Sauros e Goianossauros

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Sauros e Goianossauros
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Sauros e Goianossauros
28-Apr-2011
Eis a crônica da semana. O assunto é um predador que circula nas ruas, repartições, botecos...
Sauros e Goianossauros
por Nádia Timm
Ele andava com o rebanho. Tudo era feito em grupo, menos o sexo.
Não porque não tivesse desejo e fantasias, é que tinha medo de falhar publicamente.
O resto era feito de acordo com a cartilha goianamente correta: bebia cerveja ao final da tarde, se exibia no carrão, som
alto, música sertaneja de quinta.
O Sauro cultivava uma barriguinha e tentava disfarçar a careca. Ultimamente, considerava o bigode símbolo de poder na
repartição.
Apertava a mão com força ao cumprimentar, esmagando os dedos para mostrar quem manda.
Não olhava nos olhos, frequentava a igreja e a maçonaria, participava da rapinagem às verbas públicas.
Colecionava títulos de chefe, chefete, chefinho nos conselhos e comissões que integrava, em reuniões quinzenais, super
bem remuneradas.
Cuspia no chão. Mal sabia assinar o nome, se virava.
Na Internet, não escondia que era analfabeto funcional. Ao contrário, destruía o idioma como fosse um estilo de
linguagem.
Com poucas palavras “mautrassadas’’ chamava logo a interlocutora no Chat para dar uma volta,
dar um beijo, chupar o pau.
Sem constrangimento, escrevia que estava “ecitado”.
Exibia-se falando de alqueires, arrobas e vacas. Mulheres eram para ser usadas e abandonadas. Sauro temia ser
chifrado, envelhecer, falhar na hora agá.
Tinha ereção precoce e para driblar o vexame as queria apenas para rapidinhas. E repetia na roda do bar: todo homem é
corno, toda mulher, traidora.
Não largava a barra da saia de sua mãe. Santa, só ela. Desprezava as fêmeas.
Não cedia o lugar para uma Saura passar, muito menos para sentar. Até pedia que levantasse da cadeira, pra ver que
é o macho quem manda.
Nada de por favor, nem muito obrigada. “Quem mandou virem com este negócio de feministas, querem ser iguais
a nóis”, dizia.
O Sauro mastiga as palavras ao falar, aos trancos o som das sílabas ressoa. A voz em estrondo acompanha os decibéis
do som de seu carro. Adora som automotivo e fica motivado ao chamar a atenção.
Sauros conversando lembram símios. O esforço para articular e emitir a sonoridade é tão grande quanto o de elaborar um
pensamento lógico.
Forma e conteúdo são superficiais. Expressões elaboradas os consumiriam, o cérebro caroço implodiria.
Ele se alimenta de sílabas que engole, deixando apenas a metade dos vocábulos a serviço da comunicação.
Vivem para comer. Os repastos são temas importantes em seus diálogos berrados. Farocuguiró, diz um. Hum, Dili,
responde o outro.
Tradução: farofa com guariroba (espécie de palmeira do cerrado), diz um. Hum, delícia, responde o outro.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, em frente aos espelhos num salão de beleza da esquina, a Saura afia as garras.
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Lixa e pinta as unhas, também gosta de conversar sobre receitas de como agarrar um Sauro. Alisa os cabelos, se
prepara para a caçada.
Nas lindas noites goianas é a ela quem cabe a iniciativa da dança do acasalamento.
Depois de capturá-lo, se considera dona do namorado.
Daquele mesmo... Do Goianossauro que cospe no chão, não pensa, não fala e não trepa direito. Dona do sem educação,
sem elegância, mas que jura ter um pedaço de terra, conta recheada no banco.
E ela vigia o animal. Telefona mil vezes, vasculha o Orkut, fareja outras Sauras porque a concorrência é grande, um
para vinte.
Pelo pinto de um Sauro é capaz de barracos e baixarias. Diz que administra seu ego, não permite que tenha um.
A Saura o quer sob seu jugo, mas não vacila se surgir outro mais poderoso. Sauros com chifres são comuns nas bandas
das roças do Brasil. Machucados, gostam de gemer em duplas e alguns vendem milhões de discos.
Como toda a fêmea, a Saura é faminta. Quer sexo e dinheiro sem nenhum pudor. Enfeitada com adereços chamativos
faz pose como se estivesse na vitrine do Shopping.
Pisca os olhos num esforço para algum movimento. Não abe a boca, não tem assunto. Brincos grandes, colares e
pulseiras são seus ícones de feminilidade. Na repartiç
ão é conhecida como gostosona, com decotes profundos, saias
curtas, transparências e calças justas.
Equilibra-se em saltos finos e altos a qualquer hora do dia ou da noite. O piercing gigante no umbigo é adereço das mais
jovens. Algumas penduram penduricalhos no bico dos seios, após os inflarem com silicone, claro.
Copia a moda das novelas e das revistas de fofocas. Gosta de ver fotos e deixam as letrinhas de lado.
Assim como os machos da espécie, qualquer estudo ou esforço para o desenvolvimento está além do alcance,
considera coisa sem importância.
Gosta de ficar parada, de preferência sentada tomando cerveja, aguardando o momento do bote selvagem em cima do
Goianossauro. Este, aliás faz cara de indiferença às Sauras , Surianas, Sauretes e Saurinhas em perpétuo cio.
Quando não casam, ou quando descasam, muitas Sauras voam para a Europa, fazem sucesso na Espanha e Portugal,
caem fácil nas armadilhas da escravidão de prostitutas. Melhor colocar o ponto final por aqui... Este assunto rende uma
outra história.
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