barras e Macuco, que então passaram a constituir o APL.
Segundo o Censo da Indústria Têxtil e de Confecções de Nova Friburgo – FIRJAN,
(2004), no início dos anos noventa, neste APL havia em torno de três mil confecções, porém
em 2004 existiam, aproximadamente 800 empresas, entre formais e informais. Uma forte
tendência de concentração foi observada. As sobreviventes com maior profissionalização
mantiveram o APL gerando cerca de 20 mil empregos diretos, sendo responsáveis por 25% da
produção de vestuário de moda íntima do país. Destas empresas, aproximadamente setenta se
organizaram em consórcios de cooperados que visam exportações, participam das feiras
setoriais e agregam significativo valor ao produto.
O APL de Nova Friburgo surge de modo espontâneo, sem a interferência inicial das
instituições públicas locais. No entanto, com os desdobramentos sócio-econômicos, as
instituições locais passaram a ver a possibilidade de se legitimarem e proverem o
desenvolvimento local. Em 2002 foi criado o Conselho da Moda de Nova Friburgo,
estruturando a governança do APL, com a função de viabilizar e acompanhar o
desenvolvimento das empresas. Este Conselho é formado pelas prefeituras dos seis
municípios envolvidos, do SEBRAE/RJ - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas, da FIRJAN- Federação das Industrias do Rio de Janeiro, do SINDVEST (Sindicato
da Indústria do Vestuário de Nova Friburgo), da UERJ (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro), do Banco do Brasil, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social), do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio e a da Secretaria Estadual
de Desenvolvimento Econômico. O SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) /
Cetiqt (Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil), o SESI (Serviço Social da
Indústria) e o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) atuam na formação e
qualificação profissional de mão-de-obra. O SENAI por meio do NAD (Núcleo de Apoio ao
Design) proporciona cursos de desenvolvimento de modelagens para novas peças de vestuário
íntimo, com o intuito de melhorar a capacitação das empresas.
Cabe ressaltar que a maioria destas instituições operavam individualmente em Nova
Friburgo, o Conselho da Moda significou reuni-los em torno de um objetivo e agregar
esforços no desenvolvimento do APL. Visto que o desenvolvimento local depende da
cooperação e da complementaridade dos atores envolvidos, focaremos no referencial teórico
os conceitos de redes, governança e legitimação por serem considerados fundamentais para a
analise do objeto em estudo.
2. Aspectos Teóricos
2.1. Redes organizacionais e Arranjos Produtivos Locais
Conforme, Villela (2005) A gênese das redes de empresas remonta ao século XVIII
nas regiões de Lyon na França e Birminghan na Inglaterra, antes de se tornarem zonas de
grandes industrias, foram um tipo de aglomeração de pequenos artesões.
Uma multidão de pequenas unidades produtivas artesanais criou naquelas regiões uma
tradição savoir-faire a partir de uma intensa circulação de informações sobre as
especializações em emergência (tecelagem/têxtil, ferramentas/pequena mecânica,
serralheria/siderurgia, etc.) A Grande indústria que se tornará taylorista, não nasceu de
geração espontânea. Na origem, os ganhos de produtividade foram obtidos pelos efeitos da
proximidade e da propagação de um savoir-faire, criando uma população de profissionais
(GILLY; PECQUER, 1995 p.309. Tradução livre do autor).
Adam Smith, em 1776, publicava a “A Riqueza das Nações - Investigação sobre suas
naturezas e suas causas”. Para ele o principal fator de crescimento da produtividade era a
especialização do trabalho. Sem saber, Smith fazia referências a conceitos atuais como
resultados por projetos, redes de subcontratação, Joint-ventures e alianças estratégicas,
atualmente necessários devido a especificidades de mercados.
O atual conceito de redes representa o fim do isolacionismo das organizações como
visto no período fordista, e representa uma quebra de paradigma clássico sobre as
organizações. Este conceito suscita mudanças, seja na forma de estrutura organizacional, no
estilo de gestão e na forma de organização das relações entre as empresas. Segundo Britto
(2002) os elementos estruturantes de uma rede são os nós (organizações ou atividades), as
ligações (relacionamento entre organizações), os fluxos (de bens e informações) e as
posições (estrutura de divisão do trabalho). A forma, então, que se estrutura uma rede
depende das conexões entre os nós, fato que permite uma flexibilidade na ação conjunta da
estrutura formada. Logo, o potencial de combinações entre os nós depende da coesão e das
necessidades de compartilhamentos. No caso em análise, as empresas de confecção de Nova
Friburgo são consideradas como pólos e as conexões são as relações existentes na
governança que podem ser de caráter burocrático, de padronização, de procedimentos
econômicos e de transações materiais, imateriais ou tácitas.
Atualmente, as empresas passam a se organizar em redes devido, principalmente, a
externalidades técnicas na produção, externalidades relativas às estruturas de custos,
externalidades tecnológicas devido a mudanças no ritmo de adoção e difusão de tecnologias, e
externalidades de demanda devido a modificações nas preferências dos consumidores, dado a
diferenciação e quantidade de produtos ofertados pelos próprios concorrentes. Britto (2000)
enfatiza que, devido a um grau elevado de integração e interdependência, as empresas em
redes criam novos espaços de ação e de inovação, devido à complementaridade de
competências, especialização e consolidação de infra-estrutura realizada por agentes
integrados.
Marcon e Moinet (2000 apud BALESTRIM; VARGAS, 2003, p.4 e 5) definem uma
classificação com quatro tipos de empresas em rede:
Redes verticais: a dimensão da hierarquia. Certas redes têm uma clara estrutura hierárquica.
Essa configuração é utilizada, por exemplo, pelas grandes redes de distribuição que adotam a
estratégia de redes verticais para estarem mais próximas do cliente, como ocorre com as grandes
redes de distribuição integrada, distribuição alimentar e bancos. Geralmente, essas relações
semelhantes às estabelecidas entre matriz/filial, em que as filiais possuem pouca autonomia
jurídica e administração. Nessa dimensão hierárquica encaixa-se a noção de “empresa em rede”,
buscando designar as empresas cuja organização adotam a configuração de rede em razão da
dispersão espacial.
Redes horizontais: a dimensão da cooperação. As redes de cooperação inter-firmas são
construídas por empresas que guardam cada uma sua independência, mas que optam por
coordenar certas atividades específicas de forma conjunta, com os seguintes objetivos: criação de
novos mercados, suporte de custos e riscos em pesquisa e desenvolvimentos de novos produtos,
gestão da informação e de tecnologias, definição de marcas de qualidade, defesas de interesses,
ações de marketing, entre outras. Essas redes formam-se sob a dimensão da cooperação de seus
membros que escolhem a formalização flexível para melhor adaptar a natureza de suas relações.
Nesse modelo de cooperação inter-organizacional, existe uma grande heterogeneidade de formas,
como os consórcios de compras, as associações profissionais as redes de lobbying, as alianças
tecnológicas. Em termos de estratégia em rede, as relações inter-firmas formam um ambiente de
aprendizagem por meio da cooperação. Essas relações são complexas, junto às quais os atores
concorrentes escolhem cooperar dentro de certo domínio. Assim, as redes favorecem a
concentração de esforços sem privar a liberdade de ação estratégica de seus membros;
Redes formais: a dimensão contratual. Os teóricos argumentam que algumas redes são
formalizadas por meio de termos contratuais, que estabelecem regras de conduta entre os atores,
exemplo são redes como as alianças estratégicas. Os consórcios de exportação, as joint-ventures e
as franquias são exemplos de redes fortemente formalizadas;
Redes informais: a dimensão da conivência. As redes de conivência permitem os encontros
informais entre os atores econômicos (empresas, organizações profissionais, instituições,
universidades, associações, etc.) portadores de preocupações semelhantes. Esses reencontros
permitem trocar experiência e informação sobre as bases da livre participação. As redes de
conivência também permitem criar uma cultura de cooperação e de auxílio ao estabelecimento de
relações inter-empresariais mais freqüentes e estruturadas. Nessa dimensão, as redes são formadas
sem qualquer tipo de contrato formal que estabeleça regras e agem em conformidade com os
interesses mútuos de cooperação, baseados, sobretudo, na confiança entre os atores.
Quanto às tipificações acima descritas, no caso de Nova Friburgo, observa-se: redes
verticais - presentes nas sub-contratações entre empresas de maior com as de menor porte
denominadas facções; redes horizontais - na cooperação entre as empresas existentes nas
associações, elaboração da FEVEST; redes formais- quando da elaboração de consórcios para
exportações; e redes informais na troca de conhecimentos tácitos entre os agentes.
Dificilmente existirão duas redes estruturadas de forma idêntica. Assim, o esforço de tentar
abranger todas as possibilidades de redes inter-organizacionais em umas poucas tipologias prédefinidas não deixa de ser uma simplificação forçada da ampla diversidade de tipologias de
redes. Britto (2002, p. 345) destaca outros tipos de estruturas em rede:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Alianças estratégicas entre empresas e outras formas de cooperação produtiva e tecnológica.
Programas de cooperação específicos, envolvendo agentes com competências em áreas
distintas, que interagem entre si para viabilizar determinada inovação.
Processos de sub-contração e terceirização realizados por empresas especializadas em
determinadas atividades, que dariam origem a redes estruturadas verticalmente no interior de
cadeias produtivas.
Sistemas flexíveis de produção baseados em relação estáveis e cooperativas entre empresas
atuantes em determinado ramo de atividades;
Distritos industriais baseados na aglomeração espacial de empresas e outras instituições que
interagem no âmbito de determinada região;
Sistemas Nacionais ou regionais de inovação baseados na especialização e interação de
diversos tipos de agentes envolvidos com a realização de atividades inovativas (empresas,
universidades, outras instituições, etc.).
Segundo Détrie (1999), a estrutura em rede é uma forma de organização que permite
às empresas responder de modo eficaz a situações complexas e de grande incerteza. No
entanto, as condições de sucesso e de desenvolvimento das redes estão relacionadas a
aspectos subjetivos como a motivação e o comportamento dos atores envolvidos. Logo, um
fator determinante do sucesso é o engajamento voluntário dos atores nas atividades que lhe
são designadas, assim como sua forma de integração no grupo. Sem o devido engajamento e
participação, inexistem uma adaptação aos novos modos de produção, necessária ao trabalho
sinérgico. Os sistemas de informação e de controle, mais do que em outro tipo de estrutura,
devem ser transparentes e fluídos. O controle deve ser analisado pelos resultados (output)
obtidos a posteriori.
A tentativa de manter um controle tradicional é insuficiente, pois na rede é difícil
detalhar os meios para alcançar os resultados. Neste contexto destaca-se a necessidade dos
elos de confiança entre os atores envolvidos. Se os meios não podem ser controlados, supõese, a priori,que as relações de confiança entre os atores inibam as situações oportunistas dos
participantes de um grupo. Quebrada a desconfiança entre os participantes, maior será a
possibilidade de sucesso da estrutura e da possibilidade de institucionalizar a rede.
A definição de APL-Arranjo produtivo Local sugere que onde houver qualquer tipo de
produção haverá um arranjo em torno da mesma, abrangendo atividades e os atores desde a
aquisição de matérias-primas até a comercialização dos produtos. Observa-se que os APL
podem variar desde os mais simples àqueles mais complexos. (CASSIOLATO; LASTRES,
2003). Essas aglomerações produtivas podem surgir espontaneamente ou por estímulo de
instituições públicas ou particulares locais. A participação das MPME’s nesse novo formato
organizacional contribui para que as dificuldades sejam superadas. Além disso, aumenta a
possibilidade da empresa alcançar determinados objetivos que, sozinha, seria mais difícil. A
sinergia de esforços gerada entre as empresas permite o alcance de objetivos comuns. Lastres
e Cassiolato (2003) consideram estratégica a participação de empresas de todos os tamanhos
nos arranjos produtivos locais, e principalmente daquelas de pequeno porte. Somente a
presença de aglomerações de empresas em uma região não é suficiente para que seja
identificado um APL. Além da presença da aglomeração é necessário que haja:
[...] vínculos e relações de interdependência entre os agentes, os quais originam uma estrutura de
governança particular, que possibilita a geração de um resultado positivo em termos do
incremento da eficiência, do potencial inovativo e da competitividade daqueles agentes.
(BRITTO, 2004, p.13).
Para que este diferencial seja alcançado no mercado, é necessário que os empresários
estabeleçam uma relação baseada na confiança e na cooperação entre todos os integrantes,
Villela et al, (2004). Então, por meio destas relações, torna-se possível desenvolver ações
conjuntas, como por exemplo: centros comerciais, feiras, consórcios e também compartilhem
custos operacionais como inovações, aquisição de maquinário, logística de distribuição da
produção, entre outros, o que permite desenvolver atividades que sozinhas teriam mais
dificuldade, tornando-se, assim, mais competitivas.
2.2 Governança
Conforme definem Humphrey e Schmitz (2000, apud SUZIGAN et al., 2002),
existem dois tipos de governança local, a saber, a Governança Local exercida pelo Setor
Público e a Governança Local exercida pelo Setor Privado. Ambas são responsáveis, de
modos distintos, pela coordenação dos sistemas produtivos locais com a cadeia global
(fornecedores, compradores, outros produtores), assim como pelo estímulo à competitividade
entre os produtores locais e à difusão do conhecimento entre eles.
No que diz respeito a Governança Local exercida pelo Setor Público, esta se dá na
implementação de “ações coordenadas pelos governos locais para assistência e promoção
dos produtores aglomerados” (SUZIGAN et al., 2002, p.9). Um caso que exemplifica a
importância das ações empreendidas pela Governança Local do Setor Público é o dos
Distritos Industriais Italianos, que receberam forte apoio das instituições de governo locais
para sua estruturação e manutenção. As ações difundidas por esta forma de governança se
traduzem pela criação de Centros de Treinamento e Desenvolvimento dos produtores locais,
centros de apoio e prestação de serviços tecnológicos e agências governamentais de
desenvolvimento.
No que tange à forma de Governança Local, exercida pelo Setor Privado, Suzigan et
al. (2002) sinalizam para a importância do papel desempenhado pelas associações de classe e
agências privadas locais, voltadas para o desenvolvimento. Tais órgãos assumem, nos
sistemas produtivos locais, a função de catalisadores “do processo de desenvolvimento local
por meio de ações de fomento à competitividade e de promoção do conjunto das empresas”
(SUZIGAN et al., 2002, p.10). Não obstante, a atuação destas instituições constitui um
exemplo de governança do setor privado com suporte do setor público. Porém, estas atuações
não ocorrem de modo linear. Teoricamente, a governança deveria assumir o papel de ligação
entre os nós (empresas) da rede, quando diagnosticado as deficiências do sistema,
identificando possíveis mudanças através de projetos estruturantes como via de
sustentabilidade do APL. Nestas ligações, visto a descentralização de poder, nas APL’s, a
governança faria papel de coordenação, de animador, de provedor de informações, de
educador e de incitador de novas tecnologias, de processos de aprendizado, de inteligência
competitiva, etc. Em outras palavras a governança deveria reduzir os custos de transação dos
atores envolvidos em um APL.
Após a publicação do artigo de Ronald Coase, em 1937, intitulado “A natureza da
firma”, a teoria econômica passou a reconhecer, além dos custos de produção, os custos de
transação. Os custos de transação são os custos de negociar, de redigir e de garantir o
cumprimento de contratos, de estabelecer marcas, de obter informações que podem também
ser denominado como custos da organização. A Teoria dos Custos de Transação (TCT)
suspende a hipótese clássica da simetria de informação entre comprador e vendedor, tornando
os custos de transação significativos na produção empresarial. É necessário considerar os
fatores cruciais nos custos de transação tais como a racionalidade limitada dos agentes
econômicos, a complexidade e incerteza do ambiente e os diferentes tipos de contratos
estabelecidos entre as organizações: observamos que os contextos complexos e incertos
possibilitam que alguns dos agentes envolvidos adotem iniciativas oportunistas.
Trata-se então de atitude oportunista da empresa fornecedora, uma vez que, a
racionalidade limitada de seu cliente, assim como a complexidade na fabricação do insumo,
impede que o comprador do insumo possa conhecer as particularidades da produção daquele
insumo, e portanto, avaliar a exatidão do aumento do custo informado pelo fornecedor.
(FIANI, 2002, p.271). Sobre este aspecto observa-se a incapacidade das MPME’s em
captarem as atitudes/iniciativas oportunistas, fato que reforça teoricamente a vantagem da
ação em grupo. Neste sentido, ressalta-se que o grupo poderia construir conhecimento
conjunto, ao constituir uma rede, seja formal ou informal, e disponibilizar recursos que
permitam limitar ações de oportunistas contra o grupo. A racionalidade limitada, a
complexidade e as atitudes oportunistas dificultam a elaboração dos contratos e a
institucionalização das governanças locais.
2.3. Legitimação
As condições sócio-econômicas, as origens dos empresários, a cultura local entre outros
aspectos, dificultam que as empresas estabeleçam as regras para institucionalizar as ações em
conjunto. No caso do APL, em questão, existem, tanto por parte dos empresários como das
instituições locais uma relutância distribuição do poder e no estabelecimento das ações que
efetivem a governança local. Segundo a teoria crítica, estas situações podem ser entendidas
devido a existência de uma crise de legitimação sistêmica ou, conforme denominado por
(HABERMAS, 1978, p.74) a existência de um feixe de crises inerentes ao próprio sistema
capitalista, que cria necessidades que ele mesmo não consegue satisfazer. Ou seja, existe uma
contradição fundamental no sistema que encadeiam o feixe de crises: econômica, de
racionalidade, de legitimação, de motivação. Tais crises são propostamente explicadas por
Habermas, op.cit. pelos vários argumentos que são complementares: interesses capitalistas
individuais e opostos, estruturas institucionais inadequadas, intervenções nas tradições
culturais, erosão de tradições, exigências excessivas impostas pelo sistema de valor universal,
leia-se globalizado às realidades locais.
Para os teóricos institucionalistas, as instituições, diferentemente dos mercados ou das
organizações, não são propriamente dito mecanismos de coordenação; elas contribuem para
a definição das condições sócio-econômicas nas quais os mecanismos podem instaurar-se e
estabelecer-se. Logo, a legitimação das instituições, que compõem a governança local será
dependente do grau de institucionalização. Sua sedimentação dependerá da efetivação de
suas ações. As instituições econômicas também são vistas como mecanismo regulador das
funções econômicas, onde intervém a componente de poder, de relação de forças entre
indivíduos ou grupos de indivíduos. Para Scott, (1987), a institucionalização se dá através da
infusão de valores e da promoção da estabilidade, mantendo, assim, a integridade e
conservação da organização, ou seja, quando institucionalizadas, elas não são facilmente
descartáveis. Assumem uma identidade e tornam-se “organizações institucionalizadas”.
Selznick, 1996, afirma em suas análises que, a organização institucionalizada é legitima na
sociedade pois ela também contribui na construção e na estrutura social e cultural da qual ela
é parte integrante. Berger e Luckmann (2001) afirmam que a institucionalização de
organizações ocorrem pela “habitualização” de suas ações. Logo, a organização é
socialmente construída. Sua legitimidade se dará ao longo do tempo e confirmados pelas
suas ações.
3. Aspectos Metodológicos
Este artigo se originou de diversos estudos elaborados pelo grupo de pesquisa em
redes empresariais do MADE- Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial
da Universidade Estácio de Sá. Porém este estudo utiliza metodologia exploratória e
qualitativa. A estratégia de estudo de caso descritivo foi o mais adequado pois lida com o
levantamento de dados, pesquisa bibliográfica e de campo onde procurou adequar padrões
teóricos à realidade estudada. A investigação do estudo de caso enfrenta uma situação
tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados.
Um estudo de caso também pode ser definido segundo Schramm, 1971 apud Yin,(2002, p. 31)
como: “A essência de um estudo de caso, a principal tendência em todos tipos de estudos de
casos, é esclarecer uma decisão ou conjunto de decisões : o motivo pelo qual foram tomadas,
como foram implementadas e com quais resultados”.
Logo, o estudo de caso deve ser fortemente embasado no referencial teórico onde este
antecede a análise empírica. A validação da análise passa pela validação do constructo teórico
que estabelece definições conceituais e operacionais dos principais termos e variáveis do
estudo, para que se saiba exatamente o que se quer estudar, medir ou descrever. Neste estudo
busca-se identificar o papel e o potencial das instituições locais na governança do Arranjo
Produtivo Local – APL das confecções de roupas íntimas de Nova Friburgo- RJ e de
municípios vizinhos. Onde se procurou responder as seguintes questões, anteriormente
anunciadas: Qual a visão dos empresários locais sobre as ações da governança? Quais projetos
de apoio e quais ações foram desenvolvidos pelas instituições? Qual o desenvolvimento das
empresas (competitividade) e do local nos últimos anos? Ressalta-se que estas questões são
norteadoras do estudo e não um instrumento de coleta de dados. Os dados apresentados no
resultado são originários de estudos diversos e agregados nesta pesquisa. Reconhece-se as
limitações do método utilizado, por exemplo as pesquisas utilizadas como fonte secundarias
de dados não necessariamente apresentam objetivos similares ao do proposto estudo. Porém ,o
objetivo maior é uma reflexão crítica e segundo Forester, (1993 p.2 apud ALVESSON;
DEETZ, 1999 p. 247) a orientação prática do pesquisador deverá ser: “(1) empiricamente
sólida
e
descritivamente
significativa;
(2)
interpretativamente
plausível
e
fenomenologicamente
expressiva;
e
ainda
(3)
criticamente
orientada,
eticamente
esclarecedora".
4 Resultados da pesquisa
A analise dos resultados seguira as questões norteadoras.
- Qual a visão dos empresários locais sobre as ações da governança?
Segundo Veiga e Villela, (2006) foi observado em sua pesquisa que os empresários
locais atuam isoladamente. A falta de confiança entre eles é marcante. Depoimentos locais
ressaltam casos a desconfiança mesmo quando os concorrentes são membros de uma mesma
família. A cooperação, entre os atores é deficiente, embora a governança local busque
efetivar ações cooperadas este comportamento é dominante. Ações conjuntas entre os
agentes da rede se torna possível graças a iniciativas como a Fevest – Feira de Lingeries de
Nova Friburgo; a aglomeração de lojas na mesma localidade (por exemplo, no Friburguense
e no circuito Olaria); os consórcios de exportação demonstram sua potencialidade quando
operam juntos.
Segundo a pesquisa Veiga e Villela, op.cit. identificaram, nos empreendedores da
amostra pesquisada as seguintes características: capacidade de inovação e interesse em
aprender. A capacidade de inovação dos empreendedores se refere ao lançamento de novos
modelos adaptados aos existentes e à utilização de novos materiais nos modelos existentes.
Verificou-se que a base do processo de inovação é o imitacionismo. Evidenciou-se uma
minoria de empreendedores que realmente se preocupa com o design de seus produtos e
inova. Os empreendedores da amostra aprendem principalmente com os erros cometidos no
passado, pela experiência negativa de outro empreendedor e nas feiras. Eles tentam adaptar os
novos conhecimentos à realidade da empresa, mas uma minoria demonstra dificuldade em se
adaptar. O interesse em aprender, também, pode ser observado pela participação dos
empreendedores em cursos, entretanto, nem sempre o conteúdo ministrado atende à
necessidade da confecção.
Outros aspectos sobre o comportamento dos empreendedores do APL denotam que os
mesmos têm dificuldades em de compartilhar/trocar informações; não acreditam no
comportamento ético das empresas concorrentes; apresentam pouca confiança nos demais
empresários e instituições públicas; pouco ou escasso conhecimento sobre gestão empresarial;
pouco espírito de cooperação; e pouca pratica/ habilidade para trabalhar em equipe. Tal
situação contraria os objetivos preconizados pela governança local. Para que os empresários
locais consigam alcançar vantagens competitivas é necessário que eles tenham capacidade de
compartilhar informações. A troca de informações contribui no processo de aprendizado
coletivo e no processo de inovação da rede, ampliando o potencial de atuação do APL, pois,
destaca-se como uma das vantagens decorrentes das empresas organizadas em rede, a troca de
experiências.
A troca de informações ocorre informalmente ou em ações conjuntas com a Fevest,
embora ainda seja muito incipiente. Evidenciou-se no comportamento dos empreendedores da
amostra que eles trocam e compartilham informações somente com aqueles considerados
amigos e, mesmo assim, com muita prudência para eles: “o segredo é a alma do negócio”.
Quanto a ética nas relações empresariais, Veiga e Villela op.cit. observaram que a maioria
dos empresários entrevistados consideram como regular, deficiente e péssima; entretanto a
totalidade dos entrevistados fez uma auto-avaliação em relação a esse aspecto e consideraram
excelente e bom. Verificou-se que alguns empreendedores passam informações falsas para os
outros empreendedores do mesmo ramo e compram os produtos do concorrente a fim de
copiá-los.
Tal situação analisada por Veiga e Villela (2006) é similar à pesquisa de Hanseclever,
(2005 p. 352) onde 73% de uma amostra de empresários locais responderam que não
estabelecem cooperação com outras empresas e entre as empresas informais não foi
identificada nenhuma cooperação. “Este cenário parece sombrio em um local em que a
maioria das empresas não possui massa critica para competirem em mercados cada vez
maiores, mais exigentes, e complexos” Hanseclever, (2005 p. 352). A mesma autora
demonstra em sua pesquisa que quase metade das empresas pesquisadas (47%) indicaram não
estar associada a nenhum órgão profissional localizado no município. Este indicador é de
100% para as empresas informais. Logo, a maioria das empresas, não mantêm relações com
entidades de pesquisa e ensino.
As pesquisas acima citadas indicam que são poucas as empresas que se beneficiam das
ações da governança local. Logo, acredita-se, segundo depoimentos obtidos “in lócus” que
apenas 10% das empresas locais se beneficiam das ações e projetos de apoio elaborado pelo
Conselho da Moda. A visão dos empresários locais sobre a governança então varia em um
continuum de uma minoria que se beneficia e de uma grande maioria excluída, por vontade
própria ou por incapacidade de compreensão da importância das ações cooperadas.
- Quais projetos de apoio e quais ações foram desenvolvidas pelas instituições?
Os Projetos de Apoio - PA inicialmente elaborados pelo SEBRAE e pela Firjan
tiveram em seus primeiros passos estruturar a governança local, pois, as confecções locais
que no início dos anos 90 passaram por uma grave crise. Tal crise se acelera pelos
impactos do plano real em 1995, não somente pela queda de barreiras alfandegárias,
concorrência dos produtos importados, mas, segundo Hasenclever, (2005 p. 364)
principalmente pelo inchamento do número de empresas (facilidades de entrada no setor,
crescimento exagerado de algumas, excesso de concorrência e pressão sobre o mercado de
trabalho). Neste cenário observa-se à redução de margens de lucros e falência generalizada
de empresas. Fato já apontado neste artigo e que amplia a concentração das confecções em
um menor número de empresas.
Os primeiros programas de apoio surgiram em 2000 denominado como PSI –
Projeto Setorial Integrado. Porém desde o seu início houve uma distorção do público
alcançado, somente 25% das empresas de confecção participavam das ações. Como parte
do PSI começam a serem articulados os consórcios de exportação. Tais consórcios foram
inicialmente liderados pela Firjan e pelo Sindvest-NF, porém, estes consórcios demoraram
dois anos para se organizarem, devido aos desentendimentos entre a Firjan, o Sindicato e a
APEX. Com a aprovação do projeto BID/Promos o SEBRAE nacional acabou assumindo a
liderança do projeto de consórcios. Os consórcios tinham o objetivo de promoção,
participação em feiras internacionais, estudos de mercado. Os projetos dos consorciados
eram megalômanos e desejavam atingir diversos mercados internacionais ao mesmo
tempo. Já, em 2004, a maioria dos consórcios foram desativados. Atualmente, apenas dois
mantiveram suas política de exportações.
Em 2002, surge o DILS (Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável) o
objetivo era articular diversos atores para promover o desenvolvimento local, tanto do
setor de moda íntima como de outras atividades locais. As avaliações elaboradas pelo BID
– Banco Interamericano de Desenvolvimento, também confirmavam a ausência de
cooperação nas atividades locais. Tal projeto deveria contar com a capacitação e fomento
através de lideranças locais e de mobilização das comunidades. Seus resultados foram
pouco significativos, porém, contribuíram para fomentar o NAD - Núcleo de Apoio ao
Design, criado anteriormente e sobre a tutela do SEBRAE, SENAI. Em dezembro de 2002,
o APL-NF obteve o financiamento do fundo Verde Amarelo/ FnDctCNPq, visando o apoio
gerencial e técnico para a prestação de serviços de corte computadorizado as empresas de
confecção. E partir de então, foi criado o Conselho da Moda, que passou elaborar a
governança das empresas de confecções.
Hansenclever,(2005, 371) destaca que os: “recursos humanos disponíveis nas
instituições executoras dos projetos não são muito adequados tecnicamente e em geral, eles
dedicam menos tempo aos beneficiários dos PA do que a própria burocracia interna dos
projetos”. Estima-se que foram despendidos aproximadamente seis milhões de reais no
desenvolvimento destes projetos. O balanço dos resultados indica o pequeno número de
empresas locais beneficiadas com as ações dos PA, porém cabe ressaltar que este pode
significar os primeiros passos para se organizar o APL e aumentar a competitividade das
empresas locais.
- Qual o desenvolvimento das empresas e do local nos últimos anos?
A economia de Nova Friburgo se alicerça na indústria sendo esta baseada na produção têxtil e
na metalurgia, seguido do comércio a da agricultura. O setor com um número mais expressivo
de estabelecimentos é o setor têxtil e de confecções, com a maioria das empresas em
confecções. Os estabelecimentos de agronegócios estão principalmente concentrados em
horticultura, produtos de viveiro e pecuária bovina. Encontram-se também alguns
estabelecimentos de turismo e metalmecânica, bem como empresas produtoras de artefatos de
concreto. É o município da região centro norte fluminense que apresenta a estrutura
econômica mais diversificada (HASENCLEVER, 2000). A indústria de moda íntima de Nova
Friburgo, passou de 4 mil trabalhadores em 1980 para mais de 22 mil em 1998. Neste período,
o valor da produção passou de US$ 12 milhões para US$ 48 milhões. No entanto, o valor da
produção anual por trabalhador é de US$ 2,6 mil, bem menos que os US$ 5 mil por ano, por
trabalhador, da indústria metal-mecânica em 1980. Somando os trabalhadores em ambos os
setores, em 1980 havia 16 mil trabalhadores, produção de US$ 72 milhões, valor anual
produzido per capita de US$ 4,5 mil. Em 1998, havia 22 mil trabalhadores, produção de US$
57 milhões, valor anual produzido per capita de US$ 2,6 mil. Assim, enquanto o número de
trabalhadores aumentou 40%, o valor total da produção caiu 16% e o valor produzido
anualmente per capita caiu 42% . (IBGE, 2000). Verifica-se que o PIB do município de Nova
Friburgo, representa 0,76% do PIB do Estado do Rio de Janeiro e 54,5% do PIB da região
centro norte fluminense, seguido de Cantagalo (13,2%); Cachoeiras de Macacu (8,8%); Bom
Jardim (3,7%) e Sumidouro (3,6%).
O município de Nova Friburgo obteve um crescimento econômico pouco significativo
de 1994 a 2001. Porém, cabe destacar que o tecido industrial passa por uma transformação
significativa nestes anos. Passando de grandes empresas a um tecido industrial composto por
MPME. Este fato, no entanto é significativo, pois estas novas empresas amorteceram os
impactos negativos da retirada das grandes industrias. Visto por esta ótica, as MPME
permitiram um desempenho local de sobrevivência, apesar do crescimento local ter sido
estagnado nos anos noventa. De fato, os dados sobre o IDH- Índice de Desenvolvimento
Humano mostram que entre 1970 e 1991 o município apresentou resultados inferiores ao do
Estado do Rio de Janeiro. Porém no ano de 2000 o município superou o resultado do Estado.
Esta evolução fez com que o município saltasse do ranking estadual de nono para o quarto
lugar no IDH..
Quanto a competitividade das empresas do APL, é importante observar alguns dos
comportamentos dos empresàrios em relação aos seus processos decisórios. (VILLELA et.
Al, 2004) que podem ser compreendidas sob as seguintes óticas:
- As MPME’s em nova Friburgo se confundem com os empresários; em outras palavras, a
MPME é o empresário, logo as decisões são voltadas para o bem-estar dos empresários e não
para a empresa.
-Será o desenvolvimento dos procedimentos, onde cada envolvido tem um interesse, o
resultante de uma coalizão de interesses. Em Nova Friburgo podemos por exemplo,
identificar este processo político na formação dos consórcios de exportação. Cyert e March
(1992) Identificam que desta forma existe uma racionalidade de procedimentos, que emane
através de uma racionalidade local para facilitar a negociação entre os objetivos específicos
de cada indivíduo/empresa.
- A otimização é geralmente muito complexa para ser obtida, logo a racionalidade é limitada
Simon (1979), assim os agentes procuram obter resultados satisfatórios e não resultados
ótimos. Em particular no caso dos empresários de Nova Friburgo, na sua maioria de micro e
pequenas empresas, a falta de uma infra-estrutura organizacional coloca em evidência esta
limitação.
- O poder de cada ator depende da zona de incerteza que este controla. Crozier e Friedberg
(1977). As ações coletivas dependem das relações entre o “estado das forças produtivas” e o
“grau de desenvolvimento técnico e econômico” pois a ação coletiva quando criada ou
inventada tem a finalidade de resolver problemas comuns a uma determinada coletividade. A
cooperação será então possível quando a situação dada for claramente definida e o papel de
cada ator coadjuvante tiver sentido na sua estratégia individual.
- Os modelos psicológicos explicam o que pode caracterizar a mentalidade dos empresários
das MPME’s em questão, postura denominada como “personalidade edipiana”. Voltados para
si mesmos, não conseguem avaliar os riscos e oportunidade locais e visualizam suas ações
como perfeitamente racionais. Este modelo tem uma relação direta com o modelo da nãoracionalidade no tocante à realidade estudada.
Estudos realizado pela SEBRAE, (2004) indicam que as confecções de Nova
Friburgo apresentam em sua maioria baixo grau do uso de tecnologias e não fazem parte de
redes de cooperação entre elas. Tornar estas empresas mais competitivas e um desafio a ser
alcançado pelas políticas de desenvolvimento local
Considerações finais
Partiu-se do pressuposto, então, baseado na literatura sobre redes, que as MPME’s Pequenas e Médias Empresas ao se associarem de forma cooperativa aumentam suas
vantagens competitivas, alavancam seus negócios por se profissionalizarem e por
compartilharem custos. Estes custos se referem às inovações, à criação de marcas, à
obtenção de conhecimento, à distribuição dos produtos etc. Custos que compartilhados as
permitem desenvolver atividades que isoladamente estariam incapacitadas. A organização
em rede está fortemente baseada nas relações de confiança entre os atores envolvidos. Neste
caso, o papel e o potencial de ação das instituições locais na rede é dependente da
capacidade destas estabelecerem conexões entre os nós, fato que permite uma flexibilidade
na ação conjunta da estrutura formada. Neste sentido, as instituições locais (Conselho da
Moda) assume o papel estruturante através dos quais outras instituições se inter-relacionam a
fim de alavancar os pólos (confecções).
O estudo do APL de Nova Friburgo remete a necessidade de ampliação das ações de
cooperação social, de confiança recíproca e de um bom clima social entre os atores locais.
Logo, o estudo sinaliza o papel da governança local, que deve priorizar a vivência bem
sucedida de trocas de informações e de conhecimentos de mercado a fim de gerar um
conhecimento coletivo e sinérgico com os objetivos locais. Dentro do contexto do APL
estudado são as instituições que compõe a governança , embora despreparadas, para lidar com
a realidade local que possuem os recursos relacionais e cognitivos capazes de fomentar o
desenvolvimento local.
O papel destas instituições, em função do seu porte financeiro, poder de atuação e
base de conhecimentos, deve nortear-se nos aspectos estruturantes do APL, ou seja, na
identificação e elaboração de políticas que viabilizem as relações entre os empresários,
oferta de meios para o incremento do conhecimento de mercado e suporte a incubação de
experimentos em negociações nacionais e internacionais. Ressalta-se que a construção desta
governança tem que ser participativa sendo elaborada a partir do consenso das necessidades
e possibilidades de todos os atores envolvidos, por ser crítica neste processo o entendimento
de legitimidade, e por conseguinte aceitação, das ações por parte do empresários que formam
a base e o corpo produtivo do arranjo. O desenvolvimento regional, especificamente do APL
reflete a realidade local estudada, e seu desenvolvimento requer mudanças culturais,
econômicas e sociais para promover a remoção do status quo e modificar as estruturas de
poder local. O desafio e o potencial esta na capacidade ampliar as ações de cooperação e dos
projetos de apoio para a maioria das confecções locais.
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